A INtEGRAÇÃo ENtRE ESCOlA, FAmÍlIa E SAÚDE PARa A INCluSÃo SoCioEDUCaCIOnAl Do SUJEITO No TEa
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: uma parte de mim, não o todoo acompanhamento psicossocioeducacional e em saúde
Autoras e autores:
Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento
Carmen Lúcia de Oliveira Cabral
Ana Célia Pereira Damasceno de Macedo
Nadja Regina Sousa Magalhães
Joelson de Sousa Morais
Lailson das Chagas Santos
RESUMO
A pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) comporta-se de forma diferenciada das demais crianças, apresentando um distanciamento social, comportamental e afetivo e tem uma dificuldade de participação com o meio em que vive, criando assim seu próprio mundo. Em algumas situações mostra estar interagindo com alguém imaginável. Aponta-se como problema de pesquisa: De forma os profissionais da educação e saúde podem contribuir na aprendizagem e inserção social de crianças com TEA? Enfatizamos como objetivo deste estudo analisar a importância da integração entre escola, profissionais de saúde e família no processo de inclusão da pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória, com abordagem qualitativa, realizada com professores e pais ou responsáveis de alunos com TEA. A produção e análise dos dados ocorreu mediante a aplicação de um questionário. Pode-se constatar com a investigação que a inclusão da pessoa com deficiência em ambientes escolares e sociais torna-se complexa, pela diversidade de contextos, mesmo a escola sendo um dos locais para promover a inclusão social e educacional dessas crianças, considera-se fundamental, a integração da escola, profissionais de saúde (enfermeiro) e a família. Para que o processo de inclusão social e educacional da criança com TEA se efetive torna-se imprescindível a integração entre familiares e profissionais qualificados das áreas de educação e saúde, visando atender e contribuir com o desenvolvimento intelectual, afetivo e social das crianças com TEA.
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Palavras-chave: Autismo. Escola. Família. Saúde. Inclusão.
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INTRODUÇÃO
O ambiente escolar é reconhecido como um local social com finalidade de criação e recriação de hábitos, atitudes, comportamentos, valores, saberes e conhecimentos necessários e fundamentais ao desenvolvimento do indivíduo na sociedade, sendo assim, a escola apresenta várias possibilidades para promover um elo com técnicas de saúde, favorecendo a possibilidade de integrar e intervir nos cuidados com as crianças. A maior parte das crianças frequenta a escola regulamente, é nesse período que são desenvolvidas atividades que incluem brincar, aprender e socializar. Desse modo, o setor educacional torna-se uma importante porta de acesso a esses sujeitos (FARIAS; MARANHÃO; CUNHA, 2008).
Quando o educador está qualificado, contendo em sua formação conteúdos sobre a educação especializada, consegue identificar as necessidades educacionais dos seus alunos, seu trabalho atinge os objetivos desejados, e através disso flexibiliza a ação pedagógica de forma adequada às necessidades, avalia a eficácia do processo educativo e atua em equipe com o professor especializado. Dessa maneira, tanto o professor capacitado1 como o professor especializado2 devem considerar, no desenvolvimento de suas práticas, a necessidade de traçar metas de serviços com a equipe em geral que possam ser realizadas em salas de aulas de escolas regulares, para não acontecer exclusão do estudante com necessidades especiais (LIMA; LAPLANE, 2016). Serviços esses que se configuram como práticas educativas, pedagógicas e com dimensões recreativas, de lazer, afetivas e outras e de orientações conscientes em relação às pessoas
1 Estamos compreendendo a ideia de “professor qualificado” como aquele que possui uma formação inicial na área da educação que contemple as dimensões didática, pedagógica e científica nos processos de aprender e ensinar as experiências e vivências formativas da educação, em consonância com os múltiplos aspectos que se consubstanciam as práticas educativas.
2 Em relação ao “professor especializado” refletimos que se trata de um profissional que possui curso de especialização lato sensu numa formação específica no contexto da educação especial e inclusiva, ou mais precisamente no tocante ao tipo de especialidade que cada criança apresenta, de forma a atender as necessidades e demandas específicas que as crianças necessitam para conviverem e aprenderem no mundo em que vivem.
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com TEA, envolvendo todos os sujeitos do processo educativo: pais, professores, alunos e comunidade escolar, etc.
Após o diagnóstico e comunicação à família da criança com Transtorno do Espectro do Autismo - TEA, inicia-se a fase do tratamento e reabilitação, a oferta de tratamento, nos pontos de atenção da Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência, estabelece uma significativa estratégia na atenção às pessoas com transtornos do espectro do autismo, uma vez que tal condição implica em alterações na comunicação e de socialização que afetam diretamente grande parte dos casos, ocorrendo assim algumas limitações de capacidades funcionais no cuidado de si e nas interações sociais o que necessita de cuidados específicos e singulares de habilitação e reabilitação durante as diferentes fases da vida (BRASIL, 2013).
Para que ocorra a inclusão faz-se necessária a escolha adequada do tratamento a ser realizado. Caso essa escolha seja um desenvolvimento de um projeto terapêutico a ser desenvolvido deve resultar do diagnóstico elaborado, das sugestões da equipe, e das decisões da família. Ademais, ressalta-se que todo projeto terapêutico, será individualizado e deve atender às necessidades, demandas e interesses de cada paciente e de seus familiares para assim facilitar nas práticas realizadas a criança autista (LIMA; LAPLANE, 2016).
A avaliação sistemática do processo de habilitação e reabilitação deve ser traçada para que haja ampliação das competências funcionais do indivíduo em diversos níveis e ao longo do tempo na participação e no desempenho em atividades sociais cotidianas; na autonomia para mobilidade; na capacidade de autocuidado e de trabalho; na ampliação do uso de recursos pessoais e sociais; na qualidade de vida e na comunicação, através disso os ganhos funcionais são indicadores centrais na avaliação da eficácia do tratamento (BRASIL, 2015).
Segundo a cartilha Autista, existem alguns tipos mais usuais de intervenções onde nos anos 60 foi desenvolvido o TEACCH - Tratamento e Educação para Crianças com Autismo e com Dis-
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túrbios Correlatos da Comunicação, e atualmente é muito utilizado em várias partes do mundo. Esse método TEACCH utiliza uma avaliação chamada perfil psicoeducacional revisado para avaliar a criança, levando em consideração os seus pontos fortes e suas maiores dificuldades, tornando assim um programa individualizado, voltado para cada caso de forma a entender as dificuldades de cada autista (BRASIL, 2013).
No Brasil são discutidos alguns métodos de inclusão a partir de 1948 através da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Criaram-se algumas Leis de Diretrizes, mesmo que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN n 9394 (BRASIL, 1996) propor que as pessoas com deficiência deveriam ser inseridas, em especial no ensino regular, foi a partir da Constituição de 1988 e com grande influência da Declaração de Salamanca (1994), onde começou a ser discutida e a ser incluída uma política de educação inclusiva nas escolas regulares associada com a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). Ao destacar a escola, a inclusão perpassa em um pensar a dignidade humana e o respeito às diferenças em que questionamos quais as necessidades que apresentam cada estudante.
A educação e a saúde são áreas de realização e aplicação de conhecimentos proposto ao desenvolvimento humano, sendo notória a sua interseção e por maioria das vezes é realizada de forma espontaneamente. A escola é o local ideal para o desenvolvimento do conhecimento e para a inclusão da comunidade, nela encontrasse uma grande parte da população que estão destinadas a aprender de forma direta ou indireta (IACOPONI, 2009).
Segundo o Caderno de Atenção Básica Saúde na Escola (BRASIL, 2008) o trabalho de inclusão e a promoção de saúde dentro do âmbito escolar com os alunos em geral necessitam de um plano onde os professores tendem a realizar o que eles sabem e o que ainda podem realizar, desenvolvendo em cada aluno a sua capacidade de socializar no seu cotidiano e atuar com melhorias comportamentais adequados que facilitaram na sua inclusão.
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Segundo o Caderno de Atenção Básica Saúde na Escola (BRASIL, 2008), a atenção primária em saúde é uma das principais formas de adquirir o Sistema Único de Saúde (SUS), no entanto o horário de atendimento da atenção primária é diurno, em que coincidem com o horário o qual os estudantes estão presentes em sala de aula, dificultando assim o acesso das crianças a qualquer tipo de atendimento. Com isso, tanto o professor como o profissional de enfermagem enfrentam um desafio no que se refere à saúde das crianças no processo de escolarização, sobretudo, em relação a não compreensão e relações de sociabilidade que os pais precisam ter com esses sujeitos nos inúmeros contextos socioculturais dos quais poderá participar e interagir como cidadão de direitos.
O papel do professor e do profissional de enfermagem tem como principal ação diante do autismo “o cuidar e educar”, desse modo a atenção voltada não só para o autismo, mas também ao que representa para a família ou responsável, pela criança. Estes profissionais procuram diminuir através do contato com a família o medo do preconceito diante da sociedade e o sentimento de inferioridade perante o transtorno do filho que ainda é visto com preconceito (POSSI; HOLANDA, 2011).
Deste modo, é relevante que tanto o profissional de enfermagem quanto o da educação tenham conhecimento a respeito do autismo e saibam avaliar e auxiliar as famílias que convivem com o autista, de forma que a intervenção educacional e da enfermagem possam dar apoio ao cuidado prestado à criança, diminuindo assim o impacto causado pelo autismo na família, criando estratégias para diminuir o impacto na descoberta do autismo.
Poderá ser promovido atividades de interação entre a família e a criança, estimulando o contato por meio de brincadeiras com objetos de preferência da criança, uso de objetos lúdicos. Os profissionais poderão utilizar outros métodos como a dança, um método essencial que auxiliará muito na desenvoltura da criança. (QUEIROZ, 2011).
Possuem outras formas interativas para o tratamento do au-
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tismo como: PECS - Pictures Communication System- utilizando figuras para ensinar e estimular a criança a utilizar as figuras para se comunicar; TEACCH - Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com Deficiência de Comunicação - programa criado para autonomia e abordagem do autista, para sua inserção na sociedade e equoterapia - estimular a criança através da interação com animais a trabalhar sua coordenação motora e equilíbrio (LIMA; LAPLANE, 2016).
O profissional de enfermagem e o professor deverá criar situações para conscientizar sobre os sentimentos enfrentados pela família, mostrando que eles não são culpados pelo transtorno, e que estão expostos a vivenciarem estresse, depressão, culpa e tristeza. Porém cabe a estes profissionais criar algumas formas de implementação de melhor cuidado, educação e tratamento da criança autista, encaminhando-os a uma equipe multiprofissional adequada, conseguindo assim melhor assistência de forma humanizada e adquirindo a confiança da família e principalmente do autista (ZANATTA, 2014).
O autismo pode tornar-se um problema de doença familiar, pois envolve a família da criança autista em geral. Para integrar uma pessoa com necessidades especiais é fundamental a capacitação e conhecimento do profissional a qual se responsabilizará aos cuidados à pessoa com necessidades e quando se entende que um profissional qualificado é necessário na escola, sem que isso diminua a responsabilidade dos demais envolvidos na sua educação. Portanto, não há ganhos ao individualizar a criança autista, pois assim será incapaz de analisar o desenvolvimento dela diante de um grupo (BENITEZ; DOMENICONI, 2016). Existe, deste modo a marginalização da criança nos diferentes espaços que poderão ser formativos.
A formação dos profissionais para cuidar educar pessoas com necessidades especiais torna-se fundamental como meio integrador, visando a qualidade de ensino oferecido, é necessário um Projeto Político Pedagógico com um currículo que respeite a capacidade de cada estudante e que proponha metodologias diversificadas que considere o ensino a partir de um conhecimento
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transformador e integradores (SCHMIDT et al., 2016).
A integração dos sujeitos que se apresentam nas diversas frentes de atuação, precisa acontecer a contento e de forma emergente, no entanto para que isso ocorra, é necessário que, de forma institucional, provoquem-se uma importante ligação e responsabilização entre os serviços e profissionais que desenvolvem os cuidados (CAMARGO; BOSA, 2012). No que destaca-se do transtorno do espectro autista, não é uma síndrome que os métodos interativos não têm que ser em especial no que a criança faz, mas nas habilidades que ela deixou de desenvolver durante a infância onde melhorando nesse aspecto a criança autista vai ter mais possibilidades de integrar-se no ambiente escolar.
Assim, enfatizamos como problema de pesquisa: de forma os profissionais da educação e saúde podem contribuir na aprendizagem e inserção social de crianças com TEA? Como objetivo analisar a importância da integração entre escola, professores, setor/profissionais de saúde e família no processo de inclusão da pessoa com Transtorno do Espectro Autista. O acompanhamento terapêutico escolar é uma prática que tem sido utilizada no processo de inclusão escolar de crianças com necessidades educativas especiais. O trabalho do acompanhante, consiste em estar com a criança dentro e fora da sala de aula, buscando integrá-la ao grupo, envolvendo-a nas atividades propostas no cotidiano social e escolar.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória, com abordagem qualitativa, para refletir as possibilidades de desenvolvimento e inclusão da pessoa com transtorno do espectro autista no âmbito escolar como também na sociedade através da prática dos profissionais da educação e saúde. A pesquisa exploratória para caracterizar o problema, classificando e definindo, fazendo com que o problema se torne mais explícito, se caracteriza pelo esclarecimento de ideias, e tem como objetivo oferecer
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uma primeira ligação e uma visão ampliada de um fenômeno que é pouco explorado (GONSALVES, 2011).
A metodologia qualitativa baseia-se na análise de informações profundas, relatando a diversidade do comportamento humano, tornando assim uma análise mais detalhada sobre as informações necessárias para o andamento do estudo (LAKATOS; MARCONI, 2011).
A pesquisa foi realizada em 05 escolas regulares públicas de Caxias- MA, com 05 professores e 05 pais ou responsáveis de alunos com transtorno do espectro autista (TEA). A produção de dados ocorreu com a aplicação de um questionário, contendo perguntas abertas e fechadas, aplicado aos participantes da pesquisa e de entrevista que é uma técnica de de análise dos dados que facilitou a compreensão dos mesmos sobre as questões. Após a aplicação do questionário, procedeu a apreciação e discussão dos resultados. As falas produzidas no cotidiano da entrevista foram submetidas à análise de conteúdo, proposta por Bardin (2011), que tem como intuito a compreensão do significado das falas dos participantes através de categorias de analise para além dos limites do descrito na investigação.
O projeto de pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil onde foi direcionado para o Comitê de Ética em Pesquisa, com o número do parecer: 1.994.851. Os pesquisadores se responsabilizaram das normas preconizadas pela Resolução CNS nº 466/2012. Os sujeitos da pesquisa foram convidados a participar e receberam informações sobre as etapas, assim foram orientados a assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (BRASIL, 2012).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados desse estudo realizado com pais ou responsáveis por crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), foram analisados e discutidos com o intuito de alcançar os objetivos desejados. Foram obtidas algumas semelhanças em relação
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as respostas dos participantes de pesquisa, sendo que se constatou que todas as crianças frequentam o ensino fundamental em escolas regulares do município. 60% das crianças estudam no turno matutino e 40% no turno vespertino e todas ficam na escola durante um período de 4 horas.
Neste texto, optamos pela criação de categorias, as quais representam as falas dos interlocutores que participaram da investigação. Nesse sentido, foram criadas seis categorias, em consonância com o assunto enunciado nas entrevistas e que são descritas a seguir:
Categoria 1: Inserção da Criança com Autismo na Rede Regular de Ensino
Nesta categoria apresentamos os dados produzimos na pesquisa relacionados a percepção dos familiares sobre a inserção da criança com autismo na escola regular, pois sabemos dos problemas enfrentados, os quais merecem ser superados. De acordo com autores como Nogueira e Rio (2011) o emocional e social dessas crianças deve ser bem trabalhado na escola e na família. Para os colaboradores da pesquisa a escolha da escola foi no geral pela:
[...] proximidade da nossa residência, fica melhor para deixar na escola e pegar de volta depois que termina as aulas. (Colaborador 1)
Indicação, estrutura e equipe escolar, por ter projeto de inclusão social. Os gestores e professores se preocupam com as pessoas que tem alguma deficiência. (Colaborador 2)
Indicação, Estrutura da equipe escolar. A equipe de professores é qualificada e tem preocupação com nossos filhos pelo menos é o que nós pais percebemos (Colaborador 3).
Por ter projeto de inclusão social. No primeiro dia de aula mostraram o projeto pedagógico e falaram que se
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preocupam com a inclusão social das pessoas autistas (Colaborador 4).
Estrutura e equipe escolar. A professora do meu filho se preocupa com o desenvolvimento dele. Ela passa atividade diferenciada e adapta os recursos para ele poder melhor aprender. (Colaborador 5).
Diante do exposto, notamos a relevância de uma equipe escolar está preparada, do ponto de vista estrutural e pedagógico e no que diz respeito à formação e desenvolvimento de atividades e projetos na área de educação inclusiva, sobretudo para o entendimento do TEA, mobilizadas pelos professores/as e demais agentes escolares. Isso faz toda uma diferença na conscientização dos pais das crianças, da comunidade e da sociedade como um todo.
A Lei nº 13.146 de 6 de julho de 2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, destina-se a proporcionar e a promover condições de igualdade, a prática dos direitos e das necessárias liberdades da pessoa com deficiência, objetivando a inclusão social, de modo que a pessoa com Transtorno do Espectro Autista passou a ser considerada pessoa com deficiência, podendo assim usufruir dos seus direitos. O quarto capítulo da lei retrata o direito à educação, ressaltando que a pessoa com deficiência tem direito à educação em todos os níveis de ensino durante toda a vida (FERNANDES; AMATO, 2013).
A criança autista pode apresentar algumas dificuldades de aprendizagens escolares, por essa razão essas dificuldades devem ser trabalhadas juntamente com os professores e o acompanhante terapêutico, para que essa criança possa a cada dia desenvolver habilidades cognitivas e psicopedagógicas acerca da aprendizagem das disciplinas curriculares do ensino e inserção no contexto social.
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Categoria 2: Acompanhamento socieducacional da família
Nesta categoria encontramos respostas que condizem com as abordagens teóricas sobre o acompanhamento socioeducacional da família de pessoas autistas. Dessa forma, os professores e as famílias devem estimular a criança através da interação social trabalhando com atividades lúdicas que possa colaborar com sua coordenação motora e equilíbrio (LIMA; LAPLANE, 2016). As famílias acompanham seus filhos de várias formas, tais como: relatórios, reuniões, exercícios e até mesmo das provas. Abordaremos as inquietações e anseios dos acompanhantes de crianças no TEA,
Através dos Relatórios. A escola organiza uma espécie de relatório com as principais e emergentes dificuldades e também os avanços da criança, aí a família pode melhor acompanhar o desenvolvimento. (Colaborador 1)
Reunião, outros: vou até a escola e procuro saber como ele está. Quando termina as reuniões sempre fico um pouco mais e pergunto todas as dúvidas para a professora e até mesmo para as diretoras e coordenadoras da escola. (Colaborador 2)
Através das Provas. Eu vejo o desenvolvimento e a aprendizagem do meu neto pelas provas. Nem sempre ele consegue alcançar um bom conhecimento, mas com tudo que faz a mais fico feliz e telefono para a mãe dele que mora fora em busca do sustento. (Colaborador 3)
Durante as Reunião é o momento que tiro as minhas dúvidas e vejo as dificuldades que meu sobrinho tem em aprender os conteúdos. Já entendo que ele não gosta de Geografia, fica sempre muito inquieto e possui muitas dúvidas. (Colaborador 4)
Provas. Mas nem sempre nas provas ele acerta muita coisa. Vejo os erros e onde ele poderá melhorar para as próximas atividades. Mas é complicado ensinar ele, pois tem dificuldades em se comportar (Colaborador 5)
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Como se observa nas falas, os pais/responsáveis afirmam que o acompanhamento dos filhos nas atividades e desempenhos em sala de aula ocorre por meio da verificação de relatórios, de provas realizadas e quando acontecem reuniões na escola.
Destacamos que o acompanhamento da família na escola é fundamental, pois a mesma estabelece a primeira relação de interação social, e ensina as noções de como deve ser a convivência em conjunto, sendo essa participação da família necessária para auxiliar no desenvolvimento escolar de cada criança, de crianças diagnosticadas com autismo, devido às dificuldades na comunicação e interação social, devendo acontecer uma interação entre a família e a escola, sendo substancial que aconteça essa relação, para que com esse contato a família forneça para a escola as principais informações e sugestões, o que propiciará uma resposta mais efetiva às necessidades dos estudantes no TEA (BRASIL, 2013). Logo, para que uma escola seja considerada inclusiva deve garantir qualidade de ensino educacional e a dignidade humana conhecendo e respeitando cada sujeito e atuando de acordo com as potencialidades apresentadas no cotidiano escolar.
Categoria 3: Inserção da Criança com Autismo na escola Regular
A escola regular pública para as famílias de baixa renda que possui crianças com autismo termina sendo a única e melhor alternativa, uma vez que por meio da pesquisa, percebemos que os médicos e enfermeiros orientam que os familiares procurem a escola e dessa forma os incentivam a acompanhar o desenvolvimento social e educacional das crianças. Nesta perspectiva, a escola precisa ser um espaço que venha a acolher qualquer um dos tipos de transtornos globais do desenvolvimento, isto é, todos aqueles que transitam na educação especial. Só na escola será possível trabalhar a socialização e representação da criança.
(MUOTRI, 2011). Nas respostas dos familiares, a escola é uma alternativa de socialização das crianças, para além de aprender e desenvolver-se intelectualmente, ou seja:
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Foi para escola por orientação médica. Na visão do médico ele não poderia ficar somente em casa, tinha que se socializar com outras crianças e pessoas fora da família. Mas é difícil, pois é muito agitado e às vezes fica aborrecido com os colegas. (Colaborador 1)
Necessidade de socialização. Sempre foi inquieto e em casa ficava sempre com as portas fechadas, isso incomodava ele e toda a família, mas temos muito medo da rua. (Colaborador 2)
Pela própria questão financeira, eu tinha que trabalhar e não havia ninguém para ficar com ele em casa. A escola serve também para que eu fique mais tranquila quando estou trabalhando. É difícil a escola e alguns professores não estão preparados para atender a inclusão. (Colaborador 3).
Porque tinha que se socializar com outras pessoas, como essa escola fica próximo de casa isso é ótimo. Depois que iniciou ir para a escola vejo que ele melhorou sua adaptação (Colaborador 4).
Necessidade de socialização. A escola faz algumas atividades que é importante para o desenvolvimento pessoal dele. Professores não sabem lidar com essa problemática. (Colaborador 5)
Conforme os relatos acima, dentre os motivos que influenciam na inserção da criança com TEA na escola regular destacam-se a orientação médica e necessidade de socialização. Sobre essa temática, salienta-se que atualmente existe um movimento de reinserção das crianças com autismo em escolas regulares e cada vez mais a escola deve se adequar para proporcionar à criança com autismo habilidades sociais que melhorem seu desempenho no âmbito educacional, social e ocupacional, propiciando dessa maneira melhorias na socialização e diminuição de exclusão dessas crianças (BRASIL, 2013).
O debate em torno da falta de preparação dos professores conforme pontuado pelo colaborador 3 e colaborador 5 é uma questão sempre recorrente, tendo em vista que a própria formação inicial, não consegue dá conta de todas as áreas do conheci-
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mento, sobretudo, pelo aligeiramento da formação e a achatamento do currículo que vem sofrendo profundas alterações ao longo do tempo nas políticas educacionais brasileira. Ao adentrar nas escolas, como lócus de desenvolvimento profissional e formação continuada dos docentes, há um fosso que vai se ampliando, pela própria inexistência de políticas públicas voltadas para a educação especial que potencialize saberes, práticas e conhecimentos, bem como abordagens e formas de trabalho dos professores que possam contemplar as dimensões formativas e de formação dos sujeitos que precisam de uma educação de qualidade, no contexto da educação especial e inclusiva, independente de quaisquer condições.
É necessário também conscientizar as famílias que legalmente o Estado tem a obrigatoriedade de garantir a permanência de estudantes com deficiência nas redes regulares de ensino e, sobretudo oferecer o atendimento educacional especializado (AEE).
Categoria 4: Tempo que iniciou a vida escolar
Dos interlocutores pesquisados três colocaram as crianças tarde para estudar, precisaram interferência dos médicos e ou familiares para terem coragem de levar para escola. Uma mãe precisou levar a criança para a escola por motivos financeiros e tinha que trabalhar. Passam por grandes dificuldades, inclusive de falta de alimentação e material escolar, mas acredita que o filho pode melhor se desenvolver com ajuda dos professores. De acordo com Lima, Laplane (2016) para uma criança com TEA ou com dificuldades de aprendizagem venha a se desenvolver é necessário traçar metas com a equipe da escola para que possam ser realizadas essas atividades em salas de aulas e em casa, para não diminuir a exclusão do aluno pelos próprios colegas. Desta forma, nas respostas percebemos que essas crianças estão com pouco tempo na escola e sentem muitas dificuldades, a citar,
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Ele está com 2 anos que iniciou a escola. Agora acho que já poderia ter ido bem mais cedo, pois já tem 10 anos. (Colaborador 1).
Tem 4 anos na escola. Quando iniciou tinha 6 anos, hoje acho que perdeu tempo, saber lê um pouco e faz algumas atividades só e quando eu ajudo faz todas. (Colaborador 2).
Está somente com 3 anos. Ele foi na idade certa, no entanto, possui algumas dificuldades em aprender a lê e até mesmo escrever, fico sempre chamando a atenção dele (Colaborador 3)
Tem 4 anos na escola. Fico triste que as vezes não consegui fazer as atividades e eu como vou trabalhar e chego tarde nem sempre posso acompanhar os deveres (Colaborador 4).
Vai fazer agora 4 anos. Eu não vou desistir, tentarei que ele vá para escola toda minha vida. É importante para o desenvolvimento social e emocional (Colaborador 5).
Em se tratando vida escolar das crianças com autismo, verificamos, que as crianças iniciaram suas vidas escolares aos dois, três e quatro anos de idade. Vale ressaltar que a inserção da criança com transtornos globais do desenvolvimento dentro da educação infantil é ofertada desde os primeiros anos da infância, sendo que essa educação até os 5 anos se torna uma das mais importantes etapas de ensino, devendo ser acessada pela criança com qualquer um dos tipos de transtorno globais do desenvolvimento o mais precocemente possível (MUOTRI, 2011). É nessa etapa da educação básica que o desenvolvimento da criança é trabalhado, sendo capaz de potencializar aspectos fundamentais para a criança com TEA bem como para outras crianças que compõem o transtorno global do desenvolvimento.
Categoria 5: Dificuldades com a escola
Nesta categoria percebemos que são inúmeras as dificuldades enfrentadas pelas famílias na escola que seus filhos estudam, esses problemas estão relacionados ao currículo, financei-
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ro e de relacionamento. Desta forma, os profissionais da escola e da área da saúde devem diminuir a distância entre essas pessoas através do contato com a família, na tentativa de superar o preconceito social e o sentimento de inferioridade vivenciado pelas crianças autistas (POSSI; HOLANDA, 2011). As percepções dos familiares estão trabalhadas abaixo,
As dificuldades são relacionadas ao conteúdo e aprendizagem. A professora tenta, mas são muitos alunos. Fica cansativo para ela acompanhar todos e mais duas crianças com autismo na sala, as vezes vai um acompanhante, mas não é sempre. (Colaborador 1)
Falta de recursos financeiros para materiais escolares, Outros. (Barreira com próprios colegas em sala de aula). Ele tem muitas dificuldades de se relacionar com os outros (Colaborador 2)
Falta de inclusão social. Ele fica muito aborrecido e eu sempre preocupada com o comportamento dele. Até em casa é complicado, fica muito agitado. A escola não atende as especificidades dos deficientes. (Colaborador 3)
Não percebo muitas dificuldades. Mas ele não sabe como e do tanto dos outros meninos da idade dele. Os professores não têm uma boa formação na área da inclusão do deficiente. (Colaborador 4)
Falta de recursos financeiros para materiais escolares. Na minha casa falta tudo inclusive alimentação. (Colaborador 5)
Através das respostas dos pais e responsáveis, observou-se que as crianças ainda enfrentam dificuldades acerca da sua inserção na escola, as quais se referem a falta de recursos financeiros para materiais escolares, barreiras com os próprios colegas em sala de aula e falta de inclusão social. São situações sociais que a escola não consegue dar conta sozinha para resolver as mazelas produzidas pelas desigualdades sociais.
Convém mencionar que a escola é o ambiente onde se promove o conhecimento e o desenvolvimento. Nesse ambiente
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devem ser realizadas praticas pedagógicas com planos de aula, não apenas para identificar os conhecimentos já presentes, e sim estimular as crianças com TEA para que se tornem indivíduos independentes (BRASIL, 2009).
As problemáticas vivenciadas na escola devem ser trabalhadas para ultrapassar as barreiras enfrentadas pela criança com deficiência. Além disso, a escola deve proporcionar aos alunos a condição para garantir a sua participação em todas as atividades, quebrando barreiras atitudinais e transformando o ambiente escolar para o acolhimento das diferenças.
Categoria 6: Dificuldades sociais vivenciadas na comunidade
Nesta categoria de um modo muito especial perguntamos sobre as maiores dificuldades enfrentadas pela família no contexto social e escolar, pois através de autores como: Camargo; Bosa (2012) e Shenk (2012), percebemos que as pessoas que acompanham o desenvolvimento social, educacional, emocional e cognitivo de pessoas que estão no TEA enfrentam dificuldades tanto pelas “limitações” da pessoa como pela falta de compreensão da sociedade em aceitar e respeitar as diferenças com suas especificidades de seres humanos. Assim apresentaremos a posição dos familiares partícipes da pesquisa, a saber,
Na comunicação. Ele tem dificuldade de se comunicar até dentro de casa com seus familiares. As pessoas não estão preparadas para lidar com o diferente, ou seja, com o deficiente. (Colaborador 1).
As pessoas de fora não entendem o que ele quer, isso fica complicado para a própria professora na escola. Muitas dificuldades são por não saber o que ele está pedindo ou querendo. A escola não sabe lidar com o deficiente. (Colaborador 2).
Não teve muitas dificuldades. Só com as atividades de algumas disciplinas escolares. Mas tento ajudar na compreensão do conteúdo que está estudando. (Colaborador 3).
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Na hora de brincar com as outras crianças sempre tem falta de compreensão das outras crianças. Muito complicado a aceitação dos outros com a realidade dele. Muitos professores não sabem tratar o deficiente e suas limitações. (Colaborador 4).
Falta de estimulação da linguagem. A escola não está ajudando ele a se comunicar melhor, acredito que deveria ser o maior objetivo da escola, pois tem muitas pessoas na sala, deveria facilitar. (Colaborador 5).
Assim, os problemas sociais vivenciados na comunidade/escola, segundo os participantes estão associados a falta de: comunicação com a criança; compreensão das outras crianças e a dificuldade de estimulação da linguagem e a interação em sala e na escola.
O desenvolvimento da criança no TEA dentro da comunidade acontece de forma lenta e sigilosa, os relacionamentos com outras crianças podem ser difíceis e raros de acontecer. Nesse contexto, a família tem papel fundamental para a melhoria desse quadro, pois educará e trará estratégias para a inserção da criança no meio social (NOGUEIRA; RIO, 2011).
Os profissionais que atendem as crianças precisam ser qualificados através de formações continuadas para possibilitá-los acompanhar, avaliar e orientar as famílias, de modo que a intervenção conflua para o apoio à família e aos cuidados na educação de estudantes com TEA. Os professores e os profissionais da saúde em destaque o da enfermagem tem um papel decisivo nestas intervenções não só com a família da criança autista, como também nas demais famílias, para assim evitar exclusões e preconceitos que podem ser vivenciados pela criança com autismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A inserção da criança com transtorno do espectro autista na escola deve ser realizada o quanto antes, para que a criança
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desenvolva seus primeiros contatos com as demais crianças da mesma faixa etária e já de cedo aprenda como desenvolver suas habilidades cognitivas e psicomotoras e sociais.
As dificuldades escolares encontradas em crianças com algum transtorno do desenvolvimento estão presentes no dia a dia escolar. Em virtude disso, o papel da educação inclusiva é estimular a socialização, e também promover aos demais estudantes, ideias e situações de respeito e igualdade, trabalhando a tolerância com possíveis situações que possivelmente podem acontecer no ambiente escolar.
Em casos de crianças menores é importante que o pai ou responsável integre a criança na comunidade em atividades ao ar livre, ou seja, locais como parques públicos onde a mesma possa participar de brincadeiras como se balançar, escorregar, correr, se socializar com outras crianças dentre outras. Em casos de crianças maiores, a caminhada em parques e praças representa um meio prático de socialização.
A família, a equipe de saúde (profissionais da enfermagem) escola (professores) assumam papel fundamental de formadores e educadores no desenvolvimento social da criança com deficiência, em especial com TEA sendo que o pai ou responsável deve buscar meios para integrar a criança na sociedade, a fim de promover a interação com as demais pessoas da comunidade e em outros espaços sociais. Para isso a qualificação profissional tanto dos professores quanto dos enfermeiros através de políticas de formação continuada, é imprescindível para contribuir neste processo de inclusão de pessoas autistas.
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ENtENDImEnTo DE PRoFiSSIOnAiS DE SAÚDE ACERCA
Do ESpECtRo Do AuTISmO: a imPoRTânCiA Da fORmAçãO paRA a tOmADa DE DECISãO
Capítulo 6
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: uma parte de mim, não o todoo acompanhamento psicossocioeducacional e em saúde
Autoras e autores:
Francidalma Soares Sousa Carvalho Filha
Najra Danny Pereira
Marcus Vinicius da Rocha Santos da Silva
Hilma Mirella Costa e Silva
Iel Marciano de Moraes Filho
Maria Vitória Melo de Oliveira
Natálya de Carvalho Coelho
RESUMO
O Transtorno do Espectro do Autismo, constitui um grupo de desordens importantes da comunicação e interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades. Assim, a Atenção Primária à Saúde (APS), a partir da atuação multiprofissional e interdisciplinar, pode ser uma grande aliada na detecção precoce de sinais e encaminhamento oportuno para a realização do diagnóstico, pois se constitui em um conjunto de ações implementadas no primeiro nível de atenção e está voltada para a promoção e proteção da saúde em âmbito individual e coletivo. O objetivo deste estudo foi analisar o conhecimento de médicos e enfermeiros atuantes na Atenção Primária em Saúde em Caxias-MA sobre o Transtorno do Espectro do Autismo, seus sinais e condutas terapêuticas, verificando a sua formação acerca da temática. Trata-se de um estudo avaliativo, descritivo, com abordagem qualiquantitativa. A coleta de dados ocorreu mediante a realização concomitante de dois procedimentos: a entrevista semiestruturada e aplicação de um questionário, entre os meses de maio e agosto de 2014; participando 39 médicos e 42 enfermeiros. No que tange aos resultados, além de tabelas com informações sociodemográficas e acadêmico-profissionais, organizaram-se os dados qualitativos em três categorias, às quais: Entendimento de médicos e enfermeiros sobre atraso no desenvolvimento; Conhecimento de médicos e enfermeiros acerca do TEA; e ainda, Encaminhamento de pessoas com TEA para instituir terapia. Verificou-se também que o conhecimento dos médicos e enfermeiros sobre a temática ainda é escasso e insuficiente para uma prática assistencial de qualidade, e que, em geral, não são realizadas ações de saúde efetivas com vistas à percepção de sinais de alerta para TEA. Portanto, é necessário que os profissionais de saúde atuantes na APS busquem qualificação e informações sobre a temática para que possam detectar mais cedo os casos, instigando uma assistência de maior qualidade.
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Palavras-chave: Conhecimento. Médicos. Enfermeiros. Atenção Primária à Saúde. Transtorno do Espectro Autista.
INTRODUÇÃO
O termo autismo tem sua origem no grego autós, que significa de si mesmo. O Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-V) estabelece parâmetros para agrupar o autismo e outras desordens como a Síndrome de Asperger e os transtornos globais sem outras especificações em uma categoria única - o Espectro do Autismo, caracterizado por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e modalidades de comunicação, além de repertório de interesses e atividades restrito, repetitivo e estereotipado (APA, 2014; FERRARI, 2012).
Os transtornos do Espectro do Autismo têm atraído a atenção de pesquisadores interessados no estudo dos distúrbios do desenvolvimento que cursam com padrões atípicos de comportamento, sendo caracterizados por anormalidades qualitativas abrangentes e com diferentes graus de comprometimento nas seguintes áreas do desenvolvimento: Habilidades de interação social recíproca, habilidades na comunicação social e presença de estereotipias de comportamento, interesses e atividades. Apresentando maior prevalência no sexo masculino e na maioria dos casos, manifestando sintomas nos primeiros dois ou três anos de vida e ocasionando um desvio em relação ao nível de desenvolvimento esperado para sua idade (PAULA; RIBEIRO; TEIXEIRA, 2011; SCHWARTZMAN, 2011).
Anteriormente, o diagnóstico era confirmado apenas após os 4 anos de idade, quando a condição se tornava clinicamente evidente, observando como principais sinais: retraimento, imutabilidade, estereotipias e ausência da linguagem. Entretanto, já existe um consenso quanto a admitir que o distúrbio autístico pode ser detectado muito precocemente, a partir do nascimento. Por essa razão, a efetivação do diagnóstico o mais precocemente possível é fundamental para se iniciar a terapêutica indicada e ampliar a qualidade da evolução (FERRARI, 2012).
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Neste sentido, com o intuito de melhorar a atenção e intensificar a descoberta de casos novos de maneira precoce, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013; BRASIL, 2015) estabeleceu a linha de cuidado para a atenção integral às pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e suas famílias na rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde (SUS), além das Diretrizes de atenção à reabilitação, com vistas a ampliar o acesso e a qualificação da assistência a essa população nos diferentes pontos da rede de cuidados à pessoa com deficiência.
Assim, a Atenção Primária à Saúde (APS) a partir da atuação multiprofissional e interdisciplinar, pode ser uma grande aliada na detecção precoce de sinais e encaminhamento para a realização do diagnóstico, pois se constitui em um conjunto de ações implementadas no primeiro nível de atenção e está voltada para a promoção da saúde em âmbito individual e coletivo. Sendo também responsável por atuar na proteção da saúde, prevenção e diagnóstico de doenças, reabilitação e manutenção do estado de saúde, fundamentada nos princípios da universalidade, equidade e integralidade do cuidado (BRASIL, 2012).
