Revista Vaidapé #02

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A luta pela mudança da realidade. A luta pela justiça. A luta pelo poder popular. A luta pelo fim dos muros. A luta por um transporte digno. A luta contra a violência policial. A luta pelo vinagre. A luta pelo fim das desigualdades. A luta por uma transformação radical. A luta pela livre manifestação. A luta pelas máscaras. A luta anti-sistêmica. A luta por um país honesto. A luta para mostrar que a desonestidade é mais profunda que a capa do jornal. A luta pelo espaço público. A luta pelo futebol de várzea. A luta contra a especulação imobiliária. A luta através da arte. A luta para mostrar que a arte não é crime. A luta das margens. A luta dos marginalizados. A luta pela informação. A luta pela liberdade de expressão. A luta contra-hegemônica. A luta para crer: lutar é viver. O povo resiste, vai à luta e Vaidapé.







Ao desistir de resistir o homem nega sua existência, pois a resistência é o princÍpio de sua essência Desde o inÍcio, resistindo como um vÍcio. Vemos que o tratamento é difícil, então o que temo é tudo isso. Que o homem aprende por meio da educação, escolas parecem clínicas de reabilitação, que transformam natureza em sociedade e do homem tira a capacidade De entender seu estado livre e o faz pensar ser livre da forma que ele vive.

pedro alves


Meu

Trampo Entrevista com toddy grafiteiro do grupo opni


fotos jo達o miranda


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S

por joão reis

ão Mateus. Realidade muito triste? Mas como já diziam os mestres, “há grandes que persistem”. Esse é o caso do Toddy, 29, grafiteiro e morador da comunidade de São Mateus, extremo leste da cidade de São Paulo. Integrante do Grupo OPNI, Toddy e seus parceiros já vem desenvolvendo o grafite pela cidade de São Paulo há 17 anos e não pretendem parar tão cedo.

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Recentemente visitamos sua comunidade e fomos recebidos de braços abertos pelos moradores da região, que de esquina em esquina – conforme íamos andando – abordavam o artista e o intimavam para grafitar suas casas. “A gente não tem que ganhar dinheiro com essa ‘troca’ dentro da comunidade. Esse é um trabalho que a gente tem que doar mesmo”. Na contramão do individualismo que anda consumindo multidões hoje em dia é que se glorificam discursos como este. Toddy se sustenta com trabalhos de decoração e design assim como grande parte dos grafiteiros do grupo OPNI, que entendem que o grafite é uma atividade mais espiritual do que material. Não é de se espantar. O grafite por si só já é uma fonte de reflexão para a sociedade. Quem trabalha todo dia e se locomove constantemente pela cidade sabe muito bem o que é voltar cansado para casa e olhar uma parede, uma ponte, um muro, um prédio, uma carroça e analisar aquela informação, aquele desenho, aquela obra prima

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que um dia foi pensada por outro ser.

que me sentir contemplado com quem eu sou.”

Enquanto muitos trabalham tendo o dinheiro como recompensa, Toddy investe na felicidade: “Se o grafite que a gente faz muda alguma coisa, se ele repercute, a gente não sabe. Eu sei que a sociedade que está imposta não me satisfaz e eu tenho

Há um porém, Toddy se apegou a isso quando trocamos ideia ali dentro do barraco dos grafiteiros: o sentimento de querer mudar é muito grande, mas sabem que não é possível partir apenas deles, do grafite. Toddy diz que sim, a sa-


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“A gente não tem que ganhar dinheiro com essa ‘troca’ dentro da comunidade. Esse é um trabalho que a gente tem que doar mesmo”

tisfação é grande por mudar de algum jeito, arrancar um sorriso, mas o que muda mesmo é educação, saneamento básico, comida na mesa. Isso sim que realmente muda. Mas o cara sabe, acima de tudo, que o bem que ele, seus amigos, sua arte, trazem a todos, no final, é recompensador.

O trampo de Toddy só traz mais alegria pra comunidade e pra todos que acabam o conhecendo pela cidade... Felicidade recíproca, onde o grafiteiro dá cor, recebe e transmite alegria. No fim, só quer contemplar-se, mudar alguma coisa, já que a coisa não anda fácil pra ninguém.

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foto gabriela batista // fotoenquadro




VEM PESA

PRA

DELO

RUA

DO S ISTE MA

QUAL É A SUA REVO LUÇÃ

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DESMISTIFICANDO O BRASILEIRO

foto drago // selvasp

VEIS Í S I V N S E I O D A P U OC RO UTU F O O D M S ALI N R JO


vem pra rua por Paulo Motoryn


A submissão de todas as esferas da vida humana às imposições do mercado e a perpetuação de um modelo de sociedade consumista e individualista foram fatores que silenciosamente repeliram a população da ocupação dos espaços públicos e da luta política. Com o desabrochar das ruas, findouse a letargia política que castrava os questionamentos à forma de vida social, às instituições políticas e aos princípios filosóficos nascidos na Europa no século XVIII e tidos como soluções definitivas para os grandes problemas da humanidade.

Ao evidenciar laços complexos que unem a cena política aos interesses econômicos e de classe, em artigo recente, a filósofa Marilena Chauí elencou fatores que constituem São Paulo como um inferno urbano. Dentre eles, a indústria automobilística, que satura o trânsito e consolida a “cultura do carro”, imposição do automóvel como elemento fundamental para a felicidade no mundo moderno; e a máfia das empresas de transporte público, ponto

foto rafael mattar // selvasp

E

m junho, a cidade de São Paulo desencadeou uma onda de protestos que se espalhou e ainda reverbera em todo Brasil. O grito das ruas por mais direitos e liberdades, que ecoa há tempos na luta da população pobre pela sobrevivência em um dos países mais desiguais do planeta, é o primeiro passo para a efetivação do povo como ator político de importância primordial na construção de uma país justo e sem opressões.

O número cada vez maior de seres humanos, aspirados e arrastados pelas necessidades diretas ou indiretas da indústria, deu origem às grandes aglomerações urbanas. São as grandes cidades, artificiais e desumanizadas, vandalizadoras e vandalizadas, o centro da questão que levou a cabo tamanha intifada pelo território nacional.


grande público ao evento, mas foi espaço de debate reflexivo e aprofundado.

foto rafael mattar // selvasp

central no diálogo sobre a implementação da tarifa zero, bandeira do Movimento Passe Livre, que puxou as manifestações em São Paulo. Na tarde anterior ao primeiro grande ato contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo, a Revista Vaidapé promoveu um debate na PUC-SP com o professor Eduardo Fagnani, doutor em economia pela Unicamp e especialista em políticas públicas, e o militante da tarifa zero Caio Martins, estudante de história. Ainda sem o protagonismo dos noticiários, a presença do MPL às vésperas de sua primeira manifestação não trouxe um

A discussão refletiu a necessidade de um maior ímpeto dos movimentos sociais pelo aprofundamento das transformações nos campos econômico e social realizadas no Brasil nos últimos dez anos. Em acordo, o artigo de Ermínia Maricato, no livro “Cidades Rebeldes”, publicado pela Editora Boitempo no mês seguinte ao início das manifestações, pondera: “Nem toda melhoria das condições de vida é acessível com maiores salários ou com melhor distribuição de renda. (...) Dependem, frequentemente, de políticas públicas urbanas”. No primeiro grande ato contra o aumento da tarifa em São Paulo, convocado pelo MPL, os manifestantes ocuparam a Avenida Paulista. A revolta dos motoristas e a intensa repressão policial fizeram com que o protesto transformasse o cartão postal da cidade em cenário de uma tarde de violência. A utilização de armas não-letais (menos letais, já que seus danos podem ser profundos e até levar à morte) pela PM contra um grupo totalmente desarmado foi apenas um detalhe para a grande imprensa, que estampou em manchete no dia seguinte: “Vândalos destroem a Paulista”.


