ENTREVISTA
NUNO ARTUR SILVA FUNDADOR E DIRETOR-GERAL DO CANAL Q E DA REDE CRIATIVA “PRODUÇÕES FICTÍCIAS”
O Fundador e Diretor-Geral do Canal Q, contou à GO MAG que há uma coisa que sabe fazer muito bem: mobilizar pessoas para trabalhar em grupo e criar conceitos. O lisboeta, que se assume um , tem como lema . Celebrou em 2013 duas décadas da Rede Criativa Produções Fictícias e 3 anos do único canal televisivo de , em que todos os programas são escritos, produzidos, realizados, apresentados e interpretados de raiz, a partir de ideias e de formatos originais. 50 anos. Balança. Pai de dois filhos, um já adolescente e outro com apenas 3 anos. Professor. Argumentista. Escritor. Autor. Produtor. Criativo. Ficcionista. Intelectual. Contador de Histórias. Entretainer. Humorista. Artista de variedades. Empresário. Diretor. CEO. Patrão. Timoneiro das PF. Mas tudo se resume, quase sempre, ao “Gajo do Eixo”… costuma dizer que é sempre mais conhecido pelas coisas que faz menos bem. Conte-nos um pouco então, sobre o que sabe fazer de melhor. Para dizer a verdade há muito poucas coisas que eu acho que sei fazer bem. Mas descobri que há uma coisa que sei fazer muito bem: consigo mobili14_GOmag _8
zar pessoas para trabalhar em grupo e criar conceitos. O que eu gosto realmente de fazer é isso. Proporcionar encontros e descobrir formas de trabalhar conceitos criativos em conjunto. Alguns desses conceitos são meus, outros são de outras pessoas, mas sobretudo tem sido isso meu trabalho: uma mistura de trabalho de autor com trabalho de produtor e de gestor. E tudo isso começou quando teve de escolher entre escrever para o Herman José ou ir investigar a “Arca do Pessoa”…? Já tinha começado antes…. Desde que me lembro, das minhas primeiras memórias sempre fui muito ativo. Fiz um clube de banda desenhada quando ti-
nha 11 anos, no liceu fiz teatro, publiquei revistas literárias, organizava recitais de poesia, promovia festas, movimentos artísticos, quando eu digo que não sei fazer mais nada, de facto é mesmo verdade… aquilo que eu sempre fiz e que gosto sempre de fazer com prazer, é juntar amigos para fazer projetos artísticos. Em 92 houve, de facto, um momento em que me vi perante a tomada de uma decisão importante: eu estava a ponderar fazer o mestrado e investigar a “Arca do Pessoa” (tinha sido convidado pela minha antiga professora de literatura, Teresa Rita Lopes), quando o Herman José pediu ao José Pedro Gomes para nos apresentar, porque tinha lido uns textos meus, tinha gostado e convidoume a escrever para ele. Vi-me perante
ENTREVISTA o facto de ter de decidir entre investigar Fernando Pessoa e escrever para o Herman José. Muito sinceramente o que me ocorreu na altura foi “o Pessoa está morto e vai permanecer morto… posso sempre regressar à Arca noutra altura. O Herman está vivíssimo e esta oportunidade é bem mais interessante e divertida!”. Então o que decidi fazer foi montar uma equipa de escrita – a PF. Sabemos que como professor ficou conhecido como o “John Keating” [personagem de Robin Williams no filme “O Clube dos Poetas Mortos”]… [risos] Sim dei aulas em vários liceus de Lisboa e arredores. Dava aulas de Português e Literatura Portuguesa… e era um pouco conhecido por isso. Correu bem! Foi uma grande experiência e gostei muito. Ainda hoje encontro alguns ex-alunos que vêm ter comigo e dizem: “Fui seu aluno!”. Gosto quando isso acontece. Gosto de os rever hoje e relembrar como eles eram… redescobrir os rostos das crianças naqueles rostos de adultos. O que o diverte, entusiasma, motiva e apaixona é contar histórias. “Mantenho esse olhar de curiosidade infantil”. Conte-nos a história sobre estes 20 anos da Rede Criativa que fez nascer nas Produções Fictícias (PF Original; PF Agência; PF Empresas; PF Júnior; PF Formação; e também a “F” de Fábrica/ Produtora). Há muitas histórias… tantas! A origem foi quando juntei o Rui Cardoso Martins (que tinha sido meu colega de faculdade), o José de Pina (que era meu vizinho da frente no bairro) e o Miguel Viterbo (que tinha sido meu colega no Liceu Pedro Nunes). Já éramos todos amigos há muito tempo. O Rui era jornalista, o José de Pina trabalhava em cinema e o Miguel tinha feito um curso de turismo e na altura trabalhava, curiosamente, numa loja de ótica [risos]. Entretanto, são já 20 anos de grande experiência múltipla, sendo que o nosso foco principal tem sido sempre a Escrita, a Criatividade e a Produção Audiovisual e aquilo que nós fazemos bem e queremos continuar a fazer é produzir conteúdos para séries e filmes. “Gostava de ser aquilo que era quando quis ser o que é hoje?”
se voltasse àquela final de futebol da 4ª classe em que marcou o golo da vitória decisiva… [risos] Bom, se eu soubesse o que sei hoje, aquilo que me arrisco dizer é que teria feito muitas coisas “antes” do momento em que as fiz, ou seja, não teria perdido tanto tempo com uma série de coisas que não mereceram que eu perdesse tanto tempo com elas… e isto é válido tanto para a minha vida profissional, como para a minha vida pessoal.
