Vídeo nas Aldeias - 25 Anos

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Introdução

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Um novo olhar, uma nova imagem

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Vincent Carelli

Xavante

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Ashaninka

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Kuikuro

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Huni Ku˜ı

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Mbya-Guarani

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Ensaios críticos

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O documentário e a alteridade, de Jean-Claude Bernardet No registro da cultura, de Carlos Fausto Imagens potentes das aldeias, de Alfredo Manevy Memória de uma travessia, de Henri Arraes Gervaiseau Vídeo Parentesco, de Faye Ginsburg A evolução do projeto Vídeo nas Aldeias, de Pat Aufderheide

Olhando do chão para cima, de Lucas Bessire Enfia essa câmera no rabo, de Leandro Saraiva

Versão em inglês

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O registro de um sonho

Vídeo nas Aldeias - 25 anos

A parceria firmada com o projeto Vídeo nas Aldeias (VNA) reforça a ação perene do Itaú Unibanco, por

Como empresa, a Natura sempre procurou estar identificada com a comunidade das pessoas que se

intermédio do Itaú Cultural, de atenção e valorização à criação audiovisual brasileira contemporânea. Esta iniciativa abre espaço para que um maior número de pessoas tenha conhecimento do trabalho realizado nas aldeias e para que os brasileiros possam fazer de sua origem o destino de novas reflexões e debates, mais bem fundamentados e com entendimentos mais completos sobre as inúmeras questões que permeiam a realidade indígena nos dias atuais. A linguagem audiovisual é um importante instrumento de mobilização das forças sociais e permite ao

comprometem com a construção de um mundo melhor. Por isso, estamos felizes e orgulhosos por participar da celebração dos 25 Anos do Vídeo nas Aldeias. Esse projeto pioneiro é obra justamente deste tipo de pessoas – gente que ousa sonhar com caminhos novos para nossa vida em comum neste planeta. Nascido em 1986, inspirado pela paixão do indigenista Vincent Carelli, o projeto cria e produz filmes que nos convidam a conhecer outros mundos, ao mesmo tempo próximos e distantes: o mundo das comunidades indígenas espalhadas pelo Brasil.

espectador um contato direto com dinâmicas muitas vezes desconhecidas, no caso brasileiro, em razão

Só que há uma diferença destes para outros filmes sobre o mesmo tema: nestes filmes, são os pró-

das dimensões continentais e assimetrias territoriais e culturais do país. Esta publicação celebra os 25

prios índios que, com a câmera nas mãos, nos levam a suas aldeias, nos convidam a suas festas, nos

anos de história do Vídeo nas Aldeias e funciona como uma importante extensão, um complemento do rico

introduzem a seus costumes e modos de vida.

processo que vem sendo amadurecido, desde 1986, com o fortalecimento das identidades e dos patrimônios territoriais e culturais dos índios. Desenvolver ações coletivas em aldeias indígenas pelo compartilhamento de imagens e experiências, promover encontros inéditos entre povos com culturas distintas e aguçar a curiosidade e o potencial criativo, ao proporcionar aos índios um aprendizado totalmente novo e transformador, torna o VNA uma iniciativa única e especial, que merece ser aclamada e difundida.

Que ideia fundamental: oferecer aos povos indígenas de nosso país – muitas vezes tratados como estrangeiros em sua própria terra – os meios para que eles possam se expressar, dizer sobre seu pensamento e suas relações com o mundo. Os filmes do Vídeo nas Aldeias são preciosas peças de diálogo intercultural. Livram-nos de séculos de clichês e preconceitos. Enchem-nos de encanto e estranhamento. Fazem bem para a alma. Uma das crenças essenciais da Natura é o inestimável valor da diversidade: quanto maior a diversidade das partes, maior a riqueza e a vitalidade do todo. Os filmes dizem muito a respeito deste princípio.

O apoio ao projeto também reafirma os esforços do Itaú Unibanco no sentido de recuperar e preservar

Eles provocam em nós saudáveis choques culturais, convidando-nos a uma relação lúdica e criativa com

a memória artística brasileira. O Vídeo nas Aldeias cristaliza sua relevância ao dar visibilidade ao rico

a diversidade. E também nos levam a um surpreendente redescobrimento de nosso país, incentivando

universo cultural dos índios e conferir, pela arte, a possibilidade de minorias excluídas retratarem seu cotidiano, seus rituais milenares, seus costumes e sua história de forma criativa, inédita e, mais importante, autônoma.

sobretudo a tolerância em relação às nossas diferenças culturais. Esta experiência nos mostra que há tantos saberes e visões de mundo quanto indivíduos diferentes – e que todos são fundamentais. Ela nos ensina que, mais do que nunca, precisamos nos conscientizar que somos partes integrantes do mesmo todo, essencialmente ligadas e interdependentes. Nesse momento em que o Vídeo nas Aldeias completa vinte e cinco anos de existência, queremos desejar vida longa ao projeto. Que ele continue iluminando nossas veredas e nos ajudando a compreender as riquezas de nosso vasto e diverso Brasil.


Vídeo nas Aldeias

Por um cinema intercultural

Tão logo recebi a proposta para Ponto de Cultura do Vídeo nas Aldeias, pensei comigo mesmo: “É isso, eles já são um Ponto de Cultura; potencializados em rede,

Este livro-vídeo comemora os 25 anos do Vídeo nas Aldeias e pretende ser uma memória inspiradora para aqueles interessados em produção audiovisual, espe-

vão espalhar este conceito abstrato com sua prática”. O índio na frente e atrás das câmeras; roteiro, direção, edição e atuação, feitos pelos próprios índios; o índio na visão do índio. A construção de uma nova narrativa do Brasil, feita de baixo para cima. O Vídeo nas Aldeias foi selecionado logo no primeiro edital para Pontos de Cultura, ainda em 2004, quando o Cultura Viva era apenas uma ideia. Um Ponto apenas, na terra indígena dos Ashaninka, às margens do rio Amônia, município de Marechal Thaumaturgo, estado do Acre, na fronteira com o Peru. Chegamos lá. Junto com este Ponto, mais duzentos e dez, espalhados pelos cantos mais esquecidos do Brasil. Uma ideia simples, nascida do firme propósito de inverter a lógica nas políticas públicas, ao invés de olharmos a carência e a falta, buscamos a potência, a capacidade de agir e transformar que cada ser humano, cada grupo social, possui dentro de si e que, no entanto, são deprimidos ao longo de séculos de dominação e/ou assistencialismos e paternalismos. Com o Ponto de Cultura mostramos um caminho diferente: não é o povo que depende do Estado, mas é o Estado que depende do povo e é a ele, ao povo, que os governos devem servir. Mais uma ideia simples e clara que teve sua lógica invertida por quem governa, que, ao invés de servir, serve-se do povo; com o Ponto de Cultura buscamos retomar este princípio de bem servir ao povo. A um baixo custo por Ponto de Cultura (R$ 5 mil por mês) conseguimos fazer com que o Estado chegasse diretamente na ponta da sociedade, fazendo a diferença porque não se perdia nos meandros da burocracia do Sistema e porque se adaptava à realidade e necessidades de cada grupo social. Assim o Cultura Viva se fez. Nada de receitas prontas em planilhas. Ao invés de impor, dispor, perguntar. Adaptar. Não foi exatamente assim que o Brasil se fez? Mesclando sua gente, adaptando-se aos trópicos? Se deu certo neste imenso país de civilização tropical e solar, teria que dar certo em uma política pública de cultura. Deu certo. Sete anos depois, quando já não estou no governo, posso acompanhar incontáveis histórias de sucesso, gente das favelas produzindo seus filmes, criando maquinaria de cinema, cidade cenográfica, contando suas histórias em sua própria voz; coreografias sofisticadas unindo dança contemporânea com dança de rua, formando um notável Balé de Rua, como vi em Uberlândia; orquestra de violinos em escolas de samba; montagem de Dom Quixote de La Mancha com grupos de teatro comunitário de treze países da América Latina, cada país representando uma cena; e os filmes dos índios, documentários e ficção. Películas em Xavante, Huni Ku˜ı, Kuikuro, Ikpeng... Filmes realizados no meio da floresta, por gente da floresta. Puro protagonismo dos esquecidos que se desescondem. Isto é Vídeo nas Aldeias. Isto é Cultura Viva de um povo que se faz presente e que não aceita continuar governado por quem o despreza. Isto é Ponto de Cultura, um ponto de potência em que o povo é a alavanca. Que os Pontos floresçam com todas as suas singularidades e façam brotar um país como nunca se viu!

cialmente no gênero documentário, mas também a todos que valorizam e fortalecem a diversidade cultural no Brasil e no mundo. O clique que gerou Vídeo nas Aldeias se deu durante um ritual de iniciação numa aldeia Nambiquara, Mato Grosso, em 1986: o acesso imediato dos Mamaindê às imagens gravadas durante a festa suscitaram entre os mais velhos o desejo de produzir as cenas seguintes, para que o resultado afirmasse sua autoimagem digna e orgulhosa. Esse processo inesperado foi registrado por Vincent Carelli com uma câmera VHS, equipamento amador e portátil, que começava a ficar acessível. Ancorada no acúmulo de um novo indigenismo da sociedade civil, que prosperou em tempos de ditadura militar dos anos 1970/1980, Vídeo nas Aldeias faz parte de uma geração de iniciativas que contaram com apoio da cooperação internacional e construíram pontes com muitas etnias e aldeias, para gerar um novo paradigma, mais otimista, sobre o futuro dos 235 povos indígenas no Brasil. Nesse período, lideranças indígenas emblemáticas emergiram na cena política do país de forma consorciada com esse novo indigenismo para sinalizar a permanência “dos índios” e assombrar a tese do vazio demográfico da Amazônia. Conectaram-se aos movimentos sociais que resistiram à ditadura e lutaram por democracia, o que resultou, pela primeira vez na história do país, num capítulo especial de direitos coletivos indígenas na Constituição Federal aprovada em 1988. Novo patamar de direitos e visibilidade, acúmulo de informações e relações interculturais de aproximação e convivência, apoio firme e constante da cooperação internacional e crescente disponibilização de recursos públicos no Brasil e de equipamentos de captação e edição cada vez mais profissionais e portáteis, permitiram à iniciativa Vídeo nas Aldeias prosperar, com muita dedicação e baixos custos de produção. Ao longo desses 25 anos, foram realizados registros audiovisuais com 37 povos, das várias regiões do Brasil, com a marca de sempre dar preferência à expressão direta nas línguas indígenas, com legendas em português, espanhol, inglês e francês. Esse esforço gerou um arquivo bruto de sete mil horas, 87 vídeos finalizados e muitos prêmios nacionais e internacionais. Nos últimos anos está crescendo a produção assinada por jovens realizadores indígenas, que tiveram a oportunidade de acessar as novas tecnologias e de participar de 127 oficinas nas suas comunidades e na sede do Vídeo nas Aldeias, atualmente em Olinda (PE), interagindo com uma nova geração de cineastas não indígenas admiradores dessa iniciativa. Os casos selecionados e narrativas publicadas na primeira parte do livro, precedidas por um ensaio fotográfico, são uma amostra desse universo e dessas trajetórias. Na segunda parte, o livro reúne visões de alguns críticos de cinema, antropólogos e jornalistas sobre os filmes produzidos pelo Vídeo nas Aldeias. Finalmente, aparecem encartados dois dvds com dez filmes de várias fases. No ambiente globalizado da sociedade da informação, ávida por conteúdos em formatos digitais, Vídeo nas Aldeias abriu e consolidou uma janela intercultu-

CÉLIO TURINO

ral de oportunidade para jovens realizadores, cujos filmes interessantes e surpreendentes contaram enormemente com a memória oral e a performance dos an-

Historiador, escritor e gestor de políticas públicas. Foi secretário da Cidadania Cultural no Ministério da Cultura (2004/2010) e idealizador e gestor dos Pontos de Cultura e do Programa Cultura Viva. Autor de diversos livros, entre os quais “Na trilha de Macunaíma – ócio e trabalho na cidade” (Ed. SENAC-2005) e “Ponto de Cultura – o Brasil de baixo para cima” (Ed. Anita Garibaldi-2009)

ciãos de seus povos, fontes vigorosas cuja renovação poderá lançar mão do legado de Vídeo nas Aldeias, muito além da videoteca.

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BETO RICARDO

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Vn!opwp!pmibsvnb!opwb!jnbhfn VINCENT CARELLI Indigenista, documentarista e fundador do Vídeo nas Aldeias

As origens O Vídeo nas Aldeias nasceu de uma paixão, a minha paixão de menino pelos índios. Adolescente rebelde em crise existencial, resolvi ir ao encontro do desconhecido, de um novo mundo, um recomeçar a vida. Quando, em 1969, aos dezesseis anos de idade, aterrissei pela primeira vez na aldeia Xikrin, no sul do Pará, compreendi que o mundo era muito mais fascinante do que eu tinha suspeitado até aquele momento. Não ingressei numa aventura política, eu me joguei numa aventura existencial. Na aldeia, fui adotado, como é o jeito índio de acolher. Ser adotado significava também participar em condições de igualdade em todos os trabalhos da aldeia: carregar fardos de piçarra na construção da pista de pouso, partir para

Vincent Carelli na sua primeira viagem aos Xikrin fotografado por Bebnio (1969). À direita, a minha tia Niok Kro sendo pintada na aldeia Xikrin do rio Caetêté. Foto Vincent Carelli, 1969

longas jornadas de caçada com os homens, passar dias abrindo picadas na mata para a passagem das mulheres e crianças nas expedições, tarefas duras

Quarenta e dois anos mais tarde, em 2011, depois de uma ausência de mais

para o jovem franzino que eu era. Se meu “pai índio”, Akruantury, era severo

de 23 anos, revi meu pai Akruantury, ao ir para Marabá, no sul do Pará para dar

em cobrar minha participação em todos estes momentos, quando chegava à

uma oficina de vídeo com os Parkatêjê. Cheguei na Casa de Saúde Indígena e

noite eu me sentava perto dele no centro da aldeia onde os homens se reuniam

ele, já bem velhinho, dormia. Pedi que não o despertassem e me sentei para

e ele, então, carinhosamente, defumava e tratava com a sua saliva as minhas

esperar. Quando ele se levantou, tomou as minhas mãos em silêncio, baixou a

mãos e pés feridos.

cabeça e começou a chorar, como um Kaiapó chora de saudades ao rever um

Neste período, presenciei entre os Xikrin cerimoniais espetaculares. O sen-

filho depois de uma longa ausência: um lamento, um canto que vai narrando a

timento que batia forte é que eu não podia ser um dos poucos privilegiados a

dor sentida. E eu chorei de tristeza e de felicidade ao seu lado. Nesse dia en-

presenciar aquelas maravilhas. A fotografia se tornou então uma necessidade

tendi com clareza algo que eu sabia intuitivamente: entrei para o indigenismo

para compartilhar o que poucos teriam a oportunidade de presenciar.

como “filho”, e não como “pai dos índios”, como muitos.

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Ă€ esquerda, meu padrinho Ken Poti fotografado por mim na aldeia Xikrin, em 1969. Acima, o meu reencontro com Ken Poti, 40 anos depois. Foto Ernesto de Carvalho, 2011

Acima, Akruantury, meu pai Xikrin À direita, no alto, o filho de Bebdjare, e abaixo, retrato da minha tia Kukreiti Fotos Vincent Carelli, 1969

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Indigenismo de Estado e indigenismo alternativo

imagem no contexto de um trabalho de 10 anos que fiz no Centro Ecumênico

A aventura política começou em 1973, quando entrei na Funai. Aí sim, foi um

de Documentação e Informação (CEDI) para constituir um acervo fotográfico

choque de realidade política. Depois do curso de indigenismo em Brasília, voltei

para a publicação da enciclopédia dos Povos Indígenas no Brasil, quando

ao Pará para retornar aos Xikrin, agora com os meios, achava eu, de contribuir

visitei os grandes acervos do Brasil. Fazer estas fotografias retornarem às

melhor com a aldeia. O coronel Nogueira, chefe da Funai no Pará e Amapá, man-

suas comunidades, devolver às novas gerações estes registros da sua histó-

dou me chamar e me comunicou que eu não iria ser “chefe de posto” nos Xikrin.

ria, podia proporcionar aos índios que estavam sofrendo processos de trans-

Quando, estupefato, perguntei o porquê, ele me respondeu: “Porque você é

formação tão violentos e tão rápidos uma visão retrospectiva do seu proces-

amigo dos índios”. Foi a minha primeira lição no funcionalismo público!

so de mudança.

Depois de uma passagem pelos Assurini, povo de língua Tupi recém conta-

Comecei a trabalhar a questão da memória dos povos indígenas através da

tados no médio Xingu, me integrei na equipe do Projeto Krahô, com Gilberto

Um primeiro movimento

Azanha e Maria Elisa Ladeira, meus colegas na minha rápida passagem pela

Ainda na década de 1970, o cineasta Andrea Tonacci procurou o CTI, com a

Universidade de São Paulo. Estava claro para nós o quanto o paternalismo

proposta do “Inter Povos”, um projeto de comunicação intertribal através do

autoritário do governo, a famosa tutela do índio, era altamente pernicioso

vídeo. Mas o vídeo ainda estava nos seus primórdios e a ideia não vingou.

para os índios, politicamente desmobilizador. Não seria o Estado que iria mu-

Quando surgiu o VHS camcorder, já com uma bagagem de dezessete anos de

dar a situação dos índios, mas eles é que teriam que retomar o curso de suas

convivência com povos indígenas e de militância indigenista, resolvi retomar

histórias. A nossa missão era desconstruir a autoridade do “chefe dos índios”,

a ideia, e assim começou o Vídeo nas Aldeias.

gerar fartura para combater a fome e a dispersão, patrocinar festas para rea-

Fui então para os Nambiquara, no norte de Mato Grosso, acompanhado

grupar as aldeias, e, assim, recompor o tecido social, os valores e a organiza-

pelo Beto Ricardo, hoje coordenador do Programa Rio Negro do ISA, impro-

ção da vida comunitária.

visando como de técnico de som, onde realizamos a experiência da qual

As relações de poder com a autoridade da Funai em Goiás, também coman-

resultou o meu primeiro documentário: A Festa da Moça. O que interessava

dadas por um coronel corrupto, se deterioraram e acabamos pedindo demis-

no vídeo era a possibilidade de mostrar imediatamente o que se filmava e

são. Se a universidade não era meu lugar, tampouco a Funai. Pouco tempo

permitir a apropriação da imagem pelos índios. Não era chegar “com uma

depois, uma comitiva de índios Krahô veio nos resgatar em São Paulo: queriam

câmera na mão e uma ideia na cabeça”, mas uma câmera na mão e uma ca-

Na sequência, fui para os Gavião, que acabavam de retomar o controle da

o nosso retorno, não estavam suportando o retrocesso a uma relação autoritá-

beça aberta para o feedback da aldeia, e deixar-se conduzir pelos seu entu-

comercialização da castanha de sua reserva sob a liderança do Krôhôkrenh˜um,

ria. Do indigenismo de Estado, migramos para o indigenismo alternativo, ou

siasmo e pelos seus desejos. Foi assim que o capitão Pedro Mãmåindê assu-

assessorado pela antropóloga Iara Ferraz, sob o patrocínio da presidência da

para a subversão, como se dizia naquele tempo de ditadura. Fundamos, com

miu a direção das minhas filmagens.

Funai em Brasília. A conquista da autonomia econômica e o contato recente

mava. Os registros daquela época são hoje documentos históricos, uma memória preservada para as novas gerações destes povos.

Projeção nos Nambiquara, durante a primeira experiência do Vídeo nas Aldeias entre os Negarotê, no norte de Mato Grosso. Foto Beto Ricardo/ISA, 1986

mais alguns colegas, o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), onde continua-

O meu estilo de filmagem, de iniciante autodidata, foi moldado por este

de um novo grupo Gavião que veio se juntar à turma de Krôhôkrenh˜um os levou

mos contestando o poder abusivo da tutela do Estado, apoiando lideranças de

dispositivo, o que me jogou de imediato no “vídeo-transe”, sem jamais ter

a retomar a sua língua, a prática do jogo de flechas e seus rituais. O vídeo caiu

O mesmo processo foi iniciado com os Xavante do Mato Grosso, em par-

oposição aos líderes empossados pelos funcionários, que compartilhavam a

ouvido falar em Jean Rouch ou no Cinema Verdade. O transe, é claro, era

como uma luva para o projeto de retomada cultural dos Gavião. Krôhôkrenh˜um

ceria com a antropóloga Virginia Valadão, minha esposa, e em seguida com

ideologia de “assimilação” do governo brasileiro. Lutamos por direitos bási-

nosso e deles, que ao cabo de várias performances para ajustar a sua ima-

comprou uma câmera e, inspirados pelo filme Nambiquara, voltaram a praticar

os Waiãpi, no Amapá, numa parceria muito especial com a antropóloga Do-

cos, como a possibilidade dos índios constituírem advogados independentes

gem, resolveram realizar a cerimônia de furação de nariz e lábios, prática

a furação de lábio dos meninos, filmada pelo jovem Raimundo Xontapti.

minique Gallois, pelo seu domínio da língua Tupi e pelo seu relacionamento

nas disputas com o Estado, direitos que anos depois foram incorporados na

abandonada há mais de vinte anos. Foi uma experiência catártica, muito

Os meus registros daquela época eram extensos, procurando gravar a inte-

de anos com este povo. Daí resultou uma série de filmes, entre os quais, O

Constituição de 1988. Participávamos do movimento geral da sociedade civil

além das expectativas iniciais, que nos demonstrou o poder da ferramenta

gridade dos cantos, uma descrição etnográfica detalhada dos rituais, porque

Espírito da TV, de certa maneira, a pedra fundamental do projeto. O inter-

brasileira em busca de alternativas.

e do dispositivo.

essa era a expectativa dos índios que assistiam mil vezes a tudo o que eu fil-

câmbio de imagens entre estes povos gerou o desejo de intercâmbio presen-

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cial entre povos afins, como os Waiãpi e os Zo’é de língua Tupi, e os Parkatêjê

durou mais de dois meses, resultou o filme Wapté Mnhõnõ, Iniciação do jovem

cinegrafistas. O desejo coletivo da realização do filme cria a sinergia que gera

A imagem do índio

e os Krahô, todos dois pertencentes aos Timbira do Maranhão, Goiás (agora

Xavante em 1999.

a força das suas produções, e a intimidade do realizador com o seu meio pro-

Para o Brasil, o índio é parte do seu mito de origem, orgulho da originalidade

duz a sua originalidade.

da nação frente ao mundo, mas é ao mesmo tempo símbolo de atraso, um en-

Tocantins) e sul do Pará. Produzimos estes intercâmbios, que resultaram em

Depois desse encontro nacional, resolvemos trabalhar regionalmente e es-

dois filmes, Eu já fui seu Irmão e A Arca dos Zo’é, completando a trilogia que

tabelecer parcerias com ONGs e associações indígenas. Procuramos a Comissão

A filmagem numa aldeia cria um momento especial durante a oficina, rompe

trave ao progresso, fadado ao desaparecimento e ao esquecimento. “Programa

havíamos iniciado com O Espírito da TV.

Pró-Índio, que realizava um trabalho de vanguarda na área de formação de

o cotidiano, permite estabelecer novos canais de comunicação dentro da co-

de índio”, por exemplo, expressão depreciativa muito comum, expressa este

Vários grupos com os quais trabalhávamos, Gavião, Xavante, Waiãpi, já

professores indígenas no Acre, e com quem tínhamos uma ligação histórica. O

munidade, valoriza temas esquecidos. Não há momento mais emocionante

sentimento de desprezo de muitos em relação aos índios.

tinham suas câmeras e produziam registros para consumo de suas próprias

CTI apoiara Terry de Aquino e José Carlos Meirelles na formação das cooperati-

para nós, participantes desse trabalho, do que ver um grupo de jovens entre-

Com a descoberta das Américas, os filósofos do Iluminismo criaram a ficção do

comunidades e para o intercâmbio com outras. Começamos a reunir estes

vas de borracha para romper a escravidão dos “barracões” dos patrões e dos

vistando um velho – feliz este por estar sendo indagado – se espantarem com

“bom selvagem”. Ventríloquos do “novo homem”, eles o usaram para fazer uma

materiais e trabalhar em pequenas oficinas de edição, em que eles narravam

regatões da exploração da borracha no estado e, também, na conquista da de-

histórias desconhecidas para eles, e chegar até a cobrar do velho: “por que

crítica da sua própria sociedade, projetando nele tudo o que eles gostariam de ser

o início de sua trajetória com o vídeo e comentavam suas filmagens. Nesse

marcação das terras indígenas dos povos da região.

nunca nos contou essa história?”; e o velho responder: “porque vocês nunca

e não eram mais. Pintaram então no “bom selvagem” a inocência, a pureza e a

perguntaram.”

harmonia do homem com a natureza, as maravilhas da sociedade igualitária.

contexto de produção, surgiram curtas como Jane Moraita, Nossas festas, do

O conjunto de professores que a Comissão reunia era formado por um

Kasiripina Waiãpi; Tem que ser curioso, do Caimi Waiassé e Obrigado Irmão, do

grupo muito especial, já com uma consciência crítica formada. Foi aí que

O espaço da oficina é um espaço aberto, pelo qual toda a aldeia circula.

Este conceito se cristalizou e se perpetuou de tal maneira que, até hoje, a

Divino Tserewahú, ambos Xavante; e Furação de beiço do Raimundo Xontapti,

convidei Mari Corrêa, formada nos Ateliers Varan, uma escola de Cinema Di-

Todas as noites são realizadas projeções a céu aberto, onde são exibidos filmes

maioria das pessoas ainda enxerga os índios através desse prisma, e gostaria

dos Gavião.

reto para o terceiro mundo sediada em Paris, para compor a equipe do VNA e,

de outras comunidades, documentários, ficções, e momentos especiais produ-

que eles correspondessem à sua fantasia. Os filmes dos índios se confrontam

juntos, adaptamos o método desenvolvido por eles ao mundo das aldeias.

zidos pelos alunos ao longo da oficina. De maneira que, durante três semanas,

em permanência com essa visão. Toda e qualquer apropriação dos elementos

Depois de uma experiência de oficina multiétnica, entendemos que trabalhar

um mês, os alunos, os personagens e a comunidade como um todo se veem

da nossa civilização pelos índios é visto por muitos como uma degradação,

O projeto logo ganhou reconhecimento internacional nos meios que discutiam

por etnia era o que dava mais certo, pelo conhecimento da língua e pela in-

imersos em cinema.

uma perda da pureza. Todos eles gostariam que os índios mantivessem a “pu-

trabalhos inovadores na área de comunicação, e conseguiu prosseguir graças

timidade que os jovens de cada aldeia tinham com seus parentes.

Um escola indígena de cinema

A nossa participação no processo de captação se dá na retaguarda, já que

reza” da sua cultura original. É por causa desta idealização que os índios

a bolsas americanas para artistas, da Guggenheim, Mc Arthur, Rockefeller, e a

De lá pra cá, nestes 15 anos de formação de realizadores, trabalhamos com

raramente participamos presencialmente das filmagens, ao revisar com eles as

muitas vezes são classificados em “aqueles que ainda são” e “os que não são

apoios da cooperação internacional da Holanda e da Noruega. Convidado para

37 povos, 127 oficinas, das quais resultaram 87 filmes, dos quais 78 estão no

imagens. É isso que justamente permite que o seu olhar se expresse. É claro

mais” índios.

muitos festivais, fui descobrindo que no México e na Bolívia haviam sido ini-

nosso catálogo.

que orientar uma oficina é também fazer junto, no sentido de que você está ali

Quando os filmes rompem o cerco de distribuição para “os amigos dos ín-

dando sugestões, comentando, discutindo, dando o melhor de si. Já a forma-

dios” e ganham reconhecimento e difusão num espaço mais amplo no cenário

ção de um editor toma mais tempo. Depois de dois a três filmes, se revelam

audiovisual brasileiro, estes sentimentos conflitantes vem à tona com clareza.

ciados projetos similares ao nosso, no mesmo ano de 1986. Descobri também que as minorias do primeiro mundo já tinham dado muitos passos na apropria-

Um certo jeito de fazer cinema

ção dos meios audiovisuais, tanto na esfera das suas comunidades, como na

O VNA certamente tem um método de ensino, mas antes de mais nada os re-

aqueles que têm talento e gosto pela coisa. A sucessão dos filmes nos quais

Pela segunda vez tivemos, em 2011, um de nossos filmes selecionados no

formação de jovens em cinema nas universidades e na conquista de canais de

sultados obtidos são fruto de um estilo de relacionamento, de convivência,

eles se reconhecem é também uma aprendizagem do conjunto da aldeia. Trata-

festival de Gramado. O jornalista de O Estado de São Paulo, Luiz Carlos Merten,

televisão. Este era o movimento da história e resolvemos investir também num

de escuta dos povos com os quais trabalhamos. O fato de atendermos a uma

se de um processo coletivo e colaborativo entre índios e não índios, de apren-

que cobria o festival, comentava no seu blog a respeito dos seus colegas: ” Tem

processo de formação de jovens cineastas indígenas.

demanda que parte deles já é meio caminho andado. Mas, de qualquer manei-

dizagem progressiva e realização.

gente que morre só de pensar em assistir a filmes de índios” ou, “Tem gente

Na primeira oficina no Xingu, reunimos trinta índios de grupos diferentes

ra, é preciso entender as injunções, políticas internas da comunidade, saber

Para contar de uma maneira mais detalhada o processo de formação e produ-

que acha que o filme nem devia estar no festival. Mas como se, como cinema,

de várias partes do país, os que já trabalhavam conosco e outros sobre os

colocar sua presença, seu ponto de vista. Uma vez conquistado este lugar,

ção colaborativa, de descoberta do cinema pelos realizadores indígenas, de

quais eu tinha informação que estavam começando a filmar por iniciativa

todo o processo flui, porque o desejo de aprender é enorme.

interação de seu trabalho com a comunidade e o amadurecimento de ambos,

O crítico Marcelo Miranda (http://noextracampo.blogspot.com) comenta:

é o melhor brasileiro até agora?”

própria. Foi um grande encontro de jovens que não se conheciam, em que

Sem roteiro pré-concebido, a captação do material dos cineastas indíge-

selecionamos uma amostragem de cinco coletivos de cinema. Em cinco capítu-

“(...) Neste sentido, a definição de ‘ficção’ e ‘documentário’ se esvai ao se as-

buscávamos uma metodologia de formação, o que os bolivianos e os mexica-

nas nas oficinas se dá de maneira intuitiva, empírica e livre, atenta ao impre-

los, os Xavante, os Ashaninka, os Kuikuro, os Huni Ku˜ı e Mbya-Guarani contam,

sistir ao “As Hiper Mulheres” – assim como a preconceituosa conotação de

nos já estavam fazendo. Neste encontro, o Divino Tserewahú, que já filmava

visto, ao espontâneo, à livre expressão e criação dos seus personagens. Fil-

juntamente com membros de suas aldeias e aqueles que, da equipe do projeto,

‘filme de índio’, que inclusive circulou entre alguns jornalistas antes da sessão.

há mais tempo, convocou alguns colegas Xavante e Suyá para ajudá-lo a fil-

mes que brotam naturalmente da interação e cumplicidade dos cineastas

ministraram as aulas, como se deram essas oficinas, o processo de gestação

Há, acima de qualquer pré-impressão, um trabalho elaborado e impactante de

mar um grande cerimonial na sua aldeia, Sangradouro. Dessa oficina, que

indígenas com seus personagens, que são tão autores dos filmes quanto seus

dos filmes e suas repercussões ao longo do tempo.

encenação, registro e criação de espaço.”

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Enquanto uns elogiam, outros destilam seu racismo. Robledo Milani, pre-

cada vez maior de Pontos de Cultura Indígenas estavam sendo desenhados.

res escreviam para o site do programa, comentando e parabenizando a inicia-

Imaginem quando nossos filhos e netos puderem, desde cedo nas escolas,

sidente da Associação dos Críticos do Rio Grande do Sul, em seu blog, http://

Tínhamos em vista iniciar um processo de formação de formadores, para que

tiva. Imaginem então a emoção dos moradores das aldeias que tiveram seus

se familiarizar e se interessar pela diversidade das culturas indígenas deste

www.cineronda.com.br/as-hiper-mulheres de 16/09/2011, escreve: “Este

um número maior de grupos de apoio dispersos pelo país pudesse atender pelo

filmes exibidos em cadeia nacional! Infelizmente, com a mudança de direção,

país, e estabelecer uma relação lúdica e criativa com a diversidade. Será um

documentário (ou seria ficção?) parte de um tema curioso (...) para a realiza-

menos uma parte dessa demanda reprimida. Sonhando alto, poderíamos ter, a

a TV Cultura encerrou o programa “A’Uwe”, e assim, os índios se viram excluídos

privilégio para nós, um redescobrimento do Brasil. Ao conhecer estes povos,

ção de algo que soa tão distante e estranho a todos nós que nem chega a

médio prazo, uma rede nacional de cineastas indígenas alimentando seu espa-

da televisão brasileira, já que essa era a sua única janela.

teremos mais chances de respeitá-los, e aqueles que serão vistos, se sentirem

gerar frustração, reduzindo-se à indiferença (...). A se temer apenas o fato de

ço próprio na TV pública brasileira.

O índio nas escolas

mais reconhecidos. É preciso criar no país um ambiente mais favorável em re-

que Gramado tem tradição em premiar documentários com temática indígena

Num momento em que vários países da América Latina implantam progra-

– Raoni, Serras da Desordem e Corumbiara são apenas alguns dos exemplos.

mas e formulam leis inspiradas no modelo brasileiro do Cultura Viva, o Brasil

Em 2008, o governo brasileiro tomou uma decisão ousada, no sentido de ins-

deixem para trás a vergonha de ser quem são, a vergonha pela qual muitos ti-

Resta agora a torcida para que esse equívoco não se repita.”

parece abandonar os avanços do governo Lula e voltar a uma política elitista

tituir a obrigatoriedade do ensino de aspectos culturais dos afrodescendentes

veram de passar em gerações passadas, e passar ao orgulho de ser brasileiro,

de subsídio cultural. No PAC do governo – Programa de Aceleração do Cresci-

e dos povos indígenas nas escolas públicas do ensino fundamental e médio.

pertencendo a um povo indígena específico!

mento – não devemos nos esquecer que o “PAC da Cultura e da Educação”,

Essa decisão, que levará alguns anos para ser implementada de fato, implica

Se todo adolescente pudesse ter a experiência de choque cultural que eu

talvez sejam os mais importante deles.

num enorme investimento na formação dos nossos professores numa matéria

tive o privilégio de ter, este mundo seria mais tolerante com relação às dife-

que eles nunca estudaram, e na geração de materiais didáticos atrativos e de

renças culturais. Precisamos de muito mais diálogo intercultural para o índio

qualidade sobre estes temas.

deixar de ser um corpo estranho, um estrangeiro em sua própria terra. A ausên-

O programa Cultura Viva Depois de dezoito anos de trabalho financiado pela cooperação internacional e muito pouca visibilidade nacional, no governo Lula, o ministro Gilberto Gil e

lação aos índios, e permitir que eles, nos lugares mais distantes do Brasil,

sua equipe realizaram uma verdadeira revolução nas políticas públicas da cul-

O índio na TV brasileira

tura. Assumindo que “o Brasil não conhece o Brasil”, e que num “País de Todos”

Provavelmente, 90% da população brasileira só conhece os índios através da

Sabendo que os filmes dos índios permitirão um acesso mais direto à reali-

cia, até recentemente, da temática indígena no sistema educacional brasileiro

todo cidadão deve ter não só o direito de consumir, como de produzir cultura

televisão, nos noticiários quando há problemas e disputas, ou nas reportagens

dade indígena contemporânea, o Vídeo nas Aldeias tem voltado grande parte

e a reprodução dos eternos clichês e preconceitos na mídia, perpetuam este

desde a sua perspectiva, se iniciou uma nova era de valorização da diversidade

e nos documentários feitos por não índios que, na maioria dos casos, lançam

de suas energias para a produção de filmes e livros didáticos para escolas. Em

estranhamento, esta ignorância.

cultural brasileira, e se democratizou o acesso aos subsídios da cultura.

um olhar exótico sobre a realidade indígena. Portanto, a TV é a quase única

2010, o Vídeo nas Aldeias fez um projeto piloto, subsidiado pelo Petrobras

Os índios querem participar da modernidade, ser incluídos neste país e gozar

Num diálogo com a sociedade civil, tanto as Secretarias da Cidadania Cul-

janela para os índios se tornarem conhecidos pela população brasileira numa

Cultural, distribuindo três mil kits pra três mil escolas no Brasil com uma cole-

de cidadania plena, desde que sua identidade e diferença sejam respeitadas. É

tural, como a da Diversidade e da Identidade, traçaram uma política inédita de

escala nacional, e ao mesmo tempo, é na TV que são reproduzidos os clichês, os

tânea de vinte filmes da coleção “Cineastas Indígenas” e um guia para asses-

preciso apoiar a produção indígena contemporânea. Por ser uma ínfima mino-

subsídio para as populações tradicionalmente excluídas de qualquer incentivo

estereótipos e os equívocos sobre os índios. Quando os autores de novela criam

sorar o professor no uso e nas discussões dos filmes em sala de aula. Esperamos

ria, o acesso aos meios de comunicação é estratégico para eles. A temática

na área da cultura – as populações das periferias dos grandes centros urbanos,

personagens indígenas entramos para o terreno da caricatura. Daí a importân-

agora trabalhar, com o apoio da UNESCO, numa compilação de filmes sobre

indígena precisa estar nas nossas escolas, precisa estar na mídia, mas represen-

grupos da cultura popular, remanescentes de quilombos e os índios – raízes

cia da existência de um espaço na televisão pública brasileira em que os índios

crianças indígenas para o jovem público escolar.

tada por eles mesmos, com este olhar próprio que faz toda a diferença.

das nossas culturas populares e contemporâneas.

possam nos revelar sua realidade através do seu próprio olhar.

Neste contexto, o Programa Cultura Viva, que subsidiou Pontos de Cultura

Vinte anos atrás, os filmes que a gente produzia eram recusados pela tele-

por todo o Brasil, deu um apoio considerável à rede de aldeias atendidas pelo

visão pública: não eram do formato adequado, não tinham a duração certa

Vídeo nas Aldeias, possibilitando a compra de melhores câmeras e equipamen-

para a grade, não possuíam a linguagem própria da televisão. Nos últimos três

tos para edição dos filmes nas aldeias, dando-lhes maior autonomia de produ-

anos, trazido pelos bons ventos da valorização da diversidade cultural, surgiu

ção, a realização de inúmeras oficinas de formação e encontros e a publicação

o programa “A’Uwe” de documentários sobre a realidade indígena. Apresenta-

da coleção de DVDs Cineastas Indígenas, com a compilação dos melhores fil-

do pelo ator “global”, Marcos Palmeira, o programa da TV Cultura exibiu e re-

mes de autoria indígena.

prisou 40 títulos do nosso catálogo.

Muito conhecido no mundo indígena, o projeto recebe dezenas de pedidos

Difundido em horário nobre, todo domingo, às 18 horas, os nossos alunos,

de povos que querem participar das oficinas. Infelizmente, por falta de recur-

Brasil afora, nos davam testemunhos sentindo a repercussão dessa difusão.

sos, somos obrigados a recusar. Os programas culturais desenvolvidos na era

Ser descoberto pelos seus vizinhos com os quais convivem há décadas, sem ter

Lula caminhavam para a democratização dos meios de produção, e um número

jamais tido a oportunidade de se conhecerem realmente. Muitos telespectado-

61

Q

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Ybwbouf Os Xavante são um povo de língua Gê, com uma população total de cerca de 15 mil pessoas. Vivem em várias Terras Indígenas demarcadas de forma fragmentada, parte do seu território de ocupação tradicional, na região compreendida pela Serra do Roncador e pelos vales dos rios das Mortes, Kuluene, Couto de Magalhães, Batovi e Garças, no leste de Mato Grosso. Essa região de transição entre o cerrado e a floresta amazônica vem sofrendo fortes impactos socioambientais desde a década de 1960, devido à sua incorporação pela agropecuária extensiva, processo intensificado a partir da década de 1980 pela crescente implementação da produção de grãos para exportação, em especial, a soja. O trabalho do Vídeo nas Aldeias entre os Xavante se dá na aldeia de Sangradouro, com Divino Tserewahú, onde há uma missão Salesiana e com dois realizadores da aldeia de Pimentel Barbosa, Caimi Waiassé e Jorge Protodi.

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Abaixo, à esquerda, velhos sentados no centro da aldeia de Sangradouro, em Nova Primavera, MT. Divino Tserewahú, cineasta indígena da aldeia Sangradouro. Fotos Tiago Tôrres, 2008

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O projeto Vídeo nas Aldeias che-

Bartolomeu e o Cornélio, foram escalados para

DIVINO

Primeiro eu fazia assim: galinha correndo

dade Federal do Mato Grosso, veiculou quatro pro-

a câmera levou muita pancada, tomou muita poei-

gou até a aldeia de Sangradouro (MT) por inicia-

acompanhar a edição do vídeo que resultou das

eu filmo, passarinho voando eu filmo. Filmava

gramas que atingiram rede nacional através da TVE

ra, mas o pessoal gostava. Aos poucos, fomos des-

tiva e solicitação dos índios no ano de 1988, épo-

filmagens: Wai’á, O Segredo dos Homens. Um fil-

qualquer coisa, depois fui pegando o jeito, sozi-

do Rio de Janeiro. Em 1996, o que era para ser o

cobrindo a importância da imagem. E fomos gra-

ca da realização do ritual Wai’á, o mais importante

me mais descritivo, quase um bruto do material,

nho mesmo. Quando minha câmera estava mais

quinto programa acabou não saindo, e encerramos

vando pra gente mesmo. No começo eu gravava a

rito de iniciação masculina Xavante, que prepara

sem explicações, sem entrevistas, feito, princi-

firme, comecei a mostrar para a comunidade. Em

a série. Mas foi no interior dessa experiência que

aldeia e o que as pessoas me pediam. Depois a

os jovens para se relacionarem com as forças so-

palmente, para o público Xavante. Bartolomeu e

1990, eu já era meio o cinegrafista oficial da minha

nasceu a ideia de uma oficina de formação de vídeo

gente assistia junto e avaliava, pra então ficar na

brenaturais que lhes transmitem poder. O Lucas,

Cornélio ficaram, depois, encarregados dos equi-

aldeia, Sangradouro. Ainda não tinha nenhum pro-

para os índios, para sair da linha telemagazine que

nossa memória. Em 1992, a Laura teve contato

jovem Xavante que chefiava o seu grupo de idade

pamentos de projeção que doamos para a aldeia

jeto, porque o CTI entregou a câmera pra gente e

vinha sendo desenvolvida no Programa de Índio,

com o CTI e o projeto Vídeo nas Aldeias, e o Vincent

e que teria importante função no cerimonial da-

e Jeremias, filho do então chefe de Sangradouro,

disse pra gente filmar o que quisesse com ela. Eu

com matérias muito curtas e forçosamente um

me convidou para um curso básico em São Paulo.

quele ano, procurava algum cinegrafista que pu-

Alexandre, foi indicado para o “cargo” de cine-

ficava pensando: como será que a televisão faz

pouco superficiais, onde de certa maneira do pou-

Foi o meu primeiro curso, como lidar com a câmera,

desse registrar a festa, que só se realiza a cada

grafista fazendo estágio no Centro de Trabalhos

isso? Eu ficava pensando e filmava. Comecei a fil-

co que se tenha sempre se faz alguma coisa. A pro-

foco, cuidar bem do equipamento, coisas assim.

15/20 anos. A preocupação do Lucas era de que a

Indigenistas (CTI). Quando, dois anos mais tar-

mar as festas, as reuniões, os encontros. Grande

posta era entrar numa linha documental com um

maioria dos anciãos que dirigiam o cerimonial

de, o Jeremias assumiu a função de chefe de Pos-

parte desse material está no arquivo do Vídeo nas

tratamento mais aprofundado, especialmente

naquela época provavelmente não viveriam até a

to da Funai, ele passou a câmera para o Divino

Aldeias, muita coisa mesmo, as lembranças que a

quando se desenvolve um trabalho na própria lín-

realização do próximo (como de fato aconteceu,

Tserewahú, seu irmão. Aqui começa a trajetória

gente vai ter no futuro.

gua e sobre a sua própria cultura.

a maioria deles já faleceu), comprometendo as-

do Divino como cineasta.

VINCENT CARELLI

sim a memória de todos os detalhes da realização

Acima, ao alto, Paulo César e Virgínia Valadão filmam o Wai’á, na primeira parceria do Vídeo nas Aldeias com os Xavante de Sangradouro. Foto Paula Stefani, 1986 Abaixo, fotograma do Divino gravando uma conversa para o seu primeiro curta, sobre a sua trajetória de “filmador” da aldeia. (1997)

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VINCENT

Nessa mesma época, a antropóloga Laura

CAIMI WAIASSÉ

Comecei meu trabalho em 1990,

do ritual. Informado em Brasília pelo Sílbene de

DIVINO TSEREWAHÚ, EM OBRIGADO IRMÃO

Teve um dia

Grahan nos apresentou o Caimi Waiassé, que já vi-

quando a Laura Grahan chegou na minha aldeia

Almeida da existência do projeto, Lucas bateu em

que o Jeremias pegou a câmera e me disse: “vou te

nha trabalhando de forma independente na aldeia

com uma câmera de vídeo. O cacique gostou da

nossa porta, em São Paulo, acompanhado de

ensinar”. E depois ele me disse: “agora você vai assis-

Xavante de Pimentel Barbosa, MT. Caimi passou a

nova ferramenta e pediu para ela doar. Passei dois

mais três xavantes para pedir a filmagem que de-

tir ao que gravou”. Quando foi à noite, ele tirou a fita

trabalhar com a gente e a integrar a equipe do

anos me virando sozinho, projetando as coisas que

veria ser iniciada naqueles dias. Como eu já me

da câmera e botou no vídeo. “Você vai ver o que você

Programa de Índio, junto com o Divino e outros

eram filmadas, o cotidiano da aldeia. A gente as-

encontrava comprometido com os Gavião do

gravou hoje. Aí você vai se assustar, mas não fique

repórteres indígenas Bororo, Baikari, etc. O pro-

sistia até o motorzinho da câmera pifar. No começo

Pará, filmando o ritual do Pemp na mesma data,

assustado não”. Eu fiquei impressionado. Como a

grama, realizado em parceria com a TV da Universi-

eu filmava de qualquer jeito, balançava bastante,

Virgínia Valadão assumiu a direção do trabalho

câmera grava? Como a câmera vai tirar o corpo da

com o fotógrafo Paulo César Soares. Na época, a

gente, a imagem da gente? Primeiro eu fiquei tímido

Virgínia me havia relatado que as filmagens, que

com a câmera e tinha medo da comunidade, porque

duraram mais de vinte dias, haviam sido pontua-

eu era muito novo. Só gravava de longe, de costas. E

das por uma série de discussões e disputas polí-

eu pensava que eu queria ser ‘filmador’, a minha

ticas, que foram sendo solucionadas à medida

ideia era sempre essa. Então meu irmão não aguen-

que foram surgindo. Por trás de questões direta-

tou mais trabalhar com a câmera e deixou na minha

mente relacionadas com o ritual, como registrar

mão. Eu já falei para a minha mulher: eu nasci para

ou não seus aspectos secretos, se travava tam-

filmar, foi pra isso que eu nasci. Não para pegar na

bém, de um duelo entre lideranças de aldeias di-

enxada, pra fazer a roça. Com a câmera você vai lem-

versas. Por indicação do Lucas, dois xavantes, o

brar daquilo que já aconteceu.

Abaixo, da esquerda para direita: O jovem Caimi e seu colega Bororo visionam as matérias do Programa de Índio, na TV da Universidade Federal do Mato Grosso (1985). Estevão Taukane, apresentador do Programa de Índio, anuncia o lançamento de um DVD Xavante da aldeia de Pimentel Barbosa. Fotograma de vídeo (1995) Caimi Waiassé e Laura Grahan, anos depois no Festival dos Índios das Américas, em Nova Iorque, EUA, 2009. Foto Ernesto de Carvalho, 2009

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um público interno, para a apropriação da lingua-

CASSIMIRO WETÉ, EM WAPTÉ, INICIAÇÃO DO JOVEM XA-

os dois aqui para ajudar a fazer o trabalho sobre o

gem cinematográfica e a produção de filmes que

VANTE

Quando nasce um menino, o avô fica feliz. Ele

Wapté”. Os velhos não responderam na hora, disse-

passariam a alcançar, também, o público não-in-

prepara raízes para banhar o menino e fazer dele um

ram que iam pensar: “ainda tem tempo, vamos ver

dígena. Em 1997, durante a oficina de vídeo no

bom lutador. Se isso acontecer, ele conta para os pais

isso com calma, a gente não vai te prometer”. Voltei

Xingu, formou-se um time muito bom de alunos.

e os tios, que vão testar o menino no O’ió, a luta com

mais uma vez para conversar com os velhos. Na hora

Foi neste encontro que o Divino idealizou a filma-

raízes. Se ele for bom mesmo, o avô vai continuar

da decisão, eles me chamaram e perguntaram: “a

gem do Wapté, ritual de iniciação Xavante, que

banhando ele sem que os outros saibam.

filmagem que vocês vão fazer é para quem?” Eu fa-

aconteceria no ano seguinte em Sangradouro. A

lei: “é para nós, nós vamos fazer um primeiro filme

co de tudo”. E editamos o curta. Nessa caminhada,

indígenas, no Parque do Xingu. Um mega encon-

ideia de uma oficina desenvolvida no contexto da

DIVINO

A ideia de filmar o Wapté surgiu na oficina do

sobre a iniciação Xavante. E isso vai servir para to-

já em 1997, o projeto recebeu o convite para man-

tro de várias etnias. As comunidades Kaiabi, Ju-

cobertura de um cerimonial da sua própria cultura

Xingu. Eu já tinha bastante experiência com o ví-

dos nós, todos vocês da aldeia. Porque em Sangra-

dar dois cinegrafistas para a Bolívia. Como a gente

runa, Suyá aceitaram a gente de braços abertos.

se revelava, metodologicamente, extremamente

deo, e o encontro foi uma oportunidade de me apri-

douro a cultura está viva e ninguém registrou ainda,

Ele nos falou um pouco, também, sobre estrutura e

está no Mato Grosso, na fronteira, fomos eu e um

Estavam todos dispostos a contar suas histórias,

produtiva e proveitosa para os alunos. Não está-

morar mais. Em uma semana eu avancei muito, e foi

eu estou começando a trabalhar agora, fui fazer

como são finalizados os documentários. Nesse pe-

Baikari. Participamos de uma oficina de vídeo e da

não houve desentendimentos. Foi uma experiên-

vamos mais diante de uma situação artificial na

então que pensei em convidar alguns dos meus co-

este curso, amadurecendo um pouco”. Depois que

ríodo, eu assisti a vários documentários que foram

mostra. Era o V Festival Latinoamericano dos Povos

cia muito marcante, porque foi a primeira vez que

qual se passa um exercício de câmera do tipo “me

legas para as filmagens do ritual, no ano seguinte.

eles resolveram esperei mais um pouco e liguei para

realizados junto com outras etnias, porque naque-

Indígenas, na Bolívia. As coisas foram caindo de

fizemos uma oficina num lugar que a gente estava

faça um plano sequência de alguém entrando em

Convidei o Winty e o Nikramberi, suyás, o Caimi e o

o Vincent, que me disse: “ok, vamos lá, vamos rea-

la época o CTI trabalhava muito com os Gavião e os

surpresa e a gente foi seguindo os caminhos que

habituado, a aldeia, trabalho em comunidade,

casa”. Era uma situação de grande desafio e moti-

Jorge, xavantes de Pimentel Barbosa. E eles aceita-

lizar este filme.” Chegou o dia. Chegou o Caimi, che-

Waiãpi. Assisti bastante estes filmes, para enten-

estavam aparecendo. Nessa oficina na Bolívia, a

compartilhando ideias.

vação porque havia toda uma expectativa da co-

ram meu convite na hora. Era o primeiro trabalho

gou o Jorge, chegou o Winty. Fomos para o centro da

der um pouco como funcionava a realização de

gente aprendeu como fazer telenovela, ficção, fa-

munidade em relação aos resultados, além de

coletivo dos realizadores indígenas e uma forma da

reunião com os velhos novamente: “Todo mundo

um documentário. Passei a integrar a equipe do

zer um pouco de roteiro, mas a gente tinha dificul-

VINCENT

Foi a partir deste grande encontro no Xin-

apresentar uma diversidade de situações a serem

gente treinar o que havia aprendido. Combinei com

está feliz, vamos fazer o primeiro trabalho, vamos

Programa de Índio, que foi uma experiência inte-

dade por causa da língua. Lá, também, começamos

gu que o projeto Vídeo nas Aldeias começou a in-

filmadas. Enfim, era o contexto ideal porque per-

eles sem falar com o meu povo. Quando terminou o

apoiar vocês, podem trabalhar”. E essa primeira ex-

ressante, porque juntou cinegrafistas de algumas

a entender melhor o movimento indígena na Amé-

vestir de modo mais organizado e sistemático na

mitia trabalhar conjuntamente tanto o aprimora-

curso, Winty e Nikramberi foram comigo visitar mi-

periência, de convidar também os colegas de fora

etnias, como Bororo, Baikari, Xavante, e a gente

rica Latina. Foi quando a gente percebeu que a

capacitação dos índios. Foi o momento em que

mento da técnica quanto a questão do conteúdo,

nha aldeia. Apresentei os dois no centro da reunião

deu uma grande lembrança para o meu povo. Eles

começou a estudar junto como é que seria essa

gente não estava sozinho. Estávamos ali compar-

começamos a colaborar mais estruturadamente

de maneira que imagem e conteúdo se relacionem,

dos velhos: “estes são os meus colegas, fizemos o

sempre relembram essa história. Mas tivemos, tam-

nossa apresentação, a mensagem que a gente que-

tilhando experiências, era um movimento político.

nos projetos de filmes das comunidades. A transi-

um objetivando o outro. Em 1998, estávamos to-

curso de vídeo juntos. Como vai acontecer uma fes-

bém, muita disputa interna entres as facções políti-

ria passar na TV, pois, pela primeira vez, apresen-

Em seguida veio a primeira oficina de cineastas

ção de uma produção mais descritiva, voltada para

dos em Sangradouro.

ta de iniciação no ano que vem, eu gostaria de trazer

cas da comunidade durante o processo.

Imagens do primeiro curta realizado por Caimi, Tem que ser curioso (1997).

taríamos algo nosso. Em 1996, comecei a trabalhar com o meu clip Tem que ser curioso, que relata a minha experiência com o vídeo. Cheguei em São Paulo com uma caixa com todas as coisas que eu havia filmado entre 1990 e 1992, mais ou menos

Ao lado, Tutu e Caimi editam Tem que ser curioso, em 1996. Foto Vincent Carelli (1997)

umas trinta fitas. A equipe do projeto sentou comigo e disse: “agora vamos ver as coisas que você filmou, a partir daí você escolhe um tema”. Tinha filmagem do dia a dia, conflitos, visitas na aldeia, tinha de tudo. Aí eu falei: “coloca um pou-

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À direita, fotogramas do filme Wapté, a iniciação do jovem Xavante, (1999).

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ALEXANDRE TSEREPTSÉ EM WAPTÉ, INICIAÇÃO DO JOVEM

de alguma facção política. Mas ao chegarem na al-

fazia uma crítica exaustiva dos enquadramentos,

três meses traduzindo e fizemos uma primeira

A luta vai ser muito dura e eles vão sentir

deia, o conselho dos anciãos, que coordena o ceri-

dos movimentos, do conjunto de planos necessá-

montagem. O Vincent me disse: “leva essa versão e

muita dor. Seus pais vão lhe explicar que um bom

monial, discute caso a caso a questão da socializa-

rios a uma boa cobertura, de como se fixar em al-

mostra para os velhos e pergunte o que eles acham

lutador deve lutar muito antes de desistir. Assim ele

ção dos bens ou benefícios que cada equipe de

guns personagens na cenas de multidão, etc. A ca-

e se eles aprovam”. Levei uma primeira versão para

mostra sua valentia para a comunidade.

convidados aporta, ou será cobrado. Este é um as-

racterística própria dos cerimoniais Xavante, em

a aldeia. O pessoal estava ansioso, curioso de ver.

sunto que merece uma discussão pública para que

que certas cenas se repetem ao longo de semanas,

A aldeia parou, silenciou, eles apressaram a gente:

A vida política Xavante é marcada por di-

esta compensação não se restrinja àquele que me-

foi excelente para a prática de exercícios, tornando

“nós temos que assistir logo para matar a sauda-

versas disputas internas entre facções e clãs. Ao

diou o convite. Fui para Sangradouro para esta “co-

possível refazer até acertar certas sequências, após

de!”. É sempre assim depois que um grande evento

longo da trajetória da parceria entre o Vídeo nas

produção interétnica” com a mesma postura: de

visionar os erros cometidos. A partir destas imagens

acontece. Quando eles viram a primeira versão não

Aldeias e os Xavante, essas disputas muitas vezes

não virar joguete de disputas internas e de não

se levantava uma pauta de questões relativa ao sig-

tinha telão, não tinha datashow, não tinha nada.

estiveram presentes. Nas filmagens do Wapté, a

aceitar cobranças indevidas para negociar a filma-

nificado daquele momento do ritual, da coreogra-

Era uma TV de 29 polegadas. Coloquei no alto, todo

participação de colegas de fora foi fundamental em

gem. Primeiro, porque não se tratava mais de filmar

fia, da simbologia dos enfeites, etc. E eles partiam

mundo viu. Cada vez que os velhos falavam sobre

muitos aspectos. Em primeiro lugar, este ritual só se

para a facção responsável pelo convite, ou para

então para pesquisar, sozinhos, esses conteúdos na

uma cena que aparecia, eu parava, perguntava e

realiza a cada cinco anos, e é de uma grande com-

“ganhar dinheiro” com estas imagens, na versão

forma de entrevistas com os anciãos da aldeia. Vis-

anotava tudo o que eles diziam. “Para, para”, ele

plexidade. Em alguns momentos, as ações se desen-

dos opositores, mas sim de dirigir uma oficina de

to de fora, toda essa questão da inserção do vídeo

falavam. “Volta um pouco. Isso tem que mudar!” E

volvem simultaneamente em vários locais. Só a

filmagem cuja proposta era justamente torná-los

num jogo de disputas políticas internas pode pare-

eu anotando tudo. Dessa primeira reunião, veio a

presença de mais de uma câmera poderia viabilizar

autônomos neste aspecto. Estava disposto a marcar

cer marginal ao trabalho em si, mas de fato não é.

orientação de mudança de dezoito sequências do

uma cobertura mais completa e sistemática. Acon-

a diferença do projeto na questão da compensação

Porque não se trata de produzir um vídeo em si, mas

filme. Voltei de novo para a ilha de edição, mostrei

tece também que o Divino, pertencendo ao grupo

da comunidade pela filmagem: eu não levaria nada

de ver como toda uma comunidade pode participar

para o Tutu: “olha, vamos assistir. Os velhos fala-

lhos cobraram: “você tem que aguentar, não foi

cerimonial dos Tirowa, deveria desempenhar uma

dali pois o fruto do trabalho seria integralmente

e se beneficiar do processo como um todo.

ram dessa imagem aqui, é para tirar. Essa imagem

você que trouxe seus colegas? Agora tem que

série de funções no cerimonial deste ano, das quais

deles (para espanto de todos eu não estava filman-

a gente tem que arrumar a tradução”. Voltei para a

aguentar, tem que finalizar!”. Então arrumei uma

os velhos da aldeia dificilmente o dispensariam

do), além de estar contribuindo com a capacitação

ALDO TSEREWA’RÃ, EM WAPTÉ, INICIAÇÃO DO JOVEM XA-

aldeia de novo com a segunda versão e fizemos

caixa de som e exibi o filme para eles. Quando ter-

apesar dele também estar filmando. E mais do que

de seus jovens e produzindo um material inteira-

VANTE

Eu entendo a importância da imagem. Por

tudo de novo. Mas aí eles falaram: “olha, o começo

minou ninguém falou nada, depois de um tempo o

isso, a condição de membro dos Tirowa também o

mente apropriado por eles. Mas nossa postura de

isso, aprendam a filmar, para que os Xavante pos-

vocês tem que mudar, vocês tem que colocar o pro-

líder levantou e disse: “Tá todo mundo de acordo

impossibilitaria de presenciar uma série de outros

firmeza e transparência durante o processo deu

sam filmar as suas festas.

cesso dos meninos, como era antes”. Anotei de

assim?”, e todo mundo concordou. “Está aprova-

Ao alto, dança do Pahöri’wa, ou dança do sol, momento solene da festa do Wapté. Foto Divino Tserewahú, 2011

eventos exclusivos de outros clãs cerimoniais. Ao

muita credibilidade ao trabalho e aos poucos as de-

novo. Foi um processo, uma experiência! Mudamos

do, pode fazer assim. O Wapté está bem construí-

chegar na aldeia, no entanto, percebi que, fora es-

savenças foram sendo desfeitas, acertando ques-

DIVINO Depois

que a gente realizou o trabalho so-

o começo do jeito que eles explicaram, colocamos

do, as imagens, as traduções estão certinhas. Dei-

tes motivos objetivos, o Divino vinha enfrentando

tões de princípios e benefícios entre os opositores.

bre a iniciação, todos ficaram felizes com o resul-

a luta, mudamos o final. E, mais uma vez, levei o

xa assim agora, não mexe mais. Agora você tem

À direita, Divino Tserewahú filma o cerimonial à caráter. Foto Vincent Carelli, 1995

toda uma série de dificuldades ligadas a política

Resolvidos os impasses políticos, o trabalho pros-

tado. As pessoas falaram: “este filme vai se espa-

filme para os velhos. Dessa vez, enquanto eu exi-

que finalizar”. Depois que o velho falou todo mun-

interna da aldeia, que o havia levado a pedir o auxí-

seguiu de maneira tranquila, assumindo uma dinâ-

lhar para todo o mundo, isso é o que a gente tem

bia, liguei para o Tutu e deixamos a conversa rolar

do aplaudiu.

lio de seus colegas de fora. Como em todos os ceri-

mica que foi progressivamente conquistando mais

que mostrar para as outras etnias, como é a cultura

para ele ouvir. E já fomos fazendo as mudanças.

moniais Xavante, sempre há um certo número de

pontos na confiança e na participação da comuni-

Xavante”. Mas demoramos meses para editar o ví-

Levamos três, quatro meses nessa edição do mate-

VINCENT

cinegrafistas e fotógrafos, amadores ou profissio-

dade. O procedimento consistia em dirigir os alunos

deo. Fomos para São Paulo, eu, o Caimi, o Jorge, o

rial do Wapté. Na terceira viagem, fiquei lá, traba-

forma idealizada. Exigiam rigor nas pinturas e nos

nais, vindos de fora ou ligados à missão. Cada um

durante os registros do cerimonial, e, durante 2 a 3

Bartolomeu, que também participou da oficina e o

lhei e disse: “olha agora estou cansado de viajar,

adornos e se incomodavam com a bicicleta, a an-

vem por uma via, através do convite de algum índio

horas diárias visionar com eles os resultados. Ali se

Tutu Nunes, que era o editor. Passamos cerca de

eu tenho família para cuidar também.” Mas os ve-

tena parabólica ou a camionete que, vez por ou-

XAVANTE

VINCENT

69

Os velhos imaginavam este registro de

6:


tra, aparecia no fundo da cena. Um depoimento

convívio tão saboroso com a equipe e os mais pró-

espírito da natureza, uma pajelança muito forte,

mesmo tempo você filma”. Foi preciso que eu ficasse

emocionado de um velho, colhido no calor dos

ximos, o conselho de anciãos e inúmeros persona-

uma cerimônia importante. A festa aconteceu em

muito atento nessa filmagem, para não perder as

acontecimentos, quase foi vetado, porque ele ves-

gens da aldeia, acabou de sedimentar uma relação

2000. Mas dessa vez, decidi filmar sozinho. Eu esta-

coisas importantes. De tempo em tempo, eu procu-

tia uma camisa. Argumentamos que um depoi-

muito próxima e participativa na etapa da edição

va mais confiante, porque a realização do Wapté

rava os velhos e perguntava: “o que é que vai acon-

mento refeito a frio não teria a mesma força e que

do vídeo. Assim, o primeiro documentário foi um

mudou muito o relacionamento da comunidade co-

tecer amanhã?”. Eles me explicavam. “Eu posso não

a camisa era um mero detalhe. Conseguimos man-

aprendizado, não só para os cineastas, mas para

migo. Todos ficaram felizes com o resultado do pri-

participar então, posso filmar? Pode, você não pode

tê-lo na edição final. Os velhos queriam uma des-

toda a comunidade. No segundo filme, eles já en-

meiro filme, todo mundo ganhou. Wai’á rini foi um

deixar de filmar isso ou aquilo”. Foi assim até o final

crição geral do cerimonial, sem focar nenhum in-

tendiam onde chegaríamos.

processo bem mais tranquilo, não teve nenhuma

da cerimônia, que durou um mês.

divíduo em particular. Do nosso ponto de vista,

dificuldade, não teve nenhuma política interna. Eu

destacar alguns personagens ajudava a humanizar

ALEXANDRE TSEREPTSÉ EM WAI’A RINI, O PODER DO SONHO

tive um apoio total, eles sabiam que iria acontecer

ALEXANDRE TSEREPTSÉ EM WAI’A RINI, O PODER DO SONHO

o relato e criar empatia do público com o filme.

