Revista Inclusive

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BUSINĂşmero 01 - Dezembro 2015

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storytell-


Súmario Acolhimento para superar desafios Inclusão no mercado de trabalho: da oportunidade à diversidade

Educação especial e inclusiva Educação Inclusiva: atuando em favor do desenvolvimento da criança com deficiência Ações que transformam vidas De mãos dadas na luta pela inclusão Um trabalho que envolve amor e muita dedicação Com deficiência, sim. Incapaz, não. A deficiência da inclusão escolar Mobilidade urbana

Fundação Percival Farquhar Presidente Dr. Rômulo César Leite Coelho Universidade Vale do Rio Doce Reitor Prof. José Geraldo Lemos Prata Pró-Reitoria Acadêmica Profª. Lissandra Lopes Coelho Rocha Assessoria de Graduação Profª. Adriana de Oliveira Leite Coelho Coordenador do Curso de Jornalismo e Produção Publicitária Prof. Dileymárcio de Carvalho Gomes Projeto Gráfico e Diagramação Prof. Elton Binda Editor e jornalista responsável Prof. Vanrochris Vieira

Reportagens: Alunos do 4ºperíodo de Jornalismo Editoração Eletrônica: Prof. Elton Binda

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Redação

Expediente

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Laboratório de Jornalismo e Publicidade - C6 Rua Israel Pinheiro, 2000, Bairro Universitário Campus Antônio Rodrigues Coelho - Edifício Pioneiros, Bloco C - Sala 6 - Governador Valadares - Minas Gerais CEP: 35.020.220 Contato: (33) 3279-5548 jornalismo@univale.br


POR

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Vanrochris Vieira

EDITORIAL

que quer dizer a palavra inclusão?

A forma como as pessoas com deficiência têm sido tratadas pela sociedade tem mudado ao longo do tempo. Passamos do paradigma da exclusão para o da integração e, posteriormente para o da inclusão. A grande diferença entre o paradigma da integração e o da inclusão está na atribuição da responsabilidade das mudanças que são exigidas. No paradigma da integração, quem tinha que se adaptar à sociedade eram as pessoas com deficiência. Eram elas quem precisavam se esforçar para se adequarem a uma sociedade que não lhes garantia os meios necessários para isso. A responsabilidade do esforço de mudança era individual e o peso da vitória ou do fracasso caía apenas sobre os ombros da pessoa com deficiência. No paradigma da inclusão, quem tem que mudar é a sociedade. É ela a responsável por gerar todas as modificações necessárias para que as pessoas com deficiência possam ter as mesmas oportunidades que as demais. Os desafios são muitos: mobilidade urbana, mercado de trabalho, educação, saúde e respeito são alguns deles. Em relação ao respeito, uma dimensão muito importante é a linguagem. A forma como as pessoas com deficiência são nomeadas mudou ao longo do tempo, acompanhando a mudança dos paradigmas. As palavras “incapaz” e “inválido” eram usadas durante a vigência do paradigma da exclusão, pois prevalecia a ideia de que a pessoa com deficiência não tinha capacidades funcionais. Essas palavras foram abandonadas, e o termo “deficiente” passou a vigorar. Hoje, a expressão “pessoa com deficiência” substitui de forma mais adequada a palavra “deficiente”. É que esse termo reduzia o indivíduo à sua deficiência, enquanto a expressão “pessoa com deficiência” refere-se ao indivíduo em sua complexidade, apontando sua deficiência apenas como uma das característica que ele possui, entre tantas outras. Outra mudança importante foi em relação ao termo “deficiência mental”, que foi substituído por “deficiência intelectual”, para que não haja confusão entre deficiência e transtornos mentais. Já tem começado a surgir novas formas de tratamento, com propostas cada vez mais inclusivas, como a expressão “diferença funcional”, no lugar de “deficiência”, focando não nas limitações dos indivíduos, mas sim na capacidade de serem tão produtivos quanto os demais, para isso precisando apenas de condições diferenciadas de trabalho, ensino, mobilidade, etc. O importante é que quem define a forma de tratamento mais adequada são as pessoas com deficiência. Por isso, adotamos nesta revista os termos indicados pelas instituições de representação dessa população. Esperamos que as pessoas com deficiência sintam-se adequadamente representadas neste trabalho, e que as demais possam repensar suas ações, tomando consciência de que a responsabilidade pela inclusão é de cada um de nós. Revista Inclusive - 3


Foto: Luciely Elorrany

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colhimento para superar desafios

POR

Fernado Cyrilo mostra-se otimista com as novas propostas da Univale

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Alessandro Santos Izabela Rangel Luciely Elorrany

Inserir-se em um curso superior pode ser difícil para qualquer pessoa. Mas para quem tem alguma deficiência, os desafios são ainda maiores. Após muito esforço e superação, Fernando Cyrilo Rodrigues Cordier, que tem deficiência visual, formou-se em 2009 pela Univale no curso de Psicologia. Ele descobriu uma doença degenerativa aos dezesseis anos e aos trinta perdeu completamente a visão. Fernando afirma ter encontrado muitos empecilhos em relação ao processo de adaptação entre a Universidade e sua deficiência: “Fui muito atrás da reitora na época, pedi um computador que tivesse um leitor de tela, já que outras pessoas também poderiam vir a usar. Os próprios alunos também não estavam preparados para receber o outro com deficiência”. Casos como esse têm ganhado uma nova roupagem dentro da Universidade. A Univale tem procurado estar atenta às solicitações que alunos como Fernando apresentam, de modo que eles sejam atendidos dentro das suas diferentes necessidades. Segundo a professora de pedagogia da Univale Eliene Nery, antes de haver um trabalho especificamente voltado para a inclusão, o Serviço de Apoio ao Estudante já fazia o acolhimento do aluno com algum tipo de deficiência, mas

com o desenvolvimento desse trabalho foi criado o Serviço de Apoio à Educação Inclusiva: “Esse serviço foi criado pensando nos alunos que têm deficiência e que se autodeclaram, para que a gente possa fazer algum tipo de apoio.” Não somente a deficiência visual, mas também uma grande variedade de outras diferenças funcionais, como a deficiência auditiva, estão presentes na academia: “Também temos alunos com transtorno autista e com algumas deficiências físicas em relação às quais a acessibilidade ao Campus tem se atentado”, afirma Eliene. O avanço tecnológico também contribui para a Universidade. Hoje todos os computadores da biblioteca são capazes de atender a alunos com deficiência visual, e alunos com deficiência auditiva possuem o aparelho que ajuda na amplificação do som. “Há cerca de um mês todos os computadores da biblioteca estão adaptados com leitor de tela, o software NVDA. Na época do Fernando, a biblioteca não possuía nenhum computador adaptado e somente o computador para alunos de Psicologia passou por adaptação, com o leitor Dosvox, que é bem inferior ao atual. Agora, também possuímos na biblioteca uma estante cheia de livros do Benjamin Constant em Braille, dando a oportunidade para aqueles


que tem deficiência visual de terem acesso a livros antes não traduzidos”, explicou Pedro Siqueira, auxiliar administrativo da biblioteca da Univale. Para Fernando, o maior dos desafios foi enfrentar o preconceito dos colegas de sala e até mesmo de alguns professores que ainda não tinham o preparo necessário para lidar com alunos especiais. “O que mais tinha era preconceito”, desabafa Fernando. Jandira da Costa Oliveira é aluna do terceiro período de Pedagogia. Para ela, ter deficiência auditiva ainda é um processo de adaptação que requer atenção tanto dos alunos quanto de si mesma: “Quem tem qualquer tipo de deficiência sofre muito. No meu caso eu sofri também, porque os alunos não sabiam. Uma aluna me perguntava uma coisa e eu respondia outra, até que ela descobriu.” A Univale vem promovendo o acolhimento ao aluno com deficiência de forma que o estimule a continuar no curso, mesmo dentro de suas dificuldades que não devem servir de

impedimento para a arte do aprendizado. “Eu decidi fazer pedagogia depois que descobri a perda da audição. Queria trabalhar com crianças especiais, aprender Libras”, conta Jandira. Por mais difícil que seja, engajar alunos que não têm deficiência nos processos de inclusão também é importante. Isso faz com que haja uma maior compreensão acerca das dificuldades do outro, ajudando na quebra de rótulos e preconceitos. Vários cursos desenvolvem trabalhos em função de melhorias no bem estar dos alunos com deficiência presentes na universidade. Um deles foi desenvolvido pelo aluno Daniel Rodrigues Mendes, desenhista e cardista, que fez um levantamento de todas as rampas e calçadas que estavam danificadas, sugerindo a construção de mais duas rampas no Centro de Tecnologia. “Os cursos de engenharia e arquitetura são os que mais utilizam rampas. Cada sala de aula geralmente tem uma rampa de acesso, e quando é degrau, não é muito alto. Juntamos

toda essas informações e passamos para o setor de obras da Univale. Assim eles fizeram a manutenção”, explicou Mendes. Durante seu curso na Univale, em parceria com Raimundo Nonato, Fernando desenvolveu a pesquisa “A inclusão do cego na educação superior: algumas possibilidades”, que trata de alguns mecanismos que podem vir a contribuir para que pessoas com deficiência visual se insiram no ensino superior. Hoje, depois de formado, trabalha como psicólogo e massoterapeuta. Fernando possui um consultório na própria casa, onde vive com a esposa e os filhos. Considera-se uma pessoa realizada e deixa um conselho para os jovens que estão passando pelo mesmo que ele passou: “Devem fazer o máximo para se adaptar, mesmo com dificuldades. Não desistir na primeira barreira, não desistir nunca.” Citando uma frase do livro O Pequeno Príncipe, que também está presente no texto da sua pesquisa, ele conclui: “O essencial é invisível aos olhos.”