A total desaprovação da imprensa aos atos em vias públicas se motivava por um suposto “vandalismo”, mas também por questões ideológicas claras. O comentarista político Arnaldo Jabor, por exemplo, havia chamado os manifestantes de “filhinhos de papai, arruaceiros e inúteis” em comentário para a Rádio CBN. A criminalização e desqualificação dos protestos pelos grandes veículos de informação mudou de sentido quando a violência policial ficou escancarada, a luta passou a ganhar ainda mais força e também quando seus próprios

pautas colocadas em questão pelo aparelho midiático hegemônico. Nas ruas, o reflexo já era visível: nacionalismo exacerbado e esquecimento de pautas populares, como a própria questão da passagem de ônibus, colocada em segundo plano pela imprensa e pela classe média paulistana.

jornalistas foram atingidos pelo aparelho repressivo.

preço das passagens para o valor anterior: três reais.

No entanto, a partir do momento em que a mídia passou a simpatizar com o movimento, alguns perigos passaram a ser concretos, como a apropriação e transformação das

Vitória das ruas, da mobilização popular, da longa luta por uma cidade mais igual e humana, sem muros entre centro e periferia, sem barreiras entre nós e nossos sonhos.

Mesmo assim, a rua saiu vitoriosa. Com um ar de constrangimento incalculável, ainda no mês de junho, o prefeito Fernando Haddad e o governador Geraldo Alckmin anunciaram, em coletiva de imprensa, a diminuição do


pesadelo do sistema por victor santos


A principal mudança nas coberturas dos grandes veículos, depois da quinta-feira, 13 de junho – dia de maior repercussão da violência policial –, foi criar uma separação entre o cidadão que protesta de forma “digna” e aqueles que promovem os “atos de vandalismo”. Tal divisão nunca foi feita por quem fazia parte dos atos. O MPL, que convocou as manifestações, não fez essa divisão, a “baderna” também não impediu os telespectadores do programa do Datena, naquele mesmo 13 de junho, de se colocarem a favor da manifestação e até mesmo os professores em greve no Rio de Janeiro aprovaram, em assembleia realizada no dia 11 de outubro, apoio incondicional ao chamado black bloc. Esse período de forte movimentação política nas ruas brasileiras elucidou, para muitos, outras formas de atuar politicamente perante a sociedade. A expressão que causou maior polêmica, servindo de pautas para revistas de diferentes linhas editoriais e promovendo o debate, em setores conservadores e na militância da esquerda, foi justamente o black bloc.

Segundo o pesquisador do Núcleo de Sociabilidade Libertária (NuSol) e professor de política da PUC-SP, Acácio Augusto, o chamado black bloc não é um grupo, ideologia ou partido, é uma tática de atuação em manifestações que elege, como alvo, símbolos ligados ao capitalismo global e não promovem a violência física, ou seja, não faz parte dessa tática atacar pessoas. É uma atuação com viés anticapitalista que promove a ação direta, implementando o conceito denominado desobediência civil. Aqueles que aderem a essa tática têm a necessidade de cobrir o rosto e o corpo. Em primeiro lugar para garantir sua integridade física, afinal, como ficou mais claro para uma parte da população a partir das jornadas de junho, o uso das armas chamadas “menos letais”, pela Polícia Militar, traz sérias consequências ao corpo humano, seja pelo impacto de uma bala de borracha, pela inalação do gás tóxico de uma bomba, ou por outros danos. Outro motivo de se cobrir é o fato de fazerem algo que não é tolerado pelo policiamento, logo, esconder o rosto é essencial para preservação da identidade. A origem dos black blocs está no movimento autonomista alemão da década de 1970 e sua atuação na Alemanha Ocidental com a criação de regiões autônomas, ocupando espaços vazios com aglomerações humanas, com funcionamento

foto drago // selvasp

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s manifestações de 2013 possuem uma série de peculiaridades que abrem novas discussões. Em grande parte dos protestos ocorridos em anos anteriores, os chamados “atos de vandalismo” eram atribuídos aos manifestantes de forma geral.


REVISTA #02 VA DAPÉ próprio, alheio ao poder do estado, concentrado em acampamentos antinucleares no interior do país e ocupações urbanas. As autoridades alemãs não viram com bons olhos essas formações e promoveram ofensivas policiais que desarticularam essas zonas autônomas e a movimentação antinuclear. Para se proteger das autoridades, e manter seu modo de vida, esses grupos atacavam as forças coercitivas do estado. Baseada em sua estética a mídia alemã apelidou o grupo de “Schwarzer Block”, ou bloco preto em português. Essa tática ganhou notoriedade na mídia internacional nas manifestações em Seattle, no ano de 1999, durante uma reunião da Organização Mundial do Trabalho, quando alguns grupos de manifestantes optaram por atacar símbolos do capitalismo, como Mc Donalds e Starbucks. A escolha pelo ataque aos símbolos capitalistas aconteceu em uma época de forte expansão dos valores neoliberais. O receio dos movimentos sociais, nessa época, era que a reunião da OMC servisse para flexibilizar ainda mais as condições trabalhistas no mundo inteiro e fornecer mais ferramentas para a expansão das grandes marcas e exploração dos mais pobres. Acusada de antidemocrática a tática black bloc traz uma outra forma de interpretar o regime democrático. “Trata-se de um julgamento moral que vê a democracia apenas como princípio de maioria e é insensível ao anúncio do intolerável, como a limitação e os controles na vida das cidades e as assimetrias e desigualdades perpetradas por bancos e instituições re-

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presentativas. Tenta-se reduzir tudo à violência como valor negativo, de um lado, e a democracia como valor positivo, de outro”, afirma Acácio. Ao assistir um programa noticioso, seja na TV aberta ou não, atualmente é inevitável se deparar com a criminalização dos black blocs, o ataque ao patrimônio público e privado é mais problematizado do que violações aos direitos humanos. As ações


foto drago // selvasp

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de “vândalos” e “baderneiros” foram noticiadas com muito mais drama do que o sumiço de Amarildo, no Rio, e o assassinato de Ricardo, em Santos. A preservação do patrimônio material é, perigosamente, levado mais a sério do que a preservação da vida, a Constituição da República, em teoria, protege ambos. Para Rodolfo Valente, advogado e coordenador do Instituto Práxis de Direitos Huma-

nos, “[A Constituição] dá até mais ênfase à proteção da dignidade humana, que é fundamento da república brasileira, mas, na prática, valem os ditames desse sistema que se organiza a partir da produção desenfreada de mercadorias. Não à toa vemos pessoas mais chocadas com os vidros quebrados de grandes conglomerados bancários do que com pessoas mortas na rua por conta do frio”.

