FOTO POR THIAGO GABRIEL
ILUSTRAÇÃO DE TÚLIO MELO
A primeira edição da Vaidapé foi lançada há três anos, pouco antes da mobilização contra o aumento das tarifas do transporte público tomar as ruas de todo o país. De lá pra cá, vimos o preço do busão continuar a subir e com ele o desemprego, o lucro dos bancos e a repressão. A história anda com pressa e o globo segue aquecendo. Quem concentra o maior poder de noticiar a tal da crise, que não é apenas política, não põe na tela todas as cores do país. Por mais que queiram nos tornar invisíveis, resistimos. Cresce a voz das mulheres, a mobilização indígena, o movimento hiphop, os bailes de favela, a afirmação negra e LGBTT. Na corrida pro futuro temos de saber com quem e, principalmente, porque estamos juntos. Nossas reivindicações não nasceram ontem. A luta das mídias independentes é para criar narrativas que, de fato, contem a nossa história. Esta publicação, que agora chega à quinta edição, é fruto de uma longa caminhada movida pela sede de mudança. Foi feita com o suor que escorre da insatisfação em ver violências abafadas pelo discurso midiático, pelo teatro político, pelas grandes empresas. Estampar a bandeira do estado de São Paulo, que financia o papel e a tinta dessa revista, é só uma das contradições que a realidade nos impõe. Sabemos que a mesma máquina que distribui migalhas em forma de editais perpetua o massacre contra as personagens que ilustram as páginas a seguir. Informação não é mercadoria.
EXPEDIENTE
REDAÇÃO Henrique Santana Iuri Salles Jay Viegas João Previ João Miranda Patricia Iglecio Thiago Gabriel DIAGRAMAÇÃO Jay Viegas Vinicius Pereira ILUSTRAÇÃO Flávia Siervo Glauber Bento Jay Viegas Patrícia Garcia Pedro Mirilli Raquel Vitorelo Rafaela Nakad Robinho Santana Túlio Melo COMUNICAÇÃO Deco Napchan Ian Castilho João Miranda
FOTOGRAFIA André Zuccolo Henrique Santana João Miranda Murilo Salazar Thiago Gabriel CURADORIA LÚDICO Camilla Di Lucca João Previ Pedro Alves Pedro Mirilli REVISÃO Henrique Santana Patricia Iglecio Paulo Motoryn Thiago Gabriel Verônica Miranda COLABORAÇÃO Alan Queiroz Felipe Paiva Gislane Gomes Kadu Braga Luiza Annoni Lucas Pazetto IMPRESSÃO Gráfica Cillpress Papel couché fosco 90g; 170x 240mm; 64 páginas 5.000 exemplares
Realização
10 Meu trampo é o funk 12 Artista da capa: Raquel Vitorelo 14 ‘Pode colocar meu nome, já posso falar sobre meu aborto’ 18 Veias abertas do Pantanal 23 O rap na tevê 25 O Estado veio quente, nóis já tá fervendo 28 O genocídio nas quebradas de São Paulo 32 Ode ao retrocesso 35 O Grito do Pé Preto 38 Iniciativas 42 Ensaio: ‘Não atira’ 50 SP Invisível 51 PretXs 58 Terra de três mães
WWW
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ILUSTRAÇÃO DE RAQUEL VITORELO
ÍNDICE
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Não à imagem
CRÔNICA DE LUIZA ANNONI
Anedotas da mulher na sociedade se desdobram em etês descolados e muito bem elaborados. No meu papel, continuo inibida e a pulga atrás da minha orelha me perturba, me atiça. Que fosse muita, e isso me preocupa, me sinto nua e emulo uma burra, exposta a minha virilidade em soberania do outro... Ele é quem domina. Do seu lado ouço tudo que me conta e ele conta tudo, menina bem vista que sou só ouço e absorvo. Cadeados pelo corpo para a fervura de não passar do ponto, esfacelá-lo com o olhar, a vontade de transpassar o meu ser que a tempos podam de mim... mas ele que é o exemplo da vida mais desejada nessa cidade sinistra. Os homens que têm a imagem de serem independentes, divertidos e descolados... mas não que eles se achem um máximo, mas é o que me foi podado, já desnorteada por sempre ser posta no lugar da delicada, da bonita que só precisa dar risada, a imagem corrói as podas que querem florescer... mas minha cara já foi transcrita e ela prevalece, gaguejo os cortes e já estou no molde, menina, eles se dispõem a mim, com tudo que têm e tudo mais. Depois no impulso, depois de esbanjarem tudo, tentam o gozo último e eu não julgo. Assumo.
ILUSTRAÇÃO DE TÚLIO MELO
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o p m a r t u me
K N U ÉOF REPORTAGEM DE IURI SALLES
Renato, conhecido no fluxo como o Menor da VG, faz seu corre no funk há alguns anos e nos contou sua trajetória o chegar na produtora Gr6 Eventos, três carros de luxo estavam estacionados na por-
A ta. Dentro da casa, uma piscina com cascata e uma quadra de futebol dão o tom da
residência, localizada na Vila Paiva, extremo norte de São Paulo. A história da produtora começa em 2004, mais focada em grupos de pagode da região. Com a ascensão do funk, logo os MCs passaram a integrar a equipe de artistas da Gr6. Entre eles, nosso entrevistado, Renato Lima Rodrigues. Quando decidiu seguir a carreira de MC, Renato virou Menor da VG. Após alguns anos cantando músicas na linha do funk consciente, o MC migrou para vertentes mais ousadas, como a ostentação e a putaria. A partir daí, sua carreira decolou. “Se no dia que eu gravei ‘Papapa na Perereca’ [um dos primeiros sucessos do funkeiro], eu tivesse gravado um consciente, talvez vocês estivessem entrevistando outro MC agora.” Hoje seu maior hit, “Fogo na Inveja”, já tem mais de 16 milhões de visualizações no YouTube, em vídeo produzido pelo diretor Kondzilla. Além disso, já fez diversas participações em clipes de MC João, seu amigo de infância e famoso pelo sucesso nacional “Baile de Favela”.
Vaidapé: Como você começou a fazer funk? MC Menor da VG: Geral colava em uma lan house, era o nosso ponto de encontro. Eu era muito novo e teve um moleque que meteu o louco, falou que era MC, que cantava funk. Mas na verdade ninguém era MC, a gente ficava naquelas rodinhas de rima improvisada. Na época, a cena do funk não era tão forte em São Paulo, era mais no Rio de Janeiro e na Baixada Santista. Os CDs que a gente ouvia aqui era só proibidão: o Menor do Chapa, o Mascote, o Catra. Só os caras lá do Rio mesmo. Eu fui conhecendo umas produtoras e co-
mecei a gravar minhas músicas. E era assim, às vezes eu tava trabalhando e saia do trampo para pegar o dinheiro que eu tinha e gravar. Eu gravava, ficava desempregado e não tinha dinheiro. Aí eu arrumava outro trampo para conseguir dinheiro para gravar. No final, aquele moleque que falava que era MC não foi muito além. Ele meio que parou e eu acreditei mais. Quando decidiu que iria viver de funk? Foi uma escolha. Eu tinha um trabalho que me dava uma cesta básica e um vale refeição de R$ 16 por dia.
Às vezes até sobrava um pouco do vale e eu vendia para fazer uma rendinha extra. Era isso ou arriscar perder o trampo para gravar umas músicas. E eu arrisquei. Como estão os fluxos hoje em dia? Acho que bagunçou um pouco. Se todo mundo que cola para o fluxo fosse lá pra curtir, demorô. Mas, a partir do momento que o cara sai de casa com segundas intenções, de roubar, agredir, se acabar na droga, aí fode irmão! Suja o movimento, porque ninguém fala: ‘Vou na balada tal, vou na quebrada tal’. As pessoas dizem: ‘Vou no funk’. Antigamente, antes de ser denominado fluxo, eram os bailes de comunidade. Para colar, a gente ia junto com os cara da própria favela. Agora os fluxos saíram de controle, você tem 10, 15 mil pessoas. E quem sai para agredir, roubar, tumultuar não é da própria comunidade. Você acha que o cara vai roubar o vizinho dele, vai mexer com o irmão dele? O que você acha das acusações de que o funk faz apologia às drogas? Tão querendo jogar esse B.O em cima de nóis do funk. Se você for no rock tem droga. Se você for no sertanejo tem droga. No samba tem droga. Porque o mundão tá uma droga. Hoje você fala com muita gente, com um público muito jovem. Como a música “Papapa na Perereca”, por exemplo, impacta uma menina de 14 anos? Eu não fiz essa música pensando que uma menina de 14 anos vai sair de casa e vai engravidar, voltar com um filho para casa. Jamais faria isso. Fiz pensando em quem pode ir para o baile. Se o pai e a mãe deixaram eu não sei, já não é uma questão que eu tenha que tratar. Se a pessoa não tem uma educação dentro de casa, minha música é o menor dos problemas que ela vai ter na vida. Então a mensagem é essa, é para dançar. Eu não faço funk para você pegar o metrô indo trampar e colocar minha música no fone. Nem eu escuto meu som de manhã indo trabalhar. Agora, se você vai num baile funk, para ver uma moça bonita dançar, de repente tomar um drink para ver o negócio ficar legal, você não vai colocar um Roberto Carlos.
