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2 De onde vieram

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4 Ano Novo

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e juntos rateavam as despesas do transporte até o porto, barateando a viagem.

Enquanto os empresários da emigração se ocupavam do transporte dos emigrantes por conta própria ou de terceiros, a atividade dos agentes era principalmente a mediação para celebração de contratos entre empresários e emigrantes. A eles se atribuía ainda a ulterior tarefa de dar informações e aconselhar os emigrantes. Eram geralmente pessoas inescrupulosas, especuladores e impostores que aproveitavam a situação do momento para enganar com falsas promessas ou, então, para extorquir os últimos bens daqueles que deixavam a pátria cheios de esperança.10

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Na região do Hunsrück, donde vieram muitos dos imigrantes que se estabeleceram no Vale do Capivari, realizava-se mensalmente uma importante feira na praça central da cidade de Kastellaun onde compareciam não apenas vendedores e compradores de animais, mas também agentes de emigração, que, além da distribuição de panfl etos de propaganda, usavam toda a sorte de argumentos para convencer os que compareciam à feira sobre as vantagens de emigrar para o Brasil.

f ) As correspondências dos imigrantes

Os migrantes, uma vez estabelecidos no Brasil, se correspondiam com parentes e amigos da pátria que haviam deixado para trás. As cartas eram geralmente otimistas. Para uns, apesar das difi culdades iniciais, a vida havia melhorado de fato e, por isso, tinham razões bastantes em carregar as cartas de otimismo.11 Outros, impossibilitados de retornar, não deixavam de demonstrar satisfação e, com isso, atrair parentes e amigos a fi m de, com a vinda deles, poder melhor recriar aqui no Brasil a pátria distante.

Escreveu um imigrante de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, para um parente na Alemanha:

10 Cf. RUHE, Rudolf. Zur Geschichte der überseeischen Auswanderung aus de Oberherrschaft des Ehemaligen Fürstentums Schwarzburg-Rudolstadt im 19. Jahrhundert. In: RHH, Heft 2/9

August/Sept. 1958, p. 214. 11 MEYERSBERG, Albert. “Solinger Auswanderung nach Brasilien um das Jahr 1860”.

In: Die Heimat. Solingen, 24. Mai, 1929. Jahrgang 5, Numer 11. O imigrante Wilhelm

Dörner, residente em Teresópolis, escreve duas longas cartas (uma em1860 e outra em 1862) aos familiares em Solingen. Na correspondência o autor fala das difi culdades iniciais mas também, e sobretudo, das vantagens que encontrou na nova pátria.

Habitamos um lugar que não se poderia imaginar melhor e mais belo, de maneira que ninguém dos nossos sente saudades da Alemanha. Vivemos todos os dias às mil maravilhas, como os príncipes e condes na Alemanha, pois vivemos num país que se assemelha ao paraíso... Aqui há escolas alemãs e portuguesas. Eu e meu irmão Jacob frequentamos também a escola portuguesa e fi zemos tantos progressos que sabemos falar corretamente. Já ensino português e alemão e ganho 800 fl orins, anualmente.12

As motivações citadas e analisadas não são as únicas que levaram centenas de famílias a empacotar os seus pertences e emigrar para o Brasil ou para qualquer outro lugar do mundo. O certo é que a fome rondava e as perspectivas de um futuro melhor eram poucas na terra natal. Também motivos pessoais e problemas familiares levaram muitos jovens ainda solteiros a tomarem o caminho rumo ao Novo Mundo.13

f ) Os interesses do Brasil

Quando se estuda a emigração alemã para o Brasil, geralmente se toma em consideração os problemas e difi culdades existentes na Europa e os motivos que levaram milhares de pessoas e famílias a deixarem a terra natal para se aventurar num país totalmente desconhecido. Se lá havia razões para sair, o Brasil tinha interesse para receber imigrantes.

Ao longo dos séculos foi implantado no Brasil um sistema econômico baseado no latifúndio, em que predominava a monocultura em vista da exportação, como o açúcar e o café. Com o crescimento de centros urbanos, surgiu a necessidade da produção de gêneros alimentícios para o consumo do dia a dia. Para esta fi nalidade era importante implantar o sistema de minifúndio para o qual o imigrante europeu era considerado o melhor elemento.

12 Carta escrita, no dia 16 de julho de 1826, por um certo Peter Paul Müller, morador em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Cit. apud FEEDEN, Hermann von e SMOLKA,

Georg. Auswanderer. Leipzig, 1937, p. 84-85. In: WILLEMS, Emílio. Assimilação e populações marginais no Brasil, p. 46. 13 Alguns dos pioneiros imigrantes em São Martinho eram ainda solteiros quando chegaram no Brasil. Bernard Ricken, natural de Hohenwepel/Warburg, emigrou para o Brasil em 1859 e casou, no Brasil, com Gertrud Haveroth. Werner Scho en emigrou em 1862, de Solingen, e casou em Teresópolis com Katharina Üssler. Via de regra, só eram admitidos imigrantes com família já constituída. Por isso, os solteiros se inscreviam numa família. Werner Scho en veio inscrito na família de Johann Wilhelm Engels.