Foto: Izabela Rangel

O auxiliar administrativo Pedro Siqueira mostra um livro em braille para professora Eliene Nery

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Foto: Hadassa Gonçalves

Ely Cabral trabalhou por trinta anos como secretária de uma igreja

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nclusão no mercado de trabalho: da oportunidade à diversidade

Já se perguntou a diferença entre igualdade e justiça? Igualdade seria o direito de todas as pessoas com deficiência ingressarem no mercado de trabalho. A justiça, por outro lado, seria a oferta de condições que acolham suas especificidades, por exemplo:

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rampas, banheiros adaptados, elevadores para cadeirantes, piso tátil, informações em braile e softwares para pessoas com deficiência visual. Recursos que coloquem a pessoa com deficiência em igualdade com os outros. Lembrando que isso deve partir

não só do poder público, mas da sociedade em geral. Rogério Dias Leite, de 43 anos, ficou tetraplégico em um acidente de carro a trabalho aos 29 anos. Aposentado por “invalidez”, recebeu proposta para voltar a trabalhar. Contudo,


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Aline Figueiredo Hadassa Gonçalves Marcela Lopes

Funcionário da Distribuidora Araújo utilizando botas adaptadas

após analisar o ambiente de trabalho com seu possível patrão, ele foi considerado insalubre para a saúde de Rogério, e a falta de sensibilidade em suas pernas acarretava um risco de lesões difíceis de detectar. Apesar de não ter sido fácil, ele conta que foi preciso aceitar que sua função de mecânico não poderia mais ser exercida com sua nova condição física. “O que precisa ficar claro é que não é que a gente não queira trabalhar, nem voltar ao mercado de trabalho, é que cada caso é um caso, e as pessoas precisam entender as limitações de cada um. Eu tinha tudo na mão, só que infelizmente aconteceu o acidente e me deixou nessa situação. Hoje se eu quiser trocar uma lâmpada, eu preciso de ajuda, as coisas mais simples se tornaram mais complexas, só que as pessoas não veem isso”, conta Rogério. O trabalho tem um papel de destaque na construção da dignidade humana, todos querem obter sucesso profissional e conquistar seus objetivos através do próprio esforço. A entrada no mercado de trabalho representa não só a independência financeira para jovens e adolescentes, mas também um ganho de responsabilidade. O Brasil, assim como outros países, apresenta leis que garantem a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, contudo inclui-las não é fácil. A sociedade, as empresas e as próprias pessoas, às vezes, mesmo que não intencionalmente, agem de forma preconceituosa. O excesso de cuidado dos familiares também é um problema. Na tentativa de proteger, acabam privando a pessoa com deficiência de passar por experiências imprescindíveis à transição para vida adulta ou à aceitação de suas próprias limitações. Segundo a psicóloga Danieli Maciel, a inserção no mercado de trabalho promove incontáveis benefícios ao psicológico das pessoas com deficiência: “É uma grande oportunidade para elas: passam a ter acesso a um relacionamento com outros profissionais, outros tipos de pessoa, melhoram o status delas junto à família, se

Foto: Distribuidora Araújo

tornam pessoas mais independentes e que podem exercer suas funções fora de casa, sem precisar ter alguém o tempo todo ali fazendo algo por elas. Então isso traz a sensação de independência, produtividade e uma sensação de que ela é capaz. Isso para o emocional e para o psicológico do sujeito é muito bom, melhora muito a auto estima. Muitas vezes a pessoa com deficiência é vista com preconceito, então eles criam mecanismos de defesa para ficar um pouco mais afastados disso tudo. Quando eles estão inseridos no mercado de trabalho, eles conseguem ter essa relação mais de perto. Eles não se veem como um sujeito individual, excluído, que está dentro de casa sem fazer nada. Eles se tornam pessoas produtivas que têm importância para a sociedade e isso é importante para eles. A gente ainda tem um grande desafio que é realmente inseri-los, aceitá-los e tratá-los com suas limitações para desenvolver aquilo que eles têm a oferecer como potencial.” Em 6 de julho de 2015, o governo sancionou a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), reunindo várias outras leis já existentes sobre o assunto. Foram feitos alguns vetos ao texto original da LBI, como a cláusula que determinava uma vaga para pessoas com deficiências a partir de cinquenta funcionários, o que, de certa forma, atrasa o processo de inclusão. Pela lei das cotas, em vigor desde 1991, todas as empresas com mais de cem funcionários devem destinar entre 2 e 5% de suas vagas a trabalhadores que tenham qualquer tipo de deficiência. As empresas que possuem de 100 a 200 funcionários devem reservar 2% de suas vagas, entre 201 e 500 funcionários, 3%. Entre 501 e 1000 funcionários, 4%. Todas as empresas acima de 1001 funcionários devem reservar 5% das suas vagas. Em Governador Valadares, segundo o Ministério do Trabalho e Previdência, existem trinta e seis empresas que se encaixam no quadro com mais de cem funcionários. Essas empresas são obrigadas a contratar beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência, habilitadas ou não. Habilitadas são pessoas com deficiência que possuem algum tipo de formação acadêmica específica para a função exercida, seja a nível básico, técnico ou superior, ou que não passaram pelo processo de habilitação ou reabilitação fornecido pelo INSS, mas estão aptas para a função. No total, essas empresas possuem 235 empregados nessa condição em uma cidade com 277 mil habitantes. De acordo com Marsy Ferreira, auditora fiscal do trabalho, as fiscalizações são recorrentes, procedendo-se desta maneira: as empresas são notificadas a apresentarem documentos que comprovem o cumprimento do dispositivo legal. Em outra oportunidade são feitas fiscalizações nos estabelecimentos a fim de verificar se os postos de trabalho são Revista Inclusive - 7


adaptados, se sofrem algum tipo de cerceamento ou discriminação. As pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho, em alguns casos, lidam com o medo de não se adaptarem ao ambiente de trabalho e convivem com a incerteza da permanência no emprego. Taciano Costa é técnico em segurança do trabalho e responsável pelo setor de Recursos Humanos de uma distribuidora. Ele atribui a dificuldade de contratação à falta de comunicação e o preconceito. “Eu acredito que a divulgação aqui na cidade ainda é falha. É preciso fazer um marketing mais relacionado ao assunto, apesar de que muitas empresas têm certa restrição por achar que a pessoa com necessidades especiais seja restrita a certas atividades. Eu não acho isso, na minha empresa existe uma restrição em determinadas funções, mas por nossas atividades serem em vários seguimentos, conseguimos colocar o funcionário em vários setores. Se não dá certo em um, a gente encaminha para outro. Existe todo o processo de adaptação do funcionário, é um direito dele. Mas dispensar é certamente a última coisa que a gente pensa”, conta Taciano. Em todo lugar há conflito entre pontos de vista, e com a inclusão no mercado de trabalho não seria diferente, enquanto alguns veem como um desafio, outros enxergam uma oportunidade incrível de promover diversidade, criatividade e inovação. As barreiras são criadas geralmente a partir de pensamentos pessimistas promovidos pela falta de conhecimento acerca das necessidades desse processo. “Eu acho que o diferencial é isso: as empresas 8 - Revista Inclusive

Foto: Marcela Lopes

Gilcélia de Oliveira trabalhando como balconista em uma farmácia

olharem para esses funcionários dessa maneira. Não adianta você achar que uma pessoa com deficiência não vai se encaixar se você também não tentar. É preciso que a mesma energia que é aplicada em um funcionário sem deficiência seja aplicada nele, não pode ter desigualdade. É isso que a gente fez”, garante Taciano. Ely Cabral, aposentada de 72 anos, que teve paralisia infantil aos cinco, um ano antes da vacina de poliomielite chegar aos postos de saúde, sempre teve uma vida agitada. Seu primeiro emprego foi na secretaria do Colégio Presbiteriano, onde trabalhou durante cinco anos, em seguida trabalhou alguns meses na lanchonete de um conhecido. Por fim, foi convidada a trabalhar na secretaria da Primeira Igreja Presbiteriana, onde se aposentou após trinta anos de serviço. Diferente do que muitos pensam, ela diz que nunca sofreu preconceito e afirma: “Eu nunca me senti excluída, nem por família, nem por nada, eu não sei o que é ser excluída.” Ela deixa uma mensagem para as pessoas com deficiência “Não se exclua, aproveite a inclusão. Muita coisa do

deficiente, parte dele mesmo. Então não se diminua, se iguale, ninguém deve se exaltar, mas nós temos o mesmo direito.” As cotas possibilitam a integração dessas pessoas não só ao mercado de trabalho, mas também à sociedade. A adaptação está relacionada a questões comportamentais, uma vez que é quebrada essa segregação, o convívio entre ambas as partes se torna algo do cotidiano. Há dois anos, após sentir dores constantes na perna, Gilcélia de Oliveira, de 19 anos, foi diagnosticada com um linfoma não-Hodgkin, um tipo de câncer que desgastou a cabeça do seu fêmur. A demora de um diagnóstico preciso fez com que as dificuldades para movimentar uma de suas pernas se tornassem cada vez mais intensas, até alterar sua forma de andar. “No começo eu não queria sair de casa de jeito nenhum. As pessoas te olham como se você tivesse morrendo apenas por ser diferente”, ela conta. Hoje em seu primeiro emprego como atendente de farmácia, ela se diz realizada por poder ir além das expectativas das pessoas. “Eu acho que as cotas aju-

dam a gente a se sentir útil, você pode ter uma limitação física, mas se tem uma cabeça para pensar, tem utilidade em algum lugar”, conclui Gilcélia. A inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalhado depende de grandes transformações. Apesar dos avanços, é um processo que demanda a colaboração de todos. Ao inclui-las, não estamos apenas ofertando um salário, mas também a oportunidade de se realizarem socialmente e psicologicamente. “Se a pessoa já nasceu com aquela deficiência, seu psicológico é diferente de uma pessoa que possui a deficiência adquirida. Infelizmente as pessoas com deficiência de uma forma geral sofrem. As empresas precisam ter em mente que estão oferecendo dignidade a essas pessoas”, ressalta Rogério. Com o esforço de todos e elaboração de políticas públicas que proporcionem os suportes primordiais para que essas pessoas tenham acessibilidade a todos os recursos do meio social, o processo de inclusão deixará de ser um desafio para se tornar uma realidade. Afinal de contas, ser diferente é normal.


