Transcrição Usucapião Administrativa - Juizes Tânia Ahualli e Marcelo Benacchio

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REGISTRADORES ENTREVISTA #5 Entrevistado(a): Dra. Tânia Ahualli e Dr. Marcelo Benacchio DÊNI – A ideia é que a gente tenha um bate-papo sobre o assunto e no programa de hoje vamos dar continuidade ao assunto usucapião administrativa. O Novo Código de Processo Civil já está em vigor e a primeira questão é a seguinte: agora todo processo de usucapião extrajudicial vai diretamente para o Oficial de Registro de Imóveis. De que maneira isso vai afetar a população, a sociedade e também os Cartórios de Registros de Imóveis? DRA. TÂNIA – É uma tendência a desjudicialização, todos falaram aqui sobre esse tema, tirando do judiciário o que não tem conflito. O instituto da usucapião, embora não seja de jurisdição voluntária, não tem conflito na grande maioria dos casos. Nossas varas julgam a usucapião de toda São Paulo. Eu tenho treze mil processos, o Dr. Marcelo Benacchio deve

terem torno de doze ou dez mil processos, e eu estimo que mais ou menos 80 a 90% desses processos não encerram conflitos. São processos, na verdade, de regularização da propriedade e não de aquisição da propriedade, na maioria das vezes. Tendo em vista este fato, e da necessidade de resolver esse problema grave habitacional, que nós temos no país, o legislador pensou em prestigiar a usucapião administrativa. Na verdade, como diz o Dr. Ricardo Dip, o instituto da usucapião é único, continua sendo o mesmo instituto, o que muda é o procedimento, que é o procedimento administrativo previsto para o instituto. Na esfera administrativa, o instituto continua tendo a mesma natureza, a mesma validade, então também seria originário, também seria a forma de aquisição de propriedade. Vai ajudar a população no momento em que tirando do judiciário e podendo ser mais célere, traria agilidade a essas regularizações 1


fundiárias. Vai ser usado principalmente para gostaria de ponderar, não ressaltei antes, que vai ser difícil dar uma resposta exata para as questões, regularização fundiária. principalmente porque nós vamos julgar todas essas DR. BENACCHIO – Concordo com o que a Dra. questões quando chegarem ao judiciário. É algo que Tânia expôs e acho que também tem um elemento vai ter que ser construído, as varas de registros importante, que é o aspecto da população também ter públicos são as competentes para dirimir essas uma mudança da visão do serviço extrajudicial. Ela dúvidas, essas questões, tudo o que vier como dúvida vai passar a olhar o Tabelião de Notas e o Registrador será encaminhada para nós, então ainda vamos ter Imobiliário como uma forma de acesso a direitos, que que amadurecer os pensamentos, ver como vai ser a acho que é algo muito relevante. Esse aspecto da melhor forma de conseguir viabilizar o instituto. Em desjudicialização vai facilitar a concessão da primeiro momento, acredito que seja possível a propriedade, não é só um direito fundamental, é usucapião administrativa do imóvel sem matrícula, também um direito humano. Algumas pessoas ou sem transcrição, embora seja bem mais nascem e morrem com posse e não chegam à complicado de qualifica-lo. Judicialmente é possível e propriedade. Então eu acho que essa atuação do extrajudicialmente nós teríamos que ter uma situação extrajudicial é uma maneira de ter uma garantia de em que o imóvel estivesse perfeitamente acesso à propriedade, enquanto direito humano. Essa individualizado, que o princípio da especialidade objetiva estivesse cumprido não só com relação ao me parece ser a maior relevância. imóvel usucapiendo, mas dos confrontantes. Um DÊNI – Muito bem! Agora vamos ver o vídeo que o Dr. outro ponto importante é a anuência do titular de domínio do imóvel usucapiendo e dos imóveis Arthur nos encaminhou. confrontantes. Se nós não temos matrícula, nós não DR. DEL GUERCIO – É possível a usucapião temos titular de domínio conhecido. Então teria que extrajudicial envolvendo imóveis que não tenham haver uma interpretação para afastar essa exigência matrícula ou transcrição, ou seja, é possível se valer na hipótese do imóvel pertencer a uma área maior. desse instituto para imóveis em origem tabular? Nós Em tese, acredito que seja possível, mas ainda vai ter temos como requisito da usucapião extrajudicial a que ser estudado e cabe ao Registrador também fazer necessidade de anuência do proprietário do bem a qualificação. Se ele entender que há qualquer imóvel que está senso usucapido. Vislumbra-se dúvida, deve remeter para via judicial. alguma possibilidade de dispensa dessa anuência do Dr. Benacchio, tem alguma coisa a acrescentar? proprietário? Faço a pergunta porque o professor Christiano Cassettari escrevendo um artigo sobre o DR. BENACCHIO – Sim. Eu acho que o ponto assunto, defende que: o compromissário comprador nevrálgico, o ponto fundamental, vai ser a questão de cujos direitos encontram-se na matrícula do imóvel verificar se, como o exemplo que foi dado que vai ser usucapido, estaria dispensado da anuência mencionando o professor Cristiano, o compromisso de compra e venda com direito real de aquisição do proprietário da usucapião extrajudicial. existente na matrícula supriria. Acho que esse vai ser o grande ponto de como tem que ser essa DÊNI – Então, doutora, como fica esse caso? concordância do proprietário tabular, é o grande DRA. TÂNIA – Esse é um caso muito complicado. Eu ponto. Em tese, como a Dra. Tânia colocou, em 2


