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Por Letícia Marques

Sentia minhas mãos trêmulas. Fazia quinze graus negativos no pátio da Academia St. Vladimir e isso contribuía para o meu tremor. No entanto, o nervosismo era a pior parte. Fazia mais de três meses que não via Dimitri e agora tinha que conter meus passos para

não sair correndo em direção ao campo de treinamento. Sabia que ele estava lá. Foi a primeira coisa que perguntei quando cheguei na Academia. Diretora Kirova respondeu com um olhar torto, mas não fez nenhum comentário desnecessário. Ela nunca aceitou o fato de que uma aluna tinha namorado um instrutor bem debaixo do seu nariz. Ainda assim, ignorei seu olhar e me afastei do grupo de guardiões que acompanhava Lissa para o interior da escola. A noite já tinha caído há algumas horas, o que significava que a Academia encontrava-se em plena atividade. A visita da Rainha não era esperada, então os olhares surpresos e admirados a acompanharam até que a perdi de vista. Aquela surpresa também era para Christian, que estava ali auxiliando no treinamento dos Moroi que controlavam o fogo. Desde que a lei que autorizava um Moroi a lutar ao lado de seus guardiões foi aprovada, Christian não parou muito na Corte. Viajando de país para país, visitando diversas academias no mundo inteiro, ele agora era uma das maiores autoridades no treino dos Moroi. E Dimitri, como seu guardião, viajava com ele. Ao chegar ao campo, parei num canto mais oculto pelas sombras para observar a ação dos treinadores e dos seus alunos. Estar ali era quase como voltar no tempo. A neve caía forte lá fora e o frio era intenso, mas isso não parecia afetar as pequenas batalhas que se desenrolavam em todo lugar. Christian estava ao lado de um grupo de sete Moroi, com bonecos Strigoi à frente. Alguns estavam sem cabeça (os bonecos, não os Moroi), outros queimados em várias partes do corpo falso, e os Moroi exibiam sorrisos orgulhosos. — O que está fazendo aqui, Rose? Girei o pescoço rapidamente ao ouvir aquela voz tão conhecida e um sorriso imediatamente surgiu em meu rosto. Mas o sorriso logo desapareceu quando me deparei com a expressão séria e fria de Dimitri.


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— Surpresa! — exclamei sem nenhum entusiasmo. Só nesse instante me dei conta que, da última vez em que nos vimos, nós brigamos feio. Mesmo depois de três meses, ele ainda parecia guardar rancor. Nós tínhamos nos falado por telefone durante esse tempo, é claro, e as coisas pareciam melhorar a cada dia. Mas, pensando bem, a última ligação não tinha sido nada amigável. — Por que está aqui? — ele tornou a perguntar, sem desmanchar o semblante sério. —

Por que não está na Corte com a Rainha? — Lissa está aqui — expliquei rapidamente, antes que ele viesse com aquela lição estúpida sobre o trabalho ser mais importante. Fazia muito tempo que isso não era mais verdade para nós dois, mas ele às vezes fazia de conta que não pensava assim. Como quando nós brigávamos, por exemplo. — Ela resolveu passar o Natal na Academia. Vai participar do baile e tudo. Trouxemos vestidos. A última vez que usara um vestido aqui, as coisas tinham sido muito diferentes.

Começaram com um soco numa Moroi que agora era minha amiga e terminara comigo na cama de Dimitri, quase nua. Levando em consideração a forma como ele me encarava agora, tinha quase certeza que Dimitri estava lembrando a mesma coisa. Mas Christian se aproximou nesse exato instante e nada foi mencionado a respeito. — Lis também veio? — ele perguntou entusiasmado, como eu queria que Dimitri tivesse demonstrado ao me ver. Assenti confirmando e ele correu para fora do campo sem nem mesmo avisar aos alunos, que apenas riram e voltaram a treinar. Quando encarei Dimitri, ele continuava de braços cruzados e sério, mas agora observava a movimentação. A última coisa que queria era passar o Natal brigando com meu namorado. — Ainda está com raiva de mim? Ele me encarou em silêncio e então rumou para uma sala adjacente onde os materiais eram guardados quando não estavam em uso. Eu o segui até lá, já esperando a “DR” que

sabia que viria. — Você desligou o telefone na minha cara, Rose.


