Teoria Queer

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TEORIA QUEER


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TÍTULO Teoria Queer AUTORA Vanessa Marques ORIENTAÇÃO Professor Mário Moura IMPRESSÃO Laser TIRAGEM Dois

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QUEER Teoria Queer, oficialmente “Queer Theory”, é uma teoria sobre o género que afirma que a orientação sexual e a identidade sexual ou de género dos indivíduos são o resultado de uma construção social e que, portanto, não existem papéis sexuais essencial ou biologicamente inscritos na natureza humana, antes formas socialmente variáveis de desempenhar um ou vários papéis sexuais. Ela teve origem nos Estados Unidos em meados da década de 1980 a partir das áreas de estudos gays, lésbicos e feministas. Fortemente influenciada pela obra de Michel Foucault, a teoria queer aprofunda as críticas feministas perante a ideia de que o género é parte essencial do ser individual e, avalia as investigações de estudos gays e lésbicos acerca da construção social ligada à natureza dos actos sexuais e ao género. Enquanto os estudos gays e lésbicos analisavam as classificações de “natural” ou “contra-natura” em

A LEGENDA Queer Nation foi uma organização fundada em março de 1990 na cidade de nova Iorque e nos EUA pelos ativistas de ACT UP .

Envelope Americano Selado

Michel Foucault na sua biclioteca

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relação aos comportamentos homossexuais, a teoria queer expande o âmbito da análise para abranger todos os tipos de actividade sexual e de identidade classificados como “normativos” ou “desviantes”. Generalizando, é possível afirmar que a Teoria queer pretende ir para além das teorias baseadas na oposição homens vs mulheres e também aprofundar os estudos sobre minorias sexuais (gays, lésbicas, transexuais), atribuindo

maior atenção aos processos sociais amplos e relacionados que dividem a sociedade em heterossexuais e homossexuais, em que instituições, discursos e direitos se regem por esta divisão. Os estudos “queer” constituem um corpus grande e variado de empreendimentos dispersos por áreas como os Estudos Culturais, a Sociologia da Sexualidade, a Antropologia Social, a Educação, a Filosofia, as Artes, entre outras.

Manifestação da Nação Queer

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» LEGENDA Os quatro fundadores da organização Queer Nation ficaram indignados com a escala de violência anti-gay e lésbicas nas ruas e com o preconceito das artes e da média.

A Teoria queer propõe explicar e analisar estes processos a partir de uma perspectiva comprometida com aqueles que são socialmente estigmatizados, portanto atribuindo maior atenção à formação de identidades sociais normais ou “desviantes” e, analisar os processos de formação de indivíduos. Neste sentido, a Teoria queer é distinta dos estudos gays e lésbicos, pois considera que estas culturas sexuais foram normalizadas e não apontam para uma mudança social. Daí o interesse em estudar o travestismo, a transexualidade e a intersexualidade, mas também culturas sexuais não-dominantes caracterizadas pela subversão ou rompimento com normas socialmente prescritas de comportamento sexual e/ou amoroso. Esta teoria recusa ainda a classificação dos indivíduos em categorias universais como “homossexual”, “heterossexual”, “homem” ou “mulher”, sustentando que estas escondem um número vasto de variações culturais, das quais nenhuma seria

Cremaster cortadas

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mais “fundamental” ou “natural” que as outras. Contra o conceito clássico de género, que distinguia o “heterossexual” socialmente aceite (em

bém, as classificações sociais da psicologia, da filosofia, da antropologia e da sociologia tradicionais, baseadas na utilização de um único padrão de segmentação (seja a classe social, o sexo, a raça ou qualquer outro) e defende que as identidades sociais formam-se de maneira mais complexa, pela intersecção de múltiplos grupos, correntes e critérios.