situações muito específicas é possível. Não obstante, pela prática vemos que muitas vezes esses contratos podem ter algum tipo de problema, pode ter algum tipo de questão, pode ser muito antigo, então realmente tem que ser verificado no caso concreto para ver se seria possível suprir. Só quero lembrar que a Escola da Exegese já se passou há muito e hoje na pós modernidade sabemos que a interpretação da lei, o que é essa concordância, não é simplesmente gramatical. Então, por isso, vamos ter que verificar pelos julgados, pelas decisões administrativas e mesmo pela prática registral.

DÊNI – Bom! Dando continuidade às questões e dúvidas, queremos saber: apesar de não conter expressa previsão no artigo 216-A da Lei 6.015/73, é possível conceder os benefícios da assistência judiciária gratuita aos requerentes da usucapião extrajudicial. Como fica a questão da gratuidade, Dr. Marcelo? DR. BENACCHIO – Essa é uma questão muito difícil, porque de um lado podemos falar: realmente não podemos excluir os pobres, o que é verdade; mas de outro lado temos que pensar que os serviços extrajudiciais são financiados pelos emolumentos, então não é possível fazer um serviço que inviabiliza a equação econômica, porque senão você causa prejuízo para todos. Eu, pessoalmente, acho que não vai ter como negar essa gratuidade. O que é preciso verificar mais à frente são as fontes dessa gratuidade, se vai haver alguma forma. Mas isso ainda é muito inicial para discutir. Sobretudo no aspecto da ata notarial, que também é um ponto delicado. Ainda que haja, por exemplo, um inventário extrajudicial, haja previsões desse tipo, esse é um dos pontos mais delicados, porque é um tipo de atividade que tem uma equação. Um regime público privado tem que ter esse cuidado, da equação econômica, porque senão se prejudica o serviço, na minha visão. Não sei o que a Dra. Tânia pensa...

DRA. TÂNIA – Só queria acrescentar o que os nossos antecessores já falaram aqui, várias vezes, e é preciso ter em mente também que, neste caso em que existe um negócio jurídico anterior, pode haver algum indício de fraude. Ou seja, se todos estão de acordo, existe um negócio jurídico, por que fazer uma usucapião, já que é uma aquisição originária, e não formalizar a regularização do negócio? Então, isso poderia dar ensejo a situações em que se regularizasse com prejuízo do pagamento de impostos, da regularização municipal das construções existentes, a Habite-se e outras questões que vem junto com esse direito de propriedade, então é preciso ter cuidado também ao admitir a hipótese para que não seja usado como uma forma de burlar a lei, como um abuso de direito. DRA. TÂNIA – Só ressaltando que a questão referente a emolumentos é uma questão tributária. Nessa seara, DR. BENACCHIO – Até porque, o abuso de direito é o que se aplica ao princípio da legalidade estrita, então um não direito. O que se faz em todas as situações deveria haver uma lei que isenta o interessado do jurídicas de abuso de direito? Se retira a eficácia que pagamento dos impostos e dos emolumentos, enfim, se pretendia com o ato abusivo. Então, esse vai ser um para que fosse concedida a justiça gratuita. A lei diz ponto fundamental, como a Dra. Tânia colocou, de que a gratuidade pode se estender aos atos do que isso se evite. Vai ser um serviço intenso, que vai extrajudicial desde que seja concedida em um ter que ser verificado. O abuso não é no instituto. O processo judicial e os seus efeitos no extrajudicial instituto está previsto em lei. O abuso é na forma da seriam também acobertados por essa gratuidade. utilização, na finalidade da utilização do instituto. Neste caso, que nós estamos examinando da usucapião administrativa, não existe processo judicial