Suas composições antigas eram mais conscientes e hoje seu estilo é mais ousado. Essa vertente mais sensual do funk terá folego até o fim da sua carreira? Não me arrependo de nenhuma decisão minha, nem de ter mudado de linha, até porque isso fez eu ser o que sou hoje. Se no dia que eu e o DJ Perera gravamos “Papapa na Perereca”, a gente tivesse gravado um consciente, talvez vocês estivessem entrevistando outro MC agora. Não pretendo prender minha carreira em um só estilo, até porque não tenho medo de mudar de uma linha para outra. Seu caráter pessoal é julgado pelo conteúdo das suas músicas? Se sim, como você lida com isso? Costumo dizer que é o meu dia a dia, meu contato com as pessoas é que vai dizer. Se eu for educado, tratar todo mundo com respeito, quem vai lembrar do “Papapa na Perereca”? É o que eu sempre falo, você acha que o Anderson Silva chega em casa e dá um chute na TV? O Neymar chega em casa, rola a bola na sala e começa a pedalar? Eu também não chego em casa cantando putaria, hoje tenho um compromisso comigo e um muito maior com a minha família.
RAQUEL VITORELO ARTISTA DA CAPA Quando eu era pequena, comecei a desenhar quase que instintivamente. E continuei desenhando, porque queria muito contar histórias. Essa ferramenta do desenho é bastante simbólica, ela oferece a possibilidade de fazer existir o que antes só existia dentro de você. Contar histórias é também muito simbólico, quase instintivo. É a ferramenta que faz com que tantas culturas e ideias continuem existindo através do tempo. Então vejo o desenho, a narrativa, como necessidades para eu existir. É isso o que eu faço, sempre fiz e quero continuar fazendo. Pessoalmente, me sinto inspirada quando vejo alguém criando e me identifico com essa criação. É emocionante ver como essa força criadora também existe em pessoas, às vezes, muito diferentes de mim. E ela se multiplica em tantos outros espectadores e leitores. Mas, e quando não existem ídolos? Amei muitas mulheres que, antes de mim, criaram e inspiraram tanta gente, mas é verdade que somos raramente lembradas numa sociedade cujos olhos tendem a se fixar na
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conquista dos homens. E é evidente que essa carência por referências não se limita às mulheres, mas também a negras e negros, às pessoas LGBT, às pessoas com deficiência, aos neurodivergentes. A todos que não se enquadram nessa figura tão normal, que é pintada de padrão e que estamos acostumados a ver protagonizando as grandes produções nos cinemas, na TV, no Jornal Nacional e onde mais for. Não somos poucos. Assim, não seria uma violência que na nossa cultura uma criança cresce sem heróis que sejam como ela é? A falta de exemplos não configura, por si só, uma evidência de uma violência sistemática e persistente? Acredito que nossa existência não é rara e tampouco fraca, temos força para criar novas referências. Precisamos pensar sobre isso, precisamos mudar nossas tradições e propor novos heróis. Acredito que a arte pode ser uma poderosa ferramenta de comunicação e, claro, de representação. Quero acreditar que sou uma voz que se junta a outras, porque juntos somos maiores.
“Pode colocar meu nome. já posso falar sobre o meu aborto” REPORTAGEM DE PATRICIA IGLECIO ILUSTRAÇÃO POR RAFAELA NAKAD
RELATO DE MAÍRA GUEDES
S
ou de Itabuna, interior da Bahia. Tenho 29 anos. Vim para Salvador em 2005 para cursar faculdade de artes cênicas, nesse período morava na residência universitária da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Engravidei aos 20 e estava terminando a graduação. Tomei a decisão de que não queria ser mãe, não só porque eu não tinha dinheiro. Mesmo que tivesse, eu não queria ter filhos. Quando abortei eu era jovem, mas decidida, com clareza do que queria e quero para os meus próximos anos. Tive um companheiro que foi uma exceção na regra do comportamento dos homens. Ele não tem nada de especial por isso, fez o correto e esteve comigo durante o processo. Compramos o Cytotec, um remédio que custava cerca de R$ 500. Ele trabalhava no telemarketing e eu era estudante de teatro, residente do interior na capital. Nem aventuramos a possibilidade de uma clínica. Depois eu fui descobrir que elas existiam. Clínicas caras, que cobram até R$ 4 mil. Enfim, mergulhei nos sites feministas para saber como usar o remédio. Meu sentimento com a gravidez não foi em momento nenhum o de alguém que carregava um bebê, não humanizei. Eu não sabia que existe uma dosagem correta que a mulher deve tomar do remédio
para abortar, uma conta com o corpo, peso e tempo de gravidez. Quem domina isso são os médicos, o poder deles sobre os nossos corpos é muito grande. Tomei dois comprimidos de Cytotec e coloquei dois no colo do útero. Foi o momento em que me perguntei: “Permanecerei viva? Não sei se vou morrer”. Contei apenas com a boa vontade dos meus amigos que estavam com o carro, preparados caso acontecesse alguma coisa. Fiquei bem, com uma cólica normal, muito mais abalada psicologicamente do que qualquer outra coisa. Porém, 15 dias depois, tive uma hemorragia transvaginal de muitas horas e tive de enfrentar o que eu não queria: o tratamento do Estado com as mulheres que abortam. Peguei ônibus e me desloquei de hospital para hospital para que me atendessem. Fiquei com hemorragia por oito horas e passei 24 horas de agonia. Nos hospitais públicos, se parece que você abortou, já não importa. A mulher é maltratada e humilhada. Eu sangrava muito e não me davam nem um absorvente noturno. E por minhas pernas descia sangue, descia sangue e mais sangue. Um banho que fosse, não me davam. Afinal, não precisa dar banho em uma mulher que abortou, ela merece estar sangrando, morrendo. Ouvi aquilo que muitas mulheres ouvem: ‘Aqui é lugar de nascer, não é lugar de morrer’. A médica que enfim me atendeu ficou espantada que eu ainda estava viva depois de sangrar tanto. Eu nem precisava mais de curetagem.
O percurso foi esse. Fiquei muitos meses sem nem sonhar com um ginecologista colocando a mão em mim. Na verdade, olho para a cara deles e penso que esta classe de fato precisa ser popularizada. Quando enfim fui a uma consulta senti muito medo. Não sabia como estava meu corpo e pensava: Será que meu útero está bem? Será que eu ainda posso ter filhos? Se eu tivesse sido mãe, como estaria a criança? Minha mãe, na época, tentava conseguir um plano de saúde, eu dizia que estava com dor de estômago, e ela nem imaginava que eu havia sofrido uma hemorragia. Logo depois acompanhei um processo de abortamento dentro da família. Foi quando contei para minha mãe e para os meus familiares o que tinha acontecido. Fui me dando conta de quantas mulheres de quantas famílias já abortaram, entendendo que nós somos milhões. Da onde é que vem essa ideia de controlar o corpo feminino? Porque estão fazendo isso nos hospitais com as jovens grávidas ou em processo de abortamento? Controlar a função reprodutiva das mulheres ainda é mais importante do que salvar as suas vidas. Fiquei alguns meses guardada, sem falar. Mas no mesmo ano em que abortei, comecei a puxar esse debate nos movimentos em que eu militava. Me lembro que na primeira vez em que falei sobre o meu aborto, em uma roda de diversas mulheres trabalhadoras, chorei muito. Uma senhorinha havia dito que “não conseguia entender como uma mulher é capaz de abortar, se ter filho é uma benção”. Eu achava que, em um movimento de mulheres, todo mundo deveria ser a favor da legalização do aborto. Então, foi quando relatei a minha experiência.
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Nos hospitais públicos, se parece que você abortou, te maltratam e te humilham. Por minhas pernas descia sangue e não me davam nem um absorvente noturno”
1 milhão de abortos são realizados
por ano no Brasil
250 mil
resultam em internações
por complicações
• Aborto clandestino não é necessariamente inseguro. Pode ser feito em clínicas clandestinas, porém com todas as condições de saúde e higiene. Só que custa caro.
Maíra Guedes em performance artística
Depois desse episódio desandei a falar. Todo o espaço que tinha como falar, eu falava. O interessante é que outras mulheres também se abriam. Fui encontrando grupos de pesquisa e a própria Marcha Mundial das Mulheres, que tem anos de organização em torno da militância feminista. Nas últimas décadas a luta pela descriminalização do aborto ganhou um corpo popular, mas está debaixo do guarda-chuva da luta pelo fim da violência contra as mulheres. Na grande imprensa vemos revistas como a Veja, a IstoÉ e a Época estampando em suas capas jovens brancas como a representação hegemônica do feminismo no Brasil. Mas isso não é real, nunca foi. A burguesia brasileira sempre tenta se apropriar da luta das mulheres. A bandeira política da legalização do aborto está diretamente relacionada à defesa da vida da mulher negra e à luta contra o genocídio do povo negro. Quem morre abortando? Essa pergunta é fundamental.
• Por aborto inseguro, a Organização Mundial de Saúde entende a interrupção da gravidez praticada por um indivíduo sem os conhecimentos necessários ou em ambiente sem condições de higiene. O risco de vida, no aborto inseguro, é mil vezes maior.
Porque no Brasil ainda não foi legalizado o aborto? O corpo negro feminino se não for apropriado é exterminado para formação social e econômica brasileira. Não temos como avançar no debate da legalização do aborto sem pensar nas estruturas de poder que controlam os corpos femininos. Quem é o Eduardo Cunha (PMDB), presidente da Câmara dos Deputados, se não a expressão máxima da violação de forças e de uma ausência de projeto político de país? O debate sobre o aborto é um ponto dentro de uma discussão maior de liberdade e defesa da vida das mulheres. Por que isso não é importante para as nossas elites, para a burguesia interna brasileira? Do que eles têm tanto medo? Daí Plinio, O velho, diria que o aborto inferioriza os homens e que é assustador uma mulher que pode controlar o seu próprio corpo. Pode colocar meu nome, já posso falar do meu aborto.
