Ano 6 - NĂşmero 12 Julho/Dezembro de 2009
Informativo da UniĂŁo Paulista de Espeleologia www.upecave.com.br
Carta ao Leitor Finalmente mais um exemplar da revista eletrônica Desnível chega ao seu computador. Particularmente este número demorou bastante a sair, praticamente “extraído a fórceps”, principalmente pelo pouco tempo que hoje nós, amantes da espeleologia, temos para doar. Por outro lado poderemos nos deleitar com matérias altamente elaboradas, o que resultou em um informativo de leitura obrigatória para os amantes da espeleo. Todos nós da comissão editorial esperamos que as matérias contidas neste informativo possam de alguma forma contribuir para o crescimento da espeleologia, divulgando o grande esforço de alguns abnegados na difícil missão de proteger nosso patrimônio espeleológico. Atenciosamente,
Ricardo Martinelli Editor - Desnível Eletrônico
Foto: Cachoeira no córrego do farto.
Comissão Editorial Ricardo Martinelli - Gabriela Slavec Eduardo Portella - Fabio Kok Geribello
Revisão Gabriela Slavec
União Paulista de Espeleologia Endereço para correspondência: Rua Loefgreen 1291, Cj 61 - São Paulo - SP CEP: 04040-031 Desnível é uma publicação eletrônica semestral da União Paulista de Espeleologia (UPE).
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Sumário
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Palavra do Presidente Temos o que comemorar?!
Memória Clayton F. Lino conta fatos da primeira exploração completa da Ouro Grosso
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Resumo de Tese A importância cultural do carste e das cavernas
Plantão Médico Trauma de Crânio
Artigo Original Espeleo Inclusão
Espeleophoto Filme ou Digital
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Grutas do Farto Topografia e fatos históricos
Tutoriais Iniciando com o Therion
Parceiros:
Lojinha da UPE IMateriais e equipamentos a venda
Maillon Rapid
Notícias sobre a UPE e a espeleologia Brasileira
A UPE é filiada à SBE
Associação Nacional de Arquitetura Bioecológica
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Foto em Destaque Imagens impressionantes do mundo subterrãneo
Palavra do Presidente
Temos o que comemorar?...! Autor: Fabio Kok Geribello (Coringa)
A Palavra do Presidente
Presidente da UPE - fabio@geribello.com.br
Especialmente em São Paulo, temos vivenciado um período raramente vivido por nós brasileiros, com o poder público se preocupando com as nossas áreas de preservação. Os movimentos da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, especificamente da Fundação Florestal, para a criação dos Planos de Manejo dos parques é um movimento que deve ser apoiado e aplaudido. Claro que estes movimentos foram forçados pelas ações do ministério público e pela interdição das cavernas à visitação, mas de qualquer forma são impulsos que temos que aproveitar, pois a discussão sobre a sua necessidade já vem de longa data. Desde a criação dos parques estaduais, alguns datando de meados de 1960, os estudos relacionados à forma de manejo e controle de suas áreas sempre foram postergados. Uma vez assinado o decreto de criação dos parques, o governador e seus secretários simplesmente se esqueciam da operacionalidade destes, haja visto que existem ainda muitos precatórios rodando referente às áreas que foram desapropriadas e as heróicas equipes designadas para a operação do parque sempre foram relegadas a um segundo plano, além de todos os rendimentos gerados pela visitação dos parques ser transferido para o tesouro e apenas uma pequena parte volta para as unidades de conservação. Não podemos ainda soltar rojões porque todos estes problemas ainda continuam, mas o simples fato de vermos movimentos sólidos e vontade política para a criação dos planos já nos dá um alívio. A pressão sofrida pelos parques e especialmente pelas cavernas com as minerações descontroladas e a visitação turística desregulamentada é enorme, os poucos funcionários não são suficientes nem para o controle dos limites das áreas e freqüentemente os parques são invadidos por caçadores, palmiteiros e “turistas”. O plano de manejo é o primeiro passo na organização e manutenção das características de cada área dentro das unidades, é a linha mestra a ser seguida pelos diretores e o plano de metas a ser observado. Não podemos deixar de aplaudir o resultado obtido pelo Maurício Marinho, diretor da Intervales na época, e sua equipe pelo desenvolvimento do plano de manejo deste parque, que foi entregue e aprovado em 2009. Um trabalho pioneiro na área de Paranapiacaba e um grande exercício de democracia para nivelar os interesses de todos. Temos que elogiar a forma com que a Fundação Florestal capitaneou a execução dos Planos de Manejo Espeleológico em 32 cavernas com visitação turística em 3 parques distintos, que foram
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entregues ao Secretário do Meio Ambiente em evento recente aqui em São Paulo. Claro que existe muita coisa a melhorar, principalmente os prazos que foram estipulados para os estudos. O ano de 2009 não foi um ano muito padrão com relação ao regime de chuvas e temperatura mas, mesmo assim, o simples fato dos Planos Espeleológicos terem sido concluídos e a metodologia escolhida ter sido executada já merece efusivas comemorações. O envolvimento da comunidade espeleológica nestes estudos mostrou mais uma vez o amadurecimento dos envolvidos no cumprimento dos prazos, na qualidade dos produtos apresentados e na disponibilidade e posicionamento propositivo nas reuniões em que a sua presença foi solicitada. Sem contar com a contribuição que foi feita de todos os trabalhos realizados até então e que já foi citada nesta coluna. Vale salientar que todos os grupos envolvidos, e em especial a UPE, continuam a prestar os serviços de exploração e mapeamento das grutas destas regiões de forma voluntária e com o mesmo empenho mostrado durante a realização dos planos de manejo espeleológico, buscando sempre contribuir ainda mais com o conhecimento, o manejo e a preservação das cavernas.
Foto: Equipe do Instituto Ekos Brasil entregando o documento final dos Planos de Manejo Espeleológicos do Alto Ribeira. Uma conquista da sociedade!
Porém, os desafios ainda não acabaram, na verdade estão só começando, estamos acompanhando a execução do plano de manejo do PETAR com bastante apreensão e esperança. Sabemos das dificuldades e desafios a serem enfrentados pelos responsáveis e ficamos sempre preocupados com a “pressa” com que certos procedimentos são executados. O mais importante de tudo é que os Responsáveis por nossas áreas de proteção percebam que a simples execução dos planos de manejo não é um fim e sim um começo. É importante que os Planos sejam usados, que o manejo seja realizado, que os impactos gerados pelas ações sejam medidos e que principalmente seja feita a retroalimentação dos estudos,criando assim novas diretrizes e novas orientações. É imperativo que as informações geradas sejam divulgadas a todos. Mais importante de tudo, é primordial que os funcionários destas áreas sejam valorizados e que tenham recursos para implementar as ações propostas pelos planos de manejo.
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Resgate histórico na biblioteda Guy Collet da SBE mostra os primeiros croquis feitos por Le Bret e a descrição do primeiro mapeamento completo da caverna por integrantes do C.E.U. (Centro Excursionista Universitário) ABSTRACT In this article Clayton Lino describes a thrilling exploration of the Ouro Grosso cave when the abysses and the main cave were connected back in the early 70’s. With many waterfalls to climb and different kinds of difficulties the cave was considered one of the big challenges for the cavers. The first connection was done in 1973 by Geraldo “Peninha”, Ceccolini and Clayton Lino.
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Introdução Na década de 60 a Gruta Ouro Grosso, SP-59, se apresentava como um dos maiores desafios para os exploradores da época. A caverna ainda não havia sido vencida, a ressurgência do córrego, batizada como “Gruta Pierre”, tinha sido mapeada até a primeira cachoeira e apenas integrantes do CAP conheciam até a terceira cachoeira, até então intransponível. O sumidouro também era conhecido e levara o nome de seu primeiro explorador; “Abismo Michel Le Bret”, porém um quebracorpo com passagem pouco óbvia e as dificuldades técnicas da época dificultavam a conexão com a Gruta Pierre. Este artigo, resgatado dos arquivos da SBE, mais precisamente do Espeleotema número 4 de 1974, mostra os desenhos (croquis) de Michel Le Bret da década de 60 e também o relato de Clayton F. Lino, então integrante do C.E.U., sobre a primeira incur-
são até os garrafões, na qual foi constatada a possibilidade de ligação entre as Grutas Pierre e Abismo Michel.
1.° de setembro de 1973 Eram 7:10 hs e da plataforma 25 da Rodoviária de São Paulo saía o ônibus rumo a APIAÍ, abarrotado de mochilas, e sete passageiros eram espeleólogos do Centro Excursionista Universitário. No mesmo horário, saía da sede do C.E.U., um volks com mais dois participantes e outro exagero em bagagem. Na 2.a feira, mais dois se uniram a eles. Assim começa a história da exploração e conquista da Gruta Ouro Grosso. O planejamento da expedição já era bem anterior e os preparativos da mesma se estendiam em termos de técnicas de
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alpinismo, curso de primeiros socorros, estudo de cardápio, etc... Mais antiga ainda é a história da Gruta, que conhecida oficialmente desde o século passado (Krone), vem desafiando e frustrando aqueles que tentaram atravessá-la. Em 1968, Michel Le Bret e companheiros fizeram a primeira conquista importante, atingindo a gruta pelo abismo próximo ao sumidouro do córrego Ouro Grosso. Esse abismo, com um total de 113m de desnível, com lances livres de até 40 m, recebeu em cadastro a sigla SP56 e o nome do seu conquistador. Já as explorações pela Gruta Pierre, cuja entrada fica a poucos metros da ressurgência do rio, sempre se viram frustradas por obstáculos que variavam entre “quebra-corpos” e passagens estreitas, até poços de natação e cachoeiras. O Clube Alpino Paulista (CAP) já havia atingido e ultrapassado a “Cachoeira do Leque”, a 160 m da entrada. O C.E.U., em expedição feita em 1973, parou no entanto, a menos de 50 m dela, em uma cachoeira de 7 m que parecia impossível de ser escalada. Depois disso, o C.E.U. só tivera expedições de reconhecimento, biologia e geologia. Na expedição de setembro de 1973, planejamos para o domingo uma excursão de treinamento aos novatos na Gruta Alambari de Baixo. Já na segunda-feira, enquanto uma equipe especial cuidava dos preparativos para Ouro Grosso, inclusive a construção de uma escada de madeira que nos a judaria a ultrapassar a 1a grande
cachoeira, o restante dos participantes desenvolviam trabalhos na Gruta Alambari de Cima. Como o rancho da S.E.B. estava ocupado por outro grupo, acertamos com um morador da região que se dispôs em nos alugar uma casa sua que estava vazia. Com a chegada de dois outros colegas, completamos a equipe que foi dividida em 3 para os trabalhos do dia seguinte (3a feira). Três novatos aproveitaram a oportunidade de conhecer a caverna de Santana, voltando para São Paulo na 4 a feira. O restante do pessoal foi dividido em 2 equipes de 4 pessoas que se dirigiram à Caverna Ouro Grosso, uma pelo Abismo Michel Le Bret e outra pela Gruta Pierre, próxima à ressurgência. A equipe que penetraria o abismo, formada por Beck, Pizza, Martin e Edson, foi planejada de modo a acampar na entrada da Gruta, só voltando ao alojamento após o final da exploração. O sr. Vandir, guia da região, levou-os até a entrada superior e após a montagem do acampamento e preparativos gerais, teve início a exploração. Desde o princípio houve problemas com um equipamento individual, o que fazia com que um dos participantes estivesse constantemente sem iluminação. Uma série de problemas envolveram a exploração, sendo o principal deles a falta de escadas espeleológicas, cuja soma de 60 m não foi o suficiente para que atingissem algum patamar de onde pudesse ser atingido, em escalada, o
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fundo do abismo. Apesar da insistência na procura de outras descidas possíveis, nada encontraram e na 6 a feira voltaram para o alojamento. A outra equipe contava com Geraldo (Peninha), Ceccolini, Pedro e eu. Entramos pela Gruta O.G. e desenvolvemos aproximadamente 200 m de exploração. Aproveitando o apoio de madeira deixado pela equipe de preparação, ultrapassamos a 1a grande cachoeira, não sem antes eu ter escorregado na parede lisa e ficar pendurado sobre o poço. Ali deixamos uma
escada de 10 m que facilitava a ultrapassagem de ida e volta que fazíamos diariamente. Nessa primeira incursão permanecemos 7 hs na gruta, saindo antes do anoitecer, bastante cansados, principalmente por enfrentarmos várias cachoeiras e longos trechos de natação em água bastante fria. Imaginando um período de exploração maior e esperando o constante contato com o frio da água, resolvemos mudar o horário da próxima saída, para a