Neste sentido, sabedores de que em Caxias – MA, a exemplo da maioria dos municípios brasileiros, existe uma precariedade nas ações de saúde voltadas para o rastreamento e diagnóstico precoce dos distúrbios do desenvolvimento, é de fundamental importância a realização de estudos como este, que poderão alertar aos gestores em saúde e aos profissionais atuantes tanto na Atenção Básica quanto na especializada, sobre a necessidade de desenvolverem atividades e ações que possibilitem a detecção de sinais, o diagnóstico precoce e o tratamento integral.
Portanto, este trabalho teve como objetivo analisar o conhecimento de médicos e enfermeiros atuantes na Atenção Primária em Saúde em Caxias-MA sobre o Transtorno do Espectro do Autismo, seus sinais e condutas terapêuticas, verificando a sua formação acerca da temática.
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METODOLOGIA
Trata-se de um estudo avaliativo, descritivo, com abordagem qualiquantitativa. Nesse sentido, realizou-se uma avaliação das ações de assistência realizadas por enfermeiros e médicos da Atenção Primária à Saúde durante as consultas de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança, com vistas a se analisar o conhecimento de tais profissionais acerca do TEA e saber as intervenções desenvolvidas ao perceberem quaisquer sinais de atraso no desenvolvimento infantil.
O cenário da investigação foi o Município de Caxias, com área de 5.150,647 km², situado na região leste do estado do Maranhão, a 374 quilômetros da capital São Luís, e a 70 quilômetros da capital piauiense, Teresina. Apresenta uma população aproximada de 155.129 habitantes (IBGE, 2019). Assim, compuseram o campo de pesquisa as 32 Unidades Básicas de Saúde do Município.
Entre os profissionais atuantes na APS, existiam 53 médicos e 52 enfermeiros. Solicitou-se a participação dos mesmos e dentre os convidados, 81 aceitaram participar do estudo, dos quais 39 médicos e 42 enfermeiros.
A coleta de dados ocorreu mediante a realização concomitante de dois procedimentos: a entrevista semiestruturada e aplicação de um questionário, entre os meses de maio e agosto de 2016.
Após a realização e transcrição das entrevistas, as respostas foram submetidas à Análise de Conteúdo, proposta por Bardin (2011), que tem como propósito a compreensão do significado das falas dos sujeitos para além dos limites daquilo que é descrito. Entre as técnicas de Análise de Conteúdo, optou-se pela Análise Temática, que busca os núcleos de sentido, os quais constituem a comunicação e cuja expressão revela algo de importante para o objeto estudado.
Assim, de posse do material oriundo das entrevistas, procedeu-se à classificação em três categorias, inferência, descrição
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e interpretação minuciosa de todo o conteúdo. Para tanto, de acordo com Gomes (2010), após a leitura compreensiva das falas, foi feita a sua exploração e, portanto, a análise propriamente dita. Por fim, elaborou-se uma síntese interpretativa por meio de uma redação que proporciona um diálogo do tema com objetivo, questões e pressupostos da pesquisa.
Para garantir o sigilo e anonimato dos participantes do estudo, seus nomes foram substituídos pelas abreviações “E”, para representar os profissionais enfermeiros e “M”, para os médicos. A essa identificação, foi acrescida, uma numeração que corresponde à ordem em que foram organizadas as entrevistas.
Quanto aos dados quantitativos, após a aplicação dos formulários aos profissionais de saúde, compôs-se um banco de dados, que foram digitados no software StatisticalPackage for the Social Sciences– SPSS (versão 20.0 for Windows), posteriormente, consolidados por meio das técnicas de estatísticas descritivas (frequências absoluta e relativa) e apresentados sob a forma de tabelas. Procedeu-se a discussão dos achados com base na literatura produzida sobre o tema.
O projeto foi submetido à Plataforma Brasil e daí, direcionado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Maranhão, com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 30648114.8.0000.5554. E antes de serem submetidos aos instrumentos de coleta de dados, os participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A tabela 1 refere-se aos dados profissionais coletados a partir dos questionários aplicados a enfermeiros e médicos atuantes na APS em Caxias-MA. Assim, os achados foram dispostos de modo a evidenciar as interlocuções de ambas as categorias profissionais.
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Tabela 1 – Distribuição dos participantes conforme as características profissionais. Caxias-MA, 2016.
Formação profissional
Fonte: Pesquisa Direta
Observando-se a tabela, percebe-se que 39 (48%) profissionais são médicos e 42 (52%) são enfermeiros. Constatou-se que, em termo de aceitação em participar do estudo, o quantitativo de sujeitos referentes a ambas as categorias profissionais foi muito semelhante, sendo maior pelos enfermeiros, o que se assemelha a outras pesquisas, como uma desenvolvida por Cezar-Vaz (2007), que revelou uma aceitação maior para participar de pesquisas também por estes trabalhadores, em uma proporção de 36 enfermeiros para 19.
A esse respeito, ressalta-se que na presente pesquisa, a temática revelou-se desafiadora. 9 enfermeiros e 7 médicos deixaram de participar por referirem que, apesar de atuarem na APS, não atendem crianças, o que exige uma reflexão, pois como se sabe, este nível de atenção é a porta de entrada do sistema e deveria ser o contato inicial de todas as pessoas com os serviços
Quanto à formação profissional, 58 (72%) participantes pos-
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saúde.
de
VARIÁVEIS Nº % Categoria
Médico (a) Enfermeiro (a)
Profissional
Pós-graduação Latu Senso Mestrado Doutorado Tempo de graduação <1 ano 1 – 3 anos 4 – 7 anos 8 – 11 anos >11 anos Total 39 42 58 18 4 1 5 20 25 12 19 81 48,0 52,0 72,0 22,0 5,0 1,0 6,0 25,0 31,0 15,0 23,0 100,0
Graduação, somente
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suem apenas a graduação, 18 (22%) têm especializações em diversas áreas, 4 (5%) são mestres e 1 profissional (1%) é doutor. Esses dados revelam que os profissionais estão concluindo a graduação e não buscam uma qualificação, pois o ideal era que tivessem pós-graduação, principalmente em Saúde da Família ou Saúde Pública; visando melhorar a assistência ofertada. Com referência a isso, Ribeiro, Silva e Puccini (2010) enfatizam a importância da pós-graduação e de programas que visem à atualização dos profissionais da APS para atuarem de forma mais incisiva em relação à estimulação precoce, orientações antecipatórias e identificação de distúrbios relacionados ao desenvolvimento.
Ademais, conforme Mendonça et al. (2010), a equipe médica pós-graduada está centrada em especialidades com ênfase na média e alta complexidade, reforçando a carência por profissionais com competências para desenvolver ações de proteção e promoção da saúde e criando divergências entre as expectativas do profissional e o que é esperado dele, uma vez que a Estratégia Saúde da Família exige uma atuação generalista e com conhecimentos importantes nesta área.
Em relação ao tempo de graduação, constatou-se que 5 (6%) participantes têm menos de um ano de graduado, 20 (25%) apresentam entre 1 e 3 anos e 56 (69%) profissionais têm 4 anos ou mais de formados. Esse dado contraria a discussão anterior, em que 72% dos participantes ainda não realizaram nenhuma especialização, mesmo com tempo suficiente de graduação. Ainda assim, o período de formado pode demonstrar maturidade e experiência profissional, muitas vezes adquiridas pelo tempo de experiência em suas atividades. Fato semelhante foi observado em uma pesquisa desenvolvida por Silva e Ferreira (2011), em que constataram que a experiência profissional do enfermeiro é um elemento relevante para a análise do agir, sobretudo no que tange ao manejo da tecnologia que se encontra articulada à assistência do cliente.
A Tabela 2 mostra informações referentes aos sinais mais presentes em pessoas que apresentam TEA, os recursos diagnósticos para detecção do transtorno as terapias disponíveis.
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Tabela 2 – Distribuição de dados relativos ao conhecimento de médicos e enfermeiros atuantes na APS sobre o TEA. Caxias, MA, 2016.
Atendimento a crianças com déficit no desenvolvimento
Sim
Não
Não lembra/Não sabe se atendeu
Sinais mais evidentes na pessoa no TEA Estereotipias motoras
Surdez
Adesão inflexível às rotinas
Crise convulsiva
Pobre de expressões faciais
Cegueira
Paralisia de membros
Nistagmo
Ausência de contato visual
Estereotipias vocais
Diagnóstico de TEA sem exames complementares
Sim, sempre
Sim, em casos isolados
Sim, mas depende da idade
Não
Desconhece o assunto
Exame mais adequado para o diagnóstico de TEA Eletroencefalograma Ressonância
Fonte: Pesquisa Direta.
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Nº %
VARIÁVEIS
Anamnese Não tem conhecimento Tratamento medicamentoso no TEA Em nenhum caso Em casos isolados, quando necessário Em todos os casos, sem distinção Terapia comportamental para o TEA Em nenhum caso Em casos isolados, quando necessário Em todos os casos, sem distinção Total 30 47 4 67 15 76 14 66 2 6 19 59 72 47 2 7 17 8 8 1 6 19 32 15 9 63 9 2 15 64 81 37,0 58,0 5,0 83,0 18,5 94,0 17,0 81,4 2,4 7,4 23,4 73,0 89,0 58,0 2,4 8,6 21,0 10,0 10,0 1,2 7,4 23,4 39,5 18,5 11,0 78,0 11,0 2,5 18,5 79,0 100,0
nuclear magnética Exame de cariótipo Exame físico
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Verificou-se que 30 (37%) participantes referiram que já realizaram algum atendimento a crianças com déficit no desenvolvimento e 51 (63%) afirmaram nunca ter atendido paciente com este tipo de atraso na APS. De acordo a Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que cerca de 10% da população de qualquer país em tempo de paz apresenta algum tipo de deficiência. Desse percentual, 5% detêm deficiência mental. Considerando-se a população brasileira do último censo (IBGE 2010), de 190.732.694 habitantes, haveria 953.663 pessoas deficientes mentais, das quais apenas 2% recebem algum tratamento.
Diante desses dados, compreende-se como a APS não tem desenvolvido suas ações como deveria, pois atividades simples como o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento de crianças não estão sendo realizadas, privando-as de seus direitos, uma vez que os profissionais deixam de implementar atendimentos de sua inteira competência. Por isso, é necessário destacar a importância de uma assistência de qualidade no que tange ao acompanhamento do desenvolvimento infantil, pois o prognóstico de crianças com atraso poderia ser mais efetivo.
Consoante Reichert et al. (2012), embora a vigilância do desenvolvimento infantil seja fundamental para a promoção da saúde da criança, há possibilidades de o profissional enfermeiro, no cotidiano de suas ações, priorizar outras atividades em detrimento desta. De acordo com Stone e Turner (2011), quando o acompanhamento do desenvolvimento infantil é realizado de maneira correta, é possível a percepção precoce dos desvios da normalidade, e, quando detectadas, propor medidas a fim de prevenir maiores complicações. Essa prática possibilita a atenção à população infantil em suas necessidades e contempla os princípios da integralidade, equidade e universalidade das ações de saúde, favorecendo a qualidade da assistência que é de direito da criança e sua família.
A segunda variável refere-se aos sinais que, em geral, estão presentes na pessoa com TEA, na percepção dos médicos e enfermeiros atuantes na APS em Caxias-MA. Os resultados
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mais relevantes demonstram que a adesão inflexível às rotinas foi citada por 76 (94%) profissionais; as estereotipias vocais foram informadas por 72 (89%); as estereotipias motoras, por 67 (83%); a pobreza de expressões faciais foi mencionada por 66 (81,4%) e a ausência de contato visual, por 59 (73%). Os sinais apontados pelos entrevistados geralmente estão presentes na pessoa com TEA, entretanto podem se apresentar em menor ou maior intensidade, conforme o nível de acometimento. Neste ínterim, é importante destacar que, conforme Protocolo (2014), o diagnóstico de autismo deve ser realizado com base em sinais e sintomas específicos, devendo ser implementado por um especialista, neurologista ou psiquiatra e uma equipe multidisciplinar, seguindo os critérios da DSM-V.
É conveniente ressaltar que, embora os profissionais da APS não realizem diagnóstico de autismo, é necessário que conheçam os sinais mais comuns, bem como os critérios para diagnóstico, inclusive para nortear suas práticas e condutas, tais como: orientações aos familiares diante de uma suspeita, encaminhamento à atenção especializada e acompanhamento do paciente diagnosticado, além de fazer valer os princípios da referência e contra referência. Nesse sentido, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2015) desenvolveu uma linha de atenção à reabilitação da pessoa com TEA no SUS, em que, entre as informações, estão explícitos os índices de desenvolvimento esperados para cada idade, além de destacar os sinais sugestivos para autismo nas faixas etárias de 0 a 36 meses e propor sugestões de roteiro de anamnese, que poderá ser usado na prática de assistência à criança, inclusive pelos profissionais da APS. Outrossim, destacam também a atuação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Estratégias de Reabilitação Psicossocial, Centros de Convivência e Cultura, Atuação à Urgência e Emergência e outros entes.
No que tange à concepção dos profissionais em relação à efetivação do diagnóstico dos transtornos do espectro do autismo sem o uso de exames complementares, 47 (58%) participantes afirmaram que o mesmo pode ser realizado, sempre, sem esses recursos. Para 17 (21%) participantes isto não pode ser feito.
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Além disso, 7 (8,6%) referiram que dependendo da idade, não precisa utilizar exames, e 2 (2,4%) apontaram que isto ocorre em casos isolados. Por fim, 8 (10%) responderam que não tinham conhecimento acerca do assunto.
Assim, considerando a maioria dos participantes, Steiner, Guerreiro e Faria (2014) afirmam que nenhuma alteração bioquímica ou de neuroimagem se mostra eficaz para a confirmação do TEA e, por isso, o diagnóstico é exclusivamente clínico, razão pela qual se faz necessário que seus aspectos clínicos sejam conhecidos por um número maior de profissionais, cujo campo de atuação envolva a faixa etária dos primeiros anos de vida. Portanto, o diagnóstico de TEA é feito basicamente por intermédio de uma investigação clínica apurada, pois não existe um marcador biológico pelo qual se identifica o autismo por meio de exames laboratoriais.
Ainda em relação ao diagnóstico de TEA, quando questionados sobre o exame ideal, 32 (39,5%) participantes responderam que deveria ser a anamnese; 19 (23,4%) referiram o exame físico e 15 (18,5%) disseram não deter conhecimento acerca do assunto. Assim, apesar de 51 (62,9%) profissionais terem apontado a anamnese e o exame físico como a melhor estratégia diagnóstica, percebe-se que muito pouco tem sido feito nos consultórios médicos e de enfermagem das Unidades Básicas de Saúde neste sentido, pois, em geral, os atendimentos às crianças são rápidos e centrados nas queixas da criança e/ou do acompanhante. Confirma este dado Sousa e Erdmann (2012), que referem que a pressa no atendimento, comumente observada na prática de assistência à saúde, se impõe como dificuldade para o cuidado à criança. Por esta razão, as consultas médicas e de enfermagem não podem configurar-se em um ato mecânico para buscar sintomas e queixas, fazendo com que o cuidado nem sempre seja eficaz, pois impede que o profissional de saúde olhe para a criança como um ser singular com necessidades individuais e específicas.
Ademais, observou-se que 18,5% dos participantes não souberam responder, demonstrando, que, de fato, o acompanha-
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mento do crescimento e desenvolvimento da criança na APS tem sido realizado de forma incompleta e seccionada e tem deixado de lado a investigação de possíveis alterações que poderiam ser muito úteis no diagnóstico precoce e no estabelecimento da terapêutica. A este respeito, Gadia, Tuchman e Rotta (2004) enfatizam a não existência de marcadores biológicos para definir o quadro de TEA. Destacam, ainda, que alguns exames complementares, como eletroencefalograma e ressonância nuclear magnética podem permitir a compreensão de fatores associados a esse transtorno, mas o diagnóstico é inteiramente clínico, feito por intermédio da anamnese e do exame físico.
Quanto ao tratamento medicamentoso, 63 (78%) participantes responderam que a terapia medicamentosa deve ser instituída apenas em casos isolados de TEA; 9 (11%) afirmaram que o uso de medicamento deveria ser feito em todos os casos; e quantidade igual referiu que os medicamentos jamais deveriam ser utilizados. A despeito da instauração de terapia comportamental, 64 (79%) profissionais responderam que deveria ser realizada em todos os casos de autismo; 15 (18,5%) referiram apenas em casos isolados; e 2 (2,5%), que não deveriam ser implementadas em nenhum caso.
Em relação ao tratamento medicamentoso, a clínica tem demonstrado que sua utilização deve ocorrer de forma cautelosa, somente a partir de prescrição médica e em casos isolados, conforme citado pela maioria dos profissionais, pois até o momento não existe um fármaco que cure ou trate os sinais/sintomas dos transtornos do espectro autista. De acordo com Nikolov, Jonker e Scahill (2006), o uso de medicamentos no tratamento do TEA atinge sintomas que podem estar associados à síndrome, mas que não são, necessariamente, característicos dela, como agressão, comportamento autodestrutivo, hiperatividade, rituais compulsivos, entre outros. Ressalta-se que é impossível predizer quais pacientes responderão bem à terapêutica farmacológica, pois os fármacos, embora tragam benefícios, poderão causar efeitos colaterais importantes, tais como, sonolência, tontura, salivação excessiva e ganho de peso.
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No que diz respeito às terapias comportamentais, a maioria (79%) afirmou que devem ser estabelecidas em todos os casos de TEA. Entretanto, conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 2015), antes de iniciar a terapia, o paciente deve ser avaliado por uma equipe multiprofissional, e, após ter suas necessidades individuais analisadas procede-se à formulação do Projeto Terapêutico Singular (PTS), que é um conjunto de propostas terapêuticas estabelecido a partir de uma discussão entre a equipe interdisciplinar e a família. Calazans e Martins (2007) acrescentam que o transtorno do autismo se dá em espectro e, por esse motivo, não se deve fechar o tratamento para um, mas sim, considerar a clínica dos sintomas e o ser singular do sujeito. É importante enfatizar que o PTS deve ser flexível, podendo ser alterado a qualquer momento, de acordo com as características do paciente.
É conveniente também lembrar que, em consonância com Santos e Sousa (2005), sempre que for necessária, a terapia farmacológica pode ser agregada a abordagens educacionais, já que estas têm a finalidade de melhorar o desempenho, as capacidades individuais e desenvolver a adaptação dessas crianças ao ambiente. Para isso, diferentes procedimentos poderão ser adotados, como a terapia comportamental, terapias de diálogo por imagens (PECS), e programas psicoeducacionais como o TEACCH (Tratamento e Educação para Autistas e Déficits relacionados com a comunicação). Contudo, os indivíduos devem ser periodicamente reavaliados para possíveis adaptações na direção do tratamento mediante a necessidade de cada um.
Desta maneira, é fundamental que os médicos e enfermeiros da APS conheçam todas as opções de tratamento disponíveis para o TEA e, a partir daí, forneçam as orientações necessárias à família e à pessoa com a desordem, promovendo um acompanhamento seguro, minimizando as sequelas e complicações e ampliando as chances de sucesso.
Categorização
Após coleta de dados organizaram-se as informações qualitativas em três categorias, às quais: 1 - Entendimento de
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médicos e enfermeiros sobre atraso no desenvolvimento; 2Conhecimento de médicos e enfermeiros acerca do TEA; 3 – Encaminhamento de pessoas com TEA para instituir terapia, como seguem:
Categoria 1: Entendimento de médicos e enfermeiros sobre atraso no desenvolvimento
Nessa categoria serão abordadas as principais considerações dos profissionais de saúde sobre atraso no desenvolvimento. As falas que seguem reproduzem os principais achados desta unidade temática.
Atraso de desenvolvimento é quando a criança, dentro do considerado normal, não apresenta as características adequadas da idade em que ela se encontra. (M7)
É quando ela não alcança nada que seria adequado para o desenvolvimento. (M11)
Aquele que não está em correspondência com a etapa da vida ou de acordo com a idade do paciente. (E15) Quando a criança não está se desenvolvendo conforme os padrões de normalidade para sua faixa etária. (E18)
Crianças que fazem atividades tardiamente em relação às crianças normais. (M 20)
Percebe-se, pelas falas dos interlocutores, que as considerações sobre atraso no desenvolvimento em crianças foram muito restritas e pouco fundamentadas, limitando-se ao conceito de não acompanhamento do curso ideal para a faixa etária. Pretendia-se que os interlocutores estendessem suas falas, apontando o que seria esperado para cada faixa etária e a ausência de quais habilidades poderiam sugerir um atraso.
Esses dados são corroborados por um estudo realizado por Ribeiro, Silva e Puccini (2010), em Embu, São Paulo, que revelou
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que os profissionais que prestam assistência à criança nas Unidades Básicas de Saúde do município, apresentam falhas no conhecimento e nas práticas relacionadas ao acompanhamento do desenvolvimento infantil, sugerindo a implantação de educação permanente para a melhoria da prática de assistência.
Em conformidade com Cavalcante et al. (2013), o enfermeiro, membro da equipe de saúde da família, desempenha papel essencial na identificação e avaliação do desenvolvimento infantil. A compreensão dos achados conforme os padrões para as crianças em diferentes faixas etárias, é fundamental para interpretar os resultados da avaliação, sobretudo quando os encontrados estiverem em desacordo, atuando na orientação junto aos pais e na detecção de possíveis desvios. A partir da detecção precoce de transtorno no desenvolvimento, o enfermeiro poderá agir por meio de um plano de cuidados, além de encaminhar a criança a uma equipe especializada para confirmação diagnóstica e tratamento.
O desenvolvimento caracteriza-se como um processo global e dinâmico de mudanças que ocorrem em uma pessoa, desde sua concepção, influenciado por diversos fatores físicos, entre eles os cuidados com a alimentação, a higiene e a prevenção de doenças, além da dimensão psicológica, ligada a fatores psíquicos relacionados à forma como uma criança aprende e se relaciona com o ambiente em que vive. Dessa maneira, o desenvolvimento é compreendido como um processo amplo, e, por esse motivo, o conhecimento sobre seus aspectos essenciais é necessário para que possíveis alterações sejam percebidas e possam nortear a prática de assistência à população infantil (UNASUS, 2013).
Portanto, para que se possa realizar a vigilância do desenvolvimento infantil na APS, é necessário que os profissionais de saúde tenham conhecimentos básicos sobre este assunto, saibam dos principais comportamentos da criança com curso típico de desenvolvimento e, a partir daí, sejam capazes de reconhecer comportamentos que sugiram algum problema (BRASIL, 2005).
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Categoria 2: Conhecimento de médicos e enfermeiros acerca do TEA
As respostas obtidas nesta categoria mostram que os enfermeiros e médicos atuantes na APS em Caxias- MA, em geral, tem pouco conhecimento sobre a temática, e, em alguns casos informações equivocadas, quando não deturpadas ou desnecessárias, o que talvez reflita em sua prática de avaliação/acompanhamento do desenvolvimento infantil, conforme observado nas falas a seguir:
Na verdade, eu tenho pouco conhecimento sobre essa doença, porque raras vezes você vê alguém com autismo. (M3)
Sei que é um transtorno que a pessoa não se socializa direito e gosta de rotinas. (M 29)
O que eu ouço falar é que o autista, ele tem uma deficiência. (E2)
É uma alteração genética no cromossomo 21. (E4)
É uma criança com dificuldade em comunicação social, mas não é doença, temos que evitar o preconceito da família, porque não é grave. (E5)
É um transtorno, mas não sei dizer o que é. (E6)
Pra falar a verdade, nada. Eu nunca vi na minha vida, um autista na minha frente! (E7)
É uma criança geralmente nessa faixa etária menorzinhas, assim eu nunca vi mais pra juventude e adulto não. (E8)
Eu vi na internet que tem muitos casos que a criança... Assistindo televisão, desde pequenininho, pode ficar depois com autismo. (E11)
Conforme observado, a maioria dos profissionais desconhece o aspecto crônico do autismo, bem como as suas principais características, fato preocupante, pois se a desordem não evolui
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para a cura, logo as crianças se tornarão adolescentes e depois adultos no espectro do autismo, o que exige dos profissionais de saúde capacitação para realizar um acompanhamento contínuo a essa população. É necessário destacar que o fato de não encarar o TEA como um distúrbio importante e multifacetado, pode afastar tais profissionais da busca por uma assistência qualificada a essas pessoas e, consequentemente, dificultar o diagnóstico e a possibilidade de intervenções precoces.
Um estudo realizado por Nunes, Sousa e Giunco (2009), que trata do conhecimento da equipe de enfermagem sobre autismo, aponta que, quando se evidencia a falta de informações e conhecimentos sobre a condição, ocorrem prejuízos na assistência e muitos casos podem passar despercebidos pelos profissionais e serão, provavelmente, detectados mais tardiamente, quando a criança apresentar um agravo dos sintomas, dificultando, assim, o manejo precoce e comprometendo o prognóstico dos pacientes inseridos no espectro.
Ainda a esse respeito, uma investigação desenvolvida por Flores e Smeha (2013) em uma cidade da região central do Rio Grande do Sul sobre a possibilidade da detecção de riscos para autismo e intervenções precoces na visão de médicos, constatou-se que o diagnóstico é feito tardiamente e que os profissionais não estão preparados para a constatação dos sinais de risco para autismo, impossibilitando a intervenção precoce.
Reitera-se que, além de serem distúrbios neurológicos graves e terem um aspecto crônico, os transtornos inclusos no espectro do autismo têm sido atualmente destaque pelo seu alto grau de incidência na sociedade, e há em meio ao tema uma grande discussão sobre o fato de pesquisas apontarem um aumento significativo desses índices no decorrer dos anos. Diante dessa problemática, do desconhecimento por parte de profissionais de saúde e da errônea percepção quanto à sua raridade, ainda pode ocorrer afastamento da pessoa dos direitos à saúde, educação e sociais que lhes são garantidos, além de negligenciar a assistência.
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No dia dois de abril de 2014 (dia mundial de conscientização do autismo), a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que o autismo é mais comum que o Câncer, AIDS e Diabetes juntos (PAIVA JÚNIOR, 2014). Esses índices alarmantes confirmam o fato de o autismo ser uma realidade que deve ser encarada pelos profissionais de saúde, inclusive aqueles que fazem parte da APS, considerada a porta de entrada para o SUS e responsável por vincular o paciente aos outros níveis do sistema. Atualmente existe uma demanda maior, que exige uma assistência de qualidade, capaz de perceber o atraso, vincular e/ ou formular diagnóstico e prover o suporte necessário para pacientes e familiares, ao longo da vida.
Categoria 3 – Encaminhamento de pessoas com TEA para instituir terapia
A categoria 3, discute a percepção de médicos e enfermeiros, atuantes na APS em Caxias-MA, acerca dos profissionais ligados ao acompanhamento da pessoa com TEA. Os resultados demonstram que os trabalhadores, em sua maioria, não se incluem como partícipes desse acompanhamento. Seguem as respostas dos interlocutores, referentes a esta categoria:
O neurologista que atende criança, o neuropediatra né que a gente tem, o psicólogo que é essa parte que cuida da saúde mental. (E32)
O Neuropediatra, psicoterapia, psicopedagogo, porque são profissionais mais capacitados. (M14)
Neurologista; Psicologista; Psiquiatra. (M16)
O psicólogo, principalmente pra trabalhar com essa criança pra ela interagir melhor com outras crianças e ter um comportamento mais aceitável, o neurologista com certeza pra o controle e evitar que a criança tenha crises. (E7)
Profissionais do CAPS, porque são os apropriados para o cuidado desse público (E23)
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Percebe-se, a partir das descrições anteriores, que os profissionais entrevistados apontam outros níveis de atenção como responsáveis pelo tratamento da pessoa com TEA. Sabe-se que esta terapia deve ser realizada por meio de uma abordagem multidisciplinar e que os programas de tratamento são individuais, porém a equipe de saúde da família é a responsável por receber esse paciente e, mesmo quando acompanhado por outro nível de assistência, deverá fazer um acompanhamento da evolução do caso e dar suporte à pessoa com TEA e seus familiares (COIMBRA et al., 2005).
Ainda assim, alguns sujeitos apontaram a APS como participante da atenção à pessoa com TEA:
O acompanhamento a esse paciente deve ser feito pelo médico da Atenção Primária a Saúde, pelo pediatra e enfermeiro. Porque eles têm papel importante nesses casos, juntamente com a família, orientando.
(M14)
Médico (clinico geral, pediatra, psiquiatra, neurologista), psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta, enfermagem, técnico de enfermagem. Equipe multiprofissional de referência e de saúde da família, fazendo abordagem familiar. (E39)
Carniel, Saldanha e Fensterseifer (2011), em um estudo realizado com enfermeiros de diversas instituições que já trabalharam com crianças autistas, propõem um plano de cuidado para a pessoa com autismo, elaborando diagnósticos e intervenções de enfermagem junto à criança com TEA e seus familiares. A pesquisa aponta ainda a necessidade de todos os profissionais de saúde assumirem a sua parcela de responsabilidade na assistência à pessoa com TEA.
De acordo com o Protocolo (2014), independente da complexidade do serviço ao qual o paciente será encaminhado e/ou estiver em atendimento, este manterá vínculo com a UBS de sua área de adscrição, que cuidará das demais demandas de saúde
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do mesmo e auxiliará no manejo específico de algumas questões que possam influenciar no quadro do TEA, como avaliação de possíveis intercorrências clínicas que piorem o comportamento do paciente.
Finalmente, acredita-se que os profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde precisam preparar-se para reconhecer alterações decorrentes do TEA, acolher os familiares, fazer o devido encaminhamento e prestar, de fato, uma assistência integral a essas pessoas, a partir da avaliação das suas singularidades, fragilidades e das potencialidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificou-se que o conhecimento dos médicos e enfermeiros atuantes na APS sobre o TEA e suas múltiplas dimensões ainda é escasso e insuficiente para uma prática assistencial de qualidade e que, em geral, não são realizadas ações de saúde efetivas com vistas à percepção de sinais de alerta e nem tampouco para a orientação dos familiares e acompanhamento da terapêutica instituída na atenção especializada.
Percebeu-se nas falas dos profissionais entrevistados que não é dado ao tema a importância necessária e que a influência do diagnóstico precoce para um melhor prognóstico da pessoa com TEA é desconhecida pela maioria desses trabalhadores. O que é preocupante, pois quando não realizado o diagnóstico e efetivadas as devidas intervenções, os sinais característicos dessa síndrome poderão ser intensificados e, considerando o seu aspecto crônico, causarão danos permanentes e irreversíveis, que incidirão sobre o desenvolvimento e o comportamento.
É necessário, que os profissionais de saúde da APS busquem qualificação e informações sobre a temática para que possam prestar a esses pacientes uma assistência de maior qualidade e assim, sejam capazes de perceber sinais de alerta, que influenciará diretamente na tomada de decisão mais acertada. Ademais, sugere-se aos gestores em saúde que forneçam capaci-
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tações aos profissionais da APS em Caxias-MA, para qualificar a atenção no acompanhamento do desenvolvimento infantil, com vistas a desenvolver ações que possibilitem o diagnóstico precoce, acompanhamento à evolução do caso e oferta de suporte à família e à pessoa com TEA.
Ressalta-se a necessidade de que os profissionais de saúde da APS percebam a importância que exercem na vida das crianças no Espectro do Autismo e assumam sua parcela de responsabilidade pela detecção de sinais e pelo prognóstico, a partir do acolhimento à família, direcionamento para intervenções de tratamento e acompanhamento rigoroso. Para mais, enfatiza-se a necessidade urgente de que as instituições de ensino superior deem maior destaque a esta temática, com vistas a sensibilizar os futuros profissionais para que, tão logo sejam graduados, atentem para as particularidades de tais transtornos e qualifiquem a assistência ofertada.
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ENSiNo DE HABilIDaDE DE ComuNICaÇÃo PARa CRIaNÇAS Com
AuTISmO PoR mEio DE SCRIpT FADiNg
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: uma parte de mim, não o todoo acompanhamento psicossocioeducacional e em saúde
Autor:
Daniel Carvalho de Matos
RESUMO
Na Psicologia destacam-se diferentes concepções sobre o autismo. O presente manuscrito teve ênfase na abordagem da Análise do Comportamento que fundamenta um modelo de intervenção chamado pela literatura de Applied Behavior Analysis (ABA). Existem diferentes formatos pelos quais intervenções podem ser delineadas para, em parte, amenizar déficits de diversos repertórios como os sociais com ênfase em comunicação. Ainda que certas crianças já apresentem ou venham a desenvolver habilidades concernentes à linguagem e comunicação, na literatura discute-se que dificilmente essas habilidades são utilizadas com o propósito de iniciar e manter uma interação verbal com os outros, faltando espontaneidade. O presente trabalho se propôs a um levantamento e análise de aspectos metodológicos de pesquisas sobre um procedimento denominado script fading. O mesmo pode empregar a manipulação de pistas (como breves textos para leitura ou ainda gravações de áudios) que auxiliam no desenvolvimento do iniciar e manter interações verbais. Tais pistas devem ser gradativamente esvanecidas a fim de que os indivíduos respondam livre de sua influência com o tempo. Um total de dez pesquisas foram identificadas em dois periódicos de referência da literatura internacional: Journal of Applied Behavior Analysis e o The Analysisof Verbal Behavior. Todas os estudos apresentam dados que sugerem que o script fading é eficaz no desenvolvimento de repertórios sociais e que os ganhos se estendem para novos ambientes, pessoas e estímulos utilizados nas intervenções como brinquedos. O potencial do procedimento para desenvolvimento de comunicação mais espontânea e funcional é discutido.
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Palavras-chave: Autismo. Script Fading. Análise do Comportamento. ABA.
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INTRODUÇÃO
Segundo o DSM-V, o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento. Em muitos casos são identificados problemas como atraso na linguagem; prejuízo nas interações sociais; prejuízo em habilidades básicas como contato visual; déficit nas interações com os pares da mesma idade por meio de brincadeiras e jogos; baixa reciprocidade emocional; comportamentos restritos/estereotipados e interesses fixos por um mesmo tipo de atividade ou estímulo (APA, 2014). Propostas de mediação especializada são delineadas com o objetivo de amenizar os problemas, como é o caso da Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behavior Analysis – ABA) (RICHMAN, 2001).
Princípios de ABA são empregados para manejo de problemas sociais, incluindo os que têm relação com desenvolvimento atípico. Defende-se que os mesmos são de natureza comportamental. A Análise do Comportamento enfatiza que os comportamentos humanos são em grande parte determinados por seus efeitos sobre o ambiente (consequências) (SKINNER, 2003). Eles são produto de interações dos indivíduos com seus ambientes ou, em outras palavras, relações de dependência (ou de contingência) entre variáveis ambientais (como a consequência e o contexto no qual um organismo responde) e variáveis do organismo (respostas, suas ações). Como exemplo, considere o caso de um indivíduo que chuta uma bola de futebol na direção de uma trave. A depender do efeito de seu chute, a maneira como o mesmo foi emitido tende a ocorrer no futuro, uma vez que a consequência (ex: gol) venha a ser relevante para a pessoa. Esse tipo de relação é denominado de comportamento operante, um tipo de comportamento aprendido.
Dentre os comportamentos aprendidos, destacam-se também casos de linguagem (comportamento verbal) (CATANIA, 1999; SKINNER, 2003, 1978). O comportamento verbal é modelado e mantido por consequências mediadas. Quem o emite é chamado de falante e a consequência reforçadora responsável pela modelagem e manutenção do comportamento é fornecida por alguém que é denominado de ouvinte. Como exemplo,
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considere o caso em que uma criança, na presença de um adulto, apresenta um boneco diante dele e diz euforicamente “homem aranha!”. O adulto, em seguida, argumenta “isso mesmo! E ele consegue lançar teias!”. Nesse caso, a criança emite um tipo de operante verbal denominado de tato por Skinner (outros poderão ser verificados na obra do referido autor e em manuais de intervenção com operantes verbais, como, por exemplo, Greer e Ross, 2008; Matos, 2016; Sundberg e Partington, 1998). Vale enfatizar que, no referido exemplo a respeito de linguagem, destaca-se uma função verbal que, da maneira como está sendo demonstrada, é espontânea (pois a interação é iniciada pela criança). A literatura, por outro lado, enfatiza que é comum crianças com autismo não demonstrarem espontaneidade por dependerem de pistas para responder, como perguntas por parte de um adulto ou o modelo ecoico da resposta (MARCHESE et al., 2012; PÉREZ-GONZÁLEZ; PASTOR; CARNERERO, 2014; WILLIAMS; CARNERERO; PÉREZ-GONZÁLEZ, 2006).
O ensino programado para crianças com autismo e quadros relacionados em ABA, no que diz respeito a habilidades que incluem também o que se chama de conversação, pode ser feito sob diferentes formatos. Genericamente, esses formatos são denominados de (1) ensino por tentativas discretas (discrete-trial-teaching / DTT) e (2) ensino incidental. O primeiro caso compreende a organização do ensino de habilidades em sequências de passos, de forma semelhante ao procedimento de modelagem proposto originalmente por Skinner (2003) a partir de pesquisas básicas em laboratório com infra-humanos. Um exemplo de ensino por tentativas discretas pode ser expresso por meio de uma tarefa em que um adulto manipula objetos diante da criança a fim de que ela tenha a oportunidade de aprender a verbalizar seus nomes em voz alta. Suponha que um grupo com quatro estímulos (ex: maçã, carro, bola e sabão) tenha sido selecionado para a atividade e a mesma, em uma de várias possíveis aplicações, consiste em 12 tentativas. Os estímulos não verbais mencionados são randomizados e cada um deles é apresentado em três das 12 tentativas ao longo de um bloco, a fim de que o número de oportunidades com cada um deles seja o mesmo.
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Em uma dada tentativa, diante do objeto bola e por vezes da pergunta “o que é isto?”, uma dada criança tem cerca de 3 a 5 s para dizer seu nome. Uma vez que isso aconteça, o adulto apresenta uma consequência diferencial de acerto, dizendo, por exemplo, “está correto!”.
Por outro lado, considerando que pode acontecer de uma consequência social não ser suficientemente motivadora ou reforçadora para a criança, o adulto pode também manipular reforçadores arbitrários de alto valor como forma de modelar o desempenho correto e fortalecer o mesmo. O ensino por tentativas discretas costuma ser organizado em um ambiente estruturado e relativamente livre de distrações. Vale ainda destacar que, embora a literatura a respeito desse formato de programação de ensino sustente que é eficaz, existem críticas no sentido de que muitas vezes os estímulos utilizados nas situações de aprendizagem não estão relacionados de forma funcional às respostas a serem ensinadas. Um exemplo que ilustra isso seria o caso em que, como forma de aumentar a probabilidade de uma dada criança dizer “carro” na presença de um carrinho de brinquedo, o adulto entrega, como consequência do responder correto, um doce para a criança caso o mesmo tenha sido identificado como reforçador de maior valor (ALLEN; COWAN, 2008).