Foto: Cátia Oliveira

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E Carol Fonseca Cátia Oliveira David Silva

ducação especial e inclusiva Livros publicados pela professora Eliene Nery

A Univale se preparou recentemente para oferecer um Curso de Extensão em Educação Especial/Educação Inclusiva. Uma das professoras que ministrou as aulas foi Eliene Nery, que é formada em pedagogia e psicologia. A pedagoga carrega consigo uma vasta experiência em educação especial, e já escreveu e publicou alguns livros relacionados ao assunto, como “Criança especial, criança diferente” e “Novato”, ambos voltados para o público infantil. Agora, ela está lançando mais um livro, com o título “Territórios educativos, educação especial”, um produto de sua pesquisa de mestrado. “A minha dissertação de mestrado foi em uma escola de educação especial, então a minha trajetória está voltada para essa temática”, afirma Eliene. As aulas também foram ministradas pelas professoras Elzi Maria de Freitas e Maria Elizabeth Campos. O Curso de Extensão em Educação Especial/Educação Inclusiva teve o objetivo de capacitar profissionais da educação básica, monitores de educação especial, estudantes de pedagogia e os demais interessados no assunto. Alinhada com as questões contemporâneas e entendendo a importância do processo inclusivo na sociedade atual, a Univale decidiu criar o curso, na tentativa de auxiliar o aluno com necessidades especiais que busca o ensino superior.

A temática do curso foi a deficiência intelectual e a síndrome de Down. A iniciativa foi do Serviço de Apoio à Educação Inclusiva da Univale. Entre os resultados esperados, estão desenvolver o foco dos professores da educação básica que trabalham com alunos com necessidades especiais, dando apoio a uma formação continuada, e ampliar as discussões sobre o atendimento do aluno com síndrome de Down e com deficiência intelectual. De acordo com Eliene Nery, alunos com deficiência no ensino superior não são uma novidade na Univale, que já vem recebendo há alguns anos pessoas com necessidades especiais, como a deficiência intelectual, visual e auditiva, entre outras. Parte desses alunos, inclusive, já concluiu seus cursos de graduação. Atualmente, o que se busca é ampliar esse serviço. Por isso, a instituição criou esse projeto, a fim de atrair um público que busca estudar essa temática e, com isso, ampliar discussões voltadas para a deficiência intelectual. O curso teve uma base teórica e prática e foi oferecido ao público amplo. Teve uma carga horária de quarenta horas, com certificado, tendo havido trinta vagas disponíveis. As aulas foram ministradas aos sábados e distribuíram-se em quatro tópicos, pois a Univale buscou fazer uma organização diRevista Inclusive - 9


dática ao longo do curso. Inicialmente, foram abordadas as questões da alfabetização e letramento, desenvolvimento e aprendizado da criança e jovem com deficiência intelectual. Por último, mas não menos importante, os estudos de casos voltados para a inclusão do aluno com deficiência intelectual no ensino regular. Com o intuito de informar e contribuir na formação de estudantes de pedagogia, Eliene realizou alguns projetos que antecederam o Curso de Extensão em Educação Especial/ Educação Inclusiva, como por exemplo, a Oficina para Deficientes Auditivos. A oficina abordou estudo de casos e teve a participação de pessoas com deficiência auditiva. Mônica Amâncio, 30 anos, estudante do sétimo período de pedagogia tem deficiência auditiva. Ela ministrou essa oficina, abordando as Libras (Linguagens Brasileira de Sinais), a importância dessa linguagem no dia-a-dia e na inclusão dos deficientes auditivos. Mônica conta que a necessidade de aprender a língua de sinais surgiu quando ela descobriu sua perda parcial de audição. Então, em 2012, fez um curso de Libras e, por ser uma área que ela gostou, em 2013 fez outra especialização. Através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), conversando com Eliene Nery, ela contou que tinha formação em Libras. Foi quando surgiu o convite por parte de Eliene para que juntas elas desenvolvessem a oficina. A estudante relatou para os alunos da oficina como perdeu a audição: “Comecei a perder a audição aos 12 anos, após uma queda. De imediato, não foi descoberta a perda auditiva. O médico achou que era só um braço quebrado e não fez outros exames. Eu só descobri a perda auditiva aos 21 anos. Eu tive nove anos de atraso por causa disso. Mas no espaço escolar isso não interferiu muito, porque, como eu já tinha desenvolvido a oralidade, então eu não tive dificuldade em relação à vida escolar. Quem percebeu a minha perda auditiva foi meu esposo. A gente estava começando a namorar, e ele conversava comigo, e eu não respondia ou não entendia o que ele falava. Aí fui procurar um especialista e realmente tinha uma perda auditiva já grande. Já tinha perdido um lado total e o outro já tinha 40% de perda. Hoje eu faço acompanhamento para evitar que o outro também se perca totalmente.” Outro relato importante foi o da estudante do terceiro período de pedagogia, Jandira da Costa, 34 anos, que disse ter descoberto a deficiência, decorrente de uma inflamação no ouvido, quando tinha 10 anos. Mesmo tendo apoio da família, ela não quis assumir que tinha a deficiência, porque sentia vergonha. 10 - Revista Inclusive

Foto: David Silva

Professora Eliene Nery ao lado da estudante de pedagogia Mônica Amâncio

Devido a essa negação, teve muita dificuldade na aprendizagem durante o período escolar e para se relacionar e compreender os colegas e os professores: “Como não assumia, então ficava só pra mim mesmo, porque eu falava ‘aham’, mas não entendia nada. Depois que resolvi assumir, aí comecei a me adaptar à deficiência. Assim consegui conviver melhor com as outras pessoas me compreendendo. Eles sabendo da minha deficiência, sabiam a maneira de lidar comigo, falavam mais alto e eu fazia leitura labial”. Segundo Eliene Nery, as discussões de apoio ao direito à pessoa com deficiência têm se ampliado nos últimos anos. As políticas públicas avançam no sentido de garantir o direito da pessoa com deficiência à educação, à cultura e à acessibilidade nos ambientes públicos. Esse avanço está acontecendo a cada dia: “O preconceito sempre vai existir em maior ou menor escala, dependendo do ambiente, da cultura, do território, mas a gente vê que cada vez mais o preconceito diminui, e as pessoas com deficiência garantem o seu direito a ter uma vaga no trabalho, à educação, a ir e vir. Hoje eles têm políticas de apoio às suas necessidades.”


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Foto: Cristian Neves

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ducação Inclusiva: atuando em favor do desenvolvimento da criança com deficiência

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Cristian Neves Jussara Fernandes Ludmilla Cotta

A educação básica é um direito garantido a toda criança, tendo ela deficiência ou não. No Brasil, já é estabelecido por lei que toda criança deve ser matriculada numa escola de ensino regular. Apesar de recente, o debate sobre a educação inclusiva tem avançado no Brasil ao longo dos anos. De acordo com o Ministério da Educação, em 2014, o percentual de inclusão nas escolas públicas subiu para 93%, sendo quase 700 mil alunos com deficiência matriculados em classes comuns. O projeto de inclusão nas escolas é uma preocupação que vai além dos órgãos públicos ou dos profissionais da educação que desenvolvem a metodologia de ensino. Os pais são os maiores interessados no assunto, uma vez que o mais importante para a família é o desenvolvimento dos filhos. Shirley e Leonardo Fagundes são os pais de Rafael, com um ano de idade, que tem Síndrome de Dowm. O pequeno ainda está longe de ir à escola, mas eles já estão atentos ao futuro do filho. “Vejo que teremos de ter certa preocupação, pra que ele acompanhe os demais colegas. A gente sabe que pode ser que o desenvolvimento não seja tanto quanto o dos demais, ou às vezes pode ser que sim. Então a gente fica na expectativa, e, claro, uma escola com profissionais preparados vai fazer toda a diferença”, afirma Shirley.


O CRAEDI utiliza materiais pedagógicos específicos para crianças com necessidades especiais