RELATO DE PETRA*
Minha experiência com o aborto foi no dia 17 de dezembro de 2014. Em novembro a gente transou sem camisinha e meu namorado ejaculou dentro de mim. Descobri que estava grávida no aniversário do meu pai, dia 5 de dezembro. Fomos jantar para comemorar e eu não consegui terminar o prato, estava meio enjoada. Mas nem pensei que pudesse ser isso. No dia seguinte meu namorado apareceu em casa com um teste de gravidez. O resultado foi positivo, achei que estava errado. Não sabia que não existe falso positivo. Compramos outro teste e deu positivo de novo. Puta, e agora? Embora a gente tivesse discutido um pouco sobre a possibilidade de ter um filho, eu não queria. Estava no primeiro ano da faculdade e ele no segundo. Começamos a procurar clínicas e fui no ginecologista. O médico disse que eu estava com seis semanas, passou o contato de uma clínica que cobrava R$ 4 mil e me deu também a opção de usar o Cytotec, que é mais barato. Eu e meu namorado tínhamos juntado dinheiro para viajar e decidimos pagar uma clínica, porque ia ser melhor para mim. Onde era a clínica? Um hospital na zona sul, chique, no último andar, na última portinha, lá no fundo. Quando entrei lá dentro, provavelmente todo o hospital já estava sabendo daquilo, até a polícia. Fui super bem atendida, tive toda a indicação de como aconteceria, explicaram que meu namorado não poderia entrar na sala comigo. Ele esteve ao meu lado durante o processo e foi um bom companheiro. Eu queria que ele entrasse comigo. Por mais que eu soubesse que estava fazendo um aborto seguro ainda batia uma insegurança. Enfim, eu fui sozinha, deitei na sala. O médico avisou que iria aplicar anestesia na minha veia e depois disso tudo, a única coisa que eu me lembro foi eu acordando em outra sala. Acordei sentindo muita dor, chorando de cólica e não tinha sacado que o procedimento já havia acabado. Não contei para a minha mãe na época, não queria desesperá-la com isso. Ela continua sem saber que abortei. Para mi-
nha irmã contei depois de um tempo e ela me disse que também já tinha abortado. Falei para poucas pessoas. Agora estou tentando abrir mais isso. É importante lembrar o fato de que a gente tinha R$ 4 mil. Tive a sorte de nascer em uma família de classe média, lógico, e conseguir pagar esse dinheiro para fazer um aborto seguro. Não foi um trauma, não penso nisso até hoje, fiquei apenas duas semanas grávida. Às vezes as pessoas falam em instinto materno, eu não tive. Nunca achei que isso iria acontecer comigo, mas depois que abortei pensei: “Bom, acontece”. Você sente que não vai ter ninguém do seu lado e ao mesmo tempo você quer esconder isso das pessoas. Tenho muitas amigas feministas e eu sou uma das que ajudou a criar nosso coletivo. Nunca me abri, nunca pedi ajuda para elas. Esse tema ainda é muito estigmatizado, um tabu. Comecei a pautar o aborto nas reuniões, ainda não falamos muito, mas eu bato nessa tecla. Teve um ato há um mês pela legalização do aborto em São Paulo, no Largo da Batata, com apenas 80 mulheres. Fui a única que apareceu do meu coletivo. Para que a esquerda está lutando? E as feministas? Eu realmente não sei. Mas nos atos Fora Cunha aparece bastante gente, sendo que ele é um dos principais que falam contra o aborto. *Petra é um nome fictício
VEIAS ABERTAS DO PANTANAL
Entre Brasil e Bolívia, uma fronteira separa o povo Chiquitano do acesso à terra e ao trabalho digno REPORTAGEM DE HENRIQUE SANTANA mãe? Eu não lembro “ A minha muito bem. Eu morava na
Seu nome? Mercedes Garcia Gomez. Os sobrenomes não lhe pertencem. O último é de seu já finado marido e o outro vem de seu “pai de criação”, um fazendeiro com algumas terras no interior do município.
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Bolívia e quando eu vim para o Brasil eu era muito pequena. Tinha o tamanho das minhas netinhas, esse tamanho aqui ó...” Com as paredes de alvenaria ainda sem reboco, na casa de Dona Mercedes, um altar com alguns santos e uma vela acesa sobre a mesa dão as boas vindas a quem entra. O fim de tarde era quente no município de Cáceres (MT), no coração do Pantanal, a alguns quilômetros da fronteira com a Bolívia. Ali, sob a luz da vela, na residência de poucos cômodos na periferia da cidade, a senhora de uns 60, 70 anos começa a contar sua história. Mercedes nasceu em um pequeno povoado chiquitano, povo indígena que tradicionalmente ocupa a região fronteiriça do Brasil com a Bolívia. Ainda muito nova, viu, surpresa, bater em sua porta um casal. Eram os Garcia: seu Ezi e a esposa, Julia. “Veio ele e a mulher, estavam caçando menina para cuidar dos filhos
Veio ele e a mulher, estavam caçando menina para cuidar dos filhos dele. Eles não me davam salário, me criaram como filha deles"
dele. Eram quatro: duas meninas pequenas e dois gurizão maior”, lembra. Na época, o pai de Mercedes - que ela mal conheceu - havia abandonado a mulher e mudado para o Brasil, provavelmente atrás de uma vida melhor. As poucas terras que sobraram para o povo Chiquitano e os séculos de exploração promovidos pelos fazendeiros, aos poucos, expulsaram as comunidades para fora dos povoados, o que os forçou a habitar as periferias das cidades. Com o pai no Brasil, o sustento da família ficou por conta de sua mãe, que logo se arranjou com um outro esposo. “Eu tinha medo desse marido da minha mãe, então eu fui embora, cuidar dos filhos de seu Ezi”, conta. Mercedes carrega admiração pelos Gar-
O povo Chiquitano se formou ainda no período colonial, nas missões jesuíticas que penetraram o centro-oeste brasileiro em um processo de catequização indígena. Na região fronteiriça do Brasil com a Bolívia, os aldeamentos feitos pelos jesuítas agruparam diversas etnias. A mistura dessas etnias, que viviam nos povoados das missões, deu origem aos Chiquitanos.
cia, que, nas suas palavras, “eram muito bons, pessoas boas, pessoas honestas”. Sorri ao lembrar das manias que pegou de seu pai de criação: “Aqui em casa é que nem era na casa dele. Se chega alguém, eu logo ofereço o que tiver, são coisas que eu peguei dele”. - E seu Ezi? Dava um salário para a senhora cuidar dos filhos? - Não! Eles me criaram como filha deles, como se eu fosse da família. Me criaram muito bem, graças a deus. Depois que saiu da casa de sua mãe, Mercedes não voltou mais. Casou, saiu da fazenda dos Garcia e foi morar em Cáceres. Ainda assim, alguns vínculos sobraram. Antes de se casar ela já carregava nos braços uma filha, que acabou sendo criada pela avó, na Bolívia.
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A minha mãe? Eu não lembro muito bem. Eu morava na Bolívia e quando eu vim para o Brasil eu era muito pequena. Tinha o tamanho das minhas netinhas, esse tamanho aqui ó”
Fico curioso e pergunto sobre sua mãe. Entusiasmada com o interesse pela história, Dona Mercedes desanda a falar: - A minha mãe veio pra cá umas duas vezes, depois não voltou mais. Ela não tinha raiva de eu ter saído de lá, só falava que queria me levar de volta, mas eu não ia, né? Hoje vai fazer dois anos que ela morreu. Minha filha, que mora na Bolívia, e os meus netos ainda vêm me visitar. Eu só me arrependo de uma coisa: quando minha mãe veio para cá, ninguém pensou em tirar uma foto dela pra mim. Isso eu sinto até hoje. 19
O CERCO DOS FAZENDEIROS A história de Mercedes pode não impressionar a primeira vista, não fossem as estranhas coincidências que permeiam sua trajetória e de outras tantas mulheres Chiquitanas da região. O relato de Salomão, nascido nos rios que banham o Pantanal e fervoroso militante de Cáceres, oferece elementos para entender a questão:
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Eles buscavam as crianças nas comunidades indígenas para serviços domésticos, como cuidar dos filhos e da cozinha. Isso era feito em troca de um salário miserável, ou simplesmente em troca de alimentação” Salomão iniciou sua militância na igreja, carregando por muitos anos o título de padre.
“Em um encontro que organizamos, com cerca de 30 mulheres descendentes do povo Chiquitano, nós fomos percebendo uma coisa em comum. Várias delas saíram de suas famílias muito cedo, tiradas por fazendeiros que levavam essas meninas para trabalhar em suas casas. Eles buscavam as crianças nas comunidades indígenas para serviços domésticos, como cuidar dos filhos e da cozinha. Isso era feito em troca de um salário miserável, ou simplesmente em troca de alimentação.” Salomão iniciou sua militância na igreja, carregando por muitos anos o título de padre. Com a intensificação de suas ações, o cardeal regente da região laçou a corda em seu pescoço, e disse que ele teria que fazer a sua escolha: o povo ou o clero. A resposta foi óbvia, e Salomão seguiu encabeçando diversas lutas em Cáceres, atuando com os movimentos de terra e de preservação socioambiental. Pelo trabalho promovido em conjunto com os indígenas, organizando rodas de prosa e tentando reconstituir a identidade cultural chiquitana, um bombardeio de ameaças começou a pairar sobre sua cabeça. “Isso aconteceu porque nós estávamos batendo de frente com as fazendas da região. Não porque estávamos trabalhando com o povo indígena, e sim, porque os fazendeiros estavam perdendo sua mão de obra barata”, conta. A exploração dos povos tradicionais no Mato Grosso não é exclusividade das mulheres. De acordo com Salomão, são muitos os casos de indígenas que vão atrás de emprego nas fazendas e, pela falta de opção, acabam se submetendo a salários miseráveis. “Um trabalhador deveria ganhar uma diária de R$ 50, R$ 60, mas nós vemos homens bons de trabalho ganhando R$ 9, R$ 10, por dia.”
