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Primeiro Capítulo da Confraria Gastronómica de Santo Amaro (medalha, interior da capela e foto de família).
Confraria Gastronómica de Santo Amaro - Estarreja Foi numa conversa de amigos, reunidos à volta da mesa na Feira de Santo Amaro, de 15 de Janeiro de 2018, que acordou-se na fundação de uma Confraria Gastronómica. Deu-se assim corpo a uma ideia que vinha sendo acarinhada pelo confrade José António Marques, depois concre zada na forma jurídica e jus ficada historico-cultualmente pelo confrade Marco Pereira. Com o objec vo de valorizar a gastronomia do concelho de Estarreja, em par cular a saborosa carne da vaca assada que em em tempos idos se comia na Feira de Santo Amaro, desde concelho. A fundação da colec vidade foi anunciada publicamente no Santo Amaro do ano seguinte e formalizada por escritura pública datada de 1 de Março de 2019, lavrada no Cartório Notarial da Murtosa. Formalismos à parte, principiaram as primeiras ac vidades gastronómicas, entre jantares degusta vos e visitas culturais, tendo sempre presente o rico património alimentar local. O momento alto do início de vida da Confraria foi o seu primeiro Capítulo Gastronómico, realizado por ocasião do Santo Amaro de 2020, cumprindo o lema de “Comer, Beber e Conviver”. Foram confrarias madrinhas a “Confraria Gastronómica O Moliceiro” (Murtosa), a “Confraria da Broa d’Avanca” e a “Confraria Gastronómica do Concelho de Ovar”. A nossa confraria é recente. Ainda precisa de alguns sopros de vida, como os que se dão na fogueira que estamos a acender, para aquecer todos aqueles que em volta dela se queiram 2
juntar. Temos a esperança que este calor traga o aconchego de melhor conhecermos e divulgarmos uma parte da iden dade e da história da nossa terra.
Traje e insígnia Símbolos da iden dade da Confraria, o traje e a insígnia representam algumas das mais an gas e significa vas tradições locais. O traje dos confrades é um gabão negro, igual ao que sucessivas gerações de estarrejenses ves ram, aqui o agasalho mais u lizado durante séculos. Por sua vez a insígnia junta num mesmo desenho a capela de Santo Amaro e uma canga (o principal símbolo da região, depois do barco Moliceiro), representa va do gado bovino, uma vez que a Confraria destaca como produto gastronómico a carne de vaca assada. O vermelho da insígnia representa a côr da carne, do vinho e da vida, isto é, o lema da Confraria: “Comer, Beber e Conviver”.
Bilhete-postal ilustrado, com fotografia da Feira de Santo Amaro, ed. António Conde, 1906 ou anterior. Carne assada à moda de Santo Amaro e molho da carne.
A feira e a gastronomia que valorizamos A Confraria Gastronómica de Santo Amaro pretende valorizar algumas das mais an gas e emblemá cas tradições do concelho de Estarreja, em par cular as que estão relacionadas com a gastronomia. Tem como lugar de referência Santo Amaro, na an ga freguesia de Beduído, e a sua feira de gado (sobretudo bovino) e mercadorias. Criada por despacho da mesa do Desembargo do Paço, datado de 23 de Dezembro de 1662, e consequente alvará de D. Afonso VI, de 20 de Janeiro de 1663, dando resposta a uma pe ção dos moradores de freguesia de San ago de Beduído. Desde o início a feira realizou-se junto da capela que lhe deu o nome (que se pensa suceder a um templo anterior a 1257, pois nesse ano se mencionou no mesmo local a “encruziladã de moesteyroo”), fronteira à an ga Estrada Real que ligava Aveiro ao Porto. Viria a tornar-se a principal feira do concelho de Estarreja e uma das primeiras da sua região, com uma periodicidade primeiro mensal (dias 15 de cada mês) e desde 1901 bimensal (dias 15 e 30 de cada mês). Ali concre zavam bons negócios os vendedores dos animais, os misseiros (intermediários na venda do gado) e os compradores. Com o fim das feiras de gado em 1984, devido a um surto de peripneumonia nos animais, passou a fazerse apenas a Feira de Ano, a 15 de Janeiro, uma memória das grandes feiras de an gamente. Ir à Feira de Santo Amaro, que podia ocupar todo o dia, tornou-se também sinónimo de ir provar as iguarias da região. Aliás, a Feira de Santo Amaro foi o primeiro e durante séculos o único centro comercial do concelho de Estarreja,
e os seus “restaurantes” os únicos que várias gerações de estarrejenses conheceram. Por isso o lugar de Santo Amaro, com a sua an ga feira, foi escolhido para “capital gastronómica” do concelho de Estarreja, dando o nome à Confraria. O prato mais apetecido era a posta de vaca assada (marinhoa) à moda de Santo Amaro, uma especialidade imperdível. Tanto assim é que até os que não nham posses para a vaca assada compravam o molho da carne me do no pão. Havia ainda outras iguarias que povoavam a feira de cheiros e paladares, entre as quais se contam o cabrito assado, a dobrada com tripa de boi e a canja de galinha, servidas nas várias tascas do recinto da feira. Como havia as fritadeiras da Murtosa, com as suas enguias fritas em molho de escabeche, a que se juntavam as solhas e as taínhas fritas. E marcavam presença as padeiras, com as padas de Pardilhó, Canelas e Ul, as regueifas doces e as carreiras feitas com a mesma massa. Nas feiras de 15 de Novembro, a chamada Feira dos Porcos Cevados, vendiam-se os porcos engordados a cevada nas semanas anteriores, que iam abastecer as salgadeiras no inverno e dar a carne para os caracterís cos rojões doirados.