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noite e não na manhã do dia seguinte. Dessa maneira, após 16 hs de exploração, saímos da gruta encontrando sol claro. Desta vez completamos a exploração até encontrarmos o fundo do Abismo Michel Le Bret, onde esperávamos encontrar a outra equipe. A gruta se estendia quase que somente como um conduto do rio, sem salões laterais ou superiores e rara ornamentação. Era uma sequência
extremamente cansativa de escaladas e trechos de água profunda. O mais marcante era a travessia das quedas d’água, que se sucederam em número de 12, sendo 3 delas grandes cachoeiras de até 7 m de queda, de ultrapassagem dificílima, uma vez que eram antecedidas de poços profundos, com paredes escorregadias e sem apoios. A 2a grande cachoeira, a do Leque, devido à forma da queda que se abre em leque, foi vencida escalando-se uma chaminé anterior ao poço e ultrapassando-a por cima em
“tesouras” e aderências laterais. As mochilas foram alçadas posteriormente, por cordas. Nessa incursão ainda não fazíamos a topografia e apesar de nos esforçarmos em observações quanto à biologia da Gruta, com raríssimas exceções, nada foi observado e exceto alguns opiliões, uma ou outra aranha e 2 girinos, a gruta nos pareceu estéril sob o aspecto biológico. A exploração se desenvolvia cansativa e um problema era que de tanto nos esforçarmos em observações quanto à biologia, nas quedas d’água éramos obrigados a gritar para sermos ouvidos pelos companheiros. A 3a grande cachoeira, ponto onde havia parado o grupo do C.E.U., e no ano de 1962 também a turma do CAP, que até então era a que mais tinha avançado na gruta, a princípio nos assustava, para não dizer, desiludia: um poço profundo com 4 m de diâmetro recebia o jorro d’água que descia de 9 m arrebentando-se em um patamar a aproximadamente 2 metros abaixo e se despejando sobre blocos de pedra no poço. A parede à direita era, a princípio, possível de ser escalada. Pela esquerda, alguns poucos apoios permitiam que se atingisse com a mão o ponto onde inciava a queda da água, sem no entanto, existir chance, por falta de apoio, de ultrapassá-lo. Ceccolini fez a primeira tentativa. Eu e o Peninha cuidávamos da segurança e da iluminação com lanternas. A água que borrifava apagava a chama do capacete e o Ceccolini se via em posição arriscada e após várias tentativas desistiu. O Peninha foi o segundo a tentar. Com um
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lance de “tesoura” que ficou histórico, conseguiu alcançar o degrau após o ponto onde arrebentava a água e de lá atingir o topo. Através da corda de segurança lhe enviamos um rolo de escada e após sua fixação subimos pela mesma. Após essa cachoeira a exploração se desenvolveu sem grandes problemas encontrando como maiores dificuldades apenas algumas fendas estreitas e vários “tetos-baixos”, que nos obrigavam a
ultrapassá-los ajoelhados e até mesmo deitados. Em uma dessas passagens Ceccolini sofreu um ferimento no joelho que veio impedir que nos acompanhasse na próxima incursão à gruta 2 dias depois. Próximo ao fim da gruta encontramos o primeiro “garrafão”, que com uma base de 8m de diâmetro, alcançava aproximadamente 40 m de altura. Do alto desse cone escorria um filete de água. Esse era o último orifício do Abismo Le Bret. Pesquisando por uma fenda na parede lateral, encontrei uma chaminé que
nos ligou com outros dois garrafões. Sob o segundo abismo encontramos as pegadas e restos de embalagens de chocolate, que a princípio acreditei ser da segunda equipe, mas depois confirmei serem marcas de exploração de Michel Le Bret em 1967. A volta foi bastante acidentada, principalmente para Pedro que, na cachoeira do Leque, descendo em rapel com 8, ficou preso, em pêndulo, impedido
de descer ou subir. Na descida da 1 a grande cachoeira, um descuido fez com que a escada se deslocasse para o jorro d’água (6m de queda) e o Pedro foi atirado ao poço em “looping”, sem no entanto se ferir. Molhado e assustado, se despediu da gruta e não mais voltou. Retornando ao acampamento, procuramos encontrar uma corrente ou corda de nylon que pudesse substituir as escadas que haviam ficado na gruta. Não conseguindo, fomos até a cidade de Iporanga, a 15 km dali e lá compramos as cordas
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necessárias. A cidade estava em festa: fora instalado o serviço de água potável e se comemorava com um churrasco, do qual participamos. No dia seguinte a segunda equipe retornou a São Paulo e Pena e eu nos vimos face à difícil decisão de voltar à gruta apenas em dois. Sabíamos que por motivos de segurança não devíamos fazê Io. No entanto havíamos deixado na gruta escadas e equipamentos individuais; a exploração tinha terminado, conhecíamos a gruta e sabíamos quais os problemas que apresentava; tínhamos a obrigação moral e chance momentânea de topografarmos a mesma; não sabíamos quando teríamos outra oportunidade de voltar ao local. Pesamos tudo e resolvemos fazer nossa última incursão à gruta. Partimos no sábado pela manhã, após uma cuidadosa observação quanto à perfeição de funcionamento e segurança do equipamento. Foram 11 horas de escuro, repletas de acidentes. Já de início meu macacão
se rasgou completamente nas costas. Durante o trecho de aderência lateral inclinada, por choques com as lâminas de calcário minha mochila teve um furo no fundo e a lata com reserva de carbureto que estava nela virou-se e se abriu. Ao atingir o poço da 1a cachoeira o fundo da mochila mergulhou na água e esta, entrando, reagiu com o carbureto, produzindo acetileno que foi acumulando na mochila. Ao notar o calor da reação, parei e tentei com cuidado interrompê-la. O gás, despreendido, tocado pela chama do capacete, explodiu. Muito susto, cheiro de cabelo queimado e um esfriamento nos ânimos, no entanto, passageiro. Após a subida da 1a cachoeira a lanterna de pilhas do Peninha apagou e não mais voltou a funcionar. Confessamos um ao outro nossa vontade de voltar atrás, mas no momento nem sequer uma palavra sobre isso dissemos. Externamente parecíamos calmos e continuávamos fazendo a topografia. Também isso não era fácil; só nos ouvíamos aos gritos; a água carregava
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Ainda na ida fiquei em situação deseperadora. O Peninha atravessou “por cima” um trecho de água funda que antecipava uma pequena cachoeira, mas eu resolvi fazê-lo por água e uma vez tendo entrado no poço só existia uma saída: a cachoeira. Não existia um só apoio onde eu pudesse me firmar para vencer a força da água me jorrando no peito. O Peninha veio me ajudar e após travar as pernas entre as rochas tentou me segurar com as mãos, mas elas escorregavam. O barulho era ensurdecedor. Eu lhe gritava pedindo que tentasse esticar uma perna na minha direção, onde seria mais fácil me segurar. Ele tentava mas a água lhe tirava o equilíbrio, até que num esforço limite me agarrei à sua perna e com sua ajuda consegui, apesar da força da água, me içar para um local seco. Não nos olhávamos, nem nada dissemos em 15 minutos de descanso, ali mesmo.
acompanhar o movimento submerso do facho de luz até se perder no fundo entre algumas pedras. O Peninha ainda não havia conseguido iluminação. Os fósforos que levava também tinham se molhado, todos. Não houve outra maneira; tive que tateando descobrir novos apoios e continuar a travessia, sob pena de, caso contrário, me cansar da posição bastante desconfortável, perder as forças e cair. Quando o Peninha conseguiu iluminação eu estava sobre ele. Exceto as imagináveis dificuldades em retirar as escadas das cachoeiras, trocando-as por cordas de nylon, com várias lançadas (zelhas) e descer pelas mesmas, não encontramos outros problemas. Sãos e salvos fisicamente, fomos sentindo aos poucos as pupilas se inundarem de luz. A selva lá fora nos parecia linda como nunca antes. Os pássaros eram bem mais sonoros que as cachoeiras. As cores se revestiam de vida. O sol aquecia nosso sorriso. Era realmente uma sensação nova e marcante. Poucas vezes o inútil é tão caro e compensador.
Sem outros problemas, topografamos a gruta até seu final. Na volta, no mesmo local onde acontecera o último acidente, atravessando a cachoeira e o poço em nível bem superior aos mesmos pela técnica de “tesouras”, partiu-se um apoio e Peninha despencou mergulhando inteiramente no poço. A chama de seu capacete apagouse e o isqueiro molhado não tornava a acendê-la. Eu que vinha pouco atrás tentava iluminá-lo para que pudesse atingir um local raso. Com sua afirmação de que estava tudo bem, apesar de não ter ainda conseguido acender a chama, continuei a ultrapassar a fenda. Minha chama também se apagou. Consegui livrar uma mão e com ela acender e colocar entre os dentes a presilha da lanterna e com a boca direcionava o fecho de luz, clareando novos apoios. Dois passos após, quebra-se a presilha e a lanterna ainda acesa, despenca-se mergulhando na água profunda. Devo confessar que foi uma sensação entre choque e encantamento,
Referência Bibliográfica Lino, C. F. “Cavernas do Ouro Grosso” Espeleotema SBE, V. 10, p. 24-27, ano4 1976.
Foto ilustrativa: Cachoeira do CEU
Ricardo Martinelli
a trena e molhava a caderneta; as constantes curvas da gruta diminuíam o tamanho das visadas e tornavam o serviço mais demorado.
Resumo
A importância cultural do carste e das cavernas TRAVASSOS, Luiz Eduardo Panisset. 2010. 372 f. Tese (Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Orientador: Prof. Dr. Oswaldo Bueno Amorim Filho Co-Orientador: Prof. Dr. Andrej Kranjc Fotos: Luiz Travassos RESUMO A paisagem cárstica e suas cavernas podem ser percebidas por várias pessoas de maneira igualmente variada. Do leigo ao cientista, especialmente as cavernas, assumem significados diversos de acordo com a evolução histórica e as condições culturais de uma sociedade. Por esse motivo, é possível afirmar que a relação humana com as cavernas não é fato novo na história da humanidade. Muito menos a motivação para seu uso como abrigos, esconderijos ou lugares sagrados. Sendo assim, as cavernas e o carste constituemse como importantes registros histórico-geográficos de regiões específicas. Muitas vezes apresentam traços comuns a várias culturas como será demonstrado ao longo do trabalho. Como objetivo geral do trabalho, propõe-se a investigação do uso cultural do carste e das cavernas como base do Turismo Cultural. Através de extenso levantamento bibliográfico, do estudo das áreas protegidas da UNESCO, da análise dos sítios visitados por Hayes (2005-2009) e o estudo de quatro cavernas santuário específicas (duas no Brasil, em Minas Gerais) e duas na Eslovênia-Itália, objetiva-se realizar um estudo que favoreça a divulgação do uso cultural do carste e das cavernas. Busca-se também, a espacialização das informações, a fim de colaborar com as discussões sobre o uso religioso de cavernas e inserir a temática nos estudos de Geografia da Religião em particular, e da Geografia Cultural em geral. Sítios culturais e sagrados ocorrem em uma variedade de paisagens e, por essa razão o trabalho deve abrir um caminho em meio à Carstologia nacional, em um campo de pesquisas ainda muito pouco trabalhado sistematicamente no Brasil. Pretende-se contribuir para a união entre a preservação do patrimônio cultural do carste e a conservação do patrimônio geológico e espeleológico. O trabalho fundamenta-se no aprofundamento teórico dos temas relacionados às paisagens cársticas e sua relação com o turismo cultural e religioso, através de revisão bibliográfica destacando a importância dos trabalhos de vários geógrafos importantes capazes de aliar os estudos físicos e humanos. São eles Humboldt, Malte-Brun, Reclus, Nicod e Gauchon. Dessa forma estabeleceu-se uma linha do tempo até os dias de hoje. Outros naturalistas também são citados, oferecendo maior peso à importância cultural do carste. A revisão bibliográfica se propôs a demonstrar e discutir a aplicabilidade de conceitos como topofilia, topofobia, sagrado e profano ao carste, relacionando-os a exemplos nacionais e internacionais. Essa etapa foi importante para a construção de um referencial teórico básico, essencial para o desenvolvimento da temática do trabalho. Foi inserida a metodologia de inventariação e quantificação para a avaliação do patrimônio geomorfológico utilizada por Pereira (2006) e aplicada pela primeira vez ao carste Português por Forte (2008). O uso destas metodologias visam sua adaptação e aplicação aos sítios sagrados nacionais. Os resultados indicam que o patrimônio cultural da paisagem cárstica tem se tornado objeto de destaque na comunidade científica internacional e nacional, embora, ainda que poucos trabalhos abordem a temática no Brasil. Igualmente recentes são os trabalhos que apresentam a importância cultural do carste e das cavernas. Assim, as questões que foram tratadas no trabalho, de maneira resumida, devem ser vistas como uma contribuição para a Geografia e a Carstologia, ambas consideradas como ciências plurais. Palavras-chave: Carste, Cavernas, Geografia Cultural, Geografia da Religião.