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— Porque você estava sendo um idiota — retruquei. Ouvi quando ele respirou fundo e soltou o ar pesadamente, mas não o encarei. Apenas me afastei e sentei em um dos bancos. Uma vez tinha sentado ali enquanto Dimitri passava um creme em minhas mãos, que estavam machucadas por causa do treino pesado. — Você queria que eu largasse tudo aqui para passar o Natal com você na Corte. Quem estava sendo insensato não era eu.

— Eu não te chamei de insensato. Chamei de idiota. Porque só um idiota diria que jamais largaria o trabalho por causa de uma simples festa. — Ergui o olhar e o encontrei me encarando com o cenho franzido e aquela expressão que deixava bem claro que ele tinha muito para falar, mas estava se contendo. — Em primeiro lugar, Natal não é uma festa idiota. Em segundo lugar, esse seria nosso primeiro Natal juntos, oficialmente. Minha mãe está na Corte e até Abe está lá também. Ele já tinha planejado tudo para a festa e eu tive que dizer que meu namorado não estaria presente, porque ele preferia trabalhar. — O que queria que eu fizesse? Deixasse Christian sozinho? — Há guardiões em todo lugar aqui na Academia, Dimitri. É quase tão seguro quanto a Corte. Tenho certeza que ele não se importaria de você se afastar por alguns dias. Mas você nem mesmo cogitou a possibilidade. E não venha me dizer que o trabalho é mais importante — desafiei. — Porque eu sei que não é, camarada. Mais uma vez ele bufou e murmurou algo em russo. Eu conhecia algumas palavras, graças ao tempo que passei por aquelas bandas, mas não essa. Seu olhar encontrou o meu por alguns segundos, mas ele logo o desviou e sentou também, um pouco longe de onde eu estava, mesmo com bancos vazios perto de mim. — Você está mesmo com raiva de mim porque eu desliguei na sua cara ou é por outro motivo? — Que motivo seria? Apenas dei de ombros, sem saber bem o que dizer. — Que motivo me deixaria irritado, Roza? — ele insistiu num tom baixo, mas foi ele

mesmo quem respondeu. — Você ter dito não quando te pedi em casamento? É, eu sabia que era por causa daquilo.


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Três meses. Exatamente três meses atrás, durante um belíssimo nascer do sol, debaixo de uma árvore no jardim da Corte, Dimitri tinha me pedido para casar com ele. E eu disse não. O silêncio se abateu entre nós, exatamente como naquele começo de manhã. E, da mesma forma, eu não consegui encará-lo, com medo de ver a decepção em seus olhos. Na ocasião, ao invés de tentar conversar, eu tinha corrido para o meu quarto. Obviamente ele veio atrás de mim e foi então que discutimos. Dimitri queria saber o porquê da minha

recusa e eu queria saber o que raios tinha dado nele para me pedir em casamento assim do nada. Mesmo ele insistindo que o pedido era por causa do amor que sentia por mim, eu não conseguia afastar da minha cabeça a certeza de que ele só estava propondo por causa da sua avó. Na nossa viagem juntos à Sibéria, sua avó, uma bruxa velha (não que ela fosse horrível. Ela realmente era uma bruxa. E velha) que fingia não falar inglês, tinha mencionado, assim por alto, que teríamos um casamento em breve. E isso fazia pouco tempo, então eu tinha certeza que ele estava sendo influenciado por ela. Dimitri defender a avó não ajudou em nada a acalmar os ânimos. No dia seguinte ele partiu com Christian para Londres, contrariando sua prévia declaração de que não faria parte do grupo que iria para a Europa. — Você realmente acha que te pedi em casamento por causa do que Yeva falou? — Tudo que ela fala você leva a sério. Você acreditou quando ela falou que haveria um casamento no futuro. — Não. Eu disse que acreditava em destino. E eu acredito em nós. Porcaria. Eu não tinha como retrucar essas palavras. — Eu só tenho dezoito anos, Dimitri — lembrei, buscando por algo mais. — Então esse é o motivo da sua recusa? — Não. Quer dizer, um pouco. Eu só... Sei lá. — Atrapalhada e sem saber bem o que falar, respirei fundo e tentei de novo. — Eu não entendo a pressa, só isso.