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Arquivo Municipal de Estarreja, GAT - Arrolamento dos terrenos da Feira de Santo Amaro (década de 1980). Padeira na Feira de Santo Amaro. Aguarela s/papel, de Alberto de Sousa, 1938. Fundo do Museu de Aveiro.
Uma feira com mais de 350 anos Criada por despacho da mesa do Desembargo do Paço, datado de 23.12.1662, e consequente alvará de D. Afonso VI, de 20.1.1663, na sequência de uma pe ção dos moradores da freguesia de San ago de Beduído e suas anexas. Desde início a Feira de Santo Amaro realizou-se junto da capela que lhe deu o nome, próxima da an ga Estrada Real que, antes de exis r a nossa actual E.N.109, ligava Aveiro ao Porto. A feira tornou-se importante, a maior do concelho e uma das primeiras na sua região, nas transacções de gado (em par cular o bovino) e mercadorias. Era considerada o principal des no dos vendedores de Aveiro em 1724, e o Recenseamento Geral dos Gados de 1870 apontava-a como uma das preferidas no distrito, para a transacção do gado bovino de raça marinhoa. Os vários pos de gado (para além de diversos bens), oriundos de diferentes regiões do país, transaccionavam-se principalmente de Novembro a Abril, segundo informa o Inquérito Industrial de 1865. Por seu turno, uma reportagem regionalista publicada num jornal nacional de 1927, informava que a feira de Santo Amaro fornecia então de carne bovina as cidades de Lisboa e Porto, entre Março e Abril (próximo da Páscoa). Para aqueles que vinham à feira, muitas vezes desembarcados no esteiro de Estarreja e daí seguindo por estrada até aquela, a visita implicava almoçar numa das barracas ali existentes. O prato mais apetecido era a posta de vaca assada (marinhoa), à moda de Santo Amaro. E os que não nham posses para a vaca assada contentavam-se com comprar o molho da carne me do no pão. 4
No ano de 1901 a Câmara de Estarreja resolveu ex nguir outra feira vizinha, a dos 9 realizada na Areosa, e em simultâneo passar a feira de Santo Amaro para os dias 15 e 30 de cada mês (até então fazia-se só nos dias 15). A primeira vez que se fez feira no dia 30 foi em 30.9.1901. Para além dos dias 15 e 30, nas vésperas (dias 14 e 29) havia no mesmo lugar uma feira de gado lanígero. Em alguns momentos do ano a feira de Santo Amaro ganhava maior dimensão. É o que se passava com a chamada Feira de Ano, que nos séculos XVIII e XIX seria talvez a 25 de Julho, e pelo menos desde o início do século XX fixouse no 15 de Janeiro. A feira de 15 de Janeiro de 1963 teve alguns momentos de transmissão na RTP, ainda a televisão era coisa recente e rara. Mas a feira mais concorrida do ano era a de 15 de Novembro, a chamada Feira dos Cevados, pois nessa data vendiam-se muitos porcos, engordados a cevada nas semanas anteriores, para abastecer as salgadeiras durante o inverno. Bastantes fotografias e alguns textos sobre esta feira desaparecida se podem ver no livro “Memórias da Feira de Santo Amaro” (1997, e reedição em 2008), de Sérgio Paulo Silva. A feira foi interrompida em 1984 (embora com protestos dos que a frequentavam) devido a um surto de peripneumonia no gado, que de igual modo colocou um ponto final noutras feiras por todo o país. As tenta vas anos mais tarde para a sua reac vação não veram sucesso, persis ndo apenas como recordação de tempos idos a Feira de Ano, que ainda se faz a 15 de Janeiro.