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para que seja concedida a gratuidade. Portanto, nós estaríamos concedendo uma gratuidade sem fundamento legal. Em contrapartida, como já disseram os meus antecessores, também precisa de uma previsão expressa legal para cobrar os emolumentos, e também não há nenhum título específico ainda. Portanto, eu acho que isso ainda vai ter que ser analisado e regulamentado. O registrador precisa fazer um exame, tanto o registrador quanto o notário, bastante rigoroso, por assim dizer, da necessidade efetiva porque também está abrindo mão das custas para o Estado, e é o fiscal da arrecadação dessas custas do Estado. Então, se não fizer esse exame rigoroso pode até ser responsabilizado por não ter recolhido os impostos devidos, o tributo. Então, é uma questão bastante delicada e que ainda vai depender de regulamentação. DR. BENACCHIO – Só fazendo mais um adendo nessa questão, se a gente também for em um caminho que nada é possível, vamos excluir os mais pobres. Esse é um tema muito delicado e a Dra. Tânia colocou com precisão um aspecto legislativo, é algo muito difícil. Na minha humilde visão, eu acho que é um ponto que faltou ser regulamentado na lei, porque é algo central da questão de quem vai pagar. DÊNI – E que mexe com parte da população também, de certa forma. DR. BENACCHIO – Sim. DRA. TÂNIA – Aliás, os interessados na usucapião administrativa são os mais pobres. É a parcela da população que comprou o imóvel em um loteamento irregular, um loteamento clandestino, que pagou com dificuldade e que agora precisa dessa regularização. Portanto, a justiça gratuita vai ser muito utilizada, vai ser muito pedida, porque as

pessoas vão precisar. Na vara, acho que uns 90% dos processos correm em regime de justiça gratuita. DÊNI – A próxima pergunta é para o Dr. Benacchio: diante dos métodos alternativos de solução de conflitos, como será a participação dos notários? Quais medidas poderão ser objeto dessa nova atribuição extrajudicial? Acordos trabalhistas se incluem nessa seara? DR. BENACCHIO – Me parece que é uma atribuição natural dos notários, que todos esses atos podem ser feitos por meio do contrato de transação. Então havendo interesses disponíveis e ocorrendo concessões recíprocas, sempre é possível fazer. Mesmo o direito trabalhista, sendo disponíveis, seria possível, não sei o que a Dra. Tânia pensa, mas seria possível, havendo a disponibilidade dos direitos, não haveria nenhum impedimento. O que precisa ser feito é regulamentar como vai ocorrer essa mediação extrajudicial. Agora, legalmente os notários são as pessoas com vocação para fazer isso e seria algo muito interessante para diminuir os conflitos, ainda que tenha toda uma temática, umas questões que estão no Conselho Nacional de Justiça, há impugnações, essa me parece que é uma das questões de maior relevo para diminuir os conflitos na sociedade e evitar que tudo vá para o judiciário, porque muitas coisas podem ser resolvidas, até porque os notários, apesar da natureza jurídica de função administrativa, têm imparcialidade na sua atuação e podem dar um auxílio muito grande para a população. E insisto, colocando esse aspecto social da atividade, que eu acho que é o que já existe, mas deve ser ressaltado nos próximos anos. O que a Dra. Tânia pensa? DRA. TÂNIA – O Provimento 56/2015, da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, fez uma previsão expressa à mediação no caso de impugnação na usucapião administrativa, portanto eu acredito que a nossa Corregedoria está prestigiando essa forma de 4


composição. Eu não se isso seria tão eficaz, mas é uma tendência, como diz o Dr. Marcelo, acho que vale a pena tentar. O Código de Processo Civil que entrou em vigor agora prevê audiência de tentativa de conciliação praticamente em todos os procedimentos, então acredito que seja uma coisa interessante. Quanto à esfera trabalhista, eu acho que é possível, mas temo pela eficácia dessa ata notarial, porque se houver qualquer questionamento a Justiça do Trabalho simplesmente vai desconsiderar a existência desse acordo feito perante o notário. Acredito que seja isso.

parágrafo 10, e pegar a anuência apenas do síndico do condomínio edilício ou seria necessário a anuência do proprietário de cada uma das unidades autônomas do imóvel confrontante?