Os meninos da cabaça pulam muito para sofrerem

como aconteceu no Wapté. Ao mesmo tempo, o

O sonho é muito importante para a vida do Xavante.

Cada elipse que ensaiávamos na ilha de edição

bem. Isso se chama Wai’á rini, o sofrimento do ho-

Wai’á rini foi um filme que me deu muito trabalho

Através do sofrimento e do desmaio durante a cele-

teve que ser negociada. Divino trazia consigo a

mem Xavante para conhecer as forças sobrenaturais.

técnico. Eu usava uma super VHS. Filmei durante

bração ele pode ver o que vai acontecer no futuro.

censura dos velhos, que o repreenderiam por ter

Os meninos da madeira também ficam de pé o tempo

uma semana e ela pifou. Por sorte, o Tokoda, um

Quando ele conta o que sonhou acontece mesmo.

omitido detalhes considerados da maior impor-

todo cantando e segurando a madeira no braço.

amigo japonês, jornalista de uma TV no Japão, veio

Ele também pode encontrar os mortos através do

a meu convite para o ritual e usamos a câmera dele.

sonho. Por isso é importante sofrer e desmaiar mui-

tância para eles. Mas a participação da comunidade foi intensa. Para mim, Wapté foi, antes de mais

DIVINO EM WAI’A RINI, O PODER DO SONHO

Eu sou o Di-

Eu dizia a ele: “olha se acontecer alguma coisa você

to durante a celebração do Wai’a Rini. Quem sofre

nada, uma prova de paciência, num primeiro mo-

vino Tserewahú. Na minha iniciação fui um menino

vai lá e filma tudo, não desliga a câmera, porque

mais, sonha mais e tem mais poder.

mento, que se transformou num autêntico prazer

da cabaça. Nessa nova cerimônia do Wai’a, eu sou

você não entende Xavante. Quando um velho, ou

tentando entender e administrar a dinâmica do

guarda. Estou batendo o chão para os meninos.

uma pessoa falar, não corta, às vezes pode ser algu-

DIVINO

processo, além do entusiasmo proporcionado por

Além de guarda, eu sou cinegrafista. Filmo e parti-

ma coisa importante, filma”. E ele cumpriu isso. De-

Waldir Afonso, que foi também o editor de A festa

cada sacada de câmera. Creio que a grande con-

cipo da festa ao mesmo tempo.

pois que minha câmera estragou, assumi a câmera

da Moça (1987), primeiro filme do Vídeo nas Al-

me perguntava: “será que ele está chateado com o

Olinda e me pediu para filmar o que estava faltan-

dele. Mas não havia como filmar tudo, porque era

deias. No começo eu não me relacionava bem com

trabalho?” Até que um dia fomos juntos ao aniver-

do, as conversas com os velhos. Eu anotei tudo, o

quista da oficina foi tirar o vídeo do terreno das

A edição começou em São Paulo, com o

disputas políticas, objeto de monopolização e

DIVINO

Meu segundo projeto foi um filme sobre o

também obrigado a participar do ritual. Era o que os

ele. Achava ele estranho, bravo, porque é muito

sário de uma amigo dele e comecei a me soltar, a

Waldir anotou tudo, aproveitei muito os velhos

manipulação de alguns, e colocá-lo numa esfera

ritual Wai’á rini, que é o ritual de iniciação espiritu-

velhos me diziam: “você não pode apenas filmar,

quieto. Quando o Waldir começava a me perguntar:

brincar, a me abrir com ele. No outro dia já era ou-

falando do significado de tudo. Parti então para

mais consensual que é o mundo do cerimonial. O

al masculino, quando encontramos uma espécie de

tem que participar do ritual, sofrer um pouco. Ao

“como que é isso?”, ele falava meio duro assim, eu

tro Waldir. Aí ele começou a gostar do filme. E eu

Olinda e finalizamos o vídeo. Quando termina-

me acostumei muito com ele. No começo, ele me

mos, levei para a aldeia de novo e eles aprovaram

perguntava bastante e eu explicava tudo para ele.

na hora. Depois da experiência desse filme, come-

Assistimos a todo o material juntos e só então fize-

cei a pensar em vários projetos. Wai’á rini, inclu-

mos o primeiro corte. Na época, o Vídeo nas Al-

sive, gerou, o Daritzé, Aprendiz de curador, um

deias estava transferindo sua sede para Olinda.

filme sobre o mesmo ritual, na Aldeia Nova, da

Vincent me pediu para que eu levasse uma cópia da

reserva São Marcos. Fui filmar uma reunião de ve-

primeira versão para a aldeia e que no ano seguin-

lhos conselheiros indígenas e levei alguns filmes,

te a gente continuaria o trabalho. Em janeiro de

inclusive o Wai’á rini. Após a projeção o cacique

2001, Vincent me ligou para que eu fosse para

chegou perto de mim e disse: “sobrinho, queria

À esquerda, fotogramas dos filmes Daritidzé e Wai’a Rini, o ritual da espiritualidade Xavante (2000). Acima, à direita, César Tserenhi’Omo, assistente do Divino na aldeia Sangradouro. Foto Divino Tserewahú, 2011

71

72


que você registrasse a nossa festa”. Eles queriam

DIVINO EM MULHERES XAVANTE SEM NOME

A festa das

mais querendo que a festa aconteça. A ideia de re-

orelha, a iniciação espiritual e a nominação das

ceu. A gente precisava fechar o DVD Xavante da

a realização a festa, segundo os velhos, era o dinhei-

um filme como fiz em Sangradouro. Todos concor-

mulheres acontecia tradicionalmente de 7 em 7

fazer a festa para filmarmos não foi muito além da

mulheres. São os grandes rituais Xavante, e ele rei-

Coleção Cineastas Indígenas, o financiamento es-

ro na mesa. De acordo com o Divino, eles aceitaram

daram e fiz o vídeo. Eu mesmo editei com o Leo

anos e durava praticamente quatro meses. Há mui-

reunião. O prazo para apresentar o filme chegava ao

vindicava que Sangradouro era o único lugar onde

tava vencendo. Então falei para o Divino: “olha,

fazer o ritual. Ligamos para o Vincent que, um tanto

Sette, em Olinda. Terminamos o trabalho em

to tempo que a festa está extinta nas quase 165

fim e finalmente assumimos que se tratava de um

ainda se realizava a festa. Entramos com o projeto

estamos com o prazo vencendo, agora o filme tem

desconfiado, concordou. Começaram os preparati-

2003. Depois disso, busquei me concentrar na

aldeias Xavante, menos na nossa, Sangradouro. O

filme sobre uma festa que não acontece mais.

em um edital e ganhamos. Na verdade, entramos

que acontecer, ou ficaremos numa situação com-

vos com um pouco do dinheiro que tínhamos levado.

realização de um filme sobre a nominação femi-

problema é que a última vez que conseguimos reali-

em vários editais e, por diversos acontecimentos

plicada”. Passei a pauta para o Tiago Tôrres e a

Mas quando os anciãos compreenderam que a verba

nina Xavante, a Festa da Onça. Já havia filmado

zá-la até o fim foi em 1995, e desde que resolvi fazer

VINCENT

Entre a realização de Wapté e Wai’á rini e

que impediram, ano após ano, a realização da fes-

Amandine Goisbault. Eles precisavam ajudar o Di-

disponível não seria o suficiente, pois grande parte

em 1995, a última vez em que a festa aconteceu,

um filme sobre a festa, ela sempre foi interrompida

seu filme mais recente, Pi’õ nhitsi, Mulheres Xavan-

ta, precisamos reverter essas verbas para outros

vino a descobrir como fazer este trabalho.

dos recursos já havia sido gasto no desenvolvimento

mas sem a pretensão de um filme, apenas um re-

nas fases preliminares. Cada vez que começamos a

te sem nome (2009), Divino ganhou reconheci-

projetos do Vídeo nas Aldeias. Até que um dia ele

gistro. Este foi um projeto que não aconteceu

festa algo importante a interrompe no começo. Em

mento em Sangradouro e comunidades vizinhas,

chegou e disse: “agora vai...”. Enviamos um proje-

TIAGO TÔRRES O processo de realização deste filme foi

vidades. Foi quando o Divino realmente percebeu

como eu esperava.

2002, uma tora caiu no começo da festa. Um jovem

tornou-se o cinegrafista das aldeias, professor em

to para o PDPI (Programa Demonstrativo dos Povos

muito difícil. Eu e Amandine fomos para aldeia com

que o projeto tinha furado. Eu brincava: “Divino,

acabou morrendo. Em 2003, o responsável pela fes-

oficinas de audiovisual em universidades e festi-

Indígenas) e começamos a gastar. Já era o terceiro

a missão de trabalhar num filme que ainda não tinha

nós somos um projeto que furou!”. Mas foi um mo-

CASSIMIRO WETÉ, EM MULHERES XAVANTE SEM NOME Essa

ta naquele ano, o Ramiro, faleceu de doença. Em

vais de cinema, correu mostras no mundo inteiro,

edital que entrávamos para a realização do filme.

sido abraçado completamente pelo Divino. Ele pare-

mento de muito sofrimento pra ele.

cerimônia que vamos fazer, os velhos contavam

2007, eu me acidentei gravemente num acidente de

produziu filmes para outros grupos e comunidades.

Eu sabia que não tinha mais retorno. Então, em

cia não aceitar de modo algum a nossa proposta.

assim: há muito tempo, as mulheres foram pegar

carro. E em 2008, o então cacique Patrício e mais

Mas a história deste último filme atravessou toda a

2008, entramos de sola neste assunto. Nesse meio

Fechava os ouvidos. No início, tivemos muitas desa-

DIVINO

mel de abelha preta. No caminho, foram beber

quatro pessoas faleceram também num acidente de

sua trajetória como cineasta. O sonho do Divino

tempo aconteceu uma oficina de roteiro com os

venças no nosso entendimento do processo, desde a

muito. Até doença me pegou nesse momento. Um

água porque estavam com sede. Elas deixavam

carro. Mas agora vejo que muita gente não está

era fechar essa trilogia: a iniciação da furação de

realizadores indígenas na aldeia Ikpeng, no Xingu,

apresentação e negociação do filme com os velhos,

dia as coisas aconteciam de um jeito e no outro os

seus cestos perto da lagoa, se aproximaram e vi-

com o Leandro Saraiva, e quando o Divino contou

no primeiro dia, passando pelas censuras do que po-

velhos já mudavam. Eu chorava muito. Quando o

ram cabacinhas vermelhas boiando. Mergulharam

sobre a saga de seis anos de tentativas de realiza-

deria ser ou não dito ou mostrado, o processo de

Tiago chegou na aldeia, acho que aconteceu algum

para pegar. Os U’u, que viviam na água, pegaram

ção da festa, que ia filmar mas não filma, começa e

controle coletivo da imagem, até dificuldades nas

tipo de feitiço na comunidade, porque a gente bri-

as mulheres. Só a gestante fugiu, porque tinha fica-

não começa, ficou claro pra gente que era muito

traduções do material que íamos produzindo, que

gava, não se entendia a respeito de como levar o

do na margem. Elas ficaram dias na água, saíram

mais interessante a investigação do porquê da não

precisavam ser checadas e refeitas diversas vezes,

filme. O Tiago e a Amandine diziam para filmar uma

com a cara preta e morreram. Apareceu um homem

realização da festa do que a própria festa. Nessa

pois os tradutores ora tinham dificuldades com a

coisa, e eu dizia que já tinha imagem. O Vincent me

que tinha poder espiritual. Ele foi para a lagoa e

hora Divino reagiu super mal, e não mostrou inte-

língua, ora traduziam da maneira que lhes era mais

pedia entrevistas. Eu estava muito chateado, en-

começou a bater o pé. Ele secou a água da lagoa e

resse nessa proposta. Se manteve irredutível e dis-

conveniente, de acordo com as políticas internas da

tão, às vezes eu precisava sair, me ausentava al-

os U’u saíram. Eles foram para outra lagoa. Todo

se que naquele ano de 2008 com certeza a festa

aldeia – mesmo o Divino, que resistia muito em es-

guns dias dos trabalhos, mas depois voltava. Aos

mundo viu e fazemos assim até hoje.

aconteceria. E pronto, mais uma vez não aconte-

clarecer o que estava acontecendo. A condição para

poucos isso foi passando.

do projeto, decidiram suspender novamente as ati-

A gente, eu e Tiago e Vincent discutíamos

Tiago filma o trabalho de tradução e edição do Divino com os velhos. Foto Amandine Goisbault, 2008 Fotogramas do filme Mulheres Xavante sem nome, 2009

73

74


VINCENT

Mas o ponto central, que está implícito

neste processo e que se reflete diretamente no fil-

Divino, finalmente, embarcou na pesquisa do tema e

Este foi, para mim, o mais bonito dessa história. A

tras meninas que iriam participar da festa. Elas

VINCENT

mergulhou na problemática do filme.

descoberta do Divino de que seu pai não era seu pai

receberam um nome? Não. E em 2007, receberam?

sem nome, realizamos também a produção de San-

biológico, foi doloroso, mas um processo muito

Não. Essas mulheres que tiveram vontade de par-

gradouro, filme que apresentaria o histórico do

bonito pra ele também.

ticipar e ganhar um nome hoje em dia já tem fi-

contato dos Xavante com as missões salesianas,

lhos, já se casaram, já são mães, e não receberam

nos anos de 1950. O nosso desafio era conseguir

DIVINO O processo da montagem foi mais tranqui-

um nome. O título desse filme é uma homenagem

mostrar as transformações e contradições geradas

lo. A gente foi construindo a ideia devagarzinho,

a elas”. Todos começaram a rir e a falar e depois de

na comunidade a partir do contato. Uma coisa é o

me, é a mudança dos padrões morais dos Xavante em função do processo de catequização no contato

ALEXANDRE TSEREPTSÉ, EM MULHERES XAVANTE SEM NOME

com os salesianos e a censura decorrente da proxi-

Pi’õ nhitsi junto com U’u significa que as mulheres

midade dos fazendeiros e das comunidades não-in-

recebem um nome.

dígenas. A questão era que a comunidade não queria fazer a festa, pois envolvia o que eles denominavam

TIAGO A montagem de Mulheres Xavante sem nome

fizemos um roteiro. Foram dois meses e meio de

quase 6 horas de discussão, concordaram. Um an-

segredo ritual, outra é o segredo do mundo cotidia-

a “coisa”. Apesar de toda a resistência, o Divino de-

foi uma das mais longas que já vivenciei no Vídeo

trabalho. O título quem sugeriu foi o Vincent. Tia-

cião se levantou e disse: “está certo, vamos deixar

no, da realidade contemporânea. Por que existe um

cidiu conversar com as mulheres mais velhas que

nas Aldeias. A cronologia dos eventos era confusa,

guinho e eu conversamos sobre o nome escolhido.

assim. Mas vamos realizar essa festa para que elas

conflito entre aquilo que se vive e o que se deseja

revelaram, afinal, qual era o nó da questão, o porquê

trabalhamos muito com arquivo e o making of, que

Eu tinha uma defesa muito boa para as críticas que

ganhem um nome, e o filme vai poder se chamar

mostrar nos filmes. Embora isso ocorra também em

da festa não acontecer mais. Ao contrário dos ho-

incorporamos também ao filme. Um processo bem

receberia na aldeia. Distribuí o DVD sem falar

Mulheres Xavante com nome.

outras comunidades, nos Xavante isso é latente. A

mens, as velhas falaram abertamente sobre o proble-

complexo. Mas o foco narrativo era este, a busca do

nada. E depois de assistirem ao filme, os velhos

ma. A festa envolve a troca de mulheres. A “coisa”

Divino pelo seu filme. Quando fomos editar ainda

ficaram muito bravos. Então perguntei: “Vocês

DIVINO, EM SANGRADOURO

Em 1957, depois de sécu-

“cultura”, capaz de trazer de volta o mundo ideali-

era o sexo com os cunhados. E elas explicam que as

faltava uma costura que desse mais clareza ao fil-

querem saber porque que a gente colocou Mulhe-

los de resistência e de fuga, um grupo Xavante se

zado da tradição. Desde o início, o interesse dos

mulheres mais jovens tinham medo, mas que não

me. Foi quando Vincent sugeriu a sequência onde

res Xavante sem nome? Alguém já pensou nisso?

refugiou na missão salesiana de Sangradouro,

Xavante voltou-se para a documentação de suas

havia nada de extraordinário, que não precisavam se

estamos eu e Divino na ilha de edição, conversan-

Em 2002 começamos a festa. Vejam aquelas mu-

Mato Grosso. Hoje rodeados de soja. Com a terra e

festas de iniciação, rituais estruturantes de sua so-

relacionar com todos os cunhados, apenas com o

do sobre a festa, explicando o processo. E é neste

lheres sentadas ali, elas receberam um nome?

os recursos depauperados, eles mostram neste fil-

ciedade. Com Mulheres Xavante sem nome e Sangra-

que era preferido. Com seus depoimentos, elas des-

momento também que o Divino dá seu depoimento

Não. E aquela outra recebeu? Não. E aquela outra

me suas preocupações atuais em meio a todas as

douro rompemos com essa estrutura.

mitificaram a “coisa”. As cartas estavam na mesa e o

revelador, de que ele próprio era filho do ritual.

recebeu? Não. Então pronto. Em 2003 tiveram ou-

mudanças que vêm vivenciando.

câmera é vista como um instrumento de registro da

TIAGO

Ao alto, Divino trabalha na sua ilha de edição no Museu dos Salesianos na aldeia de Sangradouro. Foto Tiago Tôrres, 2008

Durante as filmagens de Mulheres Xavante

Segundo o Bartolomeu, Xavante que acompa-

nhou todo o processo da filmagem, entre os Xavante tem-se a “mentira de todo mundo” e o que eu, brincando, chamava de “segredo maçom”, porque nada do que vai contra o que consideram como tradicio-

Acima, Divino consulta a velha Pierena sobre a festa de nominação das mulheres. Foto Amandine Goisbault, 2008

nal pode ser mostrado. O Divino compartilha dessa esquizofrenia entre os mundos, conhece todos os códigos. Ele tem uma postura perante a gente, outra

Ao lado, Divino interroga os velhos mostrando as imagens da festa. Foto Amandine Goisbault, 2008

perante os padres, outra diante da comunidade,

Ao lado, à direita, os velhos voltam ao local de chegada em Sangradouro, para recontar os primeiros contatos com os padres Salesianos. Foto Amandine Goisbault, 2008

e a forma como vai se expressar nos seus filmes. Em

75

precisa se movimentar nesse jogo de relações, do que se espera dele, tem que pesar muito o que pensa Sangradouro, ao contrário do que imaginávamos, foi possível transitar por várias questões, a religião, a escola, os conflitos entre as gerações.

76


Quando o padre veio, meu pai o reconheceu: Ӄ ele,

as partes. O Xavante é um povo muito estratégi-

saúde. Foi o fruto do sonho dele. Se não tivéssemos

onde havia sido o contato, e também a entrada das

foi com ele mesmo que eu sonhei!”.

co. Quando vieram para as missões, estavam

chegado aqui na missão teríamos morrido ou nos

coreografias dos índios americanos, uma febre en-

morrendo como grupo. E eles não queriam mor-

matado a nós mesmos. Aqui aprendemos a falar o

tre os mais jovens, a mudança dos padrões alimen-

Foi tudo muito tenso durante as fil-

rer, queriam viver. Eles tinham que ser submis-

português, mas não perdemos nossa tradição. Ne-

tares. Eles queriam e ao mesmo tempo não queriam

magens de Sangradouro. Vivíamos tudo ao mesmo

sos, porque precisavam. Nossa preocupação foi

nhum ritual foi perdido. Tudo isso sempre viverá.

que fosse filmado. Mas foi um filme cheio de sur-

tempo, as filmagens de Mulheres Xavante sem nome

catequizar e evangelizar os Xavante. E ao mesmo

Minha casa é de alvenaria, mas eu falo a minha lín-

presas, de embates, que apresentava as contradi-

e o histórico. Quando eu revejo a cena da entrevis-

tempo, alfabetizar. Importante era o Xavante

gua.(...) Hoje a soja está nos cercando e os fazen-

ções. Tive receio de que a montagem proposta pela

ta com o padre Luís, o Divino com o rosto fechado,

aprender a ler, a escrever e a trabalhar. Por que

deiros acham que vão acabar com a nossa tradição.

Amandine e as escolhas que fizemos não fossem

uma tremedeira interna. Eu com a câmera ainda

no começo eles passavam fome.

Mas estamos aqui dançando, nossa tradição nunca

aceitas na comunidade, porque o filme não corres-

vai acabar. Quando chegamos éramos poucos e hoje

ponde à imagem que se espera dos Xavante. Me

temos muitas crianças. Isso nos emociona muito.

parecia problemático, no filme, o fato de termos

TIAGO TÔRRES

sem entender o que estava acontecendo, tomado por essa mesma sensação. A gente ensaiou muito

DININO EM SANGRADOURO

essa entrevista. Eu, Amandine e Divino íamos para

deram o serviço braçal. Trabalhamos a vida toda,

Fugindo do litoral até o

um lugar afastado e ensaiávamos as perguntas,

antes e depois de casar. Papai Pedro achou o lugar

VINCENT

Divino se empenhou nessa história. O de-

jovens, um duelo muito equilibrado, todo mundo

Brasil Central, o meu povo Ay’we, que vocês cha-

porque o Divino estava bastante apreensivo. O pa-

com progresso para todos: a missão, os estudos, a

poimento dos velhos, a história do pé de jatobá

foi contemplado. A impressão que tenho é que os

mam de Xavante, resistiu durante séculos ao con-

dre Luís também com uma postura resistente em

tato com os brancos. Mas em 1943, Getúlio Vargas

relação à gente, buscando justificar a catequiza-

lançou a Marcha para o Oeste, para ocupar defini-

ção e, ao mesmo tempo, reivindicando um espaço

tivamente o Brasil Central. As expedições puniti-

para o ponto de vista dos salesianos.

DININO EM SANGRADOURO

Depois do internato, nos

conseguido balancear a posição dos velhos, dos

vas, os fazendeiros, as frentes de contato do Serviço de Proteção aos Índios e dos missionários

DIVINO Trabalhamos muito com as imagens histó-

salesianos, nos forçaram ao contato.

ricas produzidas pelos padres. Fizemos uma reunião com o Tiago e a Amandine e decidimos tocar

Primeiros contatos da frente do SPI com os Xavante de Pimental Barbosa, em 1951. Foto Lamônica / Museu do índio / Funai Missão Salesiana de São Marcos no Mato Grosso. Foto Missões Salesianas (1958)

77

DININO EM SANGRADOURO Viemos de longe. Em 1953,

o filme com o material que já existia. Chamamos

meu tio Toroibu falou em mudar de lugar. Os Xavan-

o padre, sentamos com ele, conversamos. Ele fala

te de Pimentel não nos aceitaram, porque já tinham

a nossa língua, nos emprestou todo o material

feito contato. Formamos então a aldeia Parabubu-

que tinha, fizemos cópia. Para mim, este traba-

re. Outros chegaram lá para morar, mas trouxeram

lho foi uma experiência muito avançada. Um

doenças. Começamos a sentir muita coceira, e a fi-

amadurecimento, porque envolveu roteiro, pes-

car fedidos, doentes. Então começamos a nos espa-

quisa, não era apenas chegar e filmar.

lhar. Morreram muitos Xavante no caminho. Quando acampamos na aldeia Ete’rãirebere, o padre Salva-

PADRE LUÍS EM SANGRADOURO Os salesianos optaram

dor Papa sobrevoou, procurando os Xavante disper-

por ficar com os Xavante. Mas acontecia que os

sos. Meu tio Papai Pedro começou a sonhar com um

missionários salesianos não conheciam nem a

lugar e nós viemos seguindo o sonho dele. Chegando

língua nem a cultura Xavante. Então houve mui-

aqui Papai Pedro sentou-se debaixo do pé de jatobá.

tos desentendimentos e atos violentos de ambas

Divino entrevista o Padre Luís, superior da Missão Salesiana de Sangradouro, em 2008. Na missão, os velhos relembram o que aprenderam com os padres, no filme Sangradouro (2009). Fotos Amandine Goisbault, 2008

78


tecnológicas que chegaram nas aldeias, os velhos

antigamente a gente ficava muito no dia a dia mes-

já sacaram a importância, eles sabem que os jovens

mo e as coisas aconteciam ao redor. E nesses dez

são atraídos pela nova ferramenta estranha. Eles

anos que o Divino esteve fazendo o trabalho na re-

querem deixar a mensagem não só para preservar a

gião dele, e eu na minha área, a gente vem tentan-

tradição mas, também, para que possam estudar as

do divulgar quem somos e também onde nós esta-

mudanças que vem acontecendo tanto na parte fí-

mos. Os municípios de entorno estão nos lugares

sica quanto cultural das aldeias. Eles sabem que a

onde os nosso avós passaram, por isso é preciso

cultura é dinâmica, e sempre falam que a nova ge-

relembrar a memória da região, do cerrado que hoje

ração vai ter que lidar não só com as coisas que

não existe mais. Os velhos têm essa memória. E a

chegam mas também com aquilo que nos limita,

destruição do cerrado para eles é muito chocante.

porque estamos cercados por fazendas agora. No

Então a gente vem trabalhando também, para além

Mato Grosso, são 9 terras Xavante, e quase 15 mil

do ritual, a questão das transformações que esta-

xavantes espalhados por essas 9 terras, cada comu-

mos vivendo. Revendo as imagens de arquivo, as

nidade com um contato diferenciado. Umas tive-

imagens históricas do contato e colocando essas

ram contato com os Salesianos, outras com protes-

imagens em contato com as imagens que produzi-

tantes, outras foram pelo governo. Assim, cada

mos agora, podemos perceber as transformações

área tem o seu jeito de fazer o seu trabalho, e o

muito claramente. Meu trabalho nas escolas tem

audiovisual chamou muito nossa atenção. Já na

sido muito este, desde que me tornei professor in-

época do Mário Juruna, com seu gravador, ele dei-

dígena, nos anos de 1990. Criamos um Centro de

xou bem claro que a máquina chegou para servir de

Cultura, estruturamos com equipamento, software

aliada, pra não desviar os relatos. No início, a acei-

livre, estamos tentando estabelecer parcerias com

tação foi complicada, pois quando uma pessoa

as escolas, pois a maioria dos nossos alunos são

velhos sentiram que seu discurso foi reafirmado

dres. É exatamente disso que as pessoas gostaram.

velhos sempre me pedem para continuar a filmar,

morre, todos os seus pertences vão junto, não há

estudantes. A gente vem usando a ferramenta do

perante a discordância dos jovens, o que para nós

A partir destes dois filmes houve uma mudança na

pois os jovens não se interessam mais pela nossa

rastros. Foram muitos anos de questionamento.

vídeo como forma de protesto mesmo. E nossa in-

foi uma surpresa.

postura do Divino, uma predisposição para uma

cultura. Eles acreditam que com o vídeo, os mais

Mas depois que começamos a fazer o intercâmbio

tenção é produzir cada vez mais, não só para o não-

nova forma de filmar e para se tornar um realizador

novos vão poder se lembrar do que falaram, mesmo

entre as etnias e entre os próprios Xavante, a comu-

indígena como para os parentes. A inserção nas

num sentido mais amplo, sem aquela imagem do

quando não estiverem mais vivos. O vídeo vem aju-

nidade foi percebendo como é importante ver o

escolas dos municípios de entorno é muito impor-

cineasta guerreiro Xavante.

dar, um dia tudo isso vai estar diferente.

outro e ser visto. No Brasil, as pessoas falam num

tante. São nossas áreas de conflito. Quando apre-

índio genérico. Com o vídeo, as pessoas veem com

sentamos um trabalho, as crianças perguntam mui-

Os velhos sempre falam que o uso da tecno-

mais respeito, distinguem o Xavante, que é aquele

to se esses índios existem mesmo. Os livros

TIAGO

A gente ficou na expectativa, ligava todos

os dias para saber como tinha sido a recepção do filme na aldeia. Quando o Divino nos disse que os velhos ficaram alucinados com Sangradouro, nem

DIVINO

acreditamos. Segundo o Divino o filme repercutiu

memória longa dos Xavante, através das imagens,

logia veio para complementar como contar a histó-

que usa pauzinho, que a gente vê na televisão, já

didáticos nos mostram como a gente era antiga-

muito na comunidade, as pessoas perguntam como

recordamos. Hoje em dia, temos a memória muito

ria, porque os Xavante, eles são oradores, todo o

reconhecem. Antigamente no Xingu, o próprio Xa-

mente, ou seja, nesses livros nós não existimos

ele teve coragem de mostrar o que mostrou, ficam

curta. Em Sangradouro vivemos ainda nossas tra-

dia a dia é relatado no Wara, na reunião que acon-

vante pensava que era um pessoal só, mas lá tem 14

mais. O vídeo vem acabar com essa distorção. Nós

impressionadas como ele dialoga francamente

dições, mas agora gostaria de fazer um filme sobre

tece de madrugada, às quatro horas da manhã, e à

etnias diferentes. Então o próprio índio mesmo vai

existimos, estamos aqui, nossa terra existe e nós

tanto com os jovens, quanto com os velhos, os pa-

a nossa luta contra os fazendeiros, os conflitos. Os

partir das seis horas da tarde. E essas ferramentas

se conscientizando, valorizando o outro. Porque

nunca vamos ser brancos.

79

O vídeo permite que as coisas fiquem na

CAIMI

Q

À esquerda, depois da publicação do DVD Xavante da coleção Cineastas Indígenas, Divino viaja exibindo e distribuindo o DVD em várias aldeias Xavante. Foto Caimi Waiassé, 2009 Ao alto, Tutu Nunes e Caimi em oficina na aldeia da reserva Pimentel Barbosa. Foto Jorge Protodi, 2005 Acima, Caimi aproveita a mostra do Vídeo nas Aldeias na Biblioteca da Floresta em Rio Branco para conhecer mais sobre a saga dos seringueiros no Acre. Foto Vincent Carelli, 2009

7:


Btibojolb

Os Ashaninka são o povo indígena mais numeroso na Amazônia, com uma população total de aproximadamente 100 mil, dos quais apenas mil em território brasileiro e os demais no Peru. Sua área de ocupação estende-se por um vasto território, desde a região do Alto Juruá e na margem direita do rio Envira, no Brasil, até as vertentes da cordilheira andina peruana. À esquerda, Wewito Piãko filmando a festa comemorativa da demarcação em 2010. Na página à direita, a aldeia Apiwtxa

81

Os Ashaninka que vivem atualmente no Brasil foram deslocados sob pressão dos caucheiros peruanos no final do século XIX. São um povo guerreiro, com uma longa história de luta, repelindo os invasores desde a época do Império Incaico até a economia extrativista da borracha do século XIX e, mais recentemente, os movimentos guerrilheiros e os madeireiros.

no tempo das chuvas.

Todo o trabalho do Vídeo nas Aldeias entre os Ashaninka se dá na aldeia Apiwtxa, no rio Amônia, afuente do rio Juruá, no

Fotos Vincent Carelli 2008

estado do Acre, sob a liderança de Isaac e Wewito Piãko.

82


Foi no tempos das chuvas. Estáva-

ISAAC PIÃKO Este primeiro vídeo (No Tempo das Chu-

mos em 1999, na segunda oficina de vídeo com

vas) foi uma coisinha nossa ali, bem pequenini-

professores indígenas do Acre. Era ainda um mode-

nha, esse dia a dia do nosso povo na chuva, as

lo de oficinas regional, com alunos de diferentes

pessoas brincando, contando histórias. A gente

grupos trabalhando juntos. A oficina anterior, em

não tinha se organizado para filmar os trabalhos de

1998, reuniu em Rio Branco cinco professores indí-

manejo, as nossas festas. O vídeo foi feito por mim

genas formados pela Comissão Pró-Índio do Acre

e mais sete alunos que vieram participar da ofici-

(CPI-AC), e trabalhávamos num projeto de preven-

na. Três eram daqui da aldeia e cinco de fora, das

ção de Doenças Sexualmente Transmissíveis. Desse

aldeias Kaxinawá, Karamari, Kulina, Katukina e

trabalho resultou um primeiro vídeo coletivo: Pega,

Machineri. Maru, André, Nelson, Fernando, Jaime

não pega. Foi uma experiência inicial, para dar um

Llullu, Tsrotsi, Wewito e eu. Havíamos trabalhado

gostinho. Estávamos no princípio da formação dos

juntos no ano anterior, em Rio Branco, quando fo-

cineastas indígenas. Tateávamos abordagens. No

mos apresentados ao Vídeo nas Aldeias. Antes a

ano seguinte, eu e Mari decidimos fazer essa segun-

gente trabalhava apenas com a escrita, fazendo

da oficina, ainda multiétnica, mas agora na aldeia

nossos materiais didáticos, trabalhando na educa-

Ashaninka Apiwtxa. Era inverno. Chovia. A comuni-

ção bilíngue. Eu ainda não acreditava no vídeo,

dade estava envolvida na produção de côco de mur-

não como víamos as coisas apresentadas na TV.

muru e outras atividades mais cotidianas daquele

Neste encontro em Rio Branco a gente se alternava

momento.

entre a formação de professor e a de vídeo. Foi tudo

VINCENT CARELLI

muito rápido. No ano seguinte eu já havia esqueci-

discutir a nossa cultura, organizar nossa escola,

Silenciosamente. Assistia a tudo de longe. Até que

os acontecimentos tomando corpo, tomando for-

Nós vamos contar

do o manejo da câmera, como fazer o foco, bater o

pensar nosso sistema de vida. E, também, enten-

um dia nós nos mancamos e dissemos: pôxa, vamos

ma. O filme nascendo.

agora como é o trabalho aqui no inverno. Vamos

branco, essas coisas. Muitas imagens não foram

der o uso dessa tecnologia, e o que vem de fora,

chamar o cara. E toma parte no filme. Mas foi em

contar nossas histórias e nossos sonhos. No inver-

aproveitadas. Mas o que mais me chamou a aten-

que não é nosso, mas que nos serve. O vídeo traz a

Shomõtsi que Wewito realmente se revelou. Um fil-

WEWITO PIÃKO

no chove muito, fica tudo molhado, muita lama.

ção foi quando começamos a assistir às gravações

imagem das pessoas falando na sua própria língua,

me maravilhoso. Nessa oficina seguimos o mesmo

eu tinha cerca de dezoito anos e era professor na

O rio fica muito cheio para irmos ao roçado distan-

que fazíamos. Isso de olhar para a imagem e desco-

com a sua própria palavra. Estão todos ali discutin-

ritmo de quando fizemos No tempo das chuvas. A

aldeia. Na primeira oficina, em Rio Branco, eu

te. A gente tem que criar galinha porque às vezes

brir coisas e situações do seu povo, que estão ali

do e se entendendo. É muito rico.

gente percebeu que o que estava funcionando era

não participei diretamente, mas assistia ao ma-

cai chuva grossa e não pode caçar. A gente mata

no seu dia a dia e você não vê. A comunidade tam-

a história de acompanhar um personagem. Cada

terial dos alunos. Na oficina seguinte, realizada

uma galinha, come o ovo dela.

bém. A aldeia inteira vinha assistir à sua imagem,

VINCENT

Marcamos, então, uma segunda oficina,

aluno buscando um rosto, um espaço. Cada qual

na aldeia, vieram alunos de fora e o Isaac deu

às coisas que eles mesmos tinham falado. Ficavam

também na Apiwtxa. Repetimos o mesmo grupo. É

buscando seu rumo e sua forma de filmar e de orga-

continuidade ao trabalho. Eu acompanhava as

Não somos nós que

discutindo o que viam, o que tinham feito. Foi

neste momento que o Wewito desponta como cine-

nizar seu filme. Aquilo de pegar o ritmo, de envol-

discussões no final da tarde, quando os alunos e

vamos mandar na chuva. Quem manda na chuva é

quando entendi a importância desse trabalho. Ter-

asta. Ele já havia participado do primeiro encontro

ver seu personagem na filmagem, a conversa no

professores discutiam o material produzido no

Pawa. Ele manda a chuva molhar a terra, para dar

minamos o filme em São Paulo. Quando voltamos,

em Rio Branco, mas na oficina de animação, onde

fim do dia, o que vai fazer no dia seguinte. Nossa

dia. Eu ficava assistindo, observando, prestava

água para nós. Nós não sabemos fazê-la parar. Do

passei para o pessoal na aldeia. E discutíamos as

já tinha mostrado um senso de composição incrí-

tentativa nas oficinas é justamente essa: instigar

atenção aos comentários dos professores. E co-

jeito que Pawa manda, nós temos que aceitar. Por

cenas, a questão das festas, das músicas, os can-

vel, um grande desenhista. Durante a realização de

uma postura diante do mundo, a proximidade dos

mecei a pegar a câmera escondido. Quando os

isso temos que nos organizar. Nós na terra.

tos. Percebi, então, que o vídeo poderia servir para

No tempo das chuvas ele reivindicou seu espaço.

personagens, a observação que dura. E as ideias e

alunos saíam para filmar eu ia junto e pedia para

SHOMÕTSI EM NO TEMPO DAS CHUVAS

De cima para baixo, fotogramas do filme No tempo das Chuvas (2000): Antônio e Shomõtsi narram as atividades dos habitantes da aldeia na estação das chuvas. Isaac na primeira oficina de vídeo na aldeia Ashaninka (1999). Kowiri foi o personagem mais divertido dos filmes No tempo das Chuvas (2000) e Dançando com cachorro (2001).

83

Vincent Carelli com Wewito Piãko. Foto Ernesto de Carvalho, 2010

ANTÔNIO EM NO TEMPO DAS CHUVAS

Quando conheci o Vídeo nas Aldeias

84


pegar a câmera e ver se eu tinha entendido o que

acompanharia cada uma das duplas. Assim con-

trabalho como professor. Filmar, acompanhar um

havia sido explicado. Quando voltávamos, os alu-

seguimos fazer um trabalho mais completo.

personagem ou uma família, é como uma pesqui-

nos diziam: “quem fez essas imagens foi ele!”.

Quando fizemos a pré-edição na aldeia, houve

sa. Você vai se aproximando daquela pessoa cada

Então Vincent e Mari me convidaram para tomar

uma participação muito grande da comunidade e

vez mais, conhecendo sua vida cada vez mais, e

parte na oficina. Foi como tudo começou. A ideia

dos alunos de fora. Todos assistiam, e fomos en-

com isso conhecendo histórias que antes você

de filmar No Tempo das Chuvas surgiu durante o

tendendo juntos como se montava um filme, uma

não conhecia. Discutir como a gente vai se apre-

processo. Começamos a discutir quais atividades

história com várias horas de gravação num espa-

sentar no vídeo e o que vamos ou não apresentar,

estavam acontecendo na aldeia, no que estáva-

ço de 40 minutos ou 1 hora. Todos participavam e

através do vídeo, para a comunidade e para aque-

mos trabalhando na comunidade naquele mo-

voltávamos para fazer cenas que estavam faltan-

les que não nos conhecem, o que nos diferencia

Acima, fotograma do Wewito Piãko na sua terceira oficina, na aldeia Yawanawá, no rio Gregório, AC, em 2003.

mento. Mas foi tudo muito difícil, porque chovia

do. Fizemos quase tudo na aldeia. Depois fui para

de outros povos. Me lembro que tinha uma família

bastante, íamos para a floresta filmar cobertos

São Paulo terminar as traduções e finalizar o filme

que não queria ser filmada porque não sabia para

WEWITO

A partir dessa primeira experiência come-

disseram: “só falta filmar a volta dele para a al-

com plástico, armávamos um acampamento e fa-

com a Mari e o Tutu. O filme já estava bastante

onde levaríamos sua imagem. Convidamos para

cei a pensar em vários projetos. Queria fazer um

deia, você precisa voltar para Marechal Thauma-

Abaixo, à esquerda, Mari Corrêa visiona o material dos alunos cercada de crianças.

zíamos as imagens. Havia, ainda, a questão dos

avançado, mas mesmo assim fiquei preocupado,

que assistissem aos vídeos produzidos por outros

filme sobre o cotidiano na comunidade no tempo

turgo e ficar com ele”. Voltei e fiquei mais um dia

alunos de fora, que não falavam a língua. Para

pois a responsabilidade era grande. Mas deu tudo

povos, e isso fez com que as coisas ficassem mais

do verão, mas sequer comecei a filmar. Depois

com Shomõtsi, esperando a aposentadoria. Foi

À direita, plateia Ashaninka na sala de edição da aldeia.

eles era difícil saber onde cortar uma cena, o que

certo e o trabalho foi bem recebido pela comuni-

claras. Que o trabalho com o vídeo passava pelo

acompanhei um Machineri numa pesquisa no

um momento especialmente difícil. Uma coisa é

estava acontecendo, se era importante ou não

dade. Participar da realização deste filme foi im-

intercâmbio entre os povos indígenas e também

Peru, fiz o registro. Este material voltou com a

você filmar na aldeia, a outra, na cidade, onde há

para o filme. Então decidimos que um Ashaninka

portante na minha formação e ajudou no meu

com outras culturas, que uma pessoa, ou uma fa-

gente, mas não sei onde está. Eu estava muito

uma tensão em função da nossa história, a ques-

mília, poderia chegar a outros povos através da

envolvido nas minhas atividades como professor,

tão da demarcação de nossas terras, a expulsão

imagem. Foi aí que começaram a entender e a se

não podia me envolver em várias coisas ao mesmo

dos patrões. Eu tinha um pouco de medo de filmar

envolver no trabalho.

tempo, então fazíamos filmes apenas quando ha-

Shomõtsi no comércio, de acompanhar seu traje-

via uma oficina, ou registrávamos acontecimentos

to na cidade. Mas aos poucos fui vencendo isso. E

Depois de No tempo das Chuvas a comunida-

importantes na aldeia. Tínhamos uma camerazi-

filmei como achava que deveria filmar. Eu tinha

de já estava mais preparada, mais acostumada com

nha VHS, treinávamos com ela. Quando aconteceu

cerca de 20 horas de fita, mas filmei apenas 7 ho-

as pessoas andando com a câmera para cima e para

a segunda oficina na Apiwtxa, a ideia inicial era de

ras. Filmei pouco, mas era o necessário. Quando

baixo. Estávamos já na segunda oficina na aldeia e

um filme coletivo. Cada um dos alunos acompa-

fomos montar o filme eu percebi que tinha feito as

acompanhamos os mesmos narradores do primeiro

nhando um personagem. Escolhi filmar o Shomõt-

escolhas certas. Quando começo a trabalhar em um

filme: o Kowiri, o Bandeirão e o Mato, que é filho

si. No decorrer da oficina, quando começamos a

filme, quando tenho um tema para registrar, eu já

do Bandeirão. Cada um de nós, um personagem.

assistir ao material, a gente percebeu que o que

entro no processo pensando na minha postura,

Desses encontros, resultou o filme coletivo Dan-

eu produzia dava um filme independente. Mari e

como vai ser o começo, o meio e o fim do filme. Me

çando com Cachorro. Já o Wewito filmou o Shomõt-

Vincent me diziam que dava para fazer um filme, e

concentro naquilo que acho que realmente faz sen-

si. E foi mais longe no seu filme, porque o Shomõt-

isso significava que eu estava trabalhando bem.

tido e que vai ser usado. Os alunos na oficina me

si é uma pessoa muito tranquila. Um personagem

Procurava acompanhar tudo de maneira bem fir-

perguntavam: “como você faz o manejo das fitas e

bom de seguir. Nosso desejo e nosso desafio era

me, para ter o material completo. Mas eu vacilava.

das baterias? Você não gasta muito”. É a minha

acompanhar o cotidiano de um personagem como

Tinha momentos em que pensava em desistir. Mas

maneira de fazer. Cada um encontra a sua. Eu só

os pés caminham na mata.

Vincent e Mari me incentivaram a continuar. Me

saio para registrar aquilo que vou usar, o que não é

Fotos Tiago Tôrres, 2008

ISAAC

85

Bandeirão, personagem cheio de humor nos primeiros filmes. Fotograma do filme Dançando com Cachorro (2001)

86


importante eu não filmo. Não sei exatamente como

timos que faltava algo. Eu tinha trazido um filme

funciona, posso estar errado, mas é a maneira

Inuit, resultado de uma oficina do National Film

como faço.

Board, o Mon Village au Nunavut, sobre as questões contemporâneas dos Inuit. O filme tem uma narra-

Em Shomõtsi você assiste a uma situação

ção memorável, irônica, bem-humorada. Lembrei-

cotidiana e se revela toda uma realidade. O filme é

me deste filme e passamos para o Wewito, fazendo

de uma poesia incrível, de muita sensibilidade. E

uma tradução simultânea para que ele pudesse

Shomõtsi é turrão, divertido, engraçado, como são

perceber o tom e inspirar seu texto. Assistimos no-

os Ashaninka. Essa é uma característica que fomos

vamente ao Shomõtsi para sentirmos onde havia a

percebendo ao longo do trabalho com os Asha-

necessidade do comentário. Ele quis ligar para o

ninka e que se reflete nos filmes. A alegria, o hu-

Antônio, seu pai, para saber o significado de

mor, a brincadeira. Wewito conta que escolheu o

Shomõtsi, que quer dizer beija-flor. E Wewito criou

Shomõtsi porque era vizinho dele. Começou a fil-

o seu texto, que é lindo. Gravamos o off poucas

mar e, numa noite, chega pra gente e fala: olha,

horas antes dele embarcar, com os ruídos das má-

acho que não vai dar, preciso escolher outro perso-

quinas, dos VTs. Mas é incrível. Recentemente, em

nagem, Shomõtsi está de partida para o municí-

função do lançamento da coleção de DVDs Cineas-

pio, pra receber sua aposentadoria. Na verdade, ele

tas Indígenas, refizemos a gravação, agora com um

ainda não havia percebido a riqueza da situação.

ambiente mais adequado ao filme.

VINCENT

Naquela mesma noite preparamos o material, fita,

87

câmera, microfone, etc. para ele sair na manhã se-

WEWITO

guinte para a cidade. No final do dia lá está Wewito

filme. Eu vivia perto da casinha dele, conversáva-

novamente na aldeia: “ah, o dinheiro da aposenta-

mos muito. Ele era um professor para mim, me en-

doria não chegou e eu voltei”. Daí dissemos: “não!

sinava sobre nossa cultura. Foi com ele que apren-

Tem que ficar lá com ele até a grana sair”. O dinhei-

di a cantar. Na oficina, quando conversamos sobre

ro deles tinha acabado. Entregamos uma grana a

quem acompanharia qual personagem eu já sabia

ele, mais fitas e baterias. E temos, assim, o acon-

que iria filmá-lo. Mas antes fui conversar com ele,

tecimento do filme. A espera, o dinheiro que não

pedir permissão e explicar o que iria fazer. E ele me

chega, o acampamento, a cidade. Nosso desafio

respondeu: “tudo bem, pode me filmar, eu vou sair

era, e ainda é, criar essa atitude, essa abertura

na televisão e vou ser importante. Tenho uma his-

para o real, para o imprevisto. Wewito montou o

tória muito bonita”. Mas ele se preocupava, por-

filme com a Mari no escritório em Olinda. Na sua

que mora sozinho, não tem mulher. Mas eu disse a

primeira versão, não tinha ainda a narração em off.

ele que isso não era problema e começamos a tra-

Era um filme todo estruturado numa narrativa visu-

balhar. A edição do filme, como No tempo das chu-

al. Um dia antes da partida dele de volta para a

vas, foi feita em duas etapas. Primeiro, fizemos

aldeia fizemos uma pequena sessão em casa, e sen-

uma pré-montagem na aldeia, depois fui para Olin-

Acima, Shomõtsi, tio do Wewito, se tornou personagem de um clássico do Vídeo nas Aldeias. Fotograma do filme Shomõtsi (2001) À esquerda, Wewito Piãko, professor, cineasta e “prefeito” da aldeia Apiwtxa. Foto Vincent Carelli, 2010

Minha relação com Shomõtsi é anterior ao

88


filme, fazer o quê não é?”. Mas ele aprovou o traba-

discussões grandes. Em função dessas conversas,

mos na cidade, nos olham com desprezo: “Ah, esse

lho e disse que se eu quisesse podíamos fazer

decidi levar os filmes para o secretário de educa-

Ashaninka fede. Essa roupa velha”. Então, quando

Shomõtsi 2, que este filme ficaria para seus filhos

ção de Marechal Thaumaturgo. Eu já tinha uma

viram a imagem ali, vários professores pergunta-

depois que ele morresse. Para ele foi importante.

relação com o município. Passei quatro anos tra-

ram: “o que quer dizer isso?”. Assim tenho a opor-

De lá para cá o filme circulou muito. Foi premiado.

balhando na política do estado e nacional, com o

tunidade de explicar, porque sei que ele quer ouvir

Viajei pelo país e para fora do Brasil. Era uma res-

projeto de educação indígena no Acre. Articulava

e entender. O mesmo acontece entre o nosso povo

ponsabilidade muito grande, porque eu não estava

essa política também dentro do MEC e era profes-

e outros povos. As pessoas da aldeia gostam de

apenas representando o filme, mas o meu povo. A

sor na comunidade. Ele gostou e pediu novas có-

assistir aos vídeos de outros povos. O trabalho dos

cada exibição eu compreendia mais o que era o

pias para passar nas escolas. Expliquei a ele um

Ikpeng (Das crianças Ikpeng para o mundo) as pes-

trabalho com vídeo. Não é apenas o registro, é

pouco do conteúdo, o que queria dizer aquilo, o

soas não queriam assistir, por causa da nudez.

também saber apresentá-lo, saber dizer do seu tra-

que a gente fazia. Ele organizou grupos e mostrou

Algumas pessoas saíam, porque meu povo sempre

balho e da sua gente, do filme e da comunidade a

os filmes nas salas de aula. Foi importante traba-

usou roupa tradicional. Depois, a gente foi enten-

qual o filme pertence.

lhar ali perto da nossa aldeia, com pessoas que

dendo, porque vimos mais de quinze povos dife-

discriminavam e ainda discriminam a gente. As

rentes nos vídeos e cada um tinha uma maneira

O dinheiro é feito de um mate-

pessoas começaram a ver que a gente está se orga-

dentro da sua cultura. Os Ikpeng têm uma cultura

rial bem forte. Você pode molhar que ele não rasga.

nizando, se planejando. Quando encontro profes-

muito forte. Outros grupos já perderam muito da

Não é como o papel de escrever e a bolacha, que

sores não indígenas, ficam comentando os filmes,

sua cultura. Então, começamos a analisar também

quando molham desmancham logo. Como o açúcar

querendo saber. Por mais que estejam próximos da

isso: aqueles que já não têm mais nada, aqueles

também. O comerciante não dá nada de graça. Só se

aldeia, não conhecem os Ashaninka. Quando esta-

que têm um pouco. E nós? Dentro da aldeia a gen-

ARICEME EM SHOMÕTSI

você comprar. Até parece que vai levar o dinheiro com ele quando for para o céu. Já a gente não. Te-

Ariceme, pajé e filósofo da aldeia.

mos a nossa cusma para vestir. Se a gente tiver dois ou três calções já basta para passar a vida. Foi assim que Pawa nos deixou.

ISAAC

Shomõtsi narra sua vida para o filme histórico ainda em produção. Foto Tiago Tôrres, 2009

89

No Shomõtsi deu pra gente ver uma coisa

À esquerda, Marechal Thaumaturgo, sede do município no rio Amônia, AC. Fotos Vincent Carelli, 2009

importante dentro da comunidade que é a questão da. Mas diferentemente do primeiro filme, neste eu

da aposentadoria. Ele faz aquele movimento, vai

realmente assumi a edição. Eu havia realizado o

na cidade, volta, todo o envolvimento no municí-

filme e precisava organizar e decidir o que ficava

pio. E assistindo ao filme na comunidade surgiu

ou não na versão final. Depois voltei para a aldeia.

essa discussão: porquê aposentar, será que é bom

Fizemos uma sessão e Shomõtsi estava presente.

aposentar os velhos, como funciona... As pessoas

Ele ficava impressionado e dizia: “caramba, fiz isso

começaram a discutir e uma outra preocupação

mesmo, foi?” e ria. Comentava: “rapaz, não era pra

surgiu, a das relações com o município (de Mare-

ter deixado essa fala não. Mas tudo bem, já está no

chal Thaumaturgo), o comércio, o dinheiro. Foram

8:


de nosso próximo filme junto aos Ashaninka. A

Lembro ele bem velhinho sentado e fazendo rede.

história dos pais e avós de todos eles. Pensamos,

Começava cedinho a trabalhar. E de tarde abria a

inclusive, em ir para o Peru, para buscar material

esteira para se sentar, ajeitava seu cantinho, pegava

para o filme. A origem da história dos Ashaninka

uma garrafa de cipó e deixava lá ao lado dele. E quan-

está lá. Mas enfrentamos alguns problemas de fi-

do anoitecia, nos convidava para beber com ele.

nanciamento, e a ideia foi temporariamente abortada. Além disso, a fronteira é a área dos altos

ANTÔNIO PIÃKO

rios, de acesso complicado e uma zona deflagra-

Piãko. Foi o pai dele que deu este nome. Os brancos

da, do Sendero Luminoso, as brigadas. Um pro-

o chamavam de Samuel. Ele veio do Alto Eneki, de

cesso bem delicado. Desde o princípio de sua fun-

uma aldeia chamada Opokiyariki. Veio para o Brasil

dação, a Apiwtxa apresenta um projeto claro de

trabalhar com seu patrão peruano. Várias famílias

resistência e sustentabilidade. Há muito, os filhos

vieram com ele. Trabalhavam no algodão. O patrão

e netos das primeiras gerações estão envolvidos

explorava demais. Um dia, os Ashaninka se cansa-

te tem trabalhado muito com a questão das ou-

nos grandes projetos que mobilizaram e mobili-

ram e decidiram subir o rio em busca de outros tra-

tras culturas, pra gente depois olhar para a nossa.

zam a comunidade do rio Amônia. Tudo começou

balhos. Nesse tempo ouviu falar do (rio) Amônia.

Eu tenho usado o vídeo para toda a comunidade.

com o velho Samuel Piãko, ainda no tempo da

Diziam que aqui era melhor para trabalhar. Ele veio

Não é um sistema formal. As crianças, os jovens,

exploração madeireira, quando os Ashaninka tra-

varando pelo rio Shesheya, no Alto Juruá, passando

todo mundo assiste e devolve a sua visão, o seu

balhavam para os patrões.

pelo Envira, onde trabalhou primeiro tirando pele

Ao lado, Bandeirão, com suas tiradas de humor, na festa da demarcação. Foto Ernesto de Carvalho, 2010

ponto de vista. Você vê o mundo do outro e olha

de animais, depois na borracha. E chegou, enfim, à

para o seu.

BANDEIRÃO

O nome do meu pai era Samoyri

Do meu avô não me lembro de muitas coi-

foz do Amônia. Conheceu o patrão Odom, que com-

sas, mas guardo uma cena dele, fazendo tarrafo.

prava dele carne, pele, borracha. Disse a Samuel

WEWITO

Eu não sabia que um dia seria preciso

registrar isso, a nossa história. Se eu soubesse, teria perguntado tudo ao meu pai.