Arquivo Municipal de Estarreja, Arranjo urbanís co do largo da Feira de Santo Amaro (década de 1980). Maria de Lurdes Modesto - Cozinha Tradicional Portuguesa. 1.ª ed., Verbo, 1982, p. 145 (enguias de escabeche).
Santo Amaro - Estarreja. Mala da Europa, 2.2.1902, p. 2
Feira de Santo Amaro em 1865 «Grande mercado mensal, constando de gado vaccum, suíno, lanígero, cavallar, muar e asinino, em grande numero de cabeças; lãs em rama sujas e lavadas, de muita quan dade de pannos de lã, finos e grossos, das nossas fabricas e do estrangeiro; tecidos de algodão, de linho, objectos de capellista, obras de ourives tanto de oiro como de prata, chapéus de sol e cabeça, alguns instrumentos necessarios à agricultura, e muitos outros objectos em grande quan dade. Concorrem a este mercado, não só os gados do proprio districto, mas ainda dos districtos do Porto, Vizeu, Coimbra e Leiria, principalmente nos mezes de novembro a abril.» Inquérito Industrial de 1865, In Diário de Lisboa, 1865, p. 1427 Santo Amaro. Beduído. Mercado e Largo da Feira. In Arquitectura Popular em Portugal. 1.ª ed., Sindicato Nacional dos Arquitectos, vol. 1, 1961, p. 104.
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Jornal da Murtosa, n.º 21, 19.5.1901, p. 3.
Mala da Europa, 2.2.1902, p. 3.
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O Jornal de Estarreja, 1.11.1906, p. 4.
Arquivo Municipal de Estarreja, Planta Topográfica da Feira de Santo Amaro. 1922 (projecto não concre zado). Correio da Manhã, 15.11.1927, p. 6 (no cia sobre o mesmo plano de melhorias, não concre zado, da imagem ao lado)
“Barracos” na Feira de Santo Amaro. In Arquitectura Popular em Portugal. 1.ª ed., Sindicato Nacional dos Arquitectos, vol. 1, 1961, p. 105.
Documento fundador da Feira de Santo Amaro «Provisão pela qual o senhor D. Affonso sexto em 1663 foi servido mandar estabelecer huma feira pública junto à Ermida de Santo Amaro na freguesia de S. Thiago de Biduido. Eu El-Rey Faço saber aos que este Alvará virem que havendo respeito no que por sua Pe ção me representarão os moradores da Freguezia de San ago de Biduido e suas anexas para efeito de lhes conceder se fizesse huma Feira junto a Ermida de Santo Amaro por ser de grande u lidade para aqueles Povos e mais circonvezinhos e visto o que alegão e constou por informação que se ouve pelo Provedor da Comarca da Villa d’Esgueira e resposta que derão a Governança e povo a que tocava sendo ouvidos Hei por bem……. de lhes conceder que d’aqui em diante aos quinze dias de cada mez se faça huma Feira na dita Freguezia a onde está a dita Ermida de Santo Amaro para sempre como pedem, pelo que mando ao dito Provedor da Comarca e mais jus ças a que o conhecimento disto pertencer lhe cumprão e goardem fação inteiramente cumprir e goardar este Alvará como nelle se contem e valerá posto
que seu efeito haja de durar mais de hum anno sem embargo da Ordenação Livro Segundo tulo quarenta encontrario. E não pagou novos direitos pelos não dever como constou por cer dão dos oficiais delles. António Marques o fez em Lisboa a vinte de Janeiro de mil seis centos secenta e trez. António Rodrigues de Figueiredo o fez escrever = Rey = Pais de Moura = Alvará dos moradores da Freguezia de São Thiago de Biduido e suas anexas por que Vossa Magestade há por bem fazer-lhe mercê para daqui em diante aos quinze dias de cada mez se faça huma Feira na dita Freguezia onde está huma Ermida de Santo Amaro para sempre e como acima se contem. Para Vossa Magestade ver. Por despacho da meza do Desembargo do Paço de vinte e trez de Dezembro de mil seis centos e secenta e dois = Fernando de Matos de Sampaio.» M. F. – “Coisas de Antanho”, Progresso da Murtosa, n.º 534, 16.12.1939, p. 4
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Gastronomia de Estarreja: carne de vaca assada à moda de Santo Amaro; rojões; caldeirada de enguias; enguias fritas em molho de escabeche; regueifas doces.