Segundo Allen e Cowan (2008), a proposta de mediação chamada de ensino incidental e variações envolve a meta de manipular reforçadores funcionalmente relacionados às respostas que se pretende modelar no repertório da criança. Diferente do caso anterior, os estímulos para aprendizagem são selecionados a partir dos interesses mais imediatos da criança, ao invés do adulto arbitrariamente selecionar os materiais independente disso. Existe também uma forte ênfase na espontaneidade das respostas, uma vez que as interações devem ser iniciadas pelas crianças. Um estudo desenvolvido por Hart e Risley (1968) com crianças de 4 a 5 anos da pré-escola visou o ensino de descrições verbais sobre estímulos de sua preferência em ambiente natural como condição para o acesso aos próprios itens descritos como consequência. Allen e Cowan (2008) estabeleceram que o ensino incidental é definido por várias características, sendo elas: (1)
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demanda de elaboração de resposta em crianças com atraso de linguagem; (2) os materiais preferidos devem ser organizados de forma estratégica no ambiente, permanecendo visíveis, mas fora de alcance e sem o auxílio de um mediador; (3) uma vez que uma dada criança emite uma verbalização, o mediador demanda que a mesma apresente uma resposta mais elaborada, no sentido de organizar sentenças ou frases para então poder acessar o item de sua preferência; (4) a frequência com que o treino é conduzido deve ser função do número de vezes que a criança apresenta respostas de iniciação; (5) se a criança sinalizar interesse por um dado item, mas não emitir uma verbalização, o mediador deve aguardar por alguns segundos e, se for realmente necessário, pode apresentar uma pista para a criança, como uma pergunta. Procedimentos como esse, que são organizados em ambientes naturalísticos e relacionados à rotina da criança, podem ser relevantes para a promoção de generalização de habilidades aprendidas.
Conforme já foi salientado, existem variações do procedimento de ensino incidental, que foram desenvolvidas ao longo dos anos. Dentre as mesmas, destacam-se: (1) mand-model (ROGERS-WARREN; WARREN, 1980); (2) atraso temporal (HALLE; MARSHALL; SPRADLIN, 1979); (3) ensino por interrupção de cadeias comportamentais (ALWELL et al., 1989); paradigma de linguagem natural e treino de resposta pivotal (KOEGEL; EGEL, 1979); script fading (esvanecimento de roteiros) (KRANTZ; MCCLANNAHAN, 1993). O leitor pode consultar as referências originais a respeito dos vários procedimentos, uma vez que a maior ênfase do presente trabalho compreende discutir o modelo do script fading. O objetivo do presente trabalho foi discutir os aspectos metodológicos de pesquisas a respeito desse procedimento e suas implicações para o desenvolvimento de interações verbais iniciadas por crianças com autismo.
METODOLOGIA
Foi feito um levantamento de pesquisas visando o ensino de habilidade de comunicação por parte de crianças diagnosti-
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cadas com autismo nas relações com adultos e seus pares de mesma idade por meio de script fading da ABA. Uma ênfase está no desenvolvimento de interações verbais iniciadas por essas crianças, considerando que costumam ser identificados déficits nos casos de muitas. A seleção dos estudos foi feita a partir de dois dos mais importantes periódicos estadunidenses a respeito de ABA, sendo os mesmos Journal of Applied Behavior Analysis (JABA) e o The Analysisof Verbal Behavior (TABV). A consulta resultou na identificação de dez artigos, que consistiram em pesquisas aplicadas a respeito do tema. Foram descartados para análise estudos que se propuseram à investigação sobre ensino com scripts, mas que não enfatizaram passos de esvanecimento como acontece no caso do script fading.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A Tabela 1 apresenta a relação de pesquisas oriundas dos periódicos previamente mencionados, destacando as seguintes informações: 1) autores; 2) script; 3) participantes; 4) variável dependente (VD) e variável independente (VI); 5) resultados. Em seguida, características das pesquisas no que diz respeito aos seus aspectos metodológicos e principais resultados são apresentados e discutidos
Tabela 1. Relação de pesquisas sobre script fading e suas características.
Autores Script Part. VD e VI Resultados
Krantze McClannahan (1993)
JABA
Textual
4 autistas de 9 a 12 anos
Verbalizações independentes (VD) Instruções para leitura (VI)
Krantz e McClannahan (1998)
JABA
Textual
3 autistas entre 4 e 5 anos
Respostas espontâneas com e sem base em scripts para todas; manutenção em follow up 2 meses depois; generalização para novo ambiente e adulto
Verbalizações independentes e elaborações de respostas (VD) Instruções de leitura (VI)
Verbalizações espontâneas e respostas mantidas para outro adulto; generalização com novas tarefas
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Sakaroff, Taylor e Poulson (2001)
JABA
2 autistas de 8 e 9 anos
Verbalizações com e sem base em scripts (VD) Instrução verbal e estímulos textuais suplementares (VI)
Reagon e Higbee (2009)
JABA
Howlett, Sidener, Progar e Sidener ou et. al (2011)
JABA
Betz, Higbee, Kelley, Sellers e Pollard ou et al. (2011)
JABA
Pollard, Betz e Higbee (2012)
JABA
3 autistas de 3 a 6 anos
Verbalizações com e sem base em scripts (VD
Três scripts auditivos para cada conjunto de vários brinquedos (VI)
Verbalizações independentes para ambas as crianças; generalização de desempenho diante de outra pessoa
2 autistas de 3 anos com atraso de linguagem
3 autistas de 3 a 4 anos
Mandos por itens ausentes com e sem base em scripts (VD) Scripts auditivos de um gravador (VI)
Sentenças de mando variadas (VD)
Verbalizações independentes; generalização para novos brinquedos; declínio das verbalizações ao longo da intervenção e follow up
Mandos por informações com manutenção 3 a 4 semanas após intervenções e generalização para outros adultos e ambientes
3 autistas de 4 a 7 anos
Três scripts auditivos para mando e extinção (VI) Atenção compartilhada e verbalizações com e sem base em scripts (VD) Itens diversos em locais da escola e instruções de leitura de scripts (VI)
Variabilidade nos mandos; para 2 crianças, a extinção produziu mais respostas após ensino dos scripts sequencialmente com manutenção de desempenho e generalização para pessoas novas
Desenvolvimento de atenção compartilhada e verbalizações de contexto; generalização para novos itens e na presença de novos ambientes e pessoas
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Textual Auditivo Auditivo Auditivo Textual
Garcia-Albea, Reeve, Reeve e Brothers ou et al. (2014) JABA
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4 autistas de 3 a 5 anos
Verbalizações com e sem base em scripts para múltiplos brinquedos e elaborações de resposta (VD) Instruções para brincar, verbalização de feedback e scripts auditivos com gravador (VI)
Verbalizações independentes com generalização para um novo ambiente e na presença de uma nova pessoa
LedbetterCho et al. (2015) JABA
3 autistas de 4 a 6 anos
Verbalizações com e sem base em scripts e mudanças em tópicos de conversas (VD) Instruções para compartilhar brinquedos e scripts textuais (VI)
Sellers, Kelley, Higbee e Wolfe ou et al. (2016) TAVB
6 autistas de 3 a 5 anos
Três sentenças de mando (VD) Scripts textuais ensinados sequencialmente ou concomitantemente, esquema FR1 e extinção (VI)
Fonte: O autor
Evolução na comunicação com generalização para novos contextos, crianças e brinquedos e manutenção de desempenho após 4 semanas Variabilidade nas sentenças de mando demonstrada para metade das crianças durante o FR1 e, para as demais, a extinção foi necessária para a demonstração da variabilidade
Krantz e McClannahan (1993) mediram os efeitos de scripts com frases e esvanecimento gradual delas sobre comunicação iniciada por 4 crianças com autismo durante atividades de grupo. Nalinha de base realizaram três atividades (desenhar, colorir e pintar). Cada criança recebia uma folha de papel com as instruções “faça sua arte” e “converse bastante”. Caso necessário, recebiam ajuda na leitura. Elas não iniciaram uma interação verbal com outras. Durante intervenção com scripts as atividades eram apresentadas junto com as instruções, assim como scripts com dez afirmações e perguntas a respeito de presente, passado
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Auditivo Textual Textual
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e futuro (ex: você gostou de brincar no balanço ontem?”). Três versões foram organizadas para cada criança e, quando necessário, um experimentador fornecia ajuda para que atentasse ao material. A principal VD da pesquisa consistiu em verbalizações ou perguntas independentes dos scripts e que deveriam ser direcionadas para os colegas de mesma idade em uma sala de aula.
O esvanecimento dos scripts foi feito em cinco fases e de forma gradativa para estimular a independência dos mesmos. Com o fim da intervenção, sessões de follow up aconteceram 2 meses depois. O esvanecimento (script fading) foi bem sucedido para todas e o desempenho correto foi mantido em follow up, assim como houve generalização para contextos diferentes daquele em que as intervenções foram realizadas (uma sala mais ampla e com atividades e um adulto diferente). Os desempenhos foram semelhantes aos de outras três crianças com desenvolvimento típico. Vale destacar ainda que o aumento de interações verbais sem necessidade de script, após seu esvanecimento gradual, compreendeu também respostas novas e espontâneas, consistindo em recombinações de elementos do script com outros dos repertórios verbais existentes das crianças.
Krantz e McClannahan (1998) trabalharam com script fading com o objetivo de estender os resultados do estudo anterior com três meninos entre 4 e 5 anos com repertório de leitura mais limitado. Respostas verbais iniciadas eram pouco frequentes e se limitavam à emissão de palavras soltas para acesso a alimentos e brinquedos mais preferidos. A coleta de dados ocorreu em uma sala de aula com mesa, cadeiras e estantes, que exibiam brinquedos e materiais pré-escolares. Uma professora conhecida foi a pessoa com quem as crianças poderiam manter interação e permanecia em uma esquina da sala sentada. Sobre a mesa permanecia um roteiro de atividades fotográficas, consistindo em um caderno contendo 16 fotos (uma por página), que representavam atividades com brinquedos a serem realizadas por cada criança. As sessões compreenderam a manipulação de quatro diferentes sequências de fotos e foram conduzidas uma ou duas vezes por dia. Todas as três crianças tinham previamente
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desenvolvido repertório com roteiros fotográficos, de modo que, para cada passo, deveriam (1) apontar para a foto representando uma atividade, (2) pegar os materiais relacionados à atividade,
(3) finalizar a mesma e (4) devolver os materiais para seu local de origem. Paralelamente a isso, as crianças também aprenderam a ler as palavras “olha” e “observe-me” com a proposta de que a professora atentasse ao que fariam.
As VDs da pesquisa de Krantz e McClannahan (1998) foram
(1) interação verbal espontânea; (2) interação verbal com base em script; (3) elaborações como respostas verbais diferentes dos scripts. Uma linha de base múltipla com diferentes participantes foi empregada para o controle experimental. Na linha de base, as crianças recebiam ajuda física para domínio das atividades fotográficas e foi finalizada após três sessões sem pistas. Na intervenção, a diferença foi a presença de cartões com as palavras “olha” e “observe-me” acima ou abaixo de cada fotografia. Pistas para respostas de observação aos scripts eram fornecidas quando necessário, assim como o modelo ditado dos nomes se a criança não lesse a palavra. Após verbalização, cada criança deveria realizar a atividade da foto. Uma criança apenas necessitou de uma adaptação em que, em princípio, o script era anexado a uma pulseira porque, sem isso, no momento em que se aproximava da professora para dizer “olha” ou “observe-me”, ele não respondia. Após algumas sessões, o procedimento convencional foi restabelecido. O critério na intervenção era ler as palavras sem de pistas em duas sessões consecutivas.
A condição seguinte compreendeu a presença de outra professora conhecida e a única diferença foi o fato de não haver pistas. Depois foi trabalhado o esvanecimento do script. Ele foi programado para 10 de 16 atividades do roteiro fotográfico. O esvanecimento foi feito para todas as crianças ao mesmo tempo em três passos (que envolveram omissão de parte da palavra até a palavra inteira). Após critério foram programadas atividades novas não associadas às palavras do treino. Pistas não foram fornecidas, assim como nenhum script. Os resultados revelaram que as respostas de elaboração e interação espontânea
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aumentaram em frequência e foram mantidas na presença de uma segunda professora. Houve manutenção de desempenho e generalização para atividades novas. Os autores sustentam a hipótese de que os scripts representam entradas importantes para a conversação a respeito de atividades em curso. As interações, entretanto, sempre foram mantidas entre as crianças e os adultos familiares, mas não generalizaram para outras crianças de mesma idade. As autistas, no entanto, demonstraram diversas verbalizações novas, que não poderiam ter surgido apenas com os scripts manipulados. Há a hipótese de que os feedbacks de resposta por parte das professoras melhoraram o repertório das crianças no sentido de demonstrarem novas verbalizações para além do que estava presente nos scripts e que isso pode ser considerado um passo importante para o desenvolvimento de uma linguagem fluente e mais natural.
Sakaroff, Taylor e Poulson (2001) investigaram os efeitos de script fading de pistas textuais sobre conversação de 2 crianças de 8 e 9 anos com autismo. Foi utilizado um tipo de produto (ex: doce – Skittles) que tinha uma pista textual acoplada natural, ou seja, o próprio nome do produto na embalagem. A hipótese era de que outros estímulos textuais suplementares poderiam ser manipulados e esvanecidos, de modo que as crianças pudessem apresentar conversação na presença do produto e de seu nome apenas. As sessões foram realizadas em salas de aula da escola delas. Foram selecionados dois tipos de produto: lanche e jogos de videogame. Cada um permanecia sobre uma folha, que continha um script textual. A primeira palavra representava o próprio nome do item. As variáveis dependentes consistiram em verbalizações durante sessões com 3 minutos de duração e eram de dois tipos: correspondentes e não correspondentes ao script
Uma linha de base múltipla com três conjuntos de brinquedos foi utilizada para demonstrar controle experimental pelo esvanecimento dos scripts. Na linha de base, não foram manipuladas pistas e scripts. Os participantes permaneciam sentados um perto do outro. Uma sessão iniciava quando o experimentador apresentava a instrução “coma um lanche” ou “jogue videogame”
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junto com o acesso aos itens. Durante a intervenção, scripts textuais foram fornecidos. Havia acesso a cada item quando liam o script (ex: “vamos comer nossos lanches”). Após a leitura correta dos textos em duas sessões, o esvanecimento foi feito em cinco passos. Ambas as crianças demonstraram aumento nas verbalizações com e sem base nos scripts textuais e com generalização em outro ambiente. Entretanto, os autores sustentaram que a pesquisa teve limitações como a não avaliação sistemática do responder na ausência de pistas textuais (nome do item) e o fato de não haver coleta de dados de generalização antes da intervenção.
Reagon e Higbee (2009) avaliaram a eficácia do treino de cuidadoras (mães) estudantes de pós-graduação para a implementação do script fading (gravações) visando melhorar a conversação de três crianças autistas de 3 a 6 anos em suas residências. Três conjuntos de brinquedos foram selecionados, sendo um para o script fading e os outros para medir generalização. Um delineamento de linha de base múltipla com os diferentes participantes foi utilizado para garantir controle experimental. Cada sessão durou 5 minutos e a VD consistiu em verbalizações com e sem base em scripts.
Na linha de base pedia-se às mães que brincassem com suas crianças e, se estas verbalizassem, as mães deveriam responder de volta. Para a condição de treino das mães foi utilizado um gravador de som, desenvolvidos scripts com brinquedos e instruções com role-play para intervenção com as crianças. O gravador, a ser acionado por cada criança, liberava áudios que serviam de modelos sobre o que poderia verbalizar durante atividades lúdicas (ex: “quebra-cabeças são divertidos”). Após cada criança demonstrar fluência no repetir os áudios eram programados passos de esvanecimento dos mesmos em quatro passos para que o responder se tornasse livre de sua presença gradualmente e isso era encerrado em duas sessões consecutivas com o script totalmente esvanecido. Por fim, sessões de follow up foram desenvolvidas 2 semanas depois.
Os resultados indicaram que as três crianças apresentaram
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aumento nas verbalizações com base nos scripts e também outras independentes deles, assim como houve generalização para os outros dois conjuntos de brinquedos não treinados. Foi identificado, no entanto, declínio nas verbalizações ao longo das sessões de intervenção e durante o follow uptalvez por um efeito de saciedade em relação aos brinquedos, mas houve novo aumento de frequência durante o follow up com a introdução de novos brinquedos.
Betz et al. (2011) mediram os efeitos de treino de scripts e de uma condição de extinção sobre o desenvolvimento de variabilidade em sentenças de mando de três crianças autistas de 3 a 4 anos. Os autores discutem que o script fading pode produzir ganhos para a variabilidade, dado que a literatura demonstra o desenvolvimento de respostas verbais espontâneas e livres de pistas. Também argumentam que a extinção também produz variabilidade de modo que uma dada topografia de resposta deve ser reforçada na primeira vez em que for emitida apenas. O script fading e a extinção foram combinados para verificar possível efeito sobre variabilidade no responder das crianças participantes em situações em que tinham a oportunidade de solicitar acesso a itens comestíveis de preferência.
As crianças conseguiam emitir pelo menos um tipo de sentença de mando por itens preferidos. Os scripts utilizados eram auditivos (gravações). Para cada criança foram empregados scripts de três sentenças de mando (ex: “eu quero + nome do reforçador”; “eu preciso de + nome do reforçador”). O delineamento para garantir controle da variável de intervenção foi ABAB. Reforçadores foram selecionados em testes de preferência (os três primeiros itens comestíveis favoritos). Na linha de base, todas as sentenças de mando emitidas eram reforçadas pelo experimentador. Na condição de extinção, cada sentença era reforçada apenas na ocasião da primeira emissão. Durante o treino de script, cada criança aprendia a emitir três sentenças de mando. Respostas com e sem base nos scripts eram reforçadas com acesso a um lanche mais preferido. As crianças aprenderam a manipular o botão que liberava a gravação e, quando se tornavam
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fluentes em repetir o modelo, o mesmo passava a ser esvanecido em quatro passos. Quando isso era finalizado entrava em vigor uma condição de manutenção e, também sondas de generalização na presença de três a quatro pessoas novas e follow up entre uma e duas semanas após o fim da pesquisa. Os resultados do estudo indicaram que o procedimento de extinção, após o treino de scripts, foi eficaz em aumentar a variabilidade nas sentenças de mando por parte de duas das três crianças e os desempenhos foram mantidos em sondas de generalização e follow up.
Howlett et al. (2011) avaliaram os efeitos do script fading sobre o estabelecimento de mandos para localizar itens ausentes. Esse poderia ser o caso de uma criança, que não consegue encontrar um brinquedo em casa, e então se aproxima de um adulto e diz: “onde está o meu carrinho?”. O adulto argumenta que o carrinho se encontra dentro de seu armário. Dois meninos autistas de 3 anos com atraso de linguagem participaram. Os scripts manipulados eram auditivos (gravações). As coletas foram feitas em salas da escola das crianças. O controle experimental pela VI da pesquisa (script fading) foi medido por um delineamento com múltiplas sondas com diferentes participantes.
As duas crianças podiam responder sob dois tipos de tentativas diferentes. Aquelas chamadas de tentativas de operação estabelecedora (EO) compreendiam cada uma selecionar uma foto representando um item de preferência dentre dez possibilidades em um quadro de escolha. Após destacar a foto selecionada do quadro, a criança deveria caminhar até uma prateleira de brinquedos e pegar um recipiente com uma foto correspondente à que foi selecionada por ela. O recipiente se encontrava vazio e seria esperado que a criança perguntasse algo como “onde está o meu + nome do objeto”. Em outro caso referente ao que ficou conhecido como operação abolidora (AO), o procedimento foi semelhante ao caso anterior, mas o recipiente correto continha o brinquedo, que podia ser manipulado de 2 a 3 minutos.
Na linha de base da pesquisa para tentativas EO, caso um mando não fosse emitido dentro de 5 s após pegar o recipiente com a foto do brinquedo, consequências diferenciais não eram
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arranjadas e uma instrução referente à outra habilidade mais simples era apresentada como redirecionamento. Depois, uma nova tentativa era iniciada. Na intervenção, uma gravação que reproduzia “onde está + nome do objeto?” era acionada. Isso era feito caso a criança, após selecionar uma foto, dirigir-se à prateleira de brinquedos e localizar o recipiente com a foto do brinquedo correspondente à que fora selecionada, não emitisse esse tipo de pergunta de forma independente dentro de 5 s após ver que o brinquedo não estava presente. O experimentador ficava a mais ou menos 1 metro de distância. Após uma resposta com ou sem a ajuda do áudio, o experimentador relatava o local onde o brinquedo se encontrava.
Os scripts/gravações foram esvanecidos com dois passos. Em primeiro lugar, as crianças tinham que responder na presença do script inteiro. Após duas sessões consecutivas em que elas respondessem de forma correta até 5 s após a apresentação da gravação, o critério de encerramento durante os passos de esvanecimento (pergunta “onde apenas”; ausência de script) consistiu em duas sessões consecutivas em que as crianças emitissem a resposta alvo na presença ou ausência da gravação. Em tentativas AO, em que o reforçador se encontrava dentro do recipiente, se fosse emitida uma pergunta sobre o local do reforçador, o que não seria apropriado, eram concedidas até mais três oportunidades para responder simplesmente brincando e sem fazer pergunta sobre o local do brinquedo. Caso isso não funcionasse, o experimentador, fazia uso de um modelo não verbal (seus lábios cerrados) enquanto olhava para a criança. Como resultado, ambas as crianças emitiram mais mandos nas tentativas EO e não emitir mandos durante tentativas AO. Uma das crianças não precisou do script fading para demonstrar as respostas alvo, mas teve dificuldade em discriminar os dois tipos de tentativas em princípio. A manutenção do repertório estabelecido foi demonstrada de 3 a 4 semanas depois da pesquisa e um efeito de generalização do responder na presença de outros adultos, estímulos e ambientes foi demonstrado.
Pollard, Betz e Higbee (2012) avaliaram os efeitos de script fading sobre o desenvolvimento de atenção compartilhada em
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três crianças de 4 a 7 anos com déficit nessa habilidade, ainda que conseguissem manter comunicação com construção de sentenças. Ela envolve o compartilhamento de atenção entre dois parceiros sociais e um objeto ou evento. Um exemplo que ilustra isso seria o caso de uma criança que mostra um brinquedo ou outro item de seu interesse para um adulto. A VD foi a iniciação da atenção compartilhada, com demonstração de atenção ao objeto, verbalização apropriada ao contexto e atenção à outra pessoa presente, virando a cabeça e seu corpo na direção dela 2 s após verbalizações. Estas eram registradas como baseadas ou não nos scripts. Um pré-treino serviu o propósito de verificar se as crianças conseguiam tatear (nomear) todos os estímulos e ler todas as palavras e frases dos scripts e isso era ensinado se preciso. Nas demais condições, o delineamento compreendeu uma linha de base múltipla com diferentes participantes. 30 estímulos bidimensionais e tridimensionais (brinquedos) foram selecionados, sendo 10 para medir generalização. Os estímulos foram organizados em diversos locais como o chão e um muro. Um adulto caminhava pelo corredor mantendo distância de mais ou menos 1 metro em relação à criança e verbalizava “vamos dar uma volta”. Alinha de base durava o tempo necessário à exposição a todos os estímulos. Na intervenção foi fixado um script com uma frase do tipo “veja, é um + nome do objeto” para todos os estímulos. Pistas físicas eram manipuladas para o prestar atenção ao estímulo, scripte, depois, o adulto.
O esvanecimento dos scripts foi realizado pela remoção gradativa das palavras até sua ausência. Isso foi programado após duas sessões consecutivas em que os scripts completos eram lidos com 90% de acertos ou 100% em uma sessão. Uma condição com respostas de adultos com base em scripts mediu a influência das verbalizações do adulto sobre verbalizações novas das crianças. Quando diziam algo como “veja, é um carro”, o adulto apresentava uma descrição sobre função, característica ou classe do estímulo (ex: “sim, e ele é vermelho”; “sim, e ele é veloz”; “sim, e ele faz vrum, vrum”). Uma condição de treino com múltiplos scripts (dez) verificou se isso teria efeito ainda maior sobre verbalizações independentes. Em função da quantidade de
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scripts, o esvanecimento não foi feito e foram realizadas sondas sem os scripts. Por fim, a condição de generalização e manutenção envolveu avaliações com estímulos não treinados e outros parceiros em novos ambientes da escola. Como resultado, as crianças demonstraram iniciar atenção compartilhada e generalização novos estímulos, parceiros e sala de aula.
Garcia-Albea et al. (2014) utilizaram script fading para ensinar crianças autistas a iniciar e manter interações verbais diante de múltiplos estímulos (brinquedos). Scripts auditivos foram manipulados. Eles queriam verificar se o ensino implicaria em generalização das interações verbais com outros brinquedos. Quatro meninos autistas de 3 a 5 anos participaram. As sessões foram realizadas em uma sala de aula com estantes com brinquedos e uma câmera com tripé. Veículos, instrumentos, bolas, bonecos de personagens de animações, materiais de encaixe e animais foram as categorias utilizadas na pesquisa. Três brinquedos de cada categoria foram utilizados na intervenção e mais um brinquedo de cada foi utilizado em sondas para medir generalização. Quatro outros de uma categoria não treinada foram utilizados em outro teste de generalização. Três tipos de scripts foram desenvolvidos para cada categoria de brinquedos a partir de adaptações de verbalizações de crianças típicas de pré-escola em contextos em que as mesmas brincam. Cada script discriminava o brinquedo, além de enfatizar uma característica ou função do mesmo. Um delineamento de múltiplas sondas com diferentes participantes foi utilizado para o controle experimental. Como em outras pesquisas apresentadas, as VDs consistiram em verbalizações iniciadas pelas crianças e elaborações de respostas quando o parceiro de comunicação já estava envolvido na conversa. As verbalizações precisavam conter pelo menos um nome e um verbo.
Em todas as condições, 13 brinquedos foram organizados em três estantes. Eram três de cada uma de três categorias submetidas no treino; um brinquedo não treinado de cada uma das três categorias de treino para medir generalização; um brinquedo de uma categoria que não foi alvo de treino para medir genera-
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lização. Cada estante continha brinquedos de uma categoria de ensino, além do estímulo de categoria não treinada pelo propósito de generalização e uma era utilizada por vez em cada sessão. Durante uma sessão compreendia criança, parceiro de comunicação e assistente estavam presentes em uma sala de aula. O parceiro apesentava uma instrução para que cada criança brincasse. Era permitido que manipulasse qualquer brinquedo da estante. Ao pegar um brinquedo, caso verbalizasse, o parceiro respondia e orientava o acionar um cronômetro. A criança tinha 30 s para brincar e, depois, o parceiro saía da sala. Na linha de base, reforçamento, pistas e scripts não eram manipulados. O parceiro respondia quando a criança iniciava uma interação verbal. Cada sessão durava 10 min. Durante a condição com script fading, gravadores eram fixados aos brinquedos.
Havia um parceiro de comunicação e um assistente, que fornecia pistas para as crianças responderem quando necessário, usando o gravador e programando 30 s de acesso ao brinquedo. Ao responder de forma apropriada, havia um comentário do parceiro, que aguardava alguns segundos para que uma resposta fosse elaborada pela criança. Oito de nove tentativas sem erros eram o critério na leitura dos scripts e depois o esvanecimento foi programado em seis passos. Uma criança teve dificuldade com o procedimento e uma adaptação metodológica (manter o gravador fora de vista) foi feita.
Na generalização, o gravador não se fazia presente com os brinquedos e três sondas eram conduzidas, sendo randomizadas com as categorias de treino. Duas sessões com sondas antes das avaliações e duas outras após foram conduzidas pelo propósito de medir generalização em uma sala nova e diante de um novo parceiro com 15 brinquedos (seis não treinados). A manutenção foi medida 2 semanas e 2 meses depois das intervenções. Neste caso foram utilizados, ao todo, 15 brinquedos.
Como resultado, as interações verbais iniciadas por todas aumentaram por meio do script fading com múltiplos brinquedos (verbalizações baseadas nos scripts ou não) com generalização para brinquedos novos. Porém, a generalização não foi verificada
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para uma nova sala e parceiro de comunicação diferente, o que, segundo os autores, poderia ter sido diferente a partir de um treino diante de múltiplos contextos e pessoas diferentes. A manutenção foi verificada para três de quatro crianças.
Ledbetter-Cho et al. (2015) buscaram replicar a literatura anterior sobre script fading e melhorar a comunicação entre crianças com autismo durante atividade lúdica de grupo. As VDs consistiram em verbalizações com e sem base em scripts textuais. Os participantes foram três meninos autistas de 4 a 6 anos. Sessões foram conduzidas em uma sala de terapia de uma clínica-escola de universidade. Outro espaço de lá também foi utilizado para medir generalização. Na linha de base, o experimentador posicionava um conjunto de brinquedos perto de uma das crianças, que era verbalmente instruída a compartilhar com as outras. Caso não compartilhasse, a instrução era apresentada mais uma vez. Após o compartilhamento, as outras crianças podiam brincar por 10 s e, depois, um alarme era ativado. Os brinquedos eram recolhidos e um novo grupo era selecionado para reaplicação do procedimento. Replicações eram feitas até que fossem manipulados três grupos. Na intervenção com scripts textuais, estes eram apresentados por dois experimentadores. Ao longo das sessões, um grupo de brinquedos era apresentado para um participante e uma instrução sobre compartilhar. O script era apresentado a 15 cm dos olhos da a fim de que lesse. Na medida em que isso acontecia, assim como o compartilhamento do brinquedo, a criança era elogiada e eram programados 10 s de acesso ao brinquedo pelos pares por meio de um cronômetro. O procedimento era replicado com mais dois grupos de brinquedos. Esse trabalho era depois replicado com as outras duas crianças de modo que tivessem a oportunidade de aprender sobre os scripts e compartilhar os brinquedos utilizados. Na medida em que as crianças demonstravam maior fluência de leitura, eram definidos passos para o esvanecimento dos scripts até que permanecesse apenas o cartão branco. Por fim, este também era eliminado. Após a completa eliminação dos scripts por cinco sessões, sondas de generalização foram conduzidas com novos brinquedos, ambientes e outras crianças. Sessões de follow up
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foram conduzidas 4 semanas após o fim da intervenção. Os resultados da pesquisa replicaram os da literatura prévia. As crianças dificilmente conversavam umas com as outras durante linha de base, mas a intervenção mudou esse dado, havendo aumento de verbalizações com e sem base nos scripts. Foi ainda sugerido que as crianças eventualmente mudaram de tópico de conversa durante as trocas verbais com os pares como um processo mais natural e dinâmico.
Sellers et al. (2016), de forma semelhante à pesquisa de Betz et al. (2011), avaliaram efeitos do script fading sobre variabilidade na emissão de sentenças de mando em seis crianças com autismo de 3 a 5 anos. Entretanto, diferente da pesquisa anterior que programou o treino com três diferentes sentenças de mando consecutivamente (uma de cada vez), Sellers et al. (2016) ensinaram três sentenças simultaneamente. A manutenção também foi medida. Quando a variabilidade não era demonstrada, uma condição de extinção era programada para testar seus efeitos sobre a variabilidade no mandar. As sentenças deveriam conter sujeito, verbo e nome de um de vários estímulos comestíveis de preferência. No primeiro momento sem extinção, um esquema de reforçamento FR1 foi programado para medir os efeitos sobre variabilidade e manutenção. Scripts textuais eram programados nessas situações. Critérios arbitrários foram eram definidos para seu esvanecimento. O FR1, após a intervenção com script fading, falhou na demonstração de variabilidade para três crianças. Para as demais, o FR1 produziu variabilidade. Os autores discutiram que a não necessidade de extinção pode ser importante em casos nos quais a mesma não é indicada como os de crianças que apresentam reduções no responderem extinção.
Em suma, todas as pesquisas apresentadas demonstraram a eficácia do script fading sobre o ensino de repertórios sociais para crianças com autismo com ênfase no iniciar e manter uma interação verbal com outras pessoas; demonstrar elaboração de respostas para perguntas ou comentários dos outros; iniciar atenção compartilhada; mandos por informações e emissão de sentenças de mando com variabilidade. A metodologia pode ser
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adaptada de modo a beneficiar crianças com diferentes níveis de desenvolvimento, considerando que os scripts podem ser textuais em se tratando de casos com déficits na comunicação, mas com boa habilidade de leitura que favoreça a manipulação de estímulos textuais como pistas para o desenvolvimento de comunicação e o posterior esvanecimento das pistas para a emissão de verbalizações independentes de sua presença. Por outro lado, crianças que apresentam comprometimento no repertório de leitura podem ser beneficiadas pelo procedimento de script fading com pistas auditivas (gravações) com critérios de manipulação e esvanecimento semelhantes e que também servem seus propósitos. Embora as pesquisas enfatizem certas limitações metodológicas e que dizem respeito em parte à natureza do procedimento (muitas verbalizações se limitam ao que é ensinado na intervenção), várias das pesquisas, cujas informações mais relevantes foram sistematizadas no presente manuscrito, demonstraram generalização dos ganhos na comunicação sinalizados pela intervenção, assim como os mesmos foram mantidos em sessões de follow up cerca de várias semanas após o término da intervenção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Metodologias de intervenção da Análise do Comportamento Aplicada ao longo de décadas são desenvolvidas em parte com o propósito de amenizar déficits na comunicação que costumam ser comuns em muitas crianças e jovens com autismo e quadros semelhantes. A abordagem que emprega o procedimento com tentativas discretas (DTT) costuma ser bastante explorada com casos de indivíduos que apresentam um maior comprometimento em diversos repertórios, incluindo o que se relaciona à comunicação, e que se tratam de casos que demandam um ambiente mais estruturado e com maior controle de variáveis que possam servir como distração. Por outro lado, casos de indivíduos com repertórios básicos mais elaborados e que demandam mediações para além de um contexto com maior controle de distra-
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ções podem e devem ser beneficiados por meio de abordagens que compreendam contextos mais relacionados com o cotidiano desses indivíduos alvo de intervenções. Foram mencionadas no corpo do trabalho diversas abordagens classificadas pela literatura como mais naturalísticas e, dentre elas, destaca-se o que ficou conhecido com o nome de script fading. A literatura documenta os avanços de diversas crianças autistas que participaram de delineamentos que empregam esse procedimento e o mais importante é que, ao longo dos anos, percebe-se de forma bastante nítida que uma pesquisa replica os dados da outra demonstrando a eficácia da intervenção inclusive no que diz respeito aos efeitos de generalização e manutenção. Por outro lado, o número de pesquisas a respeito desse tema pode ser ainda considerado pequeno e considerando a relevância dos periódicos que foram alvo da coleta de dados deste manuscrito, é importante também que mais reaplicações sejam feitas e como forma de buscar preencher lacunas metodológicas sinalizadas pela própria literatura.
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QUaLIDaDE
DE VIDa DE PESSOAS No ESpECtRo Do AuTISmO: CONCEPçõES DE paIS/CuIDaDoRES
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Autoras e autores:
Francidalma Soares Sousa Carvalho Filha
Marcus Vinicius da Rocha Santos da Silva
Jaiane de Melo Vilanova
Maressa Laís Oliveira Coelho
Eutima Klayre Pereira Nunes
Laiane Sousa da Costa
Emilia Assunção Carvalho Silva
RESUMO
O entendimento acerca do significado da qualidade de vida das pessoas no Espectro do Autismo é um fator importantíssimo tanto para a compreensão das características da desordem em si, quanto para a observação dos seus efeitos no cotidiano dessas pessoas. O objetivo deste estudo foi analisar aspectos da qualidade de vida de pessoas no Espectro Autístico, a partir das concepções de seus pais/cuidadores. Trata-se de uma pesquisa avaliativa, descritiva, com abordagem qualiquantitativa, realizada em Balsas-MA. A coleta de dados ocorreu no período de agosto de 2017 até abril de 2018, com base em um instrumento validado denominado AUQEI aplicado a 24 pais/cuidadores. Quanto ao questionamento de como o(a) filho(a) se sente nas 26 perguntas contidas na Escala AUQEI, verificou-se que os itens que obtiveram o maior número de respostas “MUITO INFELIZ”, foram os que se referem a “quando fica internada em um hospital” e “quando toma os remédios”; em relação ao item “FELIZ”, observaram-se maior número de respostas nos fatores “ao deitar-se”, “à mesa junto com a família” e “durante as férias” e ainda, a maior quantidade de respostas “MUITO FELIZ” referiu-se a “quando brinca sozinho” e “quando assiste TV”. Os domínios Autonomia e Família demonstraram significância estatística, ao teste T de Student, com resultados de P-valor inferiores a < 0,05, cujo escore médio geral obtido foi 39,33 pontos, com desvio padrão de 6,53. As questões relacionadas ao domínio da Autonomia apresentaram o menor escore entre as crianças que obtiveram escore inferior a 48, comparado às crianças com qualidade de vida satisfatória (escore maior que 48). Outrossim, quanto a pontuação final atingida na escala, 83,3% obtiveram nota menor que 48. Em relação aos dados qualitativos, organizaram-se seis categorias, as quais: Dificuldades no cuidado à criança/pessoa no Espectro do Autismo; Sinais que levaram à suspeita diagnóstica; Presença de comorbidades; Rede de apoio existente; Alimentação, Vestimenta, Lazer e Estudos,
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e ainda, Aspectos da Qualidade de vida. Sugere-se que os pais/cuidadores recebam mais orientações acerca dos Transtornos do Espectro Autístico e da sua condução, quer por meio dos serviços de saúde, educacionais, sociais e outros, com vistas a facilitar o acompanhamento do filho/pessoa cuidada, ampliar o acesso do mesmo a bens e serviços essenciais, tais como saúde, educação, social, laser e outros, a fim de ampliar a qualidade de vida.
Palavras-chave: Qualidade de Vida. Pessoas. Transtorno do Espectro Autista. Concepção. Pais. Cuidadores
INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é uma alteração do desenvolvimento definida a partir de avaliações comportamentais, caracterizado por déficits em áreas essenciais como a comunicação e a interação social, a sensibilidade sensorial, coordenação motora e níveis de atenção, além da presença de complicações no que diz respeito ao empenho e a realização de atividades. No entanto, geralmente os quadros autísticos variam em severidade e intensidade, em suas diferentes características (VARANDA; FERNANDES, 2011).