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qual é a sua revolução? por Paulo Motoryn, Pedro Ferrari e Victor Labaki


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izia Emma Goldman que se não pudesse dançar não seria a sua revolução. Pois bem: se não podemos jogar, não é a nossa. É assim, transformando o futebol em fator de luta social e atuação política, que o Autônomos Futebol Clube consegue caminhar na contramão das demais equipes de várzea e ganhar cada vez mais notoriedade nos campos de terra da capital paulista. Em meados de 2006, um grupo de fanáticos pelo futebol, e com inspiração anarco-punk, cunhou o nome da equipe em homenagem ao movimento autonomista, surgido na Europa no século passado. Fiel ao espírito revolucionário do marxismo, mas renegando o poder das burocracias sindicais e partidárias, o autonomismo significa se manter à margem do modo de vida dominante imposto pelo capitalismo. Como buscar alternativas à realidade imposta é o primeiro passo para sofrer estigmatização e preconceito, não é difícil entender porque os jogadores da equipe são jocosamente chamados de “roqueiros da Lapa” ou “doidões anarquistas” pelos adversários. Para romper paradigmas, buscar o feixe de resistência na equipe varzeana e entender sua dinâmica, a reportagem acompanhou algumas partidas do Auto – como é carinhosamente chamado –, do apito inicial ao churrascão de comemoração.

A militância do Autônomos começa antes mesmo da bola rolar. Privilegiando sempre a disputa nos enlameados campos de várzea, a equipe costuma jogar no Bento Bicudo, campo vizinho à Marginal Tietê, na Lapa, e dentro da comunidade Bicudão. Fazendo apologia aos campos de terra, que estão sorrateiramente sendo eliminados da paisagem paulistana, o Auto consolida sua luta contra a especulação imobiliária, que, além dos campos, inferniza e incendeia os mais pobres. O uniforme mais tradicional do time também exemplifica a ideologia do Auto: suas cores são o vermelho e o preto, dispostos de maneira exatamente igual à bandeira adotada tanto pelo movimento anarcossindicalista quanto pelos comunistas libertários. Mesmo assim, engana-se quem pensa que a luta política da equipe acaba nas faixas libertárias e antifascistas que são penduradas no gramado antes dos jogos. Além de reacender o debate sobre o anarquismo, levando seus símbolos e suas ideias para os mais inóspitos campos de várzea da cidade, o time possui uma atuação muito forte fora das quatro linhas. Organizados, estão presentes em diversos atos, manifestações e protestos. Desde mobilizações contra a realização da Copa de 2014 até as manifestações contra o aumento da passagem de ônibus.

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O Auto possui uma relação íntima e profunda com diversos movimentos sociais, dentre eles o Movimento Passe Livre, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, o Comitê Popular da Copa, entre outros. Ao fim dos jogos do time, que se reúne todos os sábados, não é difícil ver camisetas, conversas e menções aos mais diversos coletivos e movimentos políticos da cidade. Foi em uma manifestação promovida pelo Passe Livre em junho deste ano, que um dos seus jogadores ficou detido por 3 dias e só foi liberado após o pagamento de uma fiança de aproximadamente 5 mil reais. Motivo de vergonha para a equipe? Que nada. “Em 2011, fizemos embaixadinhas na frente da Tropa de Choque da Polícia Militar em um dos momentos mais tensos do protesto”, relembra Matusa, um dos fundadores e mais experientes jogadores do Auto. Além obviamente da crítica à violência estatal por meio da polícia, as bandeiras defendidas pelo Autônomos são claras: a luta contra o racismo, o machismo – o Auto já atuou diversas vezes com equipes mistas –, e as demais opressões que constituem o preconceito dentro do futebol e também em toda a sociedade. A homofobia também é um ponto discutido pela equipe. Quando, neste ano, o atacante Emerson Sheik, do Corinthians, foi bombardeado de críticas por ter publicado uma foto dando um se-

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linho em um amigo, o Auto não deixou por menos: logo viralizou na internet um retrato de dois jogadores do elenco se beijando, em claro gesto de solidariedade à causa. Em função de uma viagem à Inglaterra em 2008, custeada por um time com inspiração política similar de Londres, conheceram uma casa que sediava o clube inglês e voltaram determinados a ter o seu próprio espaço. Foi assim que surgiu a Casa Mafalda. Localizada na Lapa, é um espaço sócio cultural autogerido que promove debates, discussões, festas e oficinas. Hoje em dia, a gestão da Casa Mafalda se divide entre diversos coletivos anarquistas, não mais apenas o Autônomos, mas ainda sedia diversos encontros da equipe rubro-negra. Um dos jogadores do time, contudo, mostra preocupação: “A Veja publicou uma matéria sobre os black blocs e o repórter disse que esteve em uma festa na Mafalda, o que muito nos assusta”, disse um dos atletas, fazendo menção ao caráter pouco popular da revista semanal. O modelo adotado pelo Auto também é o da autogestão: não existe hierarquia dentro do time e todos cooperam, divididos em núcleos, para fazer o time continuar existindo e resistindo. A VÁRZEA RESISTE A várzea, celeiro de muitos craques brasileiros, não é o pal-


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fotos João miranda

co ideal para o gingado perfeito ou para lances de mágica com a bola nos pés. Salários, direitos de imagem, empresários, nada disso existe nos campos e terrões castigados da várzea. O futebol mercantilizado não passa pela grade do Bicudão. Na final da Taça Aziz Vanzolini, conquistada pelo time rubro-negro após vitória por 1 a 0 sobre o IME, da USP, a reportagem presenciou uma discussão entre um membro do time e um torcedor na arquibancada. Entendendo que a torcida estava exagerando nas críticas ao juiz da partida, um jogador do Auto mandou sua pequena legião de fãs calar a boca. Em resposta, ouviu: “Joga bola sua besta quadrada”. Ao fim do jogo, os dois se abraçaram e comemoraram o título como se aquela tivesse sido mais uma cena de um espetáculo inóspito.