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Os fazendeiros pegam essas mulheres para fazer de tudo, de dama de leite até iniciação sexual dos filhos. Esse tipo de caso é bem frequente”
A QUESTÃO CHIQUITANA O antropólogo Aloir Pacini, autor de uma tese de doutorado sobre a questão chiquitana na fronteira entre Brasil e Bolívia, explica que, com o fim das missões jesuíticas no período colonial, os Chiquitanos ficaram à mercê dos ruralistas, que começaram a ocupar o antigo território das missões e explorar a mão de obra dos indígenas. “Isso foi feito de maneira muito dramática e essa realidade continua até hoje. No caso do Brasil isso é ainda pior. Com a demarcação da fronteira, toda essa área que fazia parte do território chiquitano tornou-se território brasileiro. Isso fez com que os chiquitanos começassem a ser tratados como estrangeiros bolivianos”, explica. Aloir endossa o depoimento de Salomão. Segundo ele, são muitos os casos de trabalho análogo à escravidão na região. A situação de vulnerabilidade gerou dificuldades de sustento para as famílias indígenas, criando um ambiente propício para a exploração. “Os fazendeiros pegam essas mulheres para fazer de tudo, de dama de leite até iniciação sexual dos filhos. Esse tipo de caso é bem frequente. Eles levam essas meninas para serem criadas como enteadas, mas na realidade são situações de total exploração.” O problema se agrava ainda mais com a conivência do poder público. No Mato Grosso - e em outros tantos estados do Brasil -, a figura do político se confunde facilmente com a do fazendeiro, uma junção de poderes que vêm massacrando populações indígenas há pelo menos 500 anos. Aloir conta de um caso que presenciou em 2005, época em que foi até a frontei-
ra boliviana desenvolver sua tese. “Quando eu fui, o Governo do Estado do Mato Grosso, deputados e senadores, estavam organizando uma audiência pública e pressionando de forma muito violenta os chiquitanos. Um vereador de Porto Esperidião [município vizinho de Cáceres] pediu a palavra e falou que era Chiquitano diante do público. Nesse momento, arrancaram ele de dentro da Assembleia e jogaram para fora do ginásio.” De acordo com o antropólogo, a pressão dos ruralistas também impede o reconhecimento do território tradicionalmente ocupado pelos indígenas. “A Funai [Fundação Nacional do Índio] não tem força para demarcar as terras, porque todos os políticos tem propriedades naquela região. Os fazendeiros fazem de tudo para expulsar as comunidades chiquitanas de lá. E, se sair uma vez, para retornar é muito difícil.” Nas últimas décadas, o tráfico de droga para o Brasil também se apropriou da situação de vulnerabilidade indígena. Muitas Chiquitanas passaram a ser usadas de mula para atravessar a fronteira, o que gerou uma alta porcentagem de prisões, com números alarmantes de mulheres encarceradas à reboque do tráfico. Poucos Chiquitanos sobraram na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia. Com a pressão dos fazendeiros, a falta de emprego e as poucas terras, os indígenas foram expulsos para as periferias das cidades vizinhas. Ainda assim, algumas comunidades seguem resistindo, e protegendo as nascentes de água e seu território tradicional. Segundo Aloir, o cerco em torno dos indígenas pouco comove os moradores da região. “O povo de Cáceres, sobretudo a elite, é muito contrária aos chiquitanos e às demandas indígenas, porque, de alguma forma, eles cresceram tomando suas terras e é isso que ocorre até hoje.”
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Declarações de Cascão e Helião para a série O que é o Rap? da Vaidapé sobre a exposição da cultura hip-hop em grandes veículos de comunicação. ACOMPANHE A SÉRIE EM VAIDAPE.COM.BR
O RAP NA TEVÊ
ILUSTRAÇÃO DE GLAUBER BENTO
CASCÃO TRILHA SONORA DO GUETO
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O cara não tá errado por mudar. Na minha opinião, o cara tá errado de não admitir a mudança. Ficar disfarçando, falando: ‘Eu evolui’. Evoluiu não. Dá a cara pra bater e fala: Eu mudei, e se meu público não quiser gostar mais de mim, não gosta. O que eu sou contra, é ficar [falando]: ‘não, tem que evoluir’. Evoluir aonde rapaz? Evoluir você e mais quatro indo na televisão, e o seu povo lá a polícia matando. Que evolução é essa? Eu acho que pessoas que se taxavam revolucionárias mudaram, só faltou assumir que não tem mais bandeira.”
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HELIÃO RAPAZIADA DA ZONA OESTE (RZO) Playboy não assiste Rede Globo, mano. O público da Rede Globo é periférico e favelado. Todas as vezes que eu fui na Globo eu encontrei cara da Febem [Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, atual Fundação Casa], falando: ‘Pô, nós vimos vocês lá. A Febem ficou duas semanas em paz’. Encontrei cara da cadeia, quando eu ia na favela buscar um baseado, trombava os bandidos lá [e eles falavam]: ‘Pô, na cadeia nós vimos e fizemos a maior festa, Helião.’ Encontrei gente que tava hospitalizada que falou assim: ‘Pô, até melhorei de ver vocês lá.’ Eu sempre fui um cara que curtiu os artistas do povo, e os artistas do povo estavam no rádio e na televisão. É isso que eu queria ser, e é isso que eu vou ser. Eu não vou criticar a estratégia de trabalho dos meus amigos de profissão, mas tem que respeitar a nossa. E a nossa estratégia de trabalho é essa. Acho que o maior guerreiro é o que luta no campo inimigo. Não é o que faz fortaleza de quebrada e fica esperando vir, tá ligado?”
RELATO POR GISLANE GOMES, ESTUDANTE SECUNDARISTA DA E.E. PLÍNIO NEGRÃO
O
ano de 2015 fez história, graças às ocupações. Mesmo com a truculência do governo Geraldo Alckmin (PSDB), em São Paulo, e Beto Richa (PSDB), em Curitiba, nas ações contra os professores em greve nos dois estados, as ocupações das escolas em SP representaram uma luz no fim do túnel . Começamos com o intuito de barrar a reorganização, mas dentro das ocupações tivemos uma perspectiva totalmente diferente. Não estávamos apenas nos mostrando contra a reorganização, estávamos também cuidando da escola. Trouxemos atrações artísticas, aprendemos mais sobre política e, de alguma forma, construímos um processo que foi além da reorganização. Por isso, hoje, graças às ocupações, muitos estudantes se politizaram e começaram a enxergar o mundo com outros olhos. Como todos sabem, as ocupações foram a forma que os estudantes secundaristas encontraram para se manifestar contra a reorganização escolar. Durante as ocupações, o governador acabou suspendendo a reorganização para 2016, mas sabemos que não é isso que vêm acontecendo. Ao invés de fechar escolas, ele passou a fechar salas. Está o maior transtorno. A nossa página no Facebook, “Plínio Negrão em Luta”, está bombardeada de reclamações: alunos sendo remanejados, uma turma foi fechada. Até os pais estão reclamando. Assim, podemos ver que a reorganização de Alckmin está acontecendo, e causando a
maior desorganização. Por isso, devemos continuar nos articulando e mostrando que somos contra essa grande desorganização na rede estadual de ensino. Com todos esses problemas - fechamentos de salas, remanejamentos de alunos, salas de aulas antigas, com mais de 50 anos, etc. - dá para perceber o que aconteceria se a reorganização fosse aplicada este ano. Ainda bem que não foi, mas ela continua sendo um problema. Tanto para os alunos que participaram das ocupações e se mostraram contra, quanto para os pais, que perceberam que o governador promoveu, na verdade, uma grande bagunça! E é por isso que a luta vai continuar! Mesmo com esses problemas, as ocupações deixaram uma grande lição: você pode fazer uma escola diferente. Muitos colégios começaram o ano letivo de uma forma diferente. Os alunos passaram a dialogar mais. Através de assembleias, mudaram a forma de organização das carteiras, estão cuidando do ambiente escolar e tendo mais aulas culturais. Saiu daquela forma padrão que muitos reclamavam. Isso é um avanço! Nesse ano, vários alunos que participaram das ocupações concluíram o Ensino Médio, mas como a educação é um tema que diz respeito a muitos, todos devem lutar por essa causa. Por condições melhores, por uma escola de qualidade, por algo que saia dessa tradição, que saia desse modelo que não agrada a maioria. Uma última coisa que todas as ocupações ensinaram, independente do tempo de duração, é que não podemos ficar calados, nem de braços cruzados. Continuaremos a lutar…
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RELATO POR ALAN QUEIROZ, ESTUDANTE SECUNDARISTA NA EXTENSÃO BARÃO HOMEM DE MELLO DA ETEC PARQUE DA JUVENTUDE
M