Assim, são transtornos globais do desenvolvimento que geralmente se manifestam antes dos 3 (três) anos de idade e se prolongam por toda a vida, caracterizando-se por um conjunto de sinais e sintomas que afetam as áreas de socialização e comunicação, além apego a rotinas, comportamentos e atividades, em maior ou menor grau (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012).
É importante ressaltar que o diagnóstico precoce é essencial, pois o mesmo favorece que a criança no TEA seja encaminhada o mais rápido possível para centros especializados e terapias, nas quais resultará em condições mais favoráveis ao seu desenvolvimento, bem como deverá minimizar as perdas clássicas relacionadas ao transtorno quando não recebem a terapêutica necessária em tempo (JENDREICK, 2014).
Nesse contexto, o entendimento acerca do significado da qualidade de vida das pessoas no Espectro do Autismo é um fator
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importantíssimo tanto para a compreensão das características da desordem em si, quanto para a observação dos seus efeitos no cotidiano dessas pessoas e daqueles que as rodeia. Entretanto, conforme Elias e Assumpção Júnior (2006), a literatura e as pesquisas produzidas sobre o tema ainda são incipientes, exigindo um olhar mais acurado para esta problemática, uma vez que a pessoa no TEA, sobretudo na infância, mantém-se trancafiado em seus pensamentos e conjecturas.
Sobre isto, destaca-se que definições sobre qualidade de vida são tão amplas e numerosas, como os métodos de avaliá-la. Não existe um consenso exato no que se refere a um conceito, porém segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), Qualidade de Vida (QV) é a percepção do indivíduo em relação à sua posição na vida, no contexto da sua cultura, valores (amor, liberdade, solidariedade e inserção social, realização pessoal e felicidade), objetivos e expectativas, sendo influenciada também pela saúde física, psicológica e pelas relações sociais. O fato é que a presença do termo tem se tornado cada vez mais rotineira, sendo incorporado ao vocabulário popular com várias formas de conotação, havendo um consenso de que é algo bom falar do assunto (ALMEIDA; GUTIERREZ; MARQUES, 2012; MINAYO; HARTZ; BUSS, 2000).
No que diz respeito aos aspectos familiares, Vieira e Fernandes (2013), afirmam que a dificuldade enfrentada pelas famílias com uma criança inclusa no Espectro do Autismo demonstra um nível de tensão no sistema familiar que vai desde as questões financeiras até aqueles relacionados à qualidade de vida, bem como seus propósitos, perspectivas, padrões e preocupações.
Dessa forma, o impacto que uma família tem ao receber o diagnóstico de que seu filho está no Espectro Autístico, dependendo da forma como é repassado, pode ser catastrófico, pois geralmente os pais/cuidadores encontram dificuldades para lidar com este tipo de situação, na qual os mesmos precisam passar por um processo de aceitação, além de receber intervenções que permitam que o seu(sua) filho(a) tenha um desenvolvimento o mais próximo do típico possível.
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O interesse em realizar essa pesquisa partiu da observação, quando da verificação do atendimento de crianças na Atenção
Primária à Saúde e/ou área hospitalar, além da vivência em Saúde Mental, constatando-se a pouca importância dada à avaliação do desenvolvimento infantil, bem como à falta de incentivo e capacitação dos pais para identificarem déficits ou atrasos, buscando o diagnóstico tardiamente e, consequentemente, influenciando negativamente na qualidade de vida.
Assim, o objetivo deste estudo foi analisar aspectos da qualidade de vida de pessoas no Espectro Autístico, a partir das concepções de seus pais/cuidadores.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa avaliativa, descritiva com abordagem mista - quantitativa e qualitativa. O cenário deste estudo foi o Município de Balsas-MA, com população estimada em 2014 de 90.679 habitantes. Apresenta uma área de unidade territorial de 13.141,733 km² e faz parte da região Sul do Maranhão. A cidade é banhada pelo Rio Balsas e localiza-se há 790 Km da Capital, São Luís, e, há 397 Km de Imperatriz, a segunda maior cidade do Estado (IBGE, 2019). Assim, a pesquisa foi realizada na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e no Centro de Reabilitação em Terapia Ocupacional (CERETO).
A APAE presta uma assistência direcionada a pessoas que apresentam diversas deficiências: auditivas, visuais, físicas e mentais e tem como propósito a inclusão da pessoa com deficiência. Funciona de segunda a sexta feira e os serviços oferecidos englobam as áreas da saúde e educacional. Sua sede está localizada na Travessa da Alegria, nº 1079, Centro. Possui um quadro profissional composto por 27 trabalhadores, dentre os quais professores, diretora, coordenadora, fonoaudióloga, fisioterapeuta, vigilantes e cozinheira. Existem também o apoio de profissionais voluntários: assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, psiquiatra e cirurgião dentista.
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O CERETO presta atendimento também de segunda a sexta feira, desenvolvendo um trabalho voltado para a reabilitação física e mental de pacientes com diversas desordens neurodesenvolvimentais, localiza-se na rua Coelho Neto, nº 469, Centro. Possui um quadro profissional composto por psicopedagoga, psicólogo, fonoaudióloga, terapeuta ocupacional e fisioterapeuta
A APAE acompanha 9 (nove) pessoas no Espectro Autístico e o CERETO 15 (quinze). Assim, de posse da lista nominal dos pais/ cuidadores e, sabedores dos dias e horários em que os mesmos possuíam atendimentos agendados, os mesmos foram procurados e inquiridos a participar da pesquisa, sendo que na ocasião foram explicados os objetivos e outras informações relevantes acerca da pesquisa, solicitando, assim, sua participação voluntária, somando 24 participantes.
A coleta de dados ocorreu no período de agosto de 2017 até abril de 2018, por meio de dois procedimentos distintos: realização de uma entrevista à qual constou de perguntas abertas quanto ao entendimento acerca do TEA, suas principais características e o cotidiano da pessoa e da família; e, ainda, aplicação de um Instrumento validado chamado Avaliação de Qualidade de Vida (AUQEI), sendo modificada pelos pesquisadores para melhor atender ao objetivo do estudo. Os escores de avaliação podem variar de 0 a 3, correspondendo, respectivamente, a muito infeliz, infeliz, feliz, muito feliz; sendo que a somatória de tais valores resulta em uma total, utilizando-se a nota de corte 48, abaixo do qual, pode-se considerar como prejudicada a qualidade de vida da população estudada (BARREIRE et al., 2003; ASSUMPÇÃO JÚNIOR et al., 2000).
Ressalta-se que o uso de instrumentos validados em pesquisas tem comprovada relevância e importância, sendo realizado com muita frequência, uma vez que sua utilização diminui as chances vieses, de erros e entraves. Portanto, conforme Assumpção Júnior et al. (2000), a Escala AUQEI trata-se de um formulário baseado em diversos domínios vida, através de 26 questões que exploram relações familiares, sociais, atividades, saúde, funções corporais e separação. Foi desenvolvida por Ma-
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nificat e Dazord ano de 1996 e traduzida no Brasil por Assumpção, Kuczynski e Sprovieri.
As informações coletadas a partir da realização da entrevista, acerca do cuidado às pessoas no Espectro Autístico foram submetidas à Análise de Conteúdo, proposta por Bardin (2011), que tem como propósito a compreensão do significado das falas dos sujeitos para além dos limites daquilo que é descrito. E dentre as técnicas de Análise de Conteúdo, optou-se pela Análise Temática, que busca os núcleos de sentido, os quais constituíram a comunicação e cuja expressão revelou algo importante para o objeto estudado.
Assim, de posse do material oriundo destes questionamentos, procedeu-se a categorização, inferência, descrição e interpretação minuciosa de todo o conteúdo. Para tanto, de acordo com Gomes (2010) após a leitura compreensiva das respostas/ falas, foi feita a exploração das mesmas, e, portanto, a análise propriamente dita, e, por fim, elaborou-se uma síntese interpretativa por meio de uma redação que proporcionou um diálogo do tema com objetivos, questões e pressupostos da pesquisa.
Ressalta-se que, para facilitar a compreensão das informações, os dados foram fielmente descritos e, em seguida, cada participante foi apresentado no texto como Cuidador, seguido de um número correspondendo à ordem em que o instrumento de pesquisa foi aplicado (C1 a C24), de acordo com a ordem de realização das entrevistas e aplicação do instrumento.
A segunda parte dos dados, removidos da Escala de avaliação de qualidade de vida - AUQEI, compôs-se um banco de dados, a partir da digitação de informações no software StatisticalPackage for the Social Sciences– SPSS (versão 24.0 for Windows), posteriormente, foram consolidados por meio das técnicas de estatísticas descritivas (frequências absoluta e relativa) e utilizaram-se os Testes estatísticos Qui-Quadrado de Pearson (p) e T Student. Procedeu-se a discussão dos achados com base na literatura produzida sobre o tema.
O projeto de pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil, e,
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em seguida, direcionado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), tendo sido aprovado com o número do Certificado para Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 42337414.7.0000.5554.
Os pesquisadores comprometeram-se com as normas preconizadas pela Resolução CNS 466/12 (BRASIL, 2012), e suas complementares, que tratam dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos e nenhum dos participantes foi submetido aos instrumentos de coleta de dados sem ler e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A Tabela 1 faz referência às respostas dadas por tópico da Escala AUQEI, nos 26 questionamentos, mostrando quantos cuidadores responderam em cada escore, desde muito infeliz, infeliz, feliz até muito feliz. Desse modo, observam-se quais tópicos receberam maior ou menor número de respostas. Ressalta-se que para a condução dos domínios não foi utilizado o item NÃO SE APLICA, para averiguação da Qualidade de Vida.
Tabela 1.Apresentação de dados referente à quantidade de respostas por tópicos da Escala AUQEI. Balsas-MA, 2018.
Como você acha que seu(sua) filho(a) se sente:
1) À mesa, junto com a família
2) Ao deitar-se
3) Ao brincar com os irmãos, caso tenha
4) Á noite, ao dormir
5) Na sala de aula
6) Quando vê uma fotografia dele(a) mesmo(a)
7) Em momentos de brincadeira, durante o recreio escolar
8) Quando vai a uma consulta médica ou com outro profissional de saúde
9) Quando pratica esporte
10) Quando pensa no pai ou pessoa que o represente
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MUITO INFELIZ INFELIZ FELIZ MUITO FELIZ
0 0 2 2 1 0 4 4 0 0 1 3 6 6 3 3 9 4 0 1 17 19 12 16 13 14 5 13 3 10 2 2 2 0 5 6 3 2 7 12
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11) No dia do próprio aniversário
12) Quando faz as lições de casa
13) Quando pensa na mãe ou pessoa que a represente
14) Quando fica internado(a) em um hospital
15) Quando brinca sozinho(a)
16) Quando você ou alguém importante fala dele(a)
17) Quando dorme fora de casa, se ele(a) dorme
18) Quando alguém pede que ele(a) faça alguma coisa que ele(a) sabe fazer
19) Quando os amigos falam dele(a)
20) Quando ele(a) toma os remédios
21) Durante as férias
22) Quando pensa ou fala em quando tiver crescido
23) Quando está longe da família
24) Quando recebe e/ou lhe entrega as notas da escola
25) Quando está com os avós
26) Quando assiste televisão
Fonte: pesquisa direta
Verifica-se que os itens que obtiveram o maior número de respostas “MUITO INFELIZ”, ou seja, situações nas quais a criança demonstra descontentamento ou parecem irritadas frente à situação vivenciada, foram os que se referem a como a criança se sente “quando fica internada em um hospital” e “quando toma os remédios”, o que representa um grande problema para os cuidadores uma vez que a utilização de medicações psicotrópicas de uso oral fazem parte do cotidiano de pessoas com TEA, pois embora não curem os transtornos do Espectro Autista, amenizam as manifestações clínicas e comorbidades provenientes da desordem, como comportamentos agressivos, distúrbios do sono e hiperatividade.
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0 4 0 7 0 1 2 2 1 5 0 0 2 0 0 1 0 8 0 4 1 7 4 8 6 4 0 1 4 0 3 2 8 8 5 2 8 7 9 10 6 12 15 4 4 9 11 8 9 2 17 0 15 2 0 2 1 1 5 4 0 2 9 12
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Neste sentido, Nikolov, Jonker e Scahill (2006) referem que é comum na prática clínica a utilização de intervenções farmacológicas em pessoa com autismo, tendo como alvo sintomas específicos que acompanham os sintomas nucleares, tais como: agressão, comportamento autodestrutivo, rituais compulsivos, baixa tolerância à frustração com acessos explosivos e hiperatividade.
Os quesitos “em momentos de brincadeira, durante o recreio escolar” e “quando faz as lições de casa” dispuseram do maior número de respostas “INFELIZ”. Desse modo, percebe-se que as crianças têm dificuldade em realizar as atividades escolares e mesmo nos momentos de brincadeiras não conseguem ficar à vontade e compartilhar de modo eficaz dos momentos de descontração, ludicidade e distração.
A este respeito, destaca-se que o desenvolvimento e o funcionamento do cérebro humano estão intimamente relacionados ao contexto sócio-histórico e cultural aos quais a pessoa está inserida. Dessa forma, as atividades que envolvem o brincar funcional são essenciais para a aquisição de importantes habilidades sociais sobretudo em crianças com deficiências e/ou transtornos neurodesenvolvimentais e de aprendizagem.
Destarte, Silva et al. (2013) apontam que é necessário realizar uma ponte entre a criança no Espectro Autista, a sociedade e o mundo, visto que, as atividades que envolvem jogos e brincadeiras podem criar zonas de desenvolvimento para as crianças com necessidades educacionais especiais, incluindo as que têm o Transtorno do Espectro Autista.
Quanto a isso, o educador poderá estabelecer vínculo com a criança, conseguir dela um contato visual e contribuir com a sua inserção, interação e envolvimento nas atividades recreativas e brincadeiras. Assim, quando presentes no cotidiano da criança fazem com que a aprendizagem seja mais descontraída e eficiente, contribuindo para o seu desenvolvimento e o aperfeiçoamento de habilidades físicas, intelectuais, visuais, auditivas e morais (DAGUANO; FANTACINI, 2011).
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Ressalta-se que quanto ao item “FELIZ”, observaram-se maior número de respostas nos fatores “ao deitar-se”, “à mesa junto com a família” e “durante as férias”, demonstrando, claramente que estar em casa e com a família pode acarretar boas sensações e um ganho para a qualidade de vida dessas pessoas. Por isso, é conveniente que estas famílias possam ampliar esses momentos juntos, tornando-os cada vez mais prazerosos e buscando sempre inserir a criança/pessoa no Espectro do Autismo em atividades que demandem habilidades sociais e estimulem a independência e autonomia.
Em contrapartida, a maior quantidade de respostas “MUITO FELIZ” referiu-se a “quando brinca sozinho” e “quando assiste TV”, que evidencia o comportamento muito comum em pessoas no espectro do Autismo de preferir permanecer sozinhos em detrimento de compartilhar da companhia dos pares ou mesmo de outras pessoas. Desta maneira, é crucial orientar os familiares acerca da importância da interação e comunicação social, inclusive para a aquisição de habilidades mais refinadas como a empatia, compartilhamento de objetos, brinquedos e ideias; o que poderá levar à pessoa ao amadurecimento emocional e, consequentemente, diminuirá comportamentos inapropriados e disruptivos, quando colocadas diante de situações reais da sociedade.
A tabela 2 correlaciona as variáveis relacionadas aos fatores da Escala AUQUEI e o escore obtido por cada criança no que refere à exposição da mesma em situações como olhar fotografia de si mesma ou quando recebe as notas da escola, como se observa:
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TRANSTORNO
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Tabela 2 – Correlação entre os Fatores da Escala e o Escore obtido por cada criança no Espectro do Autismo, a partir das concepções dos pais/cuidadores. Balsas-MA, 2018.
Quando vê fotografia dele(a) mesmo(a)
Quando recebe e/ou lhe entrega as notas da escola
Fonte: pesquisa direta
*Teste qui-quadrado de Pearson
Relativo a esta figura, dispuseram-se dois itens que obtiveram maior número de respostas “FELIZ” na Tabela anterior e que envolvem a formulação de ideais e imagens mediante a leitura de documento, quer por figura ou por números. Assim, conforme se observa, todos os participantes que conseguiram escores inferior a 48 na Escala AUQUEI, que representa menor qualidade de vida, referiram que a criança/pessoa se sente “INFELIZ” quando olha uma fotografia dele(a) mesmo(a). E ao contrário, todos aqueles que apresentam melhor qualidade de vida (escore igual ou superior a 48) sentem-se “MUITO FELIZ” ao receber as notas da escola, o que chama a atenção, pois imagina-se exatamente o contrário, já que crianças geralmente gostam de olhar a própria imagens e não têm muito apego pelas notas escolares. Destaca-se que houve correlação estatística no teste do Qui-quadrado de Pearson, com p-valor de 0,047 e 0,039 e, portanto, inferiores a 0,05.
Varani e Silva (2010) concluíram, após pesquisa realizada em uma escola pública, que embora a família seja fundamental no processo de desenvolvimento integral das crianças, ela não pode assumir sozinha a culpa pelo sucesso ou fracasso escolar dos alunos, pois o bom ou o mau desempenho escolar não depende exclusivamente da participação/presença ou não da família na escola. Outros fatores - sociais, políticos, econômicos e culturais – também influem no desempenho, bem como no sucesso ou
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Infeliz Feliz Muito Feliz
Feliz Muito Feliz 3 13 3 7 0 < 48 ≥ 48 N N % % p-valor* 100 92,9 50 77,8 0 0 1 3 2 2 0 7,1 50 22,2 100 0,047 0,039
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no fracasso escolar dos alunos, além do tipo de participação solicitado à família.
Além do mais, é comum a estagnação referente ao desenvolvimento escolar de alunos no Espectro Autístico e isto, em parte, deve-se muito às baixas expectativas que se têm em relação aos mesmos quanto ao seu desempenho, às suas capacidades feitas inicialmente no ambiente familiar e que são corroboradas pela visão de desenvolvimento universal e padronizado existente na escola (FERREIRA, 2015).
Na Tabela 3, verifica-se a correlação de respostas, dividida por domínios. Destaca-se que a escala é dividida em quatro domínios, nos quais 18 questões se dividem da seguinte forma: função (questões 1, 2, 4, 5 e 8); família (3, 10, 13, 16 e 18); lazer (11, 21 e 25); e autonomia (15, 17, 19, 23 e 24). No que se refere aos demais quesitos, não se encontram organizados em nenhum dos domínios citados por possuírem características e importâncias isoladas.
Tabela 3 – Correlação entre os 4 fatores de cada AUQUEI a partir das concepções de pais/cuidadores de crianças/pessoas no Espectro do Autismo. Balsas-MA, 2018.
Fonte: pesquisa direta Como se pode observar, os fatores mais correlacionados foram “Família” e “Lazer”, com resultado de 0,393; ao passo que os menos correlacionados foram “Funções” e “Autonomia”, com valor negativo de 0,204. Dessa forma, tanto no domínio “Família” como no domínio “Lazer”, os pais/cuidadores responderam que a criança se sente “FELIZ” ou “MUITO FELIZ”, nas questões/quesitos referentes a cada um dos domínios. Assim, estes domínios foram percebidos como promotores da Qualidade de Vida destas crianças, proporcionando-lhes bem-estar. De modo oposto,
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Fator 1: Autonomia Fator 2: Lazer Fator 3: Função Fator 4: Família 0,012 - 0,204 0,219 0,012 - 0,053 0,393 - 0,204 - 0,053 0,147 0,219 0,393 0,147 Fator 2: Lazer Fator 3: Função Fator 4: Família
Fator 1: Autonomia
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a maioria dos quesitos referentes à Funções – que estão ligados ao fazer diário/rotina e Autonomia, obtiveram mais respostas “INFELIZ” ou “MUITO INFELIZ”.
A este respeito, reitera-se a importância de, além de trabalhar a socialização e a participação em atividades de comunicação social, é essencial trabalhar as questões funcionais para que a criança aprenda a elaborar os próprios pensamentos e desenvolva, com a máxima autonomia, suas tarefas de vida diária, bem como sua rotina escolar e do ambiente doméstico, sendo que a capacidade de aprender é individual em cada pessoa, exigindo um treino coerente e voltado para as suas necessidades e habilidades.
Destaca-se que este resultado está conforme com o estudo realizado por Costa (2012) em que o domínio “Lazer” obteve a maior pontuação, na percepção das crianças, sobretudo relacionado com as férias e no dia do próprio aniversário. Desta forma, verifica-se a importância do brincar e do lazer para a sensação subjetiva de bem-estar, na percepção das próprias crianças. Para além do domínio “Lazer”, também o domínio “Família” foi entendido como promotor do bem-estar das crianças, no ponto de vista das mesmas, dado que obteve a segunda pontuação média mais elevada em ambos os grupos.
Tabela 4 – Relação entre os Domínios da Escala AUQUEI com o Escore obtido por cada criança no Espectro do Autismo, a partir das concepções dos pais/cuidadores. Balsas-MA, 2018.
Fonte: pesquisa direta
*Teste t de Student
De acordo com o exposto na Tabela 4, é possível observar os domínios nos quais possuem respostas com médias maiores. O item Família, composto por 5 perguntas, é o que possui a maior
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Fator 1: Autonomia Fator 2: Lazer Fator 3: Funções Fator 4: Família 5,35 5,55 8,45 8,25 2,13 2,42 2,03 2,02 0,57 1,26 1,71 2,38 <0,001 0,190 0,472 0,009 8,5 7,25 9,25 11,5 < 48 ≥ 48 Média Média DP DP p-valor*
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média de respostas, o que implica dizer que de acordo com os cuidadores, os momentos de maior felicidade das crianças no TEA são aqueles relacionados à família, como: “Ao brincar com os irmãos, caso tenha”, “Quando pensa no pai ou pessoa que o represente”, “Quando pensa na mãe ou pessoa que a represente”, “Quando você ou alguém importante fala dele(a)” e “Quando alguém pede que ele(a) faça alguma coisa que ele(a) sabe fazer”. Ressalta-se que, como se pode observar, os domínios Autonomia e Família demonstraram significância estatística, ao teste T de Student, com resultados de P-valor inferiores a < 0,05, cujo escore médio geral obtido foi 39,33 pontos, com desvio padrão de 6,53.
Evidencia-se que o domínio Família gera grande satisfação para as crianças no espectro do Autismo, o que indica a importância da estrutura familiar na segurança afetiva e social de uma criança. Além disso, a maior satisfação das crianças em relação a esse domínio pode estar relacionada ao fato de não conseguirem socializa-se muito bem com outras pessoas, sobretudo estranhas/distantes às mesmas, e por esse motivo tendem a supervalorizar, principalmente a figura da mãe, que de modo geral é pessoa que mais cuida da mesma e passa a maior parte do tempo com ela(e) (PEREIRA; PETREÇA, 2015).
As questões relacionadas ao domínio da autonomia apresentaram o menor escore entre as crianças que obtiveram escore menor que 48, comparado às crianças com qualidade de vida satisfatória (escore maior que 48). Para Pereira e Petreça (2015) tais questões apresentam insatisfação entre as crianças no Espectro do Autismo, demonstrando o alto grau de dependência delas aos cuidados dos pais/cuidadores, o que pode estar relacionado ao fato das questões referentes a este domínio estarem ligadas a brincar sozinho (questão 15), a dormir fora de casa (questão 17), quando os amigos falam de você (questão 19), estar longe da família (questão 23) e ao receber as notas da escola (questão 24).
Resende (2013), ao pesquisar acerca da qualidade de vida pôde observar que o domínio Autonomia obteve também o menor escore, visto que, os itens desse domínio tiveram maior
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frequência de respostas não preenchidas, em especial os questionamentos sobre como a criança se sente “quando recebe as notas da escola” (item 24) e “quando dorme fora de casa” (item 17).
Assim, estes resultados indicam a necessidade de rever a melhor maneira de abordar as questões escolares para essas crianças, mas também relativas ao convívio independente. Para tanto, é essencial se estabelecer um programa no qual a pessoa no TEA possa compartilhar da companhia de colegas da escola, vizinhos, primos ou outras pessoas significativas, inclusive na ausência dos pais/cuidadores para que estes estabeleçam relações que poderão lhes proporcionar importantes aprendizados e também coloca-las diante de situações diversificadas do convívio e relacionamento interpessoal.
A Tabela 5 indica o escore alcançado na Escala AUQEI classificando a qualidade de vida das crianças de acordo com a pontuação de corte que é 48 pontos.
Tabela 5 – Distribuição de frequência em relação à percepção de pais/ cuidadores de pessoas no espectro do Autismo quanto à Qualidade de Vida dos filhos/pessoas cuidadas. Balsas-MA, 2018.
Fonte: pesquisa direta
Nesta Tabela, observa-se a média e pontuação final atingida na escala aplicada a cuidadores de crianças no Espectro do Autismo e sabendo-se que o ponto de corte da AUQEI é 48, considera-se que resultados com pontuações abaixo deste valor indicam que a criança possui qualidade de vida prejudicada. Assim, dos 24 participantes, 20 (83,3%) obtiveram nota menor que 48 e 4 (16,7%) maior que 48.
Estes resultados demonstram certa preocupação e que é preciso vigiar, haja vista a Qualidade de vida ser algo complexo e que envolve uma série de atributos, que dizem respeito a questões
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Score < 48 ≥ 48 20 4 83,3 16,7 N %
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pessoais, interacionais, sociais e, por esta razão, deve ser perseguida por todas as pessoas, quer típicas ou não. Por esta razão, indica-se que pais/cuidadores, familiares, terapeutas e professores possam zelar para que haja uma melhora nesses coeficientes, pois o mero diagnóstico de uma condição neurobiológica não pode ser decisivo para que a pessoa não tenha uma boa qualidade de vida.
Os resultados desse estudo divergem de pesquisa realizada por Bernal (2010), uma vez que ao realizar uma pesquisa com crianças, familiares e professores obteve-se resultados satisfatórios, sem diferenças significativas, ao analisar a qualidade de vida através da escala AUQEI.
No mais, há que se considerar que a provável falta de apoio, quer de entes ligados ao Estado, em termos assistenciais e de acesso a terapias e profissionais qualificados, ou mesmo de políticas públicas de fato efetivas para estas pessoas e seus familiares, pode ser um fator crucial na percepção desses pais/cuidadores acerca da qualidade de vida dos filhos/pessoas cuidadas.
Categorização
Categoria 1: Dificuldades no cuidado à criança/pessoa no Espectro do Autismo
Na primeira categoria verificou-se as dificuldades dos pais no cuidado à pessoa no Espectro Autista, como se observa a seguir:
A única dificuldade que eu encontro é que eu não posso trabalhar porque tenho que me dedicar a cuidar dela porque eu não posso e não confio em ninguém pra ficar responsável por ela. E como eu já sei o que ela gosta da forma de cuidar dela direito eu prefiro ficar cuidando dela. (C1)
A maior dificuldade é porque a gente ensina a mesma coisa todo dia. É um eterno aprendizado e não tem o que ser feito. (C3)
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Encontro muita dificuldade. Já passei várias vergonhas com ela, porque ela não gosta de usar calcinha e os outros achavam que era a mãe que não ensinava. Quando ela era mais pequena ficava se unhando, dizendo que estava suja, aí depois que eu consultei ela, o médico disse que ela tinha o TOC aí que ela melhorou. Ela foge muito também, já fiquei na rua até 22h procurando ela. (C6)
No início eu tive, principalmente porque ele não falava, mas agora não tenho mais tanta dificuldade. E os profissionais da APAE me ajudaram muito, dando dicas de como cuidar dele. (C7)
Sinto dificuldade sim. Assim se ele sente uma dor ele não sabe dizer o que é. Ele depende muito de mim e as vezes eu sinto muita dor nas costas, sinto dificuldade de banhar ele e vestir. (C9)
Ele não consegue se comunicar direito e isto ocasiona outros problemas. (C 16)
A minha maior dificuldade é que somente agora, aos sete anos ele começou a falar melhor. Antes, agente não entendia muito bem o que ele queria. Aí ele se irritava. (C 22)
De acordo com as interlocuções, percebe-se que a ausência ou dificuldade em manter comunicação é algo que apresenta um impacto bastante negativo no que diz respeito ao cuidado diário da criança, uma vez que nesses casos os cuidadores precisam tentar adivinhar e/ou interpretar a necessidade da criança, levando a um alto nível de estresse para ambos, inclusive a culpabilização das mães por sinais característicos do TEA, como as hipersensibilidades que muitas vezes geram comportamentos semelhantes a birras e as mães até sentem vergonha pela forma como as pessoas observam essas crianças.
No que tange às dificuldades em relação ao cuidado com a pessoa que vive no TEA um questionário elaborado por Balestro e Fernandes (2012), verificou-se com pais que a grande maioria dos cuidadores afirmou sentir dificuldades no que diz respeito à
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comunicação com seu filho (a), principalmente no que se refere ao entendimento sobre o que o seu filho (a) deseja.
De igual modo, Freire (2012) cita que são várias as dificuldades demonstradas por crianças no Espectro do Autismo, no entanto, a que mais se destaca é a ausência da comunicação verbal ou atraso da linguagem e isto limita em sobremaneira as atividades diárias de tais pessoas.
Destaca-se que a oralização não pode e não deve ser percebida como a única forma de comunicação com a criança/pessoa no TEA, mas precisam ser ensinados outros códigos nos quais a criança, familiares e pessoas ligadas à criança consigam se comunicar, como os gestos, as expressões faciais, o apontar, uso de material concreto ou mesmo o uso de figuras para expressar aquilo que sente ou precisa.
Outros empecilhos manifestados pelos participantes foram relativos às questões laborativas, já que precisam deixar de trabalhar para dedicar-se exclusivamente ao cuidado com os filhos; mencionaram também questões referentes à sexualidade; presença de comorbidades como o Transtorno Obsessivo Compulsivo; e ainda, ligados ao aprendizado de habilidades básicas. Assim, enfatiza-se que as desordens inclusas no TEA carregam consigo uma série de características neurodesenvolvimentais que ocasionam alterações referentes ao aprendizado e à aquisição de conhecimento; por esta razão, embora a pessoa apresente tais alterações, pode passar por um programa de cognição no qual desenvolverá Habilidades Comunicativas, sociais, emocionais funcionais e outras
Categoria 2: Sinais que levaram à suspeita diagnóstica
No tocante aos sinais sugestivos de TEA, alguns participantes relataram ter percebido precocemente, logo aos dois ou três anos de idade; entretanto, alguns apontaram como idade de percepção de sinais e diagnóstico, os dez anos, mediante observação de atraso da linguagem e a regressão das palavras. Tais achados são corroborados pelos relatos a seguir:
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Foi com 2 anos de idade, ela só chorava, não caminhava nem engatinhava, foi quando eu levei ela em Teresina-PI, lá eles deram o diagnóstico de autismo, mas eu pouco sabia desse Transtorno. (C1)
Quando eu comecei a conviver com ele, ele tinha 7 anos e de cara eu já percebi. Mas os pais dele também perceberam logo e quando colocaram na creche percebeu os sinais de autismo de 3 para 4 anos. (C3)
Eu já suspeitava, porque ela chorava muito, e como a família do pai dela têm muitos que são problemáticos. Ela começou a apresentar com 1 ano de idade os sinais de não querer ficar próxima de ninguém, não gostar de abraços, chorar muito e não querer comer algumas coisas. (C6)
Eu suspeitava, porque as crises quando ele teve recém-nascido foi muito grande aí de lá eu já observava que ele tinha um defeitinho no olho ele melhorava uma parte e quando começou falar a gente via que a fala dele não era bem até ele ficar com uns 10 anos a gente tinha ele como um menino normal. Assim, a gente via os defeitos dele dava pra ver, mas os comportamentos dele assim não tinha não aí depois que ele começou assim, porque eu acho que é até normal né toda criança quando vai chegar na adolescência até chegar na idade mais jovem ele passa por uma fase mais difícil, não é todos não, mas os que não passa que cresce e chega numa idade que não tem aquela fase de, sei lá, de comportamento meio assim mais elevado né. (C7) Sim, desde pequenininho ele apresentou né. A primeira vez que eu vi ele, ele não andava e mexia só o lado direito do corpo, aí depois ele começou a fazer fisioterapia e começou andar com 10 anos. (C9)
É notório que alguns pais/cuidadores afirmaram que perceberam que os filhos apresentavam comportamentos diferentes, mas nunca imaginavam que poderia se tratar de uma desordem como o TEA. Em investigação desenvolvida por Zanon, Backes e Bosa (2014) a maior parte das mães afirma que o diagnóstico de autismo foi dado pelo médico, e que as características foram aparecendo conforme o crescimento e o desenvolvimento da
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linguagem, seguido pelos problemas com o contato que as crianças estabeleciam com outras pessoas e nos comportamentos repetitivos e estereotipados.
Em consonância com Ebert, Lorezini e Silva (2015), o atraso da fala e da linguagem são sinais significantes que as mães percebem desde os primeiros anos de vida da criança, sendo que a ausência de interação com outras crianças da mesma idade representa outro sinal bastante comum.
Sobre o assunto, é sabido que algumas características dos distúrbios inclusos no Espectro do Autismo são muito comuns como ausência de resposta ao chamado dos pais/cuidadores e ignoramento ao ser chamado pelo nome; dificuldades no contato visual; não explora brinquedos de forma adequada; atraso ou ausência do desenvolvimento da fala ou repetição exaustivas de frases soltas; limitações na interação social; resistência a mudanças de rotina; tendência ao isolamento; choro/tristeza e/ou euforia inexplicados; hiperatividade ou passividade extrema; sensibilidade alterada ao contato e ainda, noção diminuída ou inexistente de perigo iminente e de sensibilidade dolorosa. Portanto, os pais/cuidadores, professores e profissionais de saúde, como o(a) pediatra ou mesmo o(a) médico(a) ou enfermeiro(a) atuante na Atenção primária à Saúde podem detectar precocemente tais alterações durante as consultas de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento e a partir daí, tomar as medidas cabíveis e os encaminhamentos necessários, com vistas a minimizar déficits, que muitas vezes são plenamente evitáveis.
Categoria 3: Presença de comorbidades
Nessa categoria buscou-se o conhecimento dos pais/cuidadores quanto à existência de comorbidades além do TEA. Entretanto, percebe-se que a maioria refere que os filhos/pessoas cuidadas não apresentam outras afecções ou não sabem da sua existência.
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Eu tenho até uma laudo que o médico deu, mas aí eu não entendo o que quer dizer. (C3)
Ela tem TOC e vários outros problemas inclusive Doença Mental. (C6)
Não, ele não tem outra doença. (C7)
Não, ele não tem nenhuma outra doença. (C9)
Não, ela só tem autismo mesmo. Pelo menos eu acho. (24)
De acordo com o relato dos cuidadores percebe-se que os filhos com TEA não apresentam outras doenças, com exceção do cuidador (C6) que afirma o diagnóstico de TOC presente na sua filha e do(a) cuidador(a) 3 que não lembra/sabe qual seria.
Para Marchesan e Riesgo (2015) a ocorrência de transtornos psiquiátricos em autistas representa o resultado de uma combinação de fatores genéticos e ambientais. Desse modo, existem algumas comorbidades que podem estar associadas ao TEA, como: transtorno do déficit de atenção/hiperatividade, transtorno bipolar, tiques, síndrome de Tourrette, Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), esquizofrenia, ansiedade e distúrbios do sono. Essas desordens poderão se desenvolver durante a infância, enquanto outras mais prevalentes e mais graves na idade adulta.
Reitera-se que comorbidades manifestadas ainda na infância poderão persistir ao longo da vida caso não haja intervenções, por esta razão, quanto mais cedo os pais constatarem a presença de outras afecções e iniciarem a terapêutica necessária, maiores chances terão de se desenvolver e de extinguir comportamentos inapropriados.
Categoria 4: Rede de apoio existente
Nesta categoria serão abordados dados referentes à existência de redes de apoio, à qual as crianças/pessoas no Espectro Autista necessitam. Verificou-se que a maioria recebe as mes-
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mas assistências e nos mesmos locais e tal atenção não inclui os serviços de saúde, como Atenção Básica ou Especializada, como observado nos relatos a seguir:
Sim, a APAE e CAPS, ela estuda na APAE e vai todos os dias e no CAPS eu consulto ela com o médico, que ajuda muito. Os remédios são muito caros, e eu nunca pude comprar, está na justiça para o governo distribuir o remédio grátis. E como eu não posso comprar ele sempre traz amostra grátis pra ela. Ela é outra pessoa depois que começou a consultar com ele (C6).
Sim. Ele vai pra APAE, fica com o fisioterapeuta e as vezes ele vai pro fonoaudiólogo. (C9)
Eu levo ele para a fonoaudióloga, psiquiatra, psicólogo, terapeuta ocupacional. Ele é acompanhado na APAE também. (C10)
Ele é acompanhado pelo terapeuta ocupacional aqui no CERETO. (C11)
Ele é acompanhado pela psicóloga. (C17)
No que diz respeito à rede de apoio a pessoas no TEA, em um estudo de Gollo e Grave (2015), que trata da presença de crianças participantes dos programas de estimulação precoce de cinco associações de pais e amigos dos excepcionais, os mesmos identificaram que em todas as APAEs, contam com uma assistência do psicopedagogo, fisioterapeuta e terapeuta ocupacional.
Ademais, é importante ressaltar que os participantes do estudo, relataram que os filhos(as) ou pessoa cuidada, recebem assistência no mesmo local, APAE, com exceção do cuidador (C1) que faz o acompanhamento da sua filha em uma rede de apoio privada e do cuidador (C7) que relatou o acompanhamento ser realizado na APAE e no CAPS onde são realizadas as consultas do filho. Além disso, eles têm acompanhamento pelos mesmos profissionais especializados também, tais como: psicólogo, fonoau-
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diólogo, terapeuta ocupacional, psiquiatra e psicopedagogo.
Para Pereira (2014) o acompanhamento do desenvolvimento infantil, bem como a identificação e avaliação de alterações do desenvolvimento podem ser realizados por meio da caderneta da criança. Desta forma, é necessário que médicos e enfermeiros aproveitem a consulta para observar os marcos do desenvolvimento que atuam como um método de diálogo com a família, de forma a orientar os cuidadores da criança para que estas sejam atentamente observadas, permitindo a prevenção de agravos no desenvolvimento e, caso necessário, realizando intervenções de forma precoce.