SHOMÕTSI

Se eu fosse contar tudo o que sei, levaria

o dia todo, até o escurecer. Eu ficaria aqui e vocês As áreas de entorno nas aldeias são as

ficariam com fome. E eu não terminaria a minha

Já enfrentamos guerras, a guerra do sal, a guerra

VINCENT

história. Vocês têm que me perguntar o que querem

contra as missões, Sendero, e agora contra o narco-

maiores zonas de conflito. Os Ashaninka enfren-

saber como eu perguntava para o meu avô.

tráfico e os madeireiros. Queremos conhecer e en-

tam um estrangulamento. De um lado, o Peru e a

tender essa história. Nos organizar. E para isso é

construção de estradas, de outro, o assentamento

Quando afirmo que as pessoas não conhecem

preciso entender a história das nossas famílias. O

do INCRA, ainda, a vizinhança com a reserva ex-

os Ashaninka, me refiro à nossa história. Temos cin-

que está além das nossas festas e brincadeiras.

trativista do Alto Juruá e a proximidade de Mare-

co séculos de contato com a sociedade branca.

Nossos projetos, nossa organização. Ainda estamos

chal Thaumaturgo. Mas a Apiwtxa nasceu de uma

Existem vários projetos, várias frentes de atuação.

discutindo a melhor maneira de fazermos isso.

história muito especial. Essa história é o motivo

ISAAC

91

Ao alto, Samuel Piãko, pai de Antônio e avô de Wewito e Isaac, fundador da aldeia Apiwtxa. Foto Arno Vogel, 1978. Abaixo, Antônio, filho de Samuel, lider do povo Ashaninka da aldeia Apiwtxa. Foto Vincent Carelli, 2009 Índios Ashaninka no Acre. Foto Hübner/Göteborgs Etnografiska Museum, 1958

92


que compraria dele o que produzisse. E meu avô

ela. A mãe dela não gostou. Essa foi a reação dela.

comuns entre os Ashaninka e não-Ashaninka. Sa-

buscou os parentes que ficaram no Shesheya e se

Chico Coló foi até a nossa casa, cumprimentou meu

muel, meu avô paterno, tinha uma família muito

assentou com a família no Amônia. Era terra de far-

pai e conversaram sobre nossa união. Meu pai disse

grande. Os pais dele escolheram esse rio como lugar

tura. Tinha tracajá, caça. Nasci e cresci aqui, no

que a decisão era nossa. E para Coló: “Se você acha

seguro para morar, e ele deu continuidade. Nunca

Igarapé Cachoeira. Acompanhava meu pai no tra-

que sua filha pode se casar com meu filho, para mim

mais saiu dali. Amônia, o rio é dele. Aqui já mora-

balho. Nos mudamos mais para cima do rio. Meu pai

não tem problema. Por sua filha eu não decido, mas

vam outras famílias também, que se uniram à famí-

queria ficar mais afastado. Lá trabalhávamos com

meu filho pode se casar. Se eles querem vamos aju-

lia de Samuel: a do Tenente, do Paulinho. Daí veio o

madeira. Tiramos muita madeira para o patrão. Seu

dá-los”. Me perguntaram e eu falei que queria ficar

casamento dos meus pais. A família de Piti passou

nome era Chico Mariano. Trabalhamos muito tempo

com ela. Queria muito ficar com ela. Mas a mãe de

a ser uma aliada. Minha mãe teria o papel de nego-

pra ele, caçando e tirando madeira. Até a morte do

Piti não gostou e perguntava à filha como ela podia

ciar com os patrões. Língua, matemática, preços.

meu avô. Depois disso, nos mudamos para a foz do

se casar com um índio. Mas Piti disse que não vol-

Aí teriam filhos com facilidade de negociar com o

Amoninha. Meu pai fez todo o roçado, as casas.

taria atrás. Estava resolvido. Nos casamos em ja-

mundo de fora. Piti e Antônio faziam respeitar Sa-

Plantávamos de tudo. Trabalhávamos, saíamos para

neiro. Minha mulher nos ajudou muito. Sabia ler e

muel. Minha mãe ajudou a defender sua liderança,

vender a produção e retornávamos para a aldeia.

escrever. Não permitia que fôssemos enganados.

mapear aliados e não-aliados. E passou a ser uma

Conhecemos Marechal Thaumaturgo. Minha avó di-

Ela nos ensinava o preço da carne e de outros pro-

referência para o nosso povo. Samuel queria uma

zia que era um bom patrão. Fizemos sua casa e seu

dutos. Quando chegava alguém, já sabíamos nego-

pessoa assim, que ensinasse a ele as coisas dos

roçado. Foi o primeiro branco a viver perto de nós.

ciar. Sabiam que estávamos sendo orientados. Os

brancos. Minha mãe foi perseguida pelos patrões,

Trabalhava com madeira e meu pai o levou para

patrões sentiam muita raiva dela. Mas ela não tinha

mas confiava na justiça da luta Ashaninka. O exér-

conhecer o rio Tamaya, onde havia bastante madei-

medo. Dizia que estava protegendo a sua família.

cito externo do nosso povo era a família de minha

ra. Thaumaturgo decidiu ficar no Tamaya e voltou

Francisco Piãko, filho de Antônio e Piti, com seus sobrinhos e netos. Francisco foi secretário para Assuntos Indígenas do Estado do Acre, de 2003 a 2010. Foto Vincent Carelli, 2010

mãe. Filhos desse casamento, a gente passou tam-

para buscar sua mulher. Ficamos no Amônia. Seu

FRANCISCO PIÃKO

O pai de minha mãe veio com a

bém a transitar nestes dois mundos, a enxergar

roçado ficou com Chico Coló, ex-soldado da borra-

turma dos nordestinos. Na época, vinham para cá e

suas diferenças. E crescemos a serviço do projeto

cha, e que depois veio a ser meu sogro. Em troca

ficavam em pontos estratégicos de ocupação. Era

de nossos pais. Conseguimos fazer uma comunida-

produzia farinha e levava para Thaumaturgo, no

como se fosse um sorteio, ou ia para a guerra ou

de muito forte.

Peru. Fui crescendo. Caçava, pescava, comecei a

vinha cortar borracha. Era uma política de estado.

trabalhar na madeira também. E trabalhávamos to-

A borracha ficava de Thaumaturgo pra baixo. Aqui,

ANTÔNIO

dos juntos, eu, meu irmão e os irmãos de Piti, filha

mos a trabalhar com eles. Um dia chegaram e nos

nos deixaram e foram para Sawawo em busca de

talentos e força. Criados entre duas culturas, com

Nos anos de 1990, a Funai começou a

disseram que aquela terra era nossa e que precisá-

outros trabalhos. Alguns foram e depois voltaram.

um acesso e conhecimento do mundo Ashaninka e

a madeira. A minha família nasceu do encontro en-

aparecer por aqui. Foram até a casa de meu pai e

vamos pensar numa nova forma de trabalhar. Tudo

E começamos a nos estruturar aqui. Durante este

do mundo dos brancos. O projeto de vida dos Asha-

de Chico Coló. Sempre trabalhamos juntos. Depois

tre os Ashaninka que vinham do Peru, se refugiando

começaram a falar sobre um território, que tínha-

aconteceu de maneira muito rápida, porque já es-

processo meu pai morreu e assumi a continuidade

ninka do rio Amônia é muito claro. Todos os seus

de muito tempo trabalhando conheci Piti. E quis

em lugares mais tranquilos, e os brasileiros que

mos possibilidade de conseguir uma terra, que so-

távamos organizados. O Samuel já tinha um proje-

do seu projeto.

esforços, iniciativas e movimento estão voltados

ficar com ela. Ela aceitou ficar comigo. “Vamos ver

chegavam aqui. Chico, meu avô materno, começou

fríamos muito e que seria melhor termos uma terra

to. Não houve patrão nem desmando que conse-

o que os seus pais acham disso”. Ela disse para con-

com a borracha, e depois com a madeira, por isso

apenas nossa. Começamos a pensar nessa possibi-

guisse desestruturar sua família. Os brancos

VINCENT

Do casamento entre Piti e Antônio nasce-

amento da flora e fauna nativas de seu território, o

versarmos logo e que mesmo que seus pais não

foi morar perto dos Ashaninka. Havia competições

lidade. Apareceu também o Macedo e nos explicou

achavam que não éramos capazes de cuidar das

ram esses filhos muito especiais: Francisco, Moi-

fortalecimento de sua identidade e cultura, de so-

aceitassem, que ela ficaria comigo. Fui conversar

entre os patrões, então eles definiam espaços, or-

muita coisa, e que deveríamos parar o trabalho

nossas terras, que não produziríamos nada e por

sés, Isaac, Benki, Dora, Alexandrina e Wewito. To-

brevivência através do manejo de seus recursos. E

com o pai dela. Ele estava chegando do roçado. Me

denamentos pelos seringais, as zonas da madeira.

com a madeira e iniciar um novo processo. A Funai

isso não precisávamos da nossa terra. Fomos ame-

dos envolvidos política e afetivamente com os

este projeto se reflete nos filmes que fazem, suas

perguntou se eu realmente gostaria de ficar com

Os Ashaninka conseguiram obter pontos que eram

nos ajudaria na demarcação das terras, e começa-

açados. Foi difícil tirá-los daqui. Alguns parentes

projetos da comunidade. Uma geração de grandes

abordagens, escolhas, o uso do vídeo em função de

93

para a geração de sua sustentabilidade, o repovo-

94


suas temáticas mais caras. Os Ashaninka têm um grande senso de marketing, da mídia, da internet, dos jogos de alianças nacional e internacional. E usam isso a favor de suas lutas, reivindicações e como instrumentos de resistência. Quando chegamos para a segunda oficina na aldeia, em 1999, os Ashaninka já estavam, desde a demarcação de suas terras, em 1992, levando em frente seus projetos de manejo, a criação da cooperativa e da sua associação. Começamos a discutir um projeto de vídeo que estivesse de acordo com suas aspirações. O ma-

Piti e sua filha Dora no colo, velho Samuel, seu filho Antônio, e sua irmã Julieta. Foto Arno Vogel, 1978 Dona Piti e sua filha Dora. Foto Ernesto de Carvalho, 2010

ISAAC

Hoje a gente tem um trabalho de sistema

aqui comer. O abacateiro que plantei deu tanta

apicultura, a criação dos tracajás, o plantio das

agroflorestal, de repovoamento dos pequenos ani-

fruta que os animais vieram comer. Todos esses

frutíferas e madeiras de lei, a transmissão do co-

mais. Eu considero o vídeo, também, como uma for-

animais que gostam de frutas começaram a se

nhecimento para as crianças. E, assim, ao longo de

ma de pesquisa para você organizar a questão dos

aproximar. Isso também facilita as nossas caça-

alguns anos, foi-se constituindo o material que

trabalhos. É uma porta de incentivos, onde você

das, porque encontramos a caça por perto. Os bi-

mais tarde daria corpo ao filme A gente luta mas

pode ver experiências novas e querer fazer também,

chos comem nossas frutas. E nós comemos os bi-

come fruta, antes dividido em curtas: Caminho para

organizar sua produção, reflorestar, enriquecer sua

chos com macaxeira.

a vida, sobre o manejo dos quelônios; Aprendizes

alimentação, seus recursos naturais. O importante

do futuro, a respeito do plano de manejo agroflo-

não é só conhecer os Ashaninka, mas também a ma-

WEWITO

restal; e Floresta Viva, sobre o plantio das frutífe-

neira como estamos defendendo nosso povo e nossa

de cerca de seis anos de filmagem. Durante este

ras, realizados pelo Benki.

terra. O vídeo vai ajudar a gente a planejar nossa

período fomos filmando os trabalhos desenvolvidos

caminhada, no mesmo instante pesquisando, apro-

na aldeia. O Benki era o responsável, mas todos

Nós,

fundando conhecimentos. O nosso sistema de orga-

filmamos. Ele foi para Olinda editar os curtas. Ainda

Ashaninka, andávamos muito para cima e para

nização pode servir de exemplo para outros, como o

não tínhamos material para um longa. Queríamos

baixo, mas agora estamos firmes num só local. Te-

sistema de organização deles pode servir para nós. É

fazer um filme que mostrasse os projetos desenvol-

mos nossos meios de comunicação, telefone, inter-

uma troca através do vídeo, porque muitas vezes a

vidos na comunidade. Depois dessa primeira edição

TIAGO TÔRRES

net, e fazemos nossos próprios vídeos para mos-

gente não pode sair da aldeia, mas o vídeo pode.

fomos vendo o que faltava e filmamos. Juntamos

foi para montar o A gente luta mas come fruta. Em

tudo para a segunda montagem e o filme saiu, com

paralelo, a Mari deu início a uma oficina com dois

BENKI PIÃKO, EM A GENTE LUTA MAS COME FRUTA

trarmos aos parentes e mandarmos para outras

A gente luta mas come fruta foi resultado

Isaac, um dos filhos de Piti e Antônio, é professor e cineasta. Foi membro do conselho da TV Brasil e secretário de cultura e turismo do município de Marechal Thaumaturgo, AC. Benki Piãko é o executor do projeto de manejo de recursos naturais dos Ashaninka. Nas mãos, dois tracajás do criatório da aldeia. Moisés Piãko, pajé e pintor, foi com seu irmão Francisco e seu pai Antônio, um dos articuladores da demarcação de sua terra. Fotos Vincent Carelli, 2009

A primeira vez que estive na Apiwtxa

pessoas de longe assistirem. Desde que reconquis-

HEINE WENKY EM A GENTE LUTA MAS COME FRUTA

Este é

vários tempos diferentes, contando sobre nosso

novos alunos, o Hatã, filho do Ariceme, e o Enison,

tamos nossa terra, trabalhamos para recuperar

o pomar que plantei quando era criança. Agora vai

trabalho de proteção das fronteiras, as invasões

que hoje é professor na aldeia. No segundo dia na

seus recursos naturais e proteger a floresta. Nosso

dar frutos e nós já vamos comer.

dos madeireiros, os planos de manejo. Tiago e Mari

aldeia, começamos a montar o equipamento. Mari

fizeram a pré-edição na aldeia. E Isaac foi para Olin-

iniciou o processo e depois eu assumi a ilha. Era o

da fechar mais uma parte do filme. Depois eu fui,

segundo filme que eu montava. Começamos tradu-

terminei a edição e finalizei com Tiago.

zindo e minutando o material. Todos os dias, nos

trabalho envolve a comunidade e a escola. Ensina-

95

Acima, da esquerda para direita:

nejo florestal e, também, algumas atividades de

mos às nossas crianças para que no futuro elas

MOISÉS PIÃKO, EM A GENTE LUTA MAS COME FRUTA

cuidem bem da nossa terra.

do começar a dar muita fruta, os pássaros vão vir

Quan-

96


reuníamos, eu, Isaac, Wewito e Mari, para discutir-

tal como eu havia feito anteriormente com o Divi-

não para a comunidade através da reação das pes-

mos o que tínhamos assistido. O material bruto era

no (Xavante), no entanto, não tínhamos muito

soas enquanto trabalhamos. Alguém assiste a um

enorme, resultado de mais ou menos seis anos de

tempo e era preciso garantir que todo o material

corte de uma sequência e faz correr a notícia pela

filmagem. A câmera como uma arma, geradora de

fosse ao menos traduzido. Pelo meu entendimento

aldeia. As pessoas chegam, assistem, deixam suas

imagens para serem tanto apresentadas como pro-

do trabalho no Vídeo nas Aldeias, sinto que cada

impressões e assim o filme vai se construindo na

va ao exército, à justiça, etc., como para compor

processo é único. Na produção de cada filme existe

pré-edição. No caso do A gente luta mas come fruta

um filme. Mari e Isaac conheciam mais o material,

uma imersão profunda no material e na experiência

aconteceu de termos que produzir mais algumas

então me diziam por onde começar a procurar as

do filme. Quando partimos para uma oficina, rara-

cenas e levarmos adiante algumas ideias para o

coisas, discutiam sobre o que mostrar e como fa-

mente temos um roteiro em mente. O roteiro surge

filme, como o que Mari propôs. Ela queria muito

zer. À medida em que as coisas foram avançando,

à medida em que o filme vai acontecendo. Os alu-

que entrasse no filme uma cena dos antigos alunos

Isaac foi se afastando, para cuidar de outras coi-

nos se envolvem com os personagens e eventos

da escola, que foram filmados pequenininhos na

sas, assim como Mari, que estava envolvida na ofi-

que filmam, às vezes precisam participar dos even-

época, assistindo às imagens do manejo e partindo

cina. Assim, eu e Wewito ficamos mais à vontade

tos que filmam, às vezes se desentendem com seus

para uma visita aos lugares onde cada um plantou

na edição e começamos a ter mais liberdade para

personagens, e experimentam algo completamen-

sua árvore. Isso está no filme. É muito comum a

pois a gente discute e vê se vamos levar adiante

tos dos filhos, a pescaria, a caça, a observação da

nuam a mobilizar a comunidade, os conflitos, as

fazer escolhas e participar do processo criativo do

te novo mediado pela câmera. Na edição, quando

gente propor situações de filmagens e construções

uma proposta ou não. O que acaba acontecendo é

natureza. Mas está bastante envolvido com as fil-

crianças, as histórias, as festas. São novos cineas-

roteiro de montagem. A ideia inicial era me dividir

vamos descobrir os possíveis elos entre as situa-

narrativas. Os alunos gostam quando apresenta-

uma apropriação muito livre e uma nova interpre-

magens do vídeo sobre a história Ashaninka. Nós

tas, alguns novos personagens, mas o espírito dos

entre montar o filme e ensinar o Wewito a editar,

ções filmadas, percebemos o que é importante ou

mos ideias de como contar a história do filme. De-

tação daquilo que foi sugerido.

dirigíamos o processo, mas a conversa era entre

Ashaninka está ali: a alegria, a brincadeira, o hu-

ele e seus irmãos, os pais, os mais velhos. Nos pe-

mor. O trabalho nos Ashaninka costuma sempre ser

No momento atual, os Ashaninka estão

diu todo o material bruto para que possa trabalhar

muito fácil, no sentido em que já estão familiariza-

vivendo um processo de incentivo à revitalização

num material específico para a escola Ashaninka.

dos com o vídeo, são participativos. Todos muito

da cerâmica, oficinas, reuniões, etc. Depois de al-

Isaac, também realizador, é hoje secretário do Tu-

apegados ao projeto do VNA.

guns anos, desde a finalização de A gente luta mas

rismo e do Meio Ambiente de Marechal Thaumatur-

come fruta (2006) voltamos para a aldeia para mais

go e está envolvido num projeto de revitalização

JACU, EM UMA ALDEIA CHAMADA APIWTXA

uma oficina com os Ashaninka. No entanto, os re-

do município e do manejo do lixo produzido na ci-

balho de dia, tenho caçado à noite. Um dia, um ca-

alizadores mais antigos estão envolvidos em ou-

dade. Dessa maneira, eles optaram por formar uma

lango topou aqui e achei que era uma assombração.

tras atividades, embora participem dos processos

nova geração de cineastas Ashaninka. O Tsirotsi,

Tinha um tronco grosso assim e eu me sentei nele

das filmagens de outras maneiras, na tradução, nas

que participou da primeira oficina e depois tornou-

para relaxar. Preparei um pouco de tabaco, acendi...

discussões, nas visionagens. Wewito é “prefeito”

se agente de saúde, retornou para o vídeo. Temos

você sabe como é. Quando você anda só à noite, pa-

da Apiwtxa e professor indígena, com uma agenda

ainda o Hatã, Moisés, Eyrish, Shãpi e Enison, que

rece que a floresta vai te pegar. Se você for homem

lotada. Há tempos adia a realização de seu próxi-

formam o Coletivo Ashaninka de Cinema. Enfim,

mesmo ela não faz nada com você, mas se você tiver

mo filme, sobre o tempo do verão, um contraponto

estamos entrando nessa nova safra de oficinas,

medo, como eu, ela pode até te matar. Fumei meu

ao No tempo das chuvas, onde pretende retratar a

que começou com Tiago, Camila e Amandine. Uma

cachimbo, masquei coca... Não sei por onde ele veio.

aldeia e seus personagens no verão, quando ativi-

aldeia chamada Apiwtxa (2010) foi todo realizado

A dor do pé foi subindo pra barriga. Não sei se era

dades e situações importantes acontecem na co-

por essa nova geração. Um retrato da aldeia hoje,

feitiço ou se era fome. Acho que era feitiço, estava

munidade, quando os pais testam os conhecimen-

sua forma de organização, os projetos que conti-

muito estranho mesmo. Naquela noite, eu tinha so-

À esquerda, Tsirotsi filma a assembleia da Apiwtxa. Foto Vincent Carelli, 2010 Ao lado, Jacu, ou Ronko, contador de causos e personagem de humor no novo filme Uma aldeia chamada Apiwtxa (2010). Foto Ernesto de Carvalho, 2010

VINCENT

Wewito filma as crianças no trabalho do manejo florestal para o filme A gente luta, mas come fruta (2006) Foto Tiago Tôrres, 2008 Tiago Tôrres dando oficina na aldeia Apiwtxa. À direita, o tanque criatório de tracajá da aldeia. Foto Amandine Goisbault, 2008

97

Como eu tra-

98


A nova geração de cineastas Ashaninka: Tsirotsi, Ênio, Moisés e Eirishi. Foto Tiago Tôrres, 2008

cola. Mas houve um acidente com o filho do Hatã

montou Uma aldeia chamada Apiwtxa. Durante a

e ele precisou deixar a oficina para acompanhar o

oficina de realização algumas possibilidades de

filho no hospital. E Moisés assumiu as filmagens

estrutura já despontavam, pela forma como as fil-

sozinho. Fazia as entrevistas em português e Ari-

magens se desenvolveram. Os personagens dialo-

ceme respondia em Ashaninka. Voltava com o ma-

gavam entre si. Havia um cruzamento de situações

terial produzido para as visionagens e com a ajuda

e personagens que era recorrente durante o pro-

dos colegas com a tradução, descobria o que tinha

cesso. Ariceme vai pagar sua dívida na cooperati-

em mãos e voltava no dia seguinte para continuar

va, que é gerida pela Dora, que por sua vez foi a

seu trabalho. Era um trabalho muito inspirado no

responsável pela oficina de cerâmica, onde uma de

Shomõtsi e isso se tornou uma questão para mim e

suas alunas promove a minga, para a qual o Jacu é

para o Tiago, como abordar esse personagem de

convidado. Fomos percebendo isso aos poucos.

forma que não ficasse tão colado ao filme do Wewi-

Mas inicialmente não existia a prerrogativa de um

to. Mas era ainda um exercício, não sabíamos aon-

filme apenas. Pensávamos em projetos distintos.

de este material nos levaria. Trabalhamos com

A estrutura veio depois. Para mim, essa confluên-

mais três grupos. Eyrish, uma das alunas, assumiu

cia de personagens e situações revelam mais a

a filmagem sobre a oficina de revitalização da ce-

própria organização da Apiwtxa e refletem a com-

râmica. Este filme era um imperativo. A oficina foi

plexidade dos personagens e relações que se estabelecem ali.

nhado com meu pai, ele vinha trazendo muita comi-

TIAGO Em 2009 voltei para a Apiwtxa para um novo

luta mas come fruta, mas durante a oficina percebi

realizada com recursos do PDPI e tinha-se a exi-

da... Quando eu vi, uma coisa cutucava as minhas

trabalho. Tínhamos três frentes: o registro de uma

como isso era forte. O Hayne Wenki, filho do Benki,

gência do vídeo como produto. Dora, filha de D.

costas. Cutucava com um bico, uma coisa assim. Pe-

oficina de cerâmica tradicional, realizada pelas

acompanhou toda a oficina a pedido do pai e as

Piti, era a responsável pelo projeto e naturalmen-

AMANDINE GOISBAULT

guei minha lanterna e iluminei. Eu vi ele bem perti-

mulheres, com financiamento do PDPI, o filme so-

outras crianças estavam sempre presentes e aten-

te tornou-se personagem do filme. Os dois alunos

ção do filme sobre a oficina de revitalização da ce-

nho. Ele virou assim... peguei o meu terçado, mas ele

bre a histórias dos Ashaninka do rio Amônia e a

tas. Hayne fez uma segunda oficina comigo, no

mais jovens, Enison e Shãpy foram um caso à par-

râmica. O processo foi quase inteiramente realizado

correu para o igarapé fazendo barulho. Era um ta-

família do fundador da aldeia, Samuel Piãko, e a

processo de implantação dos Pontos de Cultura

te. Acordavam tarde, queriam se divertir, não sa-

na aldeia. Era incrível ver, através da imagens, a

manduá. Peguei a espingarda com medo. Meu corpo

oficina de formação da nova geração de realizado-

Indígenas, em 2010, e já participava ativamente

biam o quê ou quem filmar. Acabamos por deixá-

capacidade de reinvenção das tradições e o envol-

foi ficando gelado. Eu passava a mão na orelha para

res Ashaninka, que estava estacionada desde 2006.

das discussões. A segunda coisa que me chamou

los mais livres e um dia nos aparecem com um

vimento da aldeia. Foi este entusiasmo que nos

ver se a coragem saía e quando ela estava para sair,

Estávamos eu, Camila e Vincent. A oficina de cerâ-

atenção foi a abertura da comunidade para rece-

personagem completamente carismático, o Jacu.

pareceu o principal aspecto a ser ressaltado no fil-

sumia de novo. Quando olhei, o tamanduá já tinha

mica serviu como um start para a oficina de vídeo,

ber pessoas que são de fora. Entendo que isso tem

A cada visionagem a aldeia vibrava. Jacu rendeu

me. É um vídeo que se passa num universo quase

virado paca. Atirei, e ele caiu. Quando cheguei em

já que tínhamos a obrigação de sair com um filme

a ver com a própria história da Apiwtxa, que man-

momentos incríveis para o filme. O Tsirotsi, que já

que exclusivamente feminino, permeado de ques-

casa já eram 8 horas. Estava escuro. A mulher estava

sobre a cerâmica. Associamos os projetos e come-

tém e cultiva, desde a sua fundação, um diálogo

havia trabalhado com vídeo, retomou sua forma-

tões sobre a transmissão do conhecimento entre

preocupada e minha filha chorava. Eu disse: “mu-

çamos o trabalho.

muito diferenciado com os não-índios. O Moisés,

ção nessa oficina. Como tinha mais experiência,

gerações, e também sobre a revitalização de uma

um dos alunos, é sobrinho de D. Piti, mora em

transitou entre os grupos como cinegrafista e aju-

tradição num contexto mais “moderno”, onde a es-

lher, um calango pegou o meu pé, um bicho cutucou

Fiquei responsável pela edi-

minha bunda, e a dor subiu do pé para a barriga”. Ela

CAMILA MACHADO

Já de início, duas coisas me cha-

Marechal Thaumaturgo, não fala a língua e no en-

dando na orientação do projeto de cada grupo. A

cola e a cooperativa, que antes não existiam, têm

me disse que naquela noite a assombração tinha vi-

maram a atenção na aldeia. Primeiro, a valoriza-

tanto fez um trabalho maravilhoso na oficina. Ele

estrutura final do filme foi discutida na oficina de

um papel fundamental. E, como em outros filmes

sitado a aldeia. Mas acho que era só um animal mes-

ção das crianças como protagonistas nos projetos

e o Hatã decidiram filmar o Ariceme que é um dos

edição, da qual não participei. Amandine ficou

Ashaninka, há este elemento mais cotidiano, o que

mo. Mas pode ter sido mesmo o satanás.

da Apiwtxa. Isso já estava presente em A gente

pajés da aldeia e responsável pela merenda da es-

responsável por editar o vídeo do PDPI e Tiago

permeia a vida na aldeia e que faz sua riqueza.

99

Ao alto, Camila Machado, alunos e plateia visionam as imagens dos alunos produzidas durante o dia. Acima, Amandine na edição do vídeo sobre oficina de cerâmica. Fotos Tiago Tôrres, 2008

9:


Essa é a nossa história com o Vídeo nas Al-

sobre nossa história. O nosso conhecimento não

deias. O projeto chegou aqui em 1998, num curso

está apenas na totalidade do povo, ele está nas

da Comissão Pró-Índio, em Rio Branco. Depois, fi-

famílias também. Há famílias que detêm um conhe-

zeram uma oficina na aldeia em 1999, e fizemos No

cimento, outras, uma história. Se conseguirmos

Tempo das Chuvas. Logo que a gente se encontrou,

juntar esses conhecimentos, talvez a gente consiga

em 98, eu pensei muito no uso que podíamos fazer

mostrar, pelo menos um pouco, o que é o povo

do vídeo na educação. Mostrar a cultura, nosso

Ashaninka, dos anos 1930 para cá. O vídeo sempre

povo. Na segunda oficina, outras coisas aparece-

me deu muito. Por exemplo, Marechal Thaumaturgo

ram. Me clareou a ideia de que deveríamos usar o

é um lugar que ainda não deu conta da sua história.

vídeo a favor dos nossos projetos, mostrar aquilo

Eles ficam só recebendo coisas de fora: conteúdo,

com que já estávamos envolvidos, os projetos da

tecnologia. Quando na verdade, está tudo aqui.

comunidade. E, também, mostrar o dia a dia das

Você pode contar a história do município a partir de

nossas famílias na aldeia. Essa era a nossa segunda

dois ou três personagens que vivem aqui, sua tradi-

proposta. E eu nunca pensei que esses filmes tives-

ção. Daqui a poucos anos, essas pessoas terão par-

sem tanta força para mostrar quem era o povo

tido. E essa memória viva terá se perdido. Daí se vê

Ashaninka, tanto para o mundo de fora, quanto

um pouco a importância da imagem na construção

para nós mesmos. Eu nem imaginava a força que

dessa memória. Às vezes, no entanto, nem mesmo

uma imagem podia assumir depois de um trabalho

eu sei como trabalhar a questão da imagem, do re-

pronto, depois de um trabalho organizado. Só al-

gistro. Hoje existe um silêncio. Alguma coisa do

guns anos depois, por volta de 2005 ou 2006 que

mundo de hoje que faz com que as pessoas não

isso ficou mais claro pra mim. A importância que

queiram se manifestar. Mas quando você entra na

tem um trabalho, um documentário, que mostra

casa de alguém, de uma família, e começa a convi-

uma pessoa, o dia a dia de uma comunidade que

ver com essas pessoas, você participa e conhece

pertence a uma cultura, a um projeto de povo, a um

um outro mundo. Você vive o mundo da comunida-

projeto de mundo. Eu sempre tive muito cuidado

de, o mundo das praias, o mundo da floresta e das

com as coisas que entravam na comunidade: a tele-

frutas. Cada momento e espaço desses, são conhe-

visão, um gravador... mas foi ficando cada vez mais

cimentos e histórias diferentes. Quando eu penso

Pelo contrário, hoje eu tenho um outro olhar, e

ças já compreendem nossos projetos, o manejo.

mais, para analisar, para estudar. Mas quando assis-

festas de fim de ano, a gente escolhe dois ou três

claro para mim que os instrumentos você pode usar

que minha vida também pertence à construção de

começamos a formar novos cineastas, para dar

Elas participam, falam sobre isso com conheci-

to com o público, eu me emociono. Eu vejo o olhar

filmes e roda. Não fica ninguém de fora. Aquelas

a seu favor, para o seu bem, para a sua sobrevivên-

um projeto, o projeto de sobrevivência do meu

continuidade ao projeto. Eu hoje olho o vídeo de

mento. Você vê a importância disso dentro da co-

das pessoas dirigido para o filme. E eu observo as

criancinhas que vemos nos filmes hoje estão todas

cia, sobretudo. O povo Ashaninka não mostrou,

povo, eu vejo a importância do vídeo. Como um

um outro lugar. Meu desejo é que cada vez mais

munidade. Imagine também fora, compartilhar

pessoas discutindo o que se passa nos filmes. Cada

casadas, adultas, com filhos. É uma alegria ter es-

ainda, quem realmente é. Por mais que a gente faça

instrumento de reflexão para a comunidade, para o

pessoas estejam envolvidas nesse trabalho. E não

nossa experiência através do vídeo. Fazer conhecer

vez que assisto com um público novo, eu aprendo

ses filmes e exibi-los na aldeia para as pessoas que

o nosso trabalho, muita coisa continua sem ser vis-

próprio cineasta. Eu cheguei num momento em que

é começar do nada. Já temos projetos muito defi-

de que maneira nós estamos defendendo o nosso

mais coisas a partir do olhar de cada uma das pes-

participaram dessa história. Imagina assistir a este

ta. Eu não sei como retratar isso. Talvez a gente

não posso mais acompanhar o projeto do Vídeo nas

nidos, o reflorestamento, os tracajás. É buscar, na

povo e a nossa terra. Até hoje, quando eu assisto

soas. Passo a ver coisas que eu não percebia antes.

filmes novamente daqui a cinco ou dez anos? Um

tenha conseguido um pouco com o Shomõtsi, tal-

Aldeias, porque preciso cuidar de outras ativida-

comunidade, alguns temas que se relacionam

aos filmes que fizemos, eu me emociono. Quando eu

Me emociono muito. As pessoas não veem, mas

filme é mais bonito quando a gente deixa ele guar-

vez a gente consiga mais um pouco com o filme

des. Mas isso não significa que abandonei o vídeo.

com a nossa trajetória. Hoje você vê que as crian-

assisto sozinho, estou assistindo para entender

muitas vezes a gente chora. Na comunidade, nas

dado por um tempo. Vira história.

ISAAC

:1

Isaac entrevista ancião da aldeia enquanto Wewito os filma. Foto Vincent Carelli, 2009 Projeção no sítio do Jacu. Foto Ernesto de Carvalho, 2010

Q

:2


Lvjlvsp Os Kuikuro vivem no Parque do Xingu (MT) e somam uma população de cerca de 500 pessoas. Fazem parte de um sub-sistema carib Alto Xinguano, com os outros povos vizinhos que falam variantes dialetais da mesma língua (Kalapalo, Matipu e Nahukuá) Takumã Kuikuro, cineasta indígena. À direita, uma casa em construção, na aldeia Ipatse, no Parque do Xingu. Fotos Vincent Carelli, 2008

:3

e participam do sistema multilíngüe conhecido como Alto Xingu, na porção sul do Parque. Os Kuikuro estão organizados em três aldeias: Ipatse, aldeia principal um pouco distante da margem esquerda do médio Culuene; a aldeia de Ahukugi, na margem direita do Culuene, rio acima de Ipatse; e uma terceira aldeia no local da antiga Lahatuá. Liderados por Takumã Kuikuro, todos os membros do Coletivo Kuikuro de Cinema, com os quais Vídeo nas Aldeias trabalha, são moradores da aldeia Ipatse.

:4


Vou lhe chamar pelo seu

meiro ou depois. Eles chegaram e fui falar com o Vin-

nome, hiper-jacaré. Por você ser o que é estou lhe

cent. Mas eu não falava bem o português e não en-

chamando. Vou lhe chamar pelo seu nome, Kangi-

tendia nada do que ele falava, ficava meio perdido.

sakagu. Por você ter sido a namorada do jacaré. Vou

Éramos cinco pessoas ao todo participando da ofici-

lhe chamar pelo seu nome, Mariká, por você ter ma-

na. Eles explicavam como funcionavam as filmagens,

tado o jacaré.

mas eu não entendia nada. E tinha, também, um ou-

AFUKAKÁ, EM CHEIRO DE PEQUI

Takumã revisando as filmagens do filme Cheiro de Pequi. Foto Vincent Carelli, 2004 Carlos Fausto, antropólogo do Museu Nacional, de aluno a realizador, coordenador do trabalho de vídeo entre os Kuikuro. Foto Vincent Carelli, 2008

tro problema que era como se aproximar dos mais A primeira oficina com os Kuikuro

velhos. No início, filmamos apenas as crianças. Quan-

foi em 2002, numa parceria com a Associação Kui-

do chegávamos para filmar os mais velhos, eles nos

kuro do Alto Xingu, Carlos Fausto e a Bruna Fran-

mandavam embora, diziam que os brancos filmavam

chetto, do projeto Documenta Kuikuro, do Museu

melhor do que nós e que não seríamos profissionais.

Nacional. Se não me engano, era a estação do pe-

A gente logo se assustava e não filmava mais.

VINCENT CARELLI

qui, e já entramos de cara num filme temático, que

:5

Leo e Vincent revisam o material na câmera com os velhos no centro da aldeia. Foto Carlos Fausto, 2002

por princípio é mais difícil. Um filme de cotidiano,

CARLOS

de personagem é um filme no qual você não inter-

nos que acompanhassem um personagem. E houve

fere tanto, ou pelo menos não tão drasticamente

uma grande resistência, as pessoas não queriam ser

como num filme temático, que pressupõe uma pos-

filmadas. Me lembro de um trabalho coletivo para

tura mais cerebral e menos intuitiva. Era o momen-

qual os meninos foram chamados e no momento da

LEO SETTE Antes da oficina que deu origem ao Cheiro

curtia tanto a visionagem do material bruto, como

definição. Nos depoimentos eles se colocavam to-

to da colheita do pequi. Já no primeiro depoimento

gravação levaram uma descompostura, porque su-

de Pequi, eu já havia estado nos Waimiri Atroari, já

em outros grupos. Isso se tornou um assunto cons-

dos bem vestidos, decorados, mas muito estáticos.

que saiu para gravar, Takumã voltou com a história

postamente num trabalho coletivo, na roça, todos

tinha trabalhado com o Divino Xavante e com os

tante nas nossas conversas. O desafio inicial era

Havia uma coisa meio solene, meio formal, mesmo

da origem do pequi e tomamos essa direção.

têm que trabalhar. E os mais velhos disseram : “O que

Macuxi. Tinha feito o filme Um dia na aldeia. Era o

romper com uma certa dureza e ideias preconcebi-

quando tinha graça. Além disso, os Kuikuro – os

vocês acham que estão fazendo aí com essa câmera?

meu primeiro ano no Vídeo nas Aldeias. O VNA es-

das sobre o que deveria ser filmado ou não.

xinguanos, em geral – são muito conscientes da

Cheiro de Pequi se tornou rapidamente

Vocês são jovens, têm que trabalhar. Tá todo mundo

tava firmando uma rotina de trabalho, começáva-

um filme temático, mas também tiveram circunstân-

trabalhando!” Então, no começo, eles foram cons-

mos a compreender para onde as coisas caminha-

CARLOS

Neste sentido, tivemos que fazer um traba-

dessa imagem em várias circunstâncias. São há-

cias do funcionamento da oficina que foram um tanto

truindo um espaço com dificuldade, mas lançaram

vam, a intimidade da câmera, a proximidade. Com

lho longo. Essa era uma conversa que a gente já

beis em utilizar isso, em saber se apresentar. Acho

aleatórias, como por exemplo a escolha, na comunida-

mão de um recurso interessante, voltaram-se para as

os Waimiri Atroari, a oficina partiu de exercícios de

tinha tido mesmo antes da oficina. A Bruna certa

que é uma habilidade que tem a ver com as circuns-

de, de quem participaria da oficina. Foram escolhidos

famílias. Tenho umas amigas feministas que falam:

busca por personagens, tudo era novidade, o que

vez comentou: “Olha, acho que vocês vão ter difi-

tâncias históricas e com o papel dos Villas-Boas na

um série de jovens. Dentre eles, apenas o Mariká falava

“Poxa, eu acho tão importante vocês terem colocado

permitiu um clima de muita intimidade. Já nos

culdade no Xingu para filmar o cotidiano, o que se

criação do Parque, mas tem a ver, também, com a

português. Tanto ele como o Takumã mostraram,

narradoras mulheres!”. Claro que eu não desminto

Kuikuro não era bem assim. Eles já tinham muito

encontra fora da cena pública, porque o doméstico

própria história indígena xinguana. Ali encontram-

imediatamente, um grande talento com a câmera.

nada, mas a grande razão de as mulheres serem as

claro o que era para ser filmado. Os Kuikuro são

não tem lugar no espetáculo. O que está na intimi-

se povos de origens linguísticas e culturais distin-

narradoras dos filmes é que só elas respondiam aos

provavelmente um dos povos mais filmados do

dade, dentro das casas, não deve ser revelado.” A

tas, que sempre tiveram que se confrontar com a

TAKUMÃ KUIKURO Conheci o Vídeo nas Aldeias quando

filhos; os outros diziam de cara: “não me encham a

país, pela sua exuberância e mesmo como produto.

casa xinguana é feita de modo a que você tenha

visão do outro. Isso gera uma consciência da visão

eu era ainda muito jovem. Foi através do Carlos Faus-

paciência, o que você quer com esse negócio?” Então

Conheciam, pelo menos, uma certa maneira de ser

zonas de obscuridade completa, que é onde as pes-

que o outro pode ter de você. Foi um grande desa-

to. Quando chegaram na aldeia eu nem imaginava

o material que a gente tinha era um material funda-

filmado. Nos Kuikuro era aquela história de quere-

soas guardam suas coisas, seus segredos, onde são

fio desconstruirmos essas premissas nas oficinas.

como se fazia um filme, o que fazer, o que filmar pri-

mentalmente calcado no depoimento das mães.

rem tirar o relógio, a sandália. A comunidade não

feita as conversinhas. Isso não é para filmar por

Mas atravessamos a fronteira.

CARLOS FAUSTO

Logo na primeira semana, foi pedido aos alu-

Leo Sette, depois das experiências com os Makuxi e Waimiri Atroari, chegando para iniciar o trabalho com os Kuikuro. Foto Vincent Carelli, 2002

imagem que eles têm fora da aldeia. Fazem uso

:6


A cigarra está cantan-

VINCENT Cheiro de Pequi foi um projeto que foi se des-

mudar totalmente a estrutura da narrativa, supri-

JAUAPÁ, EM CHEIRO DE PEQUI

A história de origem do

andam fazendo? Ele bateu muito nelas. Elas enter-

do para o pequi ficar cheiroso. Quando plantamos

dobrando, um processo de descobertas, como por

mir repetições, descomplexificar. E ouvimos di-

pequi é assim. Foram as mulheres do Mariká que

raram o jacaré e arrebentaram seus cintos. depois

pequi, se o pé não der fruto, a gente arranha o

exemplo, a transmissão da propriedade dos pés de

versas vezes reclamações dos índios de que corta-

namoraram com ele. Elas se pintavam para ir para a

tiraram a rede de Mariká de casa. Elas estavam com

tronco com dente de jacaré. Porque na origem, o

pequi, a personagem que adoeceu, a narrativa do

mos as coisas pela metade. Quer dizer, quando a

roça. Elas chamavam o jacaré e ele saía das raízes de

muitas saudades do jacaré. Mariká foi para a casa

pequi era um jacaré.

mito de origem propriamente dito. Filmar um mito é

gente transforma o mito na linguagem do vídeo,

tihigu e vinha vindo em direção a elas. Ele era tão

dos homens e ficou lá sozinho. E as mulheres ficaram

um processo doloroso, porque você tem que ficar

a gente corta justamente aquilo que eles acham

bonito. Primeiro ele transava com a irmã mais velha.

viúvas. Cinco dias depois, elas foram ver a sepultura.

Cheiro de Pequi foi um filme circunstancial,

desconstruindo a narrativa, suas ramificações. A his-

mais bonito: o canto inteiro, a história bem con-

Depois com a mais nova. Elas, então, arrancavam a

O jacaré já estava brotando. O pequi estava nascen-

era o acontecimento que regia a aldeia naquele

tória da cotia, do tatu. Explicar quem era o sol e a lua.

tada, a gama de personagens e acontecimentos.

mandioca e voltavam para casa. O Mariká não perce-

do bem vermelho. Ele cresceu rápido.

momento, com seus mil desdobramentos. Durante

Era preciso traduzir várias versões integralmente. Fa-

A gente, às vezes, tem um preconceito contra a

bia nada. Um dia, ao sair para caçar encontrou uma

o trabalho a coisa cresceu mais do que a gente ima-

zer escolhas, criar atalhos. Eram narrativas comple-

tradução. O que eu penso é o seguinte: o equiva-

cotia que disse: Espere, meu neto, você sabe das

ginava e percebemos que não daria para terminar o

xas que precisavam ser simplificadas.

lente da poética oral indígena não pode ser a gra-

suas mulheres? Elas não estão se comportando mui-

vação do cara contando um mito inteiro, assim

to bem, estão namorando com outro. Estão namo-

TAPUALU, EM CHEIRO DE PEQUI

CARLOS

filme apenas naquela oficina. Foi então que fizemos o primeiro projeto pela Associação Kuikuro,

CARLOS

Na edição de Cheiro de Pequi fiquei perdi-

como ver ópera cantada à distância é uma coisa

rando com o jacaré. Se você quiser, vamos até lá ver.

num edital do PDPI (Programa Demonstrativo dos

do com as várias etapas da narrativa. Eu achava

insuportável. Não pode ser isso. Assim, fazer o

Eles foram e a cotia disse: É aqui que elas namoram.

Povos Indígenas), propondo um filme sobre o pe-

que não estava dando certo. E quis sustentar mi-

equivalente à antropologia, ou à etnografia, em

Veja, é ele, mas fique calmo, não o mate ainda.

qui. Em 2003, ainda sem financiamento, voltamos

nha posição em relação à construção do mito no

filme, não é fazer uma etnografia feita em filme, é

Quando ele estava transando com a mais nova, a

para completar o filme. Usamos recursos do VNA,

filme. Vincent não gostou nada, mas me disse:

outra coisa. De toda forma, os índios se apropriam

cotia disse: mate-o agora! Ele flechou bem na hora

do CNPq e da Fundação Volkswagen. Com o dinhei-

“certo, mostra pra mim como você quer fazer”. A

da linguagem audiovisual de uma maneira surpre-

que o jacaré ia gozar. As mulheres não viram, porque

ro da Fundação, Bruna comprou uma câmera, a pri-

questão era justamente se optaríamos por orde-

endente. Eles têm uma capacidade de apropriação

ele usou a flecha da cotia, que era invisível. Se fosse

meira câmera da aldeia, e começamos a filmar.

nar linearmente o mito ou se daríamos voltas.

das coisas e de dar um sentido novo, de inverter,

uma flecha comum teriam visto. Elas choraram mui-

Ninguém iria entender, porque narrativa indígena

de pensar possibilidades.

to. Aí Mariká apareceu e disse: Ah! É isso o que vocês

de mito tem uma característica básica, como toda literatura oral. É repetitiva e construída com paralelismos, um recurso estilístico, e também é mnemotécnico. Se você pegar e analisar as rezas, os cantos, as narrativas, você vai perceber que são sequências de ações que se repetem, que tem um buraquinho, um slot, para colocar uma informação que, na verdade, é uma lista. Então tem o fulano de tal, o sicrano, o beltrano, diferentes ações. E isso, transformado em filme, pelo menos para nós, não funciona. Então, a gente tinha que Momentos da encenação do mito da origem do pequi, no filme Cheiro de Pequi. Fotos Vincent Carelli, 2007

:7

Tapualu, mãe de Takumã e uma das narradoras do filme No dia em que a lua menstruou. Fotograma do filme No dia em que a lua menstruou Jauapá, mãe de Amuneri, aluno da oficina, outra narradora dos filmes Cheiro de Pequi e No dia em que a lua menstruou. Foto Vincent Carelli, 2008 Amenri, aluno da oficina, Mutuá, professor e pesquisador da aldeia e Carlos entrevistam Tsana, cantor da aldeia. Foto Vincent Carelli, 2007


para filmar. E o Carlos adora participar do processo.

sa nova, porque fazer esses filmes depende da

ficaram algumas cenas por filmar. E o Takumã fi-

É uma pessoa querida, as pessoas gostam dele e de

relação que estabelecemos, a gente com eles e

cou de fazer essas cenas. E ele fez brilhantemen-

falar para ele. Ele se encanta, reage, responde, su-

eles com as pessoas que estão sendo filmadas.

te, inclusive mobilizando o principal pajé Kuiku-

gere planos e cenas. Isso só não seria ótimo se ele

Daí resulta o filme. Eu não poderia sozinho con-

ro para uma das cenas. Da ficção, o que ficou por

impusesse restrições. Mas é justamente o contrário,

ceber o filme. Se fosse eu a filmar, ficaria ruim,

fazer foi completamente assimilado por ele. O

ele participa, ajuda, incentiva, está lá.

porque seria algo externo, não teria densidade,

fazer ficção, dirigir, pensar a continuidade. A fic-

não teria a mesma textura.

ção entre os Kuikuro não é uma questão. É um

TAKUMÃ

A gente conversava muito com o Carlos. Ele

procedimento, um método de trabalho.

fala a língua. Na oficina, acompanhava as aulas, ten-

KALUSI, EM CHEIRO DE PEQUI

tava explicar o que estava acontecendo pra gente, pra

deroso. Ele é o dono do pequi. É ele quem nos

PERSONAGEM EM O DIA EM QUE A LUA MENSTRUOU

comunidade, pro cacique.

mata. Ele atira sua flecha no nosso ouvido, no nos-

lua! Passem polvilho no rosto! Está havendo um

so peito, na barriga, no corpo todo. Ele é assim.

eclipse!

O beija-flor é muito poOlha a

Em função dessa dificuldade de comuni-

Quem fez o beija-flor ser dono do pequi? Foi o sol.

cação, eu acabei participando da oficina. Apren-

Foi assim que aconteceu: ele pintava seus pássa-

CARLOS Quando

di muito, mas nunca peguei na câmera. Às vezes

ros e os fazia donos do pequi.

tar as filmagens de Cheiro de pequi, aconteceu um

CARLOS

penso que, ao contrário dos outros grupos que

voltamos, em 2003, para comple-

eclipse. Foi totalmente por acaso. A gente estava

trabalham com o VNA, no caso dos Kuikuro, eu

VINCENT

Há uma característica entre os Kuikuro

assistindo A guerra do fogo e bem na cena em que

funciono muito como um mediador. E muitas ve-

muito marcada. É que tudo vira ficção. Tudo é

a brasa está se apagando e aqueles homens pelu-

zes tenho a impressão que minha interferência é

combinado. Isso fica muito claro no Cheiro de

dos todos amontoados... (um parêntesis: como

grande demais, chegando mesmo a comprometer

pequi, na cena da morte do jacaré. Isso aconte-

sou muito peludo, os índios sempre falam que sou

Há uma marca diferencial dos Kuikuro em

havia um projeto formatado, a pesquisa de trans-

o crescimento dos cineastas. Por outro lado,

ceu porque faltava um elemento que desse uma

descendente de macaco, teoria darwinista bási-

relação a outros povos que é a participação do

missão de conhecimento. O mote do filme é do

aprendi muitas coisas com eles e eles comigo.

animada ao mito, ao texto da história. Até que

ca) ... pois eu estava conversando com um Kuiku-

Carlos Fausto nas entrevistas. Em geral isso não

Carlos e da Bruna, mas o fazer é uma apropriação

Mesmo hoje, depois de quase uma década, mui-

chegamos na encenação. E todo mundo aderiu à

ro, amigo meu, e disse: “Está vendo, não falei

acontece. E não acontece justamente porque, na

dos realizadores. Há todo um debate da organiza-

tas das entrevistas e roteiros são feitos por mim,

ideia. Mas para concretizá-la foi um problema.

para você que os brancos vêm mesmo dos maca-

presença de um não-índio, o foco da interlocução

ção do filme, mas as escolhas, a realização, isso

embora o Takumã tenha aprendido muito e se

Fomos adiando, adiando, e faltando três dias

cos!?” Nesse momento, o irmão da Kanu sai cor-

tende a se voltar diretamente para ele. Por outro

acontece na feitura mesmo do filme, no momento

desenvolvido muito neste aspecto. No começo

para o fim da oficina, ainda não havíamos desen-

rendo da casa dele gritando: “O eclipse! O eclipse!

lado, sua presença catalisa inúmeras situações e

das filmagens.

entrei com muita força, não só porque os meni-

volvido as cenas. O ponto era quem cederia a

O eclipse!” Naquela época ainda não havia muitos

nos estavam inseguros, mas porque os velhos

menina para transar com o jacaré e a coisa não

aparelhos de TV, apenas na casa do chefe. A notí-

VINCENT

proporciona uma abertura muito grande. A filmagem em si, a abordagem propriamente dita, po-

LEO Em relação à intervenção no processo, não acre-

não falavam com eles. Eles eram muito jovens,

acontecia. Para evitar conflitos, a solução en-

cia tinha aparecido no Jornal Nacional, mas não

rém, se dá entre os realizadores e seus persona-

dito que seja maior do que em outros grupos que

tinham apenas dezessete, dezoito anos. A gente

contrada foi chamar a Kanu, que era irmã do ja-

tínhamos visto. Então o Jakalu, muito cortês, vi-

gens. É outra história. Claro que em filmes mais

trabalhamos, mas com certeza é de outra natureza.

tinha os temas e sabia que não existia uma sime-

caré, mas encontrar um atriz mais nova para re-

rou para a gente e disse: “Vincent, pode desligar.

temáticos, como em Cheiro de pequi, nossa inter-

O fato do Carlos Fausto falar a língua e ser extrover-

tria absoluta na construção da história. Agora,

presentar a outra amante do jacaré foi mais

A gente estava vendo o filme, mas agora vamos

ferência é maior, a pesquisa, o projeto. Em filmes

tido, o faz tomar iniciativas, como chegar e fazer

basta ver a câmera deles e a maneira como che-

complicado. Foi tudo bastante improvisado, em-

tocar flauta.” E aí começaram as atividades ritu-

do cotidiano é diferente, as coisas acontecem, o

uma entrevista. E, às vezes, as pessoas se abrem

gam nas casas para saber que muita coisa ultra-

bora bastante divertido. Foi um exercício no qual

ais que parte documentamos e parte reconstituí-

cineasta reage, faz ou não faz. Em Cheiro de pequi

mais com ele do que com os meninos que chegam lá

passa a nossa interferência. Daí emerge uma coi-

interferimos bastante. Mas o interessante é que

mos no filme.

:9

A esquerda, Carlos, Asusu, Leo e Takumã trabalhando na edição do Cheiro de Pequi. Foto Vincent Carelli, 2008 Acima, Kalusi, pajé da aldeia e personagem do filme Cheiro de Pequi. Fotograma do filme, 2004 Vincent trabalha no roteiro de Cheiro de Pequi durante a oficina de edição na aldeia. Foto Leo Sette, 2008

::


como a gente fala, cai sangue em cima das pessoas

Uma outra coisa que muita gente não percebe e

reflexão, havia outras possibilidades. Uma ques-

e todos devem ficar acordados. E ficou claro pra

que é óbvio, é que tínhamos um controle remoto

tão interessante deste filme é que o eclipse, ao

gente que tínhamos que acompanhar as pessoas,

e ligamos a TV na hora em que o personagem bate

contrário de um ritual determinado que se impõe

as mulheres, os pajés.

nela. Em O dia em que a lua menstruou a reconsti-

como cena pública, não se impôs como ciclo ritual.

tuição foi um processo muito legal, que eu penso

Foi um filme realizado muito mais pela facilidade

Fumei no

que é uma coisa muito etnográfica também. Acho

de ser executado, pois era preciso, apenas, acom-

eclipse até entrar em transe. Aí escutei o morto.

que é por isso que gosto tanto. Tínhamos o mate-

panhar a cronologia de dois dias de eclipse: o co-

Ele então me carregou e me levou embora des-

rial, tínhamos o acontecimento do eclipse, tínha-

meço do eclipse, o final das atividades referentes

maiado. O eclipse estava começando. “Veja!”, o

mos a festa, as pessoas dançando, mas toda per-

ao eclipse, e pronto.

morto disse, “é a filha dele que está menstruan-

gunta que fazíamos para os realizadores a respeito

do”. Todos os bichos-espíritos estavam reunidos.

dos acontecimentos eles não sabiam responder,

TAKUMÃ

Eu escutei o dono da raíz pilando o remédio dele,

não tinham a menor ideia, não sabiam a razão das

nhava as gravações, filmava. Tudo aconteceu num

quando o eclipse estava começando. Todos os bi-

coisas serem como eram. Então, começamos a

só dia: as conversas com os pajés, o arranhar dos

chos-espíritos estavam dançando. Assim é a festa

pensar para quem perguntar. O primeiro foi o pajé,

corpos dos jovens, a luta, as mulheres, as curas. No

deles: cada um com sua dança, todas as festas

o Tehuko, que faleceu três anos depois. Na noite

dia seguinte, fizemos apenas alguns depoimentos

juntas. Eles são os mortos. Os mortos festejam.

do eclipse, ele tinha fumado e tinha visto tudo

e o filme estava pronto. Fizemos a primeira edição

“Vamos lá!”, os mortos dizem. Eles ficam todos em

aquilo que ele relata no filme. Mas para os realiza-

na aldeia, mas eu ainda não entendia direito, não

VINCENT Foi tudo muito rápido. Na mesma noite co-

fila. A primeira festa que os mortos dançam é o

dores serem recebidos por esses personagens foi

alcançava o que resultaria daquilo. Depois do pri-

meçaram os rituais. Foi dando até um certo nervo-

Hugagü. Os mortos têm corpo, como nós. Mas não

preciso que eu fosse junto. Então essa mediação

meiro DVD pronto é que entendi que o filme estava

so, a gente ali e as coisas já acontecendo. Quando

é este corpo aqui não. O deles é muito bonito. Lá

que frisamos sempre ao nos referirmos aos Kuiku-

pronto para ser exibido, que passaria em festivais.

eles se levantaram e foram tocar flauta, decidimos

no mundo dos mortos nós voltamos a ser bonitos

ro foi sendo construída. Mas, ainda assim, uma

Comecei a entender só depois que saiu o DVD.

mudar o rumo do trabalho. Sabíamos que tínhamos

como quando éramos jovens. Todos dançavam e

vez dado o start, a relação entre eles é que permi-

Quando eu projetei o filme na aldeia, algumas pes-

um filme ali.

cantavam. Eu escutava a festa dos bichos-espíri-

te dar densidade, questões que você não coloca-

soas também não entenderam. Ainda hoje algumas

tos. Eles dançavam todas as festas. Quando eu

ria mas que eles colocam. Em O dia em que a lua

pessoas ficam na dúvida e temos que explicar. Os

estava desmaiado, eles estavam acordando as

menstruou a gente fazia uma pergunta atrás da

mais jovens entendem mais do que os mais velhos.

flautas kagutu. Quando aqui é dia, lá é noite.

outra. O pajé nos explicou que o eclipse era a

Então temos que explicar tudo. Depois deste filme,

menstruação da lua, mas ora, na mitologia, a lua

editamos enfim o Cheiro de pequi. Quando projeta-

TEHUKO, EM O DIA EM QUE A LUA MENSTRUOU

Terruko, pajé da aldeia, conta o seu transe no momento do eclipse. Fotograma do filme No dia em que a lua menstruou À direita. Takumã, Carlos e Mutuá, na filmagem de Cheiro de Pequi. Foto Vincent Carelli, 2008

TAPUALU, EM O DIA EM QUE A LUA MENSTRUOU

Ele viu o

Aprendi muito nesse processo, acompa-

sangue pingando. Todos se transformam, todos os

naquele dia. Eu gostava. Chegava antes e montava

casa, porque estava ainda concentrado no Cheiro

animais se transformam. O tatu vira arraia. E a co-

os equipamentos para todo mundo assistir. Assis-

de pequi. No dia seguinte, Vincent disse que acha-

bra vira peixe. Se você for para a roça durante o

tíamos a filmes todos os dias. De repente, aconte-

va que seria bom acompanhar as coisas do eclipse.