A família de Rafael acredita no potencial do ensino inclusivo de Governador Valadares e afirma que a cidade possui bons profissionais. Os pais ainda não decidiram se ele vai estudar na rede pública ou particular, mas a certeza é que a inclusão trará bons resultados ao filho. “Uma escola que trabalha com a inclusão de verdade, não deixando a criança de lado, colocando ela com a mão na massa pra aprender, pra fazer sozinha e também para ter mais autonomia, isso vai ajudar bastante, com certeza”, diz a mãe. Quanto à expectativa sobre o futuro da educação de Rafael, Shirley e Leonardo se mostram otimistas e apostam que a inclusão nas escolas só tem a melhorar: “Eu acredito que quando ele estiver na escola, daqui a alguns anos, já vai estar bem melhor a acessibilidade, o desenvolvimento dos professores, o aprendizado para ensinar a essas crianças. Eu creio que eles vão estar mais preparados para receber as crianças especiais na escola”, conclui Shirley. A boa notícia, que pode trazer esperança a Shirley e Leonardo, é que Governador Valadares caminha a

passos largos em direção à inclusão de crianças como o Rafael nas escolas. O CRAEDI (Centro de Apoio e Referência à Educação Inclusiva) é um órgão ligado à Secretaria Municipal da Educação para transformar o sistema educacional em atenção às crianças que precisam de educação especial. O termo “deficiência” sozinho não é capaz de traduzir todo tipo de diversidade trabalhada no CRAEDI, uma vez que o objetivo é oferecer Atendimento Educacional Especializado (AEE) de uma forma que contemple não só as deficiências (visual, física, auditiva, intelectual e múltipla), mas também as situações tratadas como “necessidades especiais”, que são as altas habilidades e os transtornos globais do desenvolvimento, como o autismo e a psicose infantil. Além de trabalhar com o aluno, o CRAEDI também oferece capacitação para os educadores, através de oficinas pedagógicas, atribuindo maior habilidade para os professores no desenvolvimento, aprendizagem e autonomia de seus alunos. Prestes a completar dez anos, o CRAEDI conta com cerca de cinquenta profissionais entre professores, pedagogos, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais e profissionais de apoio administrativo. Segundo a diretora do Centro, Leila Salgado, o CRAEDI veio para atender à política nacional de educação inclusiva aos alunos com deficiência e outras necessidades especiais. A equipe de profissionais do Centro oferece todo o suporte aos professores da rede municipal de ensino. “É um apoio complementar ao que é trabalhado na escola, por isso é uma educação especializada. A formação é feita com o professor e o monitor, ou com um intérprete de Libras quando o aluno é surdo. Esse professor vem ao CRAEDI para ser orientado, atuando de forma conjunta em favor do desenvolvimento da criança”, explica a diretora. Uma das ações do Atendimento Especializado é a formação do professor: “Ele é formado naquela educação especial que ele atente em sala de aula. Então, se esse ano o professor receber um aluno com autismo, ele vem pra formação sobre autismo aqui no Centro. O ano que vem, se ele tiver um aluno com surdez, ele vem pra formação sobre surdez”, afirma Leila. O trabalho realizado no Centro também se estende à família dos alunos atendidos. Uma forma de incluir os pais dentro do processo de desenvolvimento da criança. “O aluno vem pela família. Ele vem com a família que fica ali aguardando, diferente da escola que o pai leva o aluno, vai embora e depois volta pra buscar. Então é um tempo que às vezes a gente tem pra chamar esse pai, pra ele participar do atendimento junto com o filho, ou da psicóloga conversar sobre uma questão que precisa ser resolvida, ou mesmo um atendimento através do profissional do serviço social”, ela conta. Revista Inclusive - 13


Foto: Cristian Neves

Rafael em atendimento fisioterapêutico

A professora Jerusa Alves é formada em pedagogia e trabalha na rede municipal de ensino na cidade de Engenheiro Caldas. Em 2011, ela participou de uma das oficinas promovidas pelo CRAEDI. A professora conta que os dias que passou em treinamento foram de suma importância para a atuação em sala de aula. “A oficina me abriu os olhos. Percebi que às vezes a gente tem numa sala alunos que não dependem de nenhum atendimento especializado e a gente encontra dificuldade para alfabetizá-lo, por uma série de fatores, e muitas vezes um aluno que precisa dessa atenção, a alfabetização chega a ser até mais fácil por conta dos recursos disponibilizados para trabalharmos com ele”, conta Jerusa. Outra questão importante destacada pela professora é o respeito ao tempo do aluno: “O que precisa ser feito é entender que todas as pessoas têm o direito e a capacidade de serem alfabetizadas, claro, cada um no seu tempo. Aprendi a não esperar retorno imediato. O objetivo é instigar e trabalhar o aluno independente do tempo que ele demore para ler ou escrever o nome, por exemplo”. Para Jerusa, o CRAEDI ensina como os educadores podem ajudar de forma simples a atender melhor os alunos com deficiência e outras necessidades especiais. E o mais importante é que não precisa esperar muito do Estado: “Basta que você entenda qual é a necessidade dele. Se o aluno tem dificuldade de enxergar, o professor não precisa esperar uma ação do governo, é só providenciar uma calculadora maior, para que ele 14 - Revista Inclusive

enxergue melhor os números”, afirma Jerusa. Além de promover a inclusão, a educadora afirma que atender esses alunos contribui não só para o desenvolvimento deles, mas envolve todos os membros da sala de aula. “A inclusão é muito importante para a formação de todo aluno, seja ele dependente de atendimento especializado ou não. Uma vez que eu tenho um aluno com deficiência ou outra necessidade especial, isso vai criar nos demais um espírito de cooperação, de participação e de como eles podem ajudar uma pessoa com alguma dificuldade”, explica a educadora. Ao final da oficina, a professora garante que o CRAEDI oferece mais que um atendimento, “é uma formação para a vida, que estimula a independência e a autonomia. Aprender a pegar um ônibus, a mexer no celular... e também a envolver a comunidade para compreender as dificuldades a fim de formar cidadãos críticos conscientes”, ela conclui. A discussão é grande, e quando se trata de inclusão de pessoas com deficiência e outras necessidades especiais no convívio em sociedade, há muito caminho pela frente. A família do Rafael citada no início desta reportagem é só um exemplo entre outras famílias que vivem a preocupação com a ida do filho para a escola. Mas a certeza é que o ensino especializado na rede municipal de Governador Valadares tem se empenhado a oferecer não só um aprendizado de qualidade, mas a formação de cidadãos com autonomia, promovendo assim a qualidade de vida dessas pessoas.


Foto: Roney Alves

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No Centro Esportivo Universitário da Univale (CEU) são feitos diversos atendimentos na área de fisioterapia

Michel Alves Paulo Henrique Anjos Roney Alves

Nos últimos anos, várias transformações sociais ocorreram no Brasil. A melhoria da renda, o acesso à informação e o aumento da qualidade de vida podem ser celebrados por grande parte dos brasileiros. No que diz respeito à educação e à saúde, ainda que menos que o desejável, também houve consideráveis mudanças. Dentro das iniciativas de levar ao cidadão mais qualidade de vida e saúde, alguns projetos merecem destaque por apresentarem formas diferenciadas em relação às tradicionais, como os serviços de fisioterapia oferecidos no Centro Esportivo Universitário (CEU), da Univale. Ao falar do tratamento que recebe no local, Dona Maria das Graças Barbosa não consegue conter a emoção. Após seis meses sendo atendida no CEU, ainda apoiada nas muletas, hoje ela conta com satisfação que conseguiu voltar a andar. “O que eu mais quero é largar as muletas. Fiquei

um ano numa cadeira de rodas, nem em minha cozinha eu conseguia ir”, afirma Maria das Graças Barbosa, de 65 anos. A declaração emocionada e os passos ainda inseguros são motivos de orgulho para Dona Maria. Ela, assim como vários outros pacientes, passa por sessões de fisioterapia semanais, sendo atendida por alunos e professores do curso de Fisioterapia da Univale. “O atendimento é muito bom, a gente estava precisando demais e não sabia pra onde ir, se não fosse este atendimento a gente não conseguiria fazer o tratamento. Aqui é o céu mesmo”, afirma Geraldo Ambrósio Barbosa, de 63 anos, fazendo referência à sigla do Centro Esportivo Universitário. Paciente do Centro há cerca de um mês, Geraldo, que sofre de artrose, já vê os primeiros resultados. A clínica onde são feitos os tratamentos funciona desde 2006. Antes, os atendimentos eram realizados no Bairro Vila Bretas, e no ano de 2014 ela foi instalada no CEU e adaptada para melhor atender os pacientes. Para os tratamentos, o Centro possui piscina adaptada com água aquecida, rampa com piso antiderrapante e barras laterais para Revista Inclusive - 15


a melhor locomoção dos usuários, quarto adaptado para controle de ondas que interferem na calibragem dos outros aparelhos, além da disponibilidade dos profissionais. Para Vanessa Loyola Lopes, professora do curso de Fisioterapia, que está entre os professores que supervisionam o trabalho dos alunos, a eficiência do serviço é alcançada não apenas por causa da estrutura da clínica, que conta com todos os aparelhos que necessitam, mas também pela singularidade do atendimento. “É uma comodidade muito grande para o paciente. Além de não ter nenhum custo financeiro, ele conta com atendimento integral, pois cada aluno atende a um único paciente por horário, o que ajuda na melhor atenção ao paciente e facilita a supervisão do professor”, afirma Vanessa. Os atendimentos acontecem nas áreas de ortopedia, dermato funcional, neurologia, obstetrícia, uroginecologia e oncologia. Todo o atendimento é gratuito e de livre demanda, o paciente não precisa de encaminhamento médico. Além das ações realizadas no CEU, a Univale mantém uma parceria com a União Ruralista Rio Doce e desenvolve, no parque de exposição José Tavares, tratamentos de equoterapia (com cavalos) para crianças e adolescentes. O Paope (Polo Integrado Odontológico ao Paciente Especial) é outro serviço que merece destaque, por vir há vinte anos também proporcionando mudanças no atendimento público na área da saúde e melhorias na qualidade de vida de inúmeras famílias de Governador Valadares e região. Mesmo com apenas duas décadas, o jovem projeto já possui elementos que o fazem ser referência no estado, pela forma singular de atendimento ao paciente com deficiência. Com o objetivo principal de oferecer assistência odontológica integral a essas pessoas, o órgão conta também com atendimento multidisciplinar nas áreas de serviço social, medicina, psicologia, fisioterapia, farmácia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, enfermagem e nutrição. Além disso, ele serve como um espaço destinado à prática de estágios para vários cursos. Segundo a coordenadora do Paope, Mylene Quintela Lucca, para ingressar no programa, o paciente não precisa de encaminhamento da rede pública ou particular, entretanto, é feito uma avaliação da condição socioeconômica e do estado de vulnerabilidade do indivíduo. As assistentes sociais já colhem as primeiras informações para tentarem identificar se o candidato tem o perfil Foto: Roney Alves