DRA TÂNIA – Embora não exista como bem salientou o Oficial, uma previsão expressa na Lei, eu acredito que pode sim ser cientificado ou anuir apenas o sindico do condomínio edilício. Na usucapião Judicial já é assim. Nós não notificamos nem citamos todos os confrontantes que fazem parte do condomínio edilício, apenas o sindico já é o suficiente. Eu acho que o intuito da Lei não é DR. BENACCHIO – Eu vou até mais longe. Acho que complicar mais do que o Judicial, e acho que pode essa é uma tendência sem volta. É uma questão que sim ser utilizada a regra por analogia. tem que ser consolidada, tem que ser firmada porque é bom para todos. É bom para o Estado, é bom para os DR. BENACCHIO – Antes eu só queria particulares, é bom para as pessoas, é algo que é da cumprimentar Dr. Rafael Gruber que eu o conheci maior urgência para que diminuam os conflitos. por força de sua atividade profissional na última Basta lembrar que a pluralidade de valores das banca de concursos, e tenho certeza que o Dr. Rafael sociedades abertas ocidentais redunda em muitos é uma pessoa que vai nos auxiliar no pensamento litígios. Se olharmos a nossa constituição federal, os acadêmico da atividade registral e da atividade conflitos estão dentro da própria constituição, porque notarial. Eu acho que é uma interpretação muito ela estabelece direitos antagônicos, então acho que razoável porque não cabe uma interpretação esse papel social dos notários, como a Dra. Tânia impossível, então é uma interpretação bastante mencionou do próprio provimento da Corregedoria, razoável, que me parecer que é a melhor. na parte de usucapião administrativa me parece DÊNI – Qual a natureza da ata notarial de usucapião? fundamental. Deve ser entendida como mera constatação de fato ou DÊNI – Recebemos uma pergunta em vídeo do Dr. um ato híbrido que contempla declarações e Rafael Gruber, 1° Oficial de Registro de Imóveis da informações extrínsecas trazidas por documentos pelas Comarca de São Caetano do Sul: o inciso ll, do art. 216 partes? a, menciona que os confrontantes devem ser notificados para sua anuência na usucapião extrajudicial. Não tem uma norma semelhante à que o parágrafo 10, do art. 213, faz no procedimento de retificação de área em relação à figura do condomínio edilício? Caso um imóvel, objeto de usucapião, confronte com um condomínio edilício com 200 unidades autônomas, poderíamos aplicar por alogia o

DR. BENACCHIO – É uma pergunta muito interessante, é um ponto que eu já havia meditado sobre essa questão, as minhas conclusões não foram conclusivas, infelizmente, mas eu posso dividir minhas dúvidas, e acho que muitas vezes responder uma pergunta com outra pergunta talvez socraticamente seja o melhor método de produzir o 5


conhecimento. Bom, primeiro ponto é a natureza jurídica se ela seria um elemento hibrido porque haveria declarações que seria típico de escritura pública declaratória, das testemunhas, das pessoas que realizariam a posse. Eu acho que esse elemento poderia ser até um pouco secundário, apesar de muito importante, verificar a natureza jurídica. Então vamos supor uma ata notarial de usucapião. O ponto que eu acho mais delicado que sinceramente ainda não tem uma conclusão, eu sei que muitos tem falado que é um ato meramente atestando o fato que o tabelião faz, mas, a pergunta que eu faria seria a seguinte: o tabelião quando vai atestar a posse, seria simplesmente na usucapião administrativa, seria simplesmente ele repetir o que ele ouviu, ou haveria algum juízo de valor da parte dele? Por que falo isso? Porque a posse basicamente, apesar de ter prova documental, a grande prova, e nós juízes sabemos isso na usucapião, é oral. Então o tabelião que vai ter contato com as pessoas na ata notarial, e me parece que ele pode colocar elementos conclusivos que não seriam típicos da mera apreensão sensorial dos fatos. Então isso eu tenho como uma dúvida. Se for olhar de uma maneira mais tradicional, vai se falar o que? Não, simplesmente o tabelião vai lá, olha as declarações e coloca lá o que ele verificou, ou se ele vai ou não vai in loco, ele verifica todas essas questões. Essa é uma posição. Se a gente for pegar uma posição um pouco mais além, toda a prova da posse, toda a prova de que uma pessoa estava de maneira ininterrupta naquele local por tanto tempo, e tecnicamente se estou falando de posse, já estou falando que não é detenção do ponto de vista jurídico, então não é algo exercido em nome de outro, já estou dando uma qualidade para a posse, que é a posse de usucapione. Então, a minha dúvida, me perdoe responder dessa forma, seria assim: será que não haveria um algo mais nesta ata notarial? DRA TÂNIA – Realmente é uma questão muito