eu nome é Alan, tenho 15 anos e sou morador da Brasilândia, zona norte de São Paulo. Faço parte do movimento secundarista e estudo na extensão Barão Homem de Mello da ETEC Parque da Juventude, uma das escolas que seria fechada no plano de reorganização do governador Geraldo Alckmin. Durante o plano de ocupação, e na própria ocupação, eu conheci pessoas fantásticas que nunca pensei que frequentassem aquela escola. Sempre fazíamos debates na cozinha e no pátio. Limpávamos a escola dia sim, dia não, pedíamos comida nas casas em volta e sofríamos ameaças, tanto da PM, quanto de alguns moradores da comunidade. Tinha dia que nós não tínhamos o que comer lá dentro. Tudo isso provocou uma evolução muito grande dentro de cada pessoa. Acredito que em todas as ocupações foi assim. Hoje só tenho a agradecer a ocupação, mano. Quando eu me lembro dessa época, automaticamente já vem na minha cabeça: o “Alan antes da ocupação” e o “Alan depois da ocupação”. Eu fico feliz por ver o quanto eu evoluí e tudo que aprendi dentro daquela escola. Hoje, se precisar, eu lavo a louça sem nojo, esfrego o chão sem dó e tento passar o máximo de informações possíveis para meus amigos e todos que estão em volta de mim. Como eles não vivenciaram isso, não vão acreditar em tudo, mas é sempre importante dialogar para que eles compreendam. Depois da ocupação, eu, junto com a galera das ocupas do Barão e do PJ (Parque da Juventude), fui em atos do Movimento Passe Livre (MPL). A partir daí conheci uma outra galera e montamos uma frente de luta da ZN. Já montamos eventos como o “Rap Contra a Tarifa”, a exibição do filme “A Revolta do Buzu”, rodas de conversas e catracaços. Continuo bem ativo nos
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movimentos, mesmo depois da ocupação. O plano de reorganização está rolando. Várias escolas estão com muitas salas fechadas e, além disso, tá tendo desvio de merendas. Estamos pensando em uma forma de mostrar isso pra galera. Graças à ocupação, montamos um grupo de ativistas no Barão e estamos fazendo alguns projetos para a melhoria da escola. Uma das ideias mais bacanas é o “Barão em luta contra a dengue”, em que nós alunos vamos nos unir para fazer a limpeza de uma parte da escola que tem água parada. Também estamos organizando uma festa para arrecadar grana para a escola. É muito gratificante olhar para o Barão e ver todos alunos lá estudando, se divertindo, e perceber que tudo o que fizemos, passamos e sofremos não foi em vão! Bom... eu só tenho a agradecer tudo que aprendi dentro daquele espaço. Agradecer a galera da ocupação do PJ, pois essas pessoas nos ajudaram muito com alimentos e apoio de várias formas. Agradecer ao Luis, Nena, Carla, professor Lucas, Popoto e a todos que apoiaram a ocupação. Mas, principalmente, à galera fantástica com quem eu passei muito tempo lá dentro. Muito obrigado Eric, Slim, Matheus, Nagylla, Mayara, Carolayne e Vitória, vocês são fodas demais. Eu evoluí muito com vocês e estamos sempre juntos, rapaziada! BARÃO, ESCOLA DE LUTA !
ILUSTRAÇÃO POR ROBINHO SANTANA
o GENOCÍDIO
Quem morre, quem mata e quem sofre nas periferias de São Paulo
REPORTAGEM DE IURI SALLES E THIAGO GABRIEL
OS FILHOS
G
rajaú, extremo sul de São Paulo. 22h30. Sexta feira, 16 de outubro de 2015. No ponto de ônibus, a espera pelo coletivo entediava as cerca de 20 pessoas. A 50 metros, uns oito ou nove disparos anunciavam mais uma noite de morte no distrito da zona sul. A vítima segue a regra: preto, pobre, jovem. O autor da tragédia também, exceto pelo figurino diferenciado, algo mais casual para o momento. O cabo da PM, Evandro Gonçalves Xavier, matou, fora de serviço, o estudante Yago Ikeda Barreto Pedrosa Araujo, de apenas 16 anos. Diante do desespero, e até mesmo da inconsequência, alguns dos passageiros que aguardavam o busão sobem até o corpo de Yago para socorrê-lo. Entre eles, nossa testemunha, cujo relato baseia a reconstituição do caso nesta reportagem, e que terá sua identidade preservada. Ela foi uma das primeiras pessoas a chegar, um minuto após os tiros. A primeira impressão foi que os barulhos eram de fogos de artifício. O jovem já não respondia. Havia sido alvejado pelas costas. O policial “à paisana” só apareceu
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depois dos transeuntes. Ele se identificou, contou que havia sofrido uma tentativa de roubo por parte de Yago, e que já estaria acionando a corporação. Transparecendo calma e naturalidade, Evandro não aparentava estar abalado, e passava “a sensação de dever cumprido”. A chance de defesa de Yago: “Nenhuma. Do jeito que ele correu, ele caiu no chão”. Segundo o relato, o jovem não estava armado quando caiu morto, contrariando a versão apresentada pela polícia. A história oficial, registrada em B.O, relata que o cabo Evandro Xavier comprou um aparelho celular em um site na internet, e marcou o encontro para buscar a compra em uma viela, entre as ruas Domênico Cimarosa e a Avenida Grande São Paulo. Ao chegar, se identificou para um jovem como comprador. O jovem teria anunciado um assalto e mandou o PM lhe entregar o dinheiro, afirmando que seu comparsa estava armado no fim da rua. Evandro disse que sacou sua arma e identificou-se como policial. O relato dá conta de que, neste momento, Yago, então no fim da
rua, atirou contra Evandro, que disparou de volta e o atingiu. Ele começou a correr, mas logo caiu morto. Ainda segundo o B.O, dois jovens se aproximaram do corpo de Yago, pegaram sua arma e fugiram de carro. Yago ficou desaparecido por quatro dias após a ação do policial. Seu corpo só foi identificado no dia 20 de outubro. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública se manifestou apenas por meio de nota oficial, informando que “o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) investiga o caso. Agentes do departamento buscam outras testemunhas e imagens de câmeras de monitoramento no bairro do Grajaú”. A tia da vítima, Rosângela Gonçalves de Araújo, falou em entrevista à Ponte Jornalismo: “Como sobrinho, como ser humano, o Yago foi uma criança maravilhosa. Era respeitador, amoroso, nunca tive nenhuma discussão. Só paz e amor. A mãe dele é muito trabalhadora. Por isso, ele vivia muito com a avó. O que mais dói, como tia, é que não pude aproveitar o tempo com ele. Não foi suficiente o tempo de vida dele. Já dá saudade”.
OS ASSASSINOS “Um policial que eu entrevistei, me falou que começou com idealismo, ou seja, a qualquer custo fazer ‘justiça’ com as próprias mãos, que ele não acreditava no sistema. Mas depois virou um transtorno de comportamento, a ponto dele dizer que precisava matar alguém toda semana, se tornou um vício. Então é um transtorno de comportamento grave.”A afirmação é do tenente-coronel aposentado da Polícia Militar, Adilson Paes, que entrevistou diversos policiais envolvidos em crimes para a realização de sua tese de mestrado na USP. A dissertação se transformou no livro “O Guardião da Cidade”, que investiga as razões estruturais que envolvem a violência policial. “Eles chegaram a declarar pra mim que o exercício da autoridade permitia que eles fizessem de tudo em nome da segurança, e o atributo do poder de polícia significava ter super poderes, justamente para poder fazer de tudo em nome da segurança”, conta Paes, baseado nas entrevistas que realizou. “Tanto é que, quando eles são presos, eles se sentem injustiçados. Qual que é a palavra deles: ‘Eu faço de tudo, arrisquei minha vida, a vida da minha família, minha liberdade, em nome da sociedade. E agora a sociedade me critica quando eu sou preso’”, completa.
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Depois virou um transtorno de comportamento, a ponto dele dizer que precisava matar alguém toda semana, se tornou um vício. ”
Através da pesquisa, Adilson constatou traços marcantes no comportamento destes policiais que praticam execuções: “Os policiais ligados com execuções sumárias falavam: ‘não tinha como não perceber que a gente estava agindo num caminho diferente, e não tinha como não saber que a gente estava fazendo a coisa errada. E, apesar disso tudo, ninguém nunca tomou alguma medida para a gente parar. Nós paramos quando nós fomos presos’”. Sobre isto, Adilson analisa a responsabilidade da corporação: “Acho que nessa omissão, nessa insensibilidade, acabaram estimulando essas práticas”. O tenente-coronel constata ainda uma motivação financeira para a atuação de grupos de extermínio: “Comerciantes ou pessoas da periferia que não confiam no sistema contratam policiais militares para matar pessoas que estão praticando delitos no seu estabelecimento comercial, ou praticando crimes em determinada região”, relata Adilson. Quando perguntado se eles agiam, portanto, como matadores de aluguel, afirma: “Sim”.
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As mães que conseguiram se salvar arrancaram trompa, útero e ovário, algumas já estão com diagnóstico. Eu não vou no médico porque eu não quero receber esse diagnóstico. Eu quero receber o diagnóstico da morte assim: acabou. Mas eu vou morrer lutando, porque eu não tenho medo.”
AS MÃES Os olhos de guerreira da mãe Débora Silva Maria alcançam uma luta intensa e que não pretende se esgotar. Ela perdeu seu filho nos Crimes de Maio de 2006, em que 564 pessoas foram mortas durante uma represália da Polícia Militar, após ataques organizados pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). A maior parte das vítimas foram jovens negros da periferia, executados entre os dias 14 e 17 de maio, por grupos de extermínio ligados a policiais militares. Entre os jovens assassinados estava Edson Rogério Silva dos Santos, filho de Débora, morto no dia 15 de maio, um dia após o Dia das Mães. “Meu filho trabalhou e, depois de uma jornada de
O ANO DE 2015 TEVE UMA MÉDIA DE
2 MORTES POR DIA
CAUSADAS PELA POLÍCIA DE SP
Segundo dados da própria Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, 750 mortes foram causadas por policiais militares e outras 48 por policiais civis.