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Resumo
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ABSTRACT The karst landscape and the caves can be perceived by several people in an equally varied way. From the layman to the scientist, especially caves, assume different meanings according to historical and cultural conditions of a particular society. Therefore, we one can say that the human relationship with caves is not really new in the history of mankind. It is also not less new the motivation for their use as shelters, safe houses and sacred places. Thus, caves and karst are important historical and geographic records of specific regions. Often they present common features of various cultures as shown throughout this work. As a general objective of this research, it is proposed the investigation of the cultural use of karst and caves based on the Cultural Tourism. Through extensive literature review, study of the areas protected by UNESCO, the analysis of the sites visited by Hayes (2005-2009) and the study of four specific cave shrines (two in Brazil, in Minas Gerais) and two in Slovenia-Italy the objective is to undertake a study that helps to promote the dissemination of the cultural use of karst and caves. It is also intended to spatialize the information and contribute to the discussions on the religious use of caves and insert this topic in the studies of the geography of religion in particular and of the Cultural Geography in general. Sacred and cultural sites occur in a variety of landscapes and, thus, the research should help to start the discussions through the national karstology in a field of study which is still very little researched systematically in Brazil. It is also intended to make a contribution to the union between the preservation of cultural heritage and the conservation of the karst geological heritage and its caves. The work is also based on deeper theoretical issues related to karst landscapes and their relation to the cultural and religious tourism, based on a bibliographical review highlighting the importance of the work of several important geographers who combined the physical and human studies. They were Humboldt, Malte-Brun, Reclus, Nicod, and Gauchon. Thus it was established a timeline to the present day. Other naturalists are also mentioned, giving a greater meaning to the cultural importance of karst and caves. The literature review aimed to demonstrate and discuss the applicability of concepts such as topophilia, topophobia, sacred and profane applied to the karst, linking them to national and international examples. This step was important for the construction of a theoretical base which was essential for the development of the research thematic. While developing the work, the researcher introduced the methodology of inventariation and quantification for the evaluation of the geomorphological patrimony used by Pereira (2006) and first applied to the Portuguese karst by Forte (2008) to the Brazilian sacred sites. The results indicate that the cultural heritage of the karst landscape has become a source of distinction in the international and national scientific community, though, yet little work on the theme is made nationally. Equally recent are the works that present the cultural importance of karst and caves. Thus, the issues that were treated in the research should be seen as a contribution to Geography and Karstology, both considered as plural sciences. Keywords: Karst, Caves, Cultural Geography, Geography of Religion. Para ler a tese na Ăntegra acesse o link abaixo: http://www.sistemas.pucminas.br/BDP/SilverStream/Pages/pg_ConsItem.html
Plantão Médico
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Responsável: Ricardo Martinelli
Trauma de Crânio As lesões de cabeça podem causar uma ampla variedade de sintomas, dependendo do tipo específico de lesão, severidade e local com relação ao cérebro. Para propósitos práticos, alguns médicos classificam os traumas de crânio em três categorias, baseadas na severidade dos sintomas: * Trauma de crânio leve: há lesão mínima na parte externa da cabeça, sem perda de consciência. A pessoa ferida pode vomitar algumas vezes e pode reclamar de uma dor de cabeça. * Trauma de crânio moderado: há um dano mais óbvio à parte externa do crânio, e a pessoa pode perder a consciência por alguns minutos. Outros sintomas podem incluir amnésia (perda da memória recente); dor de cabeça; vertigem; sonolência; náuseas e vômitos; confusão; uma coloração preto-azulada ao redor dos olhos ou atrás da orelha; e a presença de um fluido claro escorrendo do nariz. Este líquido claro e fluido pode ser líqüor (líquido cérebro-espinhal fluido que fica ao redor do cérebro), que escoa por uma fratura de crânio perto do nariz. * Trauma de crânio grave: há uma lesão séria na parte externa da cabeça, freqüentemente associada com outras lesões que envolvem o pescoço, as extremidades ou órgãos importantes do corpo. Na maioria dos casos, a pessoa está inconsciente ou pouco responsiva. Porém, algumas pessoas ficam agitadas ou fisicamente agressivas. Aproximadamente 10 por cento das pessoas afetadas têm ataques epiléticos. Diagnóstico Os traumas de crânio devem ser avaliados prontamente por um médico. Alem de pedir a ajuda de emergência (corpo de bombeiros ou de resgate), solicite a um membro da família ou amigo que o leve para o pronto socorro. Uma vez na sala de emergência, o médico irá querer saber: * Como você feriu sua cabeça, no caso da espeleologia, se foi uma pedra, um tombo, uma batida, inclusive a altura da queda, ou a posição em que você estava no momento do acidente; * Sua reação imediata à lesão, especialmente perda de consciência ou amnésia; * Qualquer sintoma que aconteceu após a lesão, como vômitos, dor de cabeça, confusão, sonolência ou ataques epiléticos; * Medicamentos atualmente em uso, inclusive álcool e drogas; * Sua história clínica passada, especialmente qualquer problema neurológico (derrame, epilepsia, etc.) e qualquer episódio anterior de trauma de crânio; * Se você está tendo dor no pescoço, tórax, abdômen ou extremidades. Se você não puder responder a estas perguntas, as informações podem ser dadas por um membro da família, amigo ou o pessoal médico que o socorreu e o trouxe para o hospital. As perguntas do médico serão seguidas de um exame físico e neurológico completo, inclusive avaliações do tamanho de sua pupila (parte central do olho), reflexos, sensibilidade e força muscular. Se os resultados destes exames forem nor-
mais, pode não ser necessário nenhum exame adicional; porém, o médico provavelmente decidirá mantê-lo em observação no hospital. Para aqueles com lesões mais severas, a primeira meta do pessoal de emergência é estabilizar as condições da pessoa o mais rápido possível antes da chegada ao hospital. Isto pode envolver a colocação de um tubo na garganta para ajudar a pessoa a respirar, colocá-la num ventilador mecânico, controlar qualquer hemorragia de feridas abertas, manter a pressão sanguínea com medicamentos intravenosos e/ou imobilização do pescoço no caso de uma fratura cervical. Uma vez que a pessoa ferida chega ao hospital e está estabilizada, o médico executará uma avaliação física e neurológica sumária. A seguir fará uma tomografia computadorizada (TC) de crânio e radiografias da cabeça e da coluna cervical, se necessário. Na maioria dos casos, uma TC é a melhor maneira de descobrir qualquer área de fraturas de crânio, lesão do cérebro ou sangramento dentro da cabeça. Tratamento Se você sofrer um trauma leve de crânio, seu médico pode decidir monitorar sua condição na sala de emergência durante um período curto de tempo, ou interná-lo no hospital durante um período breve de observação. Enquanto você está na sala de emergência ou no seu quarto de hospital, o pessoal de enfermagem irá perguntar periodicamente por seus sintomas, para confirmar se você está acordado e responsivo e conferir seus sinais vitais. Assim que o médico estiver satisfeito e achar que pode te dar alta para casa, ele te deixará ir com a condição de que um adulto responsável fique com você em casa por um ou dois dias para ajudar a observar sua condição clínica. A esta pessoa serão dadas instruções específicas sobre possíveis sinais de perigo que irão alertá-la. Se você for incomodado por dores de cabeça depois de um trauma de crânio, seu médico pode sugerir que você tente tomar um analgésico (como Dipirona ou Tylenol) em primeiro lugar. Se isto não funcionar, ele provavelmente irá prescrever um remédio mais potente. Evite tomar Aspirina, Ibuprofeno, Naproxeno ou Indometacina durante o período de recuperação pois estas drogas podem aumentar o risco de sangramento dentro da cabeça. Em pessoas com traumas de crânio mais extensos, o tratamento depende do tipo de lesão, sua severidade e seu local. Em muitos casos, o tratamento é feito numa unidade de cuidados intensivos (UTI) com ventilação mecânica, com medicamentos para controlar a dor, diminuir o inchaço dentro do cérebro, manter a pressão sanguínea e prevenir ataques epiléticos. A cirurgia pode ser executada para corrigir uma fratura de crânio (afundamento por ex.), para drenar um hematoma epidural ou subdural, ou para tratar uma hemorragia ou contusão cerebral.
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INCLUSÃO SOCIAL DE PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS E A PRÁTICA DO TURISMO EM ÁREAS NATURAIS: RELATO DE CASO NO PARQUE ESTADUAL TURÍSTICO DO ALTO RIBEIRA (PETAR-SP) [SOCIAL INCLUSION OF INDIVIDUALS WITH SPECIAL NEEDS AND TOURISM IN NATURAL AREAS: CASE STUDY IN THE STATE TOURIST PARK OF THE UPPER RIBEIRA (PETAR –SP)] Robson de Almeida ZAMPAULO *; Claudia Santos LUZ **; Érica NUNES *** Centro Universitário Fundação Santo André (FSA) Av: Príncipe de Gales, 821, B. Príncipe de Gales, Santo André-SP, CEP: 09060-650 * rzampaulo@yahoo.com.br.com (GESMAR); ** luzfogo@hotmail.com (FSA/GESMAR); *** eriquinhanunes@ig.com.br (UMESP) RESUMO Criado em 1958, o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR) é uma importante unidade de conservação do estado de São Paulo, possuindo um rico patrimônio espeleológico composto por mais de 200 cavernas, dais qual, aproximadamente 25 cavernas são utilizadas para a visitação. O Grupo de Estudos Ambientais da Serra do Mar (GESMAR), tem na região, um dos seus principais focos de atuação desenvolvendo pesquisas, fazendo prospecção ou ainda promovendo atividades didáticas de visitação, com o objetivo de difundir o conhecimento técnico científico e a prática da educação ambiental, estimulando a formação de futuros pesquisadores e atores sociais, que possam vir a contribuir com a região. Nos dias 16 e 17 de outubro de 2004, o grupo realizou uma Foto 1: Alojamento do Núcleo Ouro Grosso, onde se atividade no Parque, atendendo 45 visitantes, entre estes, alunos hospedou o grupo de visitantes. Daniela dos Anjos, 2004. graduandos do Centro Universitário Fundação Santo André (FSA) e alguns convidados. Nesta atividade, contamos com a participação de uma Pessoa Portadora de Necessidades Especiais (PPNE). O presente trabalho pretende relatar a experiência realizada por nosso grupo em uma atividade de inclusão social, através da visitação de cavernas no PETAR. Desta forma, pretende-se, estimular a discussão sobre a necessidade de adaptações na infra-estrutura turística das unidades de conservação destinadas a visitação, em especial os ambientes cársticos, bem como, a formação recursos humanos especializadas na realização deste tipo de atividade. Palavras-Chave: Inclusão Social, Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais, Turismo, Cavernas, PETAR.
[ABSTRACT] Created in 1958, the State Tourist Park of the Upper Ribeira (PETAR) is an important conservation unit of the state of São Paulo, with a rich speleological heritage composed of more than 200 caves, of which approximately 25 are used for visitation. The Group for Environmental Studies of the Serra do Mar (GESMAR) focuses some of its actions on the development of research in the region, including prospection and the promotion of educational activities for visitors, with the objective of divulgation of technical and scientific knowledge and the practice of environmental education, thus stimulating the formation of future research workers and social agents who may contribute to the region in the future. On October 16-17, 2004, the group realized an activity in the park for 45 visitors, among them students graduating from the Centro Univeritário Fundação Santo André (FSA) and other guests. One of the participants was a person with special needs (PSN). This paper provides information about the experience of the group in this activity and the way in which social inclusion was fostered in visits to the caves of PETAR. It is intended to stimulate discussion about the need for adaptation in the infrastructure provided for tourists in units of conservation intended for visitation, especially in karst areas, as well as the formation of human resources specialized in the realization of this kind of activity. Key words: Social Inclusion, Person with Special Needs, Tourism, Caves, PETAR.
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PARQUE ESTADUALTURÍSTICO DO ALTO RIBEIRA (PETAR) O Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), está localizado no sul do estado de São Paulo, a aproximadamente, 350 km da capital. Constitui, um rico cenário de fundamental importância para o estado e para o país, por apresentar um amplo patrimônio espeleológico inserido em um preservado remanescente de Floresta Tropical Úmida de Encosta (Mata Atlântica), possuindo grande diversidade de espécies de flora e fauna tropical. O Parque apresenta uma das maiores concentrações de cavernas do estado de São Paulo, somando mais de 200, algumas das quais, são conhecidas internacionalmente, constituindo assim, o principal foco turístico da região. O PETAR encontra-se divido em quatro núcleos de visitação: Santana, Caboclos, Ouro Grosso e Casa de Pedra, destinados principalmente à fiscalização e proteção ambiental, além do atendimento ao turismo, constituindo uma excelente opção de turismo espeleológico. Dentre estes, destaca-se o Núcleo Santana, com maior fluxo de visitação, que juntamente com o Núcleo Ouro Grosso, situam-se nas proximidades do Bairro da Serra em Iporanga (SP), a margens o Rio Betari (afluente do Rio Ribeira de Iguape). (FIGUEIREDO, 1998 e 2000). Durante os finais de semana e feriados prolongados, um grande número de turistas deslocam-se para a região do PETAR, utilizando os serviços dos diferentes setores da economia local, impulsionando o desenvolvimento do turismo na região que, durante as últimas duas décadas sofreu fortes transformações.
Figura 1: Mapa de Localização do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR-SP). Fonte: Mapa extraído do site Homepage das Cavernas de São Paulo (Jun, 2005).