CARLOS Reconstituímos a cena do acordar os obje-

é homem, então como ele menstruou? Saímos

mos o filme na aldeia houve muita discussão, por-

eclipse, verá as mandiocas dançando. E se for para

ceu o eclipse. Uma pessoa que fica sabendo do

As pessoas ainda não confiavam na gente, não ti-

tos que estavam “dormindo”. É engraçado e óbvio

para perguntar para as pessoas e quando a gente

que minha mãe fala Kalapalo e foi muito criticada

a cidade, poderá ser atropelado por um carro. Por

eclipse, deve informar aos outros. Na mesma hora,

nha ainda nenhum resultado das oficinas, nenhum

que já é dia, um fake total. Muitas pessoas vieram

recebeu aquelas respostas ficou claro, para mim,

porque fala outra língua e contou a história do

isso não andamos por aí durante o eclipse.

paramos o que estamos fazendo e vamos tocar as

filme pronto. Mas a gente explicava que estávamos

comentar comigo que acharam incrível que tivés-

que tinhamos um final: “Bom, se a gente quer

pequi de um modo um pouco diferente dos outros.

flautas sagradas. Na hora do eclipse todo mundo

aprendendo e falávamos da importância dessa do-

semos filmado justo no momento em que aconte-

fazer um filme que tenha um final interessante do

Todos ficaram dizendo que não poderia ser assim e

Estávamos assistindo à projeção quando

saiu da projeção, então o Carlos pegou logo um

cumentação. Depois do eclipse, acontecem várias

ceu o eclipse. Ao que eu respondia: “Reparou

ponto de vista antropológico, ele tem que acabar

alguns reclamaram que não estavam presentes no

tudo começou. Eu costumava chegar todos os dias

gravador para gravar o canto, mas não filmamos.

festas, os jovens vão pegar remédio para fortalecer

como entra sol pela fresta da casa?”. Nos diverti-

com a dúvida e não com a certeza ou com a apo-

filme. Explicamos que era assim mesmo e que al-

até o Vincent e perguntar qual filme seria exibido

Era de noite, desmontei o equipamento e fui para

o corpo deles. Pra a gente, quando a lua menstrua,

mos muito inventando aquela gag da televisão.

teose do ritual”. Isso era o produto de uma certa

guns nem sequer queriam conversar com a gente

TAKUMÃ

211

212


No início eu praticava muito, mas apenas

um lugar para ele no mundo e na sociedade Kuiku-

te se espelha no tipo de filme que é feito. Por

de agora é em termos do crescimento dele como

durante as oficinas, porque depois a câmera ia em-

ro. Deu-lhe também um modo de ganhar a vida,

termos um processo de colaboração muito definido

cineasta. Ele foi eleito quase que por unanimidade

bora. Ainda não tínhamos câmera. E a gente ficava

porque eles recebem recursos do projeto. Isso faz

dentro do projeto Kuikuro de cinema, acabei me

vice-presidente da Associação, uma coisa muito

lá, sem filmar, esperando a próxima oficina. Eu sa-

alguma diferença também em termos de motiva-

envolvendo muito nos filmes, na gestão de proje-

improvável se você entender a política Kuikuro.

bia que queria fazer vídeo. Quando chegou a câme-

ção, que é diferente do Isaac Piãko ou do Zezinho

tos, na Associação Kuikuro, mas penso que é preci-

Mas como ele virou um craque em computação,

ra na aldeia, começamos a filmar tudo, o dia a dia

Yube. No caso deles, eles partem de uma reflexão

so dar um salto. O Takumã, quando se defronta com

acabou responsável pelo cadastro dos idosos para

na aldeia, as festas, as lutas. E começamos a ser

política sobre o lugar do vídeo como uma ferra-

o desafio de ter que fazer um trabalho sozinho, ele

receber a aposentadoria rural e as pessoas reco-

chamados para filmar também em outras aldeias.

menta para afirmação de um povo, de uma situa-

faz, e faz bem; por outro lado, ainda se retrai um

nheceram isso. Quer dizer, ele foi um cara que se

Documentamos cantos, as histórias dos mais ve-

ção, de um contexto específico. Isso provavelmen-

pouco quando estamos presentes. Minha inquietu-

apropriou também de toda essa tecnologia para se

TAKUMÃ

lhos. Com o tempo eu me tornei coordenador do Coletivo Kuikuro de Cinema. O que filmar é decidido pelo cacique em conjunto com a comunidade. Não podemos simplesmente chegar e gravar, o cacique tem que estar presente. Então, comecei, também, a fazer oficinas em outras aldeias, treinamentos. Virei cinegrafista. No Xingu e na minha durante as filmagens. Mas explicamos que todo

aldeia sou reconhecido como cineasta. Fora da al-

aquele trabalho era para nós mesmo, e aos poucos

deia também, já fui contratado como editor pelo

foram entendendo.

Museu do Índio, dei aulas com o Divino em Cuiabá. E um trabalho vai gerando outro.

MUTUÁ KUIKURO, EM O MANEJO DA CÂMERA Hoje em dia,

Os Kuikuro estão num meio de transição

novas tecnologias estão entrando dentro da al-

CARLOS

deia, e isso preocupa muito as pessoas mais ve-

muito grande, o mundo ocidental chegou na aldeia

lhas. E as mais novas querem aprender mais. Por

definitivamente, o que significa que chegou por

Equipe de filmagem de Cheiro de Pequi

isso a gente tenta documentar nossas músicas,

várias vias: TV, internet, todos os meio de comuni-

e atores posando no estúdio deixado por Sebastião Salgado na aldeia. Foto Carlos Fausto, 2008

cantos, mitos, para que a gente possa usar para as

cação e circulação. Eles estão sempre viajando, e

novas gerações que virão.

todos os jovens estão procurando entrada em algu-

Takumã e Mutuá, na Casa de Cultura Kuikuro, na aldeia Ipatse. Foto Vincent Carelli, 2010

TAKUMÃ EM O MANEJO DA CÂMERA

À direita, projeção de material histórico do Parque do Xingu na casa das flautas para o curta Os Kuikuro se apresentam. Foto Vincent Carelli, 2008

213

ma coisa. O Takumã e o Jairão, por exemplo, não Quando eu era crian-

são filhos de chefe, eles não tinham muita oportu-

ça, quando eu tinta uns cinco anos, os brancos che-

nidade, e quando abriram esse espaço, eles entra-

gavam aqui, fotógrafos e cinegrafistas, aí eu via as

ram de cabeça. Takumã é o mais velho, o primogê-

coisas deles, câmeras grandes, como a Rede Globo,

nito. Faz muita diferença no Xingu ser primogênito,

que veio aqui faz tempo. Eu ficava espiando, andan-

então ele agarrou o vídeo com muita concentra-

do atrás deles, e pensava: que máquinas são essas?

ção, num desejo de encontrar um caminho para

Eu ainda era criança, eu não sabia.

ele. Além dele gostar de fazer cinema, aquilo deu

214


em ação. Chegamos para as filmagens com uma

tão, toda a feitura deste filme já começa de um

casa, cenas antológicas de um dos personagens

ideia na cabeça. Não se tratava exatamente de uma

jeito diferente, o que faz do filme uma outra coisa.

cantando sozinho. Mas, neste meio tempo, as mu-

oficina, tínhamos um projeto de filme definido:

Já na primeira filmagem em março de 2010, tinha

lheres começaram a se animar. A Kanu, uma canto-

Afukaká, chefe Kuikuro da aldeia de Ipatse e a cantora Kanu, ao fundo. Foto Vincent Carelli, 2008

personagens, abordagem, procedimentos e o pa-

uma coisa muito tranquila, bem cotidiana, porque

ra importante e personagem do filme estava doen-

gamento. A questão do pagamento é muito séria

a relação estabelecida era outra e, também, porque

te. E a comunidade estava mobilizada para a grande

no Xingu. Ali, tudo é pago, não tem papo, ninguém

na medida que você paga os personagens, e isso

festa, a festa final, de encerramento, com convida-

Carlos na filmagem de As Hiper Mulheres. Foto Vincent Carelli, 2010

vai trabalhar se não for pago. Isso é tradicional

também é uma característica xinguana, eles se

dos de outras tribos, uma festa que não era realiza-

entre eles. Nos primeiros filmes, conseguimos ver-

sentem obrigados a retribuir, precisam agradecer

da há cerca de trinta anos. Kanu nunca tinha can-

ba para pagarmos os cinegrafistas, mas neste filme

por aquilo de uma maneira ou outra. Então aconte-

as personagens reivindicaram seu pagamento. Kanu

ceu uma coisa muito linda, uma coisa que eu nunca

colocar dentro do mundo xinguano, e hoje ele é

KAMANKGAGU, EM AS HIPER MULHERES Veja filha, é isso

nos disse: “Bom, se os meninos ganham para filmar

tinha visto acontecer lá, um tom introspectivo, as

uma pessoa muito respeitada. Mas acredito que

aqui que estou te ensinando. Olha quanta música.

e nós somos personagens, queremos receber”. En-

relações pequenas, as conversinhas de dentro de

ainda falta dar um salto, como percebemos em al-

concordaram. Depois, quando foram formadas as

É essa linha que estou te ensinando, os cantos de

guns outros realizadores, uma certa reflexão sobre

novas gerações nas oficinas, encontramos a saída

Etinkgakugoho. Essa outra aqui são os cantos Tolo.

o próprio trabalho, algo que se ganha com o ama-

de assinar o filme como sendo do Coletivo Kuikuro

Este aqui é Titalo. Esse aqui é Atsagalü. Eu já te

durecimento e a experiência.

de Cinema para marcar que ali existia um grupo de

ensinei. Esta outra linha é dos cantos de Sogoko.

realizadores. A questão dos créditos nestes filmes

Esses aqui aprendi com seu tio. Esta outra é de Ti-

Veja, muitos povos

é sempre complicada. É difícil dizer quem, afinal

kankginhü. Esses ainda são muito difíceis pra você.

já perderam os seus cantos. Nós, os Kuikuro, ainda

de contas, fez o filme, porque foi um tanto de

Cada nó desse é um canto Tüakanetinhü. São muito

temos todos os nossos cantos verdadeiros. Foi por

gente. Quando trabalhei com o Leo na edição de

difíceis. Você não consegue ainda... Vai lembrando.

isso que eu pensei em criar a Associação para guar-

O dia em que lua menstruou, ele operando a ilha e

Outro dia eu te ensino mais. Não dá pra aprender

dar os nossos cantos. Hoje a comunidade já gosta

tomando decisões de corte, isso ficou muito cla-

tudo de uma vez. São muitos cantos pra aprender.

das filmagens. A câmera é de todo mundo. Não é

ro. No caso dos Kuikuro, o Coletivo de Cinema não

Tem muito ainda pra eu te ensinar.

coisa minha, nem sua. Eu me preocupo muito, as

é uma solução perfeita, mas sempre se pode colo-

crianças ficam vendo televisão na aldeia. Todos as-

car a realização como do Coletivo e especificar as

CARLOS A questão da autoria se recolocou de outra

sistem, não só os Kuikuro. Eu mesmo gosto de assis-

funções nos créditos. No Xingu, uma coisa que foi

forma quando fizemos em 2010 e 2011 As Hiper

tir ao jornal, futebol. Eu gosto que vocês estejam

muito clara desde o início do trabalho, que foi

Mulheres, pois havíamos refletido muito sobre o

ensinando os jovens, meu genro, meu neto.

colocada pelos caciques, é que os cineastas esta-

significado da nossa parceria com os cineastas in-

vam trabalhando para a comunidade a partir das

dígenas. O filme nasceu originalmente de uma ideia

Há, ainda, entre os Kuikuro, a questão da

decisões da comunidade. Mas talvez isso possa

de Bruna e Mutuá. Por diversas razões, eles não

autoria. Quando Takumã e Mariká tomaram a fren-

ter brechas, Takumã está mais maduro, já é reco-

apresentaram o projeto ao IPHAN, e eu acabei as-

te das oficinas, porque demonstraram um talento

nhecido, talvez possa apresentar projetos mais

sumindo o trabalho. Para mim, é um projeto muito

para este trabalho, os filmes saíram como sendo

pessoais e assumir uma autoria mais clara, ou de

querido, porque vai ao encontro do que estudo, que

dos dois. Na época fizemos questão, porque acre-

colaborações. Mas essa é uma questão a ser dis-

é a transmissão dos cantos. O filme representa tudo

ditávamos que era uma coisa legal, e os meninos

cutida de filme para filme.

aquilo que aprendi nesses anos no Xingu colocado

AFUKAKÁ, EM O MANEJO DA CÂMERA

CARLOS

215

Kamankgagu e suas duas filhas, Aulá e Kehesu, personagens do filme As Hiper Mulheres. Foto Vincent Carelli, 2010

216


tado todos os cantos, principalmente os cantos

DIÁLOGO DE KANU E SUA MÃE, AJAHI, EM AS HIPER MU-

sagrados e perigosos. Quando você faz as festas,

LHERES

essas pequenas festas ao longo dos anos, você

— Como você está, filha?

dança só alguns conjuntos musicais, porque é tudo

— Mais ou menos. Ainda estou aqui deitada.

muito extenso. Naquela ocasião, no entanto, as

— Por isso, tô te perguntando. A gente podia estar

coisas estavam acontecendo. As mulheres chega-

cantando juntas. Eu queria que você ficasse boa

ram a brigar com a gente, nos chamaram de pregui-

logo. Não sei por que você tá assim. Será que al-

çosos, porque não filmávamos tudo. Mesmo assim,

gum espírito está de olho em você? Estou muito

finalizamos as filmagens com cerca de cem horas de

preocupada contigo. Isso não podia ter acontecido

material bruto. Muitas vezes não era para dormir e

agora. A gente podia estar cantando. Eu ainda

a gente dormia. Foi então que a gente percebeu

quero cantar uma última vez. Eu podia te acompa-

que o que estava acontecendo era que as pessoas

nhar, de mãos dadas. Isso não podia acontecer...

estavam mobilizadas para forçar o dono dessa festa

Podíamos estar cantando para seu avô. Vamos ver

a fazer a festa. Ele era dono da festa já há dez anos

se você melhora.

e não realizava a festa de encerramento. Ele tem

Kanu canta, sob orientação da sua mãe e professora de canto.

família pequena, tem poucos irmãos. Então era

TAKUMÃ Para

realizar este filme, fizemos diversas

complicado para ele fazer uma festa. Como mobili-

reuniões entre a gente e com a comunidade,

zar trabalho para alimentar setecentas, oitocentas

principalmente as mulheres. Explicamos para

pessoas, mais a festa em si? Conversamos com ele

elas como seria a questão do pagamento, para

e ficou claro que um dos problemas era arrumar

que ninguém faltasse às filmagens, explicamos

gasolina para o transporte dos convidados. No

como deveriam se portar nas filmagens. Fizemos

caso do Jamugikumalo, que é uma festa feminina,

um roteiro de cenas que deveriam entrar no filme

tem também que ter linha cléa e miçanga. Decidi-

e nos dividimos em grupos. Tinha um quadro ne-

mos, então, bancar essa história para viabilizar a

gro onde escrevíamos tudo o que precisávamos

festa. Compramos sacos de polvilho de mandioca

filmar e o que íamos filmando, o nome das pesso-

para poder alimentar mais gente, e o negócio rolou

as, o que estavam fazendo. Por exemplo, o mes-

e foi uma festa maravilhosa, incrível. Eles e as mu-

tre dos cantos, ele lembra dos cantos durante os

lheres ficaram maravilhados e a Kanu teve a opor-

trabalhos dele, durante as caminhadas, quando

tunidade de cantar a sequência toda que ela apren-

sai para pescar, então Jairão (Mahajugi) e Munai

deu com a mãe, que foi a cantora há trinta anos

combinaram com ele de acompanhá-lo nesses

atrás. Foi uma coisa muito linda, não esperávamos

momentos. Mas nem parece que foi combinado,

Jairão e seu avô olham as imagens da festa.

isso, ajudamos a realizar a festa e coisas maravi-

porque ele age dessa maneira mesmo. A gente

lhosas aconteceram. É, sem dúvida, um filme que

buscou deixar tudo o mais natural possível, dei-

À direita, a dança das mulheres.

só poderia ter sido feito agora, depois de todos

xamos que as pessoas se esquecessem da câme-

Fotos Vincent Carelli, 2010

esses anos de trabalho.

ra, eles conversavam entre eles e eu ficava ali,

217

218


quieto, filmando. Era uma tentativa diferente do que tínhamos feito nos filmes anteriores, com as pessoas falando para a câmera. Tudo isso foi combinado com os personagens. Combinamos também entre a gente, porque usamos duas câmeras, uma faria planos mais abertos, e a outra se concentraria nos detalhes. Quando uma cena não funcionava, pedíamos para repetir.

CARLOS

No caso do Hiper Mulheres, a escolha pela

ficção partiu deles. Havia um entusiasmo e uma liberdade de invenção. Eles fizeram da aldeia um grande estúdio. O que os realizadores pediam, a comunidade fazia. Todos bastante envolvidos e à vontade. Principalmente o Jairão, que assumia com muita facilidade a direção, a repetição de cenas, as negociações das encenações. O Jairão é super ativo, enquanto o Takumã é concentrado.

Takumã, Carlos e Jairão na premiação do filme Kuikuro As Hiper Mulheres no festival de Gramado, no Rio Grande do Sul. Foto Itamar Aguiar/ PressPhoto

Durante as primeiras oficinas o Jairão era super alegre, mas às vezes dava um pouco de trabalho.

Kanu narra o mito da transformação das mulheres. Foto Vincent Carelli, 2010

219

Mas nessa oficina ele amadureceu muito, começou

KANU, EM AS HIPER MULHERES “Vamos

tes saíam aqui de trás. Aqui assim, estavam nascen-

amplo de espectadores. Esta notícia provocou sur-

a dirigir as cenas, ele chegava e dizia: “Ah! É isso

ram. Enquanto isso, as mulheres ficaram cantando

do pelos. Aqui também. Eles viraram bicho.”

presa no meio dos cineastas, e imediatamente

que é para fazer!” ou “Tá bom, pode deixar comigo”.

e dançando na aldeia. Os homens não voltaram no

— “Então vamos fazer o mesmo que eles!”

trouxe à tona a manifestação do público anti-in-

Aí ele saía sozinho e dirigia todas as cenas. Todas

dia combinado. Elas estavam esperando mas eles

Foi aí que as mulheres deram o troco. Foram buscar

dígena. O crítico do jornal “O Estado de São Pau-

as cenas de Kamnkgagü foram dirigidas por ele, e a

não chegaram.

resina de árvore, pra misturar com a pintura delas.

lo”, Luís Carlos Merten, assinala em diversas oca-

gente chegava com o material pronto decupado

— “O que houve? Será que não conseguiram pei-

Pintaram o rosto de um jeito diferente, com uma

siões o estranhamento de alguns dos seus colegas

com tudo o que eles tinham que falar. Enquanto

xe?” Elas ficaram preocupadas.

pintura de bicho. E então elas começaram a se

jornalistas: “Tem gente que acha que o filme nem

Takumã faz o Cinema Verdade, com uma câmera que

— “Filho”, disse a mãe do menino, “Vai lá ver o que

transformar.

devia estar no festival. Mas como se, como cine-

é pura fluidez e improviso, uma câmera impressio-

está acontecendo com seu pai”.

nante, chega e faz uma pergunta e mostra que fez a

— “Filho, você encontrou seus pais?” Ele não res-

VINCENT

De estética e realização primorosa, o filme

gente que morre só de pensar em assistir a filmes

pergunta, já o Jairão não, ele claramente dirigia a

pondeu. “Filho, você encontrou seus pais?”

As Hiper Mulheres é fruto de anos de trabalho de

de índios”. É assim que, pouco a pouco, a gente vai

cena e só dava o “ação!” depois que ele tinha fala-

— “Eles já eram, mãe. Aconteceu algo muito estra-

formação, de produção, e é acolhido para a sua

inserindo a presença indígena no cenário audiovi-

do alguma coisa. Foi um grande trabalho em equi-

nho. Meu pai e meus tios se transformaram em bi-

estreia em dois festivais importantes, Gramado e

sual brasileiro.

pe, com determinação de funções e procedimen-

chos monstruosos. Estavam todos transformados.

Brasília, saindo da esfera do público cativo dos ci-

tos. Um trabalho maravilhoso.

Os olhos estavam nascendo aqui na cabeça. Os den-

neastas indígenas, para alcançar um universo mais

pescar”, disse-

ma, é o melhor brasileiro até agora?”, ou “Tem

Q

21:


Ivoj!Lvøö Os Huni Ku˜ı, também conhecidos como Kaxinawá, somam 10 mil indivíduos e habitam a fronteira brasileira-peruana na Amazônia ocidental. Suas aldeias no Peru se encontram nos rios Purus e Curanja e no Brasil se espalham pelos rios Tarauacá, Jordão, Breu, Muru, Envira, Humaitá e Purus, no Acre, em 12 terras indígenas. Perseguidos e escravizados pelos caucheiros peruanos, os Huni Ku˜ı começaram a conquistar seus direitos e a demarcação de suas terras na década de 1980, processo acompanhado de um forte movimento de revitalização cultural. O Vídeo nas Aldeias tem trabalhado com as comunidades da Terra Indígena Praia do Carapãnã, no rio Tarauacá, com Zezinho Yube e seus assistentes, e com aldeias do rio e da Vila Jordão, com Tadeu Siã, Josias Maná e Vanessa Ayari.

À esquerda, Zezinho filmado o Katxa Nawa. À direita, aldeia São Joaquim, do rio Jordão, no inverno. Fotos Vincent Carelli, 2008

221

222


Ao lado, Zezinho Yube na escola do seu pai Joaquim Maná.

para filmar. Recebi uma câmera VHS e saí filmando.

ram da oficina Tadeu Siã, Zé Mateus Itsairu, Josias

Filmava aqui, filmava ali. O que eu achava mais bo-

Maná, Vanessa Ayani, Fernando Siã e eu.

À direita, o professor Joaquim Maná na sua escola da floresta.

nito era o zoom, poder ver as coisas mais próximas do que a gente vê com os próprios olhos. Eu realmen-

AGOSTINHO MURU

Frames Vincent Carelli, 1999

te achava incrível. Vincent já havia me alertado para

aqui. Eles vieram nos ensinar a filmar. Trouxeram

não usar o zoom, porque balançava muito, que qual-

cinco câmeras para os alunos filmarem. Isso é cha-

quer movimento de câmera se tornava muito brusco

mado oficina. Eles vão registrar o nosso dia a dia e

com o uso da tele, etc. Mas não dei ouvidos e a pri-

não uma representação. A nossa vida do jeito que

meira coisa que fiz, claro, foi usar o zoom. Voltei com

ela é, com cada personagem que foi escolhido.

as imagens do dia e quando Vincent e Mari assistiram

(...) O Zezinho me escolheu como personagem.

ao material me deram uma bronca. Daí, parei de fil-

Falei pra ele que a gente vai trabalhar do nosso

mar com o zoom, passei a usá-lo apenas com a câme-

jeito, sem representar. Por isso você tem que tra-

Na outra página, Agostinho Muru, pajé e líder da aldeia São Joaquim no rio Jordão, recebendo a primeira oficina de vídeo na sua comunidade. Foto Vincent Carelli, 2006

Soubemos que a oficina seria

A relação do Vídeo nas Aldeias

indígena e pesquisador da cultura Huni Ku˜ı, foi um

breve iniciação, da qual participaram, também, o

ra desligada. Ah, como eu me deliciava usando o

balhar direito. Você sai daqui, dá a explicação,

com os Huni Ku˜ı teve início em 1998, na oficina de

dos nove personagens da série Índios no Brasil.

Wewito Piãko, o Nilson Sabóia Huni Ku˜ı e, final-

zoom! Mas as coisas foram acontecendo, a oficina

trabalha e volta. Assim fica bonito. Sem represen-

vídeo que oferecemos para os professores indíge-

Para a produção do segundo episódio da série, Nos-

mente, o Zezinho Yube.

foi avançando e, num dado momento, assistimos ao

tação. Se você ficar dando pulinhos não fica bom.

nas do Acre, em parceria com a Comissão Pró-Índio

sas Línguas, fomos até a aldeia do Carapanã para

Shomõtsi. Wewito também estava lá, conversáva-

Tem que mostrar as coisas verdadeiras. Por isso

(CPI-AC). Este grupo de professores formados pela

filmar Joaquim Maná dando aula numa escolinha

ZEZINHO YUBE

Fui conhecer realmente o trabalho do

mos com ele, perguntávamos tudo sobre como tinha

temos que pensar direito.

CPI era bastante seleto, com uma experiência im-

da floresta. Na hora que foquei o Zezinho, na época

Vídeo nas Aldeias quando eu estava me formando

feito o filme, como tinha chegado até o persona-

portante no campo da autoria indígena. Participa-

seu aluno, ele começou a cantar um solo lindo, que

como agente agroflorestal indígena, em 2002. As-

gem. Assim, muito inspirado em Shomõtsi, comecei

VINCENT CARELLI

Em São Joaquim a gente enfren-

e o acompanhou durante 20 dias, 24 horas por dia.

ram da oficina professores de diferentes grupos,

me pegou de surpresa. Foi quando o conheci. Anos

sistíamos aos filmes já produzidos por outros povos,

a filmar um pajé Yawanawá. Mas eu ainda não tinha

tou a questão da performance para a câmera, no

Colou no personagem. E o Agostinho deu corda,

entre eles os Ashaninka, Manchineri, Karamari,

mais tarde, em uma de nossas conversas, em meio

os Ikpeng e os Ashaninka, sobretudo. E eu pensava

a consciência de um filme, o pensamento. Acredita-

sentido dos personagens estarem sempre enfeita-

participando ativamente de todo o processo de

Kulina, Katuquina e Huni Ku˜ı. Como representante

a uma gargalhada incontida, soube pelo próprio

que gostaria também de fazer um trabalho assim

va que me bastariam vários ângulos para a realiza-

dos, caracterizados, fazendo cena. Foi preciso

criação do trabalho.

dos Huni Ku˜ı, tivemos a participação do Adalberto

Zezinho que aquela cena havia sido ensaiada a pe-

com o meu povo. Mas minha paixão pelo vídeo co-

ção de um bom filme. Para mim, o bonito eram os

deixar a poeira baixar, a encenação cessar para

Domingos Kaxinawá, o Muru, que também partici-

dido de seu pai. Em 2002, nos reencontramos. Na

meçou muito antes, quando eu ainda era um garoto.

enquadramentos diferentes, como a gente via nas

que pudéssemos entrar, afinal, na vida. Tivemos

ZEZINHO

pou das oficinas que deram origem aos filmes No

época, eu fazia um filme sobre a formação de agen-

Era uma vontade que eu tinha desde pequeno, quan-

edições da TV: plano geral, corta, plano fechado,

que desconsiderar uma parte grande do material

muito empolgado em fazer o máximo de tomadas

tempo das chuvas e Dançando com cachorro. Neste

tes agroflorestais, um projeto que foi uma espécie

do via o Siã filmando. Me lembro de uma festa no

corta. Eu fazia o máximo possível de planos. Minha

produzido no início da oficina. Tudo nos parecia

diferentes, pouco preocupado com o conteúdo,

período, o Zezinho Yube, que mais tarde veio a se

de revolução no Acre. E o Zezinho estava novamen-

Jordão, quando ainda morávamos lá, o Siã com a

expectativa era, de cara, fazer um filme como o

excessivamente encenado e burocrático. O plano

com as conversas. Quando começamos a assistir ao

tornar o realizador que é, era ainda um garoto. Não

te lá, mas agora como secretário da Associação do

câmera e o tripé nas mãos e todas aquelas pessoas

Shomõtsi. Mas, claro, não funcionou. Porque eu não

da oficina que os alunos fizeram, que seria o retra-

material que eu produzia, fui percebendo que eu

tomou parte na oficina. Sua história com o VNA, ou

Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas

em volta. Eu via aquilo e me encantava. Então, em

pensava no conteúdo, na história que queria contar,

to da aldeia, eram as funções desempenhadas por

cortava falas no meio, não esperava a conclusão de

pelo menos nosso primeiro contato, acontece um

do Acre (AMAIAC). O trabalho do Vídeo nas Aldeias

2003, fomos convidados, eu e o Nilson Sabóia, para

me detinha apenas nas imagens. Nessa oficina, des-

cada um: agente de saúde, professor, agente agro-

um pensamento. E, também, fui entendendo os

pouco mais tarde, em 2000, durante a produção da

já havia avançado bastante na região, e nossos

a oficina do VNA na Terra Indígena do Gregório, do

cobri apenas a câmera. Fui realmente compreender

florestal. Era quase um quadro funcional da aldeia.

desdobramentos possíveis do filme a partir das fa-

série Índios no Brasil, em parceria com a TV Escola

filmes eram amplamente usados nas formações de

povo Yawanawá. Estávamos naquela expectativa. E,

o que era um filme, como pensar um filme, na oficina

Aos poucos fomos rompendo com isso, incenti-

las do personagem. Fomos percebendo que tería-

e o Ministério da Educação. O Joaquim Maná, pai

professores e agentes agroflorestais indígenas.

enfim, chegou o grande dia de pegarmos na câmera,

de 2005, na aldeia São Joaquim, no rio Jordão. Uma

vando os alunos a buscarem os homens e as mu-

mos um filme. A partir de então, eu chegava até o

de Zezinho, liderança e professor indígena com

Então, em 2003, os Yawanawá nos pediram uma

receber as instruções, aquela velha história das ofi-

oficina já nos moldes atuais, apenas com os Huni

lheres da aldeia, não as categorias que criaram.

Agostinho, posicionava a câmera, fazia uma per-

uma trajetória importante na luta pela nova escola

oficina de vídeo e fizemos, eu e Mari Corrêa, uma

cinas do VNA, pega a câmera, ensina a ligar e sai

Ku˜ı , na língua, em nossa própria aldeia. Participa-

Foi nessa oficina que o Zezinho se descobriu, deu

gunta e deixava que ele seguisse com suas histó-

VINCENT CARELLI

223

o sangue. Escolheu o personagem, um grande personagem, que é o Agostinho Muru, pajé da aldeia,

No começo da oficina eu continuava ainda

224


A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, H, L, M,

AGOSTINHO MURU

ZEZINHO

A partir deste processo de visionagem, co-

N, O, P, Q, R, S, T, U, V, X, Z. Há muito tempo que eu

mecei a compreender o que era fazer um filme, e

te corto, que eu te judio. Me ajude a aprender a ler

passei a filmar tendo em mente, também, as pesso-

e escrever. Quando aprender vou te deixar em paz e

as que assistiriam àquela história. Eu precisava me

você vai viver com a pele macia. (...) A vida do se-

esforçar para que alguém que não estivesse presen-

ringueiro é uma vida aperreada, se deita pouco à

te pudesse entender o que estava acontecendo ali.

noite, levanta de madrugada. Pega o balde e a faca

Ir atrás dos detalhes. É como uma história falada,

e sai o seringueiro, cortando aquelas árvores para

mas narrada com imagens. Mas a prova final foi mes-

sair leite o dia inteiro. O trovão ronca no centro e é

mo a edição. Foi um processo muito duro. É quando

até perigoso. Lá vem a chuva tomar o leite, você vai

você realmente olha para o seu material e percebe o

ter o dia perdido.

que faltou, o que deveria ter sido feito e como deveria ter sido feito. Penso que a edição é um processo

Os outros alunos acompanharam

de reflexão tanto do seu trabalho como da própria

personagens que mais tarde foram incorporados

história que se está contando. Neste sentido, a edi-

ao filme. Vanessa filmou a tia, Dani, mulher do

ção foi uma segunda descoberta. Sentar em frente

pajé, e o trabalho das mulheres. Fernando e Josias

ao computador e traduzir o que a gente gravou, o

filmaram o sogro e a sogra de Agostinho, e Tadeu

que as pessoas falaram. Ficamos um mês em Rio

e Itsairu não renderam um personagem, mas nos

Branco e depois mais um mês em Olinda. Eu sequer

deram momentos de boas gargalhadas, acompa-

conseguia dormir. Fechava os olhos e via Agostinho

nhando tudo muito atentamente e rindo muito dos

falando, falando. Foi realmente quando caiu a ficha.

próprios erros. A visionagem me parecia o mais im-

Fazer um filme não era apenas fazer tomadas boni-

portante de todo o processo. Vincent criticava,

tas, era preciso conteúdo, a ligação de uma fala à

PEDRO PORTELLA

Festa na aldeia São Joaquim. Foto Vincent Carelli, 2006

rias. A gente construiu o filme juntos. Toda tarde,

sentes no filme, mas sempre a partir das conversas

buscava corrigir falhas recorrentes, em geral ques-

outra. Foi quando entendi o que era o tal do conte-

ao final das filmagens, a gente assistia ao material

com o personagem. Algumas cenas foram inteira-

tões de contra-luz, de posicionamento, o corte

údo que o Vincent e o Pedro tanto falavam. Foi um

e conversava, discutia o material produzido e o que

mente imaginadas por Agostinho. Foi ele quem

abrupto de um diálogo. Procurava dar ênfase às

processo difícil, mas gostoso de fazer. Me sinto feliz

ainda faltava para completar o filme. Foram nessas

sugeriu a cena da seringa e do abecedário. Uma

situações que envolviam a banalidade cotidiana,

por poder contar essa história para outras pessoas

conversas que surgiram algumas cenas pensadas

cena completa. Que é justamente a história dos

como o “descansar” e o “falar a esmo”, momentos

da minha comunidade, para pessoas de outros esta-

pelo próprio Agostinho ou então provocadas por

escravos e daqueles que dominavam os livros de

onde todos pareciam se abrir à espontaneidade. As

dos e de outros países.

conversas com o Vincent e o Pedro Portella, que

conta, os índios e os seringalistas, respectivamen-

sessões de cinema à noite também suscitavam a

coordenaram a oficina.

te. Quem conseguisse adquirir a escrita provavel-

curiosidade de todos na aldeia, em especial dos

PEDRO PORTELLA

O filme Xinã Bena nasceu de um

realizados dentro do projeto do Vídeo nas Aldeias

mente seria liberto. É este o diálogo de Agostinho

alunos, que se mostraram particularmente motiva-

parto sofrido, consumiu aproximadamente dois

onde escancaramos o processo de realização do

Tínhamos um personagem criando

com a seringueira. E a cena dos seringueiros sain-

dos pelos filmes dos parentes. Os filmes do VNA

meses de árduo trabalho. A primeira etapa da edi-

mesmo, ou melhor: a oficina em si. As infindáveis

situações altamente simbólicas. A gente provoca-

do de madrugada lendo o abecedário – a escrita,

permitiam que eles refletissem sobre a própria re-

ção ocorreu num clima ótimo, pois o material

visionagens do material recém gravado, os comen-

va um pouco as questões, principalmente relativas

que era entendida como o grande instrumento de

alidade, sobre os ângulos e, principalmente, sobre

oriundo do período de realização era bem interes-

tários dos professores e dos alunos, tudo estava

à história dos seringais, para que estivessem pre-

poder e dominação.

a adoção de certos focos narrativos.

sante. Creio que esse foi um dos primeiros filmes

ali, para mostrar o processo de feitura por trás das

VINCENT CARELLI

225

Ao alto, Tadeu e Zezinho conversam com seu personagem Agostinho Muru. Foto Vincent Carelli, 2006 Acima, Pedro Portella ajuda o Tadeu Siã a “bater o branco”. Foto Vincent Carelli, 2006

226


no Final Cut algumas cenas que faltavam. A primei-

CARTELA, EM HUNI MEKA

Os professores Huni Ku˜ı, no

genas, além dos professores e pesquisadores Huni

ra versão completa do Xinã Bena foi exibida numa

Acre, têm trabalhado com os seus anciãos para que

Ku˜ı. Neste primeiro momento, do registro dos cantos

sessão coletiva noturna, na sede do Vídeo nas Al-

seus conhecimentos não se percam. Isaias Sales

para a produção do CD, nós não estávamos na aldeia.

deias, onde pudemos receber e assimilar as críticas,

Ibã pesquisou seus cantos tradicionais e convidou

Posteriormente, num encontro meu com Mari Corrêa,

para posteriormente melhorar ainda mais esse tra-

uma equipe para gravar um CD e publicar um livro

ela me contou do projeto e perguntou se eu não

balho. Dessa forma extremamente participativa o

para suas escolas.

gostaria de fazer a oficina de edição do material com

filme saiu do forno para o mundo, literalmente.

os alunos. Eu nunca havia estado no Acre, conhecia Esse é o cipó da flo-

pouco a cultura Huni Ku˜ı. Do projeto, sabia apenas

Entre este filme e a segunda produção do

resta e do macaco de cheiro. Primeiro você sente a

que se tratava do registro da gravação de um CD, e

Zezinho, fizemos uma outra oficina em São Joa-

força do macaco. Você vê uma luz amarelada.

que Tadeu e Josias, já iniciados no vídeo na oficina

quim, em 2006, com os mesmo alunos que partici-

Quando você bebe, você ouve todos os sons da na-

anterior em São Joaquim, haviam filmado sem nin-

param da realização de Xinã Bena. Tratava-se de um

tureza. Você escuta bem. E teu corpo fica levinho,

guém do Vídeo nas Aldeias acompanhando. Então,

projeto da Comissão Pró-Índio, em parceria com o

levinho. Você vai sentindo. Esse cipó é levinho. Aí

fui para o Acre, sozinho, num tempo muito curto,

IPHAN, para o registro dos cantos tradicionais Huni

começa a cantar e a floresta balança.

apenas 20 dias. Ficamos na aldeia do Josias Maná,

BIXKU HUNI KUI˜, EM HUNI MEKA

À esquerda, alunos e aldeia no visionamento coletivo diário do material filmado. Foto Vincent Carelli, 2006 Ao lado, Zezinho em Olinda, editando o Xinã Bena com Pedro Portella. Foto Vincent Carelli, 2007

VINCENT

Ku˜ı ligados ao uso da ayahuasca. O projeto previa a

Boa Esperança. Tadeu também foi para lá. O mate-

gravação de um CD e a publicação de um livro. Na

CANTO EM HUNI MEKA

A floresta está balançando,

rial havia sido todo filmado com zoom, de longe, o

verdade, não chegamos a fazer a oficina de produ-

balançando. O cipó é leve e está balançando. Estou

que prejudicou, sobretudo, o som, além de algu-

vendo a miração e o cipó balançando.

mas imagens tremidas e instáveis. Mas, ao mesmo

imagens. Para mim, tudo era novidade, o convívio

tegração. Isso não quer dizer que não tínhamos

zido, e muitas sequências prontas, rumamos para

ção, apenas a de edição. Desse processo, nasceu o

com o Zezinho Yube, com Vincent, que me ensinou

problemas. Claro, toda edição tem suas diversas

Olinda pouco tempo depois, para finalizá-lo. Em

Huni Meka, os cantos do cipó, que teve uma contri-

muito nesse processo, com a equipe da CPI, que

problemáticas. A pior delas era dar conta de sinte-

Olinda o trabalho foi ainda mais intenso. Não eram

buição muito grande do Leo Sette, que coordenou a

LEO SETTE

No projeto estavam envolvidos o Gustavo

deu um duro danado, comecei a ficar muito empol-

sempre nos ajudou e com outros indígenas que pas-

tizar cerca de 50 horas de material em menos de

raros os dias em que o Zezinho acordava antes de

oficina de edição na aldeia, na construção de novas

Pacheco, etnomusicólogo, Dedê Maia, coordenadora

gado com o material e vi que dava pra gente fazer

saram pelo sítio naquele período em Rio Branco, os

uma hora. Com quase todo material do filme tradu-

todos, umas quatro e meia da manhã, para traduzir

cenas que deram corpo ao filme.

do projeto, Siã Tadeu e Josias Maná, cineastas indí-

um filme ali. E foi aquele processo, o pessoal assis-

tempo, o assunto era incrível, fascinante. A gente

Ashaninka e os Yawanawá em especial. A inspiração vinha das nossas conversas, das viagens provocadas pelo rapé dumedeske, do macarrão à bolonhesa que preparei algumas vezes, do vinho que

Da esquerda para direita: Bixku, mestre do canto e do cipó, conduz as filmagens de Huni Meka.

raramente buscávamos nos confins da capital acreana, do frango com cheiro de gasolina que Vincent comprava em suas constantes caminhadas matutinas; tudo era motivo para madrugarmos risonhos na frente dos computadores, preocu-

Cipó para fazer ayahuasca. Dois velhos mestres dos cantos do cipó cantando para gravação do CD de música Huni Ku˜ı.

pados com a tradução e com a narrativa particular dos Huni Ku˜ı, que começava a aparecer. Nossa imersão era total, a coletividade era a maior de nossas

Leo Sette. Frames Huni Meka

conquistas, o filme, se saísse, seria fruto dessa in-

227

228


tindo, se entusiasmando. Daí começaram a surgir

mundo, em que contexto, os filmes do Zezinho acon-

ZEZINHO YUBE

O desejo de fazer um filme sobre

prêmio, participei, durante onze dias, de um cur-

demos muito da nossa história, da nossa cultura,

novas cenas feitas para o filme. O Bixku, pai do Jo-

teciam. Havia um plano de produção que ditava o

meu pai era algo antigo. Sempre admirei muito o

so de formação. Eram discussões mais técnicas de

das nossas festas, das nossas músicas. Dessa ma-

sias Maná, também cantor, estava presente. Assistia

fechamento do roteiro, o tempo de realização do fil-

trabalho dele como professor. É um grande pes-

roteiro e produção. Uma abordagem mais teórica,

neira, o vídeo é também uma forma de incentivo

ao material e pensava novas cenas. Durante a edição

me. Ele se opunha dizendo que iria filmar quando as

quisador, alfabetizou muita gente. Eu mesmo fui

bem diferente do aprender fazendo das oficinas

ao aprendizado, ao ensino, à transmissão do co-

isso foi acontecendo naturalmente. Sentíamos falta

coisas acontecessem. Em Filmando Manã Bai, um fil-

alfabetizado por ele. Ele me convidou para filmar

do Vídeo nas Aldeias. Muitas coisas não batiam

nhecimento para os mais jovens.

de algumas situações e saíamos para produzi-las,

me dirigido por mim que revela o processo de feitura

sua formatura. Então pensei em fazer algo para

com o que eu havia aprendido até então, e mesmo

como a coleta do cipó, o preparo da bebida, e o ritu-

do curta de Zezinho, Manã Bai – a história de meu pai,

além do registro, contar um pouco a história dele

com a realidade de filmagem na comunidade. Per-

JOAQUIM MANÁ EM MANÃ BAI

al que encerra o filme. A gente trabalhou com uma

ele diz que no Vídeo nas Aldeias se aprende quebran-

e, ao mesmo tempo, a história do nosso povo, dos

cebi, neste curso, que as pessoas não tinham a

com o vídeo, mas a gente já fazia livros. Eu pensava:

PD-150, que já era um ganho enorme em relação às

do a cara, se aprende fazendo. E, ao mesmo tempo,

meus avós, a vida no tempo dos seringalistas, o

menor ideia do que era ser índio, algumas nunca

“se eu escrever para o meu povo, eles vão poder ler

oficinas anteriores, em termos de captação de luz. E

acredita que se tivesse feito um pré-roteiro para as

processo de libertação e demarcação de nossas

tinham sequer visto um índio. Além disso, havia

e continuar praticando nossa cultura. Com o vídeo,

conseguimos filmar o ritual à noite. O Bixku produ-

filmagens de Xinã Bena não teria filmado tanto. Con-

terras até chegar na educação diferenciada, os

a questão dos prazos. Como fazer o filme no prazo

todos vão poder aprender, não só os alunos que sa-

ziu a cena, as vestimentas, fizemos um plano de luz.

versamos sobre isso. Explicamos a ele que numa ini-

próprios índios ensinando aos seus alunos, não

que me pediram? Todas essas questões me fizeram

bem ler e escrever, mas também as crianças, os ve-

Foi muito bonito. Quer dizer, o material inicial, mes-

ciação empírica desenvolve-se outros talentos, ou-

apenas a escrita, mas nosso modo de viver. Foi um

pensar bastante, amadurecer as possibilidades

lhos, todos vão acompanhar. (...) Se a gente tivesse

mo com imperfeições, cortes bruscos, zoom, etc.,

tras abordagens, a capacidade de olhar, a capacidade

filme difícil pra mim, porque precisei romper uma

que eu tinha com essa ferramenta nas mãos, com

o vídeo antigamente, a gente veria os rituais que

era muito fascinante, o que nos deu grande estímulo

de permitir que o improviso se manifeste, a possibi-

barreira para chegar até meu pai. Na nossa cultu-

a câmera nas mãos, a comunidade ali e as ideias

nosso povo fazia, e os sábios que já se foram.

para continuar o trabalho na edição, mesmo com o

lidade da criação coletiva e da participação do perso-

ra não temos essa proximidade e liberdade com os

que eu poderia ter para novos filmes. Como fazer

ritmo puxado e num processo bastante intenso. Ao

nagem nas escolhas do filme, que no contexto das

nossos pais. Mas eu precisava fazer o filme, então

novos documentários que falassem da nossa cul-

ZEZINHO

final da oficina, tínhamos o filme pronto. Em Olinda,

produções do VNA é importante deixar-se levar.

fui rompendo essa distância aos poucos. Uma ou-

tura, da nossa história a partir de diferentes abor-

a pensar sobre a nossa cultura e a relação com os

tra aprendizagem neste filme foi ser colocado

dagens? Meu desejo era, e ainda é, filmar o nosso

filmes. O que é cultura para os Huni Ku˜ı e como,

fizemos apenas alguns ajustes finais. Foi um filme

Ao alto, Joaquim Maná sendo diplomado em Cuiabá pelo ex-governador Dante de Oliveira. Acima, Zezinho edita o filme Manã Bai com Tiago Tôrres. Foto Vincent Carelli, 2008

A partir de Xinã Bena e Manã Bai, comecei

rápido, contagiante e muito fácil nas relações que

JOAQUIM MANÁ EM MANÃ BAI

No tempo dos patrões,

frente a uma maneira completamente diferente

conhecimento, pensar o filme tanto como uma

através dos filmes, podemos reanimar nossa gen-

estabelecemos na aldeia. É um filme simples tam-

tinha um programa chamado Mobral. Eu só estudei

de fazer cinema. Depois de selecionado para o

obra quanto uma forma de registro. Porque já per-

te a retomar nossas festas? A partir destes dois

bém, mas que diz bem daquilo que se propõe a ser,

duas semanas, ainda tinha medo dos brancos. Eles

um registro da transmissão dos cantos e o uso da

ensinavam nos livros e eu não aprendia nada. As li-

ayahuasca entre os Huni Ku˜ı.

deranças diziam: “professor branco não é bom, queremos professores índios”. Em 1983, escolheram O jovem vai beber

alunos para um curso de professores. Me candidatei

você. Não o leve muito longe. Ajudeo-o a afinar a

e me deixaram ir. Eu fui, estudei, e desde então sou

voz. Coloque-o no caminho certo dos cantos.

professor. (...) Passei no vestibular e, segundo a

BIXKU HUNI KUI˜, EM HUNI MEKA

tradição dos brancos, vim para a formatura receber Em seguida, também em 2006, o Zezinho

meu diploma. Durante cinco anos pesquisei a nossa

apresentou um projeto de curta-metragem para o

cultura. Só os brancos escreviam sobre a gente. Se

Prêmio Revelando os Brasis, que foi aprovado. O mais

eu escrevo em português, escrevo para os brancos.

importante aqui é o choque de métodos ao qual o

Por isso escrevi na nossa língua. Para que os nossos

Zezinho foi submetido. Nitidamente, os professores/

jovens aprendam e possam fazer novas pesquisas.

orientadores do prêmio não compreendiam em que

Para guardar nossa memória.

VINCENT

229

Agora a gente trabalha

Ao lado, Zezinho dá seu depoimento para o filme Fimando Manã Bai, falando da dificuldade para enfrentar e filmar o próprio pai. À direita, Joaquim Maná na festa do Katxa Nawa. Fotos Vincent Carelli, 2008

22:


documentários comecei a sentir essa necessidade

momento, percebi que a luta não era mais apenas

de voltar a viver a nossa cultura, a nossa tradição.

minha, mas de toda a comunidade.

Comecei, através do vídeo, a pensar um pouco em como reaproximar as pessoas e, a partir daí, pen-

VINCENT

É neste contexto que surge a ideia de

sar um documentário de “revivência”. Para isso,

filmar a festa do Katxa Nawa, que havia sido

comecei a fazer projeções do material bruto da

abandonada na região desde os tempos dos se-

viagem para o Jordão, da época das filmagens do

ringais. Estamos em 2007, e Joaquim Maná apro-

Xinã Bena, e também de algumas filmagens que eu

va um projeto no Prêmio Culturas Indígenas para

havia feito sobre o processo de revitalização no

a realização da festa. Formaram-se duas frentes,

Jordão, que nessa época vivia uma retomada mui-

a produção da festa, com o roçado, vestimentas,

to grande das nossas tradições, em função do tra-

cantos, etc., e a produção do filme. A proposta

balho da Comissão Pró-Índio junto aos professo-

deles era levar para a aldeia pessoas que pode-

res indígenas e agentes agroflorestais da região.

riam lhes ensinar a festa. Mas não era apenas uma

Eu me encantei com esse trabalho e tentei levar

demonstração. Era preciso que a festa aconteces-

isso para a minha aldeia. Minha ideia era, a partir

se. Vieram mestres de outras aldeias. Eu, Mari

dessas exibições, criar um processo de retomada

Corrêa e Ernesto de Carvalho acompanhamos o

das nossas tradições e de reaproximação do nosso

processo. Foi relativamente simples. O roteiro

povo através do vídeo, mas sem o compromisso

estava pré-determinado, tínhamos que acompa-

de realização de um filme. Assim, o começo do

nhar a festa. O filme estava completamente na

trabalho foi o de apenas filmar a comunidade e

mão deles.

depois projetar o material filmado, para que eles

Festa Nixpu Pima na área do Carapanã. Foto Tiago Tôrres, 2009

231

pudessem se ver na tela e sentir. Para mim, na-

ZEZINHO

Depois de aprovado o projeto para a festa

quele momento, o importante era a gente se ver,

do Katxa Nawa começamos a discutir o que fazer.

o que é bastante diferente de você ver os outros.

Eu pensei numa festa grande, que envolvesse todo

A partir do momento em que você filma uma festa

mundo. Com o projeto teríamos verba para ali-

e projeta, as pessoas começam a sentir, começam

mentação, combustível para as pessoas chegarem

a perceber como estão dançando, como se ves-

até a nossa aldeia. Era possível a realização de

tem, como se pintam. Envolvemos mais algumas

uma festa grande. Mas, ao contrário, a ideia de

comunidades neste processo. E isso surtiu um

meu pai era fazer uma festa apenas para o filme,

efeito muito grande. As pessoas começaram a dis-

juntar algumas pessoas, deixar outros de fora, e

cutir, os velhos e os jovens começaram a se enten-

filmar apenas aquelas pessoas que estavam boni-

der. No início foi um movimento tímido, mas de-

tinhas, com pintura, com roupa. Uma ficção. Mi-

pois as pessoas começaram a participar. Fomos

nha posição era radicalmente contrária. Disse a

rompendo antigas desavenças entre as aldeias,

ele que se quiséssemos chamar nosso povo para

entre as pessoas, entre as gerações. A partir desse

reviver nossa cultura, teríamos que deixar a festa

Ao alto, projeções na aldeia do Zezinho. Fotos Ernesto de Carvalho, 2007

232


aberta à participação de todo mundo, quem qui-

era uma invenção dos mais jovens. Assistimos de-

ção, na crista da onda da cena, mas também de

atividades, enquanto os jovens se vestiam num

Esse é o sentido real da colaboração. Aí realmente

sesse estava dentro. “Vamos deixar a câmera liga-

pois ao material bruto e todos comentavam e dis-

que eram dois membros da comunidade, comple-

gramadão. Eu pensei comigo mesmo: “Claro, o Ta-

o filme não é só do realizador indígena, mas da

da e filmar a realidade que acontecer aqui, porque

cutiam: “olha, isso está errado, da próxima vez

tamente pintados e vestidos para a festa, partici-

deu é um realizador indígena, mas também é o

comunidade como um todo, que ajudou a tradu-

se a gente quiser controlar tudo, a gente não vai

precisamos fazer melhor”. E neste momento me

pando plenamente, com a câmera na mão. Fazen-

professor na aldeia dele, é óbvio que ele não vai

zir, que viu o material bruto sendo processado,

trazer as pessoas para sentirem a festa, sentirem o

senti uma pessoa realizada, com o meu trabalho,

do a festa e fazendo o filme. Eu acho que se ele

ficar simplesmente filmando o pessoal, ele vai dar

que se apropriou do processo. Você vira um cata-

gosto da festa. Desse jeito a gente vai fazer a fil-

com o vídeo, com essa ideia antiga de retomar a

decidiu subverter a lógica do pai, de que a festa

aula enquanto filma também!”. Outro momento

lizador disso tudo. E naquele momento havia um

magem de uma festa que não existe!”. Entramos

cultura através do vídeo. Essa festa foi a maior

seria um teatrinho, ele conseguiu não só gerar a

marcante foi a própria edição do Katxa Nawa. De-

outro elemento, que é que haveria um primeiro

em acordo e trouxemos velhos de outras aldeias,

realização da história da nossa terra indígena, em

participação de todos, mas conseguiu fazer a câ-

pois da festa, Vincent e Mari me largaram na al-

corte do Katxa Nawa que seria somente para circu-

conhecedores da nossa cultura. A partir desse mo-

termos de cultura, de convívio, de viver uma festa

mera ser mais do que um simples substituto da

deia do Zé. Algo que não estava planejado. Lá eu

lação interna entre os Huni Ku˜ı. Achei genial, fa-

mento, comecei a sentir a força de verdade, a in-

de verdade, trazer as pessoas, sentir a emoção do

plateia daquele teatro que ia acontecer. A câmera

tive minha primeira experiência de editar um fil-

zer um filme sem legendas ao português, uma

teração de verdade do meu povo. Era o que eu es-

tamanho da festa.

se enxertou no evento como um todo, e todo

me inteiramente numa aldeia indígena. Isso eu

espécie de manifesto cultural dos Huni Ku˜ı do

mundo foi lançado para o meio daquela alucina-

acho que é parte fundamental do processo. E a

Tarauacá para os Huni Ku˜ı em geral. E nesse senti-

perava, desde muito longe. Naquele momento a gente conseguiu, eu consegui, sentir, respirar

ERNESTO

Chegamos na aldeia onde ia acontecer a

ção pulante, dançante, cantante e gritante. Não

parte mais intensa para o oficineiro: editar com

do, era muito mais eles que iam ser capazes de

fundo, e pensar que era exatamente isso o que eu

festa, a “Carapanã de Cima” (agora essa aldeia

era simples registro, nem simples documentário,

uma comunidade inteira ao teu redor. Crianças,

dizer o que era importante constar nesse filme, do

desejava. Então as pessoas se esqueceram da câ-

tem o interessante nome de “Aldeia Povo Junto

nem simples encenação, era a câmera como parte

velhos, gente passando, chegando, curiosa, opi-

que eu, como editor.

mera, se esqueceram que a gente estava filmando

no Futuro”!). Poucas horas depois o Zezinho che-

da festa. Pra um mim um momento emblemático

nando, sentando do teu lado, fazendo perguntas,

e conduziram a festa. Fiquei super animado, era

gou, junto com os barcos que vinham de aldeias

disso foi presenciar o Tadeu, que tinha vindo do

comentando... Cada ação sua na frente do compu-

VINCENT

este o objetivo do trabalho. A interação dos ve-

vizinhas. Foi impactante vê-lo entrar, a mil por

Jordão com o pai, Agostinho Muru, filmando e ao

tador ganha um peso. Você pode se isolar, ou

do Katxa Nawa, que produzimos as entrevistas para

lhos, das pessoas que não participavam mais, que

hora; ele e o Tadeu Siã. Senti algo forte ali, não só

mesmo dando explicações pros mais jovens sobre

pode fazer daquilo um espaço convidativo pros

o filme histórico do DVD Huni Ku˜ı da Coleção Cine-

não acreditavam mais, que achavam que aquilo

de dois documentaristas perseguindo uma situa-

como deveriam dançar numa próxima etapa das

que visitam, envolver as pessoas no trabalho.

astas Indígenas, com os narradores e os cineastas

Foi também durante a realização da festa

Huni Ku˜ı. Agostinho Muru e Tadeu Siã, Bixku e Josias Maná, Joaquim Maná e Zezinho Yube. A proposta era coletarmos o material tanto para a proDa esquerda para direita:

dução do filme histórico que compõe o DVD quanto sobre o uso do vídeo pelos Huni Ku˜ı . O filme foi

Ernesto e Zé editam a primeira versão do filme Katxa Nawa na aldeia. Foto Jarlene Kaxinawá, 2007 Vincent na festa do Katxa Nawa. Foto Ernesto de Carvalho, 2007 Mari Corrêa, Zezinho Yube e Tade Siã filmando o interprograma Uma escola Huni Ku˜ı. Foto Vincent Carelli, 2007

inteiramente montado em Olinda, pelo Ernesto e

Ernesto filmando o making of da entrevista com Agostinho Muru. Foto Vincent Carelli, 2008

Zezinho, dando origem ao Já me transformei em Imagem.

AGOSTINHO MURU, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM.

Mesmo que eu morra, vocês vão me assistir, os meus netos e as novas gerações. (...) Não temos mais como nos esconder, já temos nossa imagem exposta. Daqui pra frente, temos que pensar na nossa tradição, e fazer novos filmes.

233

234


Bixku conta a historia dos Huni Ku˜ı. Foto Vincent Carelli, 2007

Sobre o processo de construção do Já me

transformei em imagem. Além da equipe toda do

a sua voz pública como narrador, uma voz que vai

transformei em imagem, há aspectos importan-

VNA, Olívia, Mariana, a Mari e Vincent. Era um

representar muita gente. Afinal, é a língua dele

tes que gostaria de colocar. Estávamos no carna-

momento de grande esforço. Àquela altura, já ha-

que vai ecoar pelas salas de cinema. Soma-se a

val de 2008, em Olinda. Era uma sensação estra-

víamos terminado a tradução do material e come-

isso esse outro desafio do vídeo. Por ser uma sín-

nha, porque o mundo lá fora estava pegando

çávamos a pensar qual seria o formato deste fil-

tese, muito mais do que a escrita, era preciso

fogo, e a gente ali, enfurnado na ilha que hoje é

me. E tinha uma questão que permeava a nossa

encontrar um texto justo, condensado, que desse

o estúdio de som. Era, também, um momento

discussão que era a dúvida sobre se faríamos um

conta da história Huni Ku˜ı, dos cinco tempos pro-

muito interessante no Vídeo nas Aldeias, porque

só filme, passando pelo histórico Huni Ku˜ı e o uso

postos pelo Joaquim Maná na sua pesquisa. A

parte da casa. (…) Perto havia outros Shubuã.

forma como vivíamos se transformou depois do

muitas pessoas estavam ali, envolvidas em dife-

do audiovisual pela comunidade, ou se dividiría-

gente encontrou a medida deste texto a seis

Vivíamos alegres antes do contato. A gente tinha

contato com os nawá.

rentes frentes de trabalho, sobretudo na produ-

mos essas questões em dois filmes distintos. Ao

mãos, eu, a Ana e o Zezinho. Era este o esforço,

nossos materiais de trabalho, usava o nosso terça-

ção e finalização dos DVDs Huni Ku˜ı e Panará,

mesmo tempo gravávamos as narrações para o

como traduzir uma narrativa histórica complexa

do de pupunha, derrubava com machado de pedra.

AGOSTINHO MURU, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM

para a Coleção Cineastas Indígenas. A Ana Carva-

Katxa Nawa e para o Já me transformei em ima-

numa série de frases curtas e condensadas.

A gente enfrentava dificuldades, mas vivia bem.

O que eu posso te contar hoje é que antes do con-

lho estava negociando a cessão de direitos de

gem. O Zezinho procurando sua voz como narra-

imagens de arquivo para o filme, fazendo a pes-

dor. O Zé é um realizador, está sempre atrás da

NILO BIXKU, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM

quisa e redação dos textos para o histórico Huni

câmera, e, de repente, ele tem que encontrar um

Ku˜ı. O Daniel Castelo Branco traduzindo o mate-

ERNESTO

Foto dos Huni Ku˜ı no “tempo das correrias”. Foto autor desconhecido

tato vivíamos tranquilos. Nós nos chamávamos Nós, os

de Huni Ku˜ı. Mas aí os brancos chegaram, e inventa-

tem atenção e olhem bem para mim, sem mexer os

Huni Ku˜ı, contamos a nossa história em cinco tem-

ram um novo nome pra gente. Uma tarde, uns meni-

tom de voz certo para narrar o filme e, neste caso,

olhos para os cantos, como seu estivesse falando

pos. No início, era o “tempo das malocas”, em que

nos matavam morcego, quando chegaram os nawá

rial produzido pelos Panará com o Paturi, o Mar-

um filme que vai contar a história do seu povo.

besteira. Prestem atenção ao que vou falar e en-

vivíamos juntos e não sabíamos dos nawá, aqueles

e perguntaram o que estavam fazendo. Como não

celo Pedroso editando o filme histórico Panará De

Essa é uma questão que eu penso ser dos realiza-

tendam bem. No início, morávamos todos juntos,

que não são índios. Para saber sobre este tempo é

sabiam falar português, responderam: “matando

volta à terra boa. O Zezinho e eu editando Já me

dores indígenas de modo geral, que é como achar

numa grande casa, o Shubuã, cada família numa

preciso conversar com os mais velhos. Porque a

taxi”. Aí os brancos escreveram “Kaxinawá”.