História da alimentação e gastronomia de Estarreja No concelho de Estarreja o trigo era na Idade Média a base alimentar. No início do século XVI foram introduzidas diversas plantas na agricultura local, oriundas do con nente americano então descoberto. Foi o caso do milho, o feijão que geralmente lhe aparece associado, a batata e a abóbora. Com a chegada do milho, que adaptouse perfeitamente ao novo meio e se tornou a cultura dominante, operou-se uma autên ca revolução agrícola, aumentando enormemente a produção e, com esta, a população. A desfolhada – rar a palha que envolve a espiga de milho – é um convívio animado nas noites amenas do fim de verão. O seu ponto alto é a descoberta de uma espiga vermelha – o milho-rei – e aparecem os serandeiros escondidos sob o gabão, a roufinhar e dando a cheirar manjerico. Só em meados do século XIX o cul vo do arroz se tornou significa vo, feito em terras antes de milho e pastagens. Porque a esta cultura se ligava o sezonismo/paludismo, deu origem a normas proibi vas do seu cul vo e mesmo revoltas populares. O arroz, em decadência nos úl mos anos, cul va-se principalmente na freguesia de Salreu. As abundantes cebolas de Veiros vendiam-se an gamente, entrançadas em résteas, nas feiras que pelo São Miguel (Setembro) se faziam em Fermelã e Aveiro. Pães de trigo com tradição são as padas de Pardilhó e as de Canelas. Mas a broa de milho é que é o pão popular, justamente promovida pela Confraria da Broa d’Avanca. Come-se a broa de diversas maneiras, seja estreme, sob a forma de bolo (pequeno pão que fica pouco tempo 8
no forno e come-se ainda quente, por vezes recheado), e até a broa de abóbora, à espera do justo reconhecimento comercial. Ao longo do século XX a indústria domés ca das desnatadeiras originou diversas fábricas de lac cínios (manteiga, queijo e leite em pó), a primeira das quais pertencente ao Visconde de Salreu. Mas a “pátria” dos lac cínios, em par cular a manteiga, é Avanca, onde em 1923 nasceu a “Sociedade de Produtos Lácteos”, adquirida pela “Nestlé” em 1934. Nesta freguesia funcionaram ainda duas outras fábricas de relevo: “A Lac cínia” (pertencente à sociedade “Nunes, Rodrigues & C.ª”, fusão em 1939 de pequenas empresas locais), depois denominada “Vigues” e ul mamente “Laclé” (encerrada no fim da década de 1990); e a “Fábrica de Lac cínios de Avanca”, mais tarde chamada “A Favorita” (dependência da empresa com este nome) e adquirida pela “Nestlé”, que a fechou na década de 1960. Também em Estarreja exis u uma fábrica de manteiga e queijo, a “S. Lopes & Alves, Lda.” (1933), nos úl mos anos adquirida pela Lac coop/Gresso, que a encerrou em 1996. Entretanto desenvolveu-se o sector dos refrigerantes, com várias fábricas de “pirolitos” na primeira metade do século XX, distribuídas pelas freguesias de Salreu, Veiros, Beduído e Avanca. Da fusão de várias destas pequenas fábricas nasceu em 1962 a “Uprel”. Por outro lado a produção de aguardente tem tradições em Salreu e Fermelã, principalmente no século XX, mas exis ndo pelo menos desde o século XVIII. E hoje a “Tribo do Malte” produz cerveja artesanal em Fermelã.