NO TOTAL, FORAM 780 MORTES.
No mesmo período 16 policiais foram mortos em serviço, 13 militares e três civis.
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oito horas, a polícia dele [governador Geraldo Alckmin, do PSDB] matou meu filho. Ele era um gari, varrendo o lixo da nossa sociedade, mas não conseguiu varrer o lixo do poder. A gente não quer os policiais que apertaram o dedo, quem tem que mostrar pra nóis é o governador”, conta a mãe, que desde a morte do filho, compõe junto com outras mães a luta contra “uma cultura de higienização da pobreza, [que] tá na ponta da metralhadora da polícia, do Estado”. Desde 2006, Débora é uma das fundadoras e coordenadora do Movimento Mães de Maio. O grupo luta para que a justiça seja cumprida para os assassinos de seus filhos, e dos “filhos” não-sanguíneos, toda a juventude da periferia, que sofre com as ações policiais que escorrem “sangue nosso!”, como afirma Débora. A luta é sofrida. Débora conta que, prestes a completar dez anos de movimento, “nós perdemos já três mães de maio, nós perdemos mães do maio continuado. Essas mulheres estão morrendo de câncer. O câncer é uma mágoa. É a mágoa que a gente têm da invisibilidade que o Estado faz perante essas mulheres. Nós não temos acompanhamento médico. É um grito, é um direito”. Assim como o suporte médico e psicológico às vítimas da violência estatal, as reivindicações das mães também são negligenciadas. “A gente não tem como combater os grupos de extermínio, porque os poderosos que dizem que são dos direitos humanos, de humano não têm nada. Eles
não têm coragem de dar as mãos pras mães e dizer: ‘Vamos derrubar esse sistema’. Direitos humanos somos nós, nóis por nóis, que sofre no gueto. As mães são as verdadeiras donas dos direitos humanos.” As dificuldades enfrentadas pelo movimento passam por ameaças, intimidação, invisibilidade e, principalmente, a angústia de assistir a perpetuação de um extermínio da juventude negra, tão combatido pelas mães. Policiais militares do estado de São Paulo mataram 11.358 pessoas, nos últimos 20 anos. Débora analisa: “Há 20 anos, só retrocessos. Só que a periferia ainda não acordou. O dia que acordar, todos eles correm. Meu sonho era de ver a favela tomar o seu espaço, que é a rua. Ocupar a rua por direito, e isso ela ainda não faz. Todos engessados na cultura do medo. Então é onde o sistema ganha poder, porque a cultura do medo está em primeiro lugar.” O gatilho da arma policial, o martelo do juiz, a criminalização por parte da mídia e a “caneta assassina” - termo que Débora utiliza para se referir à falta de fiscalização por parte do Ministério Público - aceleram “o processo da marcha fúnebre dentro das nossas periferias do nosso país”. Mesmo diante desse cenário, seguem, mães e filhos, na busca por justiça e igualdade. Débora demonstra um pouco do sentimento dessas mães quando enfrentam o julgamento dos responsáveis pela morte de seus filhos: “É triste você se deparar com quem matou teu filho. Eu não quero ter esse ódio dentro do meu coração, porque eu não quero essa dor para mãe do assassino do meu filho, e eu não quero o mesmo mal pro assassino do meu filho. Eu quero que eles estejam de pé. Tanto ele, como a mãe dele, para assistir a nossa revolução, que é desmilitarizar a polícia e tirar a farda podre que está em cima do filho dela”.
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Só que a periferia ainda não acordou. O dia que acordar, todos eles correm. Meu sonho era de ver a favela tomar o seu espaço, que é a rua. Ocupar a rua por direito, e isso ela ainda não faz. Todos engessados na cultura do medo. Então é onde o sistema ganha poder, porque a cultura do medo está em primeiro lugar.”
DE CADA CINCO PESSOAS QUE SÃO MORTAS NO ESTADO DE SP, DUAS SÃO MORTAS PELA POLÍCIA
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Ode ao retrocesso POEMA DE KADU BRAGA
De onde viemos? Para onde vamos? Onde chegamos? Passa dia, passa hora, passa ano Passa década, passa século, passa milênio. E cá estamos? Passou-se tribos, povos, Passou-se acumulação primitiva de capital; Passou-se feudos, passou-se reinos, passou-se impérios e repúblicas. Passou-se exploração, passou-se colônias, passou-se colonizados. Passou-se democratização. Passou? A história segue, página a página. Vitória após vitória. Vencemos? Hoje em dia “vale mais” quem fala menos. “ Sabe mesmo “ quem não sabe nada. “ Fala bem “ o que diz pouco. Escuta mesmo quem lê o silêncio.
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FOTO POR ANDRÉ ZUCCOLO
O GRITO DO PÉ PRETO
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m 2015, participamos e ajudamos a organizar dezesseis eventos no Calçadão Cultural do Grajaú. O projeto Grito do Pé Preto reuniu moradores da região durante um ano de ocupação do espaço público, com shows, batalhas de rap e break, projeções de filmes e debates
Um salve a todas e todos que participaram e suaram a camisa para fazer acontecer. Um salve aos MCs, mĂşsicos, B-boys e B-girls que deram o tom do evento e fizeram a poesia que brota das ruas ecoar no GrajaĂş.
CURSINHO LIVRE DA LAPA
Com sede na Casa Mafalda, na Lapa, zona oeste de São Paulo, o projeto foi idealizado por um coletivo autônomo e anarquista de professores e professoras. A ideia é trabalhar na construção de um cursinho que ajude pessoas da periferia a ingressar nas universidades públicas. As aulas são gratuitas e têm como foco a construção de uma educação libertária, unindo as matérias que são exigidas nos vestibulares com aulas de linguagem e política. ONDE? Rua Clélia, 185 - Lapa, SP QUANDO? De segunda a sexta-feira, das 14h às 16h. COMO? Entre em contato pelo e-mail: lapalivre@gmail.com
CINEQUEROSENE
Um cineclube gratuito, na rua, para todas as idades. Esse é o CineQuerosene, projeto idealizado pelos moradores do Morro do Querosene, na zona oeste de São Paulo. A ideia surgiu em 2013, quando o educador e cineasta Eduardo Abad, ao lado dos vizinhos D’Ollynda Brasil e Eric Rahal, montaram o cine clube na comunidade. O repertório é vasto, e vai de filmes infantis a documentários. ONDE? R. Maria Emília Leonel, 63 - Morro do Querosene, SP QUANDO? Uma vez por mês COMO? Acompanhe a programação pela página: facebook. com/cinequerosene
CAPITOLINA
A Capitolina é uma revista online independente feita para garotas adolescentes. O projeto tem a intenção de estabelecer um diálogo honesto com as leitoras, sendo acessível, interessante e inclusivo, sem restrições de classe social, raça, orientação sexual ou aparência física. Já são mais de 100 meninas contribuindo com textos, ilustrações, quadrinhos e fotos para a Capitolina. A revista também está aberta a sugestões, perguntas e, porque não, novas colaboradoras. ONDE? Na internet QUANDO? Todos os dias COMO? Acesse o site: revistacapitolina.com.br ou pelo e-mail: contato@revistacapitolina.com.br
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CASA ECOATIVA
A Casa Ecoativa fica na Ilha do Bororé, às margens da Represa Billings, no extremo sul de São Paulo. O espaço funciona como um centro eco-cultural que, a partir da mobilização de grupos de artistas e ativistas do Grajaú, promove o acesso à cultura, lazer e discussões em torno de práticas sustentáveis. O terreno estava há oito anos inativo e sem nenhuma função social. Hoje, a Casa Ecoativa mantém uma programação periódica, organizando cursos, saraus e visitas de ecoturismo, além de algumas festinhas aos finais de semana. ONDE? Estrada de Itaquaquecetuba, 7225 - Ilha de Bororé, SP QUANDO? Esporádico COMO? Entre em contato pela página: facebook.com/casaecoativa ou pelo email: eco_ativa@hotmail.com
GUETO PRO GUETO
DZ9+UM=20
O projeto cultural DZ9+UM=20 tem três anos de existência e atua na defesa e valorização das culturas e linguagens de rua na Cidade Dutra, zona sul de São Paulo. O objetivo do coletivo é equipar e ajudar crianças, jovens e moradores da comunidade para que possam desenvolver suas aptidões artísticas, musicais e esportivas. Além disso, o grupo atua na promoção do lazer nos espaços públicos, sempre trabalhando a conscientização social.
O Gueto pro Gueto é um projeto que realiza festas para promover a cultura “sound system” e trabalhar a afirmação cultural periférica. Os eventos são itinerantes e circulam por diversos bairros da periferia de São Paulo. A iniciativa também realiza workshops de danças urbanas e oficinas de grafite, sempre com o microfone aberto para que diversos artistas da comunidade possam se expressar. ONDE? Esporádico QUANDO? Esporádico COMO? Acompanhe a programação pela pagina a Lei di Dai: facebook.com/LeiDiDaiOficial
ONDE? Pista de skate da DZ9: Av. Teotônio Vilela, 1991 - Cidade Dutra, São Paulo QUANDO? Esporádico COMO? Entre em contato pela página: facebook.com/Dz9um20 ou WhtasApp: 11 97040-8971
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Coisa de Mulher
A série de ilustrações de Raquel Vitorelo homenageia mulheres que marcaram a história mundial. Dandara dos Palmares, Anita Garibaldi, Frida Khalo, Nina Simone e Malala Yousafzai são algumas das personagens. facebook.com/ rvitorelo
Lúdico
NÃO ATIRA!