235

Pres-

NARRADOR, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM

Agostinho Muru, Tadei Siã e Joaquim Maná recontam a história do povo Huni Ku˜ı. Foto Vincent Carelli, 2007 Agostinho Muru, pajé da aldeia São Joaquim e personagem de diversos filmes Huni Ku˜ı. Foto Vincent Carelli, 2007

236


À direita, Huni Ku˜ı no “tempo das malocas”. Foto Harald Schultz, 1951

da nossa terra, os parentes formaram aldeias nas bei-

processo de consolidar este espaço para a produção

tradicionais de sobrevivência. Decidimos aprender a

ras dos rios e pudemos voltar a praticar nossos rituais.

indígena, este conceito de cineasta indígena. Mas, na verdade, o que precisamos de encarar com fran-

escrita e a matemática, que foram os instrumentos

Na página ao lado: Acima, Zezinho Yube e Ernesto de Carvalho editam o filme Kene Yux˜ı em Olinda. Foto Vincent Carelli, 2009. Abaixo, Zezinho enfrenta as filmagens de Kene Yux˜ı, apesar de todas as adversidades. Foto Vincent Carelli, 2008

da nossa exploração. Criamos cooperativas. Assim,

NARRADOR, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM

No tem-

queza, é que o Vídeo nas Aldeias é um espaço de

a extração da seringa passou a ser gerenciada por

po presente voltamos a ser muitos. No Acre, somos

colaboração. Vejo esses vídeos como objetos híbri-

nós mesmos e pelos pequenos seringueiros. Os se-

mais de seis mil pessoas, espalhadas entre cinco

dos, feitos e circulando entre mundos. Porque exis-

ringueiros que tomaram as nossas terras foram in-

municípios, nos rios Jordão, Envira, Purus, Taraua-

te uma expectativa, e neste caso, uma expectativa

denizados pelo governo para sair delas. Os que fica-

cá e Breu. Nosso povo também está no Kuranja, no

negativa, de um purismo dessas produções. Há

ram na região, com a desvalorização da borracha,

Peru. Agora trabalhamos pela nossa autonomia.

sempre uma expectativa de que ele vão inventar uma outra linguagem, quando na verdade o Vídeo

viraram comerciantes ou transformaram seus serinERNESTO O Zezinho sempre pensa a importância que

nas Aldeias é um espaço de interlocução, de produ-

o filme vai ter para os Huni Ku˜ı e, ao mesmo tempo,

ção colaborativa. E, neste trabalho com o Zezinho,

AGOSTINHO MURU, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM

ele é a pessoa que circula fora da comunidade.

a colaboração é muito clara.

Quando todos os patrões seringalistas foram embora

Dessa maneira ele também percebe a importância

gais em fazendas de gado.

que o filme tem fora. No caso do Já me transformei

VINCENT

Em 2009, Zezinho partiu para seu próxi-

em imagem, uma questão para o Zé, e também para

mo projeto, um filme realizado a partir da pesqui-

Depois

dos quais dependíamos para comprar materiais de

a gente, era como este filme iria consolidar uma

sa desenvolvida por Joaquim Maná sobre os Kene,

do tempo das malocas, nossas florestas foram inva-

trabalho e alimentos. Sem entender a matemática

outra versão da história dos Huni Ku˜ı . E como a

os grafismos Huni Ku˜ı . O desejo deste filme se

didas pelos nawá que vinham à procura de borracha.

dos brancos, éramos enganados no peso da borracha

versão de uma comunidade específica poderia re-

manifestou já na época da realização de Manã

Éramos tratados como uma ameaça à abertura dos

e subordinados a um esquema de endividamento.

presentar a história de um povo. Um processo im-

Bai, e já discutíamos quais eram as questões que

portante neste sentido. A edição foi, ainda, um

atravessavam esse projeto. Inicialmente, a ideia

NARRADOR, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM

seringais. Caucheiros peruanos e seringueiros nordestinos nos caçavam à bala para “limpar” a área.

AGOSTINHO MURU, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM

momento não só de olhar para a história dos Huni

era que o Joaquim Maná fosse mais uma vez o

(...) Muitos grupos desapareceram nessa época.

Ouvia falar que tínhamos direito à nossa terra. Outros

Ku˜ı , mas também um momento para o Zezinho

personagem central, na figura do professor pes-

povos já tinha reconquistado suas terras, mas eles não

olhar para seu próprio trabalho como um todo.

quisador, e que ele iria seguir numa grande via-

AGOSTINHO MURU, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM

sabiam da nossa existência. Aí vieram e nos descobri-

Utilizamos trechos de outros filmes já realizados

gem, revisitando os personagens da sua pesquisa,

Passamos a nos dividir. Alguns foram para o Purus,

ram. Falaram pra gente: “agora vocês não vão mais

por ele, o que fez com que o filme fosse também

em busca das origens do Kene, para a realização

uns desceram este rio. E os que ficaram acabaram

trabalhar para os brancos, e vão reviver a sua cultura,

uma síntese do trabalho desenvolvido por ele até

do filme. Fizemos uma pesquisa inicial e aprova-

nas cabeceiras dos rios.

se vocês ainda a têm. Vão ensinar para os seus filhos”.

então. Uma outra questão colocada era a natureza

mos um projeto no IPHAN. Mas as coisas não

No começo juntamos apenas 150 Huni Ku˜ı . Quando

do material. O Zezinho nunca havia trabalhado

aconteceram como esperávamos.

Depois

veio nosso amigo Terri, nós fomos nos juntando cada

com tanta entrevista. Visto por este ângulo, o fil-

das correrias, os seringalistas nos impuseram o tem-

vez mais. Daí começamos a reivindicar a nossa terra.

me é uma verdadeira edição de texto, a criação de

ZEZINHO YUBE

um texto a partir de outros, os depoimentos de

de Kene no rio Jordão, devido à minha ligação

NARRADOR, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM

po do cativeiro. Por décadas fomos utilizados como

237

perar nossos recursos naturais e nossas formas

A ideia inicial era fazer uma oficina

mãos de obra semiescrava nos seringais. Passamos a

NARRADOR, EM JÁ ME TRANSFORMEI EM IMAGEM

A par-

Agostinho, Bixku e Joaquim Maná. Houve a ques-

com o lugar, a família do Agostinho Muru. Primei-

viver nas colocações, centros de produção de borra-

tir da década de 1970, vivemos o tempo dos direi-

tão se eu deveria assinar com o Zé este trabalho.

ramente, faríamos uma viagem para conversar

cha dentro da mata. Os patrões montavam barracões

tos. Começamos a lutar pela nossa terra e para recu-

Acredito que estávamos, e ainda estamos, num

com os velhos sobre nossa cultura e também para

238


exibirmos os filmes que já havíamos produzidos. Vários deles haviam sido produzidos no Jordão, em parceria com realizadores de lá. Mas ao chegarmos na Vila Jordão fomos barrados pela associação indígena local.

REPRESENTANTE DA ASSOCIAÇÃO INDÍGENA EM KENE YUX˜I

Nosso conhecimento não é brincadeira.

ZEZINHO YUBE EM KENE YUX˜I

Queremos mostrar os

Joaquim Maná, autor do livro sobre grafismos Huni Ku˜ı, e sua esposa e mãe do Zezinho, Maria, mestre de tecelagem. Foto Vincent Carelli, 2008 Tecelagem Huni Ku˜ı do rio Purus, um estilo próprio. Foto Zezinho Yube, 2009 Maria, mãe do Zezinho, discute os Kene com mulher do rio Purus. Foto Zezinho Yube, 2009

filmes que já fizemos, e também fazer um registro dessa mostra (...) mas se vocês não quiserem, não vamos insistir.

REPRESENTANTE DA ASSOCIAÇÃO

Não estamos cobran-

do dinheiro de ninguém, mas se vocês puderem pagar, melhor. A realidade é essa.

JOSIAS MANÁ

Se deixarmos a câmera aqui podenão funcionaria, que pegássemos os recursos do

conflitantes, como realmente aconteceu. Então

Com o desenvolvimento do filme, algumas questões

que queriam aprender os Kene, e fizemos a oficina.

projeto e fizéssemos o filme na minha aldeia mes-

foi preciso retomar as relações, conversas, nego-

apareceram para mim: quantos Kene existiam? Como

Depois dessa oficina, comecei a vislumbrar o filme.

mo. Mas Vincent se opôs e me incentivou a voltar

ciações, apresentação do plano de trabalho, do

são feitos? Qual a situação real da transmissão deste

ao Jordão e negociar nossa entrada, conversar com

orçamento. Apenas assim o filme tornou-se possí-

conhecimento para as mais jovens? Os nomes de hoje

MAZENILDA, EM KENE YUXI

as lideranças. Decidi voltar, e fomos mais uma vez

vel. Já me transformei em imagem foi muito im-

são os mesmos de antigamente? Eram coisas que eu

que era Txere Beru”. É o pássaro que faz “txe, txe,

Vocês se dizem autoridade. Eu não

barrados. Mas dessa vez eu estava mais confiante e

portante no contexto de realização deste projeto.

desconhecia completamente até começar a fazer o

txe...” Txere Beru é o olho de curica. Foi isso o que

vou desrespeitar. Vim para fortalecer o nosso traba-

disse que faria o filme mesmo que houvesse essa

decidisse retomar o filme. Decidiram, então, levar

Rever a sua história, com imagens de arquivo, o

filme. Motivado por essas questões e pelos aconteci-

aprendi.

lho, fazer o registro, divulgar o material, mas desse

oposição. Nos reunimos durante alguns dias na

mestras e jovens para a sua própria aldeia, no Ca-

movimento da demarcação das terras Huni Ku˜ı ,

mentos no Jordão eu criei mais forças para lutar por

jeito não dá.

Vila Jordão, eu, minha mãe, Agostinho Muru e sua

rapanã, para a oficina dos Kene. Foi maravilhoso.

tudo isso contribuiu para a mobilização da comu-

uma maior integração do meu povo e pela retomada

AGOSTINHO MURU, EM KENE YUXI

família e decidimos convidar as mestras do Jordão

Vieram mulheres do Jordão, do Purus, mulheres

nidade em prol do projeto.

de nossa cultura. Fazia reuniões na comunidade, con-

letra A para os brancos. É o começo de todos os Kene.

Depois desse acontecimento eu pen-

para uma oficina na minha aldeia, dessa maneira

incríveis. Um encontro feliz. Mas essas dificulda-

sei que estava tudo acabado, que não haveria con-

estaríamos também fortalecendo política e cultu-

des suscitaram questões para além do filme. Trata-

ZEZINHO YUBE

A realização deste filme era de uma

mulheres, que não têm muita força política, a assumi-

VINCENT

dições de fazer o filme, meu próprio povo, essa

ralmente a minha comunidade.

se de um projeto que diz respeito a um povo, é um

importância fundamental para nós, não se tratava

rem o projeto, a se sentirem parte do processo e ensi-

pedição para o alto Purus. Dessa vez tudo correu

projeto político. É preciso negociar, debater com

apenas do conhecimento sobre os Kene, mas da nossa

narem às mais novas o seu conhecimento. E a comu-

com menos obstáculos. A descoberta no Purus foi

mos ir?

REPRESENTANTE DA ASSOCIAÇÃO

Podem entrar com a

câmera, mas têm que deixar um agrado.

ZEZINHO YUBE

ZEZINHO YUBE

desavença. Então voltei para minha terra indígena

Eu perguntei à minha mãe o

O Txere Beru é como a

vidava todos a participar e a colaborar, incentivava as Depois da oficina, decidiram fazer uma ex-

e liguei para o Vincent. Disse a ele que o filme já

VINCENT

Passaram-se cerca de três meses desde a

outras lideranças. Um projeto como este é passí-

cultura. O Kene é muito importante para o nosso

nidade se mobilizou inteiramente, se organizou.

de outra ordem. Lá havia velhos fantásticos, co-

era, que a ideia de envolver outras comunidades

proibição da entrada no Jordão até que o Zezinho

vel de se tornar objeto de disputa e interesses

povo, e um conhecimento que só as mulheres têm.

Juntamos as mulheres, as mestras e as mais jovens

nhecedores das tradições e, também, uma juventu-

239

23:


Da esquerda para direita:

JARLENE HUNI KU˜I, EM TROCA DE OLHARES

Estou sen-

Jarlene, Zezinho e Wewito no Morrinho, para o projeto Troca de Olhares, no Rio de Janeiro. Foto Vincent Carelli, 2009

tindo frio desde que cheguei aqui. As casas são to-

Jarlene, esposa de Zezinho Yube, participou do projeto fazendo pinturas corporais e fotografando. Foto Ernesto de Carvalho, 2009

raria num lugar assim. Tem que morar numa terra

Ernesto, oficineiro e autor em Troca de Olhares.

lene e Wewito, não fazíamos muitas idealizações.

Foto Zezinho Yube, 2009

das umas em cima das outras. Eles moram em um lugar muito perigoso, na descida. Eles moram num barranco. Não sei como não têm medo. Nunca moplana. Não pode ser como aqui.

ERNESTO

Quando fomos para o Rio, eu, Zezinho, Jar-

Eu sabia que seria um processo difícil. Tínhamos uma proposta que, ou as partes envolvidas topariam, ou o projeto seria inviabilizado. A ideia era de uma imersão na comunidade. Dessa forma, eu imaginava que poderíamos alcançar algo muito profun-

de que não queria saber de nada. E do Carapanã

passava por aí, pela questão da cópia e do uso dos

sas terras, a religião. Para qualquer lugar que a

trabalho dele. (…) A gente veio aqui conhecer, visi-

vontade de participar. Chamamos o Zezinho, que

do. Chegar na comunidade, se apresentar, descobrir

veio uma juventude louca para saber das coisas e

grafismos por outros povos e pelos não-índios. Foi

gente olhe, a situação é essa. As pessoas estão

tar a comunidade de vocês. A gente também mora

topou prontamente, e o Wewito, que tinha uma

os personagens, as questões do lugar. Nesse senti-

sem os velhos para contar. A expedição ao Purus foi

todo um trabalho para desconstruirmos isso. É uma

começando a traduzir a bíblia. Qual será o próximo

numa comunidade, só que indígena. E a gente veio

agenda cheia, mas que aceitou também o desafio.

do, eu acreditava que seria possível fazer algo bas-

este casamento perfeito. No entanto, como se tra-

questão antiga, arraigada, cheia de meandros. Na

passo depois da tradução? Tentar falar sobre isso

fazer essa troca de olhares.

Uma crítica recorrente ao filme é a de que arma-

tante radical ali, naquele tempo. A diferença é que

tava de um projeto de patrimônio para o IPHAN,

montagem outras questões apareceram, como in-

com as pessoas é complicado. É uma discussão ain-

mos uma arapuca, e os realizadores caíram ino-

estamos, nós e os realizadores, muito acostumados

enfrentamos aquela velha questão de prazos e

serir ou não a questão religiosa. Alguns dos monta-

da muito nova, a questão da religião. Enfim, eu

VINCENT

Partimos, então, para um segundo desa-

centemente na armadilha, no sentido de que não

a fazer filmes em comunidades, mas dentro de um

abordagens. Fizemos uma primeira montagem para

dores, este filme foi montado a várias mãos, ques-

acho que a gente tem que começar a pensar nessas

fio, a realização do Troca de olhares (2010). Exis-

era um projeto, uma demanda pessoal deles, e sim

contexto de parceria no qual os realizadores estão

o IPHAN, focada na técnica e nas narrativas sobre

tionaram se este não seria um outro filme. Não é

estratégias. Os evangélicos conseguiram fazer com

tia uma certa expectativa, uma certa demanda, de

nossa, do nosso público. E mais, não era, inicial-

na sua comunidade, já existe a confiança, já existe

o Kene. Mas o filme que achávamos que deveria ser

outro filme, a questão dos crentes atravessa a ques-

que muitos de nós acreditássemos que a nossa cul-

maneira geral, do nosso público, por filmes que

mente, nem um projeto que havia partido deles,

uma estrada trilhada. No Rio, eram pessoas que a

feito era sobre a busca do Zezinho, a saga do proje-

tões fundamentais das quais o Kene faz parte. A

tura não serve para a gente. Então qual a estratégia

explicitassem o que os índios pensam sobre nós.

tampouco dos meninos que foram escolhidos da

gente não conhecia, era preciso, primeiro, conquis-

to. Era isso que precisávamos revelar. E os Kene no

questão abre para problemas maiores enfrentados

para reverter essa situação? Para fazer com que os

Da parte do Isaac Piãko, já havia o desejo de fazer

TV Morrinho, no morro Pereira da Silva, no Rio de

tar um mundo para que depois pudéssemos fazer

interior dessa busca. Havia uma provocação. O Zé

pelos Huni Ku˜ı, que é a desunião apresentada ali, a

jovens se voltem para a nossa realidade, que se

um filme numa favela, mas com finalidades didá-

Janeiro. E ficamos pensando a medida disso. Os

algo interessante. E, claro, havia, também, um cer-

buscava a origem dos Kene. E, no fundo, o projeto

questão da transmissão do conhecimento, etc.

entusiasmem novamente com o que é nosso? Para

ticas, e no sentido de reforçar o projeto ambiental

caminhos e soluções encontradas a partir dessa

to exotismo, a cidade, a favela. Então, eu esperava

mim, fazer este filme, o Kene Yuxi, permitiu todas

Ashaninka, colocando em perspectiva a degrada-

situação. Além disso, havia, no projeto, a deman-

que o processo fosse este, uma entrada gradual num

essas descobertas.

ção do meio ambiente no espaço urbano. Quando

da do intercâmbio, de troca, num primeiro mo-

universo completamente diferente que permitisse a

aprovamos o projeto de intercâmbio aldeia-cida-

mento, os índios na cidade, e depois, os meninos

feitura do filme. Mas, o que aconteceu foi que, ini-

O que estamos

de no Pontão de Cultura VNA, nos vimos num im-

da comunidade na aldeia. Mas a ida dos jovens

cialmente a proposta era trabalhar no Vidigal, com

tinha também uma busca de patente dos grafismos. E a discussão que se colocou foi a seguinte: os Kene

ALUNO HUNI KUI˜, EM KENE YUXI

são universais. Estão presentes em outros povos no

acabar porque Deus não a mencionou.

A nossa cultura vai

Brasil, estão presentes na Indonésia. O que é dos

WEWITO PIÃKO, EM TROCA DE OLHARES

Huni Ku˜ı ? São as histórias associadas aos Kene.

ZEZINHO YUBE

O maior problema que enfrentamos

querendo fazer aqui como vocês é seguir o cotidiano

passe, pois não havíamos pensado de antemão

para a aldeia não rendeu um filme, e ficamos ape-

o pessoal do Nós do Morro, ou seja, seria um espaço

Este é o patrimônio, não o desenho em si. Mas o

é o que está ao nosso redor. A chegada de novas

de uma família, de um personagem. Achar este per-

quem participaria da oficina, tampouco sabíamos

nas com o olhar do Zezinho, Jarlene e Wewito so-

onde seriam travadas grandes discussões entre lide-

discurso dos velhos e o próprio discurso do Zezinho

tecnologias, a chegada de novas culturas nas nos-

sonagem e seguir o dia a dia dele na comunidade, o

quais dos realizadores tinham disponibilidade e

bre uma comunidade do Rio de Janeiro.

ranças jovens de periferia urbana e lideranças indí-

241

242


genas vindas de outro mundo, uma espécie de fó-

Toda a ferramenta que temos quando trabalhando

rum, um pessoal que faz filme, que estava a fim do

nas comunidades indígenas, de se debruçar sobre o

projeto. Duas comunidades com olhares amadureci-

cotidiano de uma família, de um personagem, tudo

dos iam se encontrar e aí sim poderia haver uma

isso se fechou ali. Não conseguíamos sequer entrar

troca de olhares. Mas por problemas de agenda,

na casa das pessoas. Frente a essas questões, passa-

etc., não foi possível. Então o Sérgio Bloch, que ti-

da uma semana na comunidade, sentamos para con-

nha um contato com a comunidade do Pereirão, su-

versar eu, o Zezinho, Jarlene e Wewito. Discutimos

ZEZINHO YUBE

geriu que fizéssemos o intercâmbio lá mesmo. O

todas essas questões e um segundo enfrentamento

também sou realizador, eu faço filmes.

trabalho desenvolvido ali era ainda muito novo, no

que apareceu, que era a questão de estarem sofren-

sentido de amadurecimento e reflexão sobre as pró-

do preconceito dentro da comunidade. Nessa con-

prias ações e produções. O que se tem ali é um pro-

versa, que foi inteiramente gravada, nos colocamos

jeto artístico muito bom, mas voltado sobre a refle-

duas opções, ou a gente desistia ou a gente compra-

xão de si mesmo, uma grande catarse sobre o seu

va o desafio. Não teríamos a oportunidade de viver

próprio processo e história. Além disso, os meninos

essa experiência novamente. E fomos para a bata-

GAROTO I

do Morrinho não tinham uma grande entrada na co-

lha, tentando estabelecer pontes e relações possí-

estão acostumados? Eu já vi aquele bagulho que o

munidade, não foram capazes de apontar persona-

veis, buscando personagens que despontavam, en-

cara sopra assim, tá ligado? Eu fui num lugar que

gens interessantes, de montar um circuito entre

frentando com muita elegância as asperezas do

vendia arco e flecha. Um passeio da escola.

eles mesmos e a comunidade de forma que a gente

lugar, o imaginário que a comunidade fazia deles: os

pudesse circular e alcançar algumas pessoas e tam-

índios, estes outros “selvagens”. Se o morro é peri-

bém não abriram o espaço de suas próprias famílias.

férico, o índio é mais periférico ainda.

GAROTO I

Lá na aldeia de vocês tem um líder?

ZEZINHO YUBE

NICOLAS

Geralmente são os mais velhos.

Você é o que lá? Sou agente agroflorestal indígena e

Leão não existe no Brasil, rapaz! Na

paço do beco, as relações entre o Morrinho e a

dos personagens da comunidade. Essa era a cena

mata eu só tenho medo da cobra. Se você for mor-

comunidade como um todo, sua memória, sua his-

que surgiria e, provavelmente, a questão mais im-

dido longe da aldeia, você pode morrer lá mesmo.

tória. Mas a grande lição do Troca de olhares foi,

portante para este trabalho. E de fato, o que ficou

pra mim, o seguinte ponto: a gente é colocado

no filme, é essa devolução do olhar e o próprio pro-

sempre diante da pergunta sobre a especificidade

cesso de realização do vídeo, o embate dos índios

do olhar indígena, sobre uma diferença funda-

com o lugar e com os procedimentos do VNA, que

mental de se ver o mundo que estaria refletida nas

não funcionavam ali, por diversas questões. O Zezi-

suas escolhas de enquadramento, etc. A experiên-

nho reflete sobre isso: por que este procedimento

cia do Troca de olhares de certa forma desloca essa

funciona na aldeia? Porque devolvemos a imagem,

pergunta e mobiliza outra: qual a especificidade

mostramos para a aldeia o que filmamos e a partir

do olhar que é devolvido para a câmera quando é

daí a comunidade se envolve. E não conseguimos

um índio que está atrás da câmera. Essa é a verda-

fazer isso aqui, de modo que as pessoas não se en-

deira troca de olhares.

volvem e não compreendem o que estamos fazendo.

ZEZINHO YUBE

GAROTO I

ZEZINHO YUBE

NICOLAS NICOLAS

O que vocês fumam lá? Tabaco. E também fazemos o rapé.

Maneiro esse bagulho aí!

Quais animais vocês já encontraram lá? GAROTO I

Parece chá isso, cara!

ZEZINHO YUBE Vários tipos de animais. Cobra, onça… NICOLAS

Caramba, vocês não têm medo não? Já

Tem que dar isso é para mulher aqui no

Isso rompia com todo um procedimento com o qual

morro! Cobra na sua língua é como? A comunidade

os cineastas estavam acostumados. O próprio pro-

nunca participou de uma filmagem assim, com al-

cedimento do Ernesto, como oficineiro, se distan-

guém acompanhando seu cotidiano. É muito difícil

ciou completamente do que normalmente adotamos

ERNESTO Depois que encontramos a Sandra, perso-

para eles também. Tem a TV, o vídeo, o que passa na

nas aldeias. Nas aldeias nos mantemos mais distan-

NICOLAS O que tu fez quando viu a onça? Mas leão tu

nagem do filme, começamos a acessar mais a co-

televisão sobre a comunidade. Eles se sentem opri-

tes, não filmamos com eles ou independentemente

nunca viu não, né?

munidade, participar de algumas conversas, o es-

midos com isso.

deles. Nessa experiência, pelas circunstâncias en-

WEWITO PIÃKO, EM TROCA DE OLHARES ZEZINHO YUBE

Yube.

frentadas, Ernesto assumiu uma postura escancaraUma coisa é fazer com que a comunidade

da de colaboração, trabalhando junto, às vezes so-

se sinta parte disso. A gente não está fazendo

zinho, filmando, abrindo passagem em busca do

isso, pelo menos com as imagens que a gente está

filme. Um trabalho realizado pelo Zezinho, Wewito,

produzindo, para que eles possam se aproximar

Jarlene e, também, pelo Ernesto. Apesar do aparen-

mais. Na comunidade da gente rola isso. A pessoa,

te fracasso do filme, no sentido de que não coincidia

depois assistir, acaba tendo vontade de ser filma-

com o que inicialmente esperávamos, a experiência

da também.

foi muito positiva, por nos colocar frente a uma

ZEZINHO

Wewito filma o Nicolas, um dos personagens do projeto Morrinho.

série de questões, de procedimentos, de escolhas, VINCENT

Eu tinha uma clara ideia sobre isso quando

de abordagens.

redigi o projeto. Era a ideia de pares, um com a câ-

243

Wewito e Zezinho, na sede do projeto Morrinho, no Rio de Janeiro.

mera e outro interagindo. Era evidente que pelo

JARLENE HUNI KUI˜, EM TROCA DE OLHARES

fato de serem índios que a temática do índio seria a

Rio. Vi muita coisa diferente e por isso fiquei com

Fotos Ernesto de Carvalho, 2009

mais óbvia como resposta das pessoas, até mesmo

um pouco de medo. Mas estou muito contente, por-

se sobrepondo às perguntas dos índios sobre a vida

que já sei que estou voltando para a minha aldeia.

Eu gostei do

244


VINCENT

O Zezinho é, provavelmente, o cineasta

mais importante do Acre. Acumulou prêmios, viajou para mostras e festivais. Seu amadurecimento como diretor e para as questões relativas ao seu povo é incrível. E ele é um sujeito que não pára, que tem esse desejo de diálogo e trânsito entre o mundo indígena e o mundo branco. Faz isso com muita clareza. Vive na cidade, está antenado no mundo, na internet, na política indigenista. Acredito que muito em função disso deu-se o convite para que assumisse, em 2011, a Secretaria de Assuntos Indígenas do governo do Acre. Um convite ao qual ele não poderia declinar. Soubemos da proposta durante o encontro dos Realizadores Indígenas, em Olinda, nos fins de 2010. Várias questões se colocam para ele a partir de agora. Mas, como

você é tomado mais uma vez pelo acontecimento.

ele mesmo apontou, uma tradição já foi criada,

E tem uma coisa que considero muito boa no pro-

agora é formar novos cineastas, para que o projeto

cesso com o vídeo que é as pessoas se valorizarem,

de cinema e, principalmente, de retomada cultural

que é você se ver e perguntar, quem sou eu, quem

para formar os novos cantores. E passar esse co-

que está ao nosso redor, porque senão será muito

dos Huni Ku˜ı continue.

somos nós? Mas é importante a gente não se aco-

nhecimento da forma como era passado antes,

tarde para tentarmos reverter a situação. Eu vejo

modar a essa ferramenta. Não podemos fazer o re-

através de resguardo, ficar isolado um bom tempo

que a cultura é um instrumento crucial, precioso,

Filmar para o mundo da aldeia e para

gistro de uma festa e parar por aí. Não se acomodar

na floresta, sem contato com doce, com mulher,

para a gente viver como um povo, pra gente ser um

o mundo do lado de fora. Hoje eu vejo dois traba-

é incentivar que as pessoas continuem fazendo

com outras questões que prejudicam o seu apren-

povo. Sem a nossa língua, as nossas festas, as nos-

lhos, um em que você envolve a comunidade para

essa festa, independentemente do filme que a gen-

dizado, e daí tentar criar uma nova história. A nos-

sas raízes, a nossa espiritualidade, vamos deixar de

de fora. Os outros são importantes para a gente

fazer um trabalho de audiovisual e, ao mesmo tem-

te já fez. Formar, por exemplo, novos cantores,

sa história cultural está se perdendo, os velhos

ser um povo. E quando deixarmos de ser um povo,

aprender, para somar. Como o Isaac falou uma vez,

po, um trabalho para o público que não conhece a

porque a gente precisa dos cantores. Agora, como

estão morrendo, os jovens já não se interessam

seremos apenas uma dúvida e nos perderemos nes-

não estamos aqui por acaso, algumas pessoas nos

nossa terra, que não conhece a nossa realidade. E

a gente faz isso? Não é com fone de ouvido que

mais. Daí, nosso projeto é reativar esse interesse,

se desenvolvimento esmagador que vivemos atu-

ajudaram, parceiros que trabalharam com a gente

também o filme como expressão artística. Com o

você aprende as nossas músicas, aprende cantan-

e formar novos pajés, novos cantores. Acredito que

almente. E essa não é uma discussão pessoal, é um

para chegar onde chegamos. É este o sentido da

vídeo foi possível desenvolver, acima de tudo, um

do ali, junto com os velhos, fazendo resguardos,

não podemos nos acomodar a nenhum tipo de mí-

debate que tem que ser coletivo. A cultura tem que

troca, da parceria. Talvez tudo isso tenha me leva-

trabalho cultural, e de memória. Isso acontece o

isso é o mais importante, fazendo alguns resguar-

dia. O vídeo é apenas mais um instrumento que

ser vivida cotidianamente, tem que fazer parte da

do ao convite que recebi do governo do Acre para

tempo todo, uma aldeia que já não existe mais, os

dos para ter uma boa memória. Porque os cantos

permite este incentivo, porque o filme sozinho não

comunidade, uma festa tem que ser realizada não

assumir o cargo de secretário de assuntos indíge-

jovens que hoje já se casaram, já têm uma família.

não se inventam, os cantos estão lá e a gente tem

garante nada. Então é preciso este outro trabalho.

por obrigação mas por necessidade. Por exemplo,

nas do estado. Agora não tenho muita saída, fazer

O tempo muda e os filmes ficam. Quando você as-

que ir atrás destes cantos para que possamos

É o que tenho dito para algumas pessoas da minha

uma festa relacionada com a espiritualidade das

filmes novamente só daqui a quatro anos! (risos)

siste a um filme feito há anos, você não pode mais

aprendê-los. O nosso projeto futuro é este, buscar

aldeia. Nós temos que atuar neste mundo em que

plantas. Sem ela a agricultura não será boa. Mas é

Enquanto isso, outros cineastas serão formados e

voltar atrás, fisicamente, mas emocionalmente

o velho que está lá no Purus, trazer para o Tarauacá

estamos hoje, a partir dessa cultura esmagadora

importante também não ignorar o outro que vem

nossos filmes continuarão a ser produzidos.

ZEZINHO YUBE

A nova geração de cineastas Huni Ku˜ı. Foto Tiago Tôrres, 2009

245

Acima e à direita, projeções dos filmes dos cineastas indígenas na favela do Pereirão, Rio de Janeiro. Foto Ernesto de Carvalho, 2009

Q

246


Nczb.Hvbsboj Com a chegada dos conquistadores europeus no século XVI, o território dos Guarani tornou-se palco de disputas entre portugueses e espanhóis. Nos séculos XVIII e XIX, os Guarani que não se submeteram aos espanhóis nem às missões jesuíticas, refugiaram-se na região do Guaíra paraguaio e dos Sete Povos. A população Mbya-Guarani no Brasil era estimada em 7 mil (2008), no Paraguai em 14.887 (2002), e na Argentina em 5.500 (2008). No Brasil, suas aldeias situam-se no interior e no litoral dos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. O Vídeo nas Aldeias tem trabalhado com duas aldeias no Rio Grande do Sul, Anhentenguá, na periferia de Porto Alegre, e Koenju, no município de São Miguel das Missões.

Acima, Patrícia Ferreira, da aldeia Koenju, co-autora dos filmes Bicicletas de Nhanderú e Desterro Guarani. Foto Ernesto de Carvalho, 2011 À esquerda, Morada do Solano, na aldeia Koenju.

247

248


De manhã

de, uma ansiedade, projetando tudo, porque querí-

cedo, existe um momento quando Niamandu vem.

amos fazer um bom trabalho. Saber do Ariel nos

Quando o sol ou quando Niamandu vai. Quando a

deixou bem animados.

ARIEL ORTEGA EM BICICLETAS DE NHANDERÚ

noite vem chegando, ficar ao redor do fogo. Existe Eu sempre me interessei pelo vídeo, mas nun-

aquele momento que é aquele momento pra aconte-

ARIEL

cer a coisa. Não é qualquer hora, não é qualquer lu-

ca tinha tido a oportunidade de fazer um filme. No

gar. Não adianta inventar.

início, eu não queria participar, não queria fazer a oficina, mas fui mesmo assim, sem ter a menor ideia

Quando chegamos, eu e Tia-

do que seria. Estávamos na Lomba do Pinheiro. Era

go, ao Rio Grande do Sul, em novembro de 2007,

a primeira vez que eu ia até essa aldeia. Pegamos

para a primeira oficina Guarani, Ariel já estava no

Tiago e Ernesto no aeroporto e seguimos para lá.

ERNESTO DE CARVALHO

carro esperando a gente. Foi muito marcante este Da esquerda para direita:

encontro. O Marcus Benedetti, do IPHAN, e nosso

ERNESTO

Nossa chegada na aldeia foi explosiva.

interlocutor inicial com os Guarani, nos falou que

Nos encontramos com o Cirilo Morinoco, cacique

percepção de como este momento deveria ser

zer a oficina, era algo do tipo “vai acontecer uma

diam muito. Estávamos numa aldeia que tinha 10

o Ariel tirava fotos e filmava com seu celular, e nos

Guarani da aldeia Lomba do Pinheiro, nos arredo-

conduzido era de explicar tudo, de conversar, dei-

oficina e quem quiser participar, e tal”. Existe uma

hectares, onde as pessoas vivem quase na periferia

deu a impressão de que toda ferramenta que dispu-

res de Porto Alegre. Estávamos a 1000 por hora e

xar tudo o mais claro possível. Mas estávamos

resistência, uma desconfiança muito grande. Os

de Porto Alegre, é uma situação muito difícil. En-

nha e colocava nas mãos ele começava a usar. Era

ele a 1. Se os Guarani são meditativos, contem-

exaustos, fora de centro, elétricos e aquela foi a

Guarani estão acostumados com relações que não

tão comecei a sentir o trabalho que tínhamos que

nossa primeira oficina sozinhos, a gente estava

plativos, filosóficos, o Cirilo nem se fala. Nos en-

primeira experiência de colisão do jeito de ser Gua-

dão em nada. E naquele momento não entendía-

fazer. Na verdade, as coisas já estavam acontecen-

com aquela vontade, uma expectativa muito gran-

contramos com ele e começamos a falar. Minha

rani e do jeito de ser branco. A maneira que se re-

mos nada. Existe tanto ruído na comunicação en-

do, mas eu ainda não havia me dado conta. Havia

lacionam com o tempo e com a comunicação, com

tre os brancos e os Guarani, uma relação tão tu-

as pessoas no seu dia a dia, a mãe do Cirilo, que é

a conversa, com o silêncio, apesar de estarem in-

multuada, que a postura inicial das pessoas nas

uma mulher importante na aldeia, uma mulher de

crustados no meio da cidade, é radical. Explicamos

aldeias é não embarcar nesses processos. Me lem-

idade. Fomos visitá-la e ela começou a falar para a

tudo ao Cirilo, da produção à edição, a importância

bro que tivemos uma conversa logo no início do

câmera de como se sentia diante daquele lugar pe-

do filme pronto, da nossa disposição para fazer o

trabalho que se tivéssemos apenas um aluno, ain-

queno, que era triste ter que comprar tudo, que ali

trabalho. Depois do Cirilo escutar essa explicação,

da assim daríamos a oficina. Mas havia outros

não se planta mais, que queria ir para outro lugar,

esse desabafo afobado, ele nos disse de maneira

além do Ariel. Estavam lá, também, o Jorge Mori-

mas que não podia. Foi aí que surgiu a ideia do

simpática: “pois é, vocês brancos são muito dife-

noco, filho do Cirilo, Germano Beñites, Alexandre

filme, de fazermos alguma coisa sobre a situação

rentes da gente, vocês vão falando logo tudo. A

Patchá e Diego Ferreira.

daquele lugar. Ficamos acompanhando o dia a dia

gente não, somos diferentes, esperamos um pouTiago Tôrres Ernesto de Carvalho em frente à sede do Vídeo nas Aldeias, prontos para partirem para a oficina junto aos Mbya-Guarani, em 2007

249

Ariel Ortega, um dos alunos da primeira oficina Mbya-Guarani no Rio Grande do Sul, em 2007. Foto Ernesto de Carvalho, 2007 Diego, que só participou da primeira oficina. Foto Tiago Tôrres, 2007. Germano Benites, silencioso, é um dos cinegrafistas mais aplicados do Coletivo Guarani de Cinema. Foto Tiago Tôrres, 2007. Jorge, filho de Cirilo Morinico, morador da aldeia Agnetenguá, na Lomba do Pinheiro, na periferia de Porto Alegre, com o seu primeiro filho e esposa. Foto Ernesto de Carvalho, 2008.

das pessoas. Então as coisas começaram a clarear.

co.” Só então percebi o que estava acontecendo. E

ARIEL

Chegamos na Lomba sem saber o que fazer.

Toda noite fazíamos um roteiro. No dia seguinte,

çar, encontrar uma direção, o personagem. Eu que-

disse ao Cirilo: “vamos começar de novo”. Voltamos

Foi difícil. Numa aldeia Guarani as pessoas são

Tiago e Ernesto montavam a câmera e diziam para

ria fazer algo diferente do que já havia sido feito.

para o carro, chegamos e começamos a conversar

muito reservadas. Durante uma semana foi tudo

filmarmos. Saíamos para filmar, cada um seguia um

Nasci na Argentina, na aldeia do meu avô, muitas

sobre se acomodar, montar as redes, dormir. No dia

bastante difícil, não conseguíamos filmar, não sa-

personagem com quem tinha mais identificação.

pessoas vinham, filmavam, vinham antropólogos,

seguinte, começamos a organização do trabalho.

bíamos o que fazer, o que tínhamos que mostrar.

Cada um tem um personagem com quem tem mais

mas sempre faziam de uma forma que não era cor-

Ali não tinha de fato um grupo de alunos para fa-

Conversava com as pessoas, mas elas não enten-

ou menos intimidade. Mas foi muito difícil come-

reta. Parece que obrigavam os Guarani a falar. En-

24:


da mesma forma. Por exemplo, eu costumo visitar o meu avô para falar sobre coisas importantes. Eu imagino, porque sempre imagino, que ele vai falar tudo. Então chego até ele, ele me cumprimenta e durante um dia inteiro ele não fala nada. Aí vou novamente no dia seguinte, fico uma, duas horas, e ele continua sem falar nada. No terceiro dia eu chego novamente, e somente então ele começa a falar. Porque para nós a palavra é muito importante. A conversa, tudo tem o momento certo, o tempo certo, então não adianta forçar a barra e falar coisas que não têm sentido. Tem que realmente ter seu momento ali, inspirado. Para nós existe essa coisa do tempo, o tempo certo, o momento da palavra. Só assim a conversa realmente serve. De tar-

tão, nessa oficina eu percebi que podia fazer dife-

que quisessem mostrar. Mas havia uma desconfian-

rente, que éramos nós mesmos que estávamos

ça, porque já passamos por muitas situações com-

fazendo.

plicadas. Mas então percebemos, todos percebemos, que ali havia mesmo o problema da terra. A Este filme

partir daí começaram a surgir outras questões, de

que estamos fazendo vai ficar legal. Eu não sei

sobrevivência, a venda do artesanato. Então co-

quanto tempo vai ter, mas todos os Guarani vão

meçaram a falar, todo mundo começou a falar. De-

poder ver. A gente tem que mostrar o que é impor-

pois da reunião, quando entenderam o que fazía-

tante, por isso tem que ter personagem. Por exem-

mos ali, e depois que começamos a mostrar para a

plo, num filme você tem que saber onde vai termi-

comunidade, à noite, o que tínhamos filmado du-

nar. Pode mostrar a aldeia, a cidade, mas tem que

rante o dia, todos assistiam e ficavam felizes. Foi

ter uma ideia principal para terminar bem.

aí que o filme começou mesmo. As pessoas se viam,

ARIEL, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA

Acima, alunos da oficinas entrevistam moradores da aldeia da Lomba do Pinheiro, espremida em 10 hectares de terra. Fotos Tiago Tôrres, 2007

251

entendiam o que estava acontecendo, e começaDurante a oficina na Lomba, fizemos uma

ram a ficar mais à vontade. Viam sua própria ima-

reunião com a comunidade. Falamos de como era

gem e já pensavam no que falar, no que fazer. Mas

importante fazer o documentário, que poderíamos

além da desconfiança, existe algo que é próprio

ter voz, que a comunidade ficasse à vontade, que

dos Guarani, da nossa cultura. Quando uma pessoa

poderiam falar o que quisessem falar, mostrar o

chega numa aldeia, mesmo sem a câmera, funciona

ARIEL

Ernesto assiste à produção da oficina com os alunos e a comunidade. Foto Tiago Tôrres, 2007 Ariel com seu avô, o velho Duarte, na aldeia Tamanduá, em Misiones, na Argentina. Foto Ernesto Ignacio de Carvalho Ariel se perguntando: “O que é que eu filmo agora?” Foto Ernesto de Carvalho, 2010

252


comem. Se não a comida não vem. A cidade cresce

lhor maneira de você procurar um tema é testar as

CIRILO MORINICO, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA

cada vez mais. Estão nos cercando. (Segurando

coisas, sair para filmar. Depois dos exercícios bási-

Os brancos sempre nos olham mal, mas eles mesmos

uma colméia): isso também dá mel. Só que agora as

cos, de ensinar a ligar e desligar a câmera, a se mo-

nos colocaram num chiqueiro. Estamos como bichi-

abelhas deixaram suas casas. Você sabe porque dei-

vimentar, começamos a busca pelos personagens.

nhos ali cercados que alguém vai e coloca um peda-

xaram suas casas? Porque algo estava incomodan-

Mas era tão pouco, tão pouca coisa acontecia. E,

ço de pão. E se ninguém der nada a gente não come.

do elas. E elas não gostam disso, por isso se muda-

naquele momento específico, a Lomba era uma al-

Mas porque isso? Porque eles mesmos tiraram tudo.

ram. São que nem os Mbya-Guarani. Elas não foram

deia deprimida. Não podia ser de outra maneira,

Eles mesmos, com a Funai, demarcaram nosso terri-

embora porque queriam ir. Às vezes, os Mbya se mu-

uma aldeia com pouquíssima terra, a impossibilida-

tório. Colocaram limites. Colocaram essa cerca pra

dam porque tem alguém incomodando. Por isso,

de de movimento da comunidade. Daí surgiu a ideia

gente respeitar.

elas foram tentar viver melhor em outro lugar. Os

de sairmos da Lomba, buscarmos outros espaços.

Mbya- Guarani também são assim.

São Miguel das Missões. Iríamos para São Miguel.

ERNESTO

Mas, e a Lomba? E a semana que passamos ali? Per-

Ariel, no município de São Miguel das Missões.

A questão que já aparece em Duas

deríamos tudo e recomeçaríamos em São Miguel?

Precisávamos, no entanto, de qualquer elemento

aldeias, uma caminhada, e que é a questão de todas

Tínhamos esse problema. Era preciso aproveitar

que pudéssemos usar para ligar as duas partes do

as gerações que estão ali envolvidas, de todas as

algo daquele tempo ali. Conversamos muito com a

filme, é quando Ariel entra como personagem,

aldeias, é a problemática da terra, da falta de espa-

comunidade e os alunos pensando em quais assun-

como elemento de diálogo entre estes dois espa-

ço. É uma questão introjetada, a metáfora da col-

tos realmente poderíamos tratar na Lomba e que

ços. Um outro elemento que funcionava como

méia, de que as abelhas foram embora porque foram

poderiam se conectar com São Miguel e que poderí-

costura era o artesanato. Dessa maneira, a ques-

molestadas. Assim também o é com os Guarani. Se

amos fazer um filme que fosse uma espécie de intro-

tão de associação do filme era: não tem terra, faz

são incomodados, vão embora. E o filme é tomado

dução ao panorama da situação dos Guarani naque-

artesanato para viver.

por todos eles como uma forma de dar esse recado.

le momento. Um filme que seria um tipo de filme que

VINCENT CARELLI

Decidimos partir para Koenju, aldeia de

eu chamaria de “esses somos nós”, e a questão da Projeção na Lomba do Pinheiro. Foto Ernesto de Carvalho, 2011

estavam caminhando, se ia dar certo. Depois de

entendeu de fato o que estávamos fazendo ali e viu

ERNESTO

alguns dias, o próprio Cirilo começou a ficar preo-

o potencial daquilo. Foi quando ele aderiu ao pro-

Lomba, marcado pelas questões da aldeia, foi ali

cupado e a questionar se a gente daria conta, por-

cesso, confiou na gente e a comunidade começou

que definimos o que seria o filme. Tivemos inúmeras

dezinha, por exemplo, ou então bem cedo. Esses

que à noite projetávamos os filmes do VNA e ele via

realmente a participar da oficina. A projeção é um

conversas com o Ariel e com a comunidade de como

são os momentos de se conversar, aí as palavras são

aquela explosão de vida que eram os filmes Ikpeng,

momento fundamental, todo mundo se conecta

seria o desenho do filme, os temas já estavam todos

boas. Por isso existem todas as “belas palavras”.

Xavante, e quando exibíamos o material produzido

com o trabalho, porque depois da projeção o traba-

colocados. Mas ainda assim o Ariel se angustiava

Por isso também é difícil, porque sentimos quando

na aldeia era um choque muito grande. Quando exi-

lho se torna da aldeia inteira.

muito. A sensação que tínhamos era que nada acon-

alguma situação é forçada. Assim, se aquele não é

bimos Das crianças Ikpeng para o mundo, o Cirilo

o momento certo, então não é o momento de se

disse: “ah, então eles mesmos filmaram”. A gente

DIEGO FERREIRA, EM DUAS ALDEIA, UMA CAMINHADA

que os dias passavam e de que nada era gerado, de

filmar. Fui descobrindo isso durante o trabalho.

já havia explicado pra eles como seria a dinâmica

Aquela é a aldeia. Ela só tem 10 hectares, por isso

que não chegava ninguém, ninguém falava nada.

da oficina, mas foi apenas quando assistiu ao filme

as roças são pequenas. Aqui estamos no meio dos

Isso gerava uma inquietação tanto em nós quanto

Nos primeiros dias, Ariel estava visivel-

que compreendeu que aquilo ali era feito do ponto

brancos, no meio da cidade. A aldeia não é grande.

nos alunos. Principalmente no Ariel. Foi terrível,

mente angustiado, não sabia por onde as coisas

de vista dos índios. Foi nesse momento que o Cirilo

Eles vendem bichinhos de madeira, só assim eles

porque a gente estava procurando um tema e a me-

ERNESTO

253

Duas aldeias, uma caminhada começou na

terra era, sem dúvida, a questão que sustentava o filme na Lomba.

tecia na aldeia. Havia uma sensação muito forte de

Ariel entrevista Cirilo Morinico, cacique da aldeia Anhentenguá, e personagem do filme Duas Aldeias, uma caminhada. Foto Ernesto de Carvalho, 2007

254


TIAGO TÔRRES

É a questão da subsistência. É a

questão da terra, mas não tem terra, é o artesana-

PROFESSOR, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA

Sim, es-

tão se aproveitando para vender a sua imagem.

to e a madeira, mas não tem madeira, então vai roubar madeira.

apresentação em Florianópolis e eu fui para Koenju. No caminho para a aldeia, passamos pelo sítio histórico de São Miguel, todo mundo cansado, e o

É que mui-

Ariel já chega filmando. É quando acontece a cena

tas pessoas vêm até aqui fotografam os índios Gua-

de confronto com o professor que entrou na edição

Os deuses já

rani, até filmam. Levam essas fotografias para ou-

final do filme e nessa hora percebemos que tería-

sabiam que a gente ia precisar vender artesanato, que

tros lugares, para usarem nos seus trabalhos e até

mos que voltar ali, que a resolução da questão da

as matas iriam acabar. Então por isso os deuses nos

ganharem dinheiro em cima disso. Acho que é isso

venda do artesanato seria a venda em São Miguel.

deram essa habilidade de seduzir os brancos com bichi-

que acontece. Muitas pessoas pensam que os Guara-

Na verdade, essa para mim tem sido uma imagem

nhos de madeira, pra vender e não morrer de fome.

ni são bobos.

muito forte, ligada ao desenvolvimento dos traba-

CÉLIA, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA

ARIEL, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA

lhos com os realizadores indígenas, essa coisa dos ARIEL, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA

Você acha

que os índios estão ali vendendo a sua imagem?

Nessa altura da oficina, eu e Tiago nos

momentos que você não filma, o momento em que

dividimos. Tiago foi com o coral da aldeia para uma

o realizador está entre filmar e participar. Entre

ERNESTO

Jorge Morinico filma menina Guarani pedindo esmolas no centro de Porto Alegre. Foto Ernesto de Carvalho, 2007

255

filmar e contestar quem está na frente da câmera

até que Tiago chegou na aldeia e falamos para o

ou no momento da colaboração. Saber que nós

Ariel que não dava para continuar, que era preciso

somos colaboradores e que a gente filma. De São

conversar abertamente sobre a situação e saber se

Miguel seguimos para Koenju. Quando chegamos,

poderíamos continuar. Para o Ariel escutar isso foi

sentamos, eu e Ariel, para conversar. Ele sentia

um baque. E as coisas ficaram realmente tensas.

que era mesmo possível, que ele estava construin-

Procuramos as lideranças para conversar, mas não

do uma coisa, que já começava a sonhar com o

conseguíamos avançar na conversa. Vivemos um

filme e a fantasiar que daria certo. Discutimos a

silêncio constrangedor, até que a coisa explodiu e

necessidade de definirmos personagens. Uma noi-

o confronto se instalou. Queriam suspender as ofi-

te ele chega e me diz: “meu personagem é o Maria-

cinas. A aldeia passava por um momento crítico de

no, alguém que respeito muito”. Mariano iria no

desacordos e isso refletiu diretamente no traba-

dia seguinte para São Miguel para comprar comida

lho. Depois de muita conversa entre eles, Ariel

para os animais e material para artesanato. Eram

chegou até a gente e falou que a comunidade ha-

cerca de 11 horas da noite. Mariano iria para o

via decidido que a oficina iria continuar. Penso

município às seis da manhã. Ariel foi junto. Havia

que essa oficina e as outras que se seguiram colo-

assumido o filme. Foi quando senti: pronto, agora

caram Ariel no centro da discussão e como ator

vai. Mas novamente enfrentamos problemas. Des-

político, reconfigurou alianças, casamentos se fi-

sa vez de ordem mais política, de política interna

zeram e se desfizeram. O vídeo ali se inseriu na

da aldeia, em função da desconfiança que o traba-

comunidade e na vida das pessoas, catalisando

lho gerava. Instalou-se um clima insustentável,

situações. Ao final da oficina, havíamos fechado

Reunião do conselho da aldeia de Koenju. Sítio histórico das ruínas de São Miguel das Missões. Fotos Tiago Tôrres, 2009

256


Ernesto, Patrícia e Ariel, prontos para enfrentar a tradução e edição de 130 horas de material que resultaram no filme Duas Aldeias, uma caminhada. Foto Jorge Morinico, 2008

um ciclo, mostramos uma comunidade que tem

das Missões e da Lomba do Pinheiro, na periferia

problema por falta de terra e, logo, ela tem que

de Porto Alegre. Logo no começo, o pessoal rou-

vender o artesanato, mostramos a relação com os

bando madeira, por exemplo, foi algo marcante.

brancos em São Miguel, mostramos o pessoal fa-

São coisas que os Guarani não gostam muito de

zendo artesanato nas aldeias. Mas no final da ofi-

falar, uma coisa triste, mas eu sinto... Eu sou Gua-

cina de realização voltamos para filmar no centro

rani, e eu sei quando as pessoas sentem e não que-

de Porto Alegre e aquele também foi um momento

rem falar. Algumas vezes eu acho que eu sou um

muito tocante quando filmamos aquela menina

pouco... não digo pessimista, mas realista mesmo.

pedindo dinheiro na rua, a menina vendendo na

As pessoas sabem que é triste e preferem ficar

rua. Um ciclo se fechou ali no grupo de realizado-

quietas ao invés de ficar falando ou lembrando,

res. É como se eles estivessem se colocado na

porque vão se sentir mal. Na Lomba ficaram um

posição de realmente dar um passo para trás e

pouco tristes assistindo às imagens. Lá, a terra só

observar o seu povo, observar sua sociedade, sua

tem 10 hectares, e aqui, cerca de 200 hectares.

comunidade, observar a situação na qual se en-

Senti isso quando projetamos as imagens lá. Viram

foi marcada por uma fluidez. Todo mundo partici-

Mais uma vez eu via aquelas filmagens e ouvia as

nada. Nada foi tão forte como fazer Duas aldeias,

MARIANO, EM BICICLETAS DE NHANDERÚ

contram. Eles puderam dar um panorama geral de

mesmo a importância do trabalho. Eu percebi mui-

pava. A edição Guarani foi isso, editar com vinte

palavras dos velhos. De novo era um aprendizado

uma caminhada. Foi uma coisa intensa, que eu

nas de São Miguel das Missões) andaram nossos pa-

tudo que envolve os Guarani hoje, acho que tive-

to isso. Até hoje, muitas pessoas ainda assistem, e

pessoas... de cinco a vinte pessoas o tempo todo

para mim. Eu estava chegando muito próximo do

não queria perder de jeito nenhum. Eu não sabia

rentes, mas os brancos tiraram tudo da gente, e se

mos o cuidado de abordar diversas coisas. Ir para

vão entendendo cada vez mais. As pessoas, quando

ao redor da ilha. As pessoas chegavam e a gente

que sempre gostei, da espiritualidade, de aprender

o quanto ia sofrer. Eu acho que é porque ia signi-

apropriaram dessas ruínas que nossos parentes fize-

Porto Alegre era essa postura de dar um passo para

viram ali no centro de Porto Alegre, uma situação

passava horas traduzindo dentro da escola. O ma-

coisas, como Guarani e como cineasta. Por um

ficar muito realmente.

ram. Agora eles não querem dar pra gente o que é

trás e se olhar. É uma marca dessa primeira oficina

bem diferente daqui, se chocaram muito. E ficaram

terial aparecendo, aquela enxurrada, aquele dilú-

lado, eu estava aprendendo a montagem, a tradu-

Guarani. O que o Ariel fala na sequencia final do

muito tristes.

vio de coisas e de repente começamos a pensar se

ção, o roteiro. Mas o mais importante de tudo isso

ERNESTO

não tínhamos dois filmes diferentes. Essa foi a

era a tradução. É quando aprendemos muitas coi-

quando as pessoas assistiram àqueles guias turís-

filme, que o vídeo ali se torna esse grande momen-

Mariano Aguirre, morador da aldeia Koenju, em São Miguel das Missões e personagem de todos os filmes. Foto Tiago Tôrres, 2007 Solano, velho Karai, personagem central de Bicicletas de Nhanderú. Foto Vincent Carelli, 2011

Por aqui (ruí-

nosso. Eles têm ciúmes desse espaço. Nossos parentes Um outro grande momento da edição foi

construíram isso forçados pelos brancos, os padres jesuítas. Eles forçaram os índios a trabalhar nisso.

to de você perceber algo que estava na sua frente,

VINCENT

Em março de 2008 fizemos uma oficina de

grande dúvida durante a edição de Duas aldeias,

sas que os velhos falam e que os jovens já não

ticos repetindo a história da colonização, das re-

mas você não estava olhando.

roteiro na aldeia Ikpeng com Leandro Saraiva. Du-

uma caminhada, um centrado na aldeia Lomba do

sabem mais. É porque os velhos falam uma outra

duções e tal. É difícil assistir àquele material, por-

VINCENT

rante a oficina, quando chegou a hora do Ariel, ele

Pinheiro e um centrando na aldeia Koenju. Essa

língua diferente, são palavras mais poéticas. Isso

que por mais que estejam bem intencionadas e por

nalmente no Programa A’Uwe da TV Cultura e assis-

Hoje eu per-

fez uma exposição de todos os tópicos abordados

dúvida permaneceu até o final, oscilamos nessa

eu gosto muito. E na tradução os velhos também

mais que os Guarani já tenham escutado aquilo

tido na aldeia, o Duas Aldeias, uma caminhada tam-

cebi o que acontece aqui. É chocante mesmo. Expe-

nas 130 horas filmadas, e conseguiu transmitir

postura porque, na verdade, eu já saí da aldeia com

participam. Eles vão dizendo: essa palavra é isso,

repetidas vezes, na edição, a cena revela o momen-

bém correu as aldeias Guarani do sul com apoio do

rimente vir sem vender e ficar só observando. Aí você

para todo mundo a angústia de como é que tanta

o nome do filme. Esse nome foi definido ali, na

essa outra significa aquilo. As belas palavras a

to de encontro de um discurso sobre eles que é de

IPHAN. No Encontro dos Realizadores Indígenas,

vai ver como o rosto dos Mbya muda. A gente não

coisa iria caber num só filme.

penúltima semana de edição, num momento mara-

gente vai aprendendo durante a tradução. Quan-

uma simplificação histórica extremamente violen-

em Olinda, em 2010, Patrícia Ferreira, cineasta e

vilhoso com o Jorge.

do filmo nem percebo se alguém falou alguma

ta. Acho que é doloroso para as pessoas ficarem

companheira de Ariel, fez um relato emocionante

coisa que eu entendo ou não. Algumas vezes não

escutando e reescutando aquela versão reduzida

da aldeia reunida para assistir ao seu programa na

ARIEL, EM DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA

fica triste só porque não vende, é porque parece que Voltei para a oficina de edição em junho

Premiado no forumdoc.bh, exibido nacio-

a gente depende do dinheiro deles, que se eles não

ERNESTO

compram a gente morre de fome.

de 2008. Foi em Koenju. A principal mudança era

ARIEL

Fazia muito frio. Era o ano mais frio nos úl-

entendemos, mas filmamos. Daí a importância da

da história deles. Eles ficavam agoniados. Eu ficava

TV. Se fosse só por estes momentos, já valeria a

que o Mariano, personagem de Duas aldeias, uma

timos trinta anos. E tínhamos 130 horas de mate-

tradução. Estava vendo o outro lado mesmo. O

ali transcrevendo, escutando para ver como iría-

pena fazer o que a gente faz, pensei comigo!

Eu acho que as pessoas em Koenju começa-

caminhada, era o cacique agora. Se a oficina de

rial bruto. Era um processo novo em que estávamos

outro lado do processo, e vendo já de outra forma

mos resumir os vários guias que tínhamos filmado

ram a perceber a importância do vídeo quando as-

realização tinha sido marcada por uma série de di-

entrando. Foi quando começamos a entender o

a comunidade, a realidade mesma. Nunca me en-

e como faríamos um pequeno apanhado do ponto

SOLANO, EM BICICLETAS DE NHANDERÚ

sistiram às sequencias das ruínas de São Miguel

ficuldades políticas internas, a oficina de edição

sentido de tudo aquilo que a gente tinha filmado.

volvi tão fortemente, tão emocionalmente com

de vista branco sobre aquela história.

sim. Eles não vêm só para trazer chuva, vêm tam-

ARIEL

257

Os Tupã são as-

258


bém para nos proteger. Eles não caminham em vão.