O sentimento pelo título, após anos de esforço, emocionou os jogadores: "Vocês não tem ideia de quantos sábados perdemos sorrindo, ainda em um espírito nem tão competitivo, para chegar aqui. Apesar de ser várzea, é sério. Isso é um sonho realizado", disse Matusa. A várzea é uma ferramenta de resistência ao futebol subordinado às imposições do mercado, da televisão e do dinheiro. O Autônomos, por sua vez, uma incansável trincheira contra o que chamam de geração Neymar: “Outro dia tivemos que passar fita isolante na chuteira de um dos jogadores. Acredita que ele veio jogar de chuteira amarela? Maldito futebol moderno”, lembra um atleta.

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ni brissant



desmistificando o brasileiro por Harumi Visconti

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uando pensamos em povo brasileiro, o que nos vem à mente? Adjetivos como tranqüilo, cordial e acomodado aparecem quando analisamos a imagem que temos de nós mesmos. Essas referências fazem parte do imaginário brasileiro e perpetuam uma ideia que definitivamente não corresponde ao real. Esse estereótipo que há décadas nos é atribuído, é reforçado principalmente na ditadura varguista (1937-1945), em que o Estado tenta apagar do imaginário social qualquer vestígio de resistência.


Segundo o sociólogo Edson Martins, a imagem do brasileiro como um povo tranqüilo teve origem principalmente na virada do século XX. Autores como Gilberto Freyre (1900-1987) ajudaram na construção desse esteriótipo. Tomados por uma onda ufanista, principalmente com o despontar da modernização, idéias como as de Casa Grande e Senzala, de Freyre, consolidaram a noção de povo tranqüilo. Martins afirma que o pensador Sérgio Buarque de Hollanda (1902-1982), autor do Raízes do Brasil, que cunhou o termo homem cordial, teve um papel fundamental na desmistificação do brasileiro tal como ele era vendido pela mídia. Com o apoio de uma historiografia que há séculos revela apenas um lado da história - a dos vencedores - o passado de luta do brasileiro fica esquecido, dentre as vitórias daqueles que tentam calar a voz dos eternos excluídos de nossa sociedade. “Não é um problema específico da historiografia brasileira não dar voz aos movimentos sociais. A historiografia ocidental não tem objetos a não ser grandes reis, grandes batalhas e grandes homens. Essa é a historiografia oficial”, explica o historiador da PUC-SP, Lauro Ávila Pereira.

Edson Martins, entretanto, contesta: “Não podemos culpar as historiografias. É preciso contextualizá-las. Em que momentos histórico, econômico e social elas foram lançadas? Felizmente, essa historiografia romântica está em decadência no universo acadêmico”, afirma. Basta, entretanto, revirarmos as páginas de nossa história para resgatarmos a tradição de protestos, lutas e levantes que acontecem desde o Brasil Colonial. Não podemos achar que a única geração que lutou por direitos foi a de 1968. Muito menos a nossa, que neste ano reacendeu o desejo por mudanças e foi às ruas. Não. Nossas lutas e reivindicações são centenárias. Não podemos nos esquecer das greves do século XX, das revoltas da Vacina, Contestado, da Chibata. Há Canudos e a revolta dos 18 do Forte. Mas para além de protestos históricos, temos ainda hoje movimentos que, desde a origem, não tiveram suas reivindicações atendidas. As bandeiras são muitas. Os movimentos – negro, indígena, sem-terra, estudantil, feminista, camponês – exigem que suas vozes sejam ouvidas. E já está mais do que na hora de escutarmos o que eles têm a nos dizer.


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ocupados e invisíveis Q

por Victor Labaki, Carolina Piai e Thiago Gabriel

uem passa hoje pelo Parque do Ibirapuera, referência de lazer para uma parcela dos paulistanos, enxerga uma distorção da paisagem urbana cotidiana. Uma lona protege da chuva cerca de 10 barracas que abrigam há dois meses manifestantes em frente à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, casa dos deputados escolhidos pelos cidadãos paulistas. Há quem passe e estranhe, levante o nariz e dê de ombros; há quem rejeite, desaprove e xingue; há quem tente tirá-los de lá; há quem apoie e ajude com doações, ideias e debates; há também quem passe e nem note o acampamento, mas o fato é: o grupo de pessoas já forçou a interdição da entrada principal da Alesp e continua intervindo no cotidiano dos deputados da Casa. A quantidade de acampados varia constantemente, porém aproximadamente 15 pessoas se mantêm diariamente no local, saindo apenas para funções relacionadas ao movimento. Entre os

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acampados, estudantes universitários, trabalhadores, desempregados e pessoas de todos os cantos do Brasil, do interior de Santa Catarina ao Maranhão – alguns vieram apenas para participar das mobilizações. A maior parte do grupo se identifica como anarquista e as relações e responsabilidades, além das decisões, são manejadas de maneira horizontal, por meio de diálogos que encontram seu fim em um consenso. As deliberações vão desde o local em que vão deixar as barracas até os rumos políticos do movimento. A princípio, as reivindicações eram por uma reforma política e pela desmilitarização da Polícia Militar, por exemplo. Periodicamente, um membro da ocupação visita as lideranças dos partidos e apresenta a eles propostas definidas pelo grupo em reunião, a fim de que sejam protocoladas e enviadas à Brasília. A reportagem acompanhou o estudante de Direito Iranildo, um dos manifestantes, em uma


REVISTA #02 VA DAPÉ dessas tentativas de diálogo com os deputados e presenciou a dificuldade de atravessar a burocracia e a "boa vontade" dos congressistas. Depois de se reunirem e enxergarem nas pautas antigas uma contradição com o que acreditam e buscam, remodelaram o encaminhamento do movimento. Agora, eles se veem em uma segunda fase de organização, onde pretendem ampliar a integração com outros coletivos e organizações sociais e incorporar suas pautas. O caráter reformista, dito por eles como “coxinha”, será substituído por ideias e projetos que serão construídos mais alinhados com suas convicções. Cada membro é identificado como um indivíduo único e possui sua própria maneira de pensar. Nesse prisma de ideias, apenas uma coisa parece certa: o povo é o poder! Afirmação

que, para eles, não corresponde ao momento atual, por conta do sistema que privilegia o capital e as instituições que o conferem legitimidade, com sua burocracia. “Aqui a gente não estabelece regras absolutas porque já vimos que isso não funciona. As pessoas que chegam aqui passam por um processo de descobrimento de si mesmo e das dificuldades. Eu mesmo mudo todos os dias”, afirma um dos ocupados. Depois de alguns meses e pouco reconhecimento do movimento, qual seria a reação destes manifestantes se a Ocupação terminasse amanhã sem atingir as mudanças desejadas, forçando cada um a voltar à sua vida cotidiana? Um deles é enfático: “Prefiro morrer pela causa a continuar vivendo nessa mentira, onde as pessoas veem um mendigo como se fosse uma peça de móvel na rua”.

fotos bruna bravo

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jornalismo do futuro por guilherme almeida