Nas Produções Fictícias foi o Diretor-Geral, Diretor Criativo e coautor de projetos e programas como: HermanZap, Herman Enciclopédia, Contra-Informação, Não És Homem Não És Nada, O Programa da Maria, Paraíso Filmes, Manobras de Diversão, O Inimigo Público, Urgências, Voz, Isto Não É Um Recital de Poesia, É A Cultura Estúpido, A História Devida, Os Contemporâneos, Herman 2010/11, Estado de Graça, entre outros. Principais livros publicados: As Aventuras De Filipe Seems, banda desenhada (com desenhos de António Jorge Gonçalves), As Passagens Do Tempo, O Rapaz De Papel (guião gráfico para peça de teatro musical, com desenhos de João Fazenda; À Procura do F.I.M. (banda desenhada com desenhos de António Jorge Gonçalves), A Elaboração Dos Acasos (com Luís Miguel Viterbo), Onde o Olhar. É o autor e anfitrião dos programas Mapa e Os Culturistas, Canal Q e é o moderador e coordenador do programa O Eixo do Mal, SIC Notícias. Há alguns anos dizia que ao chegar aos 50 e na impossibilidade de uma reforma antecipada, queria poder voltar a ser apenas “Autor”. Estava a tentar formar alguém que pudesse assumir a direção das PF e queria dedicar-se à BD, aos Romances, à Poesia…e quem sabe a escrever o argumento para um
Filme. Este desejo já é hoje realidade? Eu tinha traçado uma meta pessoal que era: nos meus 50 anos e nos 20 anos das PF eu gostaria de voltar ao início, no sentido em que ao longo dos anos eu acabei sempre a tratar a vida dos outros, menos da minha. Quando alguém tem uma ideia e esse conceito está ainda em bruto… é trabalhado por mim, num exercício de produção, quase no sentido musical. Como acontece quando um produtor musical recebe uma ideia ou um esboço para uma melodia e depois tem de decidir se vai ser trabalhado em piano ou em guitarra… é para mim ver uma ideia a nascer e poder fazer o trabalho de produtor: perceber o que vamos fazer com a ideia. Como a vamos “montar”? Qual a forma que vai ter? É para ser apresentada ao vivo ou em televisão? Serve para uma série? Para uma peça de teatro? Qual a melhor estratégia…? Pensar o conteúdo e o conceito. Eu tenho ocupado os últimos anos a fazer isso e com isso surge a possibilidade de descobrir novos talentos. Pessoas novas para escrever, para representar. Ao longo deste 20 anos a quantidade de pessoas que começaram nas PF e que passaram aqui… a lista é já “infindável”. Lembro-me de ter ido com a Ana Bola fazer um casting e descobrimos a Maria Rueff. Depois com a Maria Rueff noutro casting descobrimos o Nuno Lopes, o Pedro Tochas, o Manuel Marques… Mais tarde descobri o Bruno Nogueira e o Marco Horácio para “As Manobras de Diversão”. O Luis FrancoBastos foi nosso aluno. Os Cebola Mol e os Gato Fedorento também nasceram connosco. Ora, ao fazer isto tudo, o “isto tudo” fez-me esquecer o meu lado mais pessoal. Os projetos mais pessoais e aquelas coisas que eu gostava mesmo de fazer no início: escrever livros, bandas desenhadas… criámos um canal de televisão… a evolução tem sido permanente. Na realidade, estava tudo muito bem preparado para que essa realidade fosse possível, só que entretanto aconteceu aquilo que nos afeta a todos: a crise. E sinto que ainda não é o momento ideal para me ausentar das minhas responsabilidades enquanto diretor executivo das PF. Falando em canais de televisão. O que é que acha de toda esta polémica em torno das empresas que medem as audiências? GOmag _8_15
ENTREVISTA
As audiências são apenas um instrumento, um dos dados a ter em conta, entre vários. Já lá vão muitos anos, mas lembro-me quando fizemos o “Herman Enciclopédia” que perdia largamente para o programa concorrente “Big Show Sic”. Mas a verdade é que, mesmo perdendo por muitos em audiência, conseguimos nessa altura inscrever algumas frases e personagens na cultura popular: o Diácono Remédios, o Mike e Melga, o “não havia necessidade”, o “este homem não é do Norte”…Percebemos que, de facto, não tínhamos a maior audiência mas conseguimos popularidade e muita notoriedade a outro nível. E depois temos outro aspeto muito relevante, quando se fala em audiências respeitantes a programas de humor e eu costumo comparar com as telenovelas. Uma telenovela, numa noite pode ser vista por 1,5 milhões de pessoas em Portugal, mas depois disso, as pessoas não voltam a ver o episódio na internet, nem vão partilhá-la com os amigos… o sketch de humor se for