TIAGO

Diferente da primeira oficina, este era um

nós e os alunos, por falta de compreensão mútua,

Pois nós não vemos os seres que nos fazem mal.

filme de autor. Era um projeto do Ariel. Não estru-

diferença de ritmo, etc. A Patrícia foi um vínculo

Somente eles podem nos ver.

turamos a oficina como uma busca de assunto, per-

essencial e conseguiu conversar tanto com os me-

sonagem, etc. O Ariel tinha uma ideia e tinha o

ninos quanto com a gente, para resolver as dificul-

TIAGO Em novembro de 2009, eu e Amandine Gois-

apoio da comunidade para realizá-la. Estávamos lá

dades de comunicação.

bault voltamos a Koenju para uma segunda oficina

para dar um suporte. Expliquei isso ao Jorge quan-

com os Guarani. Quando acabamos o Duas aldeias,

do ele foi nos buscar na rodoviária. Já no ônibus ele

ARIEL

uma caminhada, não havia perspectiva nem recur-

mostrou uma certa inquietude. Mas o Ariel assumiu

lo visível, é preciso ficar em silêncio. Para os Gua-

so para uma nova oficina. Mas a gente já sabia que

o filme. Já havia conversado com o Solano, perso-

rani o silêncio é sagrado. Isso eu não entendia

o trabalho com os Guarani tinha muita potência e

nagem principal de Bicicletas, e estava disposto a

quando era criança. Eu ia com o meu avô numa

Vincent reformou uma das planilhas e conseguiu

levar o projeto adiante. Havia um certo burburi-

outra aldeia longe, onde estava também um líder

viabilizar a oficina. Filmar a espiritualidade Guara-

nho, alguns comentários de que outras aldeias não

espiritual muito importante. Meu avô foi visitar.

ni já era um projeto antigo do Ariel.

iriam aceitar a proposta. Por um tempo, isso criou

Chegando na aldeia, não cumprimentou, não deu

uma certa tensão, mas tocamos o barco.

a mão. Sentou-se num banquinho pequeno. Eu

ARIEL

Meu primeiro passo como cineasta foi em

também me sentei. Nem foi o Karaí quem ofereceu

Mokoi Tekoá Petei Jeguatá (Duas aldeias, uma cami-

ERNESTO

A ideia do Ariel era uma investida espiri-

o banco, foi a filha dele. A moça entrou para casa

nhada). Este foi um primeiro passo, mas não conse-

tual, o que ele considera um filme mais verdadeiro.

e não saiu mais. Depois de alguns minutos, saiu

guimos falar quase nada sobre a espiritualidade.

Mas existe muito tabu em relação à espiritualidade

novamente com um cachimbo, entregou ao meu

Mas, desde o começo, meu objetivo ao trabalhar com

Guarani e fazer um filme sobre esse assunto já é por

avô e entrou novamente. O Karaí estava lá, mas

TEÓFILO, EM BICICLETAS DE NHANDERÚ

audiovisual, o meu sonho, era tentar mostrar toda a

princípio um problema.

não saiu. Ficaram em silêncio mais ou menos uma

reza boa tem que ser direcionada para onde o sol

hora. Meu avô sabia, é claro. Depois o Karaí saiu

nasce. Tem que ficar olhando para a morada de Tupã, onde o sol sai.

espiritualidade Guarani; qual a nossa visão sobre o

Ariel, diretor de Bicicletas de Nhanderú, num diálogo com seu personagem Solano, velho sábio da aldeia Koenju. Foto Ernesto de Cravalho, 2010 Amandine Goisbault na oficina Mbya-Guarani. Foto Tiago Tôrres, 2010

259

Para alcançar este invisível no filme, torná-

Uma casa de

universo, o sentido de nossa relação com o universo.

AMANDINE GOISBAULT

No começo da oficina, nin-

com outro cachimbo e ficou mais um tempo. Não

Estou conseguindo isso devagar. Desde 2007, venho

guém queria mostrar o lado “festinhas” (música

ficaram olhando um para o outro, ficaram assim

amadurecendo, me fortalecendo espiritualmente.

dos brancos, bebida, jogo), porque é uma coisa

como o Solano fica, fumando cachimbo, apenas

TIAGO

Eu escuto muito o meu avô também. Acho importan-

difícil, que ninguém gosta que aconteça, mas ao

depois viraram um para o outro. Primeiro, o dono

tradicional de elevação do espírito, a larva Ixó e

te não somente entender a técnica, gravar, filmar.

mesmo tempo envolve todo mundo, mesmo o Ariel

da casa perguntou com aquelas belas palavras

a construção da Opy, a casa de reza, em Koenju,

Porque não adianta você entender essas coisas e não

não queria mostrar porque era uma coisa contra a

sem pontuação, parece uma canção, é uma sauda-

que já era uma discussão desde a primeira ofici-

entender quem é você. Não adianta você entender

qual queria lutar enquanto cacique. Mas como ele

ção que pergunta por tudo, todas aquelas coisas

na. Mas a produção da larva Ixó não funcionou.

de toda aquela coisa e se esquecer do que você é e

diz, afinal, ele achou que foi bom mostrar e falar

que aconteceram nos últimos tempos, mas bem rá-

Já não havia muitos coqueiros na aldeia, por

não saber conversar com um Karaí, com um líder

no assunto. A casa de reza também não foi fácil,

pido. Ele como que entra em êxtase, vai pronun-

causa da derrubada das matas e os Guarani já

espiritual. Porque aí você vai entender toda aquela

no começo alguns velhos não queriam que os me-

ciando as palavras, todas as belas palavras poéti-

não preparavam mais o alimento. O filme seria

coisa, mas não vai saber sentar na fogueira conver-

ninos filmassem a casa de reza, eles tiveram que

cas, e eu acho que ali que eu entendi a importância

uma espécie de retomada, de mostrar como era

sar com os mais velhos e as crianças. Não é apenas

argumentar para conseguir. A Patrícia teve um

do silêncio. Sempre que se chega num lugar, deve-

feito. Mas o bichinho não apareceu. Chovia mui-

por mim. Sei da importância deste trabalho para o

papel fundamental de “mediação” na oficina, por-

se ficar em silêncio. Ouvir o barulho do silêncio. No

to, caiu um raio na aldeia. Uma ventania. Tínha-

meu povo, para as crianças.

que como sempre, houve momentos difíceis entre

filme este silêncio também é importante.

mos a impressão de que a casa seria derrubada.

A oficina envolvia, inicialmente, a comida

Comemorando o barreamento da nova casa de reza, Opy, da aldeia Koenju, que fez parte da produção do filme Bicicletas de Nhanderú. Fotos Ernesto de Carvalho, 2010

25:


cês viram das filmagens de São Miguel das Missões?

Eu não quero posar de santo, eu bebo, eu jogo, eu

nossa situação real. Se vocês prestarem atenção,

O que está certo e o que está errado? Essa filmagem

danço, mas pra mim, tá errado. O nome já diz: Bici-

vocês vão entender melhor e depois podem comen-

vai ser mostrada em outros lugares, por isso se esti-

cletas de Nhanderú. Já o nome está errado. Porque se

tar. É importante pra nós vocês falarem o que vocês

ver errado, nós é que seremos os culpados. A câmera

o filme circular assim, vão dar risada da gente.

acharam, e mostraremos em outras aldeias tam-

é uma ferramenta perigosa, mas também pode ser

Neneco foi, junto com seu irmão Palermo, personagem performático de Bicicletas de Nhanderú. Foto Ernesto de Carvalho, 2010

bém. Pra mim o filme tá perfeito mas, muitos não

usada em nosso favor pra derrubar os brancos. De-

ARIEL

A gente fez esse trabalho com a gurizada,

acharam bom. Só vendo esse filme é que vamos

vemos usar essa câmera com cuidado. O que vocês

Germano, Jorge e eu. A gente filmou o que real-

perceber o que esta acontecendo e aí vocês vão

querem que seja mostrado para os brancos? Na mi-

mente acontece na aldeia. A gente mostra a visão

perceber realmente a nossa situação.

nha opinião, eu não acho correto mostrar o povo

real do que as pessoas veem na aldeia. E nós sabe-

bebendo. Tinha que começar com a Casa de Reza,

mos que realmente acontecem alguns problemas

VINCENT

mostrar a plantação, e não mostrar o povo bebendo.

na nossa aldeia. E por isso que a gente filmou a

conhecer a versão Guarani da história das missões

A gente achou a proposta do IPHAN de re-

Jorge filma o seu pai, Cirilo Morinico, que faz críticas públicas ao filme Bicicletas de Nhanderú. Foto Vincent Carelli, 2011

Mas era incrível. Não dormíamos, passamos noi-

nós, quando vem Tupã, quando chove assim, não po-

aportes dos dois lados. O título, dito por Solano,

tes filmando os relâmpagos.

demos fazer quase nada. Por algum motivo Tupã veio.

sinaliza para o nosso público mas gerou, assim

E por algum motivo caiu um raio. O espírito do raio na

como o filme, muita polêmica entre os Guarani. O

árvore veio nos proteger? Assim começamos o filme.

raio virou personagem. E assim como o raio, outros

ARIEL

Em novembro, na aldeia, chove muito. É Tupã

que chega para purificar as primeiras frutas, a guari-

incidentes do cotidiano também são permeados de

roba, o florescimento das árvores. Nós não sabíamos

SOLANO, EM BICICLETAS DE NHANDERÚ

Quando os deu-

significado religioso, as crianças cortando lenha e

exatamente que caminho seguir. E chovia muito,

ses falam, você não vê nem escuta. O que Tupã fala…

falando do espírito das árvores. Aliás, a dupla de

quase não dava pra sairmos para filmar. Tudo come-

o que acontece na meditação é inexplicável. Sem per-

jovens irmãos, Palermo e Nenenco, disputa o estre-

çou quando um raio caiu numa árvore, perto da casa

ceber, as palavras chegam e são ditas por você. Nós

lato do filme com o sábio Solano. A sobreposição da

de uma senhora. E aquilo virou o assunto da aldeia:

somos uma bicicleta dos deuses.

trilha original do Michael Jackson potencializa a

por que será que caiu um raio? Tupã está vindo? E o

performance dos meninos. A força da performance

próprio Solano já havia falado que uma tempestade

VINCENT

se aproximava. Todos na aldeia sabiam que era preci-

em pensar nas Bicicletas de Belle Ville, e ele sugeriu

so uma grande tempestade para purificar as guariro-

o título de Bicicletas de Nhanderú. Todos gostaram

bas. Foi a partir dessas conversas que decidimos por

e ficou sendo o título provisório. Os trabalhos pro-

CIRILO

onde começar o filme: Tupã, as tempestades. Para

duzidos em oficinas tem esse caráter híbrido, com

tender o que isso vai nos trazer mais pra frente. Vo-

261

Essa metáfora do Solano levou o Ernesto

dos meninos é potencializada pela sobreposição da gravação original do Michael Jackson. Vimos as imagens do filme e temos que en-

262


Tiago mostra o rascunho de Bicicletas, em processo de edição. Foto Ernesto de Carvalho, 2010 Ariel, Ernesto, Patrícia e Germano, visionam as filmagens de Desterro Guarani. Foto Vincent Carelli, 2011 Augusto, Karaí da aldeia Canta Galo, fala da sua trajetória. Foto Vincent Carelli, 2011 O velho Adolfo, da aldeia Varginha, RS

como patrimônio imaterial brasileiro, de uma im-

entender os dias de hoje é preciso entender a histó-

até essa ruína para vender artesanato, já que não

não queriam abandonar aquele lugar tinham medo

mortos, os Nhanderú levaram os ossos. Porque a

ferência. Nós somos vistos como nômades. Mas só

portância simbólica enorme, principalmente por

ria como um todo, partimos para esta dupla pesqui-

temos terra para plantar e praticamente não exis-

de ser perseguidos, então permaneceram lá e pare-

alma deles era pura (…) Nhanderú, nosso pai, nos

estamos seguindo o jeito dos nossos avós.

que o caso da exclusão dos Guarani é muito fruto de

sa/filmagem, em parceria com Ariel e Patrícia, que

tem matas. (…) O que quero entender nesse filme

ciam estar rendidos. Mas não era assim. É nisso que

fez com ossos sagrados.

um desentendimento total. É a ausência de diálogo,

resultou no Desterro Guarani, e o filme histórico da

é porque não temos terra se nós andávamos e habi-

os brancos acreditaram, caíram nessa. Os índios

incompreensão de dois mundos que não conseguem

Tava, que serão finalizados em 2012.

távamos esse território antes dos brancos chegarem

sabiam que estavam sendo enganados, era só para

ADOLFO, EM DESTERRO GUARANI

Então os brancos ma-

foram derrotados na guerra guaranítica e nunca

e já que fomos nós que construímos essa Tava.

dizer que eram aprendizes, como vocês na escola,

taram nosso grande guerreiro Sepé Tiaraju e come-

mais foram reconhecidos oficialmente como povo.

fingindo que prestam atenção.

moraram. Os espanhóis ficaram muito felizes, por-

Inclusive a Funai considerava os Guarani extin-

que acharam que a terra não tinha mais dono.

tos, porque estavam dispersos (…) Era comum

dialogar, porque não falam a mesma língua, não O trabalho de vídeo com os Guarani se de-

IGNACIO KUNKEL, EM DESTERRO GUARANI

Os Guarani

conseguem nem se perceber. Então a gente achou

ERNESTO

fascinante essa proposta do IPHAN por isso, do país

senvolveu de uma maneira bastante rápida. Em qua-

AUGUSTO, EM DESTERRO GUARANI

reconhecer a versão dos índios. As ruínas jesuíticas,

tro anos, da primeira oficina até o novo número da

bem para você. Os nossos antepassados sagrados vie-

ARIEL, EMDESTERRO GUARANI

Uma igreja cheia de crian-

Levaram toda a riqueza que tinha. Foi pela riqueza

atendermos uma aldeia em um determinado lugar

as Tavas para os Guarani, já tinham aparecido como

série Cineastas Indígenas. Isso é representativo de

ram do Paraguai, passando pela Argentina e pelo Bra-

ças Guarani vestidas de branco cantando em louvor ao

que mataram. Mas o líder, nosso guia espiritual, foi

e no outro dia chegar lá e não tinha mais nin-

um elemento simbólico e histórico muito forte no

um desejo de visibilidade, da necessidade de ser ou-

sil. Eles eram iluminados. Eles alcançaram a terra sem

Deus cristão. É isso que aparece nos livros de História.

para a terra sem males.

guém. E quando íamos verificar depois na sequên-

primeiro filme. Foi assim que, em agosto de 2010,

vido, acumulado. Todos esses propósitos que o Ariel

males, para isso vieram do Paraguai. Vieram cons-

Quando espanhóis e portugueses redividiram os seus

Ernesto e eu partimos ao encontro do Tiago, Ariel e

está externando durantes essas entrevistas, um pou-

truindo a ruína, a Tava. Eles esperaram meditando,

territórios, os Guarani resistiram à expulsão de suas

ARIEL, EM DESTERRO GUARANI

Depois da guerra, os

vezes por parte dos moradores próximos e era o

Patrícia em Koenju, para iniciar esta nova emprei-

co como Ariel vê o filme. Esse é um trabalho de par-

para alcançar a terra sem males. E continuam passan-

terras. Depois do Tratado de Madri, em 1750, milhares

Guarani continuaram caminhando pela região, en-

que bastava para que eles fugissem, amedronta-

tada, um filme sobre o significado das Tavas para os

ceria por excelência. É só por ele e Patrícia terem

do nessa terra, e continuam construindo tavas.

de Guarani morreram no Rio Grande do Sul.

quanto as fazendas foram se estabelecendo. E, de

dos. Era a resistência pela retirada.

Guarani. Tiago e a equipe estavam finalizando o pri-

comprado a ideia que o filme se torna viável, porque

meiro corte do Bicicletas de Nhanderú. Com a con-

os Guarani não falam em português, nem menos pra

ADOLFO, EM DESTERRO GUARANI

sistência desses dois filmes, já tinhamos como pre-

desconhecidos, sobre esses assuntos.

Tavas eram nossos avôs, os Mbya mesmo. Quem

matamos todos os Guarani. Foi para enganar a eles

construiu a Tava foram os nossos e os que nos

que fingimos morrer todos. Mas, na verdade, eles só

MARIANO, EM DESTERRO GUARANI

Depois dos brancos

vres nesse território. Além de invisíveis, nos tor-

parar um novo DVD da coleção Cineastas Indígenas,

Isso eu vou contar

cia, a gente constatava que haviam represálias às

repente, tudo estava tomado. Não havia mais lugar Os que moravam nas

SANTIAGO, EM DESTERRO GUARANI

Os brancos dizem:

para nós.

ARIEL, EM DESTERRO GUARANI

Passamos a ficar em

deslocamento constante pelos poucos espaços li-

o Mbya-Guarani, uma outra face da realidade indí-

ARIEL, EM DESTERRO GUARANI

Os brancos chegaram

acompanhavam. Até os brancos ajudaram. Por isso

mataram alguns a facada, a rifle. Porque só mata-

é que começamos a falar em “Brasil”. Nossos avós

namos estrangeiros numa terra que sempre habi-

gena brasileira. Tínhamos então que trabalhar num

há muito tempo. E essas Tavas já são ruínas que se

dizem que foi feito por eles (os jesuítas). Nossos

ram o corpo. E o corpo era pra ficar mesmo, por isso

não chamavam de Paraguai, Argentina, nem Brasil.

tamos. Nós, Guarani, nunca dizemos que a terra é

filme sobre a história contemporânea. Como para

confundem com a nossa história. Hoje a gente vem

antepassados não se enganaram em nada. Os que

se deixaram matar. Mesmo depois deles terem sido

Só se referiam às terras entre os rios. Essa era a re-

nossa. Por isso que sempre caminhávamos e em

263

264


Desde o Duas aldeias, uma caminhada eu

alguns lugares ficávamos cinco, seis anos, depois

ERNESTO

íamos para outro lugar. O lugar deixado continua

sinto esse fosso de incompreensão, e penso no filme

sendo uma aldeia e por isso acabamos voltando lá

como peça de entendimento.

algum dia. Para nossos avós, todo esse território O trabalho com o vídeo vai se aprofundando.

é uma grande aldeia. Hoje temos que usar docu-

ARIEL

mento para atravessar fronteiras que nós nunca

Eu estou sabendo que isso vai ser muito importan-

aceitamos.

te pro meu povo. Hoje eu me assustei quando eu vi as crianças ali, brincando. “Caramba, quantas Eu faço essa cami-

crianças!” Tudo é pra eles. Não é pra mim. Cada vez

nhada. Tento ver alguma coisa, um sinal de Nhan-

mais a gente vai descobrindo coisas, e a importân-

derú. Eu quero ouvir as palavras dele.

cia delas.

ADOLFO, EM DESTERRO GUARANI

ARIEL, EM DESTERRO GUARANI

A imagem dos Guarani

ERNESTO

Quando você fala “Não é pra mim”, você está

na beira da estrada tornou-se uma coisa comum.

traduzindo aquela expressão Guarani que as pessoas

Crianças atropeladas, fome. Foi por isso que co-

falam quando vocês vão agradecer de modo especial

meçamos a lutar pela demarcação das terras que

alguma coisa não é?

habitamos no passado. Mesmo sabendo que essa Isso. Korupi Guara˜i ko (não é pra mim), Hae-

terra pertence a Nhanderú. Um grupo de Mbya-

ARIEL

Guarani começou a procurar as áreas boas para

veté (obrigado)- Korupi Guaraiko. É isso. Esse traba-

fazer aldeias no estado. Começamos a ocupar al-

lho Kovaeté Mbya Po Korupi Guaraiko. Não é pra mim,

guns espaços com a intenção de reivindicá-los

não é para esse plano.

como nossos. Já que não podemos andar livreVocê acha então que o trabalho com vídeo

mente por todo o território, podemos pelo menos

ERNESTO

andar entre as aldeias demarcadas.

não é pra esse plano?

ADOLFO, EM DESTERRO GUARANI

Devemos seguir em

ARIEL

Porque existe outro plano. Existe um plano que

frente, mesmo nas piores condições, porque nós

não tem nome. Nem plano geral, nem plano fechado.

temos Nhanderú a nosso favor.

É um plano sem plano.

VINCENT

O desafio do filme Desterro Guarani é jun-

ERNESTO

Nem contra-plano!

tar a questão da espiritualidade com a coisa mais Santiago Franco, Karaia Yapuéa, presidente da Comissão de Terras Guarani. Mariano Aguirre, com uma réplica das ruínas de São Miguel. Fotos Vincent Carelli, 2011

265

objetiva, que é a terra... E mais política. A exclu-

ARIEL

são dos Guarani se dá a partir de um desenten-

contra-luz...

dimento total, onde não há diálogo possível entre dois mundos que falam línguas diversas.

Nem contra-plano. Lá nesse plano nem existe Q

Projeção de Bicicletas na aldeia da Lomba do Pinheiro. Foto Ernesto de Carvalho, 2011

266


Fotbjpt!Ds ujdpt

“Prezado senhor, o DVD que você me emprestou (O amendoim da cutia, de Komoi e Paturi Panará, 2006) é de longe o melhor filme que eu tenha visto sobre os índios da América do Sul. Tudo é um sucesso: a escolha dos temas, dos lugares, dos enquadramentos; e a qualidade das imagens é sensacional. Temos constantemente a sensação de sermos autorizados a ver a vida indígena por dentro. Os autores têm de ser felicitados, e o senhor também pela sua participação nesta realização. A cura chamânica é um trecho antológico.” Paris, 20 de Novembro de 2006 CLAUDE LÉVI-STRAUSS

267

268


Vídeo nas aldeias, o documentário e a alteridade

edição. Vídeo nas Aldeias tem uma posição clara a este respeito. A edição de alguns vídeos é explicitamente assinada por um monitor, em outros casos, o nome do monitor é associado ao de participantes das oficinas. Neste sentido

Corumbiara Publicado em jcbernardet.blog.uol.com.br, em 18/01/2010

um plano de “No tempo das chuvas” é importante, por mostrar uma sessão de

JEAN-CLAUDE BERNARDET

edição em que um jovem está aprendendo a usar o teclado de um computador

Crítico de cinema e roteirista, Abril 2004

sob a orientação de uma monitora, que lhe diz que foi escolhido o início de

Corumbiara de Vincent Carelli é um filme militante. Hoje em dia, até parece palavrão. Ele foi feito para denunciar um massacre de índios ocorrido em me-

determinado plano, mas que agora ele tem que decidir em que ponto termina-

ados dos anos 1980. Ele apresenta indícios, vestígios que possam comprovar

Em “Um dia na aldeia”, um homem pesca uma traíra. A câmera mostra o peixe

mentam o que estão fazendo, um menino explica como costuma matar os pei-

rá este plano. Os monitores de Vídeo nas Aldeias não assumem uma posição

o massacre. Ele se compõe de materiais filmados no decorrer de vinte anos, é

dentro da água, a lança o atinge, a câmera segue o movimento do pescador que

xes pescados, uma mulher, como e por que trança uma determinada esteira.

ingênua, conforme a qual bastaria colocar uma câmera nas mãos de alguém

um projeto que Carelli perseguiu durante 20 anos, é um projeto de vida. Du-

traz a presa para a margem.

Qual é o interlocutor dessa fala dirigida à câmera? Os filmes produzidos por Ví-

para que consiga retratar a sua vida, é necessário aprender a usar o equipamen-

rante essas duas décadas foram flagradas situações e momentos extraordiná-

deo nas Aldeias circulam entre as aldeias e os interlocutores são moradores de

to e conhecer a linguagem. “Iniciação do jovem Xavante” explicita a postura

rios. Cito alguns: o encontro com dois sobreviventes, a busca dos sobreviven-

câmera também. Delicadamente ele aproxima o barco da margem, deposita o

outras aldeias. O viajante que chega a um lugar que não aquele onde mora e

assumida quando fala de “formação de documentaristas indígenas”.

tes por outros sobreviventes, o confronto com fazendeiros (câmera oculta),

remo, estica o braço em direção ao inseto, o pega, volta à sua posição inicial

toma conhecimento de como é a vida neste lugar, e que ao mesmo tempo conta

Esses filmes se inscrevem na temática do “outro”. O “outro” é uma preocupa-

intervenções da Polícia Federal, a descoberta dos “buracos” cavados na terra

e mostra a presa. A câmera acompanha os movimentos do menino, corrige em

como é a vida na sua aldeia, agora, além da sua fala, pode se valer do vídeo, que

ção recorrente no cinema documentário das últimas décadas, desde o cinema

servindo de esconderijo, a descoberta do índio solitário traumatizado que não

direção ao gafanhoto e volta à sua posição.

funciona como um canal de troca de informações e também de sentimentos.

direto e o cinema verdade. O “outro” filmado, o “outro” se filmando. Sempre tive

suporta a aproximação de brancos. Estes não são fatos relatados, mas momen-

Num filme, um Xavante recebe cinegrafistas de outra aldeia: “Sabíamos que

a convicção de que este “outro” no documentário e em geral nas filosofias da

tos preciosos e únicos que a câmera conseguiu captar.

Num outro plano, um menino caça um gafanhoto. Ele está num barco, a

Vistos no quadro do seminário Formação do Olhar de 2003 em São Paulo, estes planos me encantaram. O que eles têm de tão especial? Há uma relação

vocês viriam filmar, por isso ficamos felizes, sejam bem-vindos”. O vídeo como

íntima entre a câmera e a pessoa filmada. A câmera tem que seguir os movimen-

carta. Esse caráter missivista do vídeo é assumido claramente em “Das crianças

tos do menino, ela também tem que se movimentar delicadamente para não

Ikpeng para o mundo”, sendo que o mundo começa nas outras aldeias: as crian-

afugentar o gafanhoto, tem que seguir o movimento do pescador que retira a

ças se deixam filmar para mostrar a outras crianças como vivem. Carta pede

traíra do igarapé. Essa observação atenciosa dos gestos das pessoas, esse res-

resposta. As crianças deste filme pedem explicitamente que as crianças que

peito à situação em que elas se encontram é algo que me parece ter sumido

virem este vídeo lhes respondam informando-as sobre sua vida.

totalmente, ou quase, do cinema documentário brasileiro. Este, grandemente

A fala, mesmo quando dirigida à câmera, nunca é explicativa ou analítica, ela

dominado pelo método de entrevista, tende a se limitar a colocar a câmera

é sobretudo descritiva. Mesmo em filmes que apresentam rituais, como “Inicia-

diante da pessoa que fala em resposta a perguntas feitas por um entrevistador.

ção do jovem Xavante” ou “O poder do sonho”, os índios descrevem as práticas

Dessa forma privilegia-se a fala motivada pela filmagem e descartam- se quase

e as várias fases das cerimônias, e quando explicam será conforme o seu imagi-

que automaticamente as situações que não se enquadram no sistema de entre-

nário. Nestes filmes o discurso antropológico ou etnográfico não tem lugar.

alteridade não passava da falsa solução de um problema mal equacionado. O

Embora com preocupações alheias às que motivaram grandes filmes brasi-

“outro” é sempre designado por um sujeito, que, para fazer uso desse pronome,

leiros recentes (como Serras da Desordem, Santiago, Jogo de Cena, Pan-Cine-

tem que se afirmar como sujeito, como lugar da fala, como lugar de onde parte a

ma Permanente), ele entra no coro das obras que discutem o relato de vida, a

visão. Ora, a afirmação desse sujeito como centro é a própria negação do “outro”,

palavra, a história, a representação, a narração etc. Só que ele entra por uma

do reconhecimento da sua existência, porque o nega como lugar de onde possam

via inesperada no quadro da filmografia citada.

partir a fala e a visão. Acredito que a filosofia da alteridade só começa quando o

Já que não se conseguiu reunir provas que atestem o massacre, pois as provas

sujeito que emprega a palavra “outro” aceita ser ele mesmo um “outro” se o

foram destruídas, já que não há como incriminar os culpados e levá-los aos tri-

centro se deslocar, aceita ser um “outro” para o “outro”. Como sabemos, o traba-

bunais, o que se impõe é contar a história. Contar a história e torná-la pública

lho das oficinas do Vídeo nas Aldeias prevê que os vídeos circulem em diversas

com veemência substitui uma ação concreta e necessária mas impossível nas

aldeias e que membros de uma aldeia filmem em outras. “Iniciação do jovem

atuais condições sociais e políticas. “Combiara” não testemunha, mas age. Con-

Xavante” descreve a festa da furação de orelha na aldeia Sangradouro, filmada

tar a história é uma ação que denuncia o massacre à sociedade. Contar é agir.

por cinegrafistas desta aldeia bem como por cinegrafistas convidados da aldeia

A questão da imagem, do narrar a história está visceralmente integrada a

vista, ou seja, as pessoas no seu cotidiano. E a câmera, posicionada diante do

As imagens, os enquadramentos, os movimentos de câmera indicam que os

falante, não tem que ficar atenta aos seus gestos, já que o que importa é sua

jovens que participam das oficinas estão sendo treinados para aprender e

filmagem com a seguinte frase dita em português: “Tem que mostrar a cultura de

fala. Ao contrário, uma observação afetuosa e cuidadosa marca todos os filmes

utilizar uma linguagem. Não basta ligar a câmera diante de alguma coisa.

A aproximação do índio solitário refratário a qualquer contato com brancos

outro para outro, para ele reconhecer como que é a festa dele, como que é a cul-

produzidos por Vídeo nas Aldeias. Temos muito que aprender com eles.

Importa o tamanho do plano mais aberto ou mais fechado, importa o ângulo.

é feita por duas pessoas: um indigenista conhecido como Alemão, e o próprio

tura, a língua... né?”. Uma tal afirmação – mostrar a cultura de outro para outro

Essa observação atenta das pessoas em suas situações corriqueiras não ex-

Uma questão que sempre se coloca nas oficinas que iniciam jovens à lingua-

– implica que o cinegrafista Winti Suyá não só vê Pimentel Barbosa a partir do

clui a fala. Um registro de fala, que quase sumiu do nosso documentário atual,

gem audiovisual é a montagem. De fato, passar da gravação das imagens à sua

centro que é Sangradouro, onde se realiza a festa e será feita a filmagem, como,

é aquele em que as pessoas filmadas falam entre si. Mas estes filmes não ex-

edição, implica passar para um equipamento mais sofisticado, de manejo mais

simultaneamente, vê a si mesmo e à sua aldeia como “outro” a partir do centro

cluem a fala dirigida à câmera, ao contrário. Frequentemente as pessoas co-

complexo. Nunca se sabe muito bem qual é a participação dos monitores na

que é Pimentel Barbosa. Isso é realmente uma filosofia da alteridade.

269

Pimentel Barbosa. Um cinegrafista de Sangradouro explica a necessidade dessa

este filme militante. Basta relatar o seguinte episódio:

cineasta Vincent Carelli. O índio flecha. Isto a câmera flagrou. Carelli

Q

Q

26:


No registro da cultura

sistema xinguano até ser atraído para fora do complexo regional pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), no início do século XX. Até a chegada dos Villas Boas, na década de 1940, os Xinguanos empreendiam longas viagens para conseguir ferramentas no Posto Simões Lopes do SPI, que

CARLOS FAUSTO

servira à atração dos Bakairi. Contudo, o fato de eles viverem com os kagaiha, os não-indígenas, não parece ter excitado a imaginação xinguana. Os Bakairi não

Há pouco mais de dez anos, fui convidado a visitar a aldeia Kuikuro no Parque

Rondon distribui brindes a índios xinguanos durante sua visita ao Posto Indígena Simões Lopes em agosto de 1930. Acervo Museu do Índios, Funai – Brasil

chegaram a representar uma imagem reguladora do futuro. Embora alguns poucos indivíduos tenham lá vivido por certo tempo, virar “índio do SPI” não parece

Indígena do Xingu. Em uma breve viagem de duas semanas, na companhia de

ter sido uma possibilidade seriamente vislumbrada pelos Xinguanos. Ademais,

Bruna Franchetto, tive a oportunidade de assistir a um ritual “tradicional” de

nos anos 1940, com chegada da expedição Roncador-Xingu, o Posto dos Bakairi

clarinetas e a um kwaryp mediático, na aldeia Kamayurá, em homenagem a

deixou de ter importância estratégica, pois uma fonte mais direta de mercadorias

Claudio Villas-Boas, com direito a TVs, jornalistas, políticos, funcionários de

logo se instalaria na região com a presença dos irmãos Villas Boas.

Carlos Fausto, Aritana Yawalapiti e Afukaká Kuikuro tomam café em Nova Iorque. Foto Sandra Wellington, 2000

governo e convidados diversos. Aeronaves subiam e desciam, enquanto o

Cinquenta anos depois, os Kuikuro decidiram visitar os Bakairi novamente,

grande búfalo da força aérea brasileira aguardava o final da festa para retornar

refazendo a viagem por terra e de ônibus. A visita ocorreu uns bons dez anos

a sua base. Para quem, como eu, havia trabalhado antes em uma área isolada

antes de minha primeira viagem de pesquisa, mas ela ainda produzia efeitos

No ano 2000, tomei café da manhã com o chefe Afukaká em um local impro-

da floresta amazônica, onde o único transporte era um barco da Funai que re-

contundentes na autopercepção Kuikuro quando lá cheguei. Lembro-me do

vável: Nova Iorque. Eu estava a caminho de uma conferência e ele retornava

alizava uma viagem mensal, a impressão era a de estar em um movimentado

chefe Afukaká fazendo discursos na praça, referindo-se ao que, jocosamente,

de uma série de visitas a reservas indígenas no Canadá e nos Estados Unidos.

aeroporto internacional. Aproveitei a carona. Subi no búfalo e parti.

chamei de processo de “bakairização” que se abatia sobre eles (vivíamos então

Como resultado dessa viagem, uma nova imagem de futuro ganhou proemi-

Dois anos depois, em julho de 2000, já com recursos de pesquisa, desem-

a “balkanização” da Europa). Os adultos admoestavam os jovens dizendo-lhes

nência: o imenso e luxuoso cassino dos Pequot, um povo indígena da Nova

barquei na aldeia Kuikuro de Ipatse, com um projeto próprio na cabeça. Neste

que o seu destino era tornarem-se “Bakairi”. Naquela época, a culpa sempre

Inglaterra. O imponente resort – com cassino, museu, spa, campo de golfe e

meio tempo, contudo, os Kuikuro, já tinham elaborado um outro projeto para

recaía sobre os jovens “que têm vergonha de ficar pelado”, “que não querem

empregados não-indígenas – era a imagem de uma verdadeira transformação

mim: queriam que eu documentasse todos os seus rituais para, como me dis-

mais dançar”, “que só pensam em namorar” e assim por diante. Da viagem, a

sociocósmica: os Pequot tinham adquirido domínio sobre uma tecnologia da

seram na ocasião, “guardar nossa cultura” (tisügühütu ongitelü)1. O foco re-

lembrança mais vívida que guardavam era a de uma velha senhora bakairi, que

qual os índios haviam sido privados, conforme a mitologia, na origem dos

caía especialmente sobre os cantos. Há, no Alto Xingu, uma quinzena de ritu-

teria caído em prantos ao ouvi-los dançar Tauarauanã, um ritual que ainda

tempos. O cassino expressava também o controle sobre o dinheiro, cuja prin-

ais, cuja execução depende do conhecimento de músicas vocais e instrumentais.

hoje é realizado no Xingu, exatamente como descrito por von den Steinen em

cipal característica – a de converter-se em qualquer objeto ou serviço – os

Alguns conjuntos musicais são tão extensos, que se levam décadas para apren-

1887, mas esquecido pelo Bakairi.

Kuikuro logo compreenderam por homologia ao sistema nativo, que prevê

dê-los. Este saber musical é prerrogativa dos “mestres de canto” (eginhoto) e

Nos anos 1990, portanto, os Bakairi haviam passado a representar um des-

sua transmissão se faz mediante pagamentos substantivos em bens de luxo

tino indesejado para os Kuikuro, que se diziam particularmente inconformados

nativos e, hoje, também em mercadorias.

com o fato de eles terem perdidos os seus cantos. “Virar Bakairi” significava

A imagem pequot do domínio do dinheiro e da tecnologia, contudo, vinha

A percepção dos mais velhos era, então, a de que os jovens não tinham mais

não apenas perder algo, como também estar aprisionado em um limbo: nem

acompanhada, assim como no caso Bakairi, do espectro da “perda da cultura”. O

interesse em aprender os cantos e, caso estes não fossem gravados, estariam

ser verdadeiramente kagaiha (pois continuavam pobres), nem ser inteiramen-

chefe Afukaká retornou da viagem com a sensação de que deveria fazer uma esco-

fadados ao esquecimento. De fato, dois rituais já haviam desaparecido e, hoje,

te índios (pois não tinham mais “cultura”). Aos olhos Kuikuro, os Bakairi ha-

lha. Criado em um mundo no qual os cantos eram de vital importância, Afukaká

alguns povos xinguanos já não mais possuem, como dizem os Kuikuro, “todos

viam perdido seus cantos e suas festas, sem que passassem a dominar a tecno-

angustiava-se com a possibilidade de eles deixarem de existir. Mas se a perda era

ano seguinte como parte do Programa Dobes, Max-Plank Insti-

os seus cantos verdadeiros”. A imagem da perda, àquela altura, cristalizara-se

logia e o dinheiro. Em suma, para usar uma expressão corrente no português

inevitável, não seria melhor tornar-se “branco” de vez? Ele convocou, então, uma

tute, para línguas em perigo.

na figura dos Bakairi. Os Bakairi são um povo de língua karib que fez parte do

falado na aldeia, tinham virado “peão”.

reunião na praça e decretou o fim da educação bilíngue, pois deveriam aprender

1. Nesse mesmo momento, Bruna Franchetto começava a discutir o projeto de documentação linguística que se iniciaria no

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pagamentos por bens e serviços utilizando, inclusive, certos padrões de medida, como colares e cintos de caramujo.

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preciso envolver os jovens nesse trabalho. Dessa conversa nasceria, em 2002,

ravam ao retornar de suas viagens. Além disso, todos os que viajavam, passa-

pessoa mantém um corpo forte e resistente, não sente frio, acorda cedo. Em

a Associação Kuikuro do Alto Xingu, responsável legal pela execução dos pro-

ram a poder ganhar seu próprio dinheiro e comprar mercadorias.

outros contextos, é um comentário crítico ou jocoso para indicar que a pessoa

jetos de documentação cultural, assim como o Coletivo Kuikuro de Cinema

Como isso, assistiu-se a uma proliferação de objetos não-indígenas, antes

nada entende dos novos tempos: não gosta de roupa, não compreende o por-

responsável pela gravação dos cantos e das festas – e, é claro, pela realização

concentrados em algumas poucas casas. Em 1998, havia uma única TV, hoje há

tuguês, não sabe andar na cidade e assim por diante. O ngiholo representa um

dos filmes O dia em que a lua menstruou (2004) e Cheiro de pequi (2006), em

cerca de dez; os sistemas de som, que estiveram em moda há alguns anos, já

tempo passado em dessincronia com o presente. Ele é valorizado quando se

parceria com o Vídeo nas Aldeias, que são a face mais conhecida do projeto.

foram substituídos por DVDs e tocadores de MP3; de algumas poucas bicicletas

trata de afirmar a importância do “costume Kuikuro”, mas é também um índice

passou-se a uma centena, além de motos. Veículos coletivos também foram

da inadaptação desse mesmo costume aos novos tempos.

O cheiro dos brancos

adquiridos: um trator, um caminhão, uma pickup, barcos de alumínio, meia

A percepção dessa dessincronia vem se generalizando. Hoje, os jovens apa-

A relação reflexiva com a própria “tradição” é normalmente vista como um

dúzia de motores de popa. Isso sem falar de objetos de uso mais pessoal como

recem menos como agentes da mudança e mais como presas felizes do poder

sinal de ruptura: ela só apareceria ali onde as convenções deixam de ser taken

roupas e miçangas. A entrada massiva de TVs teve um forte impacto, pois trouxe

de sedução dos objetos e da tecnologia não-indígena, que a todos afeta. A

for granted e escolhas passam a se colocar diante dos indivíduos e coletivida-

um novo universo de imagens diretamente para dentro das casas. De início, elas

frase que melhor expressa esse sentimento foi dita por Jakalu ao entregar, para

des. Como dizia Eric Weil, “pelo simples fato de decidirmos seguir as tradições

eram monopolizadas pelos chefes e via-se quase exclusivamente notíciários e

o chefe Afukaká, as gravações que fizemos do conjunto de músicas de flautas

de nossos pais, estamos sendo inféis a elas” (1971:13). É preciso ocorrer, pois,

jogos de futebol, mas ao se generalizarem, o público e a programação ampliou-

sagradas – cena presente no documentário O manejo da câmera (2007). Após

uma fratura prévia, que faz com que a tradição seja vista de fora e, assim,

se, não sendo incomum hoje ver uma casa lotada de crianças assistindo a “ses-

o discurso do chefe, direcionado para os mais jovens, em que dizia que “aquilo

“representada como ‘cultura’ e esteticizada” (Babadzan 2000:135).

são da tarde” ou algum desenho animado. A internet debutou na aldeia em

eram as nossas coisas”, que ele as estava “guardando” (ongitelü) para as futu-

Como essa fratura vem se dando entre os Kuikuro? E o que eles estão dizen-

2007, junto com a inauguração do centro de documentação que lá construímos.

ras gerações, Jakalu respondeu utilizando a oratória autoderrogatória típica

do quando falam em “cultura”? Vimos que, no início dos anos 2000, os mais

Hoje, alguns jovens já têm seus notebooks pessoais e muitos deles utilizam

dos chefes e cantores: “aqui está o pouco que nosso pai me ensinou e que eu

Os professores indígenas, formados no modelo da “educação escolar dife-

velhos costumavam atribuir aos jovens a responsabilidade pela perda da “cul-

quase diariamente Facebook, Messenger, Webmail, Skype. Desde a fundação da

gravei”. E então questionou: “será que os nossos irmãos irão, em troca, apren-

renciada, específica, intercultural e bilíngue”, conforme as Diretrizes do Mi-

tura”. As mudanças que vinham ocorrendo eram então estabilizadas na forma

Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu, vários projetos culturais foram

der? Não sei, vamos ver. Deste modo (nas fitas gravadas), as nossas coisas irão

nistério da Educação (1994), contrapuseram-se a essa ideia, argumentando

de um conflito geracional: os jovens não queriam mais saber daquilo que fize-

aprovados sob minha coordenação, sendo que a “lógica do projeto” passou a

permanecer. O cheiro dos brancos é muito forte. Os nossos irmãos, os nossos

em favor de uma via intermédia. Afinal, se os Pequot não tinham mais “cultu-

ra a grandeza e o prestígio de seus pais. E eram admoestados por isso. Suspei-

reger a vida de parte dos jovens e informar aquela dos mais velhos.

filhos nada aprendem, eles já viraram brancos”.

ra”, eles, Kuikuro, ainda estavam “segurando” (ihetagü) a deles. Se os Pequot,

to, contudo, que isto sempre tenha sido assim: um passado idealizado sempre

Na última década, multiplicou-se o número de assalariados: professores,

Jakalu mobiliza uma lógica nativa das sensações: se seus filhos viraram

depois de terem perdido língua e cultura, haviam construído um museu moder-

serviu aos Kuikuro como método pedagógico para criar uma imagem de futuro

agentes de saúde, agentes de saúde bucal, agentes ambientais, auxiliares de

brancos é porque “o cheiro do branco é muito forte” (kagaihá gikegü inhahe-

no e um centro de pesquisa, quem sabe eles não poderiam fazer o mesmo,

aos jovens.

serviços gerais e assim por diante. Assalariar-se tornou-se um dos objetivos

tungui). Na Amazônia indígena, o odor é mais do que uma qualidade física

Este modelo de conflito intergeracional, contudo, logo deixaria de ser he-

perseguidos por muitos jovens, que se dedicam diariamente, na escola da al-

apreendida pelo olfato: ele é um veículo de qualidades de outrem que penetra

O museu e as transformações que poderiam levar a inversão da assimetria

gemônico na compreensão do que estava acontecendo. A agência dos jovens

deia, ao aprendizado da leitura e da escrita, restando-lhes pouco tempo para

e transforma o corpo de alguém. Essa noção de uma agência difusa, eficaz à

brancos e índios ficaram associados na visão do chefe Afukaká. E eu como su-

deixou o primeiro plano, substituída pelo poder de sedução do mundo dos

atividades que antes lhes conferiam respeitabilidade. A própria reclusão mas-

distância e independente da intenção dos agentes, é hoje mobilizada pelos

jeito (no duplo sentido, de agente e de vassalo), vi-me assim enredado no ato

brancos. Uma das razões que explicam essa mudança é o início do contrato com

culina cai pouco a pouco em desuso: sua duração e rigor diminuíram e, hoje,

Kuikuro para falar das transformações por que passam. O “grande cerco da paz”

de “guardar a cultura” Kuikuro. De início, a expressão tinha significado literal:

um centro de lazer no estado de São Paulo, a cerca de 70 km da capital, onde

frequentar a escola é parte das atividades do recluso. As mudanças são menos

rondoniano finalmente fechou-se sobre eles na forma do encantamento pela

eu deveria gravar e guardar tudo em minha casa, pois quem sabe um dia, disse-

os Kuikuro passaram a realizar espetáculos durante todo o mês de abril a partir

visíveis entre as mulheres, que continuam a respeitar a longa reclusão pós-

imagem e pela tecnologia.

me Afukaká, “meu neto – ou meu bisneto – vai se interessar novamente e

do ano 2000. O contrato ampliou o leque de pessoas com acesso ao mundo fora

menarca. Mas elas também participam ativamente das mudanças e, por vezes,

buscará as fitas com você”. Logo respondi que isto não daria certo, pois, pri-

do Parque Indígena, com efeitos significativos sobre o aprendizado do portu-

forçam a aceitação de novas práticas.

meiro, me acusariam de ter “roubado a cultura” Kuikuro (uma acusação tão

guês e dos “costumes dos brancos” (kagaihá ügühütu). Velhos, mulheres e

Hoje é comum dizer de alguém que não conhece o “costume dos brancos”

itseke, que poderíamos traduzir por “espíritos”. Os não-indígenas foram equa-

simplista quanto eficiente nos dias atuais), segundo porque, tendo família e

crianças que conheciam muito pouco do mundo fora dos limites do Parque,

(kagaiha ügühütu) que ele é um ngiholo, um antepassado. O comentário não é

cionados aos seres poderosos, elusivos e agressivos que povoam o universo

emprego, não poderia passar tanto tempo na aldeia, e, finalmente, porque era

passaram a ter experiências efetivas daquilo que os homens adultos lhes nar-

necessariamente negativo. Em certos contextos, é um elogio, indicando que a

Kuikuro, pois surgiam de surpresa, causando grandes estragos com suas espa-

Afukaká e Aritana observam o símbolo Pequot, the fox people. Acervo Afukaká Kuikuro, 2000

português para valer, deveriam estudar em universidades, deveriam buscar acesso àquilo que é o segredo dos brancos e, assim, quem sabe, “virar Pequot”.

antes mesmo de perder a cultura.

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Os “brancos” são usualmente designados kagaiha, corruptela do termo tupi karaíba. Porém, no passado (e por vezes ainda hoje), empregava-se o termo

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das afiadas e espingardas ruidosas. Até hoje, a tecnologia é um índice impor-

origem ao título do documentário O manejo da câmera. Tudo tem seu “modo

“diferenças culturais” em um contexto de longa negociação interindígena

Virando branco, virando índio

tante dessa itseke-idade dos brancos. Diante de um aparato cujo princípio de

de ser” e boa parte do conhecimento que se pode adquirir sobre o mundo

(e portanto apenas marginalmente colonial).

Se o mundo xinguano é uma mistura secular de continuidade e transformação,

produção é inapreensível, os Kuikuro costumam afirmar itseke engü higei, ‘isto

consiste em saber o ügühütu dos entes que nos rodeiam: pessoas, animais,

é coisa de itseke’ – e nada se encaixa tão claramente nesta categoria como as

espíritos, objetos.

O que chamamos de sistema ou constelação xinguana é o resultado de um

qual a especificidade das transformações contemporâneas? De uma perspecti-

amálgama de povos e culturas diversas, que se reuniram, ao longo do último

va de longa duração, não deveríamos ver essas transformações como resultado

O que me interessa aqui é a hiperprodutividade da categoria ügühütu, que

milênio, na região dos formadores do rio Xingu. De uma perspectiva de longo

de uma mesma lógica indígena de apropriação do exterior, apenas que, agora,

os Kuikuro tendem, hoje, a traduzir por “cultura”. Ele não é um termo pidgin

prazo, estamos diante de mil anos de transformação: a questão é saber, pois,

os outros somos nós mesmos? Já há algumas décadas, uma literatura de inspi-

Entende-se por que o casino pequot apareceu a Afukaká como uma imagem

como ocorre com o kastom, corruptela do inglês costum, tão utilizado pelos

em que medida o que ocorre hoje é diverso do que ocorreu no passado. Afinal,

ração estruturalista tem enfatizado o caráter constitutivo da alteridade na

reguladora de um futuro desejável: ainda que não sejam os índios que estejam

povos da Oceania; tampouco é um termo indígena retirado de seu contexto

não estaríamos frente ao mesmo processo pelo qual a cultura dos ancestrais

produção da socialidade ameríndia, uma ideia que ficou consagrada no célebre

produzindo os objetos, eles passaram a extraí-los, por meio do dinheiro, daque-

original e deslocado para significar, em uma nova situação interétnica, uma

dos Kuikuro se transformou há 400 ou 500 anos atrás ou a dos Kamayurá, há

mote lévi-straussiano da “abertura ao outro” (Lévi-Strauss 1991). Desta pers-

les que o produzem e, desta forma, passaram a controlar a sua magia. Mas o

relação objetivada com a própria tradição. Para muitos autores, as circuns-

200? Qual a diferença entre a negociação interíndigena que ocorreu na região

pectiva, os não-indígenas seriam mais uma figura da alteridade em meio a

preço a pagar por este controle seria, necessariamente, a perda da “cultura”?

tâncias nas quais um povo indígena assume um ponto de vista externo sobre

nos últimos séculos e aquela que ocorre hoje entre dois sistemas tão distintos

tantas outras que a precederam cronologicamente. Vários autores mostraram,

si mesmo, de modo a ver a sua própria cultura como “uma coisa” à qual podem

como o “nosso” e o “deles”? Estaríamos frente a um turning point irreversível

com sucesso, que os estudos das “relações interétnicas” poderiam ganhar em

aderir ou rejeitar, são essencialmente aquelas da “invasão colonial”. A reifi-

no qual os fundamentos da modernidade – mercantilização e racionalismo –

densidade e sofisticação se contemplassem uma lógica indígena para pensar e

Não é incomum ouvir um Xinguano dizer, em bom português, que, no Brasil, só

cação da tradição seria um modo de elaboração da diferença interétnica,

estariam por solapar “the old ways” para usar a expressão de Hobsbawn

relacionar-se com a alteridade. Compreender as mudanças socioculturais con-

eles estão “segurando a cultura”, pois os outros índios, “coitadinhos”, já per-

funcionando como instrumento ora de resistência, ora de aceitação da situa-

(1983:8)?

temporâneas seria, assim, antes uma questão de investigar as formas indíge-

deram a deles. Esta imagem de índios verdadeiramente autênticos dotados de

ção colonial. No caso xinguano, contudo, não creio que a demarcação cons-

Da perspectiva Kuikuro, contudo, o problema não é propriamente o do

nas de produzir a transformação, do que de estudar a historicidade específica

uma “supercultura” foi vastamente veiculada no processo de criação do Parque

tante de “modos de ser” seja recente. Antes, ela evocaria a própria história

abandono de “crenças” (como o seria de uma perspectiva modernista), nem

da situação de contato ou a estrutura do processo sociopolítico mais amplo em

Indígena do Xingu e povoou desde então o imaginário nacional. É este o espe-

indígena xinguana, implicada secularmente com a produção de uma cultura

tampouco o da mercantilização das relações interpessoais (algo que ainda

que as sociedades indígenas estão inseridas.

lho que, ainda hoje, as pessoas lhes oferecem em suas viagens e espetáculos

comum, a partir de um conjunto diverso de povos, línguas e costumes. A

parece distante no horizonte). Aos olhos dos mais velhos, trata-se de saber o

Mudanças na tradição não costumam ser pensadas pelos índios sob a forma

pelo Brasil. Mas esta é também a imagem que eles próprios construíram para

produtividade da categoria ügühütu seria, assim, fruto da objetivação de

que devem reter para garantir a permanência daquilo que identificam como o

da inovação, mas sim da apropriação exógena, resultado da interação criativa

si mesmos na relação com outros povos indígenas, tanto dentro do Parque

núcleo da reprodução social xinguana, sem o quê, eles, definitivamente, per-

com estrangeiros (humanos ou não-humanos) por meio do sonho, do transe,

(com os chamados povos do “baixo”), quanto fora dele (nas inúmeras ocasiões

deriam a possibilidade de recriar um modo de vida xinguano. Quanta continui-

da guerra ou da troca. Se a inovação da tradição é o resultado de uma apropria-

em que participam de reuniões políticas ou jogos esportivos interíndigenas).

dade é possível no novo contexto de transformação? Como mudar de modo a

ção do exterior, o mecanismo de apropriação é mimético: no ato mesmo de

Os Xinguanos têm, definitivamente, um olhar altivo e orgulhoso sobre sua

garantir maior acesso aos bens e serviços não-indígenas e, ao mesmo tempo,

apropriar-se da alteridade, acaba-se por mimetizar o outro. Isto só nos resta

própria tradição.

assegurar a maior permanência possível do ügühütu Kuikuro? A pergunta é,

evidente quando o outro somos nós, pois vemo-nos invadidos por uma sensa-

pois, seletiva: o que, em última instância, representa seu ügühütu? O que não

ção de inautenticidade. É o que ocorre, por exemplo, quando presenciamos

pode ser esquecido?

rituais como uma festa kayapó do 7 de setembro, um culto protestante wari’

câmeras e os computadores que captam imagens em sequência e as transformam continuamente.

A cultura em movimento

Mas o que eles identificam como sendo esta tradição ou a que se referem quando empregam, em português, a palavra “cultura”? Todas essas noções que utilizei até aqui – “costume”, “tradição”, “cultura” – são traduções de

Aos olhos dos mais jovens, a questão me parece se tornar cada vez mais

um único termo Kuikuro: ügühütu. Trata-se de um vocábulo extremamente

radical, pois implica não apenas perguntar como devemos ou queremos viver,

Assim, se adotarmos como premissas da análise que a transformação é parte

produtivo, que se ouve recorrentemente, designando “modos de ser” nos

se podemos ou não viver de outro modo, mas também como eu quero viver. Os

estrutural da reprodução social, que a “abertura ao outro” implica constante

mais diversos contextos. Assim, por exemplo, kagaiha ügühütu é “o costume

caminhos individuais no interior do processo de transformação tornam-se um

apropriação da alteridade e que a inovação é concebida como alopoiética, so-

dos brancos”, assim como o dos Xinguanos é kuge ügühütu ou tisügühütu. O

componente importante na equação, levando ao surgimento de novos perso-

mos obrigados a constatar que a atitude mais tradicional que se poderia esperar

termo pode ser usado para se referir aos hábitos de um animal, mas também

nagens: não apenas novos líderes políticos e mediadores, mas pessoas – cine-

dos Kuikuro hoje é... que continuem a “virar brancos” (Kelly 2005). Deste modo

astas e universitários – que começam a se perguntar se é àquele mundo que

estariam agindo em acordo com a lógica anti-identitária e alterante que, para

querem pertencer e em que medida.

muito antropólogos, caracteriza a camada mais profunda da vida indígena.

ao modo de utilizar-se um objeto, como na expressão kahehijü ügühütu, “o costume da câmera” (i.e., o modo de operá-la) – expressão, aliás, que deu

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Agauá e Jamaluí trabalham em transcrição e tradução de narrativas no Centro de Documentação da aldeia Kuikuro. Foto Vincent Carelli, 2010

ou ritos escolares bakairi.

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O que distingue uma transformação ritual de uma doença é o fato de que,

gu. Todos os anos dezenas, quando não centenas, de não-índios são aguardados

nesta última, a metamorfose é indesejada, ocorrendo, justamente, “o tempo

para assistirem as grandes festas intertribais que ocorrem durante a estação

todo e em todo lugar”. Ao extravasar todos os limites, não sendo encerrado em

seca. Formam um público apreciado, do qual se espera que, mesmerizados pela

um quadro ritual ou em uma interação social delimitada, o “cheiro dos bran-

força do ügühütu xinguano, sejam generosos com seus anfitriões.

cos” provoca uma doença que leva a um sentimento crônico de perda. O tema

Na última década, o ritual converteu-se também em um espetáculo fora do

tantas vezes repetido da “perda da cultura”, que ressoa nos quatro cantos da

Parque. Como vimos, no caso dos Kuikuro, todo mês de abril, em virtude das

Amazônia, parece ser, assim, comparável ao sentimento de orfandade e aban-

comemorações do dia do Índio no Brasil, uma centena de pessoas deixa as al-

dono que caracteriza o doente, que está prestes a perder o seu mundo por

deias a fim de se apresentar em centros de lazer, escolas e em festas munici-

transformar-se em outro tipo de gente: espírito, animal, morto.

pais. Em função dessa atividade surgiu uma espécie de pot-pourri ritual, feito

A maioria dos rituais Kuikuro está associada a uma doença causada por

de sequências de sketches sumários, cuja ordem é anotada em um caderno

entidades não-humanas designadas itseke, entidades que têm o mal costume

escolar. A escolha dos cantos respeita a dois critérios: de um lado, a beleza e

de roubar as almas dos humanos para transformá-las em seus próprios paren-

a animação; de outro, a pouca importância ritual. Nesses espetáculos, não se

tes. Ao se recuperar, o doente torna-se o dono do ritual associado ao agente

cantam músicas, como dizem em português, “sagradas”. A espetacularização

patogênico, devendo, ao longo de anos, alimentá-lo através da realização de

é concebida de modo a não contaminar o ritual. Os Kuikuro reconhecem o ar-

sua festa. O ritual xinguano é, assim, um dispositivo de transformação coleti-

tifício, cujo objetivo é seduzir os não-índios com uma imagem tradicional e

va e transitória em itseke que contrarresta uma transformação individual e

esteticamente autêntica que serve para “vender artesanato”. No filme As Hiper-

definitiva que adiviria caso o paciente morresse.

mulheres (2011), Jakalu conta como, durante visita ao Pará e na ausência de

Hoje, o ritual também serve para evitar outra transformação definitiva, por ser o único lugar em que os índios não estão “virando branco”. Talvez por isso

Da perspectiva Kuikuro, contudo, ser “tradicional” neste sentido envolve dilemas e angústias igualmente profundas. Afinal, quais as consequências de

O neto filma o avô Afukaká, cacique principal dos Kuikuro. Foto Carlos Fausto, 2007

mimetizar-capturar um outro não-indígena? O receio dos Kuikuro é o de que,

uma cantora, improvisaram um canto feminino, enrolando os brancos do mesmo modo “que eles sempre nos enganam”.

tenha-se convertido em uma atividade na qual podem “virar índio” novamen-

A produção desses espetáculos ainda não reverberaram sobre os rituais, que

te. O ritual é uma terapia para a doença crônica causada pelo “cheiro dos

continuam a ser movidos por motivos tradicionais e realizados em sua comple-

brancos” e, ao mesmo tempo, o lugar de afirmação de uma tradição objetivada.

tude e sistematicidade. O universo das músicas e das ações rituais é regido por

Não é à toa que sempre que estamos dançando em um ritual Kuikuro, o cantor

uma ordem complexa e precisa, que é uma condição necessária de sua efetivi-

Kamankgagü – um ngiholo orgulhoso de seu saber tradicional –afirma entu-

dade (Fausto, Franchetto & Montagnani 2011). Ao encomendar-me o registro

siasmado para mim: “veja meu amigo, este é o nosso costume, esta é a nossa

de todos os cantos e de todas as rotinas rituais em sua precisa ordem, o chefe

palavra”. (Aliás, sim, “quando estamos dançando”, pois o ritual também é o

Afukaká temia que, na próxima geração, não restassem senão os escombros

no ato de apropriação do universo não-indígena, eles se tornem inteiramente

autóctones, portadores de uma tradição milenar à qual outros povos vieram

lugar ideal para o antropólogo “virar índio” – afinal, aí tudo está “virando”

desse conhecimento, de tal modo que eles só pudessem “virar índios” para os

outros, invertendo a perspectiva e a direcionalidade do processo de apropria-

a aderir. Uma das diferenças entre os processos contemporâneos de mudan-

alguma coisa outra).

brancos e já não pudessem mais “virar índios” para si mesmos.

ção: começaram apropriando-se e acabarão apropriados, deixando de lado o

ça em relação àqueles do passado é que, se neste último caso o mecanismo

A objetivação da tradição via ritual é de dupla-face: se o ritual é um modo de

que lhes era próprio. Este risco, como sabemos, é o mesmo que vários povos da

de apropriação e digestão da diferença foi em grande medida o ritual, hoje

virar índio para os índios, ele é também um modo de virar índio para os brancos.

Um certo cinema índio

região correram no momento de sua inclusão no (e produção do) complexo

as transformações colocam em risco a própria continuidade desse disposi-

No Xingu, a conversão dos rituais em espetáculos é um fenômeno que remonta

Foi neste contexto de mudança – no qual os Kuikuro se veem virando brancos

multiétnico xinguano. Só que, agora, temem justamente transformar-se em

tivo e com ele o fundamento mesmo da produção da vida social xinguana.