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maneira com que transmitimos dados e nos relacionamos com eles é orgânica. Conforme passa o tempo e a tecnologia permite, mudam-se sistemas na tendência de facilitar o acesso de informação ao consumidor final. No entanto, esse processo nem sempre se traduz em simplificação. Na verdade, nunca foi tão complexo entender os fluxos de conteúdo. Com a popularização de sistemas de compartilhamento de dados gratuitos, indústrias baseadas na taxação de acesso a conteúdo mudaram suas estratégias para manterem-se lucrativas. Talvez o maior exemplo disso seja o advento do Napster e a derrocada da indústria fonográfica – pelo menos nos moldes do século passado. De maneira assustadoramen-

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te similar ao que aconteceu com a música, a distribuição online dificulta a capitalização referente ao conteúdo jornalístico disponível em portais, sites e blogs. Nesse caso, a indústria que é prejudicada com isso é a da imprensa. Dai vêm a justificativa para demissões em massa, precarização do trabalho dos jornalistas, salários baixos, uso de estagiários para cumprir tarefas que antes eram de responsabilidade de profissionais contratados. Uma problemática muito próxima a da produção cultural bate a porta do jornalismo: Como pagar a conta? Todos os quatro jornalistas entrevistados para esta reportagem têm acordo em um ponto: financeiramente falando, o custo para produzir ma-


foto gabriela batista // fotoenquadro

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terial jornalístico de qualidade é muito maior do que se consegue como retorno. Na plataforma impressa a entrada referente à compra em banca e de assinaturas não chega perto do suficiente para sustentar a publicação. Na TV e no rádio a publicidade determina o financiamento e a audiência determina a publicidade. Na internet os dois métodos se misturam, contudo, continuam longe de pagar as contas satisfatoriamente. Fábio Zanini, editor de Mundo da Folha de S. Paulo diz que o maior jornal em circulação no Brasil – cerca de 300 mil exemplares no domingo – depende de diversos meios de captação de recursos. “A Folha tem financiamento múltiplo; o cara que compra na banca, quem assina o site, a publicidade privada e a estatal. Quanto mais você diversi-

ficar suas fontes de financiamento, melhor. Isso vale pra Folha, pra Globo e pro Mídia NINJA”, responde Fábio quando perguntado sobre o mais recente fenômeno da imprensa alternativa: o Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação. De acordo com o ex-editor da revista TRIP e idealizador do projeto, Bruno Torturra, o Mídia NINJA foi responsável por “colocar em um campo mais aberto as discussões sobre jornalismo”, entre elas o financiamento. No entanto, no caso deles é essa é uma discussão muito delicada. Isso porque o mantenedor do NINJA é o Fora do Eixo. Envolvida em uma série de confusões midiáticas a “rede” – termo adotado pelos integrantes – está no campo daquelas coisas que são tão difíceis de definir, que é melhor começando pelo que eles não são:

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O FdE não é um partido político, não é uma empresa cotada em bolsa de valores, não é uma ONG e, mais importante, o Fora do Eixo não é uma única coisa. Difícil, não? De fato, é complicado entender

agora adentra o campo da comunicação a todo vapor. Coincidência? Para o jornalista e professor Leonardo Sakamoto, não há uma única solução e muito menos um único proble-

"Crowdfunding, publicidade, financiamento estatal, doações, financiamento direto para reportagens e financiamento cruzado, nenhum desses sistemas mantém um bom jornalismo sozinho" o sistema em que eles operam pensando apenas em modelos clássicos de produção, circulação e gestão de bens culturais e informação. O que é empreendedorismo para uns é falta de ética e neoliberalismo disfarçado para outros. Para não navegar por águas tão impetuosas é melhor se ater ao que o jornalismo pode tirar da gestão de bens culturais. Ao mesmo tempo que o mercado de trabalho passa pela sua maior crise dos últimos anos uma rede que entendeu e cresceu em cima do declínio da indústria fonográfica

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ma. “Crowdfunding, publicidade, financiamento estatal, doações, financiamento direto para reportagens e financiamento cruzado, nenhum desses sistemas mantém um bom jornalismo sozinho, é necessário cruzar todos esses meios e ao mesmo tempo não depender de nenhum deles”. É dessa maneira que a ONG Repórter Brasil, coordenada por Sakamoto, se mantém. Joaquim Ernesto Palhares, diretor-presidente da agência de notícias Carta Maior adiciona mais um método de capitação de recursos a cobertura de eventos.

No caso da Carta Maior a experiência de reportar o Fórum Social Mundial abriu caminho para outras prestações de serviço similares. Apesar de balancear as finanças do site com empreendedorismo jornalístico Palhares destaca que isso só é necessário porque a distribuição de publicidade é injusta. “Nós achamos que o dinheiro da publicidade é público e que todos têm direito a receber uma parcela desses recursos”, reivindica Palhares. Enquanto o setor privado for responsável por regular os fluxos de publicidade, esse panorama não mudará. Essa é a tese de Fábio Zanini. Porém, ele considera que para veículos tradicionais como a Folha “o futuro passa muito pela cobrança de conteúdo na internet”. Por um lado os que querem cobrar pela informação, de outro os que acreditam que informação é um bem publico e deve ser gratuita. Uma coisa todos nós temos em comum: dívidas.


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Allan Vaz




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o O trabalho foi produzid para a disciplina Sociologia Marxista Contemporânea, da Faculdade de filosofia, as Letras e Ciências Human da Universidade de São Paulo, em 2013

autor: rodrigo maluf

“Na medida em que são historicamente necessárias, as ideologias têm uma validade que é validade 'psicológica': Elas 'organizam' as massas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc.” Gramsci, Concepção Dialética da História, 1978

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I – O que é ideologia? Em um famoso excerto do Prefácio de Para Crítica da Economia Política, Karl Marx surpreende aqueles que reduzem sua concepção de ideologia à mera falsa consciência ao dizer que as ideologias expressam uma vontade que nenhuma mudança histórica é capaz de suprimir. Baseando-se notoriamente no Prefácio de 1859, o marxista italiano Antônio Gramsci sustenta que a ideologia não é apenas um fenômeno econômico, nem conjunto de ideias abstratas, nem falsa consciência. Ela é a unidade entre uma concepção de mundo e uma conduta adequada a essa concepção. Como a ideologia está ligada a sociedade de classes, há múltiplas ideologias contraditórias entre si, já que elas são racionalidades de classe em determinado momento histórico, i.e., os interesses sociais historicamente conflitantes se manifestam através de discursos ideológicos. II – Os aportes de Itsván Meszaros Contudo, na linha de pensamento em que conduzimos a atual pesquisa, é a percepção do húngaro István Mészáros que, de maneira mais

contundente e detalhada, aborda as repercussões do pensamento ideológico para a construção de uma “práxis revolucionária”. Mészáros acredita que a ideologia “não é ilusão nem superstição religiosa de indivíduos mal-orientados, mas uma forma específica de consciência social, materialmente ancorada e sustentada.”. A natureza da ideologia, segundo o filósofo marxista, está marcada pelo “imperativo de se tornar praticamente consciente do conflito social fundamental (...) com o objetivo de resolvê -lo pela luta.” Com isso, torna-se perceptível que as ideologias possuem implicações práticas em todos os campos – arte, filosofia, literatura, etc – independentemente de sua vinculação sócio política ,i.e., de eventuais posições progressistas, conservadoras ou revolucionárias. A ideologia é a “consciência prática inescapável” das sociedades de classe, uma vez que ela é forma – nos termos marxianos – específica de consciência social que articula os valores e estratégias visando o controle do metabolismo social. Como as sociedades de classe são dotadas de uma divisão social do trabalho demasiadamente