IGUALDADE inglês straight) do “anómalo” (queer), a Teoria queer afirma que todas as identidades sociais são igualmente anómalas. A Teoria queer critica, tam-

Manifestação da Queer Nation em São Francisco

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PRECURSORES

LEGENDA Em cima fotografia da antropóloga e socióloga Margaret Mead

Harvey Milk numa manifestação

Não existe uma tradição coerente e contínua que levou dos primeiros estudos sexólogos à Teoria Queer. De qualquer forma, a preocupação com a esfera da sexualidade não vingou na sociologia e na antropologia, mas teve espaço privilegiado a partir do final do século XIX na psiquiatria e, posteriormente, na psicanálise. A sexologia, ramo psiquiátrico, geralmente classificava e condenava expressões sexuais e de género fora da norma vigente, o que é visível na obra de Richard von Krafft-Ebing. Em contraste com esta vertente conservadora da sexologia, emergiu a obra do médico alemão Magnus Hirschfeld, cujos trabalhos nos inícios do século XX se focaram em desacreditar a dicotomia entre a homo e a heterossexualidade numa perspectiva biológica; a partir de 1908 publicou uma revista em que, pela primeira vez, desenhou o conceito de travestismo, e estudou as diferentes articulações dos papéis sexuais na sociedade da sua época. Margaret Mead publicou, do ponto de vista da antropologia, o


célebre ensaio Sex and Temperament in Three Primitive Societies (Sexo e temperamento em três sociedades primitivas), nas quais a divisão sexual do trabalho e as estruturas de parentesco eram analisadas para explicar os diferentes papéis do género nas etnias arapesh, mundugumor e tchambouli. Este estudo proporcionou importante material empírico para questionar a rígida diferenciação entre personagens “femininos” e “masculinos”, documentando culturas em que homens e mulheres dividiam

entre si práticas consideradas exclusivamente masculinas no Ocidente (como a guerra) ou outras em que a distribuição das tarefas domésticas eram exactamente opostas às ocidentais.

Capa do livro Sexo e Teperamento

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Teste Able


» LEGENDA A Rebelião de Stonewall consistiu num conjunto de episódios de conflito violento entre gays, lésbicas, bissexuais, transgéneros e a polícia de Nova Iorque. Estes iniciaram-se com uma carga policial a 28 de Junho de 1969 e duraram vários dias.

Apenas na década de 1960, a Sociologia passou a explorar a sexualidade sob uma perspectiva que colocava em xeque a moral vigente. Fundamental foi o artigo da socióloga britânica Mary MacIntosh “The Homosexual Role”, publicado no ano emblemático de 1968 mostrando a homossexualidade como construção social. Na sua investigação, durante os anos 1970 e começo da década de 1980, emergiram os estudos gays e lésbicos. A noção do descentramento do sujeito - ou seja, a ideia de que as faculdades intelectuais e espirituais do ser humano não são parte da sua herança biológica, embora se definam em condições biológicas, mas o resultado de uma multiplicidade de processos de socialização, através dos quais se constituem de maneira sumamente diferenciada as noções do eu, do mundo e das capacidades intelectuais para operar abstractamente com este - proporcionou o enquadramento para estudar não apenas os papéis sociais do homem ou da mulher, mas também o reconhecimento de que os indivíduos obtêm a sua condição “masculina” ou “feminina” como produtos histórico-sociais. A grande influência neste campo foi a monumental História da Sexualidade, que Michel Foucault deixou inacabada quando

Activistas Queer a demonstrarem os seus valores

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morreu, na qual se tratam criticamente hipóteses muito extensas sobre os impulsos sexuais, como a distinção entre a suposta liberdade concedida ao desejo no estado natural e a opressão sexual exercida nas civilizações avançadas. Por outra parte, os estudos literários - em especial os de Roland Barthes, Jacques Derrida, Julia Kristeva e seus seguidores - exploraram extensamente as formas pelas

quais uma determinada distribuição de tarefas, atributos e papéis dos sexos se difunde através de textos que parecem apenas proporcionar uma descrição de facto; a distinção que dá o nome à teoria, por exemplo, contrapõe tacitamente uma forma “normal” de sexualidade - o casal heterossexual estável - a outras consideradas anormais, sugerindo que as últimas são inadequadas ou prejudiciais.