à década de 1950 e os Kuikuro têm uma percepção clara do caráter espetacular

o tempo todo sem jamais virá-lo completamente – que nasceu o projeto de

vão: em vez de “virar branco”, virar apenas “peão”.

Não há um frame ritual capaz de conferir um contexto específico e finito

de suas festas e de seu impacto sobre os “brancos”. Os irmãos Villas Boas soube-

documentação e, com ele, a experiência de fazer filmes. Como sujeito implica-

para “virar-se branco”. Ao contrário, está-se virando branco o tempo todo e

ram bem utilizar esses ingrediantes na produção da fama internacional dos

do em “guardar a cultura” Kuikuro, o contra-ataque que encontramos foi o de

em todo lugar.

Xinguanos, elemento essencial na luta pela criação do Parque Indígena do Xin-

usar a própria magia dos brancos, ensinando como produzir mais e mais ima-

Os Kuikuro, ademais, raramente pensam-se como um povo que ingressou no sistema xinguano. Ao contrário, na maior parte do tempo, veem-se como

277

278


gens, colocando a tecnologia a serviço da memória, na esperança de que isso

para o exterior. Uma nova via de renome havia sido aberta, ao lado daquelas

sirva tanto ao passado como ao futuro.

tradicionais de lutador, chefe ou cantor, somando-se a outras, também novas,

Foi-se uma década e as questões e percepções relativas à imagem gravada

como a de professor, agente de saúde ou líder de associação. Vieram, assim, os

foram se transformando. Lembro-me bem da reação inicial da comunidade à

convites para filmar as festas e para dar oficina em outros aldeias – convites

primeira montagem de O dia em que a lua menstruou, que mostramos na TV da

que foram acompanhados de acusações de roubo da cultura e enriquecimento

casa do chefe em uma dessas noites frias de junho, ainda em 2004. A reação

ilícito pela venda de imagens. As dinâmicas da inveja-ciúme (kinhulu) e da

lembrava a dos Nambikwara em A festa da moça. Bicicletas, relógios, isqueiro,

fofoca (augene), tão tradicionais no Xingu, foram logo ativadas para limitar o

xamã com a camisa estampando a frase digital revolution. O chefe mandou

renome, pois ali tornar-se conhecido, “falado” (tikaginhü), implica sempre

parar a projeção – era preciso fazer tudo novamente, desta vez sem as “coisas

uma face clara e outra obscura.

Imagens potentes das aldeias ALFREDO MANEVY Doutor pela Universidade de São Paulo, prof. da Universidade Federal de Santa Catarina, foi secretário-executivo do MinC no governo Lula (2008-2010)

O fim da tutela, garantida na constituição da 88, vem sendo na prática um processo inconcluso : lento e frágil do ponto de vista das instituições e das políticas reais. Do ponto de vista simbólico, no campo do audiovisual, esse processo sequer tinha iniciado. Até pouco tempo – e esta visão ainda se impõe hoje – as questões indígenas eram circunscritas aos graves problemas de saúde e homologação de terras, estes ainda uma pauta constante e necessária. As questões educacionas chegaram a ganhar algum tratamento, mas especialmente as culturais eram excluídas da pauta. O Ministério da Cultura, até 2003, não tinha diálogo nem financiava projetos próprios oriundos das

do branco”, de modo a devolver-lhes uma imagem bem “tradicional”. Mariká,

Seja como for, os Kuikuro apropriaram-se do vídeo e alguns dos jovens ofi-

comunidades indígenas. Essa foi uma mudança profunda na gestão cultural

um dos cineastas de então, tomou a palavra e, usando de sua maior intimidade

cineiros ganharam o status de “cineastas”. Mas ao se apropriarem da câmera e

Em seus vinte e cinco anos de história o projeto Vídeo nas Aldeias produziu

com o mundo dos brancos, argumentou que aquilo era um “documentário” e

do Final Cut, em que medida não foram eles também apropriados? Canibaliza-

imagens, sons e signos inteiramente novos das populações indígenas. Houve,

vista da valorização e apoio às demandas artísticas, sejam as múltiplas for-

não uma “ficção”, empregando os termos em português. Seguiu-se uma longa

ram uma linguagem para regurgitar uma coisa nova ou foram domesticados por

sem dúvida, uma transformação profunda na paisagem do audiovisual brasilei-

mas de articulação do tradicional com a modernidade, os projetos ganharam

explicação para tornar os termos compreensíveis. Explicação dada, explicação

nossa linguagem? Os três temas clássicos de nosso universo de valor – o novo,

ro, a partir da emergência muitos grupos e cineastas oriundos das comunida-

apoio inédito.

recebida. Seguimos com a projeção.

o autêntico e o autoral – continuam a rondar como fantasmas as leituras que

des que participaram do projeto. Entre os brasileiros não-índios, disseminou

Os “índios” agora se revelam como uma vasta pluralidade de sistemas so-

Quando, no ano seguinte, voltamos à aldeia para finalizar Cheiro de pequi,

se faz desse tipo de produção cinematográfica. Mas seriam estas as melhores

uma imagem nova e potente de povos tradicionalmente representados por

ciais e simbólicos que, por sua vez, desvelam a rica e singular ocupação dessa

a ideia de ficcionalizar uma parte da narrativa mítica já estava tomada e trata-

chaves de leitura? Seriam estas as questões que eles, os Kuikuro, se colocam a

meio de estigmas – na abordagem ora romântica, ora genérica, ora superficial,

imensa parcela do território sul-americano. O desenvolvimento do projeto, o

va-se, então, de produzir um cenário bem tradicional e trabalhar com atores a

si mesmos? Será que desejam fazer um certo cinema-índio ou preferem apro-

sem capacidade de sequer sinalizar a enorme diferenciação característica dos

amadurecimento da metodologia e dos diálogos estabelecidos nas diferentes

caráter. A relação com a câmera havia mudado radicalmente: de início as pes-

priar-se o melhor possível de uma linguagem-outra, assim como, no passado,

ameríndios em solo nacional. Ou, como alternativa, a representação indiferen-

comunidades, produziu outra forma de representação, inserindo as questões

soas não gostavam de ser filmadas e os mais velhos julgavam, como conta

se apropriaram de cantos e ritos de outros povos? Enfim, um autêntico cinema-

te e perversa que tradicionalmente aponta as comunidades como foco da “au-

de linguagem a um notável primeiro plano. Emerge finalmente, com toda for-

Takumã em O manejo da câmera, que aquele aparato todo era coisa de branco

índio não seria necessariamente inautêntico aos nossos olhos?

sência de desenvolvimento” ou exotismo. Além de garantir o protagonismo

ça, o ponto de vista de quem vê a vida por um fio e suas fronteiras cada dia mais

do governo Lula. Seja do ponto de vista da preservação, seja do ponto de

e que eles, não sendo brancos, só fariam filmes sem valor (talokito). Melhor,

Os dilemas da tradição e da inovação colocam-se inelutavelmente à nossa

aos cineastas das comunidades, vale ressaltar que a forma como Vídeo nas

diminuídas ou ameaçadas e violadas. A diferença é que os filmes resultados do

então, deixar a câmera nas mãos do professor Vincent, pois ele saberia sim

frente sem resposta única, nem definitiva. Nós não estamos mais “virando

Aldeias construiu sua abordagem permitiu que esses estigmas (traços de re-

projeto revelam um “outro tempo” e um “outro lugar”, a paisagem interior

guardar a cultura Kuikuro.

brancos”, pois acreditamos já ter virado o suficiente. Esta condição nos parece

presentação) fossem deslocados para abrir espaço a roteiros, histórias, falas,

desses povos expressam sua enorme sensibilidade, solidariedade, conheci-

Em 2005, os jovens oficineiros escolhiam, com a ajuda do chefe Afukaká,

alcançada enfim – hoje, não precisamos mais fazer cinema-europeu, cinema-

depoimentos, imagens que emergem hoje afirmando o campo simbólico das

mento tecnológico, aguda construção estética. Vídeo nas Aldeias repercute

atores e atrizes, e a comunidade discutia ativamente qual das versões do mito

de-hollywood, cinema-brasileiro ou algum cinema-novo. Não seria mais gene-

comunidades, não raro com os inúmeros conflitos reais que ali se estabelecem.

assim as narrativas oriundas de povos que – tragicamente – ainda não são

seria encenada. Os rapazes tinham ganho prestígio, a fama crescendo à medi-

roso, assim, apenas querer que os índios virem índios à maneira deles, mesmo

Revelou e lançou também uma nova geração de documentaristas e cineastas

percebidos como riqueza essencial do País, passaporte para um futuro diferen-

da que recebiam prêmios, viajavam para outras cidades brasileiras e mesmo

quando isso significa... “virar branco” mais uma última vez?

de muitas etnias.

te do atual em termos sociais e ambientais.

279

Q

Q

27:


Memória de uma travessia

Waiãpi frente a exibição, num aparelho de televisão instalado na aldeia pela

que representa a ruptura da indiferença, a preocupação pelo outro1. Preocupa-

ção posterior, como formadores, de profissionais tais como Leonardo Sette,

equipe, de sua própria imagem e sobretudo de imagens registradas por tercei-

ção que, evidentemente, tem de se tornar tangível, em gestos concretos,

Ernesto Ignacio de Carvalho, Sergio Bloch e Tiago Campos Tôrres.

ros, não índios, sobre outros grupos indígenas.

mesmo que não possamos possuir nenhuma certeza sobre a sua eficácia.

A mais importante contribuição da Associação Vídeo nas Aldeias, no curso

Era particularmente notável a virulência afirmativa das declarações de vá-

É o que nos mostra o filme, sobretudo na sua parte final, após acompanhar-

desta primeira década do novo milênio foi sem duvida a formação de toda uma

rios índios Waiãpi, frente a imagens que descobriam, naquele ambíguo mo-

mos a busca pelo Vincent (e pelo seu companheiro de travessia, o indigenista

geração de cineastas indígenas que produziram, no curso do período, obras

mento histórico em que vivíamos, misto de desalento com os rumos do país,

Marcelo Santos), do contato com um índio isolado, sobrevivente de um novo

que, de diversos modos, expressam a riqueza dos universos simbólicos das

no final do governo Sarney e o inicio do governo Collor, e das esperanças de

massacre ocorrido na região, assistimos a uma cena em que este último, teme-

comunidades às quais pertencem. Obras que apresentam, segundo perspecti-

mudança que tinham sido propiciadas pela intensa mobilização social em

roso do contato e estranhando a presença da câmera, arremessa uma flecha em

vas inéditas, instigantes tramas do cotidiano das aldeias ou constituem nar-

A festa da moça (1987). Vídeo nas Aldeias dava os seus primeiros passos, ainda

torno da elaboração da Constituinte de 88. Entremeando as falas, destacavam-

direção ao Vincent. Através da sua voz, então, compreendemos que o olhar

rativas que desvelam, de forma sutil, contradições internas aos grupos subse-

como um projeto do Centro de Trabalho Indigenista.

se elípticas cenas do dia a dia da aldeia e de momentos de rituais.

mecânico da câmera permitiu o reconhecimento do índio isolado e a sua defe-

quentes, frequentemente, a contatos de natureza conflituosa com grupos e forças sociais externas às aldeias.

H E N R I A R R A E S G E R VA I S E A U Ensaista, cineasta, e professor

Quando o conheci, Vincent Carelli tinha acabado de concluir o documentário Jovem cientista social, formado no clima ainda fervilhante do pós maio de

Outro forte impacto foi para mim, poucos anos depois, o documentário A

sa: “durante as seis horas que a gente cercou o índio, ele tentou me flechar por

68, na França, filho de militantes de esquerda e apaixonado por cinema, imbu-

Arca dos Zo’é (1993), co-dirigido pela antropóloga Dominique Gallois, cuja

causa da câmera, entretanto foi esta imagem que fez ele existir perante a justi-

ído das ideias rouchianas de antropologia compartilhada, instigado, como

preciosa colaboração tinha, de certo modo, viabilizado o projeto anterior, já

ça” e interditar a área para protegê-lo, pelo menos por um tempo.

muitas pessoas da minha geração, pela busca de meios de expressão da visão

que convivia com o grupo Waiãpi há anos, e tinha sedimentado uma íntima

É forte em mim a lembrança de Virgínia Valadão, figura fundamental no pro-

de pequi (2006), de Takumã e Maricá Kuikuro; Pi’õnhitsi, mulheres Xavante sem

do que então denominou-se a dos vencidos da história, me entusiasmei de

relação de confiança com os seus integrantes. No novo vídeo, Dominique e

cesso de investigação que Corumbiara documenta, e na própria fundação e de-

nome (2009), de Divino Tserewahú; Kene Yuxi, As voltas do Kene (2010) de

imediato pela proposta do projeto.

Vincent não apenas promoveram, de fato, um contato inter étnico, mas ainda

senvolvimento do Vídeo nas Aldeias, até o seu precoce falecimento em 1998, e

Zezinho Yube; Bicicletas de Nhanderú (2011), de Patrícia Ferreira e Ariel Duar-

A pioneira experiência da Festa da moça apontava para usos inovadores

construíram uma instigante narrativa, em que imagens e diálogos da visita dos

que, entre outros trabalhos, dirigiu Yãkwa, o banquete dos espíritos (1995), pre-

te Ortega e As hiper mulheres (2011), cuja direção Takumã Kuikuro comparti-

potenciais da tecnologia do vídeo, como o de mostrar imediatamente aos ín-

Waiãpi aos Zo’é alternam, sutilmente, com imagens do cacique Waiãpi, de

ciosa apresentação condensada do importante ritual dos índios Enawenê Nawê.

lha com Carlos Fausto e Leonardo Sette.

dios o que se filmava, favorecendo o estranhamento dos Nambiquara frente a

volta à sua aldeia, comentando para aqueles lá ficaram, a viagem. A frutífera

Para além da minha simpatia entusiasta pelo projeto, e da minha apreciação

Um dos principais desafios da nossa entidade, nos próximos anos, além de

inédita reprodução imagética do rito de iniciação que tinham acabado de rea-

escolha deste procedimento de montagem do material potencializa os efeitos

critica positiva de muitas de suas realizações, o meu envolvimento com o projeto

continuar garantindo a todas as etnias o livre acesso às suas próprias imagens, é

lizar. Ao redescobrirem-se a si mesmos como outros do que se imaginavam,

do encontro propiciado pelos realizadores entre os dois grupos, em que a des-

ultrapassou, a partir do final dos anos 90, a divulgação informal das suas obras.

de viabilizar a digitalização do precioso acervo audiovisual que o Vídeo nas Al-

através do inesperado espelho oferecido pelo registro documental, retomaram

coberta reciproca se efetua, e relatos de experiências trágicas de contato com

Em função da minha experiência como documentarista e também em programas

deias constituiu ao longo dos últimos vinte e cinco anos, em conjunto com todas

então a encenação do rito, integrando novamente ao desenrolar do mesmo a

o mundo dos brancos são compartilhados.

de televisão educativos, elaborei junto com Vincent e Tutu Nunes argumentos e

as etnias com as quais trabalhou. Considero a preservação deste acervo etapa

Desde então, o documentário do Vincent que mais densamente me envol-

roteiros da série Índios no Brasil (2000), produzida para a TV Escola do Ministério

essencial no dinâmico processo de transmissão da memória destes povos, sempre

veu foi Corumbiara de 2009. Planos do vídeo A festa da moça, abrem o filme e

de Educação. Fui sócio-fundador da Associação Vídeo nas Aldeias quando o pro-

suscetível de ser reativada na perspectiva do futuro das novas gerações.

Iniciando naquele momento minha trajetória como documentarista, e in-

dão o engate para o inicio da rememoração, em voz off, pelo Vincent, de sua

jeto se institucionalizou, tornando-se independente do Centro de Trabalho Indi-

quieto quanto ao encontro de modalidades de montagem que permitissem

travessia de busca, desde 1986, dos sobreviventes de um massacre de índios

genista. Mais recentemente, fui eleito presidente da entidade.

instigantes expressões de pontos de vistas dos sujeitos documentados me

isolados, por fazendeiros paulistas, numa frente de expansão agrária, na Gleba

No final dos anos 90, iniciam-se as primeiras oficinas de formação de reali-

força, ao longo do decênio, está dando decisiva contribuição para a constitui-

lembro dos primeiros intensos diálogos então travados com Vincent a respei-

Corumbiara, em Rondônia, e da tentativa de condenação, que acaba não ocor-

zadores indígenas, a oficina pioneira tendo acontecido no Xingu, em 1997. Foi

ção de novos pontos de vistas sobre a dinâmica sócio-cultural da sociedade

to, entre outros, de modalidades diferenciadas de uso do texto em off, bem

rendo, dos responsáveis pela chacina. Voz sóbria que episodicamente relata

nesta ocasião que Divino Tserewahú idealizou a filmagem de Wapté Mnhõnõ,

brasileira contemporânea.

como do lugar a ser dado às expressões verbais dos grupos.

instantes decisivos desta trajetória e costura a apresentação de registros de

iniciação do jovem Xavante (1999), seminal realização de um dos primeiros

Ao assistir, em 1990, ao Espirito da TV, tive a imediata sensação de que

situações ocorridas no curso destes vinte e cinco anos. A comunicação desta

cineastas indígenas formados pelo projeto. Cabe lembrar a decisiva participa-

Vincent tinha iniciado frutífera travessia documentária, abrindo caminho para

experiência circunscreve os limites dos avanços legais no enfrentamento das

ção, na sistematização progressiva do formato destas oficinas, no curso dos

tradicional cerimônia de furação de nariz e beiço, abandonada há mais de vinte anos.

uma antropologia da comunicação audiovisual, ao centrar a narrativa do vídeo

recorrentes tragédias sociais em regiões de fronteira agrícola no Brasil, e si-

anos 2000, de Mari Corrêa, que junto com Vincent adaptou métodos pedagó-

no encadeamento das reflexões, fabulações e declarações verbais dos índios

multaneamente aponta para a importância primordial do acontecimento ético

gicos desenvolvidos pelos Ateliers Varan ao mundo das aldeias, e a colabora-

281

Penso aqui, entre outras muitas obras, em No tempo das chuvas (2000), de Valdete e Isaac Piãko, Shomõtsi (2001) de Valdete Piãko; Imbé Gikegü, Cheiro

No presente, não tenho dúvida em afirmar que a produção dos realizadores indígenas brasileiros, desde do inicio dos anos 2000, e com cada vez mais

Q

1. Para Lévinas, a preocupação pelo outro, a responsabilidade por outrem (até a possibilidade de morrer por ele), esta ruptura da indiferença, que pode ser estatisticamente dominante, é o acontecimento ético. Ver Lévinas, Emmanuel: Entre nós. Ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Editora Vozes, p.18.

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Vídeo Parentesco: um ensaio sobre A Arca dos Zo’é e Eu já fui seu irmão

de longa confiança e colaboração entre Carelli e os sujeitos filmados (os Waiã-

(assim como para iniciados), traz os processos sociais gerados por um efeito

pi, Zo’é, Krahô e Gavião/Parakateje) que, como podemos ver no vídeo, também

catalítico que a presença do vídeo tem feito dentro de um contexto de defesa

estão fazendo suas próprias documentações em vídeo dos mesmos eventos,

política e cultural (2). Como Pat Aufderheide explica em seu artigo sobre o

para eles mesmos.

trabalho de Vincent Carelli e do CTI,

Em seu uso popular corrente, a palavra mídia evoca grandes conglomerados

F AY E G I N S B U R G

multinacionais, a modificação da vida cotidiana na última fase da cultura ca-

Vídeo nas Aldeias responde a necessidades expressas de grupos indígenas

Antropologa da Unviserdade de Nova Iorque. Publicado nos Cadernos de Antropologia e Imagem, v. 6, nº 1, Rio de Janeiro, UERJ, 1998, pp 93-106

pitalista atual e uma crescente globalização de imagens e informações, fazen-

dentro do contexto de organização enfocado pelo CTI nos direitos indígenas.

do com que pessoas e culturas pareçam ainda mais desenraizadas e desconec-

Não é uma estação de produção de filmes; de fato, a grandeza deste trabalho

tadas. Porém, no significado original da língua inglesa, mídia é definida como

é facilitar o uso de vídeo pelos índios. Os índios produzem vídeos concebidos

Eu nunca imaginei que pudesse existir, mesmo atualmente, uma aldeia celebrando como meus ancestrais

uma substância interveniente através da qual uma força atua ou um efeito é

juntamente com o Centro, prescrevendo assim a temática e as opções de

COMENTÁRIO TRADUZIDO DE KRÔHÔKRENH M, CHEFE GAVIÃO AO ASSISTIR IMAGENS DA CERIMÔNIA KRAHÔ EM 1991. CITADO EM CARELLI 1995: 5

produzido; é algo que media, atuando entre grupos para resultar em um enten-

composição. O projeto também faz circular outros vídeos, organiza trocas

dimento, compromisso ou reconciliação. Estas noções de mídia e mediação,

entre diferentes grupos e promove encontros entre outros que já se “conhe-

Agora, nós vamos ver nossas imagens juntos. No passado, nós índios não sabíamos a respeito disso...

são o que A Arca dos Zo’é e Eu Já Fui Seu Irmão – e de fato, todos os trabalhos

ciam” pelo vídeo. Isso ajuda na construção de arquivos e videotecas, substi-

na língua do homem branco, se chama televisão. E na nossa língua? Eu não sei.

em vídeo do projeto Vídeo nas Aldeias – representam. Eles se situam em algum

tuindo fitas mofadas ou danificadas. As opções pelo trabalho em vídeo, tem-

lugar entre “mídia indígena” feita por e para comunidades nativas e filmes

se dirigido por caminhos os quais estes trabalhos podem fomentar um

etnográficos que tradicionalmente têm sido compostos por categorias de in-

projeto maior de integridade cultural e reconstrução (...)

A ARCA DOS ZO’É, 1993

É índio com índio. Nós acabamos de ficar amigos. Mas daqui pra frente, o vídeo que eles estão fazendo, eles vão levar para eles assistirem e depois mandarão uma cópia pra gente assistir. Uma estrada foi aberta entre nós.

teresse antropológico. Ao invés disso, a narrativa desses vídeos para leigos

(...) Esses vídeos possuem um formato ativista, de lógica política e de documentário didático. Eles estão intencionados a explicar a uma plateia,

EU JÁ FUI SEU IRMÃO, 1993

muitas vezes de não-índios, porque o vídeo é uma ferramenta útil para a soFotogramas do filme Eu já fui seu irmão (1993).

brevivência da cultura indígena. (1995:84)

A Arca dos Zo’é e Eu Já Fui Seu Irmão, são dois vídeos extraordinários, que nos convidam a repensar as possibilidades da “pequena mídia” no fim do século 20 como tecnologias que facilitam as relações de parentesco, a autoconsciência cultural e informação política, invertendo o que as pessoas presumem ser as relações casuais entre mídia e alienação. Dirigido e fotografado por Vincent Carelli, ambos os filmes fazem parte do projeto Vídeo nas Aldeias dirigido por ele em associação com o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) (1), um grupo de defesa que vem trabalhando com e para índios brasileiros desde 1979, situado em São Paulo. Dos 13 ou mais vídeos produzidos pelo projeto até hoje, estes estão entre os mais interessantes, porque dramatizam claramente como novas relações culturais, sociais e políticas tem sido constituídas entre os índios da Amazônia e de outros lugares e como tecnologias tais como o vídeo, podem ser uma parte produtiva deste processo. Sob qualquer padrão cultural, os dois vídeos são belamente filmados e editados e demonstram um rico senso

283

284


Como Carelli deixa claro em seu trabalho, Vídeo nas Aldeias tem desenvol-

Os trabalhos do Vídeo nas Aldeias são quase únicos enquanto documentos

fe Wai Wai – que vive no Estado do Amapá e tem sido muito ativo na luta contra

chefe Diniz Tibiet. O vídeo sobre o evento – o qual inclui cantos, danças,

vido duas diferentes dimensões do uso do vídeo. Ele (e outros como o antro-

sobre o que acontece quando o vídeo é posto nas mãos de comunidades indíge-

as ameaças de comércio e do Estado contra sua terra e autonomia. A antropó-

pinturas corporais e preparações para árduas competições, onde imensos

pólogo americano Terry Turner com quem Carelli trabalhou no Projeto de Vídeo

nas e como isso é tomado como uma tecnologia de mediação. Tudo isso faz

loga Dominique Gallois, (que trabalhou neste projeto) e Carelli acham que

troncos são passados entre jovens de ombros em ombros enquanto atraves-

Kayapo) tem fornecido equipamento e treinamento de vídeo para membros das

parte de um momento particular quando os povos da Amazônia estão se tornan-

estas pessoas – que tiveram experiências negativas com cineastas de fora –

sam correndo a savana – foi exibido à noite na aldeia dos Gavião depois que

comunidades indígenas interessados no uso do vídeo para seus próprios pro-

do cônscios deles próprios, da fragilidade de suas práticas culturais sob pressão

queriam controlar a construção de sua própria imagem e documentar o proces-

eles retornaram. A intensidade da experiência ajudou a galvanizar uma nova

pósitos (Turner 1992; Feitosa 1991, 1993). Além disso, Carelli produz filmes

vinda do contato e da importância em se fazer conexões com outros grupos

so de entrar em contato com outras comunidades. A fita mostra as reações e

visita no ano seguinte quando um contingente de Krahô veio visitar os Gavião

sobre o processo de introdução ao vídeo e seus efeitos, tanto para estas comu-

indígenas e estabelecer contatos recíprocos como um caminho para fortalecer

reflexões dos índios ao verem suas próprias imagens e a de outros através do

durante um festival de colheita de milho o qual também inclui a competição

nidades quanto para pessoas de fora que estão dispostas a financiar projetos,

sua posição no local e em relação às incursões de pessoas de fora e agentes

vídeo pela primeira vez, demonstrando como este veículo é rapidamente assi-

de revezamento de toras. Essa troca e seu óbvio impacto em ambos os grupos

o que tem sido crucial para ajudar a sustentar as possibilidades de apoio – in-

governamentais.

milado ao projeto de diplomacia intertribal.

é o tema de Eu Já Fui Seu Irmão. Como explica o chefe Krôhôkrenh˜um:

terna e externa – para os índios brasileiros que tem sofrido uma longa história de colonialismo. Os filmes que Carelli produz (diferentemente daqueles feitos por e para os próprios índios) não são apenas de grande interesse dos nativos preocupados em registrar e reviver sua vida ritual e trocar fitas com outros grupos, eles são, muitas vezes, mais bem sucedidos que documentos escritos no que se refere a conseguir apoio de ONG’s e outras fontes de apoio a grupos indígenas. Este trabalho é de crescente importância na medida em que esses grupos têm de encarar novas ameaças a suas vidas e territórios. Recentemente, como é evidente nas discussões que ouvimos nas fitas, os índios têm sentido o impacto da incursão de garimpeiros, da poluição de suas águas, de fazendeiros e madeireiras que vêm destruindo suas terras de floresta. Esse tipo de processo, é claro, não é simplesmente um produto de trabalho com vídeo, mas é parte de um processo mais amplo que está ocorrendo com os

Melhor que seguir atalhos etnográficos (ethnographic tropes), como se os

Tais esforços para interligar vários grupos indígenas através do vídeo e as re-

filmes proporcionassem descrições visuais transparentes “sobre os Waiapi” ou

lações sociais que estão sendo produzidas neste processo, são o tema central de

Esses jovens estão sempre querendo fazer o que os brancos fazem...

“os Zo’é” ou “os Krahô” como sendo culturas estáticas e congeladas, esses

diferentes maneiras em A Arca dos Zo’é e Eu Já Fui Seu Irmão. No caso do último

Então eu acho que a gente deveria levar os jovens para ver as danças dos

trabalhos representam e são parte crucial de um processo social, catalisado e

filme Carelli explica:

sustentado em parte por solidários ativistas brancos do CTI e de outros luga-

Krahô, como eles fazem suas festividades. Porque eles mantêm suas tradições. É por isso que todos os jovens e adolescentes foram levados para que

res, juntamente com o interesse de um conjunto de dinâmicos líderes indíge-

Um dos resultados mais significativos deste projeto ocorreu quando um

com seus próprios olhos assistissem às atividades dos Krahô. Para ver se as

nas da Amazônia e de suas comunidades, que tem reconhecido o poder que a

grupo, tendo descoberto através do vídeo que tinha vários aspectos em co-

crianças acreditam no que digo, para que comecem a pensar daquela forma

pequena mídia como o vídeo pode oferecer-lhes em diferentes níveis. Que-

mum com outro, acabou por fazer contato na vida real. Esse foi o caso dos

novamente, certo?

brando velhos paradigmas de representação, permanentemente, os filmes do

Parakateje (Gavião), dos Krahô e dos Canela, três grupos que vem da mesma

(...) Eu pensei que eles não falavam português, mas eles realmente

Vídeo nas Aldeias (junto com aqueles feitos com e por outros grupos indígenas

origem de cultura Timbira, falam a mesma língua e têm a mesma base cultu-

falam bem, melhor que nós aqui. Eles falam mais corretamente. Mas eles

em todo o mundo) são parte de um projeto de ativismo cultural, em lutas que

ral. Entretanto, suas diferenças eram enormes, resultando de diferentes ex-

estão sempre usando sua língua também... até as crianças falam em sua

vão desde direitos da terra até a proteção da propriedade cultural.

periências históricas de contato.

própria língua.

Carelli deu início ao Vídeo nas Aldeias como um projeto experimental com

Os Gavião, que moram no sul do Pará, foram contatados em menos de 30

(Whitten 1996). Em um recente ensaio introduzindo uma coleção editada so-

os Nambiquara em 1987, que demonstrou de maneira dramática seu potencial

anos atrás, mas perderam todos os seus mais velhos e com eles, uma grande

Esse senso de diferença histórica e cultural entre grupos está refletido nas

bre “etnogênese” nas Américas, John Hill descreve este processo como:

produtivo. Como com outros grupos, um dos primeiros interesses que eles ti-

parte da memória tribal. Os jovens não falam mais a língua nativa. Os Krahô

imagens visuais do filme, mostrando uma tendência ao uso de roupas do oci-

veram com vídeo, foi para refletir sobre suas próprias práticas culturais (e de

e os Canela que vivem nos estados do Tocantins e do Maranhão, foram conta-

dente entre os Gavião por exemplo. Isto é também percebido numa fascinante

não meramente um rótulo para a emergência histórica de povos cultural-

suas possíveis perdas) e para registrá-los como um caminho tanto para reviver

tados há mais de 300 anos atrás, mas continuam isolados. Diferentemente

e esclarecedora conversa entre os dois chefes quando comentam sobre os

mente distintos, mas um conceito englobando as lutas simultaneamente cul-

quanto para preservar estas práticas culturais para futuras gerações, assim

dos Gavião, eles são extremamente pobres e tem uma vida ritual intensa.

costumes de cada um (o que ocasionalmente parece uma paródia involuntária

turais e políticas dos povos para criar uma identidade permanente no contex-

como os primeiros cineastas etnográficos registraram aspectos do ritual e da

Neste contexto, os Krahô representam para os Gavião o que eles perderam.

e suave do estilo de narrativa do filme etnográfico). Além de seus comentários,

to geral de mudança radical e descontinuidade... uma adaptação criativa

cultura material como um projeto de salvamento etnográfico. No caso dos

para uma história geral de mudanças violentas – incluindo colapso demográ-

Nambiquara assistindo imagens de sua própria representação num ritual de

O filme tem suas raízes em 1991, quando o Vídeo nas Aldeias gravou uma

deo é estruturado tanto pelas observações e trocas em metalinguagem, como

fico, deslocamentos forçados e genocídio – impostos durante a expansão

puberdade feminina (Festa da Moca, 1987, 18min.) provocaram um resurgi-

cerimônia Krahô no Tocantins e enviou o vídeo para os Parakateje (Gavião) no

na maneira elegante que ele passa de cenas de cerimônias com convidados e

histórica de colônias e Estados-Nação nas Américas. (Hill 1996:1)

mento de um ritual de iniciação masculino de perfuração do nariz (e outras

Pará. O chefe Gavião, Krôhôkrenh˜um, ficou impressionado pelo que viu e, em

anfitriões para cenas em que os Gavião (e depois Krahô) assistem os vídeos das

Ou, colocando em termos de outros debates teóricos, pode-se olhar estes

práticas tradicionais) que tem diminuído desde os primeiros contatos (Carelli

setembro de 1992, com a assistência do projeto do CTI (parcialmente finan-

visitas a outras aldeias em seu próprio local (via geradores montados em es-

projetos como demonstrativo de caminhos os quais eles “indigenizam a mo-

1988, Auderhiede 1995:85). Um vídeo mais recente, O Espírito da TV (1990,

ciado pela Fundação Rockefeller), trouxe 50 homens de caminhão para o To-

truturas no meio das aldeias), comentando sobre eles. Em outro movimento

dernidade” (Sahlins 1993).

18min.), resultou de uma colaboração com os Waiapi – especialmente do che-

cantins para participar de uma cerimônia de iniciação Krahô por convite do

reflexivo vemos suas próprias gravações dos acontecimentos, deixando claro

índios nas Américas e no mundo, o que alguns tem chamado “etnogênese”

285

existem outras dimensões de reflexividade através do filme. Na verdade, o ví-

286


como o vídeo que estamos assistindo foi produzido sobre o evento para estran-

conversamos. Mas aqueles dois velhos foram espertos e abriram o caminho”.

Uma das expectativas dos Waiãpi para este encontro, era reencontrar

Nas imagens de abertura do vídeo, Kasiripina, um cameraman Waiãpi filma

geiros culturais (assim como para os nativos).

Você chegou em minha aldeia e não tinha tempo de conhecer todo mundo e

modos de vida, técnicas e artefatos de seus ancestrais, os quais eles queriam

cenas do dia a dia dos Zo’é que são acompanhadas pelos comentários do che-

De um modo geral, plateias potenciais são também concebidas através do

tivemos esta reunião para nos conhecer. Na minha próxima festa, eu vou

filmar e resgatar para os jovens de sua tribo. Por outro lado, o estímulo para

fe Wai Wai (legendas traduzidas):

tempo. Na cena final do vídeo filmado na aldeia Gavião, os chefes anunciam

apresentar o resto, porque nem todo mundo veio. Eu também quero que você

o encontro resultou do modo de vida dos Zo’é em um dos momentos mais

para a câmera e para os que estavam ali reunidos:

conheça aqueles que ficaram pra trás. Se a sua gente vai pra casa e deixa uma

delicados de sua história – confrontando o risco de contágio, a fascinação

Nós conhecíamos estas pessoas pelas imagens da televisão. Foi aí que

semente que faz pessoas ficarem mais fortes, eu acho isso bom. Eu quero ver

que eles sentiram para com o homem branco, etc. Os Waiãpi, que já tinham

decidi visitar a aldeia deles... eles são diferentes porque andam nus... mas a

minha gente crescer. Na próxima festa, eu vou juntar todo mundo, então se-

passado por tudo isso, queriam trazer à tona e comentar sobre vídeos que

cor da pele deles é igual a da gente. Não tem problema. É assim que eles re-

remos uma grande família.

mostrassem o mundo do branco que o grupo mais isolado estava somente

almente são. No meio dos homens eu não senti vergonha, mas perto das

agora vivenciando.

mulheres sim, porque aqui é diferente. Porque é o costume deles e acabei me

Nós estamos fazendo isso para nossos jovens, não para nós. É por isso que eu quero saber o nome de todo mundo. Assim podemos visitar cada um e fazer coisas juntos. Está certo, nós vamos fazer isso.

Como Carelli chama atenção, este vídeo não é apenas sobre relações sociais

Para os Zo’é, o resultado mais importante foi dar início a um inédito pro-

E assim, devagar e sistematicamente, numa comovente e dramática repre-

emergentes entre estes grupos, mas é também um perfil de Krôhôkrenh˜um,

cesso de autoreflexão, e descobrir que o mundo de fora é mais diferenciado

sentação daquele desejo de criar parentesco através das divisões de história e

cujo carisma, percepção e estratégias políticas tem sido essenciais para a so-

do que eles imaginavam. Além de brancos, existem outros índios, “outros

espaço, uma criança seguida da outra é trazida à frente e seu nome enunciado

brevivência dos Waiãpi (CTI 1994).

como nós”. (1995: 6)

e repetido em consideração ao outro grupo:

Em A Arca dos Zo’é que também foi motivado pelas relações surgidas entre

acostumando a isso. O imaginário visual é apropriadamente edênico ao comentário; mulheres Zo’é, nuas exceto para os macacos pendurados em seus ombros, com longos botoques nos lábios e elaborados penteados de penas parecidos com chapéus

diferentes grupos indígenas intensificadas pelas trocas de vídeos, os Waiãpi

Como parte do trabalho vigente do Vídeo nas Aldeias, Carelli e a antropóloga

Este é Hok Hi, Hok Hi.

que tem uma longa história com os brancos, começaram a se comunicar com

Dominique Gallois, que tem trabalhado com os Waiãpi por muitos anos, ajudaram

E daí por diante.

os Zo’é que só foram contatados por volta de 1989 no norte do Pará. Ambos

a organizar e documentar o primeiro encontro real de Wai Wai com outros Waiãpi

A cena então muda para Wai Wai de volta em casa, contando a seu povo

Krôhôkrenh˜um continua:

fazem parte da cultura Tupi mas falam diferentes dialetos, que passaram a ser

que viajaram com os Zo’é com os quais tinham primeiro encontrado em vídeo.

sobre a viagem enquanto eles assistem ao vídeo da jornada. Os comentários de

Quando estas crianças crescerem, elas vão pensar, “Antigamente ninguém

mutuamente inteligíveis depois de passarem alguns dias juntos. Para esses

Este encontro (e as percepções de cada grupo sobre o outro conforme eles refle-

Wai Wai repetidamente enfocam sua impressão destas pessoas “como seus

conhecia ninguém. Nós apenas ouvimos os nomes dos Krahô e apenas ouvi-

grupos, seu desejo de se conhecerem, arquivou histórias de contato, perda e

tiam sobre isto) é a estrutura narrativa de A Arca dos Zo’é com o chefe Wai Wai

mos os nomes dos Parakateje (Gavião). Mas nunca nos encontramos, nunca

saudade. De acordo com Vincent Carelli:

sendo o interlocutor chave da estória e o evidente catalisador para o evento.

287

do século XVIII, parecem inteiramente autoconscientes e profundamente curiosas sobre a roupa e instrumentos de seus convidados Waiãpi.

Fotogramas do filme “A arca dos Zo’é” (1993).

288


ancestrais”. No momento em que assistimos a uma mulher retirar um macaco

cultura, língua e autonomia política. Estas são representações do “ponto de

da panela e preparar para comer, ele observa:

vista nativo” raramente obtidas em filmes etnográficos. Em outro nível, estes filmes são documentos de extraordinário valor histó-

Referências Citadas/ Bibliografia Aufderheide, Patrícia e Vincent Carelli 1995

The Video in the Villages Project: Videomaking with and By Brazilian Indians. In Visual

Eles não usam pratos, só cuia, como nossos antepassados. Nós é que mu-

rico no que diz respeito a adoção de novas técnicas – o vídeo nesse caso – por

damos depois de conhecer o homem branco. Eles são iguais àqueles do tempo

pessoas para quem, estas são insólitas, e ver como eles usam o vídeo para

do criador.

mediar suas relações com os companheiros índios. Considerando a quantidade

Carelli, Vincent

de tinta gasta por intelectuais ocidentais sobre o presumido efeito nocivo das

1995

Anthopology Review, Fall 1995, 11 (2) : 82 – 93

Video in the Villages: Bringing the Indians Together witheir Own Image. Tradução e Introdução por Patricia Aufderheide. Entrevista não publicada. Arquivo do Centro

Em uma misteriosa semelhança com os primeiros encontros com antropó-

câmeras nos povos indígenas (cf. Weiner et al, 1996), é muito mais útil reco-

logos, o vídeo narra a cultura material dos Zo’é, desde a feitura de flechas até

mendar para tais intelectuais assistirem a esses vídeos ao invés de discutir

técnicas de preparação de alimentos, o uso das árvores de castanha e córtex,

com eles abstratamente. Nas duas produções, os nativos podem contar e mos-

Centro de Trabalho Indigenista

a magia para a caça das antas, a divisão de carne entre a comunidade e o ritu-

trar diretamente porque esses instrumentos são profundamente úteis para

1994

al de iniciação de jovens rapazes que tem de colocar as mãos dentro de um pote

eles, e como têm sido usados a serviço do fortalecimento de tradições culturais

cheio de formigas que mordem. Numa reprise similar dos primeiros encontros,

e organizações políticas.

as mulheres Zo’é reparam nos tecidos usados pelos homens Waiãpi como para tangas e pedem para que eles tragam mais quando voltarem.

de Mídia, Cultura e História, New York University.

Catálogo do Vídeo nas Aldeias

Feitosa, Mônica 1991

Finalmente, A Arca dos Zo’é e Eu Já Fui Seu Irmão, são indicativos de um

The Other Vision: From the Ivory Tower to the Barricade. Visual Anthropology Review Volume 7 (2), Fall 1991: 48 - 49

momento histórico chave no processo de etnogênese discutido anteriormente

formas ancestrais, ele também se preocupa com a inocência dos Zo’é, e tenta

futuro desses grupos (3), como foi evidente na inspiração de resurgimento

preveni-los sobre o perigo dos garimpeiros, a maneira como eles podem des-

cultural demonstrado pelos Gavião e pelos Waiãpi, e sua preocupação em pro-

Gallois, Dominique e Vincent Carelli

truir as florestas e poluir os rios. Para dar ênfase à potencial gravidade do

teger os recém-contatados Zo’é de tragédias que eles encontraram no contato

1995

Video in the Villages: The Wiapi Experience. In Advocacy and Indigenous Film-making Intervention – Nordic Papers in Critical Anthropology, No. 1: 23 – 38

com a cultura dominante. Tais trabalhos engendram um saudável contraponto

voltar pra casa é:

para as imagens estereotipadas na imprensa, cinema e escritos populares so-

Hill, Jonathan

bre os povos da Amazônia, dando um claro retrato destes povos como auto-

1995

Estes filmes são significativos em vários níveis. Primeiramente, eles são

of Iowa Press.

tecnologias para dirigir-se não somente a públicos diferenciados mas também

grupos e as condições que eles enfrentam. O nível de confiança e afinidade nos

(2): 83 – 93 2. Como Vincent Carelli explica a distinção entre os diferentes usos do vídeo: (...) nós deixamos claro que o vídeo feito pelos índios é quase exclusivamente para consumo interno nas aldeias, dessa maneira o distinguimos da série Vídeo nas Aldeias do projeto. Mas os índios estão dando seus primeiros passos, e seu trabalho, como qualquer outro vídeo caseiro, não pode ser julgado segundo padrões estéticos. Não importa se as imagens tremem ou se as cenas são muito longas. O importante é a dinâmica social e cultural associados a esta imagem. (1995: 10) 3. Vincent Carelli explica: De significado particular foi o crescimento de uma consciência nacional pan-indígena enraizada em um processo histórico similar experimentado por cada grupo desde o primeiro

Resumo A Arca dos Zo’é e Eu Já Fui Seu Irmão, são dois vídeos extraordinários, que nos convidam a repensar as possibilidades da “pequena mídia” no fim do século 20 como tecnologias que facilitam as relações de parentesco, a autoconsciência cultural e informação política, invertendo o que as pessoas presumem ser as relações casuais entre mídia e alienação. Dirigidos e fotografados por Vincent Carelli, ambos os filmes fazem parte do projeto Vídeo nas Aldeias dirigido por ele em associação com o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), um grupo de defesa que vem trabalhando com e para índios brasileiros desde 1979, situado em São Paulo. Esses vídeos são indicativos de um momento histórico chave no processo de formação de uma

Sahlins, Marshall 1993

consciência nacional pan-indígena, que é crucial para o futuro desses grupos.

Goodbye to Tristes Tropiques: Ethnography in the Context of Moden World History. In Journal of Modern History 65 (1): 1 – 25

deliciosos para se assistir, não apenas pela facilidade técnica de Carelli com vídeo, mas também pelo seu longo conhecimento e intimidade com diferentes

Introduction: Ethnogenesis in the Americas, 1492 – 1992. In History, Power and Identity: Ethnogenesis in the Americas, 1492 – 1992, ed. Jonathan Hill, University

conscientes e ativos agentes históricos, aptos para usar uma variedade de

Q

Videomaking With and By Brazilian Indians. In Visual Anthropology Review, Fall 1995, 11

611/201, Rio de Janeiro, Brasil

contato com os brancos, seu comentário de despedida ao entrar no avião para

para seus próprios interesses culturais e futuro político.

pelo CTI, eu recomendo o artigo de Patricia Aufderheide, The Video in the Villages Project:

Taking Aim, 41 min., Cor. Vídeo feito por Mônica Frota. Rua Visconde de Ouro Preto,

e de formação de uma consciência nacional pan-indígena que é crucial para o

eu morrer, não nos veremos de novo.

1. Para uma ideia geral do projeto como um todo e sua relação com o trabalho desenvolvido

contato e nos seus problemas comuns. (1995: 3) 1993

Ao mesmo tempo em que Wai Wai se comove pelo conhecimento de suas

Nos vemos. Se eu morrer de doença de homem branco, não vou voltar. Se

Notas

Turner, Terry 1992

Defiant Images. In Anthopology Today 8 (6): 5 – 16

filmes é palpável em múltiplas maneiras, no humor suave de várias interações, até na facilidade com que cenas do cotidiano foram filmadas, nas reflexões filosóficas das condições que as circunstâncias dos encontros provocaram em

Weiner, James 1994

Televisualist Anthropology. Cultural Anthropology, Spring 1996

cada grupo. Como tal, podemos perceber o notável senso de intimidade do dia

Whitten, Norman

a dia, assim como dos pensamentos de intelectuais e líderes indígenas, ten-

1997

tando conduzir seu povo a um futuro com algum sentido de integridade de sua

289

“Ethnogenesis”. In Encyclopedia of Cultural Anthropology, ed. D. Levinson and M. Ember. New York: Henry Holt

28:


“Vendo o mundo do outro, você olha para o seu”: a evolução do Projeto Vídeo nas Aldeias

Qualquer forma documentária lida com o problema vital da veracidade

Ativistas falando por...

– não apenas se certos fatos estão corretos, não apenas se uma represen-

O projeto Vídeo nas Aldeias nasceu do envolvimento de seu fundador, Vincent

tação faz justiça e está bem contextualizada; também para quem, e por

Carelli, com a causa indígena a partir de 1969. Tratava-se do início de um pe-

quê, ela é relevante. O filme etnográfico levanta essa questões de modo

ríodo de intensa politização da questão dos direitos dos índios no Brasil. Após

central porque o termo em si implica alteridade – implica que o filme etno-

um golpe de direita, o governo militar criou no final dos anos 60 uma nova

PAT A U F D E R H E I D E

gráfico é um olhar de fora sobre uma determinada cultura, e como tal per-

agência indigenista, a Fundação Nacional do Índio (Funai), para proteger os

Journal of Film and Video, Volume 60, Número 2, Verão 2008, pp. 26-34 | Publicado pela University of Illinois Press DOI: 10.1353/jfv.0.0001

mitiria ao público uma espiadela para dentro dela. Essa reivindicação de

direitos dos indígenas, que tinham legalmente o status de crianças. A Funai,

um olhar privilegiado intensifica as questões éticas que perpassam o cine-

que sempre foi uma agência altamente politizada, tinha a dupla função de

ma documentário. Tais questões éticas e epistemológicas tornam-se ainda

supervisor oficial da aculturação dos índios na sociedade brasileira (tipica-

mais agudas nos casos, um tanto comuns, em que os sujeitos do filme et-

mente, no sentido de se tornarem camponeses sem terra); como um facilitador

nográfico são membros de grupos culturais com menos poder na sociedade

do desenvolvimento na Amazônia, ao retirar os índios do caminho através da

e na mídia que o cineasta.

criação de reservas protegidas; e como uma polícia de fronteira na definição

Qual o propósito do filme etnográfico? A quem ele serve? Aos cientistas, ao

relações com os sujeitos, e seu papel público. Muitos trabalham sem refletir

público televisivo, aos sujeitos? Pode haver sobreposições ou objetivos em

sobre a natureza das relações estabelecidas entre cineasta e sujeito, e entre

A questão da função do filme etnográfico – a quem ele diz suas verdades,

de quem poderia ser considerado índio. A Funai e os generais queriam que o

comum? Essas difíceis questões acompanham grande parte da produção de fil-

cineasta e público. Mesmo quando sujeitos tradicionais tornam-se cineastas,

dentro de qual contexto, servindo a qual propósito – é encarada com ousadia

menor número possível de pessoas se enquadrasse nessa definição, e busca-

mes etnográficos. Elas costumam ser abordadas mais na prática que na teoria,

como no programa Vozes Nativas da Universidade de Washington, isto não

quando os projetos engajam diretamente os sujeitos do filme como coproduto-

vam usar a “aculturação” (i.e., vestimentas, uso da língua portuguesa, intera-

em parte devido aos constrangimentos econômicos envolvidos na produção ci-

necessariamente se liga à antropologia; o Vozes Nativas é um projeto do depar-

res e cocineastas. Isto aparece de modo incisivo numa conhecida estória conta-

ção com brasileiros) como indicador de exclusão.

nematográfica. Os antropólogos não têm conseguido financimento nem para

tamento de comunicação.

da pelo antropólogo-cineasta Sol Worth sobre Sam Yazzie. Juntamente com

Desastres amplamente divulgados envolvendo o “primeiro contato” a par-

1

embutir a produção de filmes no trabalho de campo, nem para estabelecer um

A maioria dos cineastas que trabalha fora do ambiente puramente aca-

John Adair, Worth conduziu na década de 1970 o Navajo Film Project. O projeto

tir da abertura de novas estradas na Amazônia deram aos povos indígenas

conjunto rigoroso de padrões profissionais – um ponto em que têm insistido

dêmico costuma se ligar a modos de produção responsivos aos mercados

buscava ensinar ao povo Navajo técnicas de produção cinematográfica sem a

visibilidade nacional; mas, em larga medida, as questões culturais indígenas

antropólogos como Jay Ruby. Ao mesmo tempo, a prática do documentário tem

televisivos. Assim, eles adotam estratégias formais dentro daquilo que é

imposição de filtros estéticos ou ideológicos. Quando o projeto foi apresentado,

escaparam à censura e à repressão militar. Alguns antropólogos e ativistas

evoluído divorciada de preocupações teóricas com o rigor científico, ainda que

aceitável para veiculação. Grande parte do trabalho produzido para o mer-

o velho Sam Yazzie perguntou, “Fazer filmes fará algum mal às ovelhas?”. Após

se ligaram ou trabalharam com a Funai para proteger grupos indígenas; al-

alguns documentaristas tenham se capitalizado através de reivindicações de

cado educacional observa essas mesmas convenções. Os professores normal-

ser tranquilizado pelo cineasta, Yazzie continuou, “Fazer filmes fará bem às

guns trabalhavam de modo independente. Grupos conhecidos como “comis-

cientificidade (Winston).

mente utilizam trabalhos que foram pensados tendo em mente os imperativos

ovelhas?”. Bom, também não, responderam eles. “Então por que fazer filmes?”

sões pró-índio” de defesa dos direitos indígenas se multiplicaram a partir de

O filme etnográfico e a antropologia visual se sobrepõem parcialmente, mas

dos mercados televisivos comerciais ou semicomerciais.Inevitavelmente, tan-

Worth escreveu: “A questão de Sam Yazzie continua nos assombrando” (Worth e

1978, após a Funai anunciar um plano de “emancipação” (i.e., redução dos

também ocupam domínios diferentes. Os antropólogos visuais, preocupados

to antropólogos (formados ou não em antropologia visual) como cineastas

Adair, apud Ruby).

direitos) dos chamados índios aculturados. As questões em pauta incluíam o

com a política da representação bem como com o desafio de comunicar a ex-

profissionais têm utilizado o termo “filme etnográfico” para descrever seu

Essa questão não chegou a assombrar o projeto brasileiro Vídeo nas Al-

direito de se autoidentificar como índio, o direito à terra e o acesso a servi-

periência vivida de culturas diferentes, têm desde sua primeira geração busca-

trabalho. A linha entre o trabalho dos cientistas sociais e dos cineastas

deias2, porque ela foi desde o início colocada em primeiro plano. A resposta a

ços governamentais. A identidade indígena – um conceito novo para muitos

do delimitar uma arena própria dentro da prática antropológica. Eles têm le-

profissionais é tênue aos olhos do grande público. Um exemplo é o filme The

ela, todavia, flutuou ao longo do tempo, ao passo de variações políticas, so-

grupos amazônicos das terras baixas que tinham contato mínimo mesmo

vantado questões sobre a ética e as implicações de escolhas formais na

Story of the Weeping Camel (2003). Passado na Mongólia, ele foi produzido

ciais e pessoais. O projeto começou em 1986 e tem, ao longo dos anos, facili-

com outros povos fora de seu grupo linguístico, quanto menos com brasilei-

fotografia, filme e vídeo. Eles têm se engajado com questões referentes à na-

a partir de um roteiro ficcional concebido por coprodutores mongóis e

tado a produção de dezenas de filmes por ou com grupos indígenas das terras

ros – tornou-se uma arma política chave, facilidada por grupos pró-índio

tureza das alegações feitas a partir da ótica das ciências sociais, e às suas

italianos, estrelado por não-atores a quem foram designados papéis, e

baixas do Brasil. Os diretores da organização – brasileiros não-indígenas –

(Stephan Schwartzman, Environmental Defense Fund, comunicação pessoal,

obrigações morais para com seus sujeitos. Alguns destes também eram cine-

representava uma comunidade nômade como muito mais isolada do que o

também fizeram filmes explicando o projeto para financiadores e para o públi-

19 de março de 2007).

astas. Ao mesmo tempo, muitos cineastas sem treinamento formal algum rei-

permitido pelo comércio de sal do qual ela participa. Não obstante, ele foi

co em geral. O projeto, que sobrevive do apoio de uma fundação privada inter-

Além disso, o projeto Vídeo nas Aldeias teve lugar num momento em que,

vindicam o termo “filme etnográfico”; basta que haja no seu tema algum as-

amplamente divulgado como uma versão autêntica da vida quotidiana na

nacional e da venda de seus produtos, experimentou uma evolução de sua

internacionalmente, os indígenas (ou povos do Quarto Mundo) começavam a

pecto trans-cultural. Alguns destes refletem sobre suas escolhas formais, suas

Mongólia.

auto-definição que é bastante ilustrativa.

exigir acesso à mídia e a reconhecer a importância da mídia numa luta para a

291

292


qual buscavam aliados, indígenas ou não. O crescimento da produção indígena

Ativistas falando com...

com a cultura brasileira e podia assim dar conselhos àqueles de contato mais

projeto Vídeo nas Aldeias tirava proveito da vitrine dos festivais para di-

foi visível no mundo inteiro: no Canadá, onde os Inuit chegaram a estabelecer

Embora Carelli houvesse decidido dedicar suas habilidades às causas indí-

recente – mas também entre audiências internacionais.

vulgar vídeos concebidos como demonstrações do sucesso do projeto, ten-

uma rede de televisão inteira para uma nova area autônoma (Ginsburg, Abu-

genas, já no seu primeiro filme ficou evidente que os índios exigiriam al-

Além disso, eles trabalhavam com os índios para produzir documentações

Lughod e Larkin 41–44; Roth); na Austrália e na Nova Zelândia (Michaels); na

gum controle sobre o processo. Mesmo os índios sem familiaridade alguma

menos fílmicas de rituais e vídeos para trocar com outros grupos; eles estabe-

O público dos festivais também não dava conta das realidades políticas por

Escandinávia; nos Estados Unidos (Worth e Adair), entre outros lugares. O

com a produção cinematográfica reconheciam que a representação tinha

leceram videotecas em cerca de trinta aldeias. Este trabalho era concebido

detrás do projeto Vídeo nas Aldeias, que emanavam do seu objetivo primordial

significado dessa nova produção midiática foi amplamente debatido: tratar-

poder, e queriam fazer valer seu direito a parte desse poder. A Festa da Moça

nos termos escolhidos pelos indígenas. Os Waiãpi, por exemplo, acreditam

de apoiar e fortalecer a posição política dos índios face ao Estado brasileiro.

se-ia de uma barganha faustiana ou de uma nova ferramenta de engajamento

(1987), que mostra como os índios Nambiquara reintroduziram elementos

que a imagem de vídeo traz a presença da pessoa; há portanto precauções

Carelli, por exemplo, sempre escolhia trabalhar com o indivíduo ou facção

político e social? (Ginsburg; Turner)

mais tradicionais num ritual após terem assistido sua própria performance

especiais a serem tomadas quando os sujeitos do vídeo se veem. Eles também

que parecia ser mais capaz de fazer uso político dessa ferramenta (ao invés de

Vincent Carelli, um brasileiro de primeira geração, começou a trabalhar

deste ritual em vídeo, acabou tornando-se uma coprodução com um líder

têm um princípio rígido de reciprocidade, e mostram seus vídeos apenas para

alguém que quisesse seguir uma carreira de cineasta). Ele aceitava as desigual-

com os índios enquanto adolescente, em 1969. Aos vinte anos, ele mudou-se

Nambiquara. O líder queria ter certeza de que seu grupo seria representado

aqueles que eles “conheceram” através do vídeo. Entre os Xikrin e os Xavante,

dades de gênero existentes em muitas aldeias amazônicas. Ele mostrava índios

para uma aldeia indígena, e se apaixonou romanticamente pela cultura. “Eu

como bravo e competente na defesa do seu território e da sua cultura. Esta

os chefes devem negociar diretamente entre si as exibições (Centro de Traba-

bebendo e bêbados, quando beber era parte de uma cerimônia ritual. Ele inclu-

simplesmente queria ser índio”, ele recordou tempos depois, “mas os índios

era uma época em que os índios passaram a levar vídeos para negociações

lho Indigenista).

sive manteve em um filme uma cena onde os índios discutindo se deviam ou não

queriam um amigo que lhes desse a chave para entender o que acontecia em

políticas com brasileiros, e assim a associar contar estórias com a defesa

volta deles, que lhes ajudasse a se defender das doenças que afligiam a al-

da sua cultura.

Os filmes feitos pela equipe do Vídeo nas Aldeias começaram a circular em festivais de cinema nacionais e internacionais. Carelli então se deu

do em mente financiadores potenciais.

deixar os brancos vê-los bêbados (Vincent Carelli, comunicação pessoal, 21 de julho de 1993).

deia” (Corrêa, Bloch e Carelli, 21). Após um breve período de trabalho com a

Carelli e sua (hoje falecida) esposa, a antropóloga Virginia Valadão, come-

conta do choque entre as expectativas do público e o seu objetivo princi-

O projeto Vídeo nas Aldeias fincou uma posição firme sobre o propósito e o

Funai que lhe abriu os olhos, ele se uniu a organizações ativistas. Fotógrafo,

çaram a documentar a vida dos índios com sua ajuda. Seus primeiros filmes,

pal. O público do Norte global esperava o reforço da noção romântica de um

público do seu trabalho. As funções centrais do trabalho em vídeo produzido

começou a coletar fotografias históricas para um arquivo que os índios pu-

que eram ferramentas para levantar fundos para o projeto e para a auto-

modo de vida primitivo, puro, estático, bom selvagem, tragicamente con-

através do projeto não eram nem acadêmicas nem comerciais, mas políticas. Os

dessem consultar – e eles o fizeram, especialmente na busca por parentes

conscientização dos próprios índios, incluíam elementos estilísticos padrão

denado e digno de pena. Carelli e os índios que coproduziam os filmes, por

filmes feitos por e com os índios estavam a serviço do fortalecimento da iden-

que haviam morrido no inevitável contágio do contato. Ele era movido pelo

como entrevistas in loco e voz em off. É claro, essas entrevistas posicionam o

sua vez, queriam que os espectadores os entendessem como pessoas com

tidade tribal e da consciência da ideia de “índio”, com a qual alguns grupos não

objetivo político de sobrevivência cultural dos grupos indígenas (Aufderhei-

diretor como no controle da situação, e a voz em off establece a versão onis-

uma vida cultural que valia a pena defender, que está em constante mudan-

estavam habituados. A outros faltava consciência do enorme significado polí-

de 274–88).

ciente do narrador da estória. O Projeto Vídeo nas Aldeias atraiu rapidamente

ça ao longo do tempo mas que tem tanta integridade como qualquer outra.

tico de se autoidentificar como índios, o que os permitia agir em conjunto

Em 1986, Carelli iniciou o projeto Vídeo nas Aldeias, sob os auspícios de um

antropólogos brasileiros, que muitas vezes eram também anti-Funai e ativis-

Com frequência, notou Carelli, os espectadores concentravam essa frustra-

quando pressionados pelo governo ou pelas empresas brasileiras. Os filmes

grupo de defesa dos direitos indígenas que o projeto acabou ultrapassando.

tas na defesa da cultura indígena. O trabalho com os antropólogos convenceu

ção na pessoa dele.

feitos por Vincent e outros cineastes brasileiros dentro do projeto – tipicamen-

Originalmente, Carelli entendia seu trabalho como um modo de colocar suas

Carelli a refletir sobre suas estratégias formais enquanto veículos do poder da

Carelli acha que, no geral, esse público não compreendia as realidades

te, antropólogos ativistas – tinham objetivos tanto políticos como econômicos

habilidades profissionais de fotógrafo e videógrafo à disposição das causas

representação. Ele adotou abordagens do cinema direto, reduzindo a voz em

da Amazônia. Alguns o acusavam, por exemplo, de contaminar a pureza da

de manter o projeto funcionando através de apoio financeiro internacional.

indígenas. “Eu nunca teria imaginado, naquela época, que chegaria a treinar

off e capturando os debates dos índios sobre questões de identidade após eles

cultura indígena ao levar a eles a televisão. Mas a maioria dos grupos ama-

Eles dependiam de suas relações próximas com os grupos indígenas na criação

cineastas indígenas”, escreveu ele (Corrêa et al., 23). O objetivo do projeto era

terem visto os filmes.

zônicos já tinha acesso à mídia brasileira em 1986. Em ambientes univer-

dos trabalhos, assim como de sua própria análise política, para manter os produtos úteis para seu propósito político primário.