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segmentada, as ideologias precisam definir posições “totalizadoras” em suas explicações e “alternativas estratégicas” uma às outras. A natureza da ideologia é determinada pelo fato de que a partir dos pontos de vista contraditórios das alternativas ideológicas, é possível tornar-se praticamente consciente do conflito social fundamental e resolvê-lo pela luta. Esta orientação prática define a racionalidade necessária ao discurso ideológico, já que seus interesses não devem se manifestar apenas como teórico-abstratos e sim como práxis fundamentada com efeitos reais de mobilização, voltados às ações socialmente possíveis dos sujeitos coletivos reais. Dessa maneira, é impossível separar a racionalidade ideológica do “reconhecimento dos

constrangimentos objetivos, nos quais as estratégias alternativas são formuladas a favor, ou contra, do prosseguimento da reprodução de determinada ordem social”. As principais ideologias adotam como referência as práticas produtivas dominantes – v.g. os discursos dos patrões de que a redução da jornada de trabalho seria economicamente inviável tendo em vista a consequente diminuição de produtividade e perda de competividade no mercado, sendo assim não conseguiriam pagar os salário dos funcionários que seriam todos demitidos. A “falsa consciência” é um instante posterior e subordinado dessa consciência prática restringida pela época e por suas múltiplas contradições específicas que devem ser analisadas mediante as “condições concretas de cada batalha”. Não se deve esquecer que as ideologias estão atreladas a épo-

MÉSZÁROS ESTABELECE 3 POSIÇÕES IDEOLÓGICAS DISTINTAS:

REVOLUCIONÁRIA

PROGRESSISTA OU REFORMISTA

_reconhece os conflitos, mas sua “crítica é viciada pelas contradições da sua própria posição social”

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conservadorA

_busca bloquear a percepção das contradições para manter a ordem social vigente

_os conflitos são insolúveis e para a superação das contradições é necessário substituir a estrutura vigente por uma que não seja fundamentalmente contraditória


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cas específicas, em um duplo sentindo. A época, em seu primeiro sentido, refere-se a sociedade de classes como um todo – i.e. ao capitalismo, já que a consciência prática dessas sociedades não pode deixar de ser ideológica como consequência do caráter insuperavelmente contraditório de suas estruturas sociais. Em sua segunda acepção, o caráter específico da época influencia diretamente as ideologias, pois, ao longo do desenvolvimento histórico, os conflitos e suas necessidades aparecem de maneiras distintas em íntimas ligações com a “emergência de meios mais avançados de satisfação das exigências fundamentais do metabolismo social”. Apenas o terceiro tipo de ideologia é capaz de ousar superar as limitações atinentes à produção do conhecimento prático, numa sociedade dividida por classes – sem garantia alguma de êxito. Apoiado em Marx, o filósofo manifesta a necessidade de uma transcendência, ou seja, ir além da sociedade de classes como tal, e não apenas superar uma espécie de sociedade de classes em detrimento de outras. O verdadeiro “fim da ideologia” implica obrigatoriamente em ir além das sociedades de classes, pois só assim não haveria necessidade de “resolver pela luta” os conflitos emanados das contradições reproduzidas pelos interesses de classe antagônicos, assim como a “destruição do Estado” para a superação defini-

tiva da divisão capitalista do trabalho. Analogamente, assim como é imprescindível a apropriação das funções vitais do Estado para seu definhamento, é preciso que a ideologia revolucionária, capaz da emancipação, torne-se dominante. III – Quebrando o feitiço Imaginar que o discurso ideologicamente isento existe favorece somente o adversário, que de fato tem interesse em apresentar sua própria posição como atinente ao gênero humano, objetiva e completamente sem viés ideológico. O poder da ideologia dominante é gigantesco sobre as classes dominadas, o que ocorre devido à vantagem da mistificação, pela qual os indivíduos explorados podem ser induzidos a endossar práticas que são contrárias aos seus interesses de classe. A ignorância desse poder, a crença de que é possível estar livre da ideologia na sociedade de classes, não consegue ser mais realista do que a ideia do Barão Munchhaüsen, o qual acreditava ser possível salvarse de um afogamento puxando sua cabeça com as próprias mãos, ignorando a ideia da gravidade. Ela afeta tanto aqueles que negam sua existência como os que reconhecem abertamente os interesses e os valores relativos à diversas ideologias.

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BRASIL

BARRACA


brasilia

Chapada dos Veadeiros


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l i s a r B o o h l u j e d o t s ê n e m m o a n p m a c a u o t n o m a , c e d n o , Barra o s í a r a p o t l a , 7 o 2 n e 9 1 s a i d entre os is um Encontro a m a i r a e d c e s i t a n n o o i ac c i d a r T s a r u t l s o r i e d de Cu a e V s o d Chapada VIAGEM ESCRITA POR: Marco Belotti e Henrique Santana

No meio da vida caótica das grandes metrópoles um pensamento vigora dentro das nossas cabeças, aquele momento em que colocaremos de lado a loucura da correria diária, dos trens, ônibus e metros lotados, do concreto incessante e dos congestionamentos intermináveis para a chegada das tão esperadas férias. Passagens compradas, tudo pronto para a partida no dia 17, as 6h40 da manhã com des-

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tino à Brasília, onde pegaríamos um ônibus para Alto Paraíso, GO. No entanto, apenas um de nós embarcou no vôo. Acontece que na noite do dia 16 percebemos que das quatro passagens compradas as pressas, três estavam marcadas para as 18h40. O avião partia do aeroporto de Guarulhos, e nós que havíamos saído de casa as 16h, esquecemos que estávamos em São Paulo, e que a Marginal pára.


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As 18h40 no relógio e ainda não tínhamos passado da rodoviária do Tietê. Não tinha mais jeito, cancelamos nossas passagens aéreas e fomos de ônibus para Brasília, partindo às 22h do dia 17 de julho com previsão de chegada as 13h do dia 18.

