3 minute read
WislawaSzymborska
Osdeusesse compadeceram dosamantes deWislawa Szymborska
por Luiz Antônio Gusmão
Advertisement
Há muito tempo leio Wislawa Szymborska. Desde 2001, pelo menos, quando adquiri um volume de "História da literatura polonesa " , de Henrik Siewierski, publicado pela Editora da UnB. Espremida em míseras cinco páginas entre os conterrâneos Czeslaw Milosz e Stanislaw Lem, Vissuava (como carinhosamente gosto de escrever seu nome) figura ali apenas com o poema "Possibilidades " (na tradução de Aleksandar Jovanovic e o próprio Siewierski), em que se auto-retrata por meio de uma lista de preferências pessoais reveladoras da sua simplicidade e inteligência irônica. Era apenas um poema, mas foi o suficiente para grudar na minha cabeça aquela palavra-refrão de uma audácia bartlebiana - "Prefiro " - a encabeçar 31 de seus 39 versos. Num sistema político autoritário como o soviético que subjugava o povo polonês, expor-se como um indivíduo com todas as suas idiossincrasias era passar na cara que a liberdade era possível. Por muito tempo só pude conhecer sua obra pelo que conseguia minerar na internet de conexão discada. O Google ajudou a descobrir muita coisa sobre ela em outros idiomas. Uma boa antologia só veio mesmo em 2011, com a tradução direta de 43 poemas por Regina Przybycien. Trazendo textos escolhidos de oito dos seus 12 livros publicados, o "Poemas " trouxe gemas preciosas como "Museu " , "Conversa com a pedra " , "A vida na hora " , "Utopia " , "Ocaso do século " , "Fim e começo " e, novamente, "Possibilidades " . Foi como chuva que fez aflorar um oásis no chão do deserto. Em 2012, um ano depois da morte da poeta, aos 88 anos, a editora Companhia das Letras publicou uma segunda e mais volumosa antologia com 85 poemas de todos os livros de Vissuava, vertidos pela mão da mesma tradutora. Aqui podemos ter momentos de catarse pela ironia da voz invejosa a contempla o casal que mostra ser possível (de novo essa palavra) viver "Um amor feliz " . Encontramos o espanto com a possibilidade (de novo) de viver um dia sem espanto, em "Desatenção " . E tornamos a
encontrá-lo na consciência do pequeno assombro de um "Instante " ou do espaço que ocupamos com nossos corpos "Aqui" , nesta terra onde nada perdura. Estava satisfeito, não podia pedir mais de nosso mercado editorial. Mas os deuses que tanto aprontam conosco neste 2020, annus horribilisimus em escala planetária - os deuses por um momento se compadeceram dos amantes de Vissuava. Por estes dias, chegaram dois volumes para rechear minha pequena e preciosa coleção de Vissuavas: a terceira e volumosa antologia "Para meu coração num domingo " , que nos apresenta a mais 84 poemas traduzidos por Przybycien em parceria com Gabriel Borowski; e a biografia da poeta, "Quinquilharias e recordações " , escrita por Anna Bikont e Joanna Szczesna, duas jornalistas, e traduzida por Eneida Favre, que a editora Âyiné publica na coleção "Das Andere " . Ainda não os li todos, mas compartilho essa pequena porém imensa alegria que é ler em português Vissuava, essa poeta do espanto, agnóstica, aberta e confortável com o mistério do que não se dá a conhecer. Gente, leiam Wislawa.
Luiz Antônio Gusmão |Kuzman| nasceu no Recife e vive em Samambaia/DF. É doutor em Relações Internacionais (UnB, 2015) e mestre em Ciência Política (Iuperj, 2009). Publicou o livro _ azul-planalto: haicais candangos _ (Amazon-Kindle, 2020) e mantém no Instagram o perfil literário @haicaiscandangos.
Falandoemleituras
por Podcast Vida Secreta