Reitera-se que a atuação de enfermeiros e médicos na Atenção Primária à Saúde, frente à criança autista e sua família é fundamental, uma vez que eles têm um importante papel socializador, de aceitação e compreensão da criança, bem como no estabelecimento de limites, orientação e apoio à família. Além disso, é importante que os profissionais avaliem todas as atividades que a criança realiza, observar seu comportamento durante toda consulta, e desta forma avaliar seu desenvolvimento, visto que este é dinâmico e desta forma identificar o mais precocemente possível alterações que precisam de encaminhamentos que resultem em intervenções eficazes para a promoção da saúde infantil (DARTORA; MENDIETA; FRANCHINI, 2014).
Categoria 5: Alimentação, Vestimenta, Lazer e Estudos
Nesta categoria, buscou-se identificar dados referentes à rotina alimentar, vestimenta, lazer e os estudos das crianças no Espectro Autista. Notou-se que a maioria dos pais/cuidadores relatou ter problemas quanto a estes quesitos, como se pode observar nas interlocuções a seguir:
Ele não come sozinho, por isso precisa de ajuda pra se alimentar. Mas come de tudo. [...] ele não veste sozi-
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nho, tem que tirar, tem que vestir e quando ele vai escolher a roupa fica fazendo bagunça. (C9)
Ele não gosta de fruta, e na hora do almoço só come arroz, feijão, caldinho e refrigerante. Ele não veste sozinho, eu que tenho que vestir. (C12)
É uma dificuldade levar ele para passear, porque ele fica muito irritado e agride as outras crianças, daí os pais não gostam que os filhos brinquem com ele. (C 19)
Ele não consegue se vestir sozinho, calçar o sapato e por isso eu tenho que fazer tudo ainda. (C 21)
Para Correia (2015) relatos acerca das alterações alimentares em crianças com TEA são frequentes, identificando um maior número de problemas alimentares, assim como uma dieta mais restrita das crianças com este diagnóstico, comparando com as crianças com desenvolvimento típico ou com outras alterações do desenvolvimento. Assim, os distúrbios alimentares das crianças com TEA podem tornar a refeição um momento de angústia e stress, não só para a criança, como para toda a família, afetando negativamente a relação familiar com aquele este momento tão importante do dia, assim como a qualidade de vida de todos os envolvidos.
Ademais, buscou-se identificar as principais formas de lazer das crianças/pessoas no TEA, bem como a relação com os estudos. Assim, percebeu-se que a maioria deles usufrui de passeios e brincadeiras em geral, porém ainda encontram dificuldade na aprendizagem escolar.
Ele sempre sai comigo, dificilmente a gente almoça em casa no final de semana. Vamos pra casa da mãe do pai dele ou pra casa da minha mãe. Sempre que a gente pode, vai pro rio. Ele não fica dentro de casa direto, em todo lugar que a gente vai ele vai junto. (C3)
Ele só vai pra APAE. Ele consegue lembrar do nome das pessoas, sabe as cores e as vogais, mas não consegue formar a palavra. E aprende com facilidade notas de música. (C7)
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Ele gosta de assistir TV, ouvir música e brincar sozinho. (C11)
É relevante acrescentar que ao questionar sobre os estudos das crianças, os pais/cuidadores relatam que as mesmas não frequentam a escola regular, mas que participam apenas das atividades desenvolvidas na APAE. Entretanto, como afirmam Smeha e Cezar (2011) esses locais atuam como redes de apoio, auxiliando os pais seja por meio de informação e orientação seja com atendimento psicológico individual ou em grupos; mas não podem ser a única fonte de aprendizado e interação dessas crianças.
Desta maneira, as escolas de ensino regular devem acolher todas as pessoas, típicas ou não e, independente das suas limitações, precisam ter suas necessidades atendidas, com as habilidades acadêmicas desenvolvidas e, inclusive, auxiliado na aprendizagem de habilidades funcionais, sociais, comunicativas, emocionais e outras.
Categoria 6: Aspectos da Qualidade de vida
Nessa categoria verificou-se o entendimento de pais/cuidadores sobre o conceito de qualidade de vida e as considerações acerca da qualidade de vida dos seus filhos (as)/pessoas cuidadas. Nas falas expostas a seguir, pode-se observar que alguns dos entrevistados não conseguem fornecer uma definição:
É quando você tem uma vida financeira boa, que tem uma qualidade de vida tanto financeira como conjugal como espiritual e de ótima qualidade. Uma boa escola, uma boa alimentação, um ambiente familiar agradável. (C1)
Assim, pra te falar a verdade eu não entendo o que é qualidade de vida. Eu considero a qualidade de vida dele boa, porque ele não passa fome, ele não anda sujo, ele tem uma família, tem uma escola pra ir, ele tem uma qualidade boa. (C3)
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Qualidade de Vida é viver bem, mas não sei explicar com palavras direito. Eu considero que ela tem uma boa qualidade, mas poderia ser melhor. (C6)
Não, eu não sei dizer. Ele tem o que comer, não passa fome. É bem cuidado. (C7)
Qualidade de vida, para mim, engloba alimentação saudável, esporte, lazer, ter momento para brincar e estudar, bons profissionais acompanhando, acredito que seja isso. (22)
Diante do exposto percebe-se que os cuidadores não conseguem responder o que entendem por qualidade de vida, mas acreditam que seus filhos possuem condições que demonstram ter uma qualidade de vida favorável.
Consoante Estanieski e Guarany (2015) a qualidade de vida é um conceito que inclui diversos aspectos, dentre eles, a sensação de bem-estar, felicidade diante do âmbito em que se vive e suas relações sociais, tais como comunidade, escola, trabalho, família. Dessa forma, o indivíduo raramente é o único foco da intervenção, visto que a família também é impactada diante do forte estresse sofrido no cuidar de uma criança com diagnóstico de TEA, o que acaba culminando em consequências no desenvolvimento dessa, no sistema familiar e principalmente na vida da mãe. Esse impacto ocorre porque o envolvimento nas ocupações humanas sustenta o cotidiano, auxiliando na saúde e bem-estar, e possuir uma criança com deficiência mental na família pode ser um fator estressante ou não, acarretando consequências para todos os membros da família, em pequena ou grande proporção.
Portanto, é importante considerar que a qualidade de vida, muito mais do que apenas compreendida, deve ser buscada por familiares, amigos, outras pessoas próximas e, assim que a criança mantiver o mínimo entendimento acerca da sua vida e das suas relações com meio, por ela mesma; haja vista viver bem, de modo aprazível e gozando de boas condições de vida, ser uma necessidade de todo e qualquer ser humano.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constatou-se que em relação à aplicação da Escala de AUQEI, o domínio Família obteve maior quantitativo, sobretudo os momentos referentes às questões “Quando pensa no pai ou pessoa que o represente”, “Quando pensa na mãe ou pessoa que a represente”, “Quando você ou alguém importante fala dele (a)” e “Quando alguém pede que ele(a) faça alguma coisa que ele(a) sabe fazer”. Além disso, observou-se que em relação ao domínio autonomia, os escores foram menores comparados aos demais domínios, indicando o alto grau de dependência das crianças em relação aos pais/cuidadores.
Ainda a respeito da aplicação da AUQEI verificou-se que 83,7% das crianças alcançaram escore inferior a 48, na concepção dos pais/cuidadores, significando uma qualidade de vida insatisfatória e evidenciando que estes pais/cuidadores precisam de mais apoio no que refere aos cuidados à criança.
Na análise da categoria dificuldades no cuidado à pessoa que vive no TEA de acordo com as interlocuções, percebeu-se problemas em estabelecer comunicação verbal e não verbal, a dependência em relação ao cuidador limitando assim as atividades diárias dos membros da família.
Além disso, na categoria qualidade de vida que tratava de questionamentos acerca do seu conceito e que situações os pais/cuidadores associavam à boa qualidade de vida dos filhos/ pessoas cuidadas, notou-se que os cuidadores têm pouco conhecimento sobre o assunto, entretanto referem acreditar que as suas pessoas cuidadas possuem aspectos que demonstram apresentar uma qualidade de vida satisfatória.
Dessa forma, por meio da investigação acerca da qualidade de vida de crianças/pessoas no Espectro Autístico na percepção de seus pais/cuidadores pode-se levantar problemas relativos ao cotidiano desses indivíduos, além de constatar algumas limitações e entraves, bem como restrições sobre o entendimento dos cuidadores baseado nas questões que envolvem a qualidade de vida. Outrossim, é importante ressaltar o papel das terapias,
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quer em espaços públicos ou privados, bem como das redes de apoio que envolvem as crianças e seus cuidadores, visto que tais serviços podem instigar a implantação de estratégias para proporcionar uma vida mais independente e autônoma.
Para mais, se sugere que os pais/cuidadores recebam mais orientações acerca dos Transtornos do Espectro Autístico e da sua condução, quer por meio dos serviços de saúde, educacionais, sociais e outros, com vistas a facilitar o acompanhamento do filho/pessoa cuidada, ampliar o acesso do mesmo a bens e serviços essenciais, tais como saúde, educação, social, laser e outros, a fim de ampliar a qualidade de vida.
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TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: uma parte de mim, não o todoo acompanhamento psicossocioeducacional e em saúde Capítulo 9
o CotiDIano E oS CUiDADOS A CRIaNÇAS No ESpECtRo Do AuTISmO: a paRtICipAçãO DE paIS/CuIDaDoRES
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: uma parte de mim, não o todoo acompanhamento psicossocioeducacional e em saúde
Autoras e autores:
Francidalma Soares Sousa Carvalho Filha
Janderson Castro dos Santos
Marcus Vinicius da Rocha Santos da Silva
Joyce Driely Carvalho Silva
Beto Douglas Alves Cardoso
Talita Vanderlei da Silva de Sousa
Maicon Tavares Pontes
RESUMO
O autismo é um distúrbio do desenvolvimento humano que vem sendo estudado há quase seis décadas, porém ainda são explícitas, mesmo dentre os cientistas, as divergências, dúvidas e questões acerca deste transtorno, sobretudo no que diz respeito à sua etiologia. Desta maneira, apesar de atualmente ser bem mais conhecido, o espectro do autismo, por manter em um grupo alguns distúrbios com características semelhantes, ainda surpreende pela diversidade que podem se apresentar e pelo fato de, na maioria das vezes, a criança ter uma aparência totalmente dentro dos padrões, já que não existem marcadores biológicos que os representem. Este estudo teve como objetivo analisar o cotidiano e os cuidados implementados a crianças no Espectro Autista sob a perspectiva de seus pais/cuidadores. Trata-se de uma pesquisa avaliativa, descritiva com abordagem qualitativa. O cenário de investigação foi a cidade de Balsas-MA, utilizando-se como campo de pesquisa a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais e o Centro de Reabilitação em Terapia Ocupacional e tendo como participantes 24 pais/cuidadores, sendo que a coleta de dados aconteceu entre agosto de 2017 e abril de 2018. Constatou-se que 50% dos participantes possuem ensino médio completo, 83,3% são casados ou vivem em união estável, 66,7% não desenvolvem atividades laborativas remuneradas e 79,2% são mães. Elaboraram-se quatro categorias, às quais: Compreensão acerca do Autismo; Características da criança que mais aborrecem; Características da criança que trazem satisfação; e, Dificuldades no cuidado à criança. Assim, verificou-se que os participantes apresentam dificuldades em estabelecer uma definição precisa acerca do transtorno e que a comunicação é um grande empecilho no cuidado diário á criança. Destaca-se a importância da sensibilização da população em relação ao autismo, com vistas a influenciar positivamente na desmistificação do tema, melhorando a qualidade de vida de pessoas no Espectro e seus
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familiares, que sofrem preconceitos em diversos âmbitos pela falta de informação. Para isso, é necessário a mobilização de trabalhadores da área da educação, membros de associações e dos próprios familiares, além dos gestores e profissionais da saúde no desenvolvimento de ações e atividades desta natureza.
Palavras-chave: Cuidador. Criança. Transtorno Autístico.
INTRODUÇÃO
O autismo é um distúrbio do desenvolvimento humano que vem sendo estudado há quase seis décadas, porém ainda são explícitas, mesmo dentre os cientistas, as divergências, dúvidas e questões acerca deste transtorno, sobretudo no que diz respeito à sua etiologia. Desta maneira, apesar de atualmente ser bem mais conhecido, o espectro do autismo, por manter em um grupo alguns distúrbios com características semelhantes, ainda surpreende pela diversidade que podem se apresentar e pelo fato de, na maioria das vezes, a criança ter uma aparência totalmente dentro dos padrões, já que não existem marcadores biológicos que os representem.
O autismo é definido como um transtorno do neurodesenvolvimento com etiologia multicausal, que se manifesta desde a infância, sendo o seu diagnóstico basicamente clínico, baseado nas características que o indivíduo apresenta tais como: pouco contato visual, hipersensibilidade sensorial, estereotipias, dificuldade em se relacionar com outras crianças, e suas manifestações podem variar quanto ao grau de acometimento (HERBES; DALPRÁ, 2016).
A este respeito, convém ressaltar que as dificuldades na interação social em Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID), como o autismo, podem manifestar-se como isolamento ou comportamento social impróprio; ausência de contato visual; dificuldade em participar de atividades em grupo; indiferença afetiva ou demonstrações inapropriadas de afeto; além de falta de empatia social ou emocional. Quando chegam a idade adulta, geralmente há uma melhora do quadro de isolamento, mas a pobre habilidade social e a dificuldade em estabelecer amizades
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persistem. Adolescentes e adultos com autismo permanecem com ideias equivocadas quanto a como são vistos e percebidos por outras pessoas, com tendência a isolar-se mesmo possuindo habilidades cognitivas adequadas (GADIA, TUCHMAN; ROTTA, 2004).
O diagnóstico precoce está diretamente relacionado ao início do tratamento e a implantação das intervenções, que são baseados na melhora do desenvolvimento funcional e diminuição de comportamentos vistos como inadequados. Para isso, são utilizadas técnicas e métodos fundamentados em princípios comportamentais, tais como: a Classificação dos transtornos mentais e de comportamento da CID-11, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM - V), e o Checklist for Autism in Toddlers. Dessa forma, os médicos especialistas (psiquiatra, neuropediatra e neuropsiquiatra infantil), são os únicos profissionais habilitados para realizar o diagnóstico, já que possuem competência nos aspectos clínicos e de diagnósticos relativos aos distúrbios mentais (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012; SURIAN, 2010).
Neste sentido, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2014) lançou em 2014 as Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com TEA, que tem por finalidade direcionar orientações aos profissionais do SUS acerca do cuidado à saúde da pessoa no Espectro do Autismo e de sua família, nos diferentes pontos de atenção. Todavia, para que se obtenha uma linha de cuidado efetiva é necessária a integração de uma equipe multiprofissional, incluindo o provedor de cuidados primários, também chamado cuidador informal; subespecialidades médicas (psiquiatra e pediatra), terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, fisioterapeuta e especialista educacional.
A pessoa no Espectro do Autismo é um cidadão como qualquer outro e precisa ter todos os seus direitos resguardados, por isso, lutas travadas por profissionais de saúde e educação, pais e familiares de autistas e da sociedade civil organizada, impulsionaram a criação da Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pes-
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soa com Transtorno do Espectro Autista. Tal Lei busca assegurar: a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a educação, a segurança e o lazer e a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração.
No que diz respeito aos aspectos familiares, na maioria dos casos, os pais notam que existe algo de estranho com o filho, mas não conseguem determinar o que, sobretudo quando não possuem outros filhos para comparar marcos de desenvolvimento. Portanto, comumente quando são alertados por parentes e amigos sobre a existência de algum distúrbio com seus filhos, reagem com raiva e incredulidade, o que pode acarretar em morosidade no diagnóstico e, consequentemente, o agravamento do quadro (WILLIAMS; WRIGHT, 2008). Assim, segundo Assumpção Júnior e Kuczynski (2009), a reação dos pais diante do diagnóstico e o que fazem a partir daí tem extrema importância, pois poderá influenciar consideravelmente no desenvolvimento da criança, diante da possibilidade de lidar com sua realidade, mesmo possuindo limitações.
Compreende-se que o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um distúrbio que não possui cura, porém existem tratamentos que podem melhorar e diminuir a severidade das manifestações clínicas, bem como melhorar a qualidade de vida das pessoas que apresentam a condição, tais como: o Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com Desvantagens na Comunicação (TEACCH), a Análise Aplicada do Comportamento (ABA), o Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (PECS), além da atuação multiprofissional.
Portanto, o objetivo deste estudo foi analisar o cotidiano e os cuidados implementados a crianças no Espectro Autista sob a perspectiva de seus pais/cuidadores.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa avaliativa, descritiva com abordagem qualitativa. Hartz (2002) define a pesquisa avaliativa como o procedimento que consiste em fazer um julgamento de uma
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intervenção tendo como base métodos científicos. Concretamente, refere-se à análise de pertinência, os fundamentos teóricos, a produtividade, os efeitos e o rendimento de uma intervenção, assim como as relações existentes entre a intervenção, e o contexto no qual ela se situa, geralmente com o objetivo de ajudar na tomada de decisões. Neste caso, avalia-se o cotidiano e as ações desenvolvidas por pais/cuidadores de pessoas no Espectro do Autismo, a partir de um prisma pessoal.
Deslandes e Assis (2002) citam que a articulação entre abordagens e combinações metodológicas tem reconhecida importância para pesquisar o complexo saúde-doença-atenção, indicando as diversas modalidades de diálogos. Nesse contexto, o quantitativo e o qualitativo traduzem cada um na sua definição, as conexões entre o individual e o coletivo, presentes no cotidiano das práticas de saúde.
O cenário deste estudo foi o Município de Balsas-MA, com população estimada em 2014 de 90.679 habitantes. Apresenta uma área de unidade territorial de 13.141,733 km² e faz parte da região Sul do Maranhão. A cidade é banhada pelo Rio Balsas e localiza-se há 790 Km da Capital, São Luís, e, há 397 Km de Imperatriz, a segunda maior cidade do Estado (IBGE, 2019). Assim, a pesquisa foi realizada na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e no Centro de Reabilitação em Terapia Ocupacional (CERETO).
A coleta de dados ocorreu por meio da realização de uma entrevista com 24 genitores e/ou cuidadores das pessoas com TEA, no período de agosto de 2017 a abril de 2018. De acordo com Dyniewicz (2009), a entrevista pode ser realizada de diversas formas e com abordagens distintas, tendo por finalidade obter informações verbais de uma parcela representativa da população estudada, devendo ser implementada em local adequado, com boas condições de iluminação, aeração e deixando o participante à vontade para expressar suas opiniões
Assim, as informações coletadas, foram submetidas à Análise de Conteúdo, proposta por Bardin (2011), que tem como propósito a compreensão do significado das falas dos sujeitos para
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além dos limites daquilo que é descrito. E dentre as técnicas de Análise de Conteúdo, optou-se pela Análise Temática, que busca os núcleos de sentido, os quais constituíram a comunicação e cuja expressão revelou algo importante para o objeto estudado.
Portanto, de posse do material oriundo desta, procedeu-se a categorização, inferência, descrição e interpretação minuciosa de todo o conteúdo. Para tanto, de acordo com Gomes (2010), após a leitura compreensiva das respostas/falas foi feita a exploração das mesmas, e, portanto, a análise propriamente dita, e, por fim, elaborou-se uma síntese interpretativa por meio de uma redação que proporcionou um diálogo do tema com objetivos, questões e pressupostos da pesquisa.
Ressalta-se que, para facilitar a compreensão das informações, os dados mais importantes foram fielmente descritos e, em seguida, cada participante foi sendo apresentado no texto como Cuidador (1 a 24, de acordo com a ordem de realização das entrevistas).
No que se refere aos aspectos éticos, o projeto de pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil, e, em seguida, direcionado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) onde foi aprovado com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) de n°. 42337414.7.0000.5554. Os pesquisadores comprometeram-se com as normas preconizadas pela Resolução CNS 466/12 e suas complementares, que tratam dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos onde a referida resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, referenciais da bioética, tais como, autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e equidade, dentre outros, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao Estado.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Para fins de apresentação dos participantes, organizaram-se alguns dados sociodemográficos, os quais estão dispostos na Tabela 1, conforme expostos a seguir:
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Tabela 1 – Distribuição dos dados pessoais dos pais/cuidadores de crianças no Espectro Autista. Balsas-MA, 2018.
Escolaridade
Ensino fundamental completo
Ensino médio completo
Ensino superior incompleto
Ensino superior completo
Estado civil
Solteiro
Casado/união estável
Divorciado
Atividade laborativa
Sim
Não
Grau de parentesco com a criança
Fonte: pesquisa direta.
Referente ao nível de escolaridade dos entrevistados, verificou-se que 12 (50,0%) possuem ensino médio completo e 7 (29,2%) superior completo. Este dado demonstra um resultado favorável, haja vista que a escolaridade é um fator importante no cuidado direto a pessoas que apresentam um quadro complexo e muitas vezes grave de desenvolvimento humano, sendo que esta informação difere dos dados encontrados por.
Quanto estado civil dos cuidadores observou-se que a maioria (20 - 83,3%) é casado ou vive em união estável, revelando-se um resultado positivo, pois acredita-se que o cuidado à criança seja compartilhado com o(a) companheiro(a), o que pode fortalecer atenção e minimizar os efeitos de uma condição crônica e que exige desprendimento de tempo e o Barbosa e Fernandes (2009), pois os autores concluíram que das 150 mães estudadas, 39% não são alfabetizadas e 34% possuem, no máximo, o ensino médio completo desenvolvimento de ações contínuas, individualizadas e efetivamente direcionadas. Nunes e Santos (2010) também encontraram resultados semelhantes, os quais refe-
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Pai Mãe Avó Tia TOTAL 3 12 2 7 3 20 1 8 16 2 19 1 2 24 12,5 50,0 8,3 29,2 12,5 83,3 4,2 33,3 66,7 8,3 79,2 4,2 8,3 100,0 % Nº VARIÁVEIS
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rem que dos 20 cuidadores de crianças autistas investigados, 19 (95%) declararam serem casados ou viverem em união estável.
Em se tratando do questionamento sobre atividades laborativas, 16 (66,7%) cuidadores não trabalham e inclusive declararam disponibilizar a maior parte do seu tempo exclusivamente para cuidar dos filhos e da casa. Devido ao alto nível de dependência e necessidade de cuidados que crianças no Espectro Autista detêm, geralmente os cuidadores precisam se abster de vínculos empregatícios. Ribeiro (2011) afirma que geralmente as mães ao receberem o diagnóstico de autismo dos filhos deixam seus empregos para cuidar dos mesmos.
Sousa (2011) destaca que no cotidiano de famílias de crianças no Espectro do Autismo, as mães vão aos poucos perdendo sua própria história e passam a viver a história do filho, e muitas vezes precisam abdicar de suas atividades diárias para se dedicar exclusivamente à criança.
Corroborando com esses resultados, Monteiro et al. (2008) concluíram que a maioria dos cuidadores investigados era composta por mães e que não exerciam atividade ocupacional fora de casa, pela necessidade de cuidados que a condição do filho requer. Elas têm uma rotina diária que inclui os afazeres domésticos, cuidados pessoais e familiares e prioritariamente os cuidados que envolvem o filho, acarretando acúmulos de responsabilidades, que terminam por contribuir para o afastamento ou abandono de seus sonhos e desejos pessoais.
No que tange ao grau de parentesco que os entrevistados possuem com a criança, constatou-se que 19 (79,2%) são mães. Essa informação é confirmada pela investigação realizada por Vieira et al. (2012), na qual concluíram que o principal cuidador das crianças autistas era a mãe, caracterizando 88,9% da amostra utilizada, o que aponta para o padrão tradicional familiar do Brasil, no qual o papel de cuidar dos filhos encontra-se vinculado ás genitoras, sobretudo aqueles portadores de cuidados especiais.
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Schmidt e Bosa (2007) referem que a mãe é a principal cuidadora das pessoas com Autismo e por isso está mais propensa ao desenvolvimento de altos níveis de estresse, o que resulta em sobrecarga e agravos na saúde física e psicológica das mães. Outros fatores que podem contribuir para o surgimento da sobrecarga são: a falta de apoio conjugal, o excesso de cuidados com o filho, o isolamento social e a escassez de apoio social.
Ainda a este respeito, conforme Torres et al., (2012) e Serra (2010), as mães de crianças com TEA necessitam de atenção especial, visto que o cuidado é primordialmente exercido por elas. Desse modo, sua saúde mental deve ser priorizada uma vez que, a mesma assume múltiplas responsabilidades nos cuidados físicos, cognitivos, psicológicos do filho que necessita de zelo, disponibilidade, tempo, paciência, além do seu papel no âmbito familiar: outros filhos, marido, tarefas domésticas e sociais.
Categorização
Após a leitura detalhada dos dados provenientes dos formulários, procedeu- se a organização do conteúdo e interpretação dos achados, que, posteriormente foram organizados em quatro categorias, nas quais discutem-se: Compreensão acerca do Autismo; Características da criança que mais aborrecem; Características da criança que trazem satisfação; Dificuldades no cuidado à criança, como segue:
Categoria 1: Compreensão acerca do Autismo
Na primeira categoria verificou-se o entendimento de pais/ cuidadores de crianças no Espectro Autista sobre a desordem. Nas falas expostas a seguir, observam-se as definições dos entrevistados sobre o Autismo:
É uma síndrome que é acometida por genética onde a criança pode ter problemas motores, na fala e entre seus sistemas neurológicos. (C5)
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Autismo (TEA) é um transtorno do desenvolvimento que atinge as áreas de interação social, comunicação e comportamento. (C8)
Compromete a socialização em se relacionar com outras pessoas, impedindo que há a interação social, dificuldade na comunicação e comportamento. (C10)
A criança tem dificuldade na fala, dificuldade de atenção ela tem dificuldade em socialização são várias características das quais a pessoa se enquadra. (C11)
Afeta a criança na parte da fala, da socialização e do aprendizado.(C12)
Transtorno de comportamento com dificuldade de interação na sociedade. (C24)
Diante das falas expostas, é possível perceber que os interlocutores citados possuem conhecimento sobre os principais conceitos e comprometimentos provenientes do autismo. Principalmente no que concerne as dificuldades na interação social, comunicação e comportamento, sendo estas as principais áreas afetadas pelo espectro autista.
A este respeito, uma definição interessante de Autismo é abordada por Tamanaha, Perissinoto e Chiari (2008), que o caracterizam como o desenvolvimento anormal ou alterado, que se se manifesta antes dos três anos de idade, apresentando perturbação do funcionamento nas áreas de interação social e comunicação além de comportamento repetitivo.
Apesar de não abordarem todos os aspectos do autismo, nota-se que os cuidadores supracitados possuem conhecimento teórico sobre peculiaridades do transtorno. Acredita-se que por ser uma desordem complexa, que possui graus e características que se diferenciam por portador, alguns cuidadores têm dificuldade em formular uma definição mais organizada sobre o assunto.
Para Silva (2009), a maior compreensão da família sobre o TEA favorece o desenvolvimento do filho e permite que ele adquira independência e se sinta valorizado. Dessa forma, entende-
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-se que existe estreita relação entre o conhecimento acerca das características do autismo pelos familiares como fator facilitador da saúde emocional do filho com autismo.
Ademais, é possível perceber que alguns cuidadores conceituam o autismo de acordo com as experiências e traços desenvolvidos pelas crianças, não citando todas as características da síndrome, como se observa:
Acho que com a convivência com a M eu aprendi só que é o mundo dela é diferente do nosso é do jeito dela, é na hora dela e tem que ser assim porque ouvi dizer que é um mundo particular. (C4)
É uma doença que a cada dia você vai aprendendo e descobrindo coisas novas, boas e ruins. (C6)
A gente entende mais sobre as coisas que ele faz. O autista gosta de coisa colorida e tem dificuldade na socialização. (C21)
Verifica-se na fala dos participantes que os mesmos possuem pouco ou nenhum conhecimento a respeito do espectro autista. Fato que pode ser explicado pela ausência de interesse no assunto ou dificuldade no acesso a informação. Visto que os entrevistados relatam que o entendimento que detêm sobre TEA são provenientes das características das crianças das quais são cuidadores.
Nogueira e Rio (2011) enfatizam que uma das reclamações dos familiares de pessoas autistas é a escassez de informações sobre o transtorno. Afirmam ainda que nem sempre são disponibilizadas informações sobre o tema e de como lidar com os sintomas, fato que dificulta a compreensão da família a respeito do TEA.
Reitera-se que todas as crianças das quais seus cuidadores foram entrevistados frequentam alguma instituição de apoio a pessoa autista nas quais são desenvolvidas palestras a respeito do tema, e todos os cuidadores são convidados a participar das
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mesmas. Para o melhor desenvolvimento da criança é fundamental que seus pais e cuidadores conheçam as características, evolução e terapias disponíveis para que assim tenham maior controle em relação ao comportamento da criança.
Categoria 2: Características da criança que mais aborrecem
Nesta Categoria serão abordados os comportamentos das crianças que mais incomodam e que mais agradam seus cuidadores, como se constata nas seguintes interlocuções:
A automutilação. (C1)
Quando ela tá agressiva demais. (C2)
O que mais me incomoda nele é essa parte do comportamento que as vezes ele não para e fica andando de um lado para o outro. (C3)
Presença de birra constante. (C5)
Hiperatividade. (C6)
O que mais me incomoda é a hiperatividade. (C12)
Quando ele fica zangado. (C16)
Quando ele se bate. (C17)
É na hora que ele tá se batendo. (C20)
Agressividade com ele mesmo. (C21)
A birra. (C23)
No que se refere aos comportamentos que mais causam incômodo para os cuidadores, percebeu-se que apesar de haver uma variação nas respostas, existem alguns aspectos em comum, como as birras, irritação, agressividade e hiperatividade. Vale ressaltar que apesar de situações como estas acontecerem constantemente, os entrevistados aparentemente não sabem lidar muito bem com estas reações das crianças.
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Diante das falas, pode-se observar que a agressividade é um fator que incomoda demasiadamente, pois não se trata apenas de uma ação que causa prejuízos sociais ou comportamentais, podendo atingir a saúde física da própria criança ou das pessoas com as quais convive. Destarte, este comportamento é comumente manifestado quando são contrariadas ou em momentos que não conseguem expressar seus desejos, o que geralmente ocasiona autoagressão, uma reação bastante difícil de controlar pelos pais/cuidadores.
Este dado coincide com os resultados de uma pesquisa de Segeren e Françozo (2014), nos quais uma dificuldade enfrentada por mães de autistas está relacionada à agressividade. Além disso, os autores supracitados apontaram comportamentos como agitação, gritos, agressividade ou autolesão como dificuldades referentes ao comportamento, fato que impõe obstáculos no acesso da família a locais públicos. Assim, Nunes e Santos (2010) sugerem que manifestações de agressividade e agitação psicomotora constituíram as principais queixas maternas em relação aos filhos.
De acordo com Martins (2012), as pessoas com TEA podem tentar se comunicar através dos seus comportamentos, que muitas vezes parecem inadequados, são interpretados de maneiras diferentes daquelas que elas querem transmitir, por exemplo, uma bofetada, embora possa parecer uma agressão, poderá ser apenas uma tentativa de se comunicar ou uma brincadeira para iniciar a interação.
O fato é que vários comportamentos que ocorrem provenientes do autismo são estressantes para quem os presencia, podendo ser inclusive perigosos para o indivíduo. Como é o caso de reações graves de autoagressão, que devem ser coibidas, trabalhadas e modificadas (AMA, 2011).
Em conformidade com Vila, Diogo e Sequeira (2009), pessoas no Espectro Autista podem apresentar respostas agressivas a estímulos sensoriais, tais como hipersensibilidade a sons e contato físico, reações exageradas à luz ou a cheiros. Podem tam-
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bém haver comportamentos autoagressivos e autolesivos como bater a cabeça, morder as mãos, dedos e pulsos. Neste ínterim, ressalta-se que segundo Novaes, Pondé e Freire (2008), existem drogas psicotrópicas que atenuam os sintomas associados ao autismo tais como a agitação psicomotora e o comportamento agressivo.
No que se refere à hiperatividade, esta é uma característica marcante das crianças autistas, que cursa com agitação e inquietude; incomodando demasiadamente os pais e cuidadores, que em muitos momentos necessitam que a criança mantenha a concentração e a sobriedade. Além disso, soma-se a esta problemática o fato de muitos pais não aceitarem que seus filhos estão no Espectro Autista; preferindo acreditar que as crianças são apenas hiperativas, o que pode atrasar o diagnóstico e, consequentemente, iniciar tardiamente as terapias indicadas às pessoas com TEA, dificultando o desenvolvimento dos mesmos.
Ainda a este respeito, segundo Silva, Gaiato e Reveles (2012), a hiperatividade em crianças autistas mantém características diferentes daquela manifestada em pessoas com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), pois de maneira geral, os movimentos exercidos por autistas, como a agitação exacerbada ou o excesso de movimentos, não tem função. O prazer está na agitação em si, o movimento é feito de modo aleatório, sem função. Já no TDAH, a criança busca incessantemente se envolver em atividades diferentes, com propósitos definidos, pois no caso de pessoas com TDAH a hiperatividade física é consequência direta da hiperatividade mental.
Por fim, destaca-se que de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de transtornos Mentais, DSM-V (APA, 2014), pessoas no Espectro Autista, podem apresentar além das características comuns do autismo outros sintomas de caráter comportamental, que incluem hiperatividade, desatenção, impulsividade, agressividade, comportamentos autoagressivos e, principalmente em crianças mais jovens, acessos de raiva.
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Categoria 3: Características da criança que trazem satisfação
No que se refere aos comportamentos que mais agradam aos cuidadores, as respostas mais citadas relacionaram-se à formação de vínculos afetivos, como se observa nas falas:
Sempre quando a gente fala alguma coisa pra ele, como meu filho eu te amo, ele vem e me abraça. (C7)
O comportamento do meu filho que mais me agrada é o carinho, ele adora abraçar, beijar e isso me faz sentir bem. (C8)
Ele é carinhoso. (C11)
É a forma carinhosa e meiga que ela me trata. (C12)
Quando ele começa a rir, sorrisos o dia a dia alegre dele. (C19)
Quando ele ta perto de mim porque ele gosta muito de me beijar. (C20)
Minha filha é carinhosa. (C21)
Conforme se constata, os interlocutores relatam que o comportamento das crianças que mais agrada é a demonstração de afeto e carinho. Acredita-se que um fator que influencia nessas respostas é que uma das principais características do TEA é a dificuldade em estabelecer vínculos afetivos; por isso, geralmente no início os cuidadores acreditam que é impossível manter um relacionamento de carinho com as crianças, porém na maioria dos casos nos quais se estabelece um acompanhamento terapêutico adequado, os aspectos comportamentais da pessoa com autismo são alterados e atenuados, inclusive alguns são substituídos por outros mais funcionais..
Em consonância com Marteleto et al. (2011), em um estudo sobre problemas de comportamento de crianças autistas constataram que as mães afirmaram que as crianças gostam de estar com elas e com outras pessoas próximas, mas preferem não ter intimidade com indivíduos com os quais têm pouco contato. Os
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autores perceberam tal evidência como uma adaptação dos pais à dificuldade de socialização dos filhos, no qual conseguem descobrir facetas amáveis de seu filho, centrando-se em maneiras de ajudá-los a enfrentar os problemas.
Categoria 4: Dificuldades no cuidado à criança
Nessa categoria buscou-se identificar as maiores dificuldades enfrentadas no cuidado diário à criança no Espectro Autista. Notou-se que algumas dificuldades são as mesmas para vários cuidadores, das quais uma bastante comum está relacionada a problemas em estabelecer comunicação verbal e não verbal como se pode observar nas falas a seguir:
Necessidades fisiológicas dela, eu tenho que adivinhar a hora que ela quer ir além de usar fralda. (C4)
Dificuldade em que ele tem que se expressar, iniciativa. (C5)
Na se comunica, pois só fala palavras soltas. (C6)
Eu ainda não aprendi a entender o que ele quer. (C17)
Ela não pede as coisas, tem que adivinhar. (C21)
A maior dificuldade é a comunicação verbal direta, pois a gente em casa consegue entender o que ele pede, mas as pessoas na rua, não. (C24)
De acordo com as interlocuções, percebe-se que a ausência ou dificuldade em manter comunicação verbal é algo que apresenta um impacto bastante negativo no que diz respeito ao cuidado diário da criança, uma vez que nesses casos os cuidadores precisam tentar adivinhar e/ou interpretar a necessidade da criança, levando a um alto nível de estresse para ambos.
Esses dados corroboram com os encontrados por Rodrigues, Fonseca e Silva (2008), nos quais obtiveram vários relatos de mães de crianças autistas sobre a dificuldade na utilização da
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comunicação, que segundo elas, prejudicam a interação com outras pessoas.
A alteração na comunicação compõe o grupo de características relacionados ao TEA, juntamente com dificuldade na interação social, comportamentos estereotipados e ritualísticos e outros. Assim, algumas pessoas autistas não conseguem falar ou utilizar as palavras de maneira coerente, pois ao aprenderem uma palavra costumam utilizar em momentos inadequados, além de apresentarem também problemas na comunicação não verbal; deixando de expressar os seus desejos, e, consequentemente, gerando crises sensoriais com sintomas de choro e irritabilidade por não conseguir ter suas necessidades satisfeitas.
Em concordância com Marinho e Merkle (2009), a linguagem e a comunicação verbal e não verbal das pessoas autistas apresentam deficiência e geralmente são bem diferentes dos padrões habituais, pois apresentam repetições e estereotipias, não conseguindo iniciar e manter uma conversa. A ecolalia, ou seja, repetição de sons diversas vezes e em momentos inoportunos, também é uma característica recorrente.
Gikovate e Mousinho (2004) acrescentam que em casos de acometimento leve da comunicação, o autista apresenta vocabulário e gramática intactos, porém com tom estranho (prosódia), dificuldade para manter diálogo e com prejuízo na compreensão da linguagem figurada (metáforas, piadas, provérbios). No entanto, quando se trata de alteração severa, há completa ausência de linguagem funcional (verbal e não verbal).
Ademais, outra dificuldade é a dependência que os autistas apresentam em relação aos seus cuidadores, conforme as falas a seguir:
Dá comida na boca dela, ela ainda depende de mim pra tudo, comer, beber e tudo, a dependência. (C2)
A dependência. Ele não tem noção de perigo e precisa estar acompanhado 24 horas. (C8)
Nas necessidades fisiológicas ela precisa de mim. (C10)
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A maior dificuldade é na hora da comida tem que ter bastante cuidado porque ele não come com a mão dele. (C20)
Ele precisa de mim pra tudo, como tomar banho, trocar de roupa, comer e até preciso botar ele pra dormir. (C22)
Percebe-se que a dependência que as crianças possuem em relação ao cuidador incomoda este último e pode ser uma fonte constante de estresse, uma vez que o cuidador precisa estar sempre à disposição da criança, o que interfere na manutenção da vida social e impede o desenvolvimento e atividades laborativas fora do ambiente doméstico.