Apesar de todas as frustrações devido aos imprevistos de tempo, nos reencontramos todos na Vila de São Jorge no dia 19 (acabamos dormindo em Alto Paraíso no dia 18 pois chegamos a noite e não conseguimos nenhuma carona para a vila). O Encontro de Cul-

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turas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros tinha começado, o clima estava incrível e já nos parecia inconcebível lembrar da vida que se leva na babilônia paulista. Muito amor, uma energia muito positiva no ar, muito diferente daquele tratamento de indiferença, recorrente na cidade grande. A vila tinha cerca de 600 residentes, a grande maioria de fora, que acabou se instalando ali pelos mais diferentes motivos. Muitos inclusive de São Paulo, com faculdade e aquela coisa toda, mas que optaram por uma vida feita para ser vivida, onde não se trabalha in-

cessantes oito horas dez contando com o para ir e voltar, para semana ser compensado dias de folga, quando

diárias, transito no fim da com dois muito.

Em uma conversa com uma paulista que mudou para lá há pouco mais de dois anos, essa, com mestrado em sociologia pela USP, disse que trabalhando como professora, consegue, em suas quatro horas de trabalho diárias, mais dinheiro do que o necessário para sua sobrevivência, e com a qualidade de vida de quem tem 65 mil hectares de área preservada, repletos de cachoeiras, no quintal de casa.

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Nos instalamos em São Jorge no amigável camping Casa Amarela. Conhecemos muita gente, um casal que levava um E.T (em tamanho real) feito de papel machê no banco de trás do carro, músicos que viajavam pelo mundo tocando, outro casal que vinha de uma viagem de três meses pelo Brasil em uma bicicleta de dois lugares, tinha de tudo. A maravilha da energia da Chapada era contagiante, éramos quatro indivíduos completamente diferentes daqueles que tinham saído de São Paulo uma semana atrás, irreconhecíveis, da cor da pele ao astral que carregávamos. Porém, como tudo que é bom uma hora se esvai, na segunda semana três de nós tomaríamos as rédeas de volta a selva de pedra. Desses três apenas um embarcou. Um cancelou sua passagem de volta e o outro, mais ingênuo, depois de conseguir uma carona de São Jorge à Brasília, em um momento de reflexão num gole de café no aeroporto, percebeu, como num insight, que aquela não era a hora de partir. No dia seguinte nos deparamos com o retorno de nosso heróico desistente ao camping Casa Amarela. O poder de persuasão da chapada era forte e intenso, e ficava cada vez mais evidente o que se passava na cabeça daqueles que iam para lá e não voltavam.

Já o terceiro desistente conseguiu uma carona até Brasília, porém no meio do caminho o simpático casal que o levava resolveu parar em uma cachoeira antes da volta à babilônia. Enquanto isso, nós também nos dirigíamos à outra cachoeira com algumas cariocas que conhecemos lá, mau sabendo a surpresa que o destino havia nos reservado. Ao nos aproximarmos da queda d’água uma voz familiar ecoava por entre as árvores da trilha, nesse momento percebemos que todos nós tínhamos nos dirigido à mesma cachoeira! Diante desse sinal divino e inesperado, a vontade de permanecer na Chapada falou mais forte. No final das contas o último de nós acabou colocando os pés na rodoviária do Tietê apenas no dia doze de agosto. As lembranças das experiências vividas, as cachoeiras, rios e lagoas geladas, o festival e as pessoas que o completavam, o calor e a secura do cerrado contrastavam agora com o concreto, a pressa e a indiferença paulistana. Lembrávamos do bar do Waltinho, de todas as trilhas, dos pulos dos paredões de pedra para um mergulho revigorante nas águas da chapada e sabíamos que a vida em São Paulo não era para nós. Voltamos, mas só a estrada sabe o que os próximos caminhos nos aguardam. E que venha a babilônia!

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ANDRÉ COELHO FERNANDES ENTREVISTA COM O ARTISTA CONVIDADO


VAIDAPÉ_Quais os materiais mais utilizados para a construção de suas obras? _Eu vario muito. Como a maioria dos meus desenhos são feitos durante as aulas, então a maior parte é no grafite e nanquim mesmo. Quando tem cor é principalmente lápis aquarelável, mas caneta nanquim e grafite são mais fáceis de trabalhar e ter na mão a qualquer momento. VDP_O que você procura ouvir ou pensar ao botar a mão na massa? _Desenho muito durante aulas, desde sempre. Mas quando estou em casa e paro para desenhar eu tenho que estar ouvindo minhas músicas, detesto desenhar com silêncio. Normalmente desenho de memória e sem rascunhos. Começo com uma noção do tema ou do estilo e conforme vou desenhando vão surgindo outras ideias e elementos. Difícil ter alguma coisa fixa na cabeça quando eu começo. Gosto de pensar em coisas que os interligam, existem diversos objetos e elementos que se repetem, mesmo em diferentes estilos de desenho. Também gosto de esconder coisas - pequenos detalhes que passam despercebidos por não terem uma interação com a cena - imaginar que um dia alguém vai percebê-los e dizer "que porra é essa". Nesse ponto o foco vira a criação. VDP_Acredita que a arte tem alguma função específica na sociedade?


_Na minha humilde opinião, acho que varia muito. Vivemos cercados por coisas que foram pensadas e representadas, portanto arte está em tudo que o homem cria. Eu curso Design Gráfico, onde a função da arte é comunicar. Já a maioria dos meus desenhos, que não são feitos para o curso, não tentam comunicar alguma coisa, existe um envolvimento emocional do momento que eu posso nem saber explicar. E isso não importa para a pessoa que está vendo a revista, por exemplo, porque eu não estou do lado dela para explicar a minha visão. A interpretação deles vai ser livre, variando para cada indivíduo conforme suas peculiaridades. VDP_Qual é sua visão do mundo pós-2012 - a nova era, segundo os maias - e para o quê acha que estamos caminhando? _Aos poucos as pessoas parecem estar mudando. Todo mundo está interessado em saber mais de como somos manipulados, enganados e roubados, para poder se revoltar. Espero que estejamos caminhando para um colapso. Isso não é necessariamente ruim. Se tivermos a chance de reconstruir tudo depois. VDP_Acredita que no final tudo vai dar pé? _Claro que vai dar pé! Só precisamos de um pouco mais de braço para fazer algo melhor...