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— Pressa? Não me lembro de ter dito que queria casar amanhã ou semana que vem. — Não, ele realmente não tinha falado isso. — Só o que pedi, Roza, foi para você casar comigo. Você, a mulher que eu amo e com quem quero passar o resto dos meus dias. Dimitri levantou do banco onde estava e se aproximou até parar à minha frente. Ele não se ajoelhou, como, por um instante, pensei que faria. Ele apenas puxou outro banco e sentou bem perto de mim. Perto mesmo. — Sei que o pedido te pegou de surpresa, embora sua recusa tenha me surpreendido ainda mais. — Quase reclamei diante da acusação, mas ele me impediu com um gesto e continuou a falar. — Na verdade, eu tinha planejado pedir depois do seu aniversário de dezenove anos, já que você deixou bem claro que casar aos dezoito estava fora de cogitação. — E um ano faz diferença? — Poderíamos casar quando você fizer vinte. Vinte é um bom número, não acha? — Um pequeno sorriso brotou em seus lábios e eu acabei rindo também. De repente ele ficou sério e soltou o ar pesadamente. — Mas eu fiz a besteira de pedir sua mão a Abe alguns dias antes e ele começou a– — Você o quê?! — o interrompi, quase gritando. — Você fez mesmo isso? — Claro, Rose. É tradição. — No seu país, talvez. Mas Abe só é meu pai há alguns meses, então ele não tem direito algum de ceder minha mão em casamento para ninguém.

— Ele sempre foi seu pai. — Lancei um olhar cortante em sua direção e Dimitri ergueu as mãos em rendição. — Está feito, certo? Não há como voltar atrás. Mas não me arrependo de ter pedido sua mão a ele. Só me arrependo de ter feito isso muito cedo. Porque ele começou a me pressionar para pedir logo você em casamento, porque queria começar a planejar tudo. Todo dia, várias vezes ao dia, ele perguntava se eu já tinha colocado uma aliança em seu dedo, então acabei antecipando as coisas. Sinto muito. — Quer dizer que nós passamos três meses brigando por causa daquele Zmey?

— Não é culpa dele. Não exatamente. Eu deveria ter sido mais firme. — Esse é seu ponto fraco, camarada? O sogrão? — brinquei.


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Dimitri, no entanto, não achou graça ou talvez apenas optou por ignorar. Ao invés de responder a provocação, ele inclinou o corpo para frente, chegando ainda mais perto, e levou uma mão à minha nuca. Quando nossos rostos estavam quase colados, ele, lentamente, se aproximou mais e beijou minha bochecha antes de sussurrar no meu ouvido: — Você é meu ponto fraco, Roza. Seu beijo desceu para meu pescoço e eu estremeci. Dessa vez, não tinha nada a ver com o frio de Montana ou o nervosismo e a ansiedade. Era apenas o efeito que ele tinha sobre meu corpo. Sem me dar conta, já estava agarrando-o pelos cabelos e puxando-o para um beijo de tirar o pouco fôlego que me restava. Foram três meses, afinal. Talvez levasse exatamente o mesmo tempo para compensar o que perdemos. E o melhor de tudo era saber que passaríamos o Natal juntos, como eu tanto queria. Nosso primeiro Natal como namorados, sem precisar esconder nosso amor. E sem roubar beijos escondidos nos cantos da

Academia. Bem, talvez ainda fizéssemos isso, mas apenas por brincadeira. Finalmente estávamos de volta à Academia St. Vladimir, como iguais. — Sim — murmurei entre um beijo e outro, quando encontrei ar para falar. Em resposta, recebi um olhar confuso do homem que um dia tinha sido apenas um instrutor. O único que batalhou para me manter na escola, depois de dois anos fugindo com a minha melhor amiga. O homem que sempre me protegeu, seja da diretora, de Strigoi ou dos guardiões que me acusaram de matar a antiga rainha. E eu sabia que ele

sempre estaria ao meu lado, me amando quase tanto quanto eu o amava. Não que eu fosse falar isso em voz alta, porque ele iria retrucar e dizer que me amava mais. Essa era uma batalha que nunca teria um vencedor. — Eu aceito.


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