Desta forma, segundo Martão (2009), as mães que na maioria dos casos são as cuidadoras das crianças autistas sofrem com a sobrecarga proveniente das características do transtorno e com o nível de dependência do filho. Acrescenta-se ainda a constante busca por estratégias de adaptação familiar, a fim de conciliar os cuidados á criança e favorecer a convivência da família. A pessoa com autismo requer acompanhamento e cuidados por toda vida, sendo que são constantemente oferecidos por suas mães, principalmente quando há escassez nos serviços especializados oferecidos pelo Estado.
Vale ressaltar também que hábitos alimentares restritos foram citados como outro aspecto que dificulta o cuidado e acarreta uma série de transtornos e preocupações para o cuidador:
Ela come farinha láctea e leite desnatado em todas as refeições. (C1)
Eu acho mais é na alimentação que ele não se alimenta bem essa é uma dificuldade muito grande que eu tenho com ele é a questão da alimentação. (C7)
Alimentação nem sempre ele quer aquilo que você quer dá isso ai é o mais difícil. (C14)
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Ele não gosta de vários tipos de comida, é muita restrição e isso é uma dificuldade enorme pra mim. (C23)
Diante do exposto, nota-se que a alimentação é um fator que dificulta o cuidado da criança autista, sobretudo porque apresenta restrição em relação às preferências da criança por um grupo de alimento sou de um alimento específico, como é o caso do entrevistado C1 que relatou que sua filha com e farinha láctea e leite desnatado em todas as refeições diárias.
Reiterando esses achados, Klin (2006) relata que distúrbios alimentares podem ser muito esgotantes na vida familiar de crianças autistas, particularmente durante a infância, pois podem envolver rejeição a certos alimentos, devido à textura, cor ou odor, ou insistência em comer somente um a pequena seleção de alimentos e recusa de provar alimentos novos. Em crianças com prejuízo cognitivo mais grave, pode haver a alotriofagia, também conhecida como pica que se caracteriza pela vontade de comer coisas não-comestíveis, fato que pode colocar em risco um conjunto de questões de segurança, incluindo o risco à toxicidade por chumbo.
Outro fator relacionado a hábitos alimentares de crianças autistas é descrito no estudo de Silva (2011), o qual revelou que no grupo de crianças autistas estudadas houve elevada ocorrência de comportamentos inadequados durante as refeições, tais como: comer rapidamente e consumo exagerado de alimentos, o que exerce influência direta sobre a ingestão de alimentos. Diante do cálculo do consumo de nutrientes, evidenciou um elevado consumo de calorias, carboidratos e proteínas.
O fator que mais preocupa os cuidadores é o prejuízo que esses problemas com alimentação podem ocasionar para as crianças, visto que, geralmente, têm consciência dos riscos impostos por uma alimentação desequilibrada e pobre em nutrientes, podendo interferir negativamente nas condições de saúde e na qualidade de vida das crianças.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Transtorno do Espectro Autista é uma desordem global do desenvolvimento que apresenta características importantes com dificuldades em estabelecer comunicação e interação social, que podem interferir negativamente na formação de vínculos afetivos levando ao isolamento social, além da emissão de comportamentos e atividades restritas, repetitivas e ritualísticas, que geralmente se manifestam em diferentes graus e sintomatologias/sinais em cada pessoa.
Assim, sugere-se investir na formação dos profissionais de saúde, sobretudo atuantes na Atenção Primária, acerca deste e de outros Transtornos Globais do Desenvolvimento, tornando-os aptos a identificar sinais de atrasos no desenvolvimento infantil, com vistas a se realizar o diagnóstico precoce, uma vez que estes estão diariamente em contato com crianças de todas as faixas etárias. Para tanto, é fundamental o envolvimento das três esferas de governo - municipal, estadual e federal - na disponibilização de cursos, oficinas workshop e outras ações abordando a temática em questão.
Além do mais, é essencial a participação da família e da escola, quando for o caso, com vistas a ampliar seus conhecimentos e fortalecer o cuidado, visando alcançar o máximo de progresso na evolução da criança com autismo para que possa se tornar uma pessoa produtiva e participativa na sociedade.
Destaca-se ainda, a importância da sensibilização da população em relação ao autismo, com vistas a influenciar positivamente na desmistificação do tema, melhorando a qualidade de vida de pessoas no Espectro e seus familiares, que sofrem preconceitos em diversos âmbitos pela falta de informação. Para isso, é necessário a mobilização de trabalhadores da área da educação, membros de associações e dos próprios familiares, além dos gestores e profissionais da saúde no desenvolvimento de ações e atividades desta natureza.
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NEm ANJO, NEm UNivERSO AzuL: a hiStóRiA DE viDA DE umA CRiAnça nO
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Capítulo 10
AutISta
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ESPECTRo
SOb
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: uma parte de mim, não o todoo acompanhamento psicossocioeducacional e em saúde
Autoras:
Najra Danny Pereira Lima
INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio do desenvolvimento neurobiológico e, de modo geral, seus sinais mostram-se nos primeiros 2 anos de vida, sendo comum observar falta de interesse em se relacionar; podem agir como se não escutassem; contato visual ausente ou pouco frequente; comunicação desorganizada; dificuldades em compreender e se fazer entender; repetição de palavras ou frases (ecolalia); movimentos repetitivos/estereotipados; se expressam fazendo gestos ou apontado, sem o uso da fala; podem usar as pessoas para alcançar o que quer; evitam colo e afagos; não demonstram afeto por outra pessoa; são resistentes a mudanças em sua rotina; não se interessam pelo que acontece a sua volta; preferem ficar sozinhos; apegam-se a determinados objetos ou apenas às suas partes (SANTOS et al., 2013).
As famílias, de modo geral, se preparam para a chegada de um filho e esperam, a partir do desenvolvimento infantil, que o bebê mostre o que quer e deseja. Aos poucos a criança e genitores/ cuidadores vão aprendendo a se comunicar e logo os pais percebem os vários tipos de choros, as alterações de timbre de voz, presença ou não de lágrimas; além dos sorrisos, os olhares, gestos e carinhos que ensinam e ajudam a nova mamãe a entender o seu bebê, embora, em famílias de crianças com TEA este processo nem sempre ocorre da forma esperada (RIBEIRO, 2016).
Assim, a dificuldade em se estabelecer um diagnóstico preciso, causa grande aflição, ansiedade, medo e sofrimento nos familiares/cuidadores, sobretudo pela falta de perspectivas de melhoras para o filho/pessoa cuidada, que frequentemente é vista apenas pelas limitações e atipias comuns do Espectro Autista, porém, após diagnosticadas e iniciado o tratamento das crianças/pessoas, os genitores/cuidadores apesar de vivenciarem uma experiência complexa, cheia de dificuldades e grandes
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responsabilidades, deverão proporcionar conforto e segurança à pessoa no TEA (ZANATTA et al., 2014).
O objetivo deste capítulo é apresentar a História de Vida de uma criança no Espectro autista, tomando por base o relato de sua mãe, à qual explana de modo claro e com base em evidências científicas as principais transformações vivenciadas pelo filho, desde o nascimento até a idade de oito anos.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo, narrativo, do tipo História de vida, com abordagem qualitativa. O personagem do relato é uma criança de oito anos, sexo masculino, natural e residente em Caxias-MA, cursando o quarto ano do ensino fundamental e tendo como relatora a mãe, neuropsicopedagoga e mestre em Análise do Comportamento Aplicada
A história de vida é uma metodologia das Ciências Humanas, sobretudo, as Ciências Sociais e permite obter e/ou explorar e comunicar informações na essência subjetiva da vida de uma pessoa, com a intenção de se perceber a experiência e perspectiva de um indivíduo, podendo obter o relato por parte da própria pessoa ou mesmo por intermédio de alguém que vivencia o processo de modo conjunto e tênue. Portanto, o método utiliza-se das trajetórias pessoais no âmbito das relações humanas e busca conhecer as informações contidas na vida pessoal de um ou de vários informantes, fornecendo uma riqueza de detalhes sobre o tema. Dá-se ao sujeito liberdade para dissertar livremente sobre uma experiência pessoal em relação ao que está sendo explorado (SANTOS; SANTOS, 2008).
A HISTÓRIA DE VIDA DE TIAGO
Eu TINHA todos os planos para o meu TITI...
Assim, sonhei, esperei ansiosa, até que recebi a confirmação: Eu estava grávida do meu TITI, como chamo carinhosamente o meu filho Tiago.
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Eu já o amava desde que ainda era um sonho. E esse sentimento crescia junto com ele. Eu imaginava como ele seria, a cor da pele, dos olhos, o sorriso, a voz e tracei planos para sua vida inteira. Parece exagero, mas foi exatamente assim. O seu nascimento trouxe grande alegria à toda a família, em especial ao Lucas, seu irmão, que pedia todos os dias por um parceiro para brincar. Não imaginávamos que aquele pequeno menino mudaria o rumo da nossa história.
TITI era uma criança como qualquer outra na sua idade: brincava, sorria, interagia com adultos e crianças, gostava de som, cores, texturas, sabores. A partir dos dois anos e meio começamos a observar algumas alterações curiosas em seu comportamento: TITI não atendia quando chamado pelo nome, não manifestava interesse em brincar com outras crianças, parecia não sentir a minha ausência e o que mais nos assustava: não falava uma palavra sequer. A impressão que tínhamos era que ele regredia em seu desenvolvimento. Alguns familiares começaram a nos alertar a esse respeito, foi quando então, decidimos procurar ajuda profissional.
Recebemos indicação de uma neurologista pediatra, agendamos a consulta e após poucos minutos de avaliação ela nos falou que TITI era “AUTISTA” e que seu prognóstico era muito ruim, enfatizando que ele provavelmente não falaria, não casaria, não formaria, e uma série de outros NÃO, NÃO e NÃO. Titi tinha apenas dois anos e meio de idade, como alguém poderia prever o que aconteceria durante toda a sua vida? Lembro-me de poucas vezes que tenha me sentido tão mal. Cabisbaixos, eu e o pai do TITI saímos daquela clínica assustados, desorientados e com um sentimento de impotência enorme.
Ao receber o diagnóstico, muitas dúvidas permeiam a cabeça dos pais. A primeira delas é: O que é TEA?
O TEA é um transtorno do desenvolvimento que pode ser reconhecido por déficits clinicamente significativos e persistentes na comunicação social e nas interações sociais; déficits expressivos na comunicação não verbal e verbal; padrões restritos
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e repetitivos de comportamento, interesses e atividades (APA, 2014).
Pesquisas sobre a prevalência do TEA desenvolvida pelo Centro de Controle e prevenção de doenças dos Estados Unidos, apontam para um crescimento significativo do número de casos diagnosticados. Estudos norte-americanos, por exemplo, sugerem que para cada 59 crianças nascidas uma possui esse transtorno (WINGATE et al., 2014). Em 2020, esses dados foram atualizados apontando um aumento. O aumento é de 10% em relação ao número anterior, de 2014, registrando atualmente 1 para 54. No Brasil, um estudo epidemiológico indicou que cerca de 600 mil pessoas tenham TEA (0,3% da população). Menciona-se que cruzando essas informações com outros dados internacionais e considerando os casos ainda não diagnosticados, essa estimativa pode ser muito maior (PAULA et al., 2011). E TITI agora, fazia parte dessa parcela da população.
Ressalto aqui, a importância dos profissionais que fazem o diagnóstico de TEA terem cautela ao abordar a família nesse momento, pois diante da sintomatologia característica dos quadros de TEA, ou até mesmo por desconhecer o transtorno, os pais podem vivenciar grande angustia ao saber que o filho está no Espectro do Autismo. Esse sentimento de angustia diante do diagnóstico é tão marcante, que a literatura o intitula como “momento de luto”.
Dessa maneira, ouvir o termo TEA através de um médico, ainda que como suspeita, é muito difícil para os pais (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012). O sentimento de medo e impotência vivido pelos pais diante do diagnóstico pode estar relacionado ao fato do TEA ser um transtorno com causas ainda não bem definidas, por não haver: marcador biológico, cura (até o momento), medicamento que trate todos os sinais, terapia específica para todos os casos (considerando a variedade de graus de comprometimento do TEA, a criança deverá ser avaliada por uma equipe multiprofissional e diante de suas necessidades individuais, ser encaminhada à uma equipe multidisciplinar).
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Assim, na maioria das vezes, os pais passam por uma fase de negação, pois os mesmos cultivam sonhos e fantasias para o futuro de seus filhos, e que podem ser ameaçados pelo diagnóstico de TEA. Nesse ínterim, para os familiares, deparar-se com algumas limitações da criança com TEA, é um encontro com algo desconhecido, pois, enfrentar essa nova e inesperada realidade pode causar sofrimento, medo e confusão. Por consequência, ser mãe/pai/cuidador significa vivenciar uma experiência complexa, com dificuldades e grandes responsabilidades (ZANATTA et al., 2014).
Lembro-me que após o diagnóstico, recebemos inúmeras ligações de amigos e familiares lamentando profundamente como se tivéssemos perdido alguém. O pai do TITI, um homem forte, agora era frágil, vivia aos prantos; não conseguia trabalhar, nem dar seguimento à sua rotina, antes tão bem organizada.
Quanto a mim, até hoje não sei dizer ao certo o que senti. O que sei é que não tive tempo para viver essa dor, viver o “luto”. Não que eu fosse mais forte, mas, ainda que tivesse insegurança quanto ao que fazer, de uma coisa eu tinha certeza: eu precisava fazer algo pelo meu filho e não podia esperar!
Ressalta-se a importância de os pais e familiares estarem atentos aos menores sinais de atrasos no desenvolvimento sugestivos para TEA e procurar ajuda profissional o quanto antes, bem como os profissionais que trabalham com acompanhamento do desenvolvimento infantil e demais áreas que participem da rotina da criança. O diagnóstico precoce é essencial, pois favorece para que a criança com TEA seja encaminhada o mais rápido possível para centros especializados e terapias, para que sejam devidamente assistidas (JENDREICK, 2014).
Para mais, a identificação de sinais de atraso do desenvolvimento é o primeiro passo para o diagnóstico precoce do TEA e quanto mais cedo esses sinais forem identificados, maiores as chances de a criança receber intervenções adequadas e exibir progressos desenvolvimentais mais significativos e duradouros. Por essa razão, é essencial que, mesmo os profissionais não es-
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pecializados em diagnóstico de TEA, mas que trabalhem com a população infantil, sejam capazes de reconhecer os sinais centrais (SILVA; MULICK, 2009).
Portanto, a identificação de sinais iniciais de atraso do desenvolvimento possibilita a instauração imediata de intervenções extremamente importantes, uma vez que os resultados positivos em resposta às terapias são tão mais significativos, quanto mais precocemente instituídos. Isso ocorre pela maior plasticidade das estruturas anátomo-fisiológicas do cérebro nos primeiros anos de vida e pelo papel fundamental das experiências de vida de um bebê para o funcionamento das conexões neuronais e constituição psicossocial. Portanto, os primeiros anos de vida tornam-se um momento sensível e privilegiado para o início da terapia (BRASIL, 2015).
Na época do diagnóstico do TITI, eu não tinha muito conhecimento sobre o tema (como a maioria dos pais), mas o meu amor por ele me direcionava. Resolvemos leva-lo a outro médico, para uma nova avaliação, pois embora tenhamos aceitado o diagnóstico, nós não aceitávamos que um diagnóstico determinasse o que nosso filho seria ou deixaria de ser.
Algo que compreendi desde cedo foi que uma criança não tem TEA sozinha, mas, após o diagnóstico, toda a família passa a viver essa condição. Os pais precisam adequar-se à algumas necessidades que as crianças poderão apresentar e isso pode demandar reajustes, sejam de tempo, financeiro, emocional, entre outros. E essas famílias precisam ser tratadas também, e isso deveria iniciar desde o momento do diagnóstico. Além disso, como já foi discutido, amaneira como é feita a abordagem inicial pode impactar positivo ou negativamente na vida dos familiares. Por exemplo, já se passaram seis anos desde o momento do diagnóstico e eu nunca consegui esquecer uma palavra sequer do que me foi dita naquele dia.
No caso do TITI, ter recebido uma nova avaliação médica foi muito positivo para nós enquanto pais. Além de termos sido muito bem recebidos, ele foi avaliado criteriosamente, foram escla-
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recidas muitas dúvidas sobre o TEA, recebemos direcionamento quanto às intervenções de tratamento disponíveis e o mais importante: saímos do consultório conscientes de que o nosso filho poderia ter limitações, mas que ele também tinha muitas potencialidades, e foi nessas potencialidades que eu acreditei.
Iniciou-se uma maratona a partir daquele dia. TITI começou a receber intervenção de tratamento por uma equipe multiprofissional especializada. Eu fazia tudo para estender os cuidados ofertados na terapia ao domicílio, com vistas a proporcionar generalização das habilidades aprendidas na clínica: organizei toda a casa com pistas visuais, para que ele se localizasse melhor, montei um espaço de intervenção em casa, adaptado ao modelo TEACCH, estruturava atividades pedagógicas, estudava dia e noite, comprava livros, fazia cursos, enfim, eu vivia em função do meu TITI.
O método TEACCH (Tratamento e educação para pessoas com TEA e déficits relacionados com a comunicação) foi desenvolvido por Eric Shopler, Gary Mesibov e seus colaboradores na Carolina do Norte. Recebeu várias confirmações empíricas e reconhecimentos internacionais pela sua eficácia no tratamento da pessoa com TEA. É um modelo de atendimento que envolve tanto a esfera do atendimento educacional quanto a do clínico, contempla toda a questão pedagógica e formal da aprendizagem da criança, com base na análise de suas condições individuais, como também desenvolve estratégias para lidar com problemas de comportamentos que essa população apresenta (SURIAN, 2010; LEON; OSÓRIO, 2013).
A filosofia deste modelo tem como objetivo principal ajudar a criança com TEA a melhorar os seus desempenhos e capacidades adaptativas de modo a atingir o máximo de autonomia ao longo da vida diminuindo a ocorrência de problemas de comportamento (BRASIL, 2013, LEON; OSÓRIO 2013).
Todo esse esforço valeu muito à pena. TITI começou a responder muito bem às intervenções: Conseguia manter contato visual (ainda que por pouco tempo), mostrava maior autonomia e
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já falava algumas frases. E eu sentia emoção, comemorava diante das menores conquistas, porque elas eram imensas para mim. Lembro-me que uma das minhas maiores angústias era se o TITI falaria ou não, se ele conseguiria se comunicar, pois eu julgava a comunicação a base para todo o repertório que eu planejava que ele desenvolvesse, como por exemplo: Habilidades acadêmicas e sociais, autonomia, entre outras.
Sobre isso, Macedo e Orsati (2011) referem que o prejuízo na comunicação é um dos comprometimentos que caracterizam o TEA. Desse modo, o grau de comprometimento na comunicação é variável e os prejuízos comunicativos podem relacionar-se tanto à comunicação verbal quanto à não verbal, e são observadas alterações na utilização de gestos, expressões, contato visual e posturas corporais com valor comunicativo.
No entanto, os prejuízos comunicativos citados, muito observados na pessoa com TEA, podem ser minimizados com o uso de comunicação alternativa e ampliada (CAA). A CAA consiste em instrumentos que possibilitam o estabelecimento da comunicação face a face através do uso estratégico de gestos manuais, expressões faciais e corporais, símbolos gráficos bidimensionais como fotografias, gravuras, desenhos e a linguagem alfabética e tridimensional como objetos reais e miniaturas, voz digitalizada ou sintetizada, dentre outros, constituindo assim ferramentas que beneficiam pessoas com dificuldades de comunicação oral (VON TETZCHNER, 1997; VON TETZCHNER; MARTINSEN 2000; PAULA NUNES, 2003; BRITO, 2016).
Um exemplo desse tipo de comunicação é o PECS (Picture Exchange Comunication System – Sistema de comunicação por roca de figuras) que foi desenvolvido para ajudar crianças e adultos com TEA a adquirir habilidades de comunicação (MELLO, 2007). E foi por meio do PECS, que ensinamos o TITI a se comunicar.
OPECs apresenta duas funções: a de comunicação ampliada, também denominada suplementar ou aumentativa, que se refere a todas as formas de expressão complementares à fala, isto
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é, o indivíduo utiliza outros meios de expressão para compensar a limitação da linguagem oral, sem substituí-la, e a comunicação alternativa, que designa formas de expressão usadas para substituir a fala (SCHMIDT, 2013).
E se um dia alguém me perguntar qual a mensagem mais importante que já recebi, eu responderia sem dúvidas que foi a mensagem: Me dá! Porque foi essa, a primeira coisa que o meu TITI falou. Essa mensagem me dizia que eu estava no caminho certo, e que eu não desistisse.
Destaca-se que todos os procedimentos de ensino programados para o TITI, são baseados nos princípios da análise do comportamento Aplicada (ABA). Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behavior Analysis), é um termo advindo do campo científico do Behaviorismo, que observa, analisa e explica a associação entre o ambiente, o comportamento humano e a aprendizagem. Uma vez que um comportamento é analisado, um plano de ação pode ser implementado para modificar aquele comportamento. Ou seja, todos nós aprendemos através de associações e nosso comportamento é “modificado” através das consequências. Tentamos coisas e elas funcionam; então as fazemos novamente. Tentamos coisas e elas não funcionam; então é menos provável que as façamos novamente (LEAR, 2004).
Assim, a rotina da nossa família foi mudada para atender as necessidades do TITI, eu me dedicava quase que exclusivamente à terapia dele e fazia tudo para que os programas de ensino fossem seguidos à risca em casa. Entretanto, foram muitas as dificuldades encontradas ao longo do tempo, entre elas eu poderia citar: o acesso a profissional qualificado na área, (considerando que moramos em uma cidade de interior do maranhão e tínhamos que nos deslocar para Teresina, capital do PI, cidade com disponibilidade de terapia mais próxima); o preconceito de pessoas que olhavam com estranheza para alguns comportamento do Titi (principalmente as estereotipias vocais); e o que eu considero uma das maiores dificuldades que já enfrentei: o processo de inclusão escolar.
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Além das características já citadas ao longo do texto, outras habilidades afetadas no TEA, que são alvos de estudo mais recentes, incluem: teoria da mente, atenção compartilhada, iniciação de respostas sociais e comportamento de solicitação. Em nível variado, as pessoas com TEA, podem ter dificuldades em segmentar tarefas, organizar o tempo de trabalho durante longos períodos, compreender informações e instruções relacionadas a uma tarefa, planejar e organizar e, quando necessário, solicitar ajuda ao professor. Esses prejuízos podem interferir consideravelmente na adaptação de uma pessoa à escola e a contextos sociais em geral (KHOURY et al., 2014).
Diante dessas características, pode-se facilmente pensar em potenciais dificuldades que um aluno com TEA pode experimentar. Assim, os déficits de comunicação, por exemplo, podem se tornar um entrave na compreensão de aulas acadêmicas que incorporam instrução auditiva prolongada, e, portanto, reduzir o engajamento com essas lições. Além disso, um aluno com TEA que se envolve em tendências comportamentais repetitivas, como o zumbido ou o script, podem ser menos propensos a participar de atividades de instrução ou tarefas como resultado de achar mais gratificante buscar a entrada sensorial que estes comportamentos estereotipados geralmente fornecem (MEDVED, 2016).
O TITI (como pessoa com TEA) aprende de forma diferente, e precisa de algumas adaptações para que seja incluso em uma escola regular, entre elas, o apoio de um (a) mediador (a) escolar, e na época foi muito difícil inserir a figura da mediadora na escola em que ele estudava. A escola compreendia a mediadora como alguém estranho, um “inimigo” que estivesse invadindo o seu território e que tivesse como objetivo maior, fazer vigília quanto às práticas desenvolvidas pelos profissionais e apontar falhas. Foi muito difícil desmistificar essa ideia que a escola tinha sobre a mediação escolar, mas ao fim, conseguimos.
Sobre mediação escolar, Mousinho et al. (2010), destacam que, a principal atribuição do mediador escolar é ser o elo entre a pessoa com TEA e as situações vivenciadas por ela, onde se
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depara com dificuldades de interpretação e ação. Logo, o mediador pode atuar como intermediário nas questões acadêmicas, sociais e comportamentais, na comunicação e linguagem, nas atividades e/ou brincadeiras escolares, e nas atividades dirigidas e/ou pedagógicas na escola. Também atua em diferentes ambientes escolares, tais como a sala de aula, as dependências da escola, pátio e nos passeios escolares que forem de objetivo social e pedagógico e pode acompanhar a criança ao banheiro, principalmente se estiver com objetivo de desfralde, auxiliando nos hábitos de higiene, promovendo independência e autonomia no decorrer da rotina. Portanto, um profissional de grande importância para que a inclusão da pessoa com TEA aconteça de forma efetiva.
Outras adaptações foram necessárias para incluir o TITI na rede regular de ensino, entre elas, adaptação de currículo. Por vezes, precisamos adaptar a forma de apresentação do conteúdo escolar, minimizar os estímulos por tarefas, reduzir a extensão dos textos, oferecer intervalos entre as demandas escolares, utilizar de reforçadores para mantê-lo engajado nas atividades, entre outros.
É importante ressaltar que o programa de ensino desenvolvido para o TITI, era completamente orientado por avaliações de repertório que tem grande importância para o processo de inclusão da pessoa com TEA, pois é a fase de investigação onde se verificam possíveis déficits em habilidades acadêmicas, problemas comportamentais, dificuldades e potencialidades, bem como o relacionamento da criança com o ambiente escolar. Os resultados advindos da avaliação subsidiam a definição de objetivos de ensino, inclusive, poderá identificar, se a criança precisará de adaptações curriculares e quais seriam elas.
Entrementes, para estudiosos como Glat, Vianna e Redig (2012) a avaliação da pessoa com deficiência como o TEA, pode fortalecer a implementação de ações específicas e favorecer a elaboração de um Plano Educacional Individualizado (PEI), com base em suas características e peculiaridades. Para mais, saber as áreas de acometimento dessa pessoa e conhecê-la profun-
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damente pode nortear a implantação das atividades educacionais planejadas e minimizar suas dificuldades ao ser submetidas a instruções e informações que não será capaz de compreender, caso não tenha repertório pré-requisito para isso.
Uma outra fase marcante do desenvolvimento do TITI, foi sem dúvidas o processo de alfabetização. Lembro-me com muita emoção o quanto ele se empolgava diante de cada palavra lida e sinto-me honrada em ter participado desse processo. Como todos os programas de ensino, para alfabetizar o TITI também lançamos mão de um método dentro do campo da ABA: o Ensino por Tentativas Discretas (Discrete Trial Teaching – DTT). ODTT tem um formato estruturado, comandado pelo professor, e caracteriza-se por dividir sequências complicadas de aprendizado em passos muito pequenos ou “discretos” (separados) ensinados um de cada vez durante uma série de “tentativas” (trials), junto com o reforçamento positivo (prêmios) e o grau de “ajuda” (prompting), caso haja necessidade, para que o objetivo seja alcançado (LEAR, 2004).
Atualmente, TITI está matriculado na rede regular de ensino, é um dos melhores alunos de sua turma, está alfabetizado, fala e se comunica bem, realiza a maioria das atividades básicas da vida diária, brinca de forma funcional, tem vida social ativa (possui amigos, se relaciona muito bem com o seu irmão, faz muitos passeios, viaja de férias sozinho para a casa de sua vovó) e apresenta poucas estereotipias de comportamento, entre outras inúmeras habilidades que ele desenvolveu. É certo que ainda apresenta muitas limitações que são características das pessoas com TEA, mas foram tantos ganhos que essas limitações se tornam insignificantes. E o meu sentimento hoje é o mesmo de seis anos atrás: Eu tenho muito a fazer pelo meu TITI, e se um dia eu tiver oportunidade de escrever um texto como este, sei que terei muito a contar sobre tudo o que, certamente, ele ainda vai conseguir alcançar.
Além da comunicação, um dos meus maiores medos em relação ao diagnóstico de TEA, dizia respeito à dependência que a criança pode ter dos pais. Hoje não sei quem depende mais um
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do outro, se Titi de mim ou eu dele. E se me perguntassem se diante de tantas dificuldades seu já pensei em desistir, a resposta seria: Eu jamais desistiria do meu filho! Pois se assim o fizesse estaria negando a Deus o que Ele me deu de mais precioso.
Ah!! eu tenho e ainda TEREI todos os planos para o meu TITI....
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mEu AuTISmO NÃo mE DEfiNE: hiStóRiA DE viDA DE um JOVEm unIVERSItáRio CONfoRmE a pERCEPçãO DE SuA mãE
Capítulo 11
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: uma parte de mim, não o todoo acompanhamento psicossocioeducacional e em saúde
Autora:
Solange Cunha do Nascimento
UMA BREVE INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) abrange distintas condições como Asperger, TGD-SOE (Transtorno Global do Desenvolvimento sem outras especificações) e Autismo, graduando-os em níveis - leve, moderado ou severo -, compreendendo uma díade: déficits significativos e persistentes na interação e comunicação social e, ainda, padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades (APA, 2014).
De modo geral, o tratamento para pessoas no Espectro do Autismo é intenso e abrangente, havendo necessidade da participação da família/cuidadores da criança/pessoa, professores/ escola e uma atuação firme e contínua de uma equipe multiprofissional. Assim, a partir de uma avaliação realizada por essa equipe, elabora-se um plano terapêutico, que deve respeitar a necessidade e individualidade do paciente e a família poderá ainda combinar mais de um método de tratamento.
Por esta razão, uma das vertentes mais comumente utilizadas trata-se da Análise do Comportamento Aplicada (ABA), sendo que os programas baseados nesta metodologia exigem a verificação de¬talhada dos fatores ambientais e de sua interferência nos comportamentos da criança/pessoa com TEA, buscando a identifi-cação dos determinantes do comportamento e dos fatores que provavelmente resultarão na sua repetição. Essas informações são essenciais para o delineamento e acompanhamento dos processos de intervenção e incluindo as habilidades verbais e de comunicação em níveis de intensidade da intervenção semelhantes aos destinados às habilidades cognitivas e acadêmicas e às dificuldades de com-portamento (VISMARA; ROGERS, 2010; SULZER-AZAROFF et al., 2008).
Assim, o objetivo deste capítulo é apresentar a História de Vida de um jovem universitário que está no Espectro do Autismo,
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sob o ponto de vista de sua mãe, demonstrando as dificuldades, potencialidades e caminhos percorridos desde as questões cotidianas até a vida acadêmica.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo, narrativo, do tipo História de Vida, com abordagem qualitativa. O cenário do estudo é o Município de São Luís - MA e o seu personagem central um rapaz de 22 anos, estudante de Administração na Universidade Estadual do Maranhão.
A História de vida é uma narração, um relato ou a exposição de acontecimentos, os quais podem ser reais ou fictícios. Trata-se da apresentação dos sucedimentos que uma pessoa viveu ao longo da sua existência. Costuma resumir os fatos mais relevantes que ocorreram com um indivíduo, sendo que a escolha daquilo que é contado irá depender da óptica de quem narra a história (SCHMIDT; BARCA; MARTINS, 2010).
As histórias de vida tornaram-se um material de pesquisa muito utilizado nas ciências humanas e também no campo da educação, abordando estudos sobre a formação de professores (as), além um olhar sensível para a história do aprendiz e de sua relação com o conhecimento. Além disso, numerosos procedimentos biográficos foram introduzidos para acompanhar, orientar, suscitar ou facilitar a elaboração dos projetos pessoais de indivíduos em busca de uma orientação ou reorientação profissional, em busca de um em prego ou quaisquer outras realidades vividas e experienciadas por pessoas nas mais variadas condições (JOSSO, 1999)
Assim, segue a experiência de um jovem universitário que está no Espectro do Autismo, sob o prisma da sua mãe, a qual narra de modo simples e intenso sua saga em busca de conseguir, por meio das mais diversas maneiras, o seu desenvolvimento, inserção social, autonomia e inclusão educacional.
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A HISTÓRIA DE VIDA DE PAULO
Do Nascimento ao Diagnóstico
Falar da minha experiência com o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) não é algo fácil, não porque eu tenha medo, preconceito ou constrangimento, mas porque tenho uma visão provavelmente diferente acerca da condução e de como lidar com o transtorno, pois compreendo que existem grandes possibilidades de desenvolvimento para a pessoa diagnosticada e sei também que isto é incomum à maioria dos pais. Assim, a princípio fiquei receosa em aceitar o convite da Fran para escrever este relato, pois não gosto muito, mas comecei a realizar alguns rabiscos e quando vi, talvez pelo envolvimento com o tema ou pela experiência acumulada com o passar dos anos, o texto já estava pronto.
Ao longo da minha jornada vi como muitos pais têm dificuldades em lidar com os filhos diagnosticados com autismo, então espero que este manuscrito ajude aos pais a enxergarem o TEA como um obstáculo que pode ser superado e que nós, temos, se não o papel principal, mas uma função ativa para alcançar o sucesso terapêutico dos nossos filhos.
Meu filho nasceu em São Luís-MA, na madrugada do dia vinte e seis de março do ano de mil novecentos e noventa e seis, e eu, à época, com dezenove anos, dei à luz ao primeiro neto de ambas as famílias, muito querido e esperado por todos. No seu primeiro ano, não percebi nada de diferente no seu desenvolvimento, mas atualmente consigo associar alguns comportamentos sutis ao quadro de TEA. Ele era um bebê lindo e adorável, sorriu muito cedo, dormia de bruços antes de completar dois meses e levantava a cabecinha para observar tudo, sentou, engatinhou e fez brincadeiras comuns para a idade, olhava para fotografias, brincava de esconde-esconde e de outros joguetes comuns.
Quando eu paro para pensar em quaisquer diferenças em seu comportamento, os únicos sinais que me chegam à lembrança são os choros inexplicados e a falta de controle em entender sa-
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ciedade e parar de mamar, que atualmente eu percebo que poderiam estar associados a algumas características do Espectro. O caminhar demorou um pouco, mas como o expus ao andador infantil, assim que começou a ficar de pé, acredito que isso tenha sido a causa da demora, enfim conseguiu realizar os primeiros passos firmes e isto ocorreu em torno de dezoito meses de idade.
A esta época, eu estava voltando da maternidade com o meu segundo filho nos braços e percebi algo estranho no comportamento do meu primogênito e isto me preocupou bastante. Parecia que ele estava magoado comigo, retraído e distante, sendo que eu atribuía tal situação ao fato de ter passado três dias ausente de casa, em função do segundo parto, e por não o ter preparado pra isso. Eu percebi que ele não se interessava por nada que dizia respeito a mim, não se envolvia mais, estava sempre distraído e parecia não escutar; o que me levou a atentar para algumas características, como a forma de manipular os brinquedos, às vezes parecia surdo, se jogava no chão sem motivo aparente e chorava à noite sem razão alguma.
Sempre o levava à pediatra e comecei a questionar se havia algo estranho, mas a mesma dizia que estava tudo bem, pois segundo ela, era normal as crianças demorarem a falar, tinha esquecido de mencionar que ele ainda não verbalizava. Além disso, depois de insistir com a médica, referindo que ele com quase dois anos, não parava em lugar algum e tinha um apego excessivo por montar lego e quebra cabeças, principalmente durante as madrugadas em que ficava acordado, a pediatra o encaminhou ao neuropediatra.
Iniciou neste momento uma saga na qual fui a três destes especialistas: o primeiro disse que era “coisa da minha cabeça e que eu não me preocupasse”. A segunda prescreveu Gardenal (Fenobarbital – um medicamento anticonvulsivante) e, depois de olhá-lo por pouco mais de quinze minutos, o liberou. Lógico que rasguei a receita ao sair do consultório! E o terceiro referiu que eu deveria conversar mais com ele. Por experiência própria, se a mãe identifica as dificuldades e vê que o desenvolvimento do
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filho não é o que deveria ser, não deve perder tempo com diagnóstico, deve ir direto para as intervenções, já que isso sim pode fazer a diferença.
Fiquei inconformada, pois estava ciente de que algo estava errado, mas ainda não sabia o que poderia ser. A família dizia que ele era surdo, por isso, embora eu tivesse certeza que não, o levei ao otorrinolaringologista e este, após bater em uma tigela de inox e perceber que meu filho virou e prestou atenção, disse que realmente ele não era surdo e que eu teria que conversar mais com ele, repetindo a indicação de outro médico.
Quando ele estava com cerca de dois anos e oito meses, comecei a usar vários jogos pedagógicos com o objetivo de auxiliar no desenvolvimento da fala e também o levei à fonoaudióloga e à psicóloga. Na primeira consulta com a fonoaudióloga, ocorreu algo que não consigo esquecer, estávamos na recepção e meu filho atraía os olhares de todos os presentes, pois não ficava quieto nem por um segundo. Em seguida, a fonoaudióloga veio, o pegou pela mão, o levou pelas escadas e depois de 50 minutos desceu toda sorridente e me disse que ele falaria dentro de dois meses. E sabe de uma coisa? As palavras têm poder. E eu compreendi que como ela se comprometeu então dali a dois meses ele falaria. Na segunda sessão ela me contou que ele imitou sons dos animais, alguns meios de transportes e que na próxima sessão eu entraria junto para replicar tudo em casa. E foi o que fizemos: comprei tudo que ela indicou, como objetos em miniatura, brinquedos, animais, utensílios de casa e etc., guardando tudo dentro de um saco.
Lembro que em dois meses o menino não conseguia nem adormecer, pois ficava falando tudo que vinha à mente - conceitos, formas, cores etc., e tudo mais que era ensinado em casa. Eu não facilitava a vida dele: se quisesse água teria que pedir, nada de garrafinhas por perto ou a gente como instrumento para entregar algo que ele precisasse, seja água ou um pote de biscoitos, que inclusive eu deixava com a tampa bem apertada para que ele tivesse dificuldade de abrir e, consequentemente, devesse comunicar-se para obter.
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A essa época, quando ele estava com dois anos e dez meses, eu utilizava vários jogos pedagógicos para estimular a comunicação, os conceitos, forma, tamanhos, animais e categorias. E o que me deixava feliz é que percebi que existiam joguinhos para ensinar quase tudo e eu adquiria muitos, pois ele ficava fascinado quando falávamos de animais e ele sempre categorizava os diversos tipos. Em seguida, ele foi ficando cada vez mais observador e apaixonado pelas imagens e gostava de associar objetos com as mesmas e fazer comparações; era muito detalhista, porém mesmo falante este verbalizava para a ação e não com diálogos, como eu desejava e às vezes me perguntava se algum dia meu filho falaria comigo diretamente.