“tornar acessíveis aos índios a visão, a produção e a manipulação da sua pró-

O trabalho do Vídeo nas Aldeias revelou, de modo inegável, que os índios

sitários, Carelli se via com frequência acusado de passar por cima das estó-

pria imagem, e ao mesmo tempo permitir que essas comunidades extremamen-

utilizavam o vídeo para refletir de modo produtivo sobre sua própria produção

rias das mulheres porque ele e Valadão trabalhavam invariavelmente com

Os índios rapidamente compreenderam o status trazido por ter habilida-

te isoladas pudessem conhecer outros grupos, incitando comparações entre

e reprodução cultural. Assim, os próprios filmes respondiam diretamente às

as lideranças masculinas das tribos amazônicas, e permitiam a elas ditar os

des com vídeo, uma videoteca, e atenção para além das fronteiras da Funai.

suas respectivas tradições e experiências de contato com a sociedade nacio-

preocupações bem intencionadas de financiadores e espectadores de que o

termos do projeto. Ele também enfrentava a acusação de que, enquanto

Eles começaram a usar os vídeos como cartão de visita à medida em que

nal” (Centro de Trabalho Indigenista).

vídeo poderia vir a poluir uma cultura pristina. Carelli e Valadão começaram a

diretor, falava pelos índios, ao invés de permitir que viesse à tona uma

estabeleciam relações com grupos culturais aparentados no desenvolvi-

documentar, em uma série, encontros entre grupos indígenas com laços cultu-

estética indígena. Todavia, os espectadores dos festivais não assistiam os

mento de coalizões políticas. Utilizavam seus próprios vídeos na formação

rais e linguísticos. A Arca dos Zo’é (1993) foi um sucesso não apenas entre os

vídeos que eram inadequados ao formato festival, entre eles a extensiva

dos jovens, e como livros de memória. Tinham que lidar com os inevitáveis

grupos indígenas que fizeram o filme – um dos quais era mais familiarizado

documentação feita pelos grupos indígenas dos seus próprios rituais. O

problemas de armazenamento e defeito nos equipamentos, voltando sem-

293

294


pre ao Vídeo nas Aldeias para respostas. Carelli se viu em meio a uma batalha

(ou cinema direto, como ele eventualmente passou a chamá-lo). Ele fez mais

Corrêa assumiu um papel de liderança na reestruturação da missão do Vídeo

crescente complexidade das relações entre os índios, o Estado e a cultura bra-

perpétua para convencer financiadores do Norte global a apoiar um projeto

de cem filmes, grande parte em colaboração com seus sujeitos. Suas inspira-

nas Aldeias, e também tornou-se esposa de Carelli. Com base em suas experi-

sileiros, e os desafios da adaptação incessante pela qual devem passar as cul-

que, com o sucesso, havia perdido sua novidade, mas que não logrou encon-

ções incluíam Robert Flaherty – por sua relação de dedicação a seus sujeitos

ências, em especial com um grupo indígena da Nova Caledônia, Corrêa se

turas indígenas para que sobrevivam.

trar apoio por parte da fonte de recursos mais importante dos índios: o Es-

– e o russo Dziga Vertov, por sua paixão por capturar a vida como ela é e então

comprometeu com a noção de que as pessoas podiam e deviam desenvolver

tado brasileiro.

se dar o direito de editar aquela realidade e forçar o espectador a reconhecer

não apenas documentação, mas também estórias capazes de transcender suas

Contar estórias enquanto política

a presença do cineasta.

próprias circunstâncias culturais. Ela queria que os índios fizessem filmes que

Em grande parte, os cineastas indígenas ainda veem seu trabalho criativo

Após um de seus primeiros trabalhos (Les Maîtres Fous, 1955), sobre práticas

pudessem – como os filmes feitos por Carelli – ser assistidos em festivais, e

como eminentemente político. Isaac Piãko, por exemplo, um cineasta e pro-

O Vídeo nas Aldeias se valeu de uma nova legislação cultural que ofereceu uma

rituais sob o colonialismo que chocou espectadores tanto franceses como afri-

também servir como narrativas para uma cultura indígena emergente (Corrêa

fessor Ashaninka, celebrou a importância de fazer vídeo ao comentar que

oportunidade para que os índios fizessem um programa regular na televisão

canos, Rouch repensou o papel e as obrigações do cineasta. Ele passou a expe-

et al. 33–39)

“Você vê o mundo do outro e olha para o seu próprio” (Corrêa et al. 18). Ele se

regional amazônica em 1995 e 96. O Programa do Índio (um trocadilho, já que

rimentar cada vez mais com como explorar a subjetividade dos seus sujeitos,

O primeiro desafio de Corrêa, enquanto alguém submersa no cinema direto, foi

referia não apenas ao mundo dos brasileiros e dos índios, mas também ao

o termo significa tanto programa de TV do índio como um programa chato) era,

muitas vezes se voltando para a ficção, para a fantasia, e para o desempenho

que os índios só consideravam como temas adequados para filmagem os rituais

ponto de vista de outros dentro da sua própria tribo e aos costumes de outras

estilisticamente, um programa de notícias locais padrão no formato revista,

de papéis. Ele passou a ver a câmera como uma provocação, ou um catalisador,

tradicionais. A vida quotidiana era quando nada acontecia. Corrêa queria quebrar

culturas indígenas.

com anunciantes, stand-ups, voz em off, imagens de cobertura, e atrações

que desvelasse realidades e conflitos sociais – algo que ele levou mais além ao

essa preconcepção para chegar, de uma maneira diferente, ao mesmo o objetivo

O vídeo é para ele um caminho para a compreensão – para os brasileiros com-

diversas. Só durou um ano mas, para os índios amazônicos, foi um projeto de

olhar para sua própria “tribo” de parisienses em Crônica de um Verão (1961).

de Carelli: criar consciência, entre índios e não-índios, de sua humanidade através

preenderem os índios, que eles costumavam ver como preguiçosos; para os ve-

Índios Fazendo Notícia

vídeo chocante e estimulante, e que ainda é assistido. Para eles, notou Carelli,

Ele queria que seus filmes desafiassem o status quo, inclusive abordagens

de expressões culturais particulares. Os alunos começaram então a seguir na roti-

lhos compreenderem os jovens, que querem entender tradições há muito guarda-

significou ver-se em pé de igualdade com os brasileiros aos quais eles assis-

não-reflexivas para a ciência e a arte do filme. Ele afirmava fazer filmes sobre

na diária temas selecionados, descobrindo nela mini-estórias. Eles desenvolve-

das por eles; para os Ashaninka compreenderem outras culturas tribais cujos

tiam nos jornais.

outras pessoas por três razões. De modo mais evidente, ele fazia filmes para

ram relações íntimas com seus sujeitos, que participavam na formatação de suas

costumes os repelia. Para ele, essa compreensão é, antes de tudo, uma ferramen-

Inspirado por programas de formação que ele havia presenciado em suas

si mesmo e para públicos mais amplos. Mas havia também outra razão: “O

próprias imagens. Essa relação tinha, segundo Corrêa, implicações tanto morais

ta política para a sobrevivência da cultura Ashaninka: “É importante compreen-

viagens peripatéticas pelos festivais, Carelli organizou em 1997 um encontro

filme é o único método de que disponho para mostrar ao outro como eu o

como estéticas: “Ao ver esses filmes, nós não nos deparamos portanto com a

der o povo Ashaninka, mas é mais importante compreender os meios através dos

entre índios de várias das aldeias nas quais ele havia trabalhado e estabelecido

vejo”. E quando era participativo, o filme tornava-se uma maneira de mudar

‘verdadeira realidade’ dos índios, mas com uma interpretação constituída de ao

quais defendemos nosso povo e nossa terra”. Ele não está preocupado com a in-

videotecas, para discutir um novo foco para o projeto. Então, Virgínia Valadão

a relação antropológica: “Graças ao feedback, o antropólogo não é mais um

menos dois pontos de vista: o da pessoa que filma e o daquele que consentiu em

trodução de uma tecnologia brasileira. Piãko se opôs à chegada da televisão

faleceu repentinamente de um problema cardíaco em 1998. Sua morte – uma

entomólogo observando seu sujeito como se ele fosse um inseto (colocan-

ser filmado” (Corrêa et al. 37). Em 2000, o Vídeo nas Aldeias – até então um pro-

comercial em sua aldeia, mas ela chegou à aldeia mesmo assim. Agora ele quer

tragédia para a família, que incluía duas crianças em idade escolar – também

do-o abaixo); é como se fosse um estimulante do conhecimento mútuo (daí

jeto de outra organização – torna-se uma organização autônoma.

participar dela.

afetou o projeto. Carelli, cujo trabalho como cineasta continuamente envolvi-

a dignidade)” (Eaton 60–62).

Os índios que trabalharam através dessas oficinas produziram uma gama de

O Vídeo nas Aldeias, diz ele, ofereceu a eles um caminho para participar e

O profundo respeito de Rouch pela subjetividade dos sujeitos, sua crença na

filmes que têm um apelo emocional e narrativo notável. Das Crianças Ikpeng

ganhar algum controle sobre essa nova alternativa de comunicação. “Não

capacidade das pessoas de contarem suas próprias estórias, e sua convicção inar-

para o Mundo (2002) dos Ikpeng é uma encantadora carta em vídeo feita por

importa o quanto fortaleçamos nossa cultura e nossa língua, nós vamos

redável de que valia a pena ouvi-las e vê-las informaram a criação do Ateliers Va-

crianças de uma tribo amazônica em resposta a uma carta em vídeo sobre a

mudar (...) a questão não é que o vídeo é diferente, mas como usar o vídeo

ran. Após a independência de Moçambique, em 1975, membros do governo con-

vida quotidiana recebida de Cuba. O Dia em que a Lua Menstruou (2004) entre-

(...) Alguém de fora da nossa aldeia pode nos ensinar a usar o vídeo, mas

Quando Carelli começou a refletir sobre como desenvolver um programa de

tactaram Rouch pedindo que ele e outros documentassem a nova sociedade. Em

laça a estória de um mito amazônico com comentários que sugerem seus dife-

somos nós que estamos fazendo essa mudança” (Corrêa et al. 19).

formação, ele se apoiou em uma brasileira há muito residente na França, Mari

resposta, ele encorajou a busca de cronistas do próprio Moçambique. O Ateliers

rentes significados para diferentes membros da tribo Kuikuro. Esses filmes

Corrêa. Ela havia trabalhado no Ateliers Varan, estabelecido em 1981 pelo

Varan foi estabelecido em Paris como um local de formação para que pessoas, em

hoje circulam em festivais de cinema pelo mundo.

célebre antropólogo e cineasta Jean Rouch.

especial do mundo em desenvolvimento, aprendessem habilidades chave de nar-

Esse sucesso renovado também engendrou uma missão politicamente mais

Para o Vídeo nas Aldeias, a resposta à questão para quem e para quê esses

Rouch, um antropólogo que chegou à disciplina após seu trabalho como

rativa no estilo do cinema direto adotado por Rouch. Ali, elas não apenas apren-

difusa. Individualmente, os cineastas não são necessariamente responsivos

filmes são feitos muda com o tempo. Mas os organizadores do projeto Vídeo

engenheiro no oeste africano durante a época colonial, foi um dos fundadores

diam técnicas de cinema, mas também lidavam com as dimensões éticas e filosó-

ou responsáveis pelo seu trabalho diante dos líderes tribais, e o foco do proje-

nas Aldeias sempre têm uma resposta. Alguns dos filmes foram feitos para

do moderno filme etnográfico, bem como um dos inventores do cinema vérité

ficas da representação.

to não é mais primariamente político. Ao mesmo tempo, o trabalho reflete a

convencer financiadores e outros apoiadores internacionais do valor do pro-

do no circuito internacional era possibilitado por Valadão, passou a buscar um novo papel de facilitador do trabalho de outros.

Cinema Vérité na Amazônia

295

Para quem e para quê?

296


jeto como um todo. Outros – por exemplo, A Festa da Moça – foram feitos

Notas

para permitir que um povo veja a si próprio. Alguns foram feitos pelos índios

1. 1. Esse artigo é embasado na pesquisa e análise para o capítulo sobre filme etnográfico de meu

para registrar celebrações e rituais significativos, manter um registro, deixar uma memória para seus descendentes, e para compartilhar sua cultura com

livro Documentary Film: A Very Short Introduction. 2. Os filmes do Vídeo nas Aldeias estão disponíveis nos E.U.A. por meio da Documentary

Olhando do chão para cima: um relato da turnê do Vídeo nas Aldeias

Educational Resources em Watertown, MA (http://der.org).

grupos aparentados. Alguns foram feitos para encontrar estórias dentro da cultura da vida quotidiana, e para explorar as responsabilidades do próprio

Referências AUFDERHEIDE, Pat. The Daily Planet: A Critic on the Capitalist Culture Beat. Minneapolis: U of

projeto narrativo. Todos esses objetivos encontram-se unidos pelo fio comum de expressar, apoiar e fortalecer a identidade dos índios amazônicos enquanto índios amazônicos – não apenas enquanto membros de um grupo cultural e linguístico particular, mas também como uma coleção de tais grupos, que compartilham

Minne- sota P, 2000. ———. Documentary Film: A Very Short Introduction. New York: Oxford UP, 2007.

CORRÊA, Mari, S. Bloch, and Vincent Carelli. Mostra Vídeo nas Aldeias: Um olhar indígena. São

Paulo: Banco do Brasil, n.d. (2005). EATON, Mick. Anthropology, Reality, Cinema: The Films of Jean Rouch. London: BFI, 1979.

É um projeto altamente político, mas não-partidário. Ele é político num

GINSBURG, Faye D. “Indigenous Media: Faustian Contract or Global Village?” Visual Anthropology

para criar um público onde antes não havia. Este é um público mobilizado não para reagir ao longo de linhas partidárias, mas para reagir a configurações de poder – empresarial, governamental, político – que ameacem a qualidade de vida de uma cultura. expor a questão da função do filme etnográfico resulta em esforços criativos no sentido de alterar a balança de poder tradicionalmente refletida não apenas no olhar da câmera, mas também nas relações sociais e políticas que ela (e outras ferramentas expressivas) muitas vezes se limitam a registrar mas não a desafiar.

297

6.1 (1991): 92–112. GINSBURG, Faye D., Lila Abu-Lughod, and Brian Larkin. Media Worlds: Anthropology on New Ter-

rain. Berke- ley: U of California P, 2002. MICHAELS, Eric. Bad Aboriginal Art: Tradition, Media, and Technological Horizons. Minneapolis: U

of Min- nesota P, 1994. ROTH, Lorna. Something New in the Air: The Story of First Peoples Television Broadcasting in

Canada. Montreal: McGill-Queen’s UP, 2005.

O Vídeo nas Aldeias é o cinema etnográfico em sua forma mais clara. Aqui,

Q

Antropólogo, New York University Publicado na revista American Anthropologist, Vol. 111, nº 1, março 2009

Centro de Trabalho Indigenista. Relatòrio MacArthur: Programa Vozes Indígenes 1992, Projecto “Video nas Aldeias.” Unpublished manuscript, São Paulo, 1993.

um conjunto de problemas comuns face ao Estado e à sociedade brasileiros. sentido que deve ser familiar ao público americano, porque foi concebido

LUCAS BESSIRE

RUBY, Jay. Picturing Culture: Explorations of Film & Anthropology. Chicago: U of Chicago P,

2000. TURNER, Terrence. “Representation, Collaboration and Mediation in Contemporary Ethnographic

Recentemente, dois eventos midiáticos importantes fizeram com que as ima-

Latino do Smithsonian, pela Embaixada do Brasil e pelo Conselho de Artes do

gens de índios amazônicos voltassem à ordem do dia nos Estados Unidos.

Estado de Nova Iorque, a visita oferecia uma rara oportunidade para o público

Na última primavera, os usuários do metrô de Nova Iorque eram incitados a

americano interagir com o fundador e diretor do Vídeo nas Aldeias, Vincent

“Fazer um Passeio na Amazônia” através de anúncios icônicos que traziam uma

Carelli, com sua codiretora Mari Corrêa, com o produtor e diretor Ernesto de

criança amazônica, risonha e de pele morena, de pé ao lado de um vagão de

Carvalho, e com cineastas das tribos indígenas amazônicas Xavante, Kuikuro,

metrô sobreposto graficamente. A imagem promovia a apresentação do “Vídeo

Ashaninka, Ikpeng e Huni Ku˜ı. A turnê foi bem recebida, contando com apro-

Amazônia Indígena” pelo Centro de Cinema e Vídeo do Museu Nacional do Ín-

ximadamente 700 visitantes.

dio Americano. A turnê de dez dias, de 1 a 11 de maio 2008, incluía 17 sessões,

Duas semanas após a turnê do Vídeo nas Aldeias, o governo brasileiro divul-

mesas redondas, e discussões nas duas sedes do museu em Nova Iorque e Wa-

gou uma série de fotos aéreas e um filme curto de tribos voluntariamente

shington, D.C., bem como no South Street Seaport. Financiada pelo Centro

isoladas perto da fronteira com o Peru. A fotografia que mais circulou traz a

and Indigenous Media.” Visual Anthropology Review 11.2: 102–6. WINSTON, Brian. Claiming the Real: The Griersonian Documentary and Its Legitimations. London:

BFI, 1995. WORTH, Sol, and John Adair. Through Navajo Eyes: An Exploration in Film Communication and

Anthropol- ogy. Albuquerque: U of New Mexico P, 1997.

Exibição de filmes do Vídeo nas Aldeias com a presença dos realizadores indígenas em Washington, EUA, no National Museum of the American Indian, do Smithsonian Institute. Foto Vincent Carelli, 2008

298


cena impactante de três figuras próximas a uma pequena maloca de palha em

versão do diretor do avassalador filme Corumbiara (2009), que traz um olhar

tamente à câmera, misturando uma franqueza desarmada a um humor gra-

vídeo transbordavam os produtos editados, especialmente em termos da

meio à floresta verdejante. Elas aparecem cobertas dos pés à cabeça com uma

íntimo sobre a brutalidade genocida contra os índios isolados, e os vídeos

cioso, as crianças mostram as pessoas e atividades que dão sentido às suas

organização das comunidades. Takumã Kuikuro discutiu como o vídeo in-

pintura corporal quase sobrenatural, atirando flechas em direção à câmera. A

premiados que fizeram do VNA uma entidade reconhecida globalmente –

vidas. Elas fazem brinquedos, catam conchas, nos mostram sua comida e

fluenciou suas comunidades enquanto instrumento pedagógico. Divino Tse-

“descoberta” sensacionalista de uma tribo presumidamente “perdida” captu-

como A Arca dos Zo’é (1993), O Espírito da TV (1990) e Kiarasa Yo Sati/O

dançam numa festa da aldeia. A própria audiência é um personagem impor-

rewahú o apontou como catalizador e arquivo da prática ritual, e mesmo

rou brevemente a atenção do mundo, tornou-se uma sensação no YouTube e

Amendoim da Cutia (2005). Os cinco cineastas indígenas apresentaram tam-

tante do filme, ao ser frequentemente questionada e convidada a enviar um

como um caminho para o fortalecimento das relações intergeracionais entre

despertou grande interesse pela internet. Blogueiros do mundo inteiro de-

bém trabalhos inéditos que apontavam para novas direções permitidas, em

vídeo em troca. Esse simples realinhamento entre público, objeto e sujeito

os jovens cineastas “modernos” e os velhos “tradicionais” – um caso ilustra-

batiam se aquelas pessoas deveriam “ser civilizadas” ou deixadas em paz.

parte, pelo maior acesso a material de arquivo. Vídeos como Já me Transfor-

tem um efeito profundo: ele localiza a diferença cultural dentro de uma hu-

do pelos filmes de Zezinho Yube que trazem seu pai. Numa das mesas redon-

A turnê do Vídeo nas Aldeias foi, por sua vez, em larga medida ignorada

mei em Imagem (2008) de Zezinho Yube e Pirinop, Meu Primeiro Contato

manidade universal. Filmes como esse tornam possível imaginar aquelas três

das, Yube contou como sua comunidade superou a resistência inicial ao ví-

pela impresa de língua inglesa. Não obstante, ela foi um evento cataclísmico

(2005) de Mari Corrêa e Karané Txicão utilizam imagens de arquivo para fazer

figuras anônimas na foto divulgada pelo governo brasileiro como uma mãe,

deo. Isto se deu, disse ele, quando eles perceberam “que isso era nosso”

de implicações profundas para as compreensões ocidentais sobre os índios

do projeto de memória sempre implícito no processo participativo do VNA

um pai, ou filhos.

(notas de campo, 10 de maio).

amazônicos. A mensagem passada pelos seus filmes oferece um modo radi-

um tema fílmico explicitamente central. De Volta à Terra Boa (2008) – pen-

Não é de surpreender que a visão inovadora de Carelli e Corrêa tenha sido

Implodir a diferença entre “deles” e “nosso” sugere que o processo de

calmente diferente de entender as relações entre representação, poder, e

sado como um vídeo contextual para a seção Panará de um DVD a ser lançado

objeto de controvérsia. Os mesmos argumentos batidos que poderiam ser

empoderamento do VNA pode reconfigurar todo o campo representacional

humanidade (ou não-humanidade) que ligam o público ocidental àquelas

reunindo o conjunto do trabalho do VNA – trouxe temas familiares ao corpus

utilizados para justificar a objetificação sensacionalista e reducionista de

dentro de certas aldeias. Nesse caso, o controle sobre a mídia eletrônica não

figuras pintadas anônimas.

do projeto tais como performances rituais e detalhes da vida quotidiana,

índios “não-contactados” ou “descobertos” foram usados para criticar o

apenas expande a consciência crítica sobre coisas como a TV por satélite e

Formado em 1986 por Vincent Carelli como parte do Centro de Trabalho

juntamente com cenas de arquivo inéditas de expedições dos irmãos Villa-

projeto VNA. Racistas alegaram que os índios eram incapazes de manipular

filmes como Rambo, mas pode também informar reações à objetificação es-

Indigenista (CTI) e apoiado por recursos das Fundações Ford, Rockefeller e

Bôas. O vídeo, elegantemente filmado, coloca um argumento sutil pelos di-

tecnologias tão complexas, enquanto primitivistas românticos argumenta-

crita dos “povos indígenas” e subverter tecnologias coloniais nocivas que

MacArthur, e da Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento,

reitos dos Panará, e demonstra como o processo do VNA pode ser persuasivo

ram que essa intervenção contaminaria sua suposta pureza cultural.

subsumem a autocompreensão nativa a esquemas temporais ocidentais

o Vídeo nas Aldeias (VNA) facilita o uso do vídeo entre índios amazônicos. O

quando canalizado para arenas mais explicitamente políticas. A natureza

A turnê do VNA revelou a irrelevância fundamental dessas preocupações

(Piãko 2006:12). Através do processo do VNA, os nativos celebram e refor-

projeto os forma para que produzam suas próprias imagens e acessem um meio

profundamente colaborativa desses vídeos traduz tópicos notoriamente di-

fora de lugar. Ao invés de constituir seja uma ameaça seja uma promessa

çam seus próprios padrões daquilo que Achille Mbembe chamou de “tempo

de articulação com outras tribos que enfrentam desafios semelhantes (Auf-

fíceis como genocídio, violência e contato em detalhes comunicáveis da

para a “cultura tradicional”, os vídeos expõem e exploram mundos inteiros

vivido” (Mbembe, 2001: 8), com toda sua rica multiplicidade e espontanei-

derheide 1995:84–85). O foco da organização num ativismo cultural voltando

vida humana de forma fascinante – como quando um velho Huni Ku˜ı explica,

de reprodução social, com todas suas fissuras e fragilidades. Torná-los tanto

dade; as aldeias participantes têm acesso direto ao tempo do arquivo até

tanto para projetos locais como para preocupações políticas mais amplas faz

hesitante, que os números toscamente tatuados no seu braço haviam sido

sujeito como objeto desses vídeos levanta uma serie de questões. Os cineas-

então controlado exclusivamente pelos museus (ver também Corrêa 2006:9).

com que o VNA consiga privilegiar o processo sobre o produto sem sacrificar os

feitos por barões da borracha que um dia o tiveram como escravo (Xina

tas normalmente evitam mostrar as negociações e conflitos internos às al-

Ao mesmo tempo, o VNA vem moldando a esfera pública brasileira através de

valores da produção. Desde 1997, quando o projeto tornou-se independente

Bena/Novos Tempos [2006], de Zezinho Yube).

deias envolvendo a produção e circulação de imagens, embora essas discus-

seus laços como o Ministério da Cultura do país, que levou ao seu reconheci-

do CTI, o processo no cerne da visão revolucionária do VNA se baseia na auto-

Muitas das cenas do trabalho do VNA evocam as mesmas imagens icônicas

sões possam aparecer em making of’s que acompanham as compilações em

mento enquanto um Ponto de Cultura oficial, à transmissão do programa

ria coletiva. Os indígenas que se interessam pelo projeto são treinados na

das fotos aéreas do governo, ao celebrarem o impressionante visual de pe-

DVD. Num certo momento, eu cheguei a me perguntar se o desencontro entre

Índio na TV em rede pública nacional, e a uma serie educativa em dez partes

produção, e convidam pessoas de sua aldeia para ser personagens nos seus

nas, corpos, pinturas e paisagens exuberantes da Amazônia. Mas o trabalho

um público ocidental orientado para o contexto e um público indígena que

concebida para o canal brasileiro de aprendizado à distância intitulada Ín-

vídeos. Se o “ator” aceita, ele ou ela decide como e o que será filmado. Essa

do VNA expande e inverte narrativas simplistas de vitimização ou primitivis-

poderia preferir não tocar em tópicos controversos não acabaria resultando

dios no Brasil.

dinâmica, baseada nos princípios do cinema direto estabelecidos por Jean

mo, ao mesmo tempo em que essas imagens as ativam – e o que é surpreen-

numa imagem excessivamente harmônica ou unificada. Mas como aponta

No mesmo sentido, o processo e a metodologia da produção colaborativa

Rouch e exportados através do Ateliers Varan, empodera os indígenas. Ela

dente, com poucas notas dissonantes. O resultado é encantador, como no

Alcida Ramos (1998), essas imagens unificadas podem ser cruciais para a

do vídeo por comunidades indígenas sugerem potenciais revisões na prática

produz um tipo radicalmente diferente de vídeo híbrido, que tem sido aclama-

caso de Marangmotzingo Mirang/Das Crianças Ikpeng para o Mundo (2001),

eficácia performativa das reivindicações por direitos indígenas no contexto

etnográfica nas terras baixas da América do Sul. No lugar de opor produção

do pela crítica tanto acadêmica como cinematográfica (i.e., Aufderheide 2008;

talvez a produção mais conhecida do VNA. Nesse vídeo de tirar o fôlego –

nacional brasileiro.

cultural indígena e representação etnográfica, esses processos são abertos

Bernadet 2006; Caixeta de Queiroz 2006; Stam 1997).

originalmente enviado como resposta a uma carta em vídeo de crianças da

Os quatro realizadores indígenas abordaram habilmente essas preocupa-

a uma articulação seriamente lúdica e híbrida, estendendo assim os métodos

A turnê do VNA apresentou ao público uma ampla gama de trabalhos pro-

Sierra Maestra, em Cuba – os quatro jovens narradores da tribo ikpeng levam

ções nas mesas redondas. Em diversos momentos durante a turnê, cada um

cinematográficos de Jean Rouch e do Ateliers Varan à produção do conheci-

duzidos dentro desse projeto de vídeo colaborativo. As sessões incluíram a

o espectador, de modo gentil e sincero, à sua vida quotidiana. Falando dire-

deles enfatizou como os resultados positivos do processo de trabalho com o

mento acadêmico. Sugere-se, assim, um papel vital para a antropologia

299

29:


responsável que vai além das reações “facilitadoras” ou “desconstrutivis-

BERNADET , Jean-Claude 2006 Vídeo nas Aldeias, Documentary and “Otherness.” In Video in the

Villages Exhibition: Through Indian Eyes. Brasília: Banco do Brasil.

tas” à crise da representação pós-moderna e pós-colonial. As visões ricas e humanas dos índios amazônicos proporcionadas por esse trabalho desfazem as fronteiras que têm há muito se colocado entre “nós” e “eles”. As recentes fotos sensacionalistas do “primeiro contato” demonstram

CAIXETA DE QUEIROZ , Ruben 2006 Politics, Aesthetics and Ethics in the Project Video in the Villa-

ges. In Video in the Villages Exhibition: Through Indian Eyes. Brasilia: Banco do Brasil. CORREA , Mari 2006 Video from the Villages. In Video in the Villages Exhibition: Through Indian

Eyes. Brasilia: Banco do Brasil.

a necessidade permanente desse tipo de projeto, especialmente para grupos

Crônicas de um Genocídio 2008 Vincent Carelli, dir. 120 min. Unreleased Director’s Cut.

extremamente vulneráveis que tentam viver do modo como bem entendem no

Já me Transformei em Imagem 2008 Zezinho Yube, dir. 31 min. Vídeo Nas Aldeias, Pernambuco.

que resta da floresta. A mensagem é nada menos do que a diferença entre olhar para baixo de um avião que circula e ver a si próprio a partir do chão, olhando para cima.

Q

“Enfia essa câmera no rabo”

Kiarasa Yo Sati/O Amendoim da Cutia 2005 Paturi Panara e Komoi Panara, dirs. 51 min. Vídeo Nas Aldeias, Pernambuco.

Em “Corumbiara”, o grande vencedor do Festival de Gramado deste ano, as imagens documentais ultrapassam a função estética e procuram novo sentido ético e político. L E A N D R O S A R A I VA Para a revista Retrato do Brasil 27, pg. 41-43, outubro 2009

Marangmotxíngmo Mirang/Das Crianças Ikpeng para o Mundo, 2002, Kumaré Txicão, Karané Txicão e Natuyu Yuwipo, dirs. 35 min. Vídeo Nas Aldeias, Pernambuco. MBEMBE , Achille 2001 On The Postcolony. Berkeley: University of California Press.

A Arca dos Zo’é 1993 Vincent Carelli e Dominique Gallois, dirs. 22 min. Vídeo Nas Aldeias, São

Como uma flechada, Corumbiara nos impacta violentamente, como especta-

Paulo.

Nota de Agradecimento

PIÃKO , Isaac 2006 You See the World of the Other and You Look at Your Own. In Video in the

Agradeço especialmente a Faye Ginsburg, Amalia Cordova, e Ernesto Ignacio de Carvalho pelos

PIRINOP , Meu Primeiro Contato 2005 Mari Correa, Kumaré Txicão e Karané Txicão, dirs. 83 min.,

comentários construtivos sobre este ensaio.

dores desacostumados com um cinema feito de compromissos radicais. As

Villages Exhibition: Through Indian Eyes. Brasília: Banco do Brasil.

discussões sobre o estatuto das imagens documentais, a natureza do caráter ético e/ou político das relações estabelecidas entre quem filma e quem é fil-

São Paulo.

mado, ou mesmo a ética (sempre “a ética”, entendida como compromisso in-

RAMOS , Alcida 1998 Indigenism: Ethnic Politics in Brazil. Madison: University of Wisconsin

Referências Citadas AUFDERHEIDE , Patricia 1995 The Video in the Villages Project: Videomaking with and by Brazilian

Indians. VAR 11(2):83–93. De Volta à Terra Boa 2008 Mari Correa e Vincent Carelli, dirs. 21 min. Vídeo Nas Aldeias.

dividual entre “autor” e “documentado”) da produção audiovisual com relação

Press. O Espírito da TV 1990 Vincent Carelli, dir. 18 min. Vídeo Nas Aldeias, São Paulo.

aos abundantes desvalidos retratados – todas essas questões debatidas nos

STAM , Robert 1997 Tropical Multiculturalism: A Comparative History of Race in Brazilian Cinema

últimos anos, de especial crescimento do documentário no país, amargam na nossa boca, tomando um gosto meio pueril defrontadas com a clareza e firme-

and Culture. Durham: Duke University Press Xina Bena/Novos Tempos 2006 Zezinho Yube, dir. 52 min. Vídeo nas Aldeias, Pernambuco.

za desassombrada dos posicionamentos que movem o filme de Vincent Carelli. Tamanha contundência tem seu nervo no inconformismo frente à violência bárbara que rege as relações sociais nas frentes de expansão agrária do país. Marcelo, Vincent e um gupo de índios Mãmãindê, juntam objetos encontrados no local do massacre dos isolados do igarapé Omerê. Foto Beto Ricardo, 1986

Corumbiara se compõe das filmagens feitas por Carelli na região homônima, em Rondônia, entre 1986 e 2006. Sempre tentando flagrar os criminosos responsáveis pelo massacre de um grupo indígena que “atrapalhava” fazendeiros locais – pelo desagradável inconveniente de existir, com o agravante de fazêlo sobre terras que os fazendeiros sulistas tinham comprado num negócio de lucros amazônicos promovido pelo desenvolvimentismo patrimonialista –, o cineasta acumulou farto material ao longo de duas décadas. Vestígios de ocupação violentamente desfeita, oculta de modo primário, ameaças de jagunços, depoimentos de trabalhadores que testemunharam o ataque, entrevistas com especialistas indigenistas, localização de índios que fugiram e sobreviveram e até mesmo a confirmação do massacre por alguns desses sobreviventes.

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O cineasta que daí surge, no entanto – e esse é o ponto crucial –, usa a câ-

to e exotiza os índios com os quais ele fez contato. Mas, de qualquer forma, essa

mera como instrumento da causa indígena. Esse sempre foi o norte da organi-

espetacularização por si só não chega a atrapalhar a ação na Justiça e a inves-

zação que criou o Vídeo nas Aldeias. Hoje, mais de 60 filmes depois, tendo

tigação, junto aos índios, do massacre. O jogo se torna mais pesado quando os

atuado junto a dezenas de povos, formando realizadores indígenas de alto

fazendeiros montam uma contraversão para os jornais, que parte do imaginário

gabarito, com obras lançadas em festivais e no mercado de locação e venda de

exotizante, vestindo os índios contatados com roupas brancas e afirmando que,

vídeos, é uma incontornável referência internacional (ver “Muito além do ví-

se havia uma “montagem”, esta havia sido feita por Carelli e Santos.

deo”, Retrato do Brasil nº 21, abril de 2009). Foi nesse contexto que Marcelo Santos, indigenista da Fundação Nacional

provar o massacre original. Estabelecem um convívio cotidiano com os índios.

do Índio (Funai), convidou-o para registrar os vestígios de um massacre de

Junto com a antropóloga Virgínia Valadão, mulher de Carelli (que faleceu du-

índios isolados em Corumbiara, o que, conta-nos Carelli, era a chance de dar

rante a longa investigação), descobrem se tratar, na verdade, de dois grupos,

um sentido claramente militante ao vídeo, exatamente como ele buscava.

um akunsu e outro canoê (no total, chegam a dez pessoas). As relações entre

O sentido político das imagens da violência econômica explícita da região

À esquerda, casal de índios Canoê, Tiramantu e Purá, contactados em agosto de 1995 pela equipe da Funai e pela filmagem. Acima, Marcelo, da Funai (à direita) e Vincent se despedem dos Canoê recém contactados. Fotos Marcos Mendes/AE, 1995

Enquanto essa batalha segue em curso, Carelli e Santos se esforçam para

eles são complexas, tensas.

é didaticamente exposto. No “diálogo” com um trabalhador fiel aos patrões, a

A investigação avança com dificuldade. São colhidos depoimentos de tra-

fala do rapaz enuncia com objetividade o lugar do Estado de Direito na frontei-

balhadores da fazenda suspeita, mas há muito temor. Os indícios e informa-

ra agrícola: “Enfia essa câmera no rabo”. A câmera incomoda. Carelli grava os

ções se acumulam. Nesse meio tempo, outro índio isolado, sobrevivente do

vestígios materiais do massacre, faz entrevistas, mas é logo interrompido por

que parece ser outro massacre, mais recente, é encontrado, mas recusa o con-

um jagunço sofisticado, Dr. Flausino, advogado dos fazendeiros, refinado ide-

tato, gerando uma situação quase que paradoxal. O índio foge e resiste, sen-

ólogo do desenvolvimento a qualquer custo, que nega qualquer violência por

tindo-se acuado pela câmera, mas só a obtenção de sua imagem pode garantir

parte desses civilizadores a quem serve, benfeitores, segundo ele, que arris-

na Justiça a sua permanência na terra onde vive.

cam seu capital naqueles grotões. Carelli e Santos retornam anos depois, quando o indigenista obtém legitimidade na Funai para retomar as buscas. A câmera, agora, está ao lado da lei:

Carelli não tinha a intenção de “fazer um documentário”. Desde o início, o

ajuda a forçar a entrada dos oficiais de justiça nas fazendas da área, cujo aces-

objetivo era fazer imagens que pudessem servir à causa indígena, comprovan-

so, antes, era negado, em nome do direito de propriedade. E – surpresa! – eles

do os ataques sofridos, flagrando os responsáveis, provando a existência de

encontram um pequeno grupo de índios remanescentes, isolados, que há anos

índios remanescentes nas terras da região, para garantir a eles seu uso. O au-

se esforçam para escapar do contato “civilizatório” com os benfeitores para os

tor de Corumbiara trabalha nas antípodas da autonomia das imagens: ele

quais Dr. Flausino trabalha.

busca fazer imagens que provem, acusem, testemunhem.

2:3

As imagens do contato adquirem um duplo uso. Legalmente, servem como

O filme abre com uma declaração das intenções do realizador. Na tela, as

base para a interdição de uma área que permita aos índios manter seu saudável

imagens fortes (pouco importa uma certa precariedade técnica) de um ritual

isolamento. E são exibidas no Fantástico, o que reforça o primeiro uso, ao

nambiquara, a “festa da moça”, que ocorre pela primeira vez em 20 anos, ex-

mesmo tempo em que, esperam os realizadores, ajudam a apoiar os direitos

plica o realizador, em consequência direta do processo de gravação e exibição

indígenas.

que o vídeo permitia experimentar na aldeia. É uma espécie de ritual de inicia-

A difusão televisiva, entretanto, revela outra dimensão política da imagem:

ção do próprio Carelli, até então um indigenista, que se reinventava, em 1986,

o jogo da manipulação. De início, pela própria TV: as imagens de Carelli são

como documentarista.

apresentadas no Fantástico sob uma aura sensacionalista, que retira de contex-

Fotograma da filmagem de Corumbiara, a única imagem frontal do índio do buraco, até hoje único sobrevivente de um povo desconhecido. Foto Vincent Carelli, 2000

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Pode-se dizer que também em Corumbiara uma ética se desdobra em esté-

a passagem de décadas de sua vida, emociona não pelo lirismo, ou pela nos-

tica. Mas aqui a ética é outra. Não a do encontro intersubjetivo, mas a da ação

talgia do tempo que se perde, da esposa, que se vai, mas pela firmeza persis-

política, que leva, por um lado, a relações de aliança mediadas por objetivos

tente, realista e desassombrada, de quem mantém a militância. Na mesma

políticos (e não pela subjetividade pura) e, por outro, a relações de confronto

chave, a amizade com Marcelo, o reencontro que revela nos rostos e nos corpos

(“Enfia essa câmera no rabo”). Entretecidas com as investigações e jogos de

a passagem do tempo, aparece calcada nesse trabalho político que se confun-

força e imagem, aparecendo justamente em função dessas tensões políticas,

de com a vida.

surgem momentos fortes, de uma qualidade estética para além do subjetivo. A

O contraste entre a espetacularização do Fantástico e a delicadeza intensa-

voz over de Carelli, sóbria, narrando um rosário de horrores sem empostar

mente emocionante dos planos silenciosos e distendidos do primeiro contato

quaisquer dramatizações (como quem diz “assim são as coisas”), costurando

com os Canoê está emoldurado nesse quadro politizado. Cada gesto, hesitante e inaugural, entre brancos e canoês, nesse momento raríssimo, de encontro entre mundos, vibra com uma particular intensidade, dada pela sombra trágica que paira sobre aquela outra humanidade que se revela à câmera. Mesmo a fisionomia, o que de mais imediato há nas imagens, o que apreen-

À esquerda, passeio pela mata da filha e mulher de Konibu, lider dos Akunsu, os sobreviventes do massacre.

demos de chofre quando vemos um rosto, ou mesmo uma paisagem, adquire tons específicos conforme a moldura, a atitude geral que move o filme. Sob a luz política de Corumbiara, a desfaçatez dos fazendeiros, a arrogância do Dr. Flausino e, sobretudo, as expressões dos índios – a circunspecção defensiva dos

Ao alto, Ururu, a anciã dos Akunsu, irmã de Konibu, falecida em 2010.

Canoê; a incrível força da performance de conotações xamânicas de Tiramantu, a jovem mulher canoê; a dignidade de Konibu, chefe akunsu, tocando sua flau-

Fotos Vincent Carelli, 2006

ta; o acuamento do “índio do buraco” – tudo surge carregado de história. Corumbiara se encerra com um close de Tiramantu, completamente absorta na relação com seu filho pequeno. A voz de Carelli, ao longo de toda a sequên-

Durante a investigação, Carelli percebe que as imagens que fez para o Fan-

narração desses casos de violência social e, ao mesmo tempo, uma meditação

cia que ali se encerra, pontua a conclusão com um duro balanço das grandes

tástico precipitaram a reedição da tragédia anterior, sendo a causa do massa-

sobre o lugar da imagem nesse circuito. Assim, atuando à margem da especiali-

dificuldades enfrentadas pelos índios com os quais ele fez contato. Lembra-

cre do grupo ao qual pertencia o índio que tenta filmar: assustados pela divul-

zação estética, no registro da militância, Carelli extrai daí uma outra estética.

mo-nos das imagens do primeiro contato e Tiramantu parece outra pessoa. A

gação da presença indígena e com a potencial interdição de áreas, os

No campo documental, nos últimos anos, muito se falou de uma “ética do

estranheza áspera de sua expressão de então se foi. Em seu lugar, há um doce

fazendeiros resolveram agir preventivamente. No fundo, o temor do índio que

encontro”, que seria também uma estética, para caracterizar o cinema docu-

olhar maternal. Aquele momento de ternura vale como esperança, apesar de

se esconde tem um triste fundamento. O moinho da frente de expansão conti-

mental de Eduardo Coutinho (veja-se, por exemplo, O cinema de Eduardo Couti-

tudo, ou como rendição? A história, impregnada em cada fotograma de Corum-

nua dando voltas.

nho, de Consuelo Lins. Jorge Zahar, 2004). Em seus documentários, Coutinho faz

biara, emoldura até o fim até mesmo a delicada intimidade de Tiramantu.

Eventualmente, Carelli obteve um testemunho gravado do chefe akunsu,

da entrevista um palco de improvisos, de retórica, encenação e desnudamento,

confirmando o massacre original. Mas, no lugar da condenação dos culpados, o

onde vale a ética do encontro, ou da busca do encontro – de lampejos de beleza,

que conseguiu foi realizar Corumbiara. Um filme que resultou de um processo de

como costuma dizer, em que o que vale é o encontro entre duas subjetividades

investigação e militância, lidando, portanto, com outras funções sociais da

singulares, mediadas pela câmera. Tudo isso é verdade e tem resultado estético,

imagem, que não a estética: investigativa, jurídica, jornalística, política. Rea-

numa versão contemporânea e antiespetacular do cinema moderno, em sua

lizado retrospectivamente com montagem desses materiais, Corumbiara é uma

atenção aos instantes de invenção, de fuga do convencionado.

2:5

Q

Tiramantu Canoê, 25 anos depois do contato, e seu único filho. Foto Vincent Carelli, 2006

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Vídeo nas Aldeias

thirteen Latin America countries, each country playing a different scene; and the films by the Indians, documentaries and fiction. Films in Xavante, Huni Ku˜ı, Kuikuro, Ikpeng... Films made in the middle of the forest by forest people. The protagonism of the forgotten peoples

CÉLIO TURINO

emerging from hiding.

Historian, writer and public policy manager. He was Cultural Citizenship Secretary at the Ministry of

That is Vídeo nas Aldeias. That is the Living Culture of a people who make themselves

Culture (2004/2010) and the designer and manager of the Culture Points and Living Culture Programs

present and who refuse to accept being governed any more by those who look down on them. That is the Culture Point program, a pivotal point in which the people are the lever.

As soon as I received the proposal for the Vídeo nas Aldeias Culture Point, I thought to myself: “It’s perfect, they are already a Culture Point; they are networked, they’ll spread this ab-

Here’s to the Points flourishing in all their uniqueness, enabling the emergence of a country unlike any other seen before!

stract concept through their practice.” The Indian before and behind the cameras; scripting, directing, editing and acting all done by the Indians themselves; the Indian as seen by the Indian. The making of a new narrative about Brazil, built from the bottom up. Vídeo nas Aldeias was selected in the very first round of Culture Points funding, back in 2004, when Living Culture was just an idea. One Point only, in the Ashaninka indigenous territory, on the shores of the Amônia river, in Marechal Taumaturgo municipality, Acre state,

For an intercultural cinema BETO RICARDO

on the border with Peru. We arrived there. Along with this Point, another two hundred and ten, dispersed across the forgotten corners of Brazil. A simple idea, born from the firm pro-

This book-video celebrates 25 years of Vídeo nas Aldeias and is intended as an inspirational

posal to invert the logic of public policies: instead of observing need and lack, we would

memoir for all those interested in audio-visual production, especially in the documentary

search for potential, the capacity to act and transform which every human being and every

genre, but also for anyone who values and works to strengthen cultural diversity in Brazil and

social group has within themselves, but which has been repressed by centuries of domina-

the world.

tion and/or welfarism and paternalism.

The insight that triggered the creation of Vídeo nas Aldeias occurred during an initiation

With the Culture Point program we show a different way forward: it is not the people who

ritual in a Nambiquara village in Mato Grosso in 1986: the fact that the Mamaindê could im-

depend on the State, but the State that depends on the people and it is they, the people, who

mediately access the images recorded during the festival provoked the desire among the elders

the governments must serve. Another simple and clear idea whose logic was inverted by

to perform the later scenes so that the resulting film would fully reflect their dignified and proud

those who govern, who instead of serving, made the people serve them. The Culture Point

self-image. This unexpected process was recorded by Vincent Carelli with a VHS camera, an

program looked to revive the principle of government serving the people well. At a low cost

amateur and portable piece of equipment that was becoming more accessible at the time.

per Culture Point (R$ 5,000 per month) we enabled the State to reach the heart of the soci-

Rooted in the advances achieved by a new civil society indigenism, which prospered under

ety: this makes a huge difference since nothing is then lost in the twists and turns of the

the military dictatorship of the 1970s and 80s, Vídeo nas Aldeias forms part of a generation of

system’s bureaucracy, and the work is adapted to the reality and needs of each social group.

initiatives that received support from international cooperation and developed long-term con-

That is how the Culture Point program was made.

nections with many indigenous groups and villages, generating a new and more optimistic

No ready-made recipes on flowcharts. Rather than imposing, being available, asking,

paradigm for the more than 200 peoples living in Brazil.

adapting. Was that not precisely how Brazil was made? Mixing its people, adapting to the

During this period, various emblematic indigenous leaders emerged on the country’s politi-

tropics? If it worked in this immense country with its tropical and solar civilization, it

cal scene in conjunction with this new indigenism, signalling the permanence of ‘the Indians’

surely would have to work in a public culture policy. It worked. Seven years later, having now

and undermining the idea of Amazonia as a demographic vacuum. They connected with the

left the government, I can accompany countless success stories, people from favelas produc-

social movements resisting the dictatorship and fighting for democracy, which resulted, for the

ing their films, creating a small cinema industry, a sprawling film set, telling their stories in

first time in the country’s history, in a special chapter on collective indigenous rights in the

their own voice; sophisticated choreographies combining contemporary dance with street

Federal Constitution approved in 1988.

dancing, forming a remarkable Street Ball as I saw in Uberlândia; an orchestra of violins in

A new level of rights and visibility, the accumulation of information and intercultural rela-

samba schools; a staging of Dom Quixote de La Mancha with community theatre groups from

tions based on dialogue and conviviality, firm and consistent support from international coop-

2:7


eration agencies, the growing availability of public funds in Brazil, and increasingly profes-

During this period I saw spectacular ceremonies among the Xikrin. The feeling that hit me

sional portable filming and editing equipment, allowed the Vídeo nas Aldeias initiative to

strongly was that I couldn’t just be one of the few lucky people to see these amazing scenes.

prosper with considerable dedication and low production costs.

So photography became a necessity to share what few other people had the chance to witness.

Over these 25 years, audio-visual records have been made with 37 peoples from various re-

Forty-two years later, in 2011, after an absence of more than 23 years, I re-encountered by

gions of Brazil, each bearing the hallmark of always giving preference to direct expression in

father Akruantury, on a trip to Marabá in the south of Pará to run a video workshop with the

the indigenous languages, with subtitles in Portuguese, Spanish, English and French.

Parkatêjê. I arrived at the Indigenous Health Post and there he was sleeping, now very old. I

This work has generated an archive of 7,000 hours of raw footage, 87 finished videos and many national and international awards.

asked them not wake him and I sat down to wait. when he got up, he took my hands in silence, lowered his head and started to cry, like a Kaiapó father cries on seeing a son again after a long

Recent years have seen an increase in the output of young indigenous filmmakers, who have

absence: a lament, a song that tells of the pain of missing someone. And I cried next to him

had the chance to access the new technologies and take part in some of the 127 workshops run

from sadness and happiness too. On that day I understood clearly something I had always

in their communities and at Vídeo nas Aldeias’s head office, currently based in Olinda (PE), in-

known intuitively: I entered indigenism as a son, not as a ‘father of the Indians’ like so many.

teracting with a new generation of non-indigenous fllmmakers and admirers of this initiative. The cases selected and narratives published in the first half of the book, preceded by a photographic essay, are a sample of this universe and these trajectories.

State indigenism and alternative indigenism The political adventure began in 1973 when I joined Funai. This really was a political reality

In the second half, the book gathers the views of cinema critics, anthropologists and jour-

shock. After the indigenism course in Brasilia, I went back to Pará to return to the Xikrin,

nalists of the films produced by Vídeo nas Aldeias. Finally two DVDs are included at the end of

now with the means, I thought, to contribute to the village better. Colonel Nogueira, the

book, containing ten films from various phases of the project.

head of Funai in Pará and Amapá, summoned me and told me that I would never be ‘Head of

In the globalized environment of today’s information society, eager for content in digital format, Vídeo nas Aldeias has opened and maintained an intercultural window of opportunity

Post’ among the Xikrin. When, astonished, I asked him why, he replied: “Because you’re a friend of the Indians.” That was my first lesson in government administration!

for young filmmakers, whose fascinating and surprising films relied enormously on the oral

After a sojourn among the Asurini, a Tupi-Guarani people who had recently been contacted

memory and performance of their people’s elders, vigorous sources whose future generations

on the middle Xingu, I joined the team of the Krahô Project with Gilberto Azanha and Maria

will be able to make use of the Vídeo nas Aldeias legacy, a contribution extending far beyond

Elisa Ladeira, colleagues during my rapid passage through the University of São Paulo. It was

the video library.

clear to us all just how damaging and politically demobilizing the government’s authoritarian paternalism was for indigenous peoples, the famous ‘guardianship.’ It was not the State that would change the situation of the Indians, they themselves would have to change the course of their histories. Our mission was to deconstruct the authority of the ‘chief of the Indians,’ pro-

Another look, a new image

duce enough food to combat hunger and dispersion, and sponsor festivals to regroup the vil-

VINCENT CARELLI

colonel, deteriorated and we ended up resigning. If the university wasn’t the place for me,

Indigenist, documentarist and founder of Vídeo nas Aldeias

neither was Funai. A short time after a party of Krahô Indians came to rescue us in São Paulo:

lages and thereby recompose the social fabric, values and the organization of community life. The power relations with the Funai administration in Goiás, also headed by a corrupt

they wanted us back, they couldn’t stand the regression to an authoritarian relation. From

Origins

State indigenism we migrated to alternative indigenism, or subversion, as it was called during the dictatorship. With a few other colleagues we founded the Indigenist Work Centre

Vídeo nas Aldeias was born from a passion, my passion as a boy for the Indians. A rebellious

(Centro de Trabalho Indigenista: CTI), where we continued to challenge the abusive power

teenager in an existential crisis, I decided to head off on an encounter into the unknown, a

of the State’s ‘guardianship,’ supporting leaders opposed to the leaders installed by Funai

new world, a new start to life. When in 1969, at the age of sixteen, I landed for the first time

officers, who shared the Brazilian government’s ideology of ‘assimilation.’ We fought for

in the Xikrin village in the south of Pará, I discovered that the world was much more fascinat-

basic rights, such as the possibility for the Indians to be represented by independent lawyers

ing than I had imagined. I wasn’t embarking on a political quest, I threw myself into an

in their disputes with the State, rights that years later were incorporated in the 1988 Con-

existential adventure.

stitution. We participated in Brazilian civil society’s search for alternatives.

In the village I was adopted, following the Indian way of welcoming an outsider. Being

I began to explore the issue of cultural memory and the image among indigenous peoples

adopted also meant participating in all the village’s work on equal terms: carrying gravel to

as part of my ten years working for the Ecumenical Centre for Documentation and Informa-

make the airstrip, setting off on long hunting trips with the men, spending days clearing

tion (Centro Ecumênico de Documentação e Informação: CEDI) producing a photographic

trails in the forest for women and children to use on the expeditions, tough jobs for the frail

archive for publication of the Povos Indígenas no Brasil encyclopaedia. During this time I

youth I was at the time. While my ‘Indian father,’ Akruantury, was severe in making sure I

visited Brazil’s major collections. Enabling the photographs to return to their communities,

participated in all these moments, when night fell I would sit close to him in the middle of

returning these records of their history to new generations, could provide the Indians who

the village where the men met and he would then tenderly blow smoke and rub spit on my

were suffering such violent and rapid processes of transformation with a retrospective view

wounded hands and feet.

of their process of change.

2:8


First steps

ous by Caimi Waiassé and Thank You Brother by Divino Tserewahú, both Xavante, and Lip

Still in the 1970s, the filmmaker Andréa Tonacci contacted CTI with the proposal for ‘Inter

Piercing by Raimundo Xontapti of the Gavião.

Povos,’ an intertribal communication project using video. But video was still in its infancy and the idea failed to take hold. When the first VHS camcorder became available, by now with

An indigenous film school

17 years experience of working with indigenous peoples and indigenist activism, I decided

The project quickly gained international recognition in circles that discuss innovative work

to take up the idea and with that Vídeo nas Aldeias was born.

in the area of communication. This ensured it was able to continue thanks to awards for art-

So I went to the Nambiquara, in the north of Mato Grosso, accompanied by Beto Ricardo,

ists from US institutions like the Guggenheim, McArthur and Rockefeller Foundations, along

who improvised as my sound technician, and we immersed ourselves in the experience that

with funding from international cooperation agencies from Holland and Norway. After being

would result in my first documentary: The Girl’s Celebration. What interested me about video

invited to numerous festivals, I learned about projects similar to our own in Mexico and

was the possibility of immediately showing what had been filmed and allowing the image to

Bolivia. That was in the same year, 1986. I also discovered that minority groups in the First

be appropriated by the Indians. It was not a case of arriving “with a camera in the hand and

World had already made considerable progress in terms of appropriating audio-visual media,

an idea in the head,” but a camera in the hand and a head open to feedback from the village,

both within the ambit of their communities, obtaining training for young people in film

allowing ourselves to be led by their enthusiasm and wishes. That was how the community

production at university and gaining access to television channels. This was the direction

leader Pedro Mãmåindê assumed the task of directing my film.

history was taking and we decided to invest too in a process of training young indigenous

My style of filming, as a self-taught novice, was shaped by this device, which immedi-

filmmakers.

ately propelled me into ‘video trance,’ without ever having heard of Jean Rouch or Cinéma

In the first workshop in the Xingu we united thirty students from different indigenous

Vérité. The trance, of course, was ours and theirs too: after various performances to adjust

groups from various parts of the country, those who had already worked with us and others

their image, they decided to perform the nose and lip piercing ceremony, a practice aban-

who I had learnt had started to film at their own initiative. It was a large encounter of young

doned for more than twenty years. It was a cathartic experience, extending beyond our ini-

people who had never previously met. During the workshop we tried to develop a training

tial expectations, which showed us the power of video as a tool and a methodology.

methodology, something which the Bolivians and Mexicans were already doing. During the

Next I travelled to the Gavião. The people had just regained control over the sale of

encounter Divino Tserewahú, who had been filming for some time, invited a few Xavante and

Brazil nuts from their reserve, under the leadership of Krohokrenhum with support from the

Suyá colleagues to help him film a major ceremony in his village, Sangradouro. The latter

anthropologist Iara Ferraz and backing from the Funai president in Brasilia. Winning their

workshop, which lasted more than two months, resulted in the film Wapté Mnhõnõ, Xavante

economic autonomy, combined with the recent contact with a new Gavião group who had

Initiation (1999).

subsequently joined Krohokrenhum’s people, had encouraged them to revive their language,

After this national encounter, we decided to work regionally and established partner-

the arrow game and their rituals. Video arrived at the perfect moment for the Gavião project

ships with NGOs and indigenous associations. We contacted the Pro-Indian Commission,

of cultural revival. Krohokrenhum bought a camera and, inspired by the Nambiquara film,

which had developed a cutting-edge project in the area of training indigenous teachers and

they staged the boys’ lip piercing ceremony, filmed by the young Raimundo Xontapti.

indigenous authorship in Acre, and with whom we had a historical connection. CTI had sup-

I filmed extensively during that period, trying to record songs in their entirety, provide a

ported Terry de Aquino, Meirelles, working with him to train rubber cooperatives to break

detailed ethnographic account of the rituals, because that was what the Indians expected. They

with the debt slavery of the barracões run by the rubber bosses and the exploitation of the

would watch everything I filmed a thousand times over. Today the recordings from that time are

Indians by the river traders in the state, as well as help with the conquest of land demarca-

historical documents, a memory preserved for the future generations of these peoples.

tions by the region’s indigenous peoples.

The same process was begun with the Xavante of Mato Grosso, in partnership with the

The group of teachers assembled by the Commission formed a very special group, already

anthropologist Virginia Valadão, my wife, and next with the Waiãpi, in Amapá, in a partner-

with a critical awareness. That was when I invited Mari Corrêa, trained at the Ateliers Varan,

ship with the anthropologist Dominique Gallois, made very special by her command of the

a film school directly for the Third World based in Paris, to join the VNA team and together

Tupian language and her relationship with the people extending back over many years. This

adapt the method developed by them to the world of the villages. After an experience with

resulted in a series of films, including The Spirit of TV, to some extent the cornerstone of the

a multiethnic workshop, we realized that working with indigenous groups individually

project. The exchange of images between these peoples prompted the desire for face-to-face

worked best due to the knowledge of the language and the intimacy which the young film

exchanges between closely-related peoples, like the