Foto: Paope

Paciente sendo atendido

do público atendido pelo Paope ou não. “Não é qualquer pessoa com deficiência que é público para o Paope, ele tem que ter algum problema no desenvolvimento cognitivo, de compreensão, que o impeça de estar nas outras clínicas convencionais”, afirma Mylene. Todo o trabalho é mesmo digno de reconhecimento. Em 2011, como forma de estender o atendimento à população, foi fundado o Paope Itinerante, que faz atendimento domiciliar nas residências dos pacientes que possuem alguma necessidade que dificulte a locomoção ou o atendimento em consultórios convencionais, sejam eles públicos ou privados. A equipe de profissionais possui um equipamento portátil que foi adquirido em parceria com o Conselho de Assistência Social através de edital, e com ele são feitos procedimentos de atenção básica em acamados e acidentados, além de restaurações dentárias. Com a assistência prestada, hoje 60% dos pacientes que fazem acompanhamento odontológico no Polo não apresentam cáries. Só em 2014, mais de mil pessoas foram atendidas no Paope. Nesse período foram realizados quase dois mil procedimentos no setor. Maria realizando exercícios sob a orientação de Pedro Paulo, aluno do curso de Fisioterapia

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o pela equipe do Paope

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alando com as mãos

“Um dia eu tava na igreja e chegaram me chamando pra eu ir correndo à delegacia. Quando cheguei lá, havia um senhor surdo que tinha se envolvido numa briga e ninguém na instituição conseguia entender ele, foi quando cheguei e consegui fazer a tradução. Depois, até os policiais ficaram me perguntando sobre os sinais”, conta a intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais) Aline Rodrigues. Aline lamenta que às vezes nem os surdos saibam

se comunicar por Libras: “Tem casos que a família, por preconceito, não procura os centros de ajuda e quer fazer as crianças entenderem a leitura labial, e muitos crescem com dificuldade de se comunicar.” Segundo o censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase dez milhões de brasileiros possuem deficiência auditiva e aproximadamente 400 mil são surdos. Mas mesmo com todo esse quantitativo, os profissionais voltados para atender as pessoas surdas são bem poucos. Para Aline, que é aluna do sexto período de Letras, ações que promovam a inclusão dessas pessoas são muito importantes. Ela iniciou os estudos da língua de sinais na Univale, aperfeiçoou-se fazendo cursos externos e hoje trabalha como intérprete da Língua. Ela conta que como grande parte da população desconhece a Libras, isso acaba gerando desconforto e problemas pra quem é surdo. “Tem muitas barreiras. Às vezes pra resolver um problema no banco, ou um assunto mais delicado, e até mesmo em lojas, não se encontra profissionais pra atender os surdos. Já vi situações que fizeram eles assinarem contratos sem saber o que estava escrito, e achei isso um absurdo”, ela afirma. Nessa perspectiva, a Univale implantou a disciplina de Libras em 2005, com base na Lei nº 10.436, de 2002, que regulamentou por meio de decreto e reconheceu a disciplina nos cursos de licenciatura, como pedagogia, educação física e letras, além de cursos da área da saúde. Reconhecida como segunda língua oficial do Brasil, ela ainda não é muito conhecida no meio acadêmico, o que acaba gerando algumas dificuldades em trabalhar o assunto, que vão desde o desconhecimento de terminologias até o próprio preconceito em relação à pessoa surda. Segundo o professor da disciplina, Edmarcius Carvalho, a proposta do curso é fazer uma abordagem inicial mostrando o impacto da língua no processo formativo dos alunos como uma questão sociolinguística, proporcionando a eles conhecimento e deixando-os aptos a ensinar o conteúdo. “Ao conhecer Libras com esta abordagem inicial, o aluno vai compreender as diferenças linguísticas, culturais, políticas, sociais deste sujeito, que é um sujeito surdo, que comunica através da Língua de Sinais e vê o mundo a partir de uma nova dimensão linguística, porque a língua portuguesa, ela é oral-auditiva, já a língua de sinais é espaço-visual”, afirma. Por ser uma modalidade linguística diferente da língua portuguesa, o professor tem a função de repensar o conteúdo com novas práticas normativas, novos comportamentos em sala de aula, para que o aluno possa captar o que está sendo ensinado. Com a teoria aliada a prática, o curso desenvolve oficinas que geram conteúdos adaptados em Libras que ajudam a entender com o olhar pedagógico como funciona a disciplina, além de levar os alunos nas instituições de surdos para que eles possam acompanhar de perto a atuação do profissional desta área que atua como intérprete. Mesmo sendo um curso de menor abrangência dentro do meio acadêmico, já existe muito conteúdo na área da surdez que auxilia na preparação dos materiais que são trabalhados em sala. Revista Inclusive - 17


Denise Fidelis Lorena Bittencourt

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POR

Há 19 anos, a Associação Valadarense de Assistência e Defesa dos Direitos do Excepcional (Avadde) luta pela inclusão da pessoa com deficiência. A instituição filantrópica atua como instrumento transformador na vida dos alunos e de suas famílias, possibilitando a garantia e o cumprimento das políticas públicas voltadas para a pessoa com deficiência. Com 130 alunos com idades entre oito a sessenta anos, a instituição desempenha oficinas pedagógicas, que envolvem alfabetização, digitação e letramento. Para desenvolver as habilidades e competências de cada aluno, a Avadde também realiza oficinas psicológicas, nas quais uma psicóloga da instituição divide os trabalhos em grupos, de forma que todos consigam desempenhar suas atividades da melhor forma. Como a instituição não trabalha com currículos, e sim com a capacidade de cada um, alguns alunos, além de estudarem na instituição, permanecem frequentes em escolas regulares. Dessa forma, a Avadde contribui como forma de impulsionar essas pessoas para a sociedade e para o mercado de trabalho. A assistente social da instituição faz contato com as empresas que necessitam contratar pessoas com deficiência e analisa quais alunos podem ser inseridos no mercado. Atualmente a Avadde possui alunos trabalhando em três supermercados da cidade, uma loja de baterias e um clube. De acordo com a psicopedagoga e coordenadora da Avadde, Nathalie Alice Ferreira Campos, hoje as portas estão mais abertas para a pessoa com deficiência e o preconceito tem diminuído de forma considerável na cidade. Segundo a psicopedagoga, em Valadares a inclusão social é uma realidade, principalmente nas escolas municipais. “A inserção dos alunos nas escolas públicas é uma realidade tanto municipal, quanto estadual, porém algumas escolas particulares ainda têm preconceito. Outra grande dificuldade encontrada pelos alunos é a garantia de estudo nas faculdades”, explica. Nathalie acrescenta que ainda existem dificuldades relacionadas à acessibilidade arquitetônica e às questões

e mãos dadas na luta pela inclusão

As atividades de ensino não desenvolvem apenas as capacidades intelectuais dos alunos, mas também as sociais

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Foto: Lorena Bittencourt

que tangem a capacidade de aprendizado dos alunos. “Muitos profissionais acreditam que eles são incapazes de exercer determinadas funções e os colocam para realizar trabalhos mecanizados, não deixando os alunos terem acesso a cursos de capacitação”, conclui. Para os funcionários da instituição, bem como os alunos e seus familiares, a Avadde conta com uma pessoa que é a peça fundamental para o sucesso dos alunos, a diretora e voluntária Maria da Penha Queiroz Lopes. Penha, que está na Avadde há 19 anos, afirma que se sente privilegiada em fazer parte da instituição: “Para mim é uma enorme satisfação ajudar o próximo e ver a gratificação através de um sorriso ou um olhar. Aqui eu me encontrei, sinto prazeres que dinheiro nenhum compraria”. A diretora conta que são as experiências diárias que a fazem querer continuar lutando pela inclusão e socialização dessas pessoas: “Outro dia estava em uma loja no centro, um vendedor chegou até mim e tentou se comunicar. Não o reconheci, mas percebi que ele tinha deficiência auditiva. Com um pouco de dificuldade, ele chamou os outros vendedores da loja e disse: ‘Devo tudo que sou hoje a essa mulher.’ Fiquei surpresa, mas fiz questão de dizer que não, que grande parte tinha sido pelo seu próprio esforço, que fui apenas um instrumento de incentivo.” Maria da Penha ressalta que sempre tentou mostrar aos pais e alunos seus devidos direitos nas políticas, que, muitas vezes, são esquecidos e não cum-

pridos: “Busco ajudá-los a conhecer as leis que os amparam, lutar por eles, incentivando a serem os protagonistas de suas próprias histórias.” Ensinar é um ato de amor e transformação ao próximo e a si próprio. Com as pessoas com deficiência, para realizá-lo é preciso mais: ser dedicado e capacitado para assumir a responsabilidade. Na Escola Estadual Nelson de Sena também se encontram esses profissionais que realizam ações diariamente, que visam motivar e apoiar os alunos com deficiência. A escola conta com seis professores de apoio e quatro intérpretes, nos horários matutino, vespertino e noturno. Eles atendem alunos com a faixa etária de oito a dezoito anos. De acordo com Jaqueline Peixoto, uma das professoras da instituição, são diversas as atividades realizadas na escola com a proposta de inclusão de direitos e aprendizado. E o conteúdo da grade curricular não é modificado. “Atendemos e orientamos não apenas os alunos, mas a família e a comunidade. Juntamente com os professores, fazemos um trabalho interdisciplinar com o conteúdo da grade curricular, ampliamos e diversificamos para melhor atender os alunos de acordo com as suas possibilidades, particularidades e potencialidades. Usamos um método lúdico através do computador para o campo intelectual e outras opções de aprendizado”, informa. Jaqueline destaca que o Estado demorou muito para perceber que é preciso um cuidado especial com