bom e quando as pessoas gostam, partilham, revêm, gravam para mostrar aos amigos, 10 anos mais tarde pode ser editado em DVD… e com isso torna-se popular. Ora, tudo isto também é audiência. Um fracasso de audiência pode não ser um fracasso em termos de conteúdo… mas um fracasso de audiência acaba sempre por se materializar num falhanço financeiro. Sendo acima de tudo um empresário que tem de lidar com os pagamentos e a contabilidade das PF, como é que gere estes fracassos? Houve uma altura particularmente difícil nas PF, em 2001, quando tínhamos o “Programa da Maria” na SIC e a série “Paraíso Filmes” na RTP e ambos, em simultâneo, falharam. Nós tínhamos investido muito em ambas as produções e as duas apostas não funcionaram e lembro-me perfeitamente dessa altura, quando reuni as pessoas todas e expliquei que, pelo facto de termos 16_GOmag _8
visto ambos os programas cancelados em televisão, tínhamos de dar “a volta” com outras respostas. E fomos para a rua! Fazer espetáculos de stand-up comedy! Tínhamos atores, atrizes, autores, argumentistas, etc… e nasceu assim o projeto “Manobras de Diversão”. E foi nessa altura que muitos dos atuais conhecidos humoristas (o Ricardo Araujo Pereira, o Bruno Nogueira, o José-Diogo Quintela..) começaram a fazer stand-up. O que era preciso era criar condições para se poder produzir aquilo que de facto traduz a identidade cultural de uma população, que são: filmes, séries e documentários. Os programas de variedades são quase sempre iguais em todo o mundo e aquilo que nos pode distinguir verdadeiramente é diferente. O que deve acontecer com o audiovisual é semelhante ao que já aconteceu com a indústria musical. Não só em Portugal, mas em todo o mundo. Nunca houve tanta e tão variada música pop, com tanta qualidade, tão local e ao mesmo tempo global – dos fadistas à música de dança, dos autores-cantores aos grupos pop, do hip-hop ao jazz, etc.... A razão é simples: acabou o tempo em que tudo era afunilado e decidido por meia-dúzia de editoras. Tem de se diversificar os centros de decisão e multiplicar as fontes de financiamento. A multiplicação dos canais agregadores é inevitável. Não só canais regionais, locais ou corporativos. Também os jornais só sobreviverão como marcas de imprensa generalista se se transformarem em marcas multimédia, com canal audiovisual incluído (a alternativa é transformarem-se em revistas de opinião ou projetos de fundações). Há 20 anos que convive com a ideia “epah isto não vai resultar”…mas sabemos que é extremamente organizado, tem uma obsessão por simetria, e em simultâneo muito persistente. Poderemos considera-lo um serenoinquietador?
[risos] Sim sem dúvida… pode ser uma boa definição da minha pessoa. Eu tenho necessidade de ter as minhas coisas muito organizadas, não consigo trabalhar se tiver a secretária desorganizada porque tenho sempre muita coisa a pensar e a fazer ao mesmo tempo. Uso a imagem dos pratos a rodar em varetas: eu tenho de ter os pratos sempre a rodar e tenho que ir lá rodá-los, senão eles caiem e partem-se. Portanto, eu tenho sempre de saber exatamente onde estão as varetas e os pratos… isso é o meu trabalho. Há 17 anos (1996) o texto “Última Ceia” que escreveu para o Herman José teve proporções magnânimas no humor nacional... Fazendo agora um breve exercício de backcasting, Portugal em 2030 (daqui a 17 anos). Como imagina o canal Q em 2030? Em reuniões, quando apresento o canal Q, costumo dizer – se a reunião for com artistas e intelectuais da arte – que é um canal de Cultura POP contemporânea. Se a reunião for com homens de negócios digo que é um canal de Humor e Entretenimento. E na realidade é um pouco de tudo isto e espero que o seja também em 2030... espero que se torne, efetivamente, na referência para tudo o que é novidade em termos de humor e ficção nacional, boas séries, filmes, criações nacionais que nos permitam a internacionalização. Não só do canal Q, mas também da nossa cultura de humor. Falando de projetos mais curtoprazo (esta entrevista sai em Set/2013) está previsto algum lançamento de um novo programa no Q? Sim. Na nova grelha das rentrée trazemos 3 novidades: um novo programa de sketchs mais alternativo; vamos também ter um pequeno programa de bonecos (muppets) e, por fim, vou eu próprio fazer uma coisa que nunca fiz, vou experimentar ter o meu próprio talk-show.