Sabe-se que no século XIX o concelho de Estarreja era no distrito de Aveiro o maior produtor de gado, que se criava nas ilhas da ria e na Gelfa. Predominavam os bovinos de raça marinhoa, de pelagem castanha-clara, ideais para o trabalho e a carne, chegando a superar a raça mirandeza de que derivam. Tinha justa fama na Feira de Santo Amaro a carne de vaca assada, mas também merece atenção o bife grelhado, tenro e suculento. Introduziu-se depois a vaca turina (raça frísia, originária da Holanda), aproveitada para a produção de leite. A criação de porcos, no passado de raça bizara e à solta, permi a às famílias sustento de carne para todo o inverno. Têm par cular importância como prato os rojões, nacos de carne cozinhados em banha ao lume até ficarem louros. Na ria de Aveiro é rainha a enguia, an gamente pescada ao candeio e comida em caldeirada de enguias (com a sua caracterís ca cor amarela, devida ao pó de enguias), ao mesmo tempo se fazendo a sopa de enguias. Não se esqueçam as enguias fritas em molho de escabeche, outrora presença certa na Feira de Santa Amaro, pelas mãos hábeis das fritadeiras da Murtosa. Limpos os pratos vamos aos doces. A regueifa doce é o melhor que poderá levar para casa o turista de fim-de-semana, que visite Estarreja, e antes da par da ainda pode provar o pão-deló. Para a sobremesa recomenda-se o arroz-doce ou a aletria, e na altura do Natal os bilharacos, rabanadas e filhoses. Já nos úl mos anos ganhou protagonismo o mel de eucalipto das Terras de Antuã e o mel da original marca Beesweet.
As fritadeiras na Feira de Santo Amaro. 1924. Fotografia de Egas Moniz. Fundo da Casa-Museu Egas Moniz.
Arquivo Municipal de Estarreja, Feira de Santo Amaro - Registo de Vendedores. 1915-1923 (frigideiras)
Arquivo Municipal de Estarreja, Feira de Santo Amaro - Registo de Vendedores. 1915-1923 (padeiras)
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Carne de vaca assada à moda de Santo Amaro.
Carne de vaca assada à moda de Santo Amaro A vaca de raça marinhoa dis ngue-se pela sua dupla ap dão de trabalho e carne, nesta com vantagem face à raça mirandeza. Os animais são de grande corpulência, chegando a pesar cerca de 600 Kg., e a sua carne muito tenra e suculenta, preferencialmente assada no forno, ou grelhada em bife. É da raça marinhoa a famosa carne de vaca assada que se comia na velha Feira de Santo Amaro, aí servida por diversos estabelecimentos nos dias de feira – 15 e 30 de cada mês. Referindose a ida de uma família do Bunheiro à Feira de Santo Amaro, testemunhava-se em 1971 que «o pai vai vender o bezerro que já tem um mês e que já vai dar um bom ganho. E assim a maior parte da família vai para a feira cada um tratar dos seus interesses, vão de manhã cedo e só voltam à tardinha depois de terem “jantado na feira a habitual posta de carne assada”.» (Inquérito Boléo, n.º 1010, Relatório (Bunheiro, S. Gonçalo), p. 16.). Nas úl mas décadas da feira de gado havia em Santo Amaro várias casas com cozinha e salão para 40 a 50 pessoas, onde era servida a carne de vaca assada e outros pratos. Estes “restaurantes” pertenciam a pessoas do lugar e localidades vizinhas. Eram de Santo Amaro: Joaquim Oliveira Marques, Maria Beata, Maria José Cabilhas, Joaquim Botas, Joaquim Vanca (2 casas), Deolinda Valente, Francisco Padeiro, e João Nunes (depois con nuado pelo filho, Daniel Nunes). Havia ainda a casa das Canastreiras (de Beduído), casa das Totas (Estarreja), Maria Dionísia Almeida Agra, Sara (de Salreu) e Emília Baroa (de Pardilhó, casa esta que foi depois de António Maria Marques, do Lugar de San ago). 10
Receita Ingredientes: - 7 kg. de carne de vaca * - sal q/b para temperar - 2 cebolas - 3 dentes de alho - 1 pouco de louro - 1 pouco de salsa - 1 colher de banha de porco - 0,5 litro de vinho branco, de boa qualidade Preparação: Misturam-se todos os ingredientes e colocamse numa assadeira de barro, coberta com um testo de alumínio, para que o forno não queime a parte de cima da carne. A assadeira vai durante 1h30 ao forno a lenha (o mesmo forno em que se coze o pão), ficando este tapado. Re rase então a carne do forno, é virada, e colocase a assadeira novamente dentro, destapada, deixando o forno aberto até acabar de assar. Se o molho desaparecer da assadeira, rega-se com água quente para não secar. Serve-se a carne acompanhada de batata assada e arroz branco, deitando o molho da carne por cima do arroz.
*. Vaca e não vitela, da raça marinhoa. U lizase carne da pá, a segunda perna, aba, peito ou outra, consoante o gosto de cada um, uma vez que o sabor e caracterís cas das várias partes da vaca são diferentes.