"a Arte não possui uma função específica na sociedade, é um componente inevitável dela"




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A ECONOMIA E O PODER DO DISCURSO “A economia val mal." "A economia está aquecida!" "Não, a economia está só passando por uma marola." O que é economia? Um discurso? Uma ciência? Se a economia é uma ciência, os economistas só podem ser cientistas. Essa é a visão que a maior parte dos economistas têm de si mesmos. O objeto que estudam são os "bens econômicos", que são qualquer coisa que seja ao mesmo tempo escassa e útil. A lei fundamental dessa ciência seria a "Lei da Oferta e da Demanda", e a partir dela os economistas tentam enxergar padrões que permitam organizar os bens da forma mais eficiente. Mas, se o problema é organizar-los, faz sentido dizer que a economia se trata de coisas? Não seria mais correto dizer que se trata de como os seres humanos se organizam para produzir, distribuir e consumir o resultado da produção? Esse embate tem consequências fortes. Quando se fala sobre economia é extremamente difícil separar o que está sendo dito dos interesses que encabeçam a pesquisa. Ao se tratar de "pessoas estudando pessoas", análises econômicas refletem toda a complexidade que seres contraditórios nós podem fornecer. Mas se a economia enfrenta essas questões com seu próprio objeto, por que nos jornais os economistas sempre falam com tanta segurança, dizendo não apenas o que vai acontecer como quem são os responsáveis e quais as medidas a serem tomadas? Na realidade, eles têm certeza pois se valem de que poucas pessoas dominam o discurso e os canais de comunicação, excluindo de partida a maioria e bloqueando o que poderia ser um debate público. Poucos conseguem transformar suas opiniões em um discurso nos termos necessários para ser

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thomas conti 23 ANOS, mestrando em história econômica pela UNICAMP considerado "científico" aos olhos da sociedade e da mídia. Assim, a especialidade do discurso econômico é a de transmitir um enorme autoritarismo com a aparente imparcialidade de uma afirmação científica. Quase qualquer opinião torna-se magicamente aceitável com a introdução correta: "Economista diz que brasileiro trabalha pouco", "Segundo estudo de economistas, salários estão altos demais". E é por isso que ao apoderar da capacidade de entender o funcionamento da economia é possível romper amarras rumo a um país mais justo. Fica necessário confiar menos nos grandes noticiários, e mais na disseminação do conhecimento sobre como a sociedade se organiza, justamente para os mais afetados pelo funcionamento débil dos atuais mecanismos. O ponto central é que não existem fórmulas, e o modo com que as pessoas podem se organizar para lidar com seus impasses não se limita a apenas o convencional. Os economistas não estão tão certos como nos fazem acreditar, e há mais a ser descoberto a partir da inserção de novas pessoas no debate do que as autoridades querem admitir. Quanto mais conseguirem se inserir nos assuntos econômicos buscando soluções para os problemas da realidade em que vivem, mais estaremos próximos de caminhar para uma compreensão verdadeira da situação de cada parcela da população do país, e mais capacidade de solucioná-los também teremos.


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lucas pazetto O CRIME DE SER ADULTO É incrível como a criança carece de medo. Ela pula de lugares altos, sobe em muros, escala árvores, se enfia em buracos sujos, mete a mão em qualquer coisa. É uma exploradora nata do ambiente e de suas capacitações. Ela age de forma inconsequente pois não possui noções perceptivas e cognitivas suficientes para analisar os riscos de suas ações. ELA NÃO TEME PORQUE NÃO CONHECE. Por isso o adulto se faz tão importante. Ele livrará a criança dos perigos que ela oferece a si mesma. Não há necessidade de colocar a mão no fogo para saber que queima. Tem alguém para lhe avisar, ou que se queimara antes. O adulto, portanto, é o mediador nesse começo de vida. Ensina a planejar e ver além da situação aparente. ''Se você subir no muro pode cair, quebrar um osso, sentir dor.'' Querendo ou não, a princípio o que ensinamos a esse exército de pequeninos pirado é a TEMER. Utilizamos um dos mecanismos de sobrevivência mais fortes e naturais do homem. O MEDO. Um exemplo clássico é o ''homem do saco''. Um método de impor o medo como proteção. Previnindo nesse caso, um comportamento: Conversar com estranhos. Agora o que acontece em muitos casos e que conserva uma grande contradição em nós adultos, é o hábito de temer. É uma grande igenuidade achar que esse costume de desconstruir algo e remontá-lo em forma de proibido (e proibido pelo medo) limita-se apenas a aquela situação ou idade. O que antes servia de proteção, agora serve de censura. É aquela historia do pai que diz ''não porque não, se não você vai ver''. A consequência da tomada não é mais o choque, mas

21 ANOS, graduando em psicologia pela unesp o castigo ou a palmada. EU ESTOU ENSINANDO A CRIANÇA A TEMER O QUE NÃO SE CONHECE. Pois então lhe pergunto. Não seria esse um hábito nosso? Vejo pseudo-adultos por toda a parte. Pessoas exarcebadamente cautelosas, indecisas, apavoradas diante do futuro, estagnadas em seus costumes, mortas por dentro, carentes de objetivo e de novidade. Pessoas que não conseguem curar seu pŕoprio mal estar. Ora... Ser adulto não é exatamente o contrário? Ser adulto é saber que pode-se subir no muro, mas da maneira correta. Ser adulto é estar ciente das consequencias de seus atos, mas é estar ciente também que não existe futuro. Que este é apenas uma projeção desses atos e portanto dessas consequências. Maturidade não vem com a idade! Maturidade vem da experimentação e do conhecimento. Conhecimento em suma, de si mesmo. Do por que algo lhe causa medo. Não pode-se enfrentar o que não se conhece. Ser adulto é saber de suas capacidades! É saber que você pode e que você consegue subir na árvore sem quebrar a cara no chão. Mais que isso! É saber que quando o galho vem abaixo, não acontece nada além do que era possível. Era um risco. Um adulto vive de riscos, porque coloca na balança seus objetivos. Ele SENTE o medo mas não se SUBMETE a ele. Sabe que o medo não passa de um susto. Uma brincadeira de criança. O verdadeiro adulto consegue deixar o medo para trás, porque sabe, diferentemente da criança, que não precisa mais dele o tempo todo.

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PASSA A BOLA É muito gratificante saber que tem gente vendo o fruto de tanto trabalho e investimento! Você, ao segurar este exemplar, está permitindo que a Vaidapé exista. Foi um ano de muita luta e muito esforço para conseguir consolidar uma equipe e publicar este exemplar. Como qualquer mídia alternativa que se preze não há veículo sem luta e correria. Não dá tempo de fazer mais nada: apenas o presente. E o nosso presente é este aqui. Escolhemos criar uma revista que pudesse realmente satisfazer o leitor. Uma revista que literalmente traduza a sociedade em que vivemos e lute por uma melhoria nas ruas em que andamos. E na guerrilha da informação, cada leitor é uma conquista. Entre nessa luta e passe a revista adiante! Informação não é mercadoria!

Uma revista sem muros. Um papo sem curva!


Entrevista Leonardo Sakamoto

MC Sombra http://youtu.be/9sowGGi2am0

http://youtu.be/vgM0HlQCz_E

Increva-se JAH no nosso canal do Youtube.

youtube.com/user/ vaidape certo “As

Não existe um ou errado, temos que saber ter um discernimento sobre as coisas e saber distinguir o que é bom pra si. Cada um tem uma escolha, né? Acho que é isso, cada um sabe o que está fazendo. É muito louco o bagulho, boto fé.”

pessoas que estão dando aula [de jornalismo] são formadas em uma outra matriz, uma matriz de papel. Uma matriz que acredita que daqui a trinta anos as pessoas vão estar pegando a Folha de São Paulo de manhã e lendo o seu jornalzinho, enquanto toma seu cafézinho e come sua margarina com pão. Não, não vão!


foto rafael mattar // selvasp




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