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Foto: Lorena Bittencourt A educadora Patrícia Honório acompanha o desenvolvimento dos alunos da Avadde

profissionais capacitados para atendê-los. E atualmente os pais desses alunos reconhecem a importância do profissional para cuidar de seus filhos. “As leis que amparam eles são visíveis, as famílias estão informadas dos seus direitos e sempre buscam adquiri -los. É direito do aluno ter um profissional ao seu dispor, de participar de atividades na escola e contar com salas com recursos, dentre outros. As escolas sabem dessas penalidades e que se não atenderem essa demanda, o diretor pode ser preso”, ressalta. A professora acrescenta que a maior dificuldade enfrentada pelos alunos é o preconceito da sociedade e a falta de interesse dos professores por eles. Para ela, muitas pessoas ainda não os aceitam, e a inclusão de direito não acontece em muitos lugares. “Acredito também que falta ser trabalhado com os professores a questão do amor, pois é necessário ter esse sentimento com esses alunos. Na instituição Nelson de Sena, o aluno está muito bem amparado, exigimos profissionais capacitados e o resultado das ações realizadas é positivo, mas pode ser melhorado aqui e em todas instituições do Brasil. São oferecidos muitos cursos no país que não condizem com a realidade do aluno. É preciso fiscalizar escolas, rever e repensar a questão do profissional. Identificação e amor andam juntos na luta para vencer dificuldades e preconceitos”, conclui. 20 - Revista Inclusive

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preconceito

O preconceito contra pessoas com deficiência ainda é um comportamento bastante comum na sociedade contemporânea. Seja na escola, na rua, ou até mesmo no grupo familiar, ainda é possível observar comentários, gestos e atitudes maldosas contra a pessoa com deficiência. Essas discriminações, sendo sutis ou evidentes, são crimes, e o acusado pode ser preso e receber multas. Segundo a advogada Islane Arcanjo, apesar de existirem leis que amparam a pessoa com deficiência, o preconceito ainda existe e é comum na sociedade e na escola: “Quando o indivíduo sofrer discriminação pela sociedade, pelo colega ou professor dentro da sala de aula, é preciso acionar o poder judiciário. Por meio de oferta de notícia criminosa será imputada a devida pena aos infratores.” A advogada acrescenta que os pais devem tomar medidas quando têm dificuldades de matricular seus filhos nas escolas. “Considerando a obrigatoriedade do ensino, embasado na legislação infraconstitucional e constitucional, é preciso que os pais acionem o poder jurisdicional por meio da impetração de mandado de segurança, notadamente com o pedido liminar, tendo em vista o caráter de urgência e o melhor interesse da criança. É direito deles e, quando não cumprido, é preciso denunciar. Através da denúncia protege-se não apenas uma vítima, mas todo um grupo que futuramente poderia ser atacado”, conclui.


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Foto: Drielle Almeida

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m trabalho que envolve amor e muita dedicação

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Atividade desenvolvida por Lívia e demais alunos da Paulo Campos Guimarães

Drielle Almeida Jhonnathas Trindade Joyce Alves

Aos treze anos de idade, Jeferson Carlos Almeida da Silva (25), começou a frequentar a APAE-GV (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Governador Valadares). Um garoto tímido que iniciava uma nova fase em sua vida. Ele tem deficiência intelectual e hoje a maior dificuldade que encontra é conseguir um emprego. Jeferson começou trabalhando num supermercado no centro da cidade: “Primeiro foi no supermercado. Eu era embalador. Depois foi no restaurante popular que fechou, fiquei lá mais de dois anos”. A associação o acompanhou, praticamente, em toda a sua formação escolar. Nesse período de doze anos na APAE, fez amizades com muitas pessoas, ganhou independência e um professor que de uma forma bem especial o acompanhou nestes anos todos: o educador físico Maurício de Souza. Ele acredita que o principal motivo das empresas não contratarem o Jeferson é a deficiência intelectual. “Hoje as empresas querem pessoas com deficiência física, agora quando fala que é intelectual, têm uma resistência, as pessoas acabam tendo preconceito. São poucas empresas que dão oportunidade para eles. Lá no restaurante popular, ele trabalhou quase três anos e só saiu quando fechou, senão ele teria continuado. Depois que reabriu, a nova direção não deu oportunidade para os meninos da APAE”,

afirma o educador físico que há dezessete anos está na associação. Muitas coisas mudaram quando o Jeferson chegou na APAE-GV. Agora, ele já anda por toda cidade sozinho, o que antes não fazia. Hoje a associação luta para conseguir reinserir o jovem no mercado de trabalho, e Mauricio ressalta a importância do trabalho desenvolvido pela APAE: “Hoje, ela é a continuação da casa dele, abriu os campos para ele, das amizades, de tudo. Eu acredito que a APAE hoje é essencial na vida dele.” A APAE-GV é uma instituição beneficente, sem fins lucrativos, fundada em 12 de janeiro de 1974, localizada no bairro Vila Bretas. A instituição oferece serviços nas áreas de assistência social, educação, saúde, prevenção, trabalho, profissionalização, esporte, cultura, lazer, estudo, pesquisa, defesa e garantia dos direitos. Ela busca promover a melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual e múltipla e a sua inclusão à vida comunitária, independente da faixa etária, sem qualquer discriminação étnica, social ou cultural. A instituição atende atualmente uma média de 270 usuários mensais, através de ações integradas com as áreas da saúde e educação. São desenvolvidas várias ações na área de assistência social. Entre elas, está o atendimento Revista Inclusive - 21


à família e os serviços de convivência e fortalecimento de vínculos do clube de mães, além de sete grupos sócio-ocupacionais. Há ainda atendimentos de psicologia, serviço social, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, fisioterapia neurológica, hidroterapia, esporte, natação, iniciação musical, projeto de inclusão no mundo do trabalho e participação em diversos conselhos municipais. Hoje a APAE conta com uma ajuda do governo, mas a contribuição não é suficiente, então ela realiza eventos, e graças à solidariedade das pessoas também recebe todo tipo de doações. “O recurso financeiro e humano hoje recebe uma pequena ajuda do governo federal, uma renda fixa de R$5.500. Nós investimos tudo para os assistidos, eles têm atendimento grátis para eles e para a família”, conta Rogério Morais Nascimento, presidente da APAE. A instituição trabalha para que todos os assistidos, juntamente com os seus pais, sintamse em casa, dando toda a assistência necessária para a família. Hoje já se passaram quarenta anos desde que foi fundada, e o presidente Rogério, que acompanha o trabalho da APAE há vinte anos, vê a importância que ela tem na vida das pessoas que passam por ela: “Nós damos assistência social, tanto no financeiro, como no emocional. Procuramos resolver os problemas dentro do lar da pessoa, para que se sinta bem na APAE e também em casa.” A educação formal dos alunos atendidos pela APAE é oferecida pela Escola José Adriano Cordeiro, que funciona dentro da própria instituição. Leva esse nome em homenagem ao fundador da APAE-GV. Ela é uma escola de educação especial de primeiro ao quinto ano do ensino fundamental, que atende anualmente 28 alunos, distribuídos em quatro salas, contando com quatro professores cedidos pela Secretaria Estadual de Educação. A APAE, durante muito tempo, funcionava junto com a Escola Estadual Paulo Campos Guimarães de Educação Especial, mas conforme as duas foram crescendo e por questão de espaço, em certo momento elas se separaram. Mas são parceiras e continuam traçando um mesmo objetivo. A Paulo Campos Guimarães também fica localizada no bairro Vila Bretas. Existe há mais de trinta anos e atende com currículo adaptado as crianças com síndrome de down, autismo, paralisia cerebral e outras deficiências intelectuais. Atualmente conta com uma clientela menor, pois muitos alunos foram incluídos em escolas regulares, como na Escola Estadual Professor Darcy Ribeiro, parceira da Paulo Campos Guimarães. Os alunos não recebem apenas aulas. É oferecido acompanhamento de profissionais capacitados, como a psicóloga Rosilene Chagas Teixeira e a assistente social Claudete Rodrigues Pinto Vitor. Além disso, 22 - Revista Inclusive

Foto: Jhonnathas Trindade

Jeferson ao lado do educador físico Maurício de Souza

eles recebem amor, carinho, proteção e compreensão. Na Escola, é possível conhecer histórias diferentes de vida dos alunos com deficiência, histórias de superação e amor. Uma dessas histórias é a de Lívia, que passou por casos de bullying em escola regular, onde convivia com estudantes sem deficiência. Foi aí que ela e sua família decidiram se transferir para a Paulo Campos Guimarães. Lívia Maria Coutinho de Almeida Cavalcante, nasceu em 27 de abril de 1994 em Águas Formosas (MG). Ela é estudante, tem deficiência intelectual leve, adora ajudar as pessoas e, como toda jovem, curte dançar, cantar e ouvir muita música, principalmente forró. Ainda quando criança, em 2003, veio para Governador Valadares juntamente com seus pais, para começar os estudos em uma escola regular, mas não se adaptou bem a ela. Em 2012, começou a estudar na Escola Paulo Campos Guimarães. Desde então, ganhou apoio dos profissionais, funcionários e alunos. Na Escola ela deu continuidade ao seu desenvolvimento e aprendizado, voltado para as necessidades que a deficiência trouxe. A jovem menina de beleza encantadora, dos cabelos negros e olhos castanhos, possui vocabulário rico e muita sabedoria, leva amor por onde passa com sua humildade, serenidade e atenção. Ela pensa em terminar os estudos, fazer uma faculdade e conquistar seu sonho, que é viajar pelo mundo. Hoje ela reconhece o quanto a escola é importante em sua vida: “Ajuda em meu desenvolvimento, como saber decorar e ter noções de distância.” A deficiência intelectual de Lívia, com base nas autoras Honora e Frizanco, no livro Esclarecendo as deficiências: aspectos teóricos e práticos para contribuição com uma sociedade inclusiva, de 2008, não é considerada uma doença ou um transtorno psiquiátrico, e sim um ou mais fatores que causam prejuízo das funções cognitivas que acompanham o desenvolvimento diferente do cérebro. Nos dias atuais, as pessoas com deficiência passam por dificuldade de inclusão tanto nas escolas como na vivência do dia-a-dia. No Brasil, a história da educação inclusiva passou por mudanças. Nos tempos passados, as pessoas com deficiência não participavam de uma vida “normal”, eram assistidos como se não tivessem condição de se incluir com outras pessoas, realizar atividades e participar de movimentos, tendo uma vida injusta. Atualmente, ainda é possível notar a dificuldade de inclusão das pessoas com deficiência, que muitas vezes são excluídas e ignoradas pelas pessoas consideradas “normais”. E hoje tanto a APAE como a Paulo Campos lutam a favor de um mesmo objetivo: a igualdade dos direitos e a inclusão com preparo e responsabilidade. Mas cabe a toda sociedade acolhê-los como cidadãos dignos de atenção e direito.