TURISMO E AS PESSOAS PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS (PPNEs) O turismo baseia-se necessariamente no deslocamento do ser humano para outro local, não habitual, no qual o mesmo passa desempenhar algum tipo de atividade, como lazer, negócios, entre outros (PRADO, 2001). Segundo Lemos (2001), o turismo é considerado um fenômeno social de maior força econômica, que trará melhores condições de vida, através das muitas atividades que propicia, levando ao crescimento econômico, social e cultural de nações pobres ou ricas, sem nenhum tipo de distinção. No Brasil e no mundo, existe um número cada vez maior de pessoas envolvendo-se com a pratica do turismo em áreas naturais ou ecoturismo. Os principais fatores que possibilitaram este aumento do fluxo turístico nas áreas naturais atribuem-se principalmente ao rico patrimônio natural existentes no território nacional, divulgação da mídia e possibilidade de viabilização do desenvolvimento econômico das regiões. O ecoturismo é um segmento do turismo, que propicia o lazer em áreas naturais com fortes motivações conservacionistas e culturais. Ele utiliza as áreas naturais, como instrumento para atender a demanda crescente de pessoas que buscam tranqüilidade, fugindo do caos dos centros urbanos. Desta maneira, o ecoturismo deve propiciar ao indivíduo, uma oportunidade de contato com meio ambiente natural e levar o mesmo a reflexões sobre a conservação destes locais, com desenvolvimento sustentável, proporcionando o crescimento econômico das regiões. O patrimônio natural de muitas regiões, estão protegidos através de dispositivos legais, denominadas de Unidades de Conservação (UCs), que de acordo com seus objetivos, podem ser destinadas a visitação, sendo necessário estabelecer diretrizes quanto aos seu uso público, através da implantação de um plano de manejo. No Brasil, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) conceitua uso público em como as atividades educativas, recreativas e de interpretação ambiental, realizadas em contato com a natureza, de acordo com critérios especificado em seu plano de manejo. Seu principal objetivo é propiciar ao visitante a oportunidade de conhecer, de forma lúdica, os atributos e os valores ambientais protegidos pela unidade de conservação (IBAMA apud BARROS, 2003). Nos últimos anos, um público diferenciado tem sido atraído pela prática do turismo em áreas naturais, no caso, Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais (PPNEs). Este grupo de pessoas tem procurado atividades como: trekking, tirolesa, rapel, off-road, ciclismo, rafting, cavalgada, paraquedismo, paraglider, acqua ride, mergulho, surf, visita a cavernas, entre outros. No entanto, as propostas de uso público das Unidades de Conservação destinadas a visitação, não possuem suporte para receber este público diferenciado, seja pela ausência de infraestrutura adaptada ou mesmo pela carência de recursos humanos especializados. Segundo dados do último censo do IBGE (2005), existem 24,5 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência,
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que representam 14,9% da população. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), diariamente 500 pessoas tornam-se portadoras de algum tipo de deficiência no Brasil, vitimas de doenças, violência urbana ou acidentes. Com o objetivo de atender esta demanda crescente do turismo em áreas naturais, impulsionado inclusive pela divulgação na mídia, algumas operadoras de turismo e Organizações Não Governamentais (ONGs) tem desenvolvido projetos de inclusão social, através da visitação ou da prática de esportes na natureza. Alguns projetos importantes tem sido desenvolvidos chamando a atenção para esta importante questão social, dentre os quais, vale destacar o trabalho realizado pela ONG Aventura Especial, associação civil de direito privado, de caráter social, sem fins lucrativos, que criou o conceito de “Esporte de Aventura Adaptado” e defende a importância da prática para aqueles “que já estão acostumados a superar limites em atividades simples do cotidiano”. Segundo Edgar Werblowsky proprietário Aventura Especial: não há dados sobre o perfil socioeconômico dessas pessoas nem estudos comportamentais, mas eu me arrisquei por acreditar que elas só não viajam porque ninguém apostou nelas ainda. (Werblowsky, 2005). Outro trabalho importante realizado no Brasil é o da PPNE Adriana Braun que criou a ONG Acessível e o projeto “Cadeirantes - Aventuras para um Brasil mais acessível”, e foi uma dos 14 integrantes (PPNEs) da expedição “Brasil Adentro”, que saiu de São Paulo e percorreu cerca de 15 mil km em 20 estados brasileiros, durante três meses. O objetivo desta expedição foi mapear os principais pólos ecoturísticos no Brasil e, com a participação de uma deficiente física, avaliar a acessibilidade nestes locais. Comecei a pensar numa maneira de tornar os esportes de aventura mais acessíveis aos portadores de deficiências. O Cadeirantes, também trabalha orientando às agências de viagem que incluam esse público. (Adriana Braun, 2004). Entre as expedições, destaque também para o “Desafio de Atitude” organizada e coordenada pelo médico e guia de aventuras Manoel Morgado que reuniu nove PPNEs por vinte sete dias na região do Nepal, através de práticas de esportes de aventura como cayoning e trekking em elefantes, além de rafting no Rio Sun Kosi, um dos melhores rios do mundo para a prática deste esporte. A expedição contou com o apoio de profissionais especializados (médicos ortopedistas, psicoterapeutas), operadoras de ecoturismo do Nepal e Nova Zelândia que atuam com PPNEs a mais de quinze anos. O objetivo desta expedição, foi produzir material de registro durante a viagem, para posteriormente organizar eventos itinerantes em empresas, escolas, associações e instituições para portadores de necessidades especiais, com o intuito de despertar um
novo olhar sobre a realidade destes aventureiros especiais no país. Eventos importantes tem sido organizado, como a Feira Internacional de Tecnologias de Reabilitação e Inclusão Social, realizada em São Paulo em abril de 2003, sendo este, o maior evento do setor no país, e já tornou-se referência na América Latina. Cerca de 18 mil pessoas, conferiram gratuitamente, as mais recentes e altas tecnologias do mercado na área de reabilitação e inclusão, além de recentes publicações sobre o segmento. Conheceram o trabalho de algumas ONGs, associações e órgãos públicos como o Ministério Público Federal e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil); participaram de importantes seminários; e assistiram a apresentações culturais de dança, capoeira, e desfile de moda realizado por pessoas com deficiência. Como podemos citar acima, alguns movimentos estão sendo criados em nossa sociedade com objetivo de promover a inclusão social de portadores de necessidades especiais, na prática dos chamados esportes de aventura em áreas naturais, além da visitação em unidades de conservação. No entanto, trata-se de um trabalho ainda incipiente no país, sendo necessário investimentos em estruturas de visitação e formação de recursos humanos especializados no atendimento deste público. PESSOAS PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS (PPNE) Segundo a Constituição Federal (1988), DEFICIÊNCIA FÍSICA é todo comprometimento da mobilidade, coordenação motora geral ou da fala, causado por lesões neurológicas, neuromusculares e ortopédicas ou ainda por má formação congênita ou adquirida, podendo ser classificada como: a) DEFICIÊNCIA MENTAL: atraso ou lentidão no desenvolvimento mental que pode ser percebido na maneira de falar, caminhar, escrever. O grau de deficiência mental varia de leve a profundo. b) DEFICIÊNCIA VISUAL: caracterizada por uma limitação no campo visual. Pode variar de cegueira total à visão subnormal. Neste caso, ocorre diminuição na percepção de cores e mais dificuldades de adaptação à luz. c) DEFICIÊNCIA AUDITIVA: perda total ou parcial da capacidade de compreender a falar através do ouvido. Pode ser surdez leve - nesse caso, a pessoa consegue se expressar oralmente e perceber a voz humana com ou sem a utilização de um aparelho. Pode ser ainda, surdez profunda.
Fotos 2 e 3: Quiosque de recepção de visitantes do Núcleo Santana (PETAR). Daniela dos Anjos, 2004.
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d) DEFICIÊNCIA LOCOMOTORA: deficiência física que refere-se ao comprometimento do aparelho locomotor que compreende o sistema ósteo-articular, o sistema muscular e o sistema nervoso. A Lei Federal n.º 7.853, de 24 de outubro de 1989, estabelece os direitos básicos das pessoas portadoras de deficiência, dentre eles, o direito a educação (básica e superior), saúde, habitação, ir e vir, acessibilidade ao meio físico (públicos e privados) entre outros. No entanto, infelizmente esse grande contingente de pessoas raramente é visto circulando e participando das diversas atividades presentes em nossa sociedade, pois, além da falta de acessibilidade na construção dos ambientes físicos, o preconceito ainda está presente em muitas pessoas. A acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências a edificações, espaço mobiliário e equipamentos urbanos é definida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), pela norma NBR 9050/94como sendo a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de edificações, espaço, mobiliário e equipamento urbano. Portanto, adaptar os ambientes utilizados, como as residências, os locais de trabalho, os hospitais, clinicas e consultórios, o comércio, as áreas de lazer (o que inclui as unidades de conservação destinadas a visitação) e os outros locais visitados regularmente, significa permitir, alem do direito de ir e vir e da garantia de igualdade, uma concepção moderna de abordar o tema deficiência. Algumas UCs, como os parques nacionais, estaduais e municipais, pelas suas características naturais e institucionais, devem exercer o importante papel de propiciar condições para a educação ambiental ligada ao lazer e a recreação ao ar livre. Este papel deve propiciar a criação de uma postura ética em seus usuários, que nos tempos atuais, mais do que nunca, deve enfocar o sentido de conservação do patrimônio natural. No entanto, a utilização crescente dos recursos naturais para a prática do turismo, não tem sido planejada para receber este grupo de visitantes, dependentes de adaptações nos espaços e na infra-estrutura de visitação, para que os mesmos possam desfrutar destes recursos e desenvolver práticas ligadas ao lazer. Em virtude desta incipiente adequação dos ambientes naturais destinados a visitação e de carência de mão de obra especializada, o presente trabalho pretende descrever uma atividade de visitação desenvolvida pelo Grupo de Estudos Ambientais da Serra do Mar (GESMAR) no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR) com uma Portadora de Necessidades Especiais. Além de uma experiência inovadora para nosso Grupo, este relato pretende estimular a discussão de especialistas em ecossistemas cársticos destinados a visitação, a d i s c u t i r e m propostas de usopúblico em nossas unidades, para poderem receber este público diferenciado.
MÉTODOS 1º ETAPA: ORGANIZAÇÃO DAATIVIDADE Dentro de nossa programação anual de atividades, organizamos a realização de uma atividade didática com os alunos da graduação do Centro Universitário Fundação Santo André (FSA) e convidados, nas cavernas do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), com o objetivo de difundir o conhecimento técnico científico e a prática da educação ambiental, estimulando a formação de futuros pesquisadores e atores sociais, que possam vir a contribuir com a região. Entre os convidados que participaram da atividade, encontrava-se uma Pessoa Portadora de Necessidades Especiais (PPNE). Nossa aventureira é moradora do município de Diadema, estudante do curso superior em Biomedicina, na época com 23 anos e portadora de paraplegia de membros inferiores à treze anos, resultante de um tratamento de radioterapia contra o tumor de Hodingk. A mesma, já havia praticado esportes de aventura como treking, rappel; mergulho livre e autônomo, chegando até a trabalhar em uma operadora de esportes radicais em Extrema (Minas Gerais). Após o interesse de nossa aventureira especial, entramos em contato com os monitores ambientais que atuam no Parque, para podermos avaliar as possibilidades de realização e interesse dos mesmos em participar desta atividade. Posteriormente realizamos uma reunião com a convidada, para avaliarmos as possibilidades de roteiros, sendo este suscetível a mudanças em virtude da avaliação dos monitores do Parque e de suas próprias possibilidades durante o desenvolvimento da visita. Esta reunião também teve o intuito de coletarmos informações sobre como procedermos com a mesma em virtude de suas necessidades especiais (alimentação, medicamentos, cuidados, etc). Em seguida realizamos uma reunião interna do GESMAR para discutirmos como procederíamos durante a atividade, na qual definimos os seguintes aspectos a serem seguidos durante a visita: - Necessidade do acompanhamento de um membro do grupo junto com o monitor ambiental durante toda atividade, fornecendo apoio para realização da mesma; - Contratação de carro de apoio para eventuais situações de emergências; - Possibilidades de roteiros alternativos que se adequassem às condições da aventureira (bóiacross, passeio a cavalo, rapel); - Formas de deslocamento (equipamentos e meios de transporte);
Fotos 4 e 5: Monitores ambientais realizando a visitação da caverna Santana com nossa aventureira. Daniela dos Anjos, 2004.
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Avaliação do alojamento e condições para receber uma cadeirante; Contatos com a empresa de ônibus de viagem para checar a possibilidade quanto ao transporte da aventureira; Sistema de saúde capacitado para encaminhar os visitantes em eventuais situações de emergências.
De acordo com as experiências do Grupo adquiridas em nossas atividades de visitação no PETAR há quase 20 anos, foi definido o seguinte roteiro para nossa aventureira, sendo este, sujeito a alterações dependendo das circunstâncias momentâneas, apresentadas durante a atividade: - 1º dia (sábado – 16 de outubro): Caverna Santana (parte turística), Caverna Morro Preto (Pórtico de entrada) e Cachoeira das Andorinhas; 2º dia (domingo – 17 de outubro): Caverna Alambari de Baixo (passagem pelo conduto do rio utilizando bóia ou colete salva-vidas), bóia cross.
Foto 6: Trabalho dos monitores durante a visitação. Daniela dos Anjos, 2004.
2º ETAPA: REALIZAÇÃO DAATIVIDADE Chegamos ao Bairro da Serra (Iporanga-SP) as 6h30 da manhã (sábado). O Parque disponibilizou um carro oficial (caminhonete) para o transporte da aventureira, bagagens e mantimentos até o Núcleo Ouro Grosso, já que, carros que não possuem tração 4x4 e ônibus não conseguem cruzar o rio que separa o Núcleo do Bairro da Serra. “... logo que chegamos em Iporanga, tive a oportunidade de fazer “Off-road” com o carro do PETAR. O mais divertido disso era tentar gravar alguma coisa com o jipe chacoalhando”. (NUNES, 2005). Em seguida, nos encaminhamos para o núcleo de visitação Santana, onde encontram-se as principais cavernas e a área que possui maior infraestrutura turística do Parque. O Núcleo possui um centro administrativo, com ambulatório para primeiros socorros, portaria e guarita de recepção, quiosques, sanitários, lavanderias e área para camping, que atualmente, encontra-se desativada (FIGUEIREDO, 1999). Neste trajeto, contamos com apoio do carro de apoio disponibilizado pelo grupo, que permitiu o acesso até as proximidades do quiosque de controle acesso as cavernas.