Por indicação da fonoaudióloga, procurei novamente a neuropediatra, e, após algumas consultas, a mesma soube dizer o que ele realmente apresentava. Quero relatar como isto ocorreu, pois as consultas não foram como as habituais, na qual os profissionais observavam somente a parte física, o consultório era cheio de brinquedos e parecia uma sala de maternal; ela o observava, o estimulava, fazia joguinhos, estabeleceu vínculo muito rápido com ele e então concluiu: “seu filho tem comportamento autista”. Imediatamente perguntei o que isso significava e o que eu deveria fazer, e acredito que as suas palavras foram decisivas para a minha conduta. Ela me disse que era um distúrbio do desenvolvimento e que basicamente eu iria ajudá-lo a desenvolver as áreas que estavam deficitárias, ou seja, para a idade dele havia habilidades que não estavam desenvolvidas e que deveriam ser nestes aspectos que eu iria focar, mas também mencionou as qualidades dele que eram bem visíveis, como boa memória e o interesse pela leitura, orientando-me a colocá-lo na escola e a continuar a terapia com a fonoaudióloga e com a psicóloga.
Da reação ao diagnóstico à tomada de decisão
Esqueci de comentar sobre a minha reação quando escutei o diagnóstico: fiquei sem entender, pois nunca tinha ouvido falar de autismo, a minha família disse que era invenção e que ele não tinha nada, pois já estava falando tudo e que isso não passava
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de birras. Da família, na época ganhei um livro com o título: “Autismos Infantil, Fatos e Modelos”. Li e não entendi nada, por isso resolvi fazer apenas o que a neuropediatra me recomendou: ajudá-lo a desenvolver o que não estava dentro do que era esperado para a idade e pra falar a verdade, eu acredito que foi melhor não saber o que era o autismo, pois assim eu pude aprender e crescer junto com ele, eu não perdi o chão ou tive luto, a essa altura provavelmente muitas mães vão achar isso que estou falando uma completa loucura.
Eu posso afirmar que foi trabalhoso e talvez eu tenha ficado mais dura, mas nunca quis me posicionar na condição de vítima e nem colocar o meu filho como “ser especial”, procurei tratá-lo da forma mais natural possível, impondo limites e respeitando seu tempo e espaço para se desenvolver, com muita paciência e resiliência, lógico que em alguns momentos cometemos atrocidades, sobretudo por falta de conhecimento, mas aprendemos também com os erros.
Se fosse detalhar toda a experiência, teria que escrever um livro, mas o convite foi para um capítulo, então vou tentar pontuar algumas questões que considero mais importantes na minha conduta e que, como combinamos, a Fran e eu poderíamos ajudar outros pais na atenção aos seus filhos.
Procurei ler sobre o desenvolvimento infantil e os grandes estágios da inteligência da criança, consoante Piaget (1982, 1990, 2012) e realmente foi um bom começo, pois o autor discute a temática de modo claro e interessante. Dessa forma, ia observando o que tinha que intervir e qual deveria ser a minha conduta em casa, por exemplo: li sobre o desfralde, crianças que dormem com os pais, sobre comerem sozinhas e lugar apropriado e a própria idade ia direcionando sobre o que fazer em cada fase. Hoje faço especialização em Análise do comportamento Aplicada ao Autismo e consigo identificar várias situações em que mesmo sem conhecer os princípios dessa ciência, a utilizei e por esse motivo sempre que tenho a oportunidade deixo claro para os pais que nós somos peça chave para um bom prognóstico.
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O desfralde foi relativamente tranquilo, aos dois anos o deixava de fralda comum e ficava observando em que momento ele iria fazer xixi ou cocô, às vezes dava bastante água para ele fazer na fralda e ficar molhado, ele não gostava, a princípio, ficava alerta ao menor sinal e corria para o banheiro, desenhei patinhas no chão, deixava algumas revistinhas que ele só poderia usar se fosse ao banheiro; o cocô iria para outro país, dava tchau. No caso de dar água poderíamos inferir como “controle de estímulos”, pois a probabilidades de fazer xixi e ficar molhado seria aumentada e dessa forma a ida ao banheiro seria mais provável e o fazer no vaso, sendo reforçado positivamente faria com que o comportamento de ir ao banheiro fosse repetido até que finalmente não precisasse mais usar fraldas. O termo controle de estímulos refere-se à influência dos estímulos antecedentes sobre o comportamento, isto é, o efeito que o contexto tem sobre o comportamento (dar água ou colocar patinhas). No livro Controle de estímulos e comportamento operante é citado o The Behavior of Organisms: An Experimental Analysis, no qual Skinner apresentou a questão de controle de estímulos, em 1938:
Uma conexão entre um operante e um estímulo reforçador pode ser estabelecida independentemente de qualquer estimulação específica que esteja agindo antes da resposta. (...) com atenção constante, é possível reforçar uma resposta (...) sob muitos conjuntos diferentes de forças estimuladoras e independentemente de qualquer conjunto específico. Na natureza, entretanto, a contingência de reforçamento para uma dada resposta não é mágica; o operante deve operar sobre a natureza para produzir seu reforçamento. Embora a reposta seja livre para ocorrer em um número muito grande de situações estimuladoras, ela será efetiva na produção de reforçamento somente em uma pequena parte delas. Usualmente, a situação favorável é marcada de alguma maneira e organismo faz a discriminação(...)
Em um mundo no qual o organismo é um ser isolado e errante, as necessidades mecânicas de reforçamento requerem, além de correlação da resposta e do reforçamento, essa correlação adicional com a estimula-
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ção anterior. Portanto, três termos devem ser considerados: um estímulo discriminativo anterior (SD), a resposta (RO) e o estímulo e o estimulo reforçador (S1) (...). (SKINNER,1966, p.177-178)
Na alimentação, passei a separar o cantinho só dele e a ensinar a utilizar garfo e faca; no início era a maior sujeira, mas evitava a todo custo levar comida a sua boca , já com quase três anos, o copo não era mais de bico, pois somente criancinhas pequenas usavam, isso eu dizia para ele, mas não sei se o mesmo entendia.
A alimentação era realmente peculiar, e procurei respeitá-lo nesse momento, pois quando ele era bem menor, o forçava a comer sopa, o que considerei uma das minhas atrocidades e hoje sou ciente de que forçar não funcionava com ele. Então comprei um pratinho todo dividido e deixava a comida do jeito que ele queria - toda separada e seca -, nada de feijão ou arroz, ele detestava e nem fazia birra ou chorava quando eu tentei introduzir esses alimentos, apenas levantava da cadeira e não comia mais nada. Não gostava de nada misturado, para mim tudo era motivo para ensiná-lo, a cor do prato o tipo e formato do copo, se quente ou frio, duro ou mole e por aí ia.
O fato de ter um cantinho só dele, avaliar o que era mais reforçador, ou introduzir habilidades que no futuro seriam importantíssimas para o desenvolvimento parece algo simples, mas para pessoas com TEA, é necessário, atentar segundo Matos (2016) para a seguinte constatação:
O primeiro passo que seguimos é o de avaliação de um possível valor reforçador para estímulos arbitrários, considerando a manipulação de estímulos reforçadores significativos para o ensino de diversas habilidades; o segundo passo foca no estabelecimento de programas básicos cujos objetivos é o desenvolvimento da atenção da criança (...). Com os programas desse passo, focamos em estabelecer e fortalecer, com reforçamento, habilidades no que se refere à criança manter-se sentada durante uma sessão de atendimento e corrigir a sua postura (...) (MATOS, 2016, p. 28).
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Sobre o exposto anteriormente, convém esclarecer que não havia sessões de atendimento, mas introdução de habilidades consideradas básicas, como: possíveis reforçadores, uma mesinha só pra ele, prato diferenciado e colorido, o uso de garfo e faca. Com isso, poderia manter-se sentado, não mais comendo e correndo e principalmente a atenção na hora de alimentar-se, conhecendo o que tinha a sua volta, dentro do prato.
Quando ele tinha pouco mais de três anos, morávamos em apartamento e resolvemos mudar para uma casa, para que eles tivessem mais espaço para brincar, pois na casa nova, já iria dividir o quarto com o irmão, já que no apartamento ele dormia no nosso quarto, bem como o irmão com dois anos, que não tinha dificuldades para dormir, acordando apenas uma vez para a mamadeira. Foi complicado desacostumá-lo do nosso quarto. É interessante como fiz para tirá-lo, foi exaustivo, mas surtiu efeito e me impressionou: primeiramente montei o quarto e fui mostrando cada detalhe - a cama com motivos infantis de que ele gostava nas cobertas, brinquedos, revistinhas, brincamos por lá e o deixei na cama, disse que era seu novo quarto e que teria que ficar com o irmão agora. Ele ficou, mas na madrugada voltou para o meu quarto e eu o levei de novamente para o dele, sendo que isso aconteceu algumas vezes.
Resolvi mudar de estratégia, no início deitava na cama com ele, por alguns dias, depois fiquei só sentada, em seguida, sentada no chão segurando a sua mão, posteriormente o dedo e, finalmente, só abria a porta e ficava perguntando se já dormiu.
Às vezes eu até brincava e fingia que ele já estava dormindo e ele entrava na brincadeira e fechava os olhos, mas tinha mesmo dificuldades em adormecer, simplesmente “apagava” e não tinha aquela sonolência comum. Antes disso, sempre lia histórias para os dois, só sei que depois de quase dois meses consegui que ele reconhecesse o seu quarto e não quisesse mais ir para meu, a brincadeira de perguntar se já estava dormindo ficou, pois o elogiava por já estar dormindo só e no seu quarto como um rapaz.
Poderia ter usado outra estratégia mais coercitiva, porém a forma como conduzi produziu o comportamento adequado sem
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gerar sofrimento, desorganização ou medos por ser forçado inadequadamente a dormir só. Para Sidman (2009), sobre o reforçamento positivo em casa convém enfatizar:
“(...) Aprendemos rapidamente que as crianças fazem exigências especiais. Antes que possam falar, elas aprendem a expressar e impor o cumprimento de exigências pelos únicos meios de que dispõem. A princípio choram e gritam (...). Estes comportamentos colocam a satisfação imediata de suas necessidades no primeiro lugar da lista de prioridade do adulto... Reforçar tais práticas perpetuam-nas quase sempre transformando crianças adoravelmente alegres em objetos dos quais fugimos, esquivamos e, mais, agredimos(...)
A punição pode produzir a paz que pais desesperados necessitam --- às custas dos inevitáveis efeitos colaterais--- mas não oferece a criança qualquer caminho alternativo de ação, nenhum caminho para adaptar-se construtivamente. Proporcionar uma diversão no lugar de uma punição faria a criança interagir alegre e produtivamente com o meio ambiente.(...) Os pais que reagem não com a punição , mas oferecem às suas crianças oportunidades para recebimento de reforçadores positivos, deparam-se com crianças felizes,autoconfiantes e competentes.(SIDMAN, 2009, p. 250-251).
O esclarecimento acima cabe no sentido em que nas diversas fases do desenvolvimento do Paulo foram proporcionadas aprendizagens de acordo com o seu repertório inicial, desde o dormir só, desfralde, comer sozinho, vestir-se só e o brincar funcional, cada etapa priorizando o que conseguia fazer só e o que deveria fazer a depender da sua idade cronológica, isso muito ludicamente e com os mais diversos reforços, principalmente os sociais, mas ainda com alguns arbitrários pareados, como por exemplo: calçar sapatos, sempre exigido quando iríamos ao parque, então calçar os sapatos passou a ser pareado com saídas ao parque e depois generalizado para outras saídas, então não o obrigava a calçar, mas assim que calçava dizia: Nossa como está lindo, acho que poderíamos ir ao parque agora que colocou os sapatos.
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O início da vida escolar
Começou a frequentar a escola nesse mesmo período, no maternal II, essa foi a primeira das oito em que estudou, tinha uma proposta boa e estimulava as crianças, em um de seus relatórios já ficava claro as características do TEA, principalmente nas áreas de interação com as outras crianças, seja de um para um ou no grupo; conseguia se manter no meio, mas isoladamente, mesmo que fosse direcionado a brincar e a participar. Essa escola fechou no primeiro ano que abriu.
Aos quatro anos, já identificávamos boa memória, nomeação de cores e formas, escrevia seu nome, palavras e números que tinha interesse e reconhecia as pessoas com quem convivia e buscava contato afetivo. Em contrapartida, indicava as necessidades com gestos, resistia a mudanças de rotinas, tinha momentos de agressividade, desatenção à sua realidade e gostava muito de brincar isoladamente, além de não ter interesse em compartilhar objetos, sendo que todas estas características foram observadas na segunda escola.
E eu só falava do diagnóstico depois que eles identificavam esses atributos. Neste período, a escola sugeriu que eu contratasse uma auxiliar para ficar com ele em sala e eu aceitei, porém não concordei com a forma como a situação era conduzida, já que a auxiliar ficava boa parte do tempo com ele no colo, pelo menos todas as vezes em que ia à escola, eu percebia isso, e, mesmo ele sendo lindo e cativante, na minha opinião não poderia ser “dengado” ou amofinado nos braços de alguém, mas deveria participar das aulas e ser estimulado a interagir com os pares. O fato é que fiquei com ciúmes da professora e se eu, a mãe, não fazia isso com meu filho, para que ele pudesse se desenvolver melhor, não deixaria que isso continuasse, mais uma vez fui em busca de outra escola.
Nesta época passamos pela psiquiatra infantil na APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e recebemos encaminhamento para psicóloga e para o psicomotricista, e, após intervenção, recebi relatórios que evidenciavam as áreas defici-
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tárias. A estimulação em casa era intensa para fazer com que ele melhorasse a fala, se comportasse melhor, ficasse mais atento e interagisse com as outras crianças.
Vale ressaltar a questão da leitura que foi precoce, muitos chamam de hiperlexia, porém considero a estimulação dada com a utilização dos mais diversos jogos, como por exemplo: jogos da memória para igualar as figuras, não sei porque na época resolvi colar na parte de trás das figuras o nome delas, então acredito que a associação da imagem com o nome, o fizeram desenvolver a leitura antes dos três anos de idade. Portanto, tudo que tinha imagem como brinquedos, instrumentos musicais, animais, jogos, profissões, formas e outros, ele queria que pusesse o nome atrás e depois que percebi seu interesse, passei a mostrar o alfabeto (jogos) de letras e as sílabas, sendo que ele ficou encantado com o mundo da leitura.
Na terceira escola, só recebia relatórios do comportamento ruim dele, do tipo “aluno irrequieto e disperso em sala de aula; ao chegar na escola, pega um boneco e só larga quando vai pra casa e se a professora esconde seu boneco ele chora”. Quando li isso perguntei qual seria a proposta de intervenção e não souberam responder. Pedi que não escondesse o boneco e determinasse em qual momento poderia ter acesso ao mesmo.
Ele passava praticamente toda a manhã fora da sala e a única coisa que fazia e gostava, eram as aulas de psicomotricidades, diga-se de passagem, muito bem trabalhadas nessa escola e que o ajudarem em vários aspectos da sua coordenação motora, orientação espacial e corporal. A conversa não era fácil com a coordenação e direção, sempre deixei claro as dificuldades dele, porém a escola era a maior culpada, pois não sabia o que fazer e não aceitava as orientações, como por exemplo: utilizar o boneco como meio de mantê-lo em sala, fazer uma troca na qual quando ele realizasse a atividade, ganharia um momento com o boneco e não tentar esconder. Dessa forma, posso afirmar que o problema não era Paulo e sim o despreparo dos docentes/escola em lidar com as demandas. Ah!! Meu filho chama Paulo.
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Nos relatórios não continham os aspectos positivos dele, a leitura que já existia era considerada memorização, somente no último relatório, pedi que fizessem um teste com ele: pegassem um livro do qual nunca tenha tido acesso e pedissem para que o mesmo lesse. Somente neste momento consideraram que já estava alfabetizado e como isso de repente aconteceu, faltava-me paciência com esses profissionais, que não se esforçavam para encontrar formas mais individualizadas de ensiná-lo.
A incessante mudança de escolas e o reflexo do autismo para o irmão
Por isso, mais uma vez, tive que procurar outra escola. Na verdade, eu nunca considerei as dificuldades do Paulo grande empecilho, no meu ponto de vista, o problema foram as escolas que não sabiam lidar com o novo, ou não queriam acreditar que mesmo sendo autista ele apresentava possibilidades de aprendizagem e que não haveria limites, pois estes seriam dados por ele.
Quando o matriculei na quarta escola, eu já estava cursando Pedagogia e achei que nessa graduação fosse encontrar a resposta para as dificuldades dos professores. Mera ilusão! Pouco se falava no assunto e alguns professores nem sabiam o que era, mas serviu para que eu tivesse outros contatos sociais, novas amizades, sair um pouco da exclusividade com os cuidados dos meus filhos e com suas escolas. Na verdade, a faculdade era uma válvula de escape e eu considero uma experiência muito boa e gratificante.
Voltando ao assunto da quarta escola, ele já estava alfabetizado e a diretora sugeriu uma cuidadora para acompanhá-lo e assim foi feito. Paulo desenvolveu-se relativamente bem, mas parecia que ele “corria atrás do prejuízo” o tempo todo, sempre tentando acompanhar a turma, realizava muitas atividades e uma caligrafia que eu o pressionava a fazer. Hoje entendo que não era o momento de insistir na escrita, pois esta requer muita destreza na coordenação motora fina e eles, de modo geral, têm muita dificuldade com isso.
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À época eu não tinha esse entendimento e me parece que a escola que deveria saber disso, também não demonstrava tê-lo e faziam pior, pois forçavam algo ao qual as crianças não estavam preparadas para realizar. Enfim, era um suplício! Portanto, percebi que isso estava errado e comecei a propor outros livros, paralelos aos dele, mais visuais e de fácil entendimento e a garimpar bons livros nas editoras, procurava sempre linguagens mais fáceis e com muitas imagens.
A partir daí, propus mudanças em alguns conteúdos e adequações nas avaliações; questionei a quantidade de atividades enviadas para serem realizadas em casa e a “tal” da caligrafia que ele passava horas para concluir, passei a determinar o que faria e a relevância da atividade. Outra preocupação da escola era com as notas, por isso várias vezes pedi que fosse mais qualitativa do que quantitativa, para que ele pudesse ser avaliado de modo individual e dessa vez ele passou dois anos nessa escola, mas não foi um período fácil e eu já estava cansada de mudar de escola o tempo todo. Por esta razão, preferi permanecer, mas sempre questionando a prática docente e a diretoria, que, inclusive, na mudança da alfabetização para a primeira série remanejou a tutora do meu filho que estava trabalhando muito bem com ele e a tornou coordenadora da escola. Assim, após ser a professora regente de sala, a experiência com Paulo foi tão enriquecedora que a tutora passou a ser uma professora diferenciada e reconhecida. Não serei modesta! Pois o bom professor sabe como trabalhar com as dificuldades de seus alunos.
A tutora que a substituiu, totalmente inexperiente, não tinha atitude e reforçava os comportamentos inadequados de birra e isolamento. Assim, a relação com a escola começou a ficar cada vez mais difícil, uma vez que o Paulo mostrava desinteresse pela sala de aula e, somando-se a isto o meu outro filho, matriculado no infantil II, estava sendo cobrado por leitura e escrita cursiva e por eu ter conhecimento acerca dos teóricos da aprendizagem, estava ciente de que isso era errado, mesmo sendo comum em muitas escolas, já que não respeitam a hierarquia de aprendizagem e reduz a escola a simplesmente ensinar a ler e escrever.
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DO ESPECTRO AUTISTA: uma parte de mim, não o todoo acompanhamento psicossocioeducacional e em saúde
Sobre o meu segundo filho, a cobrança era tamanha, que chegou ao ponto de eu ir buscá-lo, em sala de aula, no horário determinado e ele estar de castigo com a diretora fazendo atividade de escrita cursiva e por eu estar certa de que não havia problemas na sua aprendizagem, mas apenas não era o momento da alfabetização. Resultado: removi os dois da escola novamente. Ah!! esqueci de dizer: o irmão também mudava de escola junto, e, na verdade, eu nem quero pensar o quanto isso foi ruim pra ele.
Estou relatando sobre essa escola mais que as outras, porque as experiências ruins vivenciadas poderão servir para que os pais, quando se encontrarem em situações semelhantes, não tenham receio de expor suas angústias e dificuldades e exijam, de forma calma e cortês, o que de fato deve fazer uma escola. O fato é que fui chamada para uma reunião e lembro exatamente de cada detalhe, pois essa foi a única vez que chorei por conta de escola: a diretora sentada em uma mesa e eu na frente em um pufe não lembro direito, só sei que era mais baixo que a mesa dela, por ironia achei que isso foi proposital, sei lá! Na sala, além dela e eu, havia a psicóloga escolar e a professora dele. Ela começou a falar sobre tudo que uma mãe não deveria escutar tão diretamente sobre as dificuldades do filho e me disse assim: “se existir algum lugar no mundo que você conheça e que eu possa comprar uma metodologia para trabalhar com o teu filho, que você me diga agora”.
Fiquei em “estado de choque” e não respondi nada, apenas levei meus filhos para casa e fiquei muito triste. À noite, na faculdade, acabei chorando em sala de aula e isto foi bom, pois tive o amparo das colegas e apoio da professora. Então, como mencionei, removi os dois dessa escola e os coloquei em colégios diferentes, e, em virtude do que a diretora havia me falado, ter mexido muito comigo, eu cometi um erro com o Paulo: o matriculei em uma escola que tinha sala de aula especial, com a promessa de inseri-lo em sala regular, mas a experiência foi pior, pois ele foi posto em uma sala especial, com pessoas de diferentes idades e síndromes e ele era o mais novo do grupo.
A promessa de inseri-lo aos poucos na sala regular demorou
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muito, assim como o material a ser trabalhado, por isso, acabei tirando-o da escola antes de terminar o ano e, inclusive, o considerei como perdido, já que em termos sociais e o cognitivo não melhoraram nada, mantendo-se dentro do esperado para as suas dificuldades, mas nenhum progresso foi realizado.
Quanto ao meu outro filho, foi matriculado em uma escola localizada próximo à minha residência e este desenvolvera muito bem e tinha se alfabetizado de forma deveras natural. Perguntei se poderiam receber o Paulo no ano seguinte e falei do Autismo, seus aspectos positivos e negativos e responderam que não sabiam como lidar com ele e o que fazer, mas que aceitaram o desafio. A partir daí, o levei para conhecer a escola e a coordenação fez uma sondagem de aprendizagem e informaram que poderiam matriculá-lo na terceira série, mas não concordei e pedi que repetisse a segunda (terceiro ano), pois achei que não estava maduro o suficiente para cursar a terceira série e que na outra escola não haviam aproveitado o contato com as crianças, que para mim, era mais importante que vivenciasse um pouco mais essa experiência. E como sei que na terceira série já estão mais focados em novos conteúdos, na segunda seria mais fácil trabalhar o social. Ele entrou em uma turma de cinco alunos e isso foi muito bom. Dessa vez fiz diferente: resolvi não cobrar da escola o saber fazer, passei a fornecer orientações do que e como fazer em relação ao seu aprendizado, tudo de uma forma bem leve, sem acusações ou julgamentos e eu percebia que a escola estava aberta a sugestões e direcionamentos.
Foi uma fase tranquila e com muitos ganhos sociais, pois a escola investia nas interações, trabalhos em grupo e faziam questão da presença da família; realizavam muitas apresentações referentes ao dia do livro, das mães, as festas do calendário escolar, feiras de ciências, todos tornavam-se eventos grandiosos, onde as crianças eram incentivadas a trabalhar em sala de aula e fora dela, envolvendo a escola. Os estudantes participavam das as atividades, adoravam as olimpíadas produzidas na escola, pois tinha tocha olímpica, delegações e torcidas. Paulo era exposto e sugestionado a participar das mais diversas solenidades, desde
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peças teatrais, danças até as brincadeiras. Vale pontuar que em várias situações a professora perguntava se ele queria participar de algo e o mesmo respondia que não e eu falava para a professora: “não pergunte, coloque-o para fazer”, claro que isso não era forçado, nós trabalhávamos para que fosse o mais natural possível. No primeiro momento parecia apático, mas depois se contagiava com a turma e a mesma ficava super feliz com as participações dele, vibravam por cada avanço.
Quanto à questão acadêmica, o material da escola permitia várias adequações, pois eram apostilas resumidas, um pouco abstratas, mas com possibilidades de adaptarmos e usarmos outros livros, mais concretos e visuais. Ele ia bem desde que o ensino fosse motivador, concreto e interessante, passamos a fortalecer os conceitos básicos nas áreas de linguagem, havia dificuldades de interpretação, então as atividades eram realizadas a partir de textos mais curtos, diretos e com muitas imagens, geralmente eram leituras que faziam parte do seu centro de interesse. Eu mantinha uma comunicação muito boa com a professora, por meio de agenda e às vezes em sala de aula.
No que tange às tarefas para serem realizadas em casa, eu avaliava se ele faria ou não ou se haveria necessidade de alguma adequação e normalmente precisava. Evidencia-se que as atividades eram respondidas unicamente por ele e nos cadernos ou livros colocava observações se tinha feito sozinho, com apoio, orientado ou não tinha condições de desenvolver. Lógico que no início a relação com a professora foi estressante, pois pedi que a mesma adaptasse as atividades e mesma desenvolveu uma atividade em cartolina com letras enormes, então eu disse que o problema dele não era baixa visão, mas a necessidade de um trabalho mais concreto. Assim, fomos conversando e organizando o currículo dele de modo a facilitar sua participação nas atividades e compreensão do que fazia na escola.
Salienta-se que neste parágrafo discorrerei sobre os principais acontecimentos nas três séries dessa escola, para não ter que falar de cada ano e tornar-se enfadonho. Assim, não tivemos
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muitas intercorrências na segunda série, pois o conteúdo era mais leve; situação constrangedora em relação à suposta adaptação implementada pela professora, ocorreu na terceira série, um período com conteúdos mais abstratos e embora a professora tivesse bom domínio de turma, era relativamente autoritária, por isso houve um atrito entre nós, mas logo procuramos nos entender para o bem de Paulo, inclusive tenho um relatório feito por ela, toda vez que leio os olhos lacrimejam, trocamos informações na agenda, todos os dias ela escrevia algum aspecto positivo ou negativo sobre ele e eu retornava sempre com algo referente a atividade ou sobre ele mesmo, como estava e o porquê de algum comportamento diferenciado. A agenda passou a ser algo prazeroso para nós duas, pois quando eu chegava do trabalho, já corria para saber o que tinha escrito e ela me falou o mesmo, nos tempos de hoje o povo utiliza aplicativos do tipo whats app e eu jamais trocaria a agenda, era algo que me motivava e fazia muito bem, podíamos acompanhar o crescimento, as dificuldades, avanços ou só coisas triviais mesmo. Voltando ao primeiro ano que estudou nessa escola, inicialmente tivemos dificuldades em mantê-lo em sala de aula, por isso resolvi colocar uma pessoa para acompanhá-lo e foi uma senhorinha com cerca de cinquenta e seis anos, era alfabetizadora e morava próximo à minha casa. A sua função era ser o “grilo” do bem, já que era unicamente para evitar que ele saísse o tempo todo da sala e que se engajasse nas tarefas, sendo que a professora regente ditava as regras e todo o direcionamento das atividades e ele tinha como referência principal a professora e não a “tutora”.
O quarto ano do ensino fundamental e a busca pela autonomia
No ano seguinte, ele estudando na terceira série (quarto ano, atualmente), contratei a filha da minha secretária para acompanhá-lo, e, em meados do mês de maio começou a questionar se era bebê para ter uma baba e depois de uma semana com essas perguntas, dizia que queria desfazer o contrato, sendo que essas falas eram soltas e sem muito sentido, somente depois ele disse: “Não sou mais um bebê e quero que você desfaça o con-
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trato com a Cristiane”. Este foi um dos grandes passos para a sua autonomia, pois expressava claramente o que queria, lógico que não a despedimos de vez e a mesma continuou acompanhando-o todos os dias, mas começou a ficar em sala de aula somente alguns dias da semana e fomos diminuindo cada vez mais até ele entender a rotina e a sua presença não ser mais necessário. Às vezes ficava chateado com as atividades da escola mesmo sendo adequadas/adaptadas, pois o conteúdo ainda era muito difícil e, inclusive, uma certa vez ele falou: “Eu posso fazer um clone meu, para ele ir para a escola fazer as minhas atividades e eu ficar em casa”. Perguntas como: “por que algumas palavras, frases de animais tem a ver com humanos?” E ele dava os exemplos: “Pode tirar o seu cavalo da chuva” e a resposta era dada por ele mesmo: “não vai sair mesmo” ou “dormir com as galinhas”, resposta era dormir cedo. Ele adorava essas metáforas e ficava muito curioso em descobrir os seus significados.
Algumas modificações no conteúdo, por exemplo, os textos para interpretação eram reduzidos ou substituídos, quando era para trabalhar as interpretações do mesmo, fazia o seguinte: inicialmente, lia com ele, em seguida marcava as palavras interessantes e que não conhecia, buscava no dicionário, conferia quantas linhas tinha o texto e a qual assunto pertencia. Enfim, antes de interpretar o texto propriamente dito, fazia uma busca mais técnica e concreta, sem necessariamente se ater à interpretação de fato, em relação às respostas às perguntas solicitadas, usava marca texto nas resoluções, como forma de pista direta ou na pergunta, colocava o número da linha em que a resposta se encontrava. Ele tinha dificuldades de manter a atenção ou de ficar muito tempo em um mesmo local, então em algumas atividades desenhava a carinha de um bonequinho sem a boca e um dos olhos, estes poderiam ficar felizes ou tristes a depender do seu comprometimento com a atividade e claro que ele não queria ver uma face triste e embora fosse uma forma de chantagem emocional, funcionava bem; por isso fazíamos isso com as algumas matérias, pois a desatenção fazia com que tivesse prejuízo na aprendizagem.
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Na matemática procuramos fortalecer os conteúdos através de atividades sempre concretas, com o uso de material dourado ou ábaco; para resolução de problemas procurava sempre maneiras lúdicas de fazer com que sua base lógica matemática ficasse bem sólida, trabalhando o número de diversas formas, como por exemplo, quem é o número 4 (quatro)? É o mesmo que 3+1, 2+2 ou 1+1+1+1. Essa base, aliás, deveria ser totalmente esmiuçada nas escolas, pois o sucesso acadêmico nas séries posteriores dependem diretamente desse conteúdo inicial, sequências lógicas, seriação, maior e menor, sucessor e antecessor, unidade, dezena e centena e estabelecimento das quatro operações; por esta razão, é necessário que a criança tenha todo esse conteúdo antes que sejam cobrados problemas abstratos.
Para Paulo, descobrir que poderia resolver continhas de multiplicar através da soma era muito motivador. Normalmente, quando havia uma atividade com problemas envolvendo um texto, este era dividido em partes menores para que conseguisse interpretar; a apostila da escola era bem contextualizada e as atividades de matemática sempre envolviam probleminhas e às vezes ele não solucionava o cálculo por não conseguir interpretar, mas a atividade servia para reforçar outros conteúdos, como por exemplo, as quatro operações.
Quanto ao seu amadurecimento, houve algumas situações bem marcantes, inclusive, para acompanhar cada momento e não perder informações tenho muitas anotações, como o momento que percebi que ele expressou um sentimento – ele tinha recolhido todos os seus livros de contos para eu ler com ele e o irmão, mas como o meu outro filho estava chorando muito e não lhe dava atenção alguma quando mostrava os livros e então disse: “ele nem liga”. Outra vez, quando fomos ao circo, na volta para casa eles estavam brincando com os palhaços dentro do carro e no momento que chegou em casa, descemos do carro e ele perguntou para o irmão: “cadê a tua? Referindo-se ao brinquedo do irmão. Esses pronomes não estavam bem definidos na cabeça dele, mas era um avanço enorme ele se referir a um objeto ligando este à pessoa à qual o mesmo pertence e isto melhorou bastante depois que começou a estudar gramática.
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A importância da adequação curricular e da presença dos colegas no processo de inclusão socioeducacional
No início de cada ano letivo ele apresentava resistência em aceitar a nova série, questionando sobre a necessidade de frequentar a escola e, inclusive, devolvendo seu novo material para a professora e querendo retornar para a turma anterior. Os amigos tiveram papel importante, pois demonstravam carinho e atenção e isso fez com que conseguisse ir se adaptando a nova rotina. Nessa escola ficou da segunda até a quinta série (terceiro ao sexto ano), posso afirmar que até a quarta tudo fluiu muito bem no que concerne à aprendizagem; embora sempre percebêssemos a dificuldade dele em aceitar textos longos, pois era cansativo e estressante, mas sob orientação e motivação, ele conseguia e segundo relatório da professora: “Na leitura ele conseguia destacar aspectos importantes, interpretando de uma forma que lhe é peculiar – a objetividade – sintetizando as ideias do texto e transformando-as em pensamentos sucintos e, muitas vezes originais e criativos, apresentando ortografia perfeita expressada em frases breves; na elaboração de textos mais longos precisava questioná-lo e orientá-lo a registrar passo a passo cada pensamento construído”.
Paulo teve excelentes professoras na terceira e quarta série (atualmente, quarto e quinto ano, respectivamente), trocávamos informações o tempo todo pela agenda, as mesmas sabiam exatamente em que nível ele estava e o que poderiam cobrar, sem empobrecer conteúdo ou exigir o que não estaria ao alcance dele. Infelizmente na quinta série (sexto ano) recomeçaram os problemas, pois não eram mais duas ou três professoras, com didática e formação pedagógica aplicando a metodologia da escola e aceitando as orientações específicas para as dificuldades dele, mas eram vários professores especialistas, que não tinham experiência nenhuma com o Autismo e ainda tinham dificuldade de utilizar a metodologia da escola, mesmo que orientado pela coordenação, sendo difícil lidar com mais de oito professores e ver que muitos( alguns professores foram receptivos as orientações ) tinham dificuldades em acreditar no potencial de aprendi-
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zagem do Paulo, comecei a procurar outra escola para eles.
Sabia que não seria fácil, pois era comum ouvir falar do autismo e da recusa de muitas escolas, mas resolvi colocar em uma escola grande e renomada, e, para efetuar a matrícula, não informei que Paulo era uma pessoa com TEA, fiz a reserva dos dois e no dia da entrevista e avaliação disse que apenas o meu filho mais novo faria a provinha e Paulo por ser pessoa com TEA tinha o direito de ser matriculado sem avaliação, lógico que ficaram assustados, pediram relatório pedagógico e orientações de como trabalhar com ele e eu mesma fiz e carimbei.
A adaptação nessa nova escola foi relativamente tranquila, mas tínhamos os comportamentos típicos da mudança de rotina e uma nova fase, a pré-adolescência. Nessa época, finalmente ele desenvolvia diálogos funcionais, embora ainda não soubesse expressar seus sentimentos adequadamente, o que ainda é difícil até hoje. O primeiro desafio que enfrentamos foi mantê-lo em sala de aula, aceitar a rotina de uma escola um pouco diferente da qual estava habituado, sentia falta dos coleguinhas e nesse momento vi que meu filho era muito sensível; por isso, procurei manter contato com eles, mas com o tempo ele foi tornando-se querido e amado pela nova turma que o acompanhou por seis anos. Isto mesmo! Seis anos. Consegui manter um excelente diálogo com a escola, todos os professores aceitaram as sugestões, adaptações, leituras e observações a respeito do TEA, e, por coincidência tinham um outro aluno com o quadro parecido, embora com demandas bem distintas.
Irei pontuar algumas situações acadêmicas e outras comportamentais desse período, pois acho muito válido para os pais que enfrentarão a mesma situação. No início da sexta série (atual sétimo ano), ele saía demasiadamente da sala de aula, para tomar água ou ir ao banheiro, mas isso não ocorria em todas as disciplinas, inclusive uma professora me relatou que isso acontecia na sua aula e também que percebia o olhar dele para com ela. A mesma relatou que parecia ser transparente aos seus olhos e eu já estava familiarizada com essas situações e compreendia que isto era falta de vínculo e interesse na aula, então a interven-
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ção seria despertar o interesse dele, evitar que saísse o tempo todo de sala de aula, porém não poderíamos fazer isso de forma abrupta; por esta razão, a sugestão seria fazer um acordo com ele, combinar a quantidades de vezes que poderia sair; por exemplo, se saísse seis vezes na aula, diminuiríamos para três, depois quais dias da semana, até que de fato só saísse se fosse necessário, mas para utilizar essa regrinha, primeiramente deveria haver motivação para que ficasse em sala, pois as saídas eram por falta de interesse, fuga mesmo.
Lembro bem da matéria, era geografia, na qual, pelos conteúdos, as aulas deveriam ser ricas e interessantes, mas na minha opinião isso não ocorria. Então na época perguntei para a professora qual seria o assunto a ser trabalhado, pedi que utilizasse o mapa mundi e na hora de falar do país, Estado ou outro território, a mesma pedisse para ele localizar, informando qual continente ficava, falasse algo interessante e só ai introduzisse o conteúdo de fato; para as aulas seguintes, pedi que fizesse compromissos com ele sobre pesquisar algo bem interessante a ser abordado na próxima aula, ou seja, ele já ia para as aulas empolgado, buscando falar do assunto. Certa vez o tema da aula seria o Egito e eu disse para ela questionar sobre como ocorria o processo de mumificação e ele ficou fascinado por isso, e, dessa forma, a professora ganhou a atenção dele e dos colegas e as aulas ficaram mais criativas, pois ela passou a buscar sempre coisas diferentes e inovadoras.
A escola cobrava mais conteúdo que a anterior e exigia muito do aluno, somente paradidático anual eram dez, disciplinas de interpretação textual, Língua Portuguesa e Redação eram desafiantes para ele; as tarefas para casa aumentaram consideravelmente e ainda eram advertidos, caso não fizessem; os desafios eram muitos, pois não era apenas a dificuldade de adaptação, mas também a quantidade e complexidade de cada disciplina. Nas disciplinas relacionadas às ciências humanas, nos próprios livros que eram consumíveis, nas atividades inicialmente colocavam a página e a linha na qual estava a resposta, gradualmente fui colocando menos pistas visuais, exemplo: somente a página
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e depois só o capítulo, até ele ter autonomia de procurar sozinho e não precisar mais desse apoio. Para interpretação de texto era mais complicado, pois envolvia a subjetividade, então tinha que escrever no texto o significado, a gramática era mais simples, mas precisava ser contextualizada para fazer sentido.