Foto: Mayara Gama

om deficiência, sim. Incapaz, não. POR

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Luisa e sua intérprete Dalila pronunciando “eu te amo” em Libras

Lorrania Viana Maria de Lourdes Pereira Mayara Gama Nataly Maier

Quando se fala em acessibilidade, fica claro que o acesso deve ser para todos. Todavia, a dificuldade de locomoção em vias públicas, o árduo acesso ao transporte público, a entrada em bares e shoppings, e, em muitos casos, o constrangimento são exemplos de desafios diários enfrentados por pessoas com deficiência física. Não obstante, as dificuldades que, na maioria das vezes, são impostas pela sociedade, não podem ser maiores do que o direito à educação, à cultura, ao esporte e, principalmente, ao lazer que é reservado a qualquer ser humano que tenha ou não alguma deficiência. Distante desse ideal, no entanto, e próximo da realidade, Geovane Silva foi acometido de poliomielite, doença mais co-

nhecida como paralisia infantil, quando tinha apenas um ano e sete meses de idade e, desde então, nunca mais se locomoveu sem a ajuda da cadeira de rodas. Na infância, ele não teve acesso à educação formal, pois as escolas não tinham rampas, tampouco elevadores, para ajudar em sua locomoção. Para aprender a ler, ele contou somente com a ajuda da mãe, Noêmia Silva, que o fez tomar gosto pela leitura. Hoje, aos 45 anos, ele afirma encontrar dificuldade para se locomover em vias públicas. Esperar o ônibus no ponto talvez seja a tarefa mais difícil, pois são poucos os que possuem elevadores em boas condições. Não vencido pelos desafios, Geovane dedica-se, exclusivamente, ao trabalho eclesiástico. Conhecido como “O Pregador” por ministrar em sua igreja e sempre ser convidado para pregar em outros lugares, ele alimenta o sonho de se tornar pastor. Geovane afirma que, mesmo quando a igreja na qual ele vai evangelizar não tem rampas ou um acesso facilitado, ele não deixa de ir. Certa, vez, por exemplo, teve de ser carregado até a entrada da igreja, devido à falta de acessibilidade. Nas horas vagas, Geovane ainda procura ajudar sua comunidade, reivindicando melhorias para os moradores do bairro Carapina, por meio do computador. Segundo O Pregador, a sua “limitação” não o impede de ser feliz. “Eu tenho alegria, eu gosto de viver, eu gosto da vida, então a gente tem que ter é isso, amor pela vida. Porque ninguém pode Revista Inclusive - 23


falar assim: ‘eu não sou limitado’, todos nós temos algum tipo de limitação em alguma área da vida. Agora eu sou limitado na parte física, e as outras limitações que passei, que eu tinha, fui vencendo uma a uma”, declara Geovane. Não muito diferente de Geovane, Luiza Coelho, de 22 anos, precisa lidar com as dificuldades em seu dia a dia. A jovem que nasceu em uma família de surdos e herdou a deficiência dos pais, precisa encarar a falta de acessibilidade em lugares comuns. O simples ato de comprar uma blusa amarela, por exemplo, pode se tornar mais difícil do que se imagina. “A maioria tem medo porque não sabe comunicar”, relata Luiza, que, por vezes, deixou de realizar uma compra, porque na loja onde estava não conseguiu ser entendida. Um dos recursos que os surdos têm, além da Libras (Língua Brasileira de Sinais), é a leitura labial, mas, ainda assim, há pessoas que não têm paciência para esperar e fazer a leitura. Segundo Luiza, “quando não se sabe Libras, é só prestar atenção que o surdo consegue falar palavras”. A falta de paciência de algumas pessoas e a ausência de intérpretes em bares, restaurantes, e outros lugares de lazer, já obrigaram Luiza a recorrer a papéis para se comunicar, o que, na maioria das vezes, não é suficiente. Segundo ela, falta sensibilidade. A Libras e o português não são iguais, uma vez que a pessoa ouvinte tem como primeira língua o português, enquanto o surdo, a Libras. Muitas vezes, o surdo que não tem domínio do português não consegue se comunicar. É necessário “ficar entregando, mostrando, é isso aqui, aquilo ali, para a pessoa entender, porque senão, fica uma confusão, é muito complicado”, conta Luiza. Além da falta de comunicação, um outro obstáculo que o surdo precisa vencer é o preconceito. Por não saberem se comunicar, as pessoas se constrangem, e, às vezes, deixam transparecer. Luiza conta que sente e percebe, até no atendimento, que falta aceitação e respeito com a pessoa surda. Apesar da deficiência auditiva, a jovem contraria o pensamento de muitas pessoas que acham que ela tem uma vida limitada. Cursando o quinto período de Ciências Contábeis, considera a faculdade uma grande conquista. Lá, diferente de outros lugares frequentados, ela tem o auxílio de uma intérprete durante as aulas disponibilizada pela instituição. Luiza conta que, desde o início, a instituição percebeu sua dificuldade como surda e deu o apoio necessário. No trabalho, ela atua na área contábil de uma rede de postos e afirma ter um ótimo 24 - Revista Inclusive

Foto: Maria de Lourdes Pereira

Geovani na entrada da casa onde mora, no bairro Carapina

relacionamento com os colegas de trabalho: “As pessoas do meu trabalho gostam de mim, conversam comigo e têm um bom papo”. Apesar das dificuldades, ela não se abate. Pelo contrário, procura vencer os obstáculos sempre que eles aparecem. Um por um, dia após dia. Leva uma vida de altos e baixos. Tem facilidades com algumas coisas e dificuldades com outras. Também tem seus medos, frustrações, mas muitos momentos de alegria, e ainda afirma: “não gosto de colocar que minha vida é difícil, eu sou feliz”. Como qualquer pessoa. Foto: Maria de Lourdes Pereira

Geovani participando da escola dominical em sua igreja


A POR

Foto: Morganna Rayane

Banheiro adaptado para alunos com deficiência

deficiência da inclusão escolar Morganna Rayane / Nicolas Caus Silva /Sávio Scarabelli

Segundo dados do Censo Escolar 2014 feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixiera (Inep), de quatro escolas do Brasil, três não possuem preparo para atender as crianças com deficiência, e apenas cerca de um terço possui sanitários adaptados. Outros dados da Fundação Lemann e da Meritt (divulgados pelo portal G1) mostram que somente 23 municípios do Brasil possuem todas as escolas preparadas para atender os estudantes com deficiência. Os números indicam as péssimas condições para a inclusão de alunos com deficiências físicas e intelectuais em escolas de ensino regular, situação que se estende também às escolas particulares. Em Governador Valadares não é diferente: escolas públicas e particulares têm que lidar diariamente com problemas de adequação para receber alunos com deficiência, e as dificuldades não são apenas a estrutura física da escola, mas também a formação especializada da equipe pedagógica. Jeane Grace de Alencar é diretora da Escola Municipal Professora Laura Fabri, que fica no bairro Jardim Ipê e atende alunos de pelo menos três bairros da cidade. Ela conta que a equipe pedagógica da escola vem superando as expectativas para atender os alunos com deficiência. “Considerando que não há na formação docente nenhuma preparação para o trabalho com as múltiplas deficiências que são demandadas na escola, a responsabilidade da autoformação nesta área tem sido cada vez mais intensa, pois o trabalho requer inclusão que só acontece quando o grupo entende as limitações e colabora para o desenvolvimento social e cognitivo da criança a ser incluída”, afirma Jeane Grace. Segundo ela, inserir esses alunos na escola requer um planejamento pedagógico que se ajuste às suas necessidades. Mas há situações que não há possibilidades de adequação dos planos de aulas. “Há sim a necessidade de diferentes planos/atividades que atendam à diversidade existente na escola. Crianças com paralisia cerebral apresentam diversas condições físicas e suas respostas são diferentes. O autismo também apresenta diversas características que variam de indivíduo para indivíduo. Há um plano para cada situação”, conta Jeane. Mas será que os profissionais da educação estão prontos para atuarem com esses estudantes? A diretora diz que o despreparo dos professores para receber alunos com deficiência é um dos empecilhos a ser superado. “Depende da necessidade. Ainda considera-se muito difícil a falta de domínio/conhecimento da linguagem de Libras, um grande entrave à comunicação com os alunos com deficiência auditiva”, ela ressalta. As dificuldades não são enfrentadas somente pelas escolas públicas, há escolas particulares que enfrentam as mesmas situações. É o caso da Escola Rúbia Coelho, colégio particular, que vem se adaptando às necessidades de crianças com deficiência. Rúbia Coelho, diretora da escola, destaca como uma das dificul-