“... fui até o núcleo com o carro de apoio admirando o PETAR! Como é milagroso e maravilhoso sentir a expectativa do momento de ver uma caverna”. (NUNES, 2005). As atividades iniciaram-se a partir das 9h00. Os visitantes foram divididos em quatro grupos compostos por aproximadamente dez pessoas, entre eles, jovens, adultos e idosos. Cada grupo contava com o acompanhamento de um monitor local e monitores do GESMAR. No entanto, o grupo de nossa aventureira contou com o monitoramento de dois monitores locais que trabalharam em conjunto no desenvolvimento da atividade e um monitor do GESMAR para acompanhá-la e dar suporte físico e até emocional. O desenvolvimento das atividades com o grupo no qual estava a aventureira ocorreram como nos demais grupos: ritmo e tempo foram definidos de acordo com as condições físicas dos participantes, equipamentos e meios de transporte adaptados de acordo com as necessidades dos mesmos. Para o transporte de nossa visitante durante as trilhas e visitação das cavernas, foi preparado uma amarração especial feita com fitas utilizadas para técnicas verticais, buscando propiciar o máximo de conforto possível, oferecendo segurança e facilidade no desenvolvimento da atividade pelo monitor. “... indo para a caverna Santana fui até a pinguela de cadeira de rodas. No momento em que atravessamos, fiquei com medo da cadeira escorregar das mãos dos monitores ou do tronco rolar. Em seguida os monitores colocaram as “faixas” para me carregarem de cavalinho... Eles são muito preocupados, cuidadosos e hilariantes... a sensação de subir uma escada depois de treze anos de paraplegia, foi muito divertido”. (NUNES, 2005). A primeira visita realizada, foi à caverna Santana (SP-041) que, com seus quase 6.000m de desenvolvimento, é considerada uma das maiores cavernas do estado de São Paulo. Esta caverna possui passarelas para o caminhamento e escadas que auxiliam as visitas aos salões superiores. Esta cavidade é conhecida principalmente pelas suas belas ornamentações, possuindo raros e variados espeleotemas. “... fiquei encantada com as formações rochosas que a natureza levou milhares de anos para formar... o único momento em que fiquei receosa, foi no apagão. Enquanto isso o monitor começou a tocar sons nas estalactites... parecia o fantasma da opera! Surpreendente também foi saber que estávamos a uma altura enorme, que só havia uma tábua pequenina, enquanto seguia acompanhando o ritmo do corpo do monitor...”. (NUNES, 2005). Seguimos então para a Caverna Morro Preto (SP-021), que possui gigantescos salões com enormes blocos abatidos logo na entrada, além de seus importantes sítios arqueológicos.
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Após visitação da Caverna Morro Preto (pórtico), a aventureira deslocou-se à Cachoeira das Andorinhas e os demais participantes à Caverna Água Suja. “... na cachoeira foi tudo surpreendente devido a sua extrema beleza. Os instrutores me levaram na raça, com muito esforço para chegarmos até lá... de minha parte fiz força e me cansei também. Mas, valeu a pena quando vimos um milagre da vida acontecer: beija-flores tomando água e banho; uma família de macacos-pregos in natura! Isso nos dava muita paz, que era bemvinda e que eu não sentia em meu peito há muito tempo! Apreciamos e voltamos com os instrutores “pulando a cerca”, chegamos ao núcleo então, cansados e com fome”. (NUNES, 2005). Foto 7: Trabalho dos monitores durante a visitação. Daniela dos Anjos, 2004. O enceramento das atividades de
visitação ocorreu aproximadamente às 20h00; houve pequenas variações de horários de chegada entre os grupos. Durante a noite preparamos uma confraternização entre os visitantes. No dia seguinte as atividades iniciaram-se a partir das 9h00. Neste dia, o deslocamento de nossa visitante foi realizado com o auxílio de um burro, que permitiu que atividade inicia-se descontraída.
Planejamos a travessia da gruta com nossa visitante pelo leito do rio, com o auxílio de colete salva-vidas, enquanto os outros visitantes realizariam a maior parte da travessia pela parte seca, descendo para o rio apenas no trecho final. No entanto, de acordo com a avaliação dos monitores e da vontade de nossa aventureira, tomamos a decisão de seguir pelo mesmo caminho que os outros visitantes. “ quanto mais entrávamos, mais a escuridão tomava conta de nós. A sensação de caverna, o silêncio, o som da respiração é a única coisa que ouvimos, o que empolgou muito era saber que talvez eu conseguiria atravessar a caverna. Junto com Santana, foi a caverna mais excitante e surpreendente”. (NUNES, 2005). Em seguida nossa aventureira seguiu a “trotes” para o Rio Betari, no qual teve a oportunidade de realizar boiacross. O percurso realizado foi desde a ponte de acesso ao Núcleo Ouro Grosso, até a ponte localizada na saída da Caverna Alambari de Baixo. “... logo depois fomos para o boiacross. No caminho, agradeci à Deus por estar naquele paraíso, pelas pessoas que estavam comigo e de certa forma acreditaram em mim e no meu potencial. Me surpreendi comigo mesma e de certa forma pude mostrar e provar para certas pessoas que eu tive uma fatalidade em parar de andar, mas que isso não é sinônimo de morte. Tudo que senti ninguém vai tirar, tudo que admirei vai ficar, pessoalmente eu me senti muito realizada em estar ali. Assuntos menos importantes, que me incomodavam acabaram ali. Me revitalizei, me emocionei...”. (NUNES, 2005).
Daniela dos Anjos, 2004.
“... Na Morro Preto, foi outro espetáculo! Ficamos no outro lada da caverna, o que gerou muita adrenalina... só fiquei receosa, quando o monitor foi dar o giro para descer a escada... neste momento confesso que não passou um átomo de carbono ensaboado, mas encarei tudo numa boa”. (NUNES, 2005).
“... no domingo, o grande comentário foi o do burro, meu único receio era do animal se assustar e correr comigo em cima! Mas depois de encontrar a posição correta e acompanhar o trote, tudo correu bem”. (NUNES, 2005). Nossa atividade iniciou-se na Caverna Alambari de Baixo (SP-012). Esta gruta possui amplos salões, desníveis acentuados, presença do conduto principal formado pelo leito do rio, além de galerias superiores com grandes blocos abatidos, sendo considerada, uma caverna muito esportiva. “... tiramos fotos e registramos tudo em minha mente. As pessoas, a natureza, a casa de sapê (será que tinha triatomínios lá?) e ainda bem que o burro não empacou. Medo eu senti novamente quando começamos a descer o morro que iria dar acesso a caverna Alambari”. (NUNES, 2005).
Foto 8: Burro utilizado para o transporte de nossa vistante.
Encerramos nossa atividades no Parque, as 15h00 retornando com todos os visitantes para o Alojamento. Neste momento, contamos mais uma vez com o apoio da caminhonete do Parque para realizarmos o transporte de nossa aventureira e de das bagagens dos visitantes até ônibus. Nosso retorno a Santo André (SP) conclui-se às 23h00, onde desembarcamos no campus do Centro Universitário Fundação Santo (FSA). Neste momento nossa aventureira foi recebida por seus familiares encerrando-se assim esta dupla experiência.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Após a realização desta importante atividade para nosso NBR 9050/94: Acessibilidade de Pessoas Portadores de grupo, descrevemos aqui algumas orientações Deficiência a Edificações, Espaço, Mobiliário e importantes que podem contribuir com novas atividades Equipamentos Urbanos. Disponível em: www.mj.gov.br/ em unidades de conservação, sejam elas, realizadas por sedh/ct/corde/dpdh/corde/ABNT/NBR9050agências, ONGs, associações ou mesmo grupos 31052004.pdf. Acesso em: 25/05/2005. ambientalistas ou de espeleologia que venham BARROS, Maria a atender este grupo de pessoas Isabel Amando de. portadoras de necessidades especiais, Caracterização da que aos poucos vem se tornando cada visitação, dos vez mais ativo na prática do ecoturismo. visitantes e avaliação - Antes de qualquer possibilidade de dos impactos realização de uma atividade deste tipo, ecológicos e recomenda-se que a pessoa portadora recreativos do de necessidades especiais possua boas planalto do Parque condições físicas e psicológicas sendo Nacional do Itatiaia. necessária uma avaliação de um 2003. 120p. especialista em medicina; D i s s e r t a ç ã o - Realização de avaliação psicológicas (Mestrado em e físicas dos visitantes “in loco”, antes Foto 9: Alambari de Baixo. Daniela dos Anjos, 2004. Recursos Florestais) – da realização do roteiro proposto, uma Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, vez que cada indivíduo possui suas particularidades e Universidade de São Paulo, São Paulo. respondem de maneira diferente as situações encontradas; - Levantamento de todas as necessidades especiais que BRASIL, 1989. Lei nº 7.853, de 24 de Outubro de 1989. o visitante necessita, incluindo medicamentos e Disponível em: www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Leis/ alimentação; L7853.htm. Acesso: 25/05/2005. - Faz-se necessários cuidados especiais, dentre os quais, BRASIL, 1998. Emenda constitucional nº20, de 15 de podemos destacar o respeito aos limites de quem quer dezembro de 1998. Disponível em: www.planalto.gov.br/ praticar esportes de aventura; ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc20.htm. Acesso: - A adaptação dos esportes de aventura depende da equipe 25/05/2005. que coordena a atividade e de quem quer praticá-la; BRAUN, Adriana. ONG orienta portadores de deficiências - Durante a elaboração de novas infra-estruturas para físicas em esporte radical. 2005. Disponível em: áreas naturais destinadas a visitação, deve-se levar em www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ consideração o conceito do designer universal. O designer ult263u3754.s. Acesso em: 15/05/2005. universal propõe que os espaços sejam projetados de forma a atender ampla gama da população, considerando FIGUEIREDO, L. A. V. de. Cavernas brasileiras e seu as variações de tamanho, sexo, peso, ou diferentes potencial ecoturístico: um panorama entre a escuridão e habilidades ou limitações que as pessoas possam ter. as luzes. In: VASCONCELOS, F. P. Turismo e meio Desta forma a elaboração dos projetos de infra-estrutura ambiente. Fortaleza: UECE, 1998. em unidades de conservação devem prever atender esta FIGUEIREDO, L. A.V. de. “O ‘meio ambiente’ prejudicou a demanda de pessoas que requerem adaptações aos gente...”: políticas públicas e representações sociais de espaços físicos de nossas unidades; preservação e desenvolvimento; desvelando a pedagogia - Necessidade de adaptações nos equipamentos pessoais de um conflito no Vale do Ribeira (Iporanga-SP). 1999. 489 p., como as cadeiras de rodas que necessitam de dimensões il. color. + anexos. Dissertação (Mestrado em Educação, área especiais que podem variar de acordo com o tamanho do de Educação, Sociedade e Cultura) - Faculdade de Educação, usuário com uma estrutura física apropriada para o Universidade Estadual de Campinas, Campinas - SP, 2000. deslocamento pelas trilhas mais planas e estradas de terra; - Especialização das agências de ecoturismo e afins no LEMOS, Amalia Ines G. de. (Org.) Turismo: impactos socioambientais. 3. ed. São Paulo: HUCITEC, 2001, 305p. desenvolvimento deste tipo de atividade; - Desenvolvimento de Programas de Formação de NUNES, Erica. Artigo: PETAR. [mensagem pessoal]. Monitores Ambientais com enfoque para atendimento Mensagem recebida por <rzampaulo@yahoo.com.br> em desta demanda de PPNEs que ainda é esporádica, mas 28/05/2005. que poderá vir a se tornar freqüente; PRADO, Alexandre Curvelo de Almeida. Impactos do - Necessário que as empresas especializadas na confecção ecoturismo no Parque Estadual da Serra do Mar. 2001. 171p. de equipamentos voltados para prática dos esportes de Dissertação (Mestre em Turismo) – Escola de Comunicação aventura, desenvolvam equipamentos adaptados para que e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo. este público possa a interagir cada vez mais com a prática do turismo de aventura, possibilitando assim que estes WERBLOWSKY, Edgar. Aventura Especial. 2005. passem a desfrutar os mesmos prazeres e sensações que Disponível em: www.aventuraespecial.com.br. Acesso em: 15/05/2005. outros visitantes.
Espeleophoto
Espeleophoto
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Filme ou Digital? Paulo Jolkesky
Pois em pleno ano de 2010 ainda se faz esta pergunta. E as respostas dependem do seu objetivo, do seu bolso, da sua paixão pela fotografia. Suas fotos em cavernas, para ficarem bonitas, exigirão no mínimo uma câmera que permita ajustes manuais de abertura, velocidade e ISO. Esses parâmetros são os mesmos para os dois sistemas, exceto pelo ISO, que no caso do filme vai depender do filme que você comprar.
em torno de objetos mais claros onde o contraste com zonas de sombra for maior, mas isso só acontece nas fotos digitais. Agora, trocar o filme depois de 36 fotos dentro de um rio, com as mãos sujas de lama em meio a toda aquela evaporação exige cuidado, ao passo que com uma câmera
O filme continua insuperável em alguns aspectos como “alcance dinâmico*”, fidelidade de cores, nuances e. O sistema digital produz resultados excelentes e é extremamente eficiente e prático, ponto. Se as imagens que você precisa são para fins de registros técnicos, documentais ou recordações de viagens, e você já possui uma câmera digital, use-a. Suas imagens terão qualidade, e você poderá conferir o resultado e refazer cliques que não tenham agradado Duas imagens da mesma caverna, a Gruta Temimina II. A foto da Esquerda foi realizada com máquina manual (Nikomatt EL) e filme slide Próvia 100, já a da direita é recente, usando tanto nas condições de luz nem captura digital, tratando a foto em software específico. sempre favoráveis. Não adianta nada chegar em casa com o cartão de memória infestado de imagens ruins, isso só vai digital com um cartão de vários Gigas você não vai ocupar espaço no seu HD e fazer você perder precisar tocar nas partes sensíveis do seu tempo. equipamento, principalmente se for apagando as fotos ruins para economizar espaço. Nesse contexto parece mesmo que o filme ficou para trás, mas apesar de ser um artigo mais Existem câmeras digitais compactas que raro, continua firme no mercado de fotografia “fine fotografam em RAW, e que podem ser utilizadas art”, em meios artísticos e no mundo editorial. O dentro de caixas-estanque especiais totalmente à “alcance dinâmico” é a diferença entre as áreas prova d’água e com total acesso a todos os botões de sombras e as mais iluminadas numa cena que de controle e encaixe para tripé; indispensável. Mas podem ser capturadas no mesmo quadro sem uma boa foto com filme exige um bom filme, não perder qualidade nem informação da imagem, e adianta comprar um no posto de gasolina do nisso, o filme ganha do digital. Em cavernas, suas caminho, procure um filme de qualidade profissional, fotos serão todas em longa exposição, com de preferencia filme cromo [ou slide], com ISO 100 tempos maiores que 30 segundos, e nisso, o filme ou 50. O valor menor de ISO gera fotos com mais também ganha do digital, pois não vai deixar sua nitidez e definição tanto em filme como em digital, imagem granulada, ou com ruído ou sequer sendo preferível em fotos em longa exposição. pixelizada. A nuance de cores será melhor aproveitada no filme do que numa foto de alta resolução em 16 bits. A iluminação contrastada das fotos em cavernas tende a gerar aberração cromática, que é aquele halo colorido que aparece
As Grutas do Ribeirão do Farto ABSTRACT Some documents from 1897 about the first incursions of Krone to the caving region in the south of São Paulo State, lead another pioneer – Lourenço Granato – to start more research at the caves in that region. Back in the 70’s the cavers from CAP were working on some of those caves and from 1997 the cavers from UPE started the surveying work in them. This article is full of historic information and the description of the first explorations and the actual work at the Farto and Fartinho caves.