Rebelião de Stonewall

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HETEROSSEXUAIS

V Um beijo apaixonado de um casal Hetrossexual

LEGENDA Em cima, a famosa fotografia intitulada Le Baiser de l’Hôtel de Ville, de Robert Doisneau

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LEGENDA Em baixo, retarto do primeiro casal gay, ao qual foram concedidos direitos legais de adoptar crianรงas. Falls Hollow, 1920

Uma familia formada por um casal homossexual

VS

HOMOSSEXUAIS 13


TEORIA

QUEER E FEMINISMO LEGENDA As mudanças políticas, económicas e sociais que decorreram daquilo a que os historiadores denominaram a “Segunda Revolução Industrial”, iniciada na década de 1870, provocaram uma clara aceleração do movimento feminista no último terço do século XIX, originando o movimento sofragista feminino que lutava por iguladade de direitos no trabalho.

Embora os queers estejam mais próximos dos movimentos gays e lésbicos que dos feministas, muitas das suas raízes ideológicas são comuns ao feminismo americano da década de 1980. Antes desta data, o feminismo, como outros movimentos semelhantes, acreditava que o progresso social se faria por mudanças legislativas. Os argumentos a favor de legislação progressista baseavam-se sempre na comparação entre um determinado grupo minoritário e o cidadão médio, entendido como um homem branco e rico. Vários movimentos começaram, desde a década de 1970, a oporem-se a esta imagem de cidadão universal, numa tendência marcadamente pós-moderna, acelerando a ruptura entre “homem” e “mulher” e materializando o que viria a chamar-se feminismo. O movimento feminista nascente sustentava-se, assim, na noção de diferença, não só entre homens e mulheres, mas também na diferente conceptualização do sujeito e do objecto dos vários fenómenos sociais (como o discurso, a arte, o casamento, etc.). O movimento feminista viria posteriormente a ser influenciado por dois grandes debates ideológicos no seu seio; a guerra dos sexos, que discutia o papel da pornografia na opressão das mulheres, e a Lavender Menace (ameaça lavanda), referente à aceitação de lésbicas no seio do movimento feminista. Da mesma forma que os inimigos do feminismo utilizavam (e utilizam) Transexuais e Travestis excluídos pelos femininistas


com frequência o argumento homofóbico do “lesbianismo” das feministas, uma grande parte das militantes feministas demonstravam, elas próprias, a sua própria homofobia ao negar a aceitação de lésbicas no movimento. As lésbicas da lavender menace declaravam ser mais feministas devido ao seu maior afastamento dos homens, enquanto que, as feministas heterossexuais, argumentavam que os papéis masculino/feminino (butch/fem) no seio dos casais lésbicos não eram mais que cópias do casamento heterossexual. A atenção aos papéis e práticas sexuais, e sobretudo a divisão que toda esta discussão provocou, conduziu ao despontar da Teoria queer no início da década de 90. Os primeiros teóricos queer foram Eve Kosofsky Sedgwick, Judith Butler, Michael Warner, David M. Halperin. Atualmente, destacam-se Judith Halberstam, Joshua Gamson, Roderick Ferguson, Steven

Epstein, Steven Seidman e começa a dar-se uma grande expansão desta linha de estudos pelo mundo. Na Europa, destaca-se a filósofa espanhola radicada na França Beatriz Preciado, autora de “Manifesto Contra-Sexual””. No Brasil, destacam-se Larissa Pelúcio, Richard Miskolci e Berenice Bento, além de estudiosos da educação como Guacira Lopes Louro e muitos outros nomes dispersos em áreas como Antropologia, Comunicação e Estudos Culturais.

Manifestação Feminista, 1932

Feministas e sufragistas

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» LEGENDA Em cima, fotografia de Judith Butler. Uma americana pós-estruturalista e filósofa (1990).