ENSAIO POR MURILO SALAZAR
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epois de ter participado de outras ocupações, eu compreendo toda aquela pressão inicial de impossibilitar a entrada de externos, tanto quanto a saída de quem está lá dentro. “Ninguém mais sai!”. Nas horas seguintes, barricada, poeira, tensão, crianças chorando, barulho de vidro quebrando. “Fala baixo, porra! Cuidado onde pisa, cuidado!”. Era só o começo.
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Ao presenciar confrontos da Polícia Militar e de quem apoiava o Movimento de Luta Social por Moradia do lado de fora daquele prédio, situado na região da Ipiranga com a São João, os ocupantes revidaram com objetos encontrados no interior do prédio. Entre pias, portas, privadas, bombas de efeito moral e balas de borracha, eu me vi na posição de escudo do lado do movimento. Compreendi que esse rolê foi na base da troca.
A saída do prédio era inevitável. Seria na paz ou na força. A barricada na entrada foi muito bem feita, era quase impossível desfazê-la rapidamente. Os “linha de frente” no momento da entrada estavam recuados, temendo a repressão policial, e sobrou para mim e outro garoto a função de remover os sacos de brita e cimento, entulhos, vasos e vigas que compunham a barricada. Abrimos uma fresta onde passaria uma pessoa por vez.
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Fui um dos últimos a sair. Um corredor polonês de policiais militares estava armado, e passando por ele fui chamado de ladrão, de traficante, além de ser ameaçado fisicamente com os cacetetes ao ar. Enfileirado, com as mãos na cabeça, dedos entrelaçados, olhando para baixo, fui questionado: “O
que você tá fazendo aqui, playboy? Tá perdido? Já foi preso antes?”. Na delegacia, entre um depoimento e outro, uma moça disse: “Você deve estar ganhando bem para estar aqui”. Eu respondi: “Tô ganhando dinheiro não, moça”. Quando vi o cano de uma 12 apontada para a minha cara, o máxi-
mo que pude fazer foi abanar minha câmera no ar com os braços bem abertos e torcer para ser entendido. De fato, eu topei entrar pra fotografar e conhecer as pessoas que estavam vivendo naquele universo. O que eu não imaginava era o rolê que eu estava me metendo.
Já lotou A lista do seu dia. Quase nem parou, Almoçou batata frita. Chefe (só s)ó mandou. No banheiro ele respira. Já se adiantou. Num momento se retira. Ao seu lado, Um sujeito magro Parece feliz. Porém fantasiado, Vende Coca e bis. Oito sai por quatro Mas ele não quis.
José de Sampa POEMA DE LUCAS PAZETTO
No caos da cidade, Num velho bairro do centro, Um coração bate Fora de seu tempo.
Água já esquentou E o café que você ama
Sal de mais No bandejão. Não há paz, Nem na Consolação Há consolação.
Vai apé, De bus ou de camelo, Vai de carro até, Mas vê se sai mais cedo, Que via parou. O mesmo pesadelo. O dia anterior De frente para o espelho.
Vai José, Acorda e presta conta Ao despertador, Ao lado da sua cama, Que o jornal chamou. O mundo está em chamas,
Tá cheirando... Já tá queimando!
Bate um sono... Um desespero.
Com cuidado Para não ser filmado, Vai dá seu rolé. Acende um baseado, Ouve um Burning Spear E volta pro trabalho Muito mais feliz. Muito mais feliz. Sai mais cedo, Pensa na janta, Engole seco, Pede uma fanta. No caos da cidade, Num velho bairro do centro Um coração bate Fora de seu tempo Sal de mais No bandeijão Não há paz Nem na Consolação Há consolação
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“
E
u vim pra cá pra trabalhar na esquina porque eu precisava de dinheiro. Só que não dá pra ser prostituta sem usar droga, aí eu caí no vício e acabei ficando por aqui. Meu nome é Bruna, tenho 28 anos. Isso faz sete anos, desde então, fiquei mudando entre rua e albergue, mas hoje voltei pra rua. Imaginava que ia ganhar dinheiro fazendo programa, mas foi só uma ilusão. Quem ganha dinheiro é a cafetina. A gente só trabalha em função delas, se não a gente apanha. Os clientes são normais, nunca chegaram a me agredir, mas eles humilham, acham que porque pagam vinte, trinta reais a gente é obrigada até a imitar jacaré. É muito difícil sair da rua, eles não dão emprego pra gente, acham que travesti é operária de carga. Olha e conta quantos travesti tem na rua! Todas estão ou sozinhas, ou com os maloqueiro. Mas que mulher quer andar com maloqueiro? Graças a Deus, eu namoro com um homem decente, tô muito feliz com ele. Eu percebi que sou a Bruna com oito anos, mas virei Bruna mesmo com 14. Minha mãe não aceitou, mas hoje é tranquilo, já estou até no processo de retirar meu documento novo. Eu não vou pra albergue, os monitores do albergue acham que travesti é só pra fazer sexo. Só que a gente é gente e sabe fazer muito mais. Se eu pudesse fazer uma faculdade, eu estudaria jornalismo.”
#SPINVISÍVEL 50
Valendo Nota
PROJETO DE JAY VIEGAS ILUSTRAÇÃO POR ROBINHO SANTANA Inspirado em trabalho de conclusão de curso apresentado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2015.
“I
dentidades abjetas: uma reflexão sobre o não-lugar do negro LGBTT na cidade de São Paulo”. Demorei um bom tempo para conseguir pensar em um título bonito e pomposo que estampasse a capa do temido “trabalho de conclusão de curso”, obstáculo final na minha jornada por um pedaço de papel que, supostamente, atesta minhas competências e habilidades no exercício da comunicação. Uau. Chique. No dia de minha formatura, receberei meu diploma ao lado de, aproximadamente, 40 colegas. Pretxs somos três, talvez quatro.
mais que seus amigos e companheiros brancos se proponham a trocar essa ideia, tem coisas que só quem Até aí, nada de novo sob sente na pele vai entender. o sol que ilumina a cruz do pátio central da Ao longo das primeiras fases desse processo, surPontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nem giu uma outra variável: me apaixonei por uma menada de novo sob o sol que é refletido pela minha nina. Fiquei num mau humor monstruoso, típico da pele de um jeito meio diferente, em comparação às adolescência, mas que poderia ser resumido em um dos colegas sentados nas salas de aula que frequen- único questionamento : “por que eu?”. Eu precisava tei ao longo dos últimos anos. Ensino privado, elitista falar sobre isso e, depois de muito procurar, achei - um privilégio para poucos, como minha mãe sempre uma comunidade gringa na Internet que discutia apontou nos janeiros em questões ligadas a gêneque escrevia a carta pero e orientação sexual. dindo a renovação de miFoi uma luz enorme. nha bolsa, e como meus Mas as discussões APENAS DOS olhos (e outros sentidos) dos gringos europeus PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS logo flagraram. logo se mostraram SÃO AUTODECLARADOS NEGROS. A sensação de ser insuficientes, elas o único negro da sala não representavam é meio louca, sutil e minha realidade. Foi NO BRASIL, A CADA confusa. E perceber o assim também com JORNALISTAS, porquê dessa sensação os livros, filmes, é um processo longo, séries e blogs que complexo, dolorose propunham a SÃO NEGROS. so e solitário. Longo discutir o universo porque demanda um LGBTT, sempre Fonte: Federação Nacional dos Jornalistas certo acúmulo de retratando persoexperiências bizarras nagens brancos. até seu cérebro ligar os pontinhos. Complexo porque Eu simplesmente não me via ali. Cheguei a procuenvolve um diálogo em vários níveis de consciência, rar no Google coisas como “gay negro” e “negra desde traços de personalidade, até a forma como nos e lésbica”, tentando encontrar alguém que também posicionamos fisicamente nos espaços. Doloroso por- estivesse nessa. Não preciso nem dizer que o que que, para concretizar tudo isso, é necessário parar de eu encontrei foi basicamente material pornográfico, naturalizar o racismo praticado diariamente por pes- categorizado como “big black dick”, “morena exótisoas que você ama e confia. E solitário porque, por ca” e coisas do tipo.