INTRODUÇÃO A UPE, por ter sido formada também por alguns dos membros da extinta comissão de Espeleologia do Clube Alpino Paulista - CAP, herdou os trabalhos e vem dando continuidade às pesquisas e mapeamentos realizados pelo grupo. O núcleo Caboclos no PETAR foi alvo de muitas incursões nas décadas de 70 e 80 e algumas cavernas mapeadas e exploradas naquela época hoje são trabalhadas pela UPE, seja porque necessitam de uma topografia mais precisa ou a região é promissora na procura por novas grutas. Neste contexto encaixam-se as grutas Farto e Engenho do Farto, atualmente com numeração SP-06 e SP-07, respectivamente, no CNC - Cadastro Nacional de Cavidades da SBE, e “cravadas” em uma região de grande importância histórica para a espeleologia paulista e brasileira.
Texto: Ricardo Martinelli Fotos recentes: Ricardo Martinelli Fotos históricas: Peter Slavec Contate o Autor: rsm@fotoabout.com
Foto 1: Cachoeira na Gruta Fartinho
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UM POUCO DE HISTÓRIA
Recentemente, por meio da descoberta de vasta documentação histórica disponível no Museu Paulista, questiona-se ser Lourenço Granato e não Ricardo Krone o descobridor das grutas Farto e Fartinho (Brandi 2007). Para entender este importante momento histórico, faço um resumo de uma pequena parte do artigo publicado por Brandi em 2007, e já aproveito para recomendar a leitura do artigo na íntegra. “Após a primeira incursão de Krone à região do Alto Ribeira, em 1897, e a publicação de um artigo na revista da instituição, o diretor do Museu Paulista na época, Sr. Hermann von Ihering ficara impressionado com as descobertas, conseguindo sensibilizar o Secretário do Interior a realizar ações de preservação das cavernas. Para tanto, o Estado pedia uma avaliação por intermédio do governo, excluindo a interferência e o parecer do Museu Paulista. Neste momento entra Lourenço Granato, que em 1901 foi incumbido pelo Estado a tomar todas as providências cabíveis para fazer o levantamento da situação e extensão das terras que incluíssem grutas calcáreas. Durante aproximadamente 1 mês de explorações, Granato, que inicialmente seguiu as indicações de Krone, visitou e explorou várias grutas, entre elas Tapagem, Pedrões, Arataca, Farto, Fartinho, Areias da Água Quente, Aberta Funda, Areias do Pedroso I e II e Laje dos Macaquinhos. Tais cavernas foram citadas em relatório minucioso, onde é possível identificar a morfologia das grutas e até mesmo o ponto onde os exploradores conseguiram chegar.”
Foto 2: Pórtico da Gruta Farto, descoberta pelo CAP.
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Em relação à Gruta Farto Granato escreveu:
Granato relata:
“ Esta gruta dá entrada ao ribeirão do Chapéu, tendo uma abertura de 4 metros de largura por 7 de altura. Accompanhando o ribeirão, observei que a uns 40 metros da entrada este perde grande parte de suas águas... Continuando o curso do ribeirão por mais 20 metros a gruta dá saída às águas, tendo uma abertura maior que a entrada e que supus desmoronado pela abundância de pedras soltas que aí se encontram. Procurei novas entradas na parte superior, encontrando pequenas galerias inacessíveis”. (Granato 1901a; Apud Brandi 2006). É claro, portanto, que a descrição de Granato não se assemelha em nada à Gruta do Farto cadastrada na SBE e que foi alvo de retopografia pela UPE em 2008. A referida Gruta é formada pelo Ribeirão do Farto e não pelo Córrego do Chapéu, seu pórtico ultrapassa os 50 metros de altura, bem diferente dos 7 metros descritos, e seu interior então possui duas quedas d´água, sendo uma com cerca de 6 metros. Outra característica que não passaria desapercebida é a existência de um afluente em seu interior. Por outro lado, a descrição de Granato é muito parecida com a atual SP15, Chapéu Mirim II (Brandi 2007).
“O seu aspecto exterior é de uma extensa rocha calcária a qual apresenta diversas cavidades. Sua extensão é considerável e são percorridos uns 100 metros, seguindo as galerias que se espalham em todos os sentidos. ...Ao lado direito, descendo, depara-se numa ladeira cujo fim dá numa poça de água. A escavação nesta gruta é fácil, seja pela constituição do solo, seja porque a luz penetra abundante pelas entradas numerosas que possui.” (Granato 1901; Apud Brandi 2007).
Com relação à Gruta Fartinho, Brandi em seu artigo conclui que seria a Gruta Pioneiros, descoberta por ele mesmo em 1992.
“Duas léguas distante do vale do Monjolinho, em rumo de N., encontra-se a Gruta do Chapéo ou do Farta, assim cha-
A localização descrita por Granato também é coerente, citando que a cavidade estaria a 1 hora da Gruta Farto, no sentido do Vale do Pescaria. Apesar de não conhecer a Gruta Pioneiros, a descrição não se assemelha à Gruta Engenho do Farto ou Fartinho, também topografada pelo CAP na década de 80 e retopografada entre 2008 e 2009 pela UPE. Em 1904, Krone publica um artigo na Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, fazendo as seguintes colocações sobre as Grutas do Farto e Fartinho:
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mada por passar por ela o Ribeirão do Chapeo, que desagua no Ribeirão do Farta, tributário do Rio Pilões. Esta caverna é um simples tunel de cerca de 60m de comprimento, não oferecendo particularidade de espécie alguma.” “Uma outra gruta encontra-se a quatro kilometros distantes d’esta última, no Ribeirão Fartinho, chamada Gruta do Fartinho, a qual não foi ainda reconhecida em toda a extensão. Diversos condutos levam ao interior d’essa caverna, cujas numerosas galerias se espalham em todos os sentidos pela montanha. Apesar disso, encontram-se poucas estalactites, do que concluímos que ainda passam por ela, correntes de água, encontrando grande poça de água na parte baixa da gruta.” Ai começa a confusão, Krone empreendeu sua primeira expedição em 1898 e voltaria à região apenas em 1907, portanto somente se explica as informações e descrições das Grutas Farto e Fartinho do artigo de 1904 pela consulta às informações do relatório de Granato de 1901. Quando Krone, em 1907, retorna após
11 anos às grutas do Vale do Ribeira, e teoricamente seguindo as indicações de Granato, consegue localizar diversas cavernas, inclusive as cavidades alvo deste artigo, porém a descrição é muito falha e reduzida, o que nos impede de chegar a uma conclusão: 06- Caverna do Chapéu ou do Farto “A quinze quilômetros da Vila do Iporanga, pertence ao sistema do Rio Pilões, por passar nela o Ribeirão do Farto, afluente dele.” (Krone 1907). Seria possível, Krone em sua expedição de 1907, alcançando o Vale da Monjolinho, que era sua porta de entrada para as regiões por ele conhecidas, ao invés de seguir em direção ao que hoje nós conhecemos como “Vila da Igreja”, e posteriormente o Núcleo Caboclos, ter errado o caminho e seguido o Ribeirão do Fartinho que atravessa esta região? Talvez, sua descrição é muito clara em relação a hidrologia que forma a gruta que ele chamou de Farto, mesmo a localização da Fartinho, que ficaria próxima à Farto, e não a 1 hora, como relata Granato.
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07- Caverna do Fartinho “Situada nas proximidades da anterior” (Krone 1907).
be Alpino Paulista, com seu departamento de espeleologia sob direção de Peter Slavec, resolve checar tal referência e chega até a Gruta do Fartinho, rebatizada por eles como “Gruta do Engenho do Farto”, pela presença de um engenho de cana próximo à caverna e também a Gruta do Farto, não existia o conhecimento da expedição de Granato e sua vasta documentação no Museu Paulista, os exploradores da época seguiram as pistas do artigo de Krone, onde a descrição da hidrologia foi fundamental e não deixava dúvidas quanto à localização das cavernas. Considerando, como já exposto neste artigo, que não existe clareza de que os dois precursores de nossa espeleologia estiveram na mesma caverna, não temos como questionar as contribuições do CAP.
Existe a possibilidade de Krone e Granato terem chegado a locais diferentes, já que seus interesses eram diferentes; um procurava por vestígios paleontológicos e o outro fora contratado pelo Estado para “averiguar” as terras onde continham cavernas (Brandi 2007). Não existe também a informação precisa de como Krone utilizou as informações colhidas por Granato, mesmo porque sua listagem possuía 41 cavernas e a de Granato apenas 10. Outra questão intrigante é o fato de que Granato, adotando a tese de Brandi, tenha realmente dado o nome de Farto à caverna Chapéu Mirim I, como e por que ele simplismente As explorações “ignorou” e nem citou do CAP a existência da Gruta Chapéu Mirim II, Na década de sendo que do pórtico 70, o CAP fez diverde entrada de uma é sas incursões à repossível avistar a ougião de Caboclos, tra? Foto 3: Pórtico da Gruta Farto, em imagem recente Monjolinho e Fartos, É sabido que a feita por integrantes da UPE cadastrando e listagem das 41 camapeando cavernas vernas de Krone serviu de base para o pri- como Pedra Marcada, Sete Quedas, meiro cadastro de cavernas no Brasil. Em Córrego Arataca, Sumidouro da Pescaria, relação a outras cavernas históricas, como Onças, Opiliões, Lesma Salgada e rea Tapagem e Pedrões, é importante que se mapeando a Gruta do Monjolinho, além das faça a devida correção de créditos, pois não já citadas e assunto deste artigo, Farto e existe mais dúvidas do engano cometido por Fartinho. Também foram feitas observações gerações, porém em relação às grutas Far- em relação à biologia, climatologia, to e Fartinho, ao menos em relação ao que hidrologia, mineralogia, fauna, flora e Krone realmente descobriu ou visitou, ainda microorganismos em relação às grutas e reperduram muitas dúvidas. giões exploradas (Slavec; CAP 1972). O Quando, na década de 70, o CAP - Clu- mapeamento mostrou uma interessante rede
Foto 4: Vista interna da Gruta do Farto
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hidrológica, com a percepção de que uma grande caverna pudesse existir entre as duas cavidades. Tal fato talvez tenha motivado o primeiro merglho em cavernas da história do CAP e talvez um dos primeiros do brasil, realizado na ressurgência do córrego em uma difícil região da Fartinho. Tal mergulho foi executado pelos irmãos Breno e Isaac Chvaicer, onde avançaram cerca de 18 metros com pequena profundidade, terminando em um pequeno salão em chaminé, impossível de ser escalado com equipamentos de mergulho. A topografia das grutas Farto e Fartinho foi realizada com sucesso na época, totalizando 394 e 788 metros de desenvolvimento respectivamente. Considerações de Peter Slavec Sobre o artigo de Roberto Brandi, publicado na Revista CARSTE Vo. 19 n.2 (Dezembro,
2007), é de grande valor histórico a descoberta dos documentos que nos revelam a história espeleológica do estado de São Paulo, no final do século IXX e início do século XX, sendo que o congratulo por seu esforço e dedicação na pesquisa e publicação do trabalho. No entanto, gostaria de comentar algumas passagens, onde aparecem fatos estranhos. Primeiramente, é uma pena que não tenha sido feita uma consulta aos próprios espeleólogos que atuaram na época, sobre alguns fatos históricos mencionados. Poderia ter sido muito mais esclarecedor se fossem trocadas, antes de serem publicadas, algumas opiniões à respeito, incluindo alguns dados coletados na época das explorações, que talvez levassem em consideração também outros fatos, chegando a conclusões um pouco diferentes das mencionadas no referido artigo. O Clube Alpino Paulista (CAP) foi o grupo que mais explorou a região entre Caboclos e Casa de Pedra, no Vale do Ribeira, SP, a partir do ano 1959, ou seja, a região explorada por Ricardo Kronei e Lourenço Granato. Tanto o CAP quanto a União Paulista de Espeleologia (UPE), entidade que herdou os projetos e dá continuidade aos trabalhos do CAP, poderia ter sido mencionado ou consultado, pois possuem dados de topografias, fotos e inúmeros dados bibliográficos. A seguir, alguns comentários sobre os trabalhos realizados pelo CAP, que poderiam ter alterado de alguma forma as conclusões do referido artigo. a) Tanto R. Kronei como L. Granato faziam incursões a partir de Iporanga, passando pelas grutas Casa de Pedra (caverna redescoberta por Michel le Bret e Peter Slavec, do CAP), Arataca e Monjolinho. O caminho mais intuitivo, subindo pelo vale, é acompanhando o rio Monjolinho. Daí, chega-se praticamente até o sumidouro do rio Fartinho e deste ao vale do Rio Farto e
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não para Caboclos, que está situado do outro lado da serra e que naquela época era pouco provável ser conhecido. Trata-se de disutir o assunto, comparando-se os dados existentes. Além disso, a regra básica para dar o nome às grutas, se baseava no nome do rio ou córrego que a atravessava. Portanto, nada mais natural do que as grutas do Farto e Fartinho terem esses nomes, já que são atravessadas pelos rios do mesmo nome. b) quanto à menção das Grutas Areias I e Areias II, a primeira exploração e topografia, depois dos registros de Kronei e Granato, foi realizada pelos espeleólogos do CAP, guiados por Michel le Bret, em abril de 1960. Na ocasião foi feita a coloração com ftalocianina, comprovando a comunicação com a Gruta das Areias de Água Quente. Há fotos e documentos que registram esse fato, que, apesar de sua grande importância, foi
Mapa 4: Mapa da Gruta Farto feito pela UPE. O perfil e o detalhamento das galerias justificaram o re-mapeamento
Denominação: Gruta do Farto SBE - SP 06
/ Codex - SP 06
Foto 5: Equipe da UPE dando continuidade aos trabalhos do CAP na Gruta do Farto.
