![](https://assets.isu.pub/document-structure/220508143646-9a1520dd7350c084ea266ab43f779f88/v1/1be734fc8caf5b0bcba153b42a9ed24e.jpeg?width=720&quality=85%2C50)
3 minute read
c) A chegada
Hospedaria dos imigrantes na Ilha das Flores – Rio de Janeiro
Do Rio de Janeiro a viagem prosseguia em navio costeiro brasileiro até Desterro, hoje Florianópolis. A tradição oral sempre faz menção à viagem que, segundo se dizia, durava até três meses. Podemos dar crédito a esta tradição quando se leva em conta o tempo necessário desde a saída do lugar de moradia na Alemanha até o porto, a espera no porto até o embarque, a travessia do Atlântico, a parada no Rio de Janeiro, o percurso do Rio de Janeiro até Desterro e, por fi m, de Desterro até a colônia Teresópolis.25
Advertisement
25 Johann Bernard Dirksen saiu de Borghorst no dia 24 de abril de 1863 e chegou em
Teresópolis no fi nal de julho de 1863. O percurso de toda a viagem durou, portanto, 90 dias. Viajaram no mesmo navio August Hülse, Franz Joseph Hülse, Viktor Hülse,
Heinrich Wigger, entre outros. Wilhelm Dörner escreveu numa carta, datada em 1860, que sua viagem demorou, desde o embarque em Antuérpia até o desembarque em
Desterro (Florianópolis), 78 dias dos quais 59 no mar e 19 nos portos. Desde o desembarque em Desterro até a chegada em Teresópolis foram mais 18 dias, ou seja, ao todo, de Solingen até Teresópolis, 96 dias.
Não só para os povos da antiguidade o Oceano Atlântico era o Mar Tenebroso. Também para os imigrantes era algo pavoroso, tanto pela imensidão das águas quanto pelas difi culdades no transporte. Eram dois meses de insegurança, desconforto, enjoo, medo, alimentação estranha, falta de água potável,26 partos, doenças e mortes.27 Um astronauta do século XXI viaja com mais segurança pelos espaços siderais do que um imigrante do século XIX da Europa para o Brasil. Havia também a esperança, a expectativa, o sonho. Novas terras, outros ares, outros climas e outras culturas.
No dia 18 de outubro, o navio levantou ferros e, de velas pandas, rumou para o Novo Mundo. Encontravam-se a bordo 220 pessoas, todas emigrantes que, na grande maioria começaram a enjoar, mal haviam passado algumas poucas horas de viagem. Um vomitava aqui, outro lá e, quando veio a hora do almoço, ninguém pensou em comer e beber. Isso, entretanto, só durou poucos dias, depois dos quais todos voltaram a fi car bem dispostos e a sentir fome, e todos se atiraram com excelente apetite sobre o que haviam trazido da cidade para comer e beber. Apenas o chamado enjoo do mar sumiu, aparecendo coisa pior, a disenteria que uma família, sem que se tivesse desconfi ado, trouxera para bordo contaminando quase todos os imigrantes, inclusive tripulantes. Pode-se bem imaginar o que isso causou de desconforto. Alguns, que ainda se podiam manter em pé, teriam de boa vontade fugido se houvesse algum meio para isso. E quantas lamentações entre os doentes! Aqui um pedia água; outro ali suplicava que viesse a morte. Enquanto um lutava contra a morte, outro já tinha morrido. Dessa doença morreram dos nossos, durante a viagem (6 semanas) 27 pessoas, na maioria adultos, cujos corpos tiveram por sepultura o fundo do oceano. Só numa noite morreram três de uma vez. Logo que um morria, vinham alguns marinheiros, metiam o cadáver num saco, no qual punham também um pouco de areia e atiravam-no ao mar. De algumas famílias morreram o pai e a mãe, deixando 4 ou 5 fi lhos pequenos que logo eram amparados por outras pessoas de bom coração.28
26 Wilhelm Dörner informa que, na altura do Equador, o veleiro em que viajavam parou oito dias no meio do Oceano por falta de vento. Por precaução o capitão reduziu o fornecimento de água de sorte que os passageiros passaram muita sede. 27 A família de Heinrich e Elisabeth Wassing partiu da Alemanha com três fi lhos menores e chegou no Brasil sem nenhum. Todos eles morreram durante a viagem, em alto mar. O túmulo na terra era a lembrança visível de continuidade da tradição familiar enquanto a “sepultura” no mar representava a profanação dos laços da tradição, a destruição. “Heimat ist wo unsere Toten schlafen und ihre Gedanken Wachen” (Pátria é onde nossos mortos dormem e seus pensamentos velam). 28 SCHAUFFLER, H. (Organizador). Crônica do imigrante Mathias Schmi . In: Blumenau em Cadernos. Tomo VII, nº 12, p. 131.