Por outro lado, havia imensas regiões consideradas desabitadas, que era necessário ocupar para não perder. Nos três Estados sulinos – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – a densidade demográfi ca era baixa e haviam muitas terras disponíveis para serem povoadas. Tratava-se de ocupar os férteis vales cobertos pela fl oresta da Mata Atlântica. Além disso, havia premente necessidade de mão de obra. A importação de escravos estava proibida e, segundo as autoridades da época, havia necessidade de importar mão de obra livre, formada por gente com conhecimentos agrícolas e iniciativas econômicas. Segundo o pensamento da época, era preciso modernizar o Brasil com imigrantes europeus. Por isso, o governo brasileiro não só desejou a vinda de imigrantes alemães como também patrocinou propaganda do Brasil nos territórios dos diversos Estados e Principados alemães.

2 De onde vieram

A primeira impressão que se tem é que São Martinho é um município de imigração germânica. Isto se percebe na aparência física das pessoas, nos sobrenomes, na língua, nos costumes familiares, nos hábitos alimentares e no visual externo das residências. Não há dúvida de que a absoluta maioria da população é de origem alemã. Mas dizer que os habitantes de São Martinho são, na sua maioria, descendentes de imigrantes alemães, não esclarece tudo. É necessário investigar de quais regiões da Alemanha vieram esses imigrantes.

Cada povo adquire ao longo do tempo características culturais específi cas que se expressam nas tradições, nos dialetos, nos costumes familiares, na organização econômica, nas cerimônias e manifestações religiosas. Esta especifi cidade pode resultar da infl uência da natureza, como fl orestas, montanhas, planuras, ou de outros fatores como étnicos, religiosos, atividades econômicas e organização social.

Os germanos, embora fossem portadores de um fundo cultural comum que os caracterizava e os distinguia de outros povos, apresentavam, no entanto, características específi cas que variavam de uma região para outra e que se manifestavam no idioma com os diversos dialetos, nas tradições que diziam respeito a concepções de vida e de crenças, costumes familiares, nas tradições comunitárias, nos hábitos alimentares, nos trajes, nas canções populares e em muitos outros aspectos. Uma era a maneira

de ser e de pensar do homem do campo, outra a do homem da cidade. Uns eram habituados a trabalhar nas planuras da Vestfália, outros nas encostas escarpadas do Mosela. Em meados do século XIX – época em que vieram para Santa Catarina os imigrantes que se estabeleceram em São Martinho – ainda eram grandes as difi culdades de locomoção e as pessoas, principalmente as do campo, não viajavam tanto, e muitas delas raramente saíam de sua aldeia, o que difi cultava um maior intercâmbio cultural.

Outro aspecto a se considerar, quando se pondera sobre o regionalismo alemão, é a religião. Desde o tempo da Reforma existem na Alemanha regiões onde a quase totalidade da população é luterana e em outras predominam os católicos. Na época da Reforma, para evitar confl itos religiosos, as autoridades entraram em acordo e estabeleceram o princípio segundo o qual os súditos deviam adotar e seguir a religião do príncipe. Por esta razão, na região onde o príncipe era católico, os súditos deviam permanecer católicos, e nas regiões onde o príncipe havia aderido ao luteranismo, os súditos deviam optar pela nova religião ou emigrar para outro território, com o direito de vender seus bens.14 A região da Vestfália era governada pelo bispado de Münster e, como tal, permaneceu católica. O mesmo acontecia com a região do Hunsrück onde era forte o poder e a infl uência do Bispo Eleitor de Trier. Outras regiões como Solingen e Schleswig-Holstein, eram predominantemente luteranas. Há que se considerar também que a religião não era para os alemães, tanto católicos como luteranos, um verniz de superfície, mas um conjunto de convicções de fé e de princípios morais baseados num sólido conhecimento da doutrina, aliado a uma prática assídua dos deveres religiosos.

Uma das regiões características da Alemanha é a Vestfália, donde partiu grande parte dos primeiros imigrantes de São Martinho. Localizase no noroeste da Alemanha, na fronteira com a Holanda. É uma terra completamente plana e uniforme. Um ditado regional dizia que, quando alguém espera uma visita, já pode ver as pessoas chegando a três dias de distância. O dialeto falado era o Westfälisch Pla deutsch. A cidade principal era, naquela época, Münster, que sediava o bispado e o governo regio-

14 O tratado de Augsburgo, de 25 de setembro de 1555, estabelecia o princípio: “Cuius regio, eius (et) religio” (Art. 2,3,10,11). Segundo este princípio, os súditos deviam, no tocante à religião, conformar-se à vontade do soberano territorial.

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