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APENAS 2
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Chegada a época de escolher um assunto para me gros no nosso país não se consideram negros, como aprofundar ao longo de um ano inteiro, nasceu a ideia bem exemplificado pela “tabela de cores” do racismo de produzir a web-série “Pretxs”, na qual entrevistei velado do Brasil. Termos como “morena clara”, “moquatro pessoas negras que residem para além das li- rena escura”, “cor de jambo”, “marrom bombom” e o nhas do metrô e da hetero/cis-normatividade. Quis tão problemático “pardo”, são resultado do processo produzir um material que contribuísse para que outras de embranquecimento da população, iniciado no pepessoas negras e LGBTTs se sintam parte da conver- ríodo pós-abolição com o intuito de atingir o ideal de sa. Para que o serzinho de 14 anos que procurar esses uma sociedade branca. Na época, essa mentalidade termos no Google, encontre algo mais relevante do era apoiada por diversos intelectuais da elite brasileira, que a objetificação monstruosa de seu corpo. dentre eles o escritor infantil Monteiro Lobato. Não Como se tratava de um Trabalho de Conclusão de por coincidência, a figura de Tia Nastácia ainda é preCurso, tive que anexar à web-série uma monografia sente nos lares da elite brasileira e nas telas dos jornais explicando como e porque eu estava fazendo aquilo. sensacionalistas lamentando a morte de seus filhos, Entender como a mídia influencia no próprio processo assassinados pelas mãos do estado e do crime organide construção da identidade individual e coletiva me zado, enquanto suas mães eram obrigadas a ninar os pareceu um bom ponto de partida, uma vez que as rebentos da patroa. TV’s, jornais e revistas normalizam e legitimam, não Dentre as formas de enfrentamento e correntes apenas discursos e padrões de beleza, mas também de pensamento que se propõe a diagnosticar e erracomportamentos. dicar estas quesEm suas telas, tabtões, vemos no loides e capas, a natumovimento neDOS BRASILEIROS CREEM ralização de imagens gro o incentivo à QUE HÁ RACISMO NO BRASIL. que associam a popuidentificação de lação negra a contextos uma essência em APENAS SE CONSIDERA negativos, criminosos comum entre os RACISTA ou hiper-sexualizados e afrodescendentes. Fonte: Datafolha a população LGBTT à Essa autoafirmaprostituição, promiscuidação trabalha no de, etc., está diretamente ligada ao fato de que sentido de fortalecer sua presença na sociedade e uma pessoa LGBTT é assassinada a cada 26 horas no construir um senso de identidade coletiva que auxilie Brasil, e a realidade de um país em que 77% dos jovens na articulação política, assim como no empoderamenassassinados em 2012, eram negros. Somados, esses to individual - ou seja, fazer com que as pessoas se números correspondem a quase 23.500 seres huma- identifiquem como negras, para que o movimento nos. Pessoas, de carne e osso, que tinham famílias, se unifique e conquiste as suas demandas. Quanto amigos, ideias e sonhos. ao movimento LGBTT, a noção de uma identidade Apesar do Brasil possuir índices de homicídio supe- coletiva passa por um momento de desconstrução riores aos de países em guerra, além da dura realidade e reconstrução, pois é necessário fazer recortes que vivida por milhares de habitantes, ao longo do proces- possibilitem uma compreensão interseccional, ou seja, so de formação nacional, trabalhou-se para a criação que consiga identificar pontos em comum sem invida autoimagem de uma sociedade tolerante e inte- sibilizar as diferenças dentro do grupo. Isso é imporgrada, híbrida entre brancos, negros e índios, portanto tante porque permite a concretização de ações mais livre das questões raciais explícitas que observamos eficazes e que, de fato, atinjam aqueles que precisam em países como os Estados Unidos e a África do Sul ser atingidos. e da intolerância à diversidade sexual em países como Apesar de, por razões de articulação política, o a Rússia e o Irã. A sociedade brasileira se vê como to- movimento ser unificado sob a sigla LGBTT, precisalerante, e não enxerga as diferentes faces do racismo, mos entender que lésbicas, gays, bissexuais, travestis e machismo e da homofobia que ainda perduram. transexuais possuem, cada um, suas especificidades e Como fruto dessa mesma construção, muitos ne- necessidades. Por exemplo, é necessário entender que
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um homem cisgênero e homossexual talvez não consiga representar as reais necessidades de mulheres lésbicas, da mesma forma que o movimento de mulheres transexuais talvez não abarque questões pertinentes para os homens trans. Esse tipo de recorte não visa desarticular ou desmobilizar o movimento. Muito pelo contrário. Ele é necessário no sentido de garantir que todos tenham suas necessidades e espaços de fala respeitados. O mesmo é válido para o movimento feminista, sob o recorte do feminismo negro, e ao movimento negro, sob o recorte do movimento de mulheres negras. Em uma sociedade ideal, talvez não houvesse a necessidade de se “essencializar” as coisas, ou de construir a identidade do “eu” em oposição ao “outro”. Mas não vivemos em uma sociedade ideal. A partir desse momento, o recorte é necessário. Enfim. No fundo, esse é um trabalho sobre interseccionalidade, elaborado na tentativa de identificar pontos em comum dentre as ferramentas que têm sido propostas para o enfrentamento à LGBTTfobia e ao racismo. Acredito que, quanto mais tivermos a capacidade de respeitar nossas diferenças e identificar nossas semelhanças, dentro dessa gama tão diversa de experiências, mais ampliamos nossas chances de estabelecer diálogos e construir novas possibilidades de identidades, desconstruindo estereótipos e estigmas que, sistematicamente, contribuem para a exclusão e para a violência deferida contra negros e LGBTTs no Brasil. Nós precisamos falar sobre isso.
FOTO POR FELIPE PAIVA
terra
REPORTAGEM DE JOÃO PREVI
C
de três
om a Rio-Santos à nossa direita, andamos pelo acostamento durante poucos minutos, indo do Trevo do Patrimônio até o km 584, já no município de Paraty, o primeiro distrito carioca depois da fronteira com São Paulo. Naquela altura da rodovia, poucos motoristas pareciam notar a pequena placa que indicava: “Restaurante do Quilombo. Sejam bem vindos”. Pelo caminho indicado, uma subida de paralelepípedos leva até a praça central. Com uma aparência bucólica e construções de taipa, o Quilombo Campinho da Independência abriga uma história que começou em algum dia no século XIX, quando a região era divida entre fazendas de monocultura. Com a abolição oficial da escravidão e o esgotamento da terra para a produção extensiva, os proprietários do terreno abandonaram o local. Entre os trabalhadores que ficaram, estavam três mulheres: vovó Antonica, tia Marcelina e tia Maria Luiza. Segundo os mais antigos, todas as sete gerações que viveram no campinho são descendentes delas e de outras poucas famílias que chegaram depois.
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mÃES
AMBIÇÃO PAVIMENTADA
Conquistada a liberdade, o quilombo cresceu e sobreviveu a partir da terra. Até a década de 70, a comunidade era praticamente autossuficiente, indo à Paraty apenas para vender excedentes, como banana e farinha. A alimentação era variada, com as mulheres sempre envolvidas em todas as etapas de produção. “Elas sempre diziam que a terra era para usos e frutos nossos”, conta a coordenadora de turismo, Daniele Elias Santos, ou Dani, como prefere ser chamada. Quando a rodovia Rio-Santos começou a ser construída, os olhos do país se voltaram à região. Seu Valentim, hoje com 94 anos, ainda se lembra quando grileiros iam ao quilombo afirmando serem descendentes dos antigos fazendeiros. “Alguns até, para enganar a gente, falavam que não seríamos despejados, mas que a terra era deles”, conta. Já Sinei Martins, da associação de moradores do quilombo, ressalta que muitas das fazendas que hoje margeiam a Rio-Santos surgiram com os posseiros e grileiros que chegaram pela rodovia. Com o crescimento econômico do eixo Rio-São Paulo no século XX, a especulação imobiliária voltou a atrair os “herdeiros” dos antigos escravagistas. Durante a disputa pelo território, onde antes ficava a Fazenda Sertão da Independência, a comunidade precisou criar uma representação coletiva para facilitar o acesso à justiça. Em 1994 a Associação dos Moradores do Campinho foi consolidada, cinco anos antes de seu reconhecimento oficial.
RAÍZES
“
Com a valorização da nossa cultura, vejo uma maior autoafirmação dos negros.”
CULTURA POPULAR QUILOMBOLA O racismo contra a cultura quilombola fez com que um grupo de jovens assumisse a associação para desmistificar o preconceito dentro da própria comunidade. “Logo no início nós percebemos que aumentou até a autoestima do pessoal. Se antes falava que era moreninho, agora, eu sou negão”, lembra Sinei. Basta andar pelas ruas para encontrar cartazes sobre os eventos do quilombo. Os grupos de hip hop e samba são alguns exemplos das atividades culturais que fazem parte do cotidiano na comunidade. Segundo Dani, o próprio jongo, que na época da escravidão estava mais ligado a limpeza espiritual, tornou-se uma dança de afirmação cultural. O reconhecimento da cultura ajudou os moradores a enfrentar o racismo. Dani foi uma das crianças que sofreu discriminação durante a infância. “Saí para estudar em Paraty e lá o preconceito era grande. Com a valorização da nossa cultura, vejo uma maior autoafirmação dos negros.”
Após a demarcação oficial do quilombo, as terras foram divididas entre as famílias em uma concessão que proíbe sua venda ou aluguel. Sentado no gramado em frente à Associação, Sinei explica como esse formato auxilia nos trabalhos comunitários: “A gente gostou bastante, até porque, garante uma busca constante de resgate da nossa cultura”. Mesmo com diversas atividades nos espaços públicos do Campinho da Independência, a escola municipal ainda não é muito aberta às demandas e tradições do quilombo. São comuns as reclamações dos moradores sobre as dificuldade no diálogo com a Secretaria de Educação de Paraty. Com a popularização da televisão, a dinâmica cultural mudou entre os moradores. Sinei ainda ressalta as diferenças: “As crianças não rejeitam as culturas tradicionais, mas o que é empurrado pela TV parece muito mais atraente”. Segundo Dani, são nas ações cotidianas dos núcleos familiares que os laços culturais se consolidam. Na frente do restaurante, ela conta com um sorriso no rosto que já vê meninos e meninas de 10 e 11 anos se afirmando: “Nós valorizamos muito a família, nossa terra e onde a gente mora. Temos que passar esses valores para nossos filhos, porque se a gente perder isso, vamos perder tudo”. Depois de algumas horas de conversa, se despede de nós um pouco apressada, se organizando para receber outros visitantes.
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