Na leitura do paradidático, normalmente a escola pedia uma produção textual de cada livro, e isso era bem complicado pra ele, a Estratégia foi a seguinte: primeiramente eu tinha que ler todo o livro e tive que fazer isso durante muitas madrugadas, depois era a vez dele fazer a leitura, porém sua atenção e concentração eram mínimas, então eu começava instigando ele a conhecer o livro: qual o título? Autor? Quantas páginas? Qual a cor das folhas? Isso parece bobo, mas despertava o interesse dele pelo material e em seguida, fazia várias perguntas sobre o assunto do livro, a época em que se passava, as personagens principais e o que acontecia acerca do conteúdo. Às vezes ao lado dessas perguntas colocava as páginas ou usava marca textos, depois de todas respondidas pedia que juntasse as respostas sem as perguntas e usasse os elementos de coesão e coerência; conversava com ele sobre isso e daí saia a produção textual e isso era comemorado intensamente.
Procurava sempre dialogar com a escola, por exemplo, houve um paradidático – “Senhora” que foi solicitado a versão original, então li e percebi que ele não tinha a mínima condição de fazer a leitura, daí comprei o da série juvenil (ALENCAR, 2012) e, por incrível que pareça, foi o único da turma que entregou a produção, os demais alunos com um livro mais rebuscado tiveram dificuldades de fazer a produção do texto.
Em matemática teve uma professora excelente, que o ensinou da sexta até a oitava série (sétimo ao nono ano) e o seu crescimento nessa área foi maravilhoso; no início ele demonstrava muitas dificuldades com o conteúdo, pois tinha que trabalhar com expressões numéricas e jogos de sinais, então nos conscientizamos da realidade e resolvemos cobrar somente o que poderia, isto é, aquilo que estava nas suas possibilidades de compreensão. Assim, as atividades eram todas sinalizadas
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na própria folha - se era sobre expressões, as chaves e colchetes estavam em cores diferentes e a regra era sinalizada no lado direto do caderno; as regrinhas dos sinais era sempre colocada do lado da atividade, alguns problemas eram resolvidos até certo ponto por mim, por exemplo: expressões com frações onde tinha que encontrar o mínimo múltiplo comum (mmc) e depois ele continuava, pois o objetivo era incentivar as quatro operações. Para introdução de conteúdos como raiz quadrada, potenciação, gráficos e álgebra, sempre procurávamos a parte histórica desses assuntos e utilizávamos material concreto, como a folha quadriculada para trabalhar raiz quadrada e potenciação; na álgebra, que era mais complicada, pois trata-se de um conteúdo muito abstrato, fazíamos da seguinte forma: primeiro ensinávamos o conceito, como – “X +¨6 = 9”, em seguida fazíamos as mais diversas perguntas sobre isso, quem era o primeiro membro e lá na expressão este ficava na mesma cor da pergunta e para isso eu usava canetas coloridas; portanto, se jogássemos o (+6) para o segundo membro qual seria a operação que ficaria o sinal? E, finalmente, ele resolvia a equação, “X = 9 - 6, logo “X” seria 3; outra atividade que serve de exemplo seria a seguinte pergunta: “Verifique se o número 6 é ou não raiz (solução) da equação 3 X + 5 = 23?” Logo abaixo dessa pergunta escrevia de vermelho uma observação: “lembre-se Paulo, para descobrir é só substituir o X e se o resultado for o segundo membro, é raiz; ele fazia o exercício várias vezes até entender e poder compreender e realizar a atividade sozinho; nos seus cadernos mais que no ensino fundamental de primeira à quarta série (primeiro ao quinto ano), fazia questão de colocar observações do que conseguia fazer só, com apoio e orientado e pelo fato da professora ter ficado três anos com ele ajudou muito no seu interesse pela matemática, e, inclusive, parece mais complicado do que realmente é, mas o que precisamos é conhecer um pouco de matemática e procurar adaptar da forma mais simples possível.
O ensino médio e os novos desafios
Pronto! Terminamos o Ensino Fundamental! Ufa! Estávamos no Ensino Médio. E agora? A escola já sinalizava que ele poderia
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ficar livre das três novas disciplinas, às quais: Filosofia, Sociologia e Literatura – mas claro que não aceitei, pois eu pensei: como tirá-las do seu currículo, se não havíamos tentado estudar? Era ele quem diria se daria conta ou não e para nossa surpresa – quais as disciplinas ele melhor se saiu? Exatamente essas três. Precisei voltar a ler sobre Carl Marx, Augusto Conte e Marcos Weber, ele gostava de ler e comentar suas teorias, principalmente as que envolviam as relações sociais, por ironia do destino.
Tinham excelentes professores, mas a maioria teve que aprender a adequar conteúdos e avaliações, lidar com seus comportamentos, sentei várias vezes com professores e discutimos sobre como adaptar o conteúdo e a orientação era a seguinte: o professor teria que avaliar se o conteúdo ensinado havia sido assimilado, pelo menos o mínimo por Paulo; não poderiam ser aplicadas avaliações em que os professores ficam tentando colocar questões nas quais eles têm certeza que os alunos não sabiam responder ou pegadinhas com indução ao erro nas entrelinhas, com Paulo a prova era diferente, o mais objetiva, visual e direta possível e abordando um conteúdo já sondado pelo professor. Essa avaliação poderia ser oral, no dia ou escrita, enfim, saber se o professor conseguiu fazer com que ele aprendesse ou pelo menos dado as ferramentas para que ele buscasse esse conhecimento.
No final do Ensino Médio, a partir do segundo ano, deixei de acompanhar disciplina por disciplina, pois percebi que estava estressante para mim e o deixei mais livre para estudar o que era mais interessante ou importante, não me preocupei tanto com conteúdo, pois já vinha fazendo isso no primeiro, focava mais na linguagem e raciocínio lógico, até porque não daria conta, eram quase 22 disciplinas. Então orientei aos professores que deveriam cobrar o mínimo, desde que ele entendesse a essência, estava ótimo. No início, os professores exigiam nota e eu dizia: se em física, ele soubesse a que temperatura a água fervia já estava ótimo, nada de ficar pensando em movimento retilíneo uniforme, isso depois é muito pouco usado; o que eu queria dizer com isso é que ele poderia sim acompanhar esses conteúdos, mas temos
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que saber o que é relevante para a vida de uma pessoa de modo geral, e, por ser pessoa com TEA acabamos exigindo muito deles. Tenho certeza que muitos alunos não aprendiam nem 40% (quarenta por cento) do que era ensinado e passavam desapercebidos, então faremos o que é relevante para a vida dele, sei que não é fácil decidir o que seja ou não útil, mas vai de cada indivíduo, suas preferências e também da família, principalmente se esta respeita e conhece os limites dos filhos, para não exigir coisas que não são palpáveis a depender de cada situação e ser racional e agir com logicidade é um bom começo.
A Universidade, as incertezas e o futuro
Finalmente o rapaz conclui a Educação Básica e agora a universidade seria seu grande desafio. Já havia realizado o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) nos três anos anteriores, e como sempre, a prova não era adaptada. O máximo de adaptação que faziam era oferecer um ledor e um transcritor e como toda a vida escolar teve adaptação do conteúdo, sendo, inclusive orientado pelas Diretrizes Curriculares do Ministério da Educação e Cultura (MEC), quando se tratava do acesso ao nível superior, o órgão simplesmente não respeitava o que cobrava das escolas.
Em 2014, prestou a prova do Enem e vestibular para Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e teve muitas dificuldades com a complexidade da avaliação, pois a estrutura trazia textos longos e cansativos, muito conteúdo e diversas disciplinas em um só dia, resultado – saía extremamente desgastado e no dia seguinte, produzir a redação era um grande desafio, e, especificamente nesse ano, as pessoas que o acompanharam não tinham nenhuma experiência com TEA e esse disse que não precisava de apoio, ou seja, elas o deixaram à vontade e ele entregou uma redação com sete linhas, que por regra receberia a nota zero (0).
Na UEMA, infelizmente, eu só observei depois, que no edital especificava que eu deveria ter levado o laudo para a comissão classificar o Paulo nas cotas, mas somente percebi isso dois dias
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antes do vestibular, e, quando me dirigi à Instituição, não poderiam mais alterar e colocá-lo para concorrer nas vagas de pessoas com deficiência, já que existiam quatro vagas e ele só precisava não zerar. Enfim, participou da ampla concorrência, mas teve todo o tratamento necessário, inclusive foi acompanhado por um profissional com experiência em autismo. E não é que passou no vestibular para iniciar o Curso no segundo semestre? Ficamos muito felizes com a vitória. Ele mais ainda, pois escolheu o Curso de Administração, e, a princípio, me perguntava se seria tudo igual novamente? Como seria a sua adaptação? Tive apoio e incentivo dos amigos e familiares para que ele não deixasse essa oportunidade e eu imaginava se de fato ele conseguiria dar seguimento ao Curso Universitário.
Já matriculado e ansioso para começar, ele se adaptou muito rápido, participou da calourada filmando os colegas “pagarem mico” e para minha surpresa, o formato foi diferente; não vou relatar detalhes de conteúdo, adaptações e conversas com professores, pois isso é assunto para outro capítulo; o diferencial dessa nova fase foi o grande ganho social que conseguiu, pois não era mais de certa forma “tutelado”, na universidade não havia mais aquele modelo certinho, com tudo organizado e sempre todos com os olhos para ele. Isso o fez crescer, ser mais autônomo, até os dias em que não tinha professor servia de aprendizagem, pois ficava jogando cartas com os novos amigos.
Os colegas o receberam muito bem, hoje na maioria das vezes em que ocorre alguma injustiça ou problema com professores em relação a ele, os amigos são os primeiros a tomar partido, reclamar e, com certeza, fiquei mais aliviada e cada vez mais passei a confiar nele. Paralelo a isso, começou a fazer terapia, sendo que a última vez que lembro que teve acompanhamento terapêutico foi aos sete ou oito anos. Depois de ter ficado mais independente, passou a andar de ônibus (mas com contato para saber que horas saiu e quando chegou), já houve situações em que se perdeu ou tomou o ônibus errado e percebi que é dessa forma que ele vai crescer e melhorar a cada dia, pois nós aprendemos também com os nossos erros e cada vez que somos ex-
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postos, entendemos como lidar com as mais diversas situações. E então, por que não proporcionar de forma segura e responsável essa independência?
Não podemos criar um mundo só para eles, então o que eu quero é que ele se habitue a viver neste, mesmo despreparado para recebê-lo e que aprenda as artimanhas sociais e isso vem acontecendo paulatinamente. Agora, ele já consegue criar situações nas quais se expõe e de certo modo, isso o reforça a fazer novamente, melhorando a sua tática e estratégia, com vistas a alcançar os seus objetivos. Vejo que hoje são situações pontuais, com as quais precisamos intervir, mais ligadas às habilidades sociais e isso agora fica a cargo, principalmente, do terapeuta que vem assertivamente orientando nesse aspecto e em outros relacionados a tudo que envolve a melhora na qualidade de vida do mesmo.
Atualmente posso afirmar que Paulo caminha bem menos sobre a minha tutela, já sou capaz de compreender a importância de ele fazer uso do transporte coletivo para ir à Universidade e às vezes não ligo se não informa se já chegou ou não. Isso se chama confiança e é algo que não tem preço! Saber que ele pode resolver as próprias necessidades, ter iniciativa e capacidade de decisão, pensar rápido e agir é muito gratificante (a mãe precisou de terapia para esse desmame). A vivência da universidade, a relação com os amigos é o melhor plano terapêutico, e vou mais além, é a postura de o deixarmos viver, errar, acertar, ser elogiado ou criticado, ser exposto a situações que se estivesse em casa, “protegido”, jamais teria condições de vivenciar. Não pensem que é fácil deixar isso acontecer, a taquicardia ainda me acomete, mas já consigo ficar tranquila com os feedbacks que ele faz questão de me enviar, seja telefonando ou passando uma mensagem por aplicativo.
Para o futuro, iremos focar cada vez mais na aquisição de habilidades sociais e, a curto prazo, planejar a sua inserção no mercado de trabalho, mas isso será conversa para outro momento. Por enquanto, quero deixar claro que o autismo não o define e que ele, provavelmente, já alcançou mais do que supúnhamos
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que conseguiria e eu tenho plena convicção de que ainda poderá conquistar muito mais.
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REFERÊNCIAS
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Capítulo 12
PARa (nãO) FInalIZaR
Algumas (poucas) considerações... por Francidalma Soares Sousa Carvalho Filha
A minha experiência com o Espectro do Autismo, que inclusive surgiu de modo inesperado, conforme mencionado, a partir de um convite há cerca de dez anos, para orientar um Trabalho de Conclusão de Curso, o qual recusei com a justificativa de falta de afinidade com a temática em questão, e, a aluna, atualmente minha colega, pesquisadora na área e grande atuante na avaliação e intervenção em pessoas nesta condição, imediatamente convenceu-me do contrário com um argumento muito forte: ser mãe de um garotinho inserido no Espectro e por isso, gostaria muito de estudar mais sobre o TEA.
Assim, após algumas pesquisas, um contato prolongado e próximo com pais, cuidadores, mediadores escolares, professores, diretores, profissionais de saúde, setor social, área do direito e crianças/estudantes/pessoas no TEA, compreendo que esta condição precisa ser vista em sua essência e de modo individual, não apenas pela infinidade de formatos com os quais a condição se apresenta, mas e principalmente, pelas naturais diferenças na personalidade e de comportamento das pessoas no Espectro. Portanto, as peculiaridades de cada ser humano, aliada à diversidade de apresentações do Espectro, torna o manejo do distúrbio ainda mais fascinante e desafiador.
O fato é que, já pedindo desculpas a pais/cuidadores em virtude das questões de foro íntimo de cada um, reduzir o TEA a um mundo azul ou mesmo denominar as pessoas com o quadro de anjos ou quem sabe, referir que as mães/pais são abençoados por receberem a nobre missão de cuidar/educar indivíduos
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com tão complexa desordem, além de provavelmente mascarar a sua importância, pode reduzir o seu valor, em termos da grandiosidade da sua multiplicidade; além de possivelmente ampliar o preconceito e minimizar as chances de investigação das peculiaridades e formas de extirpar ou pelo menos conter/controlar sinais e sintomas mais disfuncionais, com vistas a evidenciar a necessidade de se aprofundar os conhecimentos e criar as melhores condições para que o indivíduo se desenvolva.
O que precisa ser compreendido é que ter filhos, alunos, parentes/pessoas queridas no Espectro Autista não é tarefa fácil, dadas as dificuldades de avaliação, ensino e condução de habilidades, bem como as alterações nas questões socio-comunicacionais e um sistema restrito e repetitivo de rotina e interesses, mas também não quer dizer que se trata de uma desgraça na qual nada existe para melhorar as condições de vida, aprendizado e saúde do indivíduo com a desordem, nem tampouco o diagnóstico é algo terrível que deva destruir as famílias, os casamentos ou enclausurar a mãe, confinando-a em casa para manter exclusivamente os cuidados com o filho e menos ainda, trazer confusão e desprazer nas atividades docentes.
Outrossim, o autismo não é uma doença que deva ser combatida, mas é um distúrbio que pode e deve ser manejado de modo estruturado, aliando conhecimentos técnico-científicos a práxis diária e intervendo sobre comportamentos disfuncionais e que precisam ser substituídos por outros mais organizados e com significado e/ou funcionalidade. Por esta razão, uma vez avaliada, preferencialmente nos primeiros três anos de vida, e, detectadas as alterações que precisam de intervenções, sejam voltadas para as atividades de vida diária como alimentar-se, despir-se, vestir-se, realizar cuidados higiênicos/banho; bem como voltadas para brincadeiras, socialização e lazer e, ainda as produções acadêmicas, deve-se, sempre que necessário e pertinente, adequar as mais variadas intervenções às necessidades da criança/pessoa/estudante, buscando mais independência e conquista de autonomia.
É preciso compreender que a promoção do desenvolvimen-
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to dessas pessoas somente pode ser conseguida a partir de um olhar sensível e um cuidado integral, holístico e equinânime, abordando as diversas facetas do transtorno e interferindo, quando for o caso, por meio de uma equipe multiprofissional afinada e qualificada, incluindo os mais variados seguimentos - saúde, educação, setor social, direito e outros que possam contribuir para a melhoria das suas condições de vida e saúde. Neste sentido, mas que abordar os déficits, é preciso mirar nas potencialidades da criança/estudante, buscando instigar a elaboração de um repertório de competências e habilidades que o(a) permita ser inserido(a) no contexto social, a partir do gerenciamento de comportamentos indesejados e a paulatina permuta por outros mais aceitáveis.
Portanto, desenvolvemos uma investigação visando aplicar o Processo de Enfermagem a estudantes com TEA, com vistas a efetivar ações de acompanhamento do desenvolvimento infantil, a partir da produção de um Planejamento Educacional Individualizado (PEI). Foram formulados quinze Diagnósticos de Enfermagem, tais como Déficit no autocuidado, Comunicação verbal prejudicada e Risco de desenvolvimento atrasado, sendo estabelecidos os Resultados Esperados e as Intervenções de Enfermagem necessárias à produção do PEI (CARVALHO FILHA, 2019).
Neste contexto, tenho trabalhado para que a Enfermagem, uma profissão voltada para o cuidado ao ser humano, desde a estadia intrauterina à senescência, sendo, descrita como Ciência, Arte e Prática Social, também contribua com o cuidar dessas pessoas, seja pela orientação de pais/cuidadores e professores/mediadores escolares/tutores ou mesmo pela proposição e estabelecimento de intervenções diretas ao indivíduo, por intermédio do Processo de Enfermagem e uso dos seus Referenciais Teóricos, como a Teoria da Adaptação de Callista Roy (ROY; ANDREWS, 2009), à qual os pressupostos podem ser utilizados para orientar à família da pessoa no Espectro que precisa organizar todo o ambiente/espaço – físico e/ou psicossocial – a partir do entendimento de que as pessoas apresentam 4 Modos de se Adaptar (Fisiológico, Autoconceito, Desempenho de papel e Re-
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lação de interdependência).
Sobre isto, alguns pesquisadores e eu realizamos um estudo com o objetivo de elaborar e aplicar uma proposta de intervenção conforme o modelo teórico da enfermeira Callista Roy a 31 pais/cuidadores de crianças no Espectro Autista em um município maranhense. Foram estabelecidos dezenove Diagnósticos de Enfermagem e as Intervenções necessárias para conseguir alcança-los (CARVALHO FILHA et al., 2020).
Além do mais, em relação à própria pessoa no Espectro, a enfermeira Dorothea Orem em seu Modelo Teórico – Teoria Geral do Déficit do Autocuidado utiliza-se dos conceitos e do inter-relacionamento de três Teorias – Autocuidado (abordando os requisitos universais, de desenvolvimento e de desvio de saúde), Déficit de Autocuidado e ainda, a Teoria dos Sistemas de Enfermagem (quanto à necessidade que a pessoa apresenta da assistência de enfermagem, descreve três sistemas: totalmente compensatório, parcialmente compensatório e apoio educação) para garantir que o indivíduo consiga cuidar de si, pelo treino e aquisição do autocuidado.
Em tempo, analisamos as intervenções de enfermagem disponibilizadas em uma classificação internacional, que podem ser utilizadas para o ensino/aquisição de habilidades funcionais, buscando o desenvolvimento do autocuidado em pessoas no Espectro Autista a partir dos pressupostos da enfermeira Dorothea Orem e constatamos que as habilidades mais acometidas em relação a esta área foram: vestir-se, comer/alimentar-se, manutenção pessoal, higiene pessoal/banho e uso do banheiro de forma independente (CARVALHO FILHA et al., 2021).
Outro referencial Teórico que pode ser aplicado à pessoa no Espectro e sua família, trata-se da Teoria das Necessidades Humanas Básicas da enfermeira brasileira Wanda de Aguiar Horta (HORTA, 1959), a qual inspirou-se na Teoria da Motivação Humana de Maslow, fundamentando as necessidades da ser humano que precisam ser satisfeitas em Fisiológicas, Segurança, Amor, Estima e Autorrealização; sendo que o profissional avalia e
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detecta quais níveis estariam desajustados e precisariam de melhorias e, em seguida, aplica o Processo de Enfermagem que para a enfermeira, está organizado em seis etapas e/ou fases inter-relacionadas, às quais: Histórico de Enfermagem, Diagnóstico de Enfermagem, Plano Assistencial, Plano de Cuidados ou Prescrição de Enfermagem, Evolução e Prognóstico.
Destaca-se que pesquisas envolvendo a abordagem das necessidades humanas básicas de Wanda Horta e outras utilizando diversas teóricas da enfermagem, a pessoas com TEA, estão em desenvolvimento e assim que concluídas, serão devidamente enviadas a periódicos nacionais e internacionais para publicações, com vistas a continuar demonstrando que a Enfermagem apresenta importantes pressupostos que podem e devem orientar o cuidado a este público específico.
Assim, não há como finalizar, pois embora se tenha atualmente um vasto e importante conhecimento, a partir de valiosas pesquisas experimentais e bibliográficas, inclusive em diversas áreas e que vem sendo construído desde a década de 1940, quando as condições envoltas do TEA começaram a ser descritas e publicizadas, ainda existe um longo percurso a ser trilhado e muito ainda o que se descobrir e realizar, pois o que sabemos até aqui é um pequeno ponto de partida.
Ah! E quanto ao Leo, desejamos que ele e todos os Leo’s que conhecemos ou não, tenham um justo acompanhamento, por profissionais realmente comprometidos com o desenvolvimento e aquisição de habilidades e que os pais/mães/familiares recebam as orientações necessárias para investir na formação de pessoas, que, respeitadas as limitações impostas por alguns graus de severidade e características da desordem, precisam alcançar um nível de desenvolvimento não necessariamente para se adequarem fielmente a todas as normas e regras impostas pela sociedade, mas que tenham a oportunidade de vivenciar processos de socialização que as enriqueçam e as ensinem a (con)viver melhor com o mundo e as pessoas que as cercam.
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REFERÊNCIAS
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Francidalma Soares Sousa Carvalho Filha (Organizadora)
Enfermeira e Pedagoga. Doutora em Saúde (2017). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação (PPEnf) da UFPI. Mestre em Enfermagem (2012). Especialista em Saúde Pública (2010). Especialista em Saúde da Família (2011). Especialista em Autismo: a Prática do Ensino estruturado Aplicada à Educação de Pessoas com autismo (2017). Especialista em Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo (ABA) (2018). Docente da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Realiza pesquisas no campo da Avaliação e Planejamento em Saúde, bem como acerca do Direito à saúde e ao nascimento saudável e também sobre o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e inclusão de pessoas com deficiência em âmbito escolar e de atenção à saúde. Trabalha com Planejamento e Avaliação de pessoas no TEA e ministra Palestras, Oficinas e Cursos nesta área de conhecimento. Presidente do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Maranhão (CEP/UEMA). Membro do Banco de Avaliadores (BASis) do INEP/MEC.
Amanda Damasceno Sousa
Enfermeira. Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão (UniFacema). Participa de pesquisas acerca do Transtorno do Espectro do Autismo.
Ana Célia Pereira Damasceno de Macedo
Mestre em Ciências da Educação. Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Maranhão - UEMA. Professora de Filosofia das Escolas nas redes Municipal e Estadual de Caxias – MA e Professora da Faculdade do Médio Parnaíba. Tem experiência na área de Filosofia, atuando nos temas: gestão escolar, políticas públicas educacionais, homem, sociedade e metodologias educacionais. Atualmente é Secretária de Educação na Secretaria Municipal de Educação Ciências e Tecnologia - SEMECT. Integrante do Grupo de Pesquisas Interdisciplinares: Educação, Saúde e Sociedade (UEMA/CNPq).
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Ana Maria Marques de Carvalho
Mestra em Enfermagem pela Universidade Vale do Rio dos Sinos - Área de Concentração: Práticas do Cuidado em Enfermagem (2016); Graduada em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal Fluminense, Habilitação em Enfermagem de Saúde Pública pela Universidade Federal Fluminense, Especialização em Gestão em saúde pela Universidade Estadual do Maranhão, Especialização em Saúde Materno Infantil pela Universidade Federal do Maranhão. Professora Efetiva e Diretora do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Maranhão, Campus Balsas ,Enfermeira Coordenadora do Programa Hiperdia - Secretaria Municipal de Saúde de Balsas/MA atuou como Coordenadora do curso técnico em enfermagem do Instituto de Formação Dom Rino Carlesi, Atuou como Enfermeira chefe dos serviços de saúde do Hospital Cristo Rei , Membro do Núcleo Docente Estruturante do curso de Enfermagem no Centro de Estudos Superiores de Balsas , Membro da Comissão de Acessibilidade da UEMA - campus Balsas.
Aristóteles Meneses Lima
Licenciatura Plena em Matemática pela Universidade Estadual do Piauí. Professor Efetivo da Rede Estadual do Maranhão - SEDUC – MA. Transcritor Braille. Professor Efetivo da Rede Municipal de Caxias – MA. Coordenador da Associação dos Deficientes Visuais na Região dos Cocais – ADVIRC. Revisor Braille. Pós-graduação em Matemática pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-graduação em Educação Especial pela Universidade Católica Dom Bosco. Tem experiência na área de Magistério, com ênfase em Matemática, sabe ler e escrever em Braille, trabalha com Deficientes Visuais com informática acessível. Formador em tecnologias assistivas para deficientes visuais.
Beto Douglas Alves Cardoso
Enfermeiro, graduado pela Universidade Estadual do Maranhão. Bacharel em Sistemas de Informação pela Faculdade de Balsas (Unibalsas). Participa de pesquisas acerca do Transtorno do Espectro do Autismo.
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Brenda da Graça Silva
Graduanda de Psicologia pela Universidade CEUMA. Membro efetivo e bolsista PIBIC pelo Núcleo de Estudos e em Psicologia na Educação do Maranhão - NEPEMA (2020), com tema de pesquisa “A história da formação em Psicologia Escolar no Maranhão: estudo biográfico de formadores pioneiros”, que faz parte de uma pesquisa maior intitulada “O perfil profissional do psicólogo escolar e educacional no Maranhão: mapeamento da atuação e formação”. Aspirante na área de atuação em Psicologia Escolar e Educacional, interessada nos temas de pesquisa: Psicologia Escolar e Educacional no Ensino Superior, Psicologia Escolar e inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais, Psicologia Escolar no Maranhão.
Daniel Carvalho de Matos
Graduado em Psicologia pela Universidade CEUMA (2004), Mestre (2007) e Doutor (2013) em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Experiência com intervenções da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) destinadas a crianças, adolescentes e adultos com desenvolvimento atípico, com ênfase em autismo e quadros relacionados. Terapeuta, supervisor e consultor ABA. Fundador do Núcleo Evoluir de Análise do Comportamento Aplicada do Maranhão. Membro da Comissão de Psicologia na Educação do Maranhão (CRP-22). Professor e pesquisador do curso de Psicologia da Universidade CEUMA. Coordenador do Curso de Especialização em Análise do Comportamento Aplicada (ABA) ao Autismo e Quadros Relacionados pela Universidade CEUMA.
Emilia Assunção Carvalho Silva
Enfermeira. Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão (UniFacema). Participa de pesquisas acerca do Transtorno do Espectro do Autismo.
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Eutima Klayre Pereira Nunes
Enfermeira. Centro de Estudos Superiores de Balsas (CESBA/UEMA).
Participa de pesquisas acerca do Transtorno do Espectro do Autismo.
Felipe Santana e Silva
Enfermeiro. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade, Ambiente e Saúde, pela Universidade Estadual do Maranhão-UEMA. Especialista em Urgência e Emergência. Especialista em Oncologia. Experiência na área de nefrologia e no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Pesquisador na área de Qualidade de Vida de pacientes com foco aos portadores de HIV/AIDS e Nefropatias e Sistematização da Assistência de Enfermagem.
Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento
Doutora em Educação - UFRN. Líder do Grupo de Pesquisas Interdisciplinares: Educação, Saúde e Sociedade (CNPq/UEMA). Graduada em Pedagogia - UEMA. Professora Adjunta III do Departamento de Educação da UEMA do Centro de Estudos Superiores de Caxias - CESC e Professora Permanente dos Programas de Pós-Graduação do Mestrado em Educação PPGE/UEMA e do Mestrado e Doutorado em História do PPGHIST/UEMA. Atualmente é Diretora do Curso de Pedagogia do CESC/UEMA. Trabalha como Coordenadora Pedagógica e Formadora na Secretaria Municipal de Educação, Ciências e Tecnologia de Caxias - SEMECT. É também Avaliadora Externa do MEC/INEP/SINAES, para autorização de cursos de graduação, junto ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – BASis, Portaria nº 487, de 7 de junho de 2018. É Relatora do Comitê de Ética e Pesquisa Portaria n. 116/2018
- GR/UEMA. Participou de um Estágio do Doutorado em Educação no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa - UL. Pesquisas concluídas, em andamento, apresentadas e publicadas em eventos nacionais e internacionais. Experiências nas áreas de formação, desenvolvimento profissional, profissionalização docente, Pedagogia, saberes docentes, autismo e avaliação da aprendizagem. E-mail: franclanecarvalhon@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-6956-4670.
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Hilma Mirella Costa e Silva
Enfermeira. Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão (UniFacema). Participa de pesquisas acerca do Transtorno do Espectro do Autismo.
Ianeska Bárbara Ribeiro do Nascimento
Enfermeira. Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão (UniFacema). Tem experiência na área de Enfermagem, com ênfase em Semiologia e Semiotécnica em Enfermagem e em Urgência e Emergência. Pesquisadora, atuando principalmente nos seguintes temas: atenção básica, feridas e curativos, conhecimento e autodeterminação corporal, transtorno do espectro autista.
Jainara Nunes Privado Rocha
Discente do curso de Psicologia. Universidade CEUMA.
Iel Marciano de Moraes Filho
Enfermeiro. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2014). Especialização em Enfermagem do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2016). Mestre em Ciências Ambientais e saúde pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2017). Docente na Unip - Universidade Paulista nas áreas especificas da enfermagem e saúde pública. Preceptoria de estágio nas áreas de Saúde da mulher e saúde mental. Minhas áreas de pesquisa são principalmente nos seguintes temas: enfermagem, saúde mental, atenção psicossocial, papel do profissional de enfermagem, reforma psiquiátrica e estresse ocupacional.
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Jaiane de Melo Vilanova
Enfermeira. Professora auxiliar no Centro de Estudos Superiores de Balsas (CESBA/ UEMA), ministrando disciplinas como: Saúde da Mulher, Saúde da Criança e do Adolescente e Obstetrícia. Enfermeira da Atenção Especializada na Prefeitura de Balsas (MA). Especialista em Saúde da Família, Urgência e Emergência, Saúde do Idoso e Docência do Ensino Superior. Atua na área de saúde materno infantil, com pesquisa na área e ministrando cursos voltados para área
Janderson Castro dos Santos
Cirurgião Dentista (ITPAC 2008). Doutor em Saúde Pública (Uninter2017). Mestre em Odontologia com área de concentração Endodontia (SL mandic - 2012). Especialista em Endodontia (SL Mandic 2010). Especialista em Saúde da Família (UNASUS-UFCSPA - 2013). Especialista em Implantodontia (FACIT - 2017). Atuação clínica em Odontologia geral no setor Biopsicossocial de assistência a privados de liberdade (SUSIPE-PA) e em consultórios e clínicas particulares em Odontologia Especializada (reabilitação oral) com enfoque no uso de tecnologias aplicadas ao tratamento endodôntico. Professor do Curso de Bacharelado em Odontologia do Instituto Superior de Educação de Caxias (ISEC) nas áreas de Saúde Coletiva, Educação Ambiental e Ciências Odontológicas.
Joelson de Sousa Morais
Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN. Licenciado em Pedagogia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia do Maranhão-FACEMA. Integrante do Grupo de Pesquisas Interdisciplinares: Educação, Saúde e Sociedade (UEMA/CNPq), e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC/UNICAMP)
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Joyce Driely Carvalho Silva
Enfermeira. Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão (UniFacema). Participa de pesquisas acerca do Transtorno do Espectro do Autismo.
Laiane Sousa da Costa
Enfermeira. Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão (UniFacema). Participa de pesquisas acerca do Transtorno do Espectro do Autismo.
Lailson das Chagas Santos
Enfermeiro. Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão (UniFacema). Integrante do Grupo de Pesquisas Interdisciplinares: Educação, Saúde e Sociedade (UEMA/CNPq).
Maicon Tavares Pontes
Acadêmico do Curso de Enfermagem. Centro de Estudos Superiores de Balsas (CESBA/UEMA). Participa de pesquisas acerca do Transtorno do Espectro do Autismo.
Marcus Vinicius da Rocha Santos da Silva
Enfermeiro. Graduado pela Faculdade de Ciências e Tecnologia do Maranhão (FACEMA). Atualmente é Enfermeiro Fiscal no Conselho Regional de Enfermagem do Paraná (COREN-PR). Atuou como Enfermeiro Plantonista no Hospital de Urgência de Teresina Prof. Zenon Rocha. Foi Bolsista PIBIC/FACEMA. Especialista em Docência do Ensino Superior pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano (IESF). Pós-Graduado em Gestão em Saúde pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Pós-Graduado em Auditoria em Saúde pelo Centro Universitário Internacional
UNINTER. Realiza pesquisas sobre os seguintes temas: Administração de Medicamentos, Lesões por Pressão, Deontologia em Enfermagem, Fiscalização do Exercício Profissional de Enfermagem, Transtorno do Espectro Autista e Prevalência de Hepatites Virais.
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Maressa Laís Oliveira Coelho
Enfermeira. Graduada pelo Centro de Estudos Superiores de Balsas (CESBA/UEMA). Participa de pesquisas acerca do Transtorno do Espectro do Autismo.
Maria Vitória Melo de Oliveira
Enfermeira. Centro de Estudos Superiores de Balsas (CESBA/UEMA).
Participa de pesquisas acerca do Transtorno do Espectro do Autismo.
Nadja Regina Sousa Magalhães
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas na Linha de Pesquisa: Currículo, Profissionalização e Trabalho Docente. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Maranhão. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas: formação de professores e práticas de ensino – FOPPE da UFSC. Integrante do Grupo de Pesquisas Interdisciplinares: Educação, Saúde e Sociedade (UEMA/CNPq).
Najra Danny Pereira
Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão (2009) e graduação em Enfermagem pelo Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão (UniFacema) (2015). Mestre em Análise do Comportamento (Paradigma – São Paulo). Tem experiência na área de Enfermagem, com ênfase em Transtornos do Desenvolvimento, atuando principalmente nos temas Autismo e desenvolvimento infantil. Na educação, desenvolve trabalho voltado para a avaliação neurodesenvolvimental e inclusão escolar.
Natálya de Carvalho Coelho
Acadêmica do Curso de Enfermagem. Centro de Estudos Superiores de Balsas (CESBA/UEMA). Participa de pesquisas acerca do Transtorno do Espectro do Autismo.
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Pollianna Galvão Soares de Matos
Psicóloga com doutorado (2014) e mestrado (2008) em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Possui especialização lato sensu em Psicologia Escolar (UnB). Realiza Pós-Doutorado em Psicologia na Universidade de Brasília (UnB). É professora e pesquisadora do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade CEUMA e professora colaboradora do Curso de Mestrado Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPSI) da Universidade Federal do Maranhão. Atuou no
CESPE (Centro de Seleção e Promoção de Eventos) da UnB entre 20072015, junto à Diretoria de Pesquisa em Avaliação Educacional em processos de avaliação educacional em larga escala. É membro do Grupo de Trabalho (GT) de Psicologia Escolar e Educacional da ANPEPP (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia). Compõe a diretoria do Conselho Regional de Psicologia do Maranhão, como conselheira secretária e preside a Comissão de Psicologia na Educação do Maranhão (CRP-MA). Suas áreas de interesse são Psicologia e Educação, com ênfase nos temas: psicologia escolar em escolas e ONGs; história da atuação e formação em psicologia escolar no Maranhão; inclusão escolar; formação de professores e educadores sociais; desenvolvimento e avaliação de competências.
Raimunda de Paula de Castro
Enfermeira. Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão (UniFacema). Participa de pesquisas acerca do Transtorno do Espectro do Autismo.
Raimundo Nonato Silva Gomes
Graduado em Enfermagem pela Universidade Estadual do Maranhão (2015). Doutor em Engenharia Biomédica pela Universidade do Vale do Paraíba (2017). Especialista em Infectologia Pediátrica pela Universidade Federal de São Paulo (2018); Urgência e Emergência Pediátrica pelo Centro Universitário UniDomBosco (2016); e Especialista em Docência do Ensino Superior pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano (2016). Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Lí-
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der do grupo de pesquisa “Impactos das Tecnologias nas Ciências da Saúde - ITECS I” da Universidade Federal do Espírito Santo e membro do “Grupo Saúde Humana em Atenção Primária, Secundária e Terciária - GSHAPS” da Universidade Estadual do Maranhão (ambos certificados pelo CNPq). Tem experiência em pesquisa clínica na área de Engenharia Biomédica, com ênfase em distúrbios respiratórios na criança e fotobiomodulação aplicada à pediatria.
Solange Cunha do Nascimento
Possui Graduação em Pedagogia pelo Centro Universitário do Maranhão (2004). Especialização em Educação Especial pelo Centro Universitário do Maranhão (2007). Atua na área de transtornos Invasivos do Desenvolvimento, mais especificamente com Autismo e seus espectros.
Talita Vanderlei da Silva de Sousa Enfermeira. Pós-Graduação em Segurança do trabalho. Trabalha na Unidade Regional de Saúde de Balsas e no Hospital Regional de Balsas.
Thalita de Fátima Aranha Barbosa Sousa
Graduada em Psicologia pela Universidade Ceuma (2017). Mestra em Educação pela Universidade Federal do Maranhão (2018). Especialista em Psicologia da Educação pela Universidade Estadual do Maranhão (2016). Graduada em Letras - Inglês pela Faculdade Atenas Maranhense (2012). Especializanda do curso Transtorno do Espectro Autista pela CBI of Miami. Especializanda do curso Análise do Comportamento Aplicada (ABA) ao Autismo e Quadros Relacionados pela Universidade Ceuma. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Línguas Estrangeiras e na área de Psicologia, com ênfase em autismo.
Valeria Silva Carvalho
Graduanda do Curso de Psicologia. Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão (UniFacema). Realiza pesquisas acerca do Transtorno do Espectro Autista
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