Capela de Santo Amaro.
Capela de Santo Amaro No ano 2000 foram encontradas gravuras an gas na capela de Santo Amaro, ocultas por baixo do reves mento das paredes. A descoberta, em 2002, de ossadas e par cularmente de uma lâmina de sílex, atribuída à Idade do Cobre (com 4000 anos), suscitaram o interesse numa intervenção arqueológica, que aprofundasse os conhecimentos sobre o local. Essa intervenção fezse em 2004, tendo sido encontrados objectos do Neolí co, com pelo menos 7000 anos, e romanos com cerca de 2000. Admite-se que pelo menos parte dos mencionados ves gios arqueológicos encontrados na capela não sejam dela oriundos, mas colocados na mesma em momento incerto, possivelmente para enchimento de sepulturas. No entanto é possível que a primi va capela de Santo Amaro seja um dos templos cristãos mais an gos da região e construída sobre algum anterior espaço sagrado pagão. Na doação do Couto de Antuã ao Mosteiro de Arouca (1257) refere-se a “encruziladã de moesteyroo”, por alturas de Santo Amaro, provavelmente um templo antecessor da capela actual. Será talvez a primeira capela conhecida no concelho de Estarreja, situada numa encruzilhada da velha Estrada Real que ligava Aveiro ao Porto. Mas só no Catálogo dos Bispos do Porto, de 1623,
se encontra referida sem dúvida. Por sua vez, numa demarcação do concelho de Estarreja de 1695 confirmou-se que a capela se encontrava nos limites dos concelhos de Estarreja e Bemposta, situada do lado de Estarreja. Admi ndo que se possam ter sucedido outras construções, exis ram pelo menos duas capelas. A anterior, no sí o da actual, foi destruída por um incêndio no início do século XVIII. Conhecemse algumas das suas caracterís cas, não só pela aludida intervenção arqueológica mas porque em 1679 se planeou na freguesia construir uma capela de São Marcos, com mas mesmas dimensões que a existente de Santo Amaro (35x19 palmos e um só altar). A actual capela de Santo Amaro, pública, de es lo barroco e com três altares, parece ter-se construído em duas fases: no início do século XVIII e após meados do mesmo. Possui no nicho da frontaria uma escultura de calcário do tular, de oficina coimbrã da renascença decadente do século XVII. E teve confraria, que em 1879 já se encontrava ex nta. Inauguraram-se em 2009 um novo adro e escadaria na sua frente, que antes não exis a, custeados pela Junta de Freguesia e com o apoio da Câmara Municipal.
“vadit ad encruziladã de moesteyroo et est ibi unus patronus” (1257). Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Cartorio do Mosteiro de Arouca, g. 3 m. 2, n. 17.
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Feira de Santo Amaro An ga (década de 1940) - D. José de Castro - Estudos Etnográficos. Tomo V, 2.ª parte, Ins tuto Para a Alta Cultura, 1945; Arquivo Municipal de Estarreja, pasta de fotos sem cota. Feira de Santo Amaro Moderna (2016 e 2020) - Câmara Municipal de Estarreja.
Cronologia A.C. Ves gios pré-romanos na capela de Santo Amaro, talvez construída sobre um an go templo pagão. 1174-1189 “Ecclesia San Iacobi de Bedoido” (primeira referência escrita à freguesia de São Tiago de Beduído). 1257 “encruziladã de moesteyroo” (possível primeira referência a uma capela no concelho de Estarreja, a de Santo Amaro). 1623 Primeira referência segura à capela de Santo Amaro. 1662/1663 Criação da Feira de Santo Amaro, para realizar-se nos dias 15 de cada mês. Séc. XVII Construção da segunda e actual capela de Santo Amaro. 1728 Embargo dos mordomos de Santo Amaro, sinal de que nesta data já exis a a Confraria religiosa. 1879 A Confraria religiosa já se encontrava ex nta. 1901 Feira passa a bi-mensal, realizando-se nos dias 15 e 30 de cada mês. 1984 Ex nção da Feira bi-mensal de Santo Amaro, passando a realizar-se apenas no dia 15 de Janeiro. 2019 Criação da Confraria Gastronómica de Santo Amaro.
Edição: Confraria Gastronómica de Santo Amaro - Estarreja. Janeiro/2021. Autor: Marco Pereira Apoio: Câmara Municipal de Estarreja Junta de Freguesia da União de Freguesias de Beduído e Veiros
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