A
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Apiaí - SP Escala original: 1:500 Litologia: Calcário Localização: Núcleo Caboclos - PETAR UTM 22J E 747234,681 N 7295071,002 Longitude: 48 33´ 41,04” Latitude: 24 26´ 17,80” Datum: WGS 84 Altitude: 375 metros (snm)
F G
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C B
Topografia Grau 5C - BCRA - 26/06/2007 PH: 352 m (descontinuidade) DL: 422 m Desnível total: 30 m
H’
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Lago Profundo
F’ G’
A D’
Extensão Norte-Sul: 79,63 m Extensão Leste-Oeste: 203,27 m
H
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Eixo do
B’
Legenda Areia
Perfil
A’
Lago P rofundo
Bloco / Pedra Desnível
18º 46´
Entrada Sentido da Água
I’
Estalactite
I
Estalagmite Escorrimento Guano
45m
Andoriões
1,5m 0,7m
Desenho em perspectiva do Pórtico (Sumidouro) Autor : Peter Slavec - 1972
1,0m
6,0m
Perfil de Referência Visão: 270 - 90
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também omitido no artigo de Roberto Brandi. Alguns anos mais tarde, realmente o grupo Opiliões repetiu a coloração com corante rhodomina, chegando à mesma conclusão. Que a história da espeleologia paulista não seja desviada do merecimento dos que contribuiram para o seu desenvolvimento, deixando alguns personagens esquecidos ou distorcendo fatos para que outros sejam mais enaltecidos. A contribuição da UPE Em 1997, quase 15 anos depois da última incursão do CAP à caverna, uma equipe da UPE, composta por Peter Slavec, Gabriela Slavec e Danilo Allegrini, localiza novamente a Gruta do Fartinho imbuídos da necessidade de realizar um mapeamento mais detalhado e visando um novo mergulho no sifão. Em 1998 foram três investidas para mapear a caverna, o que aconteceu em qua-
se toda sua totalidade, faltando apenas a finalização do mapeamento depois da última cachoeira. Em 1999 e 2000, Danilo Allegrini realizou dois mergulhos no referido sifão, relatando o seguinte: “Passei o primeiro sifão, que é curtíssimo e daria pra fazer no peito, rastejei por uma “mesa” de lapiás com uns 5-10m e caí dentro do segundo sifão. Neste, desci até uns 14-16m e subi em seguida, até uns 3m (formato de “V”), onde amarrei a ponta do cabo e “chamei o mergulho”. Não cheguei na parte aérea, mas em um instável desmoronamento, onde não dava pra identificar a origem do fluxo da água.” Infelizmente, as atividades na região foram interrompidas e os dados de campo acabaram se perdendo. No início do ano de 2006, com a ajuda de mateiros locais, outra equipe da UPE tenta re-encontrar as grutas do Ribeirão do Farto
Imagem 1: A proximidade das duas cavernas já era algo especulado desde as primeiras explorações. Colorações feitas pelo CAP mostraram a ressurgência do córrego da Fartinho já no pórtico da Gruta Farto.
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para retomar os trabalhos de mapeamento. Entretanto, ao invés de chegar às grutas Farto e Fartinho, acabaram seguindo por uma trilha mais batida, que dava acesso à “Gruta Pedra Marcada”, uma pequena cavidade cadastrada pelo CAP, já citada neste artigo, e que possui uma cachoeira em seu interior, sendo identificada facilmente pelos integrantes daquela investida. Naquele mesmo ano conversamos com o Sr. Ernesto, experiente guia do PETAR, já aposentado e que conhecia o caminho até a Gruta do Fartinho e poderia reabrir a trilha, para que a UPE pudesse chegar novamente à dita ” Gruta do Farto”. Em nova tentativa durante um final de semana , uma equipe adentrou a mata e após duas horas de trilha bem complicada e acidentada, avistou a primeira caverna. Passados mais de 30 anos das investidas do CAP, era difícil ter certeza sobre qual era a caverna encontrada, mas pela descrição de Peter Slavec, o pórtico da Gruta do Farto deveria ter por volta de 50 metros. Com facão na mão e muita disposição, depois de alguma horas “batendo mato” para conseguir ultrapassar uma grande montanha e descer profundamente no vale, foi reencontrado o Ribeirão do Farto e o pórtico que se mostrou à frente não deixava dúvidas de que a equipe encontrara a Gruta do Farto! A Topografia da Gruta do Farto Já se passavam algumas horas andando no mato, muito “bambuzinho”, pirambeiras, aranhas, jararacas, etc..., mas os ânimos estavam à flor da pele, aquela grande caverna à nossa frente, instrumentos de topo em mãos e foi iniciado o trabalho de topografia. O grande volume de água dificultava um pouco, porém a progressão foi bem até a primeira cachoeira, que na verdade é uma grande cascata em dois tempos. Definido o ponto de abordagem, foi colocada uma corda de apoio para qualquer eventualidade; com duas visadas, a equipe já estava na base da cachoeira, entrando na área afótica da caverna. Apesar das intervenções dos andorinhões, que comumente habitam grandes paredões como a entrada da Farto, a equipe avançou bem. Sem muito tempo para descansar, logo a seguir chega-se a outra cachoeira, menor que a primeira, mas que forma um poço daqueles que “afunila” e aparentemente é de difícil transposição no caminho de volta. Entretanto, há uma possibilidade lateral que facilita o retorno, o que deu ao grupo motivação para continuar a prospecção, pelo caminho mais fácil na Fotos 6, 7 e 8: O Grande desnível da Gruta Fartinho torna os trabalhos de topografia e exploração um desafio.
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descida, que é pulando dentro do poço. Neste ponto a caverna apresenta uma ramificação e a presença de um afluente, porém não foi encontrado grande desenvolvimento pelo sifonamento do rio em um desmoronamento. Neste local, a equipe esteve a ponto de interromper os trabalhos, pois os andorinhões, em grande quantidade, voavam de encontro à luz das carbureteiras, de tal forma que os integrantes precisavam se proteger para não “apanhar”! Um pequeno incidente Já passava da 1 hora da madrugada, a equipe estava muito cansada e a topografia avançava pelo leito do rio, quando ouviram um grande barulho e a proximidade de um obstáculo importante se mostrava eminente. Era possível sentir uma forte brisa, o que não deixava dúvidas do final da caverna. De repente, pode-se observar uma grande queda dágua. Faltando pouco para o término dos trabalhos, a equipe percebeu, na parede direita à jusante, uma possibilidade de desescalar até a base da cachoeira, o
que foi feito pelo Portella, um dos melhores escaladores na UPE. Havia chovido a noite inteira, uma chuva fraca, porém suficiente para elevar o nível da água e ainda mais em um ponto de confluência. Já na base, era necessário transpor um pequeno poço para tornar viável a leitura dos instrumentos, mas ao tentar a manobra, o volume e a força da água, em conjunto com o peso do macacão e das botas, ameaçavam puxá-lo para baixo das pedras. De repente soou o apito do Portella e os outros membros da equipe não conseguiam avistá-lo. Tensão, medo, adrenalina, tudo junto fez a equipe pensar rápido e enquanto um descia para ajudar, outro foi rapidamente até as mochilas pegar uma corda para apoio. Felizmente nada de grave aconteceu e ele foi retirado do poço sem problemas. Mas, o grupo deu os trabalhos por encerrado naquele dia, tendo sido necessária outra investida meses depois para finalizar este pequeno trecho. Finalizados os trabalhos, a Gruta do Farto alcançou modestos 352 metros de projeção horizontal e 30 metros de desnível, sen-
Mapa 4: O novo mapa da Fartinho (ainda em fase de elaboração) mostra a nova dimensão da caverna.
Artigo Original
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do que a topografia anterior mostrava uma caverna até maior, com 394 metros de desenvolvimento. O resultado da nova topografia serviu para detalhar melhor o grande conduto principal e desenhar um perfil de referência Foto 9: Poço em uma das inúmeras cachoeiras da Gruta Fartinho.
(veja o mapa na pág. 33).
Os trabalhos na Fartinho O remapeamento da Gruta Fartinho demandou 5 investidas, entre 2006 e 2009. Sua morfologia dificultou bastante o mapeamento, uma vez que várias cachoeiras tiveram que ser transpostas e a convivência com a água gelada era constante. Logo em seus primeiros condutos, é necessário vencer um pequeno abismo, onde existe a possibilidade de desescalar por uma fenda, ao fundo é encontrada uma galeria fóssil repleta de lama e sedimentos e finalmente é avistado o sifão onde ocorreram os mergulhos do CAP. A segunda saída visava seguir agora pela linha do rio, avançando o máximo possível a jusante, porém uma pequena cachoeira literalmente joga um balde de água fria na equipe. Após o ponta de trena pular na água, encontrou enorme dificuldade para retornar, pois não existia nenhum apoio ou “agarra” nas paredes e o pequeno poço era extremamente profundo, com todo o volume d’água concentrado bem no único local possível para retorno. Só depois de muito esforço e com a ajuda dos demais foi possível “resgatar” o ponta e como não haviam levado cordas ou fitas, a única alternativa foi “abortar” a investida.
Depois do valioso aprendizado, passamos a respeitar os obstáculos e limites da Fartinho e a decisão do grupo foi de só voltar lá com boa quantidade de equipamentos de segurança. Dessa forma, as duas saídas subsequentes avançaram consideravelmente por cachoeiras e lagos compridos e congelantes, deixando a impressão que o limite atingido pelo CAP já havia sido ultrapassado. Na última investida, uma equipe se “embrenhou” em um pequeno conduto, muito ornamentado, por onde a água infiltra, porém a fenda é muito estreita, bloqueando o acesso. Diferentemente do que aconteceu com a Farto, o desenvolvimento da gruta superou os 788 metros de desenvolvimento original para mais de 1200 metros e o desnível variou pouco, passando dos 98 para 110 metros. Próximos passos A região em que estão inseridas as Grutas Farto e Fartinho é muito promissora, diversos são os vales ainda a serem explorados e já existem relatos da existência de abismos, portanto logo em breve voltaremos para o local prospectando a mata à procura de novas descobertas. Referências Bibliográficas Brandi, R., 2007. “Ricardo Krone e Lourenço Granato: Influências na história da espeleologia paulista no final do século XIX e início do século XX” - O Carste, V.19, nº 2, p. 36-60. CAP, 1972. “Relatório de Explorações “- Acervo UPE. Comissão Editorial SBE, 1971. ”Pesquisa no Vale do Ribeirão do Farto - Espeleotema nº 5, p. 6-7, ano 2. Krone, R., 1904. “Grutas Calcáreas do Valle da Ribeira “ - Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, nº 7, p. 90 - 95. Krone, R.,1950. “As Grutas Calcárias do Vale do Rio Ribeira de Iguape” - Boletim O I.G.G. , V.8, nº 1-4 p. 248 - 268. Zílio, C., 2004. “Nas pegadas de Ricardo Krone (1861 - 1918)” - Informativo SBE, nº 88, p.9 - 11.
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Entendendo o Texto e Print´s: Fabio “Coringa” Geribello
Contate o Autor: fabio@geribello.com.br
Resumo O Therion é uma ferramenta complexa para armazenamento de dados descritivos de uma caverna, de sistemas cársticos, assim como uma ferramenta para desenho do mapa. Compatível com o SURVEX, foi desenvolvida pelos espeleólogos eslovacos Martin Budaj e Stacho Mudrák, é de download gratuito e possui tradução para diversos idiomas, inclusive o português.
Abstract
The software Therion is a complex tool to work with the descriptive data of a cave or a carstic system and it is an interesting tool for map drawings. Therion was developed by the Slovakian cavers Martin Budaj and Stacho Mudrák and it uses the software SURVEX as its basis. It is freeware and it has an official translation for a number of languages including Portuguese.