complicada. O Dr. Ricardo Dip acredita que a ata notarial é anterior ao processo da usucapião, ela é apresentada como um dos elementos, e que ela mantém a sua natureza de ata notarial que não caberia ao tabelião fazer vistoria no local, percorrer as divisas, ele simplesmente, como dizia o Dr. Marcelo Benacchio colocaria o sentir daquele momento, atestaria os fatos. Isso me parece bastante ponderável, mas, como disse o Dr. Marcelo, também traz uma certa insegurança, porque de certa forma vai dar fé pública a uma posse que ele não teve nenhum contato, ele não viu, estão acho que vai ser um pouco complicado que se consiga acertar um meio termo para que a ata traga segurança, e ao mesmo tempo, fique inexequível. Porque se o tabelião tiver que ir a cada terreno, percorrer as divisas, falar com os confrontantes, enfim, realizar inúmeras diligencias para conseguir lavrar a ata, talvez torne ainda mais complicado o instituto. Eu concordo com o Dr. Marcelo, acredito que tenha que se dar um olhar mais especifico para essa ata da usucapião. DR. BENACCHIO – Eu só quero ressaltar que isso daqui é um primeiro momento, não que seja essa uma opinião final. É um questionamento de qual é a relevância dessa ata, porque ela vai ser analisada no final pelo Oficial de Registro Imobiliário. O que pode constar, o que não pode, e voltar neste ponto, se é necessário ir in loco ou não, são questões da mais alta relevância teórica e prática. DÊNI – Dra. Tânia, o Registrador Imobiliário deve indeferir a usucapião extrajudicial se identificar que a ata notarial utilizada para testar o tempo de posse é ato meramente declaratório do requerente, sem a constatação in loco pelo escrevente de notas? DRA. TÂNIA – Está intimamente ligada essa pergunta à anterior. Se for considerado necessário que

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o Tabelião vá ao local, faça diligências para validar a ata, o Registrador pode recusar a ata que não esteja em conformidade com isso. Agora, cada caso é um caso e quem faz a qualificação é o Registrador. Ele é livre para fazer essa qualificação. Então havendo alguma dúvida sobre como foi produzida a ata, ou sobre as declarações constantes, ele pode se negar a fazer a usucapião. Ele não vai contar só com a ata notarial, vai contar com os documentos que serão juntados, vai contar com outros indícios, impostos pagos, enfim, vai contar com um conjunto de provas, assim dizendo. Mas a qualidade da ata notarial vai precisar ser definida antes, como acabamos de falar.

Então, em primeiro momento, eu acredito que o Dr. Marcelo Berthe falou sobre isso, e poderia se entender que não precisaria ser fundamentada. Mas, eu concordo com o pensamento dele de que isso tem que ser flexibilizado. Uma coisa é não falar nada, outra coisa é falar algo completamente desconectado com o pedido. Se há impugnação, mas é notoriamente dissociada de qualquer interesse jurídico, acredito que poderíamos entender como não fundamentada. Não sei se o Registrador poderia fazer isso, ou se deveria suscitar a dúvida, como ele já faz agora na retificação. Provavelmente isso vai chegar em forma de dúvida, principalmente em um primeiro momento. Não sei se o Dr. Marcelo concorda.

DÊNI – Primeiro vem a análise do que está na ata, a constatação para depois poder analisar os fatos e DR. BENACCHIO – Sim. Antes, só gostaria de fazer um adendo da questão anterior, da ata, se o Tabelião julgar. deve ir ou não ir in loco. Me parece que não é DRA. TÂNIA – Sim, primeiro dizer o que deve ter imprescindível que vá, mas me parece que a maioria essa ata notarial, que vai ser construído aos poucos. das vezes deve ir. Faço um paralelo com o processo O Dr. Benacchio vai ter que analisar as questões, judicial, o juiz não vai a todos os locais, porque se vale traçar diretrizes etc. Se no futuro houverem da prova testemunhal, mas eu acho que reforça a ata e requisitos para a ata notarial e esses requisitos cai nas questões que mencionei, o fato de ter a passem por diligências, então poderia recusar, com presença in loco. E é bom lembrar também que a ata certeza, uma ata notarial que fosse apenas pode ter fotografias, que talvez seja útil nesse ponto. declaratória, ou declarativa, como ele fala. Por DÊNI – Talvez a pergunta seja: em que casos ir in loco? enquanto nós não temos bem delimitado. DÊNI – E, no caso de impugnação, que a Dra. Tânia já comentou, do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, previsto no art. 216-A, § 10 da lei 6.015/73, caberá ao Registrador alguma análise acerca dos argumentos apresentados? DRA. TÂNIA – A lei não fala nada. A lei não diz que a impugnação deve ser fundamentada, diz que havendo impugnação se indefere ou se remete à via judicial e nós temos que considerar que o silêncio basta para que também seja indeferido o pedido.

DR. BENACCHIO – Sim, não acho que tenha que ir a todos. Mas na grande parte dos casos será interessante que se vá, porque o que vai se atestar? Que a pessoa está lá. Então se a percepção sensorial do Tabelião diz: estou vendo essa pessoa no imóvel, está aqui, tem atos de posse, eu acho que reforça. Vai facilitar para o Registrador Imobiliário, como a Dra. Tânia disse, no sentido de saber que não vai ser necessário outras diligências e esse tipo de situação, ou de rejeição. Na questão da impugnação, eu concordo com a Dra. Tânia. A impugnação é um direito, e se é um direito, deve ser exercido em conformidade a esse direito. 7


Então uma impugnação totalmente sem fundamento algum, totalmente absurda, é um abuso. E voltando ao que falamos agora há pouco, quando é um abuso não posso dar efeito jurídico. Essa questão é fácil, acho que vai ser mais difícil aquelas impugnações que exigem juízo um pouco mais aprofundado. Sabe que eu me recordo, não sei se a Dra. Tânia pegou essas questões... Lembra daquelas questões da aldeia indígena na zona leste de São Paulo? DRA. TÂNIA – Lembro! DR. BENACCHIO – Quer falar sobre isso, Dra.? DRA. TÂNIA – Não, pode falar. DR. BENACCHIO – Porque eu não tenho muita experiência, eu só li os julgados na época e lembro que até se colocava como coisas impossíveis, coisas imagináveis, a existência de saci e esse tipo de coisas. DRA. TÂNIA – Eu trabalhei com isso. Estou na área desde 1993 e sofri bastante com os aldeamentos indígenas de São Miguel Paulista, Parelheiros e tal. Sempre que se alegava interesse da União, por ter um aldeamento indígena nessas áreas que notoriamente não tem mais, nós éramos obrigados a remeter os autos para a Justiça Federal, para que eles simplesmente apreciassem o interesse e nos devolvessem. Essa ida e volta durava mais ou menos uns cinco, seis anos. Sempre que havia uma impugnação dessa forma da União, a parte se desesperava. Mas, formalmente não tínhamos como apreciar, a Justiça Federal que era competente para apreciar. Isso acabou sendo resolvido politicamente, porque depois a União reconheceu que não havia mais, obviamente, indígenas em algumas zonas de São Paulo, outras ainda continuam com essa questão, mas mesmo sabendo que ia e voltava sem apreciação e não havia mais índio lá, éramos obrigados a

mandar. Eu não sei se essa postura foi muito correta. Talvez devêssemos ter sido mais corajosos e parar de mandar simplesmente. DR. BENACCHIO – É isso o que eu quero dizer. Se for uma impugnação de um fato notoriamente inexistente, será que tem força de impugnação? Acho que esse é um raciocínio a ser desenvolvido. Inclusive em retificação de registro imobiliário, as normas até preveem uma situação em que o próprio Registrador, conforme o tipo de impugnação. Então, eu acho que esse também é um tema que vai ter que evoluir no pensamento dos Registradores, dos estudiosos, dos jurisprudentes, que nem do Direito Romano. Não os juízes, mas aqueles que pensam o fato. E quando eu falo isso de jurisprudência nesse sentido, o que me vem à cabeça é o Dr. Dip, que é o nosso filósofo, nosso pensador da área, que sempre tem uma visão diferente das coisas. DÊNI – Recebemos uma pergunta do Dr. Flaviano Galhardo, 10° Oficial de Registro de Imóveis da Capital: Há um loteamento em que o loteador construiu duas casas em cada um dos lotes, e vendeu em frações ideais para pessoas diferentes. Por exemplo, construiu a casa número 1 e número 2 e vendeu a fração ideal do lote para José e a outra fração ideal, 50%, para João. Para estes casos, obviamente têm registros antigos, mas o loteador não existe mais, as pessoas não conseguiram regularizar seus títulos, então vem partilhas e é necessário ser feito o desdobro do terreno, porém muitas vezes esse terreno não atinge a metragem mínima prevista em legislação municipal. Poderia ser feita a usucapião extrajudicial em um caso assim? O sujeito já tem o título registrado, só que em fração ideal de terreno, ou seja, ele tem uma fração ideal de 50% do terreno, quando na verdade isso se consubstancia em uma casa localizada em praticamente metade do lote.

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DRA. TÂNIA – Vai começar comigo? DÊNI – Pode ser, depois a gente passa a palavra para o Dr. Benacchio. DRA. TÂNIA – Pode ser? Bom, eu acredito que a usucapião é possível, desde que haja posse individualizada. A usucapião é uma situação de fato, se dá com base na posse. Então se foi vendida uma fração ideal, consta uma fração ideal, mas a parte possui uma posse localizada e preenche os requisitos da usucapião, tem interesse na regularização dessa forma, não há outra maneira de regularizar por ato negocial, como o Dr. Flaviano colocou, até poderia se pensar em utilizar o instituto da usucapião. Quanto ao módulo municipal, não é observado na usucapião porque é uma forma de aquisição originária, então nesse caso as restrições convencionais e administrativas não se aplicam. Poderia haver a usucapião abaixo do módulo, sem problemas. O que eu só teria que pensar um pouco melhor é o fato da pessoa já ser titular de domínio, embora de uma fração ideal, e está pleiteando a usucapião de um terreno do qual ela já é proprietária, mas em não havendo uma forma de regularização, e sendo a posse localizada, em tese, eu acredito que talvez se possa pensar. DR. BENACCHIO – Eu acompanho o pensamento da Dra. Tânia, inclusive há várias decisões judiciais de usucapião entre condôminos que poderia ser o caso, ainda que fosse pró-divisa, mas é de fato, porque às vezes na matrícula só está a fração. DRA. TÂNIA – Não sei se eu entendi bem o caso exposto pelo Dr. Flaviano, mas o loteador vendeu o lote para três pessoas em frações ideais e cada uma dessas pessoas construiu a sua casa dentro deste lote e não conseguem desmembrar porque está menor que o módulo, então se valeriam da usucapião para

isso, mas já são titulares de domínio do imóvel, embora em fração ideal. Acho que esse foi o entrave que ele pensou. DR. BENACCHIO – Interessante essa questão. Eu concordo com seu pensamento, é uma questão profunda porque é uma forma de regularização, não é, Dra. Tânia? DRA. TÂNIA – É uma forma de regularização, como nós dissemos antes, na hipótese de não haver nenhuma outra forma de regularização e ter uma situação consolidada, as pessoas exercendo sua posse há muito tempo, residindo no local, talvez até pudesse se aplicar como uma solução, mas não é uma forma... DR. BENACCHIO – Precisa pensar! DRA. TÂNIA – Sim, precisa pensar. DR. BENACCHIO – Eu, inicialmente, acho que essa é uma ideia relevante conforme as finalidades do instituto, porque em uma situação dessas eu acho que não devemos perguntar só qual é a estrutura do instituto, mas para que serve a usucapião administrativa. E uma das finalidades é justamente a regularização fundiária. DRA. TÂNIA – O que não pode se fazer também é burlar o sistema de parcelamento do solo. Se foram três casas tudo bem, mas se for fazer isso com o loteamento inteiro, com uma área enorme, burlando toda a parte de regularização fundiária de desmembramento, não teria como. Acho que não é o que o Dr. Flaviano estava pensando. A hipótese é mais modesta, mais caseira. DÊNI – Perfeito! Dra. Tânia, em que medida caberá ao registrador verificar se o pedido de usucapião não está 9


sendo utilizado como burla, que já falamos bastante aqui, a uma transação negocial possível, como a compra e venda, por exemplo, como forma de escapar das custas para a lavratura de escritura e recolhimento de impostos (ITBI)? DRA. TÂNIA – Já tratamos desse assunto aqui. Acredito que o registrador é um profissional bastante capacitado, uma pessoa muito apta a perceber a situação que está sendo colocada para sua avaliação, então, se ele entender que existe qualquer tipo de fraude na justiça gratuita, como nós já falamos, ou para afastar cláusulas restritivas, às vezes a pessoa não pode vender, mas dá em usucapião e, então, afasta a cláusula restritiva, ou para consolidar uma compra e venda, uma doação, sem o recolhimento dos impostos, ou até para regularizar a construção que já existe ali. Em qualquer dessas hipóteses, se ele perceber que há uma irregularidade, ele deve qualificar negativamente e deve negar a usucapião. Isso não tem modelo, vai do bom senso de quem faz a qualificação e eu tenho certeza que os nossos oficiais estão aptos a isso. DÊNI – Os atos de burla são comuns? DRA. TÂNIA – Sim, até no judiciário. Os juízes da vara algumas vezes percebem que a usucapião é na verdade um ato simulado para poder regularizar ou para prejudicar o direito de alguém, ou até para furtar uma partilha, alguma coisa assim. Sempre que isso é verificado, todos os interessados são citados e a ação de usucapião não vai para frente. Eu acredito que na esfera extrajudicial vai funcionar da mesma maneira. Dr. Benacchio, o Sr. concorda? DR. BENACCHIO – Sim, acompanho. Acho que além dos elementos subjetivos que o oficial pode verificar no processo administrativo de usucapião administrativa, também é um elemento interessante a

própria ata notarial, porque o tabelião pode ter alguma percepção de algum fato desse tipo. A fraude é algo que, a gente já mencionou aqui, é contra o direito. Sempre vamos ter que lutar contra. É algo comum e intenso. Inclusive não é apenas do ser humano. Alguns autores jurídicos colocam que até entre os animais existe fraude, quando um passarinho ocupa a casa do outro, um animal pega a concha do outro. Métodos de predadores etc. Então, a fraude é algo que não é só humano, vamos dizer assim. Agora o direito, evidentemente, que é a arte do bom, do honesto e do justo, não admite a fraude. DÊNI – Perfeito! Para finalizar, gostaria que os doutores fizessem suas considerações sobre o que temos que fazer para evoluir no processo da usucapião. DRA. TÂNIA – Acho que ainda falta muito. Nós temos lutado por essa usucapião extrajudicial há muitos anos, atualmente acredito que eu e o Dr. Benacchio somos os principais interessados em que isso dê certo, porque a quantidade de processos de usucapião é enorme e está concentrada nas nossas varas. Então, eu tenho todo o interesse em que dê certo, mas a usucapião acabou saindo de uma forma que não foi a melhor. Eu acho que o legislador foi um pouco tímido, com medo de lesar o direito de terceiros, lidando com um direito tão importante quanto o de propriedade, e colocou alguns entraves que podem dificultar muito a utilização do instituto. Então, acho que cabe ainda alguns acertos legislativos, que nós vamos ter que lutar para isso, e muitos outros a serem feitos pelo conselho, por decisões da vara, que vão acomodar a situação com o tempo. Nós temos que tomar cuidado para que este instituto não passe a ser letra morta, como a usucapião coletiva. Nós tínhamos tanta expectativa na usucapião coletiva e atualmente é muito pouco usada, teve uma expressão ínfima. Eu acredito que cabe aos operadores, aos interessados, melhorar o instituto, fazer uma interpretação para 10


que seja útil e para que realmente cumpra o seu papel. DÊNI – Assumam a frente, não é Dr. Marcelo? DR. BENACCHIO – Eu acredito que a usucapião administrativa é uma conquista da sociedade, porque vai permitir que todas as pessoas possam adquirir propriedade, possam ter acesso à propriedade. Evidentemente isso é um ponto que ainda suscita muitas questões. Então atividades como estão sendo feitas aqui na TV Registradores, como estão sendo feitas na ARISP, de divulgar essas conversas, esses vídeos, tudo isso suscita a formação do pensamento de todos. Então, no paradigma do Direito Romano, quer me parecer que os oficiais de todo o Brasil, notadamente de São Paulo, dentro dos problemas concretos de cada usucapião administrativa dos seus processos, vão fazer subir essas questões para o Corregedor Permanente, depois vão subir na normatização da Corregedoria, das decisões do Conselho Superior da Magistratura, e só assim vamos ter um caminho de qual vai ser a norma aplicada. Mas esse caminho não é da norma para o fato, é do fato para a norma. E como a Dra. Tânia colocou, o grau de conhecimento dos nossos registradores vai propiciar que nós tenhamos algo cientificamente muito evoluído, muito interessante e que atenda a todos. É o que eu penso.

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Realização: ARISP Produção: Departamento de Comunicação e Uniregistral Diagramação: Vaner Castro Produção Executiva: Maria Micalopulos Gestão: Francisco Raymundo


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