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Foto: Morganna Rayane Cadeiras de roda disponíveis na Escola Municipal Professora Laura Fabri

dades a serem superadas a preparação da equipe pedagógica. “Olha, eu diria que não estamos preparados realmente. A gente busca poder atender melhor essa criança, mas preparada a escola não está, porque a inclusão, realmente, para ela ter linhas de fato, ela precisa ter esses profissionais adequados nas escolas, mas não tem esse profissional. Uma psicóloga, uma psicopedagoga, uma fonoaudióloga, uma terapeuta ocupacional. Ter atendimentos com médicos específicos, que seria um neurologista, um psiquiatra. Mas a escola não tem esses profissionais”, explica Rúbia. Para contornar essa falta, a escola procura se adaptar à situação dos alunos da melhor forma possível. “Agora a gente tem a responsabilidade da aceitação para ter a inclusão, e nessa responsabilidade a gente busca ter um atendimento mais individualizado, buscar trabalhar com os professores. A primeira coisa é ter respeito com o diferencial. O nosso professor tem essa preparação para receber e aceitar o diferencial na inclusão”, defende Rúbia. A diretora ainda diz que se o professor não está devidamente preparado, ele deve procurar cursos voltados à inclusão. Às vezes a própria comunidade oferece cursos, mas parte do professor buscar esse preparo. De acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, “é dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação”. A lei afirma que o poder público precisa “assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar”, entre outras coisas, “acessibilidade para todos os estudantes, trabalhadores da educação e demais integrantes da comunidade escolar às edificações, aos ambientes e às atividades concernentes a todas as modalidades, etapas e níveis de ensino”. Mas o que ainda se vê é que a falta de itens de acessibilidade e um melhor preparo pedagógico dificulta, muitas vezes, a inclusão

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das pessoas com deficiência nas escolas. É o que a Dona Ana Lucia Pego, mãe de Brian, de dezessete anos, que têm Síndrome de Down, vem enfrentando. Brian nasceu nos Estados Unidos e começou a estudar quando ele tinha quatro anos de idade. Com sete anos de idade, ele veio para o Brasil e começou a estudar. “Mas quando eu tentei matricular o Brian na escola, o Quintino Bocaiúva (escola estadual que atende o bairro Jardim Pérola) não o aceitou. Eles justificaram que não tinham professores adequados para criança com deficiência”, conta Ana. Brian só conseguiu ser matriculado na Escola Municipal João XXIII, que fica no mesmo bairro, onde até hoje ele estuda. Mesmo matriculado, Ana observa as dificuldades que a escola enfrenta para lidar com as necessidades do aluno. “Brian não faz educação física, isso é muito importante. Eu já cansei de falar que ele tem que fazer educação física e quando peço uma justificativa pra ele não participar das aulas, eles falam que o Brian não consegue, que ele é preguiçoso”, ela relata. A falta de saber do desenvolvimento do filho também incomoda Ana: “Eles nunca me chamaram para uma reunião, nunca me chamaram para pegar o boletim dele”. A mãe do jovem faz uma comparação entre as escolas dos Estados Unidos e as do Brasil. “Nos Estados Unidos, eles preocupam mais com a criança com Síndrome de Down, já no Brasil eles deixam mais à vontade: antigamente o Brian sabia escrever o nome dele, hoje ele não sabe mais. O Brian não evolui, ele não está se desenvolvendo”, reclama Ana. O principal ponto a se focar nas escolas em Governador Valadares deveria ser a adaptação não só dos prédios como também dos profissionais que neles trabalham, adaptar as escolas com meios de acessibilidades para crianças com dificuldade de locomoção, fazendo a utilização de rampas, facilitar também o acesso ao conhecimento, utilizando métodos específicos e professores capacitados para atender tais alunos.


Foto: Tracy Bonilla

POR

Praça Getúlio Vargas, no bairro Lourdes. Renato reclama das péssimas condições das calçadas

M

Tracy Bonilla Vinícius França

obilidade Urbana

Andávamos pela cidade quando percebemos uma cena que chamou a nossa atenção. Um homem e uma menininha em uma cadeira de rodas atravessando a rua. Ele empurrava a cadeira na ciclovia, e com muita dificuldade conseguiu subir para a calçada. Então, com um pouco de medo de interromper a jornada dela, decidimos acompanhá -los para conversar e descobrir a histórias por trás dos dois. Quando bebê, Sâmela não tinha nenhuma deficiência, mas foi diagnosticada com falta de oxigênio no cérebro ainda jovem e hoje, aos dez anos, é cadeirante e depende dos pais para desempenhar diversas atividades, inclusive para se locomover. A família não tem carro, e o pai, Renato Frias Viana, de 29 anos, empurra a cadeira da filha na maioria das vezes. Ele sabe muito bem as dificuldades de lidar com o trânsito, as calçadas e outros cuidados que para muitos parecem simples, mas para eles é uma batalha diária. Renato conta que certo dia ele e sua família estaRevista Inclusive - 27


vam caminhando de volta para casa. A esposa estava empurrando a cadeira de Sâmela, que é a filha mais velha do casal, enquanto Renato segurava no colo o filho menor. As calçadas do bairro, muito desniveladas e cheias de buracos, foram a causa de um acidente: as rodas dianteiras da cadeira de Sâmela se prenderam em um dos buracos, a mãe da menina tropeçou na cadeira pesada, e Sâmela acabou caindo dela. “Quando eu olhei, as duas já tinham caído por que ela não conseguiu segurar o peso”. Renato conta a história com indignação, mas também com um certo tom de normalidade. Segundo ele, acidentes assim, causados pela má condição das calçadas, acontecem com frequência. Em muitos momentos, eles são forçados a andar pela ciclovia, que é asfaltada e garante estabilidade, apesar do risco do encontro inesperado com algum ciclista. Além disso, a família enfrenta desafios financeiros. A cadeira de Sâmela custou em torno de seis mil reais e foi feita especialmente para a garota. “As ruas são cheias de buracos e às vezes os carros estão estacionados nas rampas para deficientes. Aí eu tenho que ficar tombando a cadeira para descer. E isso estraga a cadeira, e os parafusos vão soltando”, conta Renato. A falta de sensibilidade da população em relação às pessoas com deficiência fica evidente a qualquer um que caminhe pelas ruas de Valadares. A maioria das lojas não conta com rampa de acesso, alguns prédios não têm elevadores e as faixas de pedestres não contam com o sinal sonoro, que auxiliaria bastante as pessoas com deficiência visual. Por fim, o desafio maior é mesmo nas vias públicas. Calçadas destruídas ou com objetos que atrapalham o fluxo dos pedestres fazem com que muitos, como Sâmela e seus pais, tenham de usar um espaço nada adequado e se arrisquem a serem atropelados. A situação é lamentável, e quem luta pela causa sabe bem como é sofrer com o descaso. Paulo Henrique Correia nasceu sem enxergar pelo olho direito e, aos 28 anos, era um jogador de futsal no auge da carreira. Após sua equipe vencer um jogo, ele comemorava com os companheiros na porta da quadra quando alguém o chamou pelo número da camisa e chutou uma bola em direção a seu ros28 - Revista Inclusive

Foto: Tracy Bonilla

Um dos hobbies de Paulo Henrique é tocar violão. Durante a entrevista ele tocou várias canções para a gente, inclusive algumas de autoria dele

to. Paulo acordou em um consultório médico, já sem enxergar. O resultado do ataque foi um desligamento de retina. Mesmo se tratando de um assunto tão sério, Paulo brinca: “O cara era tão ruim de mira que foi acertar logo meu olho bom, podia ter acertado o que já não enxergava”, diz em meio a gargalhadas. Para ele, a pior fase foi a inicial, quando quebrava utensílios da casa e se machucava muito. Na época, chegou até mesmo a considerar o suicídio, tamanha sua não aceitação em relação ao que lhe havia acontecido. “Segundo a minha fé, ao tirar minha própria vida, eu teria matado meu corpo e minha alma, e só Deus tem o direito de fazer isso. Pensar nisso me levou a não cometer o suicídio, mas não foi fácil”, desabafa. Mais tranquilo, Paulo entendeu que encontrar forças e vencer esse tipo de obstáculo é sempre possível. Assim, ele pôde aprender a aceitar essa nova parte da vida dele. Quatro anos se passaram e ele conseguiu recuperar a mobilidade e a autoestima. Um dia, decidiu sair sozinho de casa, mas a experiência não foi agradável. “Na nossa cidade falta acessibilidade para pessoas com deficiência visual, tanto nas ruas como no transporte”. Hoje, Paulo prefere sair somente acompanhado de sua esposa, do filho mais velho, ou usando o moto táxi de confiança quando o trajeto é maior. Ele ensinou o filho e a esposa a caminhar com ele, e nos explicou a ma-

neira certa de fazer isso: “A maioria das pessoas vão ao encontro de um deficiente e já pegam pelo braço, e essa maneira não ajuda muito, já que se a pessoa vier a cair, o deficiente cai também e vice e versa. O modo mais certo é deixar a pessoa colocar a mão no seu ombro. Todo movimento do seu corpo pode ser sentido nas clavículas. É importante também alertar para possíveis obstáculos, como poças de água ou degraus”. Conhecer as dificuldades da pessoa com deficiência visual inspirou Paulo a entrar na ADEVISA (Associação dos Deficientes Visuais e Amigos de Governador Valadares). Como presidente do grupo, ele se reuniu com representantes da cidade em busca de melhorias para as pessoas com a mesma deficiência, como o já citado sinal sonoro na faixa de pedestres, mas não obteve sucesso. Porém, todo o esforço de pessoas como o Paulo não foi em vão. Se na esfera municipal, houve inércia, pouco tempo depois, a resposta positiva veio de Brasília. Em 2012, o governo federal lançou o plano que garante a mobilidade urbana para cidades com mais de 20 mil habitantes. O procedimento será responsável por aplicar 97 milhões de reais em melhorias nas vias da cidade. Entre os benefícios previstos para as pessoas com deficiência, estão inclusos o reparo total das calcadas, a obrigatoriedade de instalação de rampas de acesso em locais públicos e muitos outros avanços.



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