Judith Butler (1990), com base na análise da atribuição de género a intersexos, pessoas que nascem com heterogeneidade na diferenciação sexual, concluiu que o próprio sexo biológico (a nossa identificação como machos ou fêmeas) é um efeito performativo do género (do que cultural e repetidamente consideramos ser um homem e uma mulher), e não matéria-prima biológica neutra – não existindo portanto uma relação necessária entre o género e o corpo. A heterogeneidade a que nos referimos, existente em diversos graus, diz respeito ao facto de poder não existir, numa mesma pessoa/bébé, um alinhamento de todas as características sexuais pelas características tradicionais de um só género, ou seja, não são todas tradicionalmente femininas, nem são todas tradicionalmente masculinas. Esse desalinhamento não impede a identificação de género – ou até a revolta con-

Manifestação feminista


tra a dualidade do sistema, as identificações intersexuais. Butler considera que a identidade não é algo essencial que defina o indivíduo mas sim

identidade de género. A performance do género como repetição actualizada da norma, como actualização de um habitus, é um forte sistema de poder, isto porque o modo de produção da performance enuncia, actualiza e dissemina a norma, apesar de não a justificar, de não expor a sua genealogia. A sua força está precisamente no facto de se exercitar sem aparentemente necessitar de justificações.

IDENTIDADE um efeito da repetida performance de certos signos e convenções culturais, por exemplo significações do género e da sexualidade, no caso da

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POSTER



» LEGENDA AIDS Coalition to Unleash Power (ACT UP) é uma organização internacional de acção directa. Este grupo defende o direito ao trabalho de pessoas com SIDA e lutam contra a pandemia da mesma e a favor de uma legislação, tratamento médico e pela perda de mitigação da saúde e das vidas.

Hoje voltamos a lembrar-nos mais que o exercício da performance não se faz no vazio mas sim e sempre num determinado contexto ou quadro institucional, quadro institucional esse que existe e persiste com base em determinados recursos materiais e simbólicos. Os recursos materiais são facilmente identificáveis e atribuíveis, ou não. Quanto aos recursos simbólicos, alguns deles são discursivamente desconstruídos, outros apenas ironizáveis na prática. As identidades são relações de diferenciação desiguais (B. Sousa Santos, Entre ser e estar) em que quem tem poder para declarar ou silenciar/invisibilizar a diferença, tem poder para hierarquizar essas diferenças. Todos os sistemas sociais existem para criar fronteiras/assimetrias/diferenciações e mecanismos de policiamento dessas fronteiras. Uma vez instabilizadas as fronteiras tornam-se de difícil aplicação os mecanismos de policiamento, e o sistema colapsa. E então? E então o feminismo queer evoluirá para outra coisa, as lutas serão outras – porque vontade de domínio existirá sempre e ela necessita de sistemas sociais produtores de diferenciação, apoiados nos índices de diferenciação que inventarem, inventem-nos biológicos ou não, inventem-nos com marcadores corporais ou não. Nos entretantos, a consciência humana da voracidade desta

Manifestação ACT UP

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vontade de domínio avança, em todos os grupos de todas as sociedades, e é cada vez mais difícil aos grupos dominantes, sejam eles quais forem, construir sistemas de dominação que perdurem, pelo menos que perdurem sempre apoiados nos mesmos regimes. A instabilidade e precaridade dos próprios regimes de dominação é uma conquista, frágil e sempre alerta, dos subordinados.

Manifestação dos ACT UP em São Francisco

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Termino da Marça Anual da SIDA na escadaria do City Hall

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TRANSEXUAIS

LEGENDA Em cima, o candidato a perfeito de S達o Francisco Ggreg Taylor com o assessor Richard Hongisto.

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LEGENDA Em baixo, fotografia para a revista Vogue da transexual Lea T que é também Leandro Cerezo, um dos quatro filhos de Toninho Cerezo.

Manifestação Queer

Modelo Lea T.

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