Introdução Nesta matéria apresentamos uma introdução ao Therion, um pacote completo de ferramentas para geração de mapas ou modelos 3D de cavernas. Ele funciona em diversas plataformas, como Windows, Linux e parcialmente no Mac OS X. É um software gratuito, lançado como GNU GPL, tem seu código fonte aberto e não necessita nenhum outro software comercial pra funcionar. Infelizmente, não é uma ferramenta de aprendizado rápido, porém uma vez “domado”, o Therion facilita e agiliza muito o trabalho de criação do mapa final da caverna, com saídas para os mais diversos formatos como pdf, svg, xhtml, survex, dxf, esri, kml (Google Earth), VRML. Além de criar o mapa 2D e o modelo 3D da caverna, ele também cria atlas, gera listas das cavernas, topografias e continuações e cria um banco de dados em SQL. Um dos grandes atributos do Therion é que ele permite que se coloque a imagem da caderneta de campo como fundo e, sem precisar passar o croquis a limpo, você coordena os pontos da caderneta com as bases topográficas lançadas em Survex ou até em Compass. O programa gera todo o mapa em PDF a cada vez que é processado e já possui uma extensa biblioteca de símbolos.
Trataremos o Therion aos poucos em edições futuras do Desnível, mas nesta primeira abordagem traremos um pouco da historia e conceitos básicos. Sugerimos que os interessados sigam o link para o site do Therion http:// therion.speleo.sk/ e leiam toda a vasta documentação disponibilizada, inclusive, e principalmente, o Therion Book http:// therion.speleo.sk/downloads/thbook.pdf, que é o seu manual de referência. Para download do programa siga: http://therion.speleo.sk/download.php História A idéia do Therion surgiu em meados de 1990, quando dois espeleólogos eslovacos, Martin Budaj e Satcho Mudrák, estavam mapeando um sistema de cavernas de aproximadamente 20 km ( Cave of Dead Bats).
Posição relativa das galerias antes (azul) e após (vermelho) o fechamento de uma poligonal entre A e A’
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O método por eles utilizado era semelhante ao que é usado ainda hoje, com os programas convencionais de inserção de bases e tratamento de poligonais (Survex), a posterior impressão da linha de trena em papel e, finalmente, o desenho a mão dos condutos e galerias para finalização do mapa. Este método se mostra pouco eficiente em projetos muito demorados e sistemas muito complexos, pois caso sejam descobertas novas galerias que pertençam a uma seção já desenhada da caverna, a sua inserção na base de dados tende a alterar a posição dos pontos do loop já topografado, causando um enorme esforço de redesenho ou ainda adaptações grosseiras na morfologia da caverna para que não se tenha que redesenhar toda a área. No caso da caverna Dead Bats, um atlas feito a mão com 166 páginas, alguns loops de aproximadamente 1 km tiveram distorções de quase 10 m ou eles tinham que distorcer os novos condutos para os “encaixar” no desenho já feito. Para aprimorar o trabalho, a primeira tentativa foi o uso do Autocad, porém a ferramenta não se mostrou adequada e os problemas persistiram. Eles abandonaram o AutoCAD, pois não conseguiram adicionar novas passagens em grandes loops já fechados, sem adaptar as bases às novas posições calculadas. Ainda não existia uma ferramenta que gerasse um mapa atualizado onde as áreas já desenhadas eram modificadas usando as coordenadas mais recentes das bases. Em 1999 Martin e Stacho começaram a pensar seriamente em criar seu próprio software para criação de mapas. Eles conheciam alguns programas que eram excelentes para executar algumas sub-tarefas como o METAPOST, uma linguagem de programação para descrição de vetores gráficos, o SURVEX para processamento da linha de trena e o TEX um editor de texto acadêmico. Eles tinham apenas que juntar todos em uma única interface. Desde então, com diversos colaboradores, muito foi feito e o Therion vem sendo constantemente atualizado e melhorado e hoje já possui diversas funcionalidades.
Conceitos O Therion basicamente consiste em uma série de camadas, possui sua especificação de linguagem, editor de dados (XTherion), engine de processamento (Therion) e visualizador de modelos (Loch). A premissa do projeto foi a criação de uma linguagem universal que permita a descrição da maioria das feições presentes em uma caverna ou numa área cárstica e um compilador que transforma esta linguagem abstrata em uma representação visual para um mapa ou um modelo 3D. Esta premissa é realmente bastante poderosa, porém, por outro lado, ela transformou o Therion em uma ferramenta não muito amigável e bem menos fácil que outros programas gráficos WYSIWYG (o usuário precisa aprender bastante antes de usar o programa). O Therion trabalha com três arquivos simultaneamente: o thconfig, o .th e o .th2. Os três arquivos podem ser editados através de qualquer editor de texto ou pelo próprio XTherion. · No thconfig são colocados os padrões e os parâmetros a serem utilizados na criação dos arquivos de saída; · No .th são inseridas todas as informações sobre a linha de trena e quais arquivos serão utilizados para a criação dos mapas e união dos croquis; · O arquivo .th2 é o mais gráfico de todos, é neste arquivo que será colocada a imagem das cadernetas de campo e onde serão digitalizados os vetores e informados quais entidades eles representam (paredes, espeleotemas, rampas, etc). Existe uma separação clara entre dados e apresentação. Os arquivos de dados .th e .th2 contém uma descrição abstrata da caverna sem qualquer informação de como ela deve ser mostrado no mapa. Para a apresentação são utilizadas as configurações e parâmetros que estão no thconfig. No processamento, o Therion se utiliza destes 3 arquivos para gerar o resultado final.
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Em linhas gerais o programa funciona da seguinte forma: ele recebe as informações do arquivo .th, que alimenta dados relativos às topografias e quais os arquivos .th2 deverão ser usados, processa tudo e retorna o resultado segundo os parâmetros do thconfig. Arquivos de dados Existem, basicamente, dois tipos distintos de dados anotados em uma caverna: as medidas da linha de trena e os croquis. O Therion possui apenas alguns objetos de dados básicos: linha de trena (centerline) para todos os dados medidos com bússola, clinômetro e trena, croquis (scrap) para a representação de uma secção 2D simples, mapa (map) para uma coleção de croquis (scraps), superfície (surface) para entrada de topografia externa, aerofotogrametria ou modelo digital do terreno. Os croquis (scraps) podem conter símbolos de pontos, linhas e áreas e todos os objetos podem ser criados em hierarquias complexas. A linha de trena pode ser inserida no editor de texto que está integrado no XTherion em forma tabular usando a mesma linguagem do Survex ou, caso ela já exista e esteja em Survex (.3d) ou Compass (.plt), pode ser simplesmente importada.
Para o desenho do mapa, o XTherion possui um editor especifico. A caverna é dividida em seções simples – scraps - , que geralmente correspondem aos croquis de cada topo e que servem de fundo para a digitalização. Cada scrap possui bases topográficas, que são usadas quando da geração dos mapas para alinhar o croquis com a linha de trena (o croquis é “deformado” no processo, porém os
dados originais são mantidos). Além das bases existem três tipos de símbolos que permitem qualquer característica da caverna ser representada: pontos (bases, estalactites, cortinas,..), linhas (paredes, rochas, rampas, desnível...) e áreas (rios, lagos...). Estes
símbolos não são exatamente desenhados no editor, apenas a posição e atributos deste são especificados, ou seja, você não precisa desenhar o pontilhado, ou os “cílios” em um desnível, mas apenas indicar ou desenhar a linha e especificar em seus atributos que a linha deve ser mostrada como um desnível. Todos os símbolos são renderizados apenas na geração dos mapas. Isto facilita enormemente quando se adapta um mapa para determinada escala ou quando se muda o tipo de simbologia usada - UIS, etc. É possível também importar dados previamente digitalizados em outros programas através do formato DXF e SVG. Caso seja necessário um resultado expedito, sem vetorização, é possível também apenas calibrar a caderneta de campo e deformá-la para que se encaixe na linha de trena como forma de visualização rápida.
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EspeleoLog
Log de Atividades
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Tudo o que a UPE fez ou participou no segundo semestre de 2009 Coordenação: Fabio Kok Geribello (fabio@geribello.com.br)
09/7/2009 a 12/7/2009
15/8/2009 a 16/8/2009
30º CBE - Congresso Brasileiro de Espeleologia Local: Montes Claros - MG Objetivo: Evento - SBE Participantes: Fabio Kok Geribello Elvira Maria Antunes Branco Mauro Zackiewicz
Abismo da Gurutuva Local: PETAR - Núcleo Ouro Grosso Objetivo: Mapear o trecho final do Abismo da Gurutuva Participantes: Ricardo de Souza Martinelli Eduardo Tastardi Portella Leandro Valentim Milanez Marcelo Gonçalves
Foto: Cachoeira Abismo Gurutuva
Autor: Ricardo Martinelli
19/7/2009 a 26009 15th International Congress of Speleology Local: Kerrville, Texas USA Objetivo: Evento - UIS Participantes: Elvira Maria Antunes Branco
05/9/2009 a 07/9/2009 Ciclo de oficinas temáticas e espeleologia - SBE Local: Pains - MG Objetivo: Participação nas oficinas Participantes: Nivaldo Possognolo
3/10/2009 a 4/10/2009
23/7/2009 a 24/7/2009 Workshop Geoparque Local: IGC-USP Objetivo: Workshop Participantes: Gabriela de Britto Slavec
25/7/2009 a 02/8/2009 Expedição Mambaí - 2009 Local: Mambaí - GO Objetivo: Mapeamento da Gruna da Tarimba e outras cavernas próximas. Prospecção e vadastramento de novas grutas. Atividade conjunta com o GREGO - Grupo Espeleológico Goiano. Participantes: Fabio Kok Geribello Ronald Jorge Welzel Mauro Zackiewicz Josef Herman Poker Michel Sanches Frate
Foto: Topografia na Gruna da Tarimba Autor: Ricardo Martinelli
Gruta da Arataca Local: PETAR - Caboclos Objetivo: Terminar o mapa da Gruta da Arataca para elaboração de seu Plano de Manejo Espeleológico Participantes: Marcelo Fontes Neves Marcelo Gonçalves Michel Sanches Frate Luis Gustavo Pinheiro Machado Ivan Stacioni Cerqueira Oliveira Nivaldo Possognolo
14/10/2009 Reunião - Patrimônio Espeleológico do PETAR Local: Fundação Florestal - SP Objetivo: Colaboração da UPE ao Plano de Manejo do PETAR Participantes: Fabio Kok Geribello Gabriela de Britto Slavec Ricardo de Souza Martinelli Marcelo Gonçalves Heros Augusto Santos Lobo
no da
27/10/2009 Oficina de Pesquisa - PME´s Local: Fundação Florestal - SP Objetivo: Contribuição da UPE aos Planos de Manejo Espeleológicos Participantes: Fabio Kok Geribello Gabriela de Britto Slavec José Augusto Cabral Arouca Heros Augusto Santos Lobo
31/10/2009 a 2/11/2009 Expedição Areado 2009 Local: Núcleo Areado - PETAR Objetivo: Continuação do mapeamento das Grutas do sistema areado. Participantes: UPE: Ricardo de Souza Martinelli Marcelo Gonçalves José Augusto Cabral Arouca Nivaldo Possognolo GGEO: Bruno Daniel Lenhare Camila Augusto dos Santos Lucas Ribeiro Novato
14/11/2009 a 15/11/2009 18º EPELEO Local: Sede da SBE - Campinas Objetivo: Evento - Encontro paulista de Espeleologia Participantes: Peter Slavec Fabio Kok Geribello Ricardo de Souza Martinelli Nivaldo Possognolo
Maillon Rapid
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Notícias curtas sobre a UPE e a espeleologia nacional Livro sobre Cavernas
Firmado acordo para modernização do CNC Durante o primeiro semestre de 2010, a UPE, em conjunto com a Geribello Engenharia, firmou parceria com a SBE para modernização do CNC Cadastro Nacional de Cavernas. Todo o sistema será modificado, incluindo módulos de georeferenciamento, o que irá ajudar muito na minimização de erros durante o lançamento de informações no banco de dados. Também estão previstas modificações nos campos de coordenadas e a introdução de “caixas de opção”, ao contrário do que acontece hoje, onde o preenchimento é livre. Outras ferramentas que serão implementadas incluem novos campos de inserção e a possibilidade de visualização de fotos e de mapas relacionados com a caverna cadastrada, bem como um “link” para trabalhos científicos ou técnicos.
Foi lançado no início de 2010 o livro “Grutas e Cavernas da Província Cárstica do Alto São Francisco - Minas Gerais”. O autor é Cyro José Soares, com textos de Lincoln de Barros. O livro só é vendido pelo site www.grutasecavernas.fot.br e custa R$ 86 reais. Pelo site é possível “folhear” uma parte do trabalho.
UPE realiza Curso de Topografia Dando continuidade aos programas de treinamento em topografia, a UPE realizou nos dias 17 e 18 de abril, 2010, mais um Curso de Topografia teoria e prática, na região do Núcleo Caboclos, no PETAR. Às 9h00 do sábado, deu-se início à parte teórica do curso, esclarecimento de dúvidas e manuseio dos instrumentos. Após o almoço, o grupo se dirigiu a uma das cavernas nos arredores do Núcleo, para as atividades práticas e início da topografia. O grupo foi dividio em duas equipes de três pessoas, sendo que cada um passou por todas as funções da topografia - croquis, instrumentação e ponta de trena. Algumas visadas mais complicadas foram realizadas por todos, para treino e assimilação das dificuldades de leitura. No geral, o curso teve um bom andamento e boa assimilação pelos participantes, sendo que esta é uma atividade importante para o balizamento de todos os integrantes das equipes de topografia da UPE.
Fotos: Gabriela Slavec
Foto em Destaque
Gruta Areado III PETAR - SP
Foto : Ricardo Martinelli Dados Técnicos: velocidade 10 seg; abertura F/10; ISO400; dist. focal 10,5 mm; Máquina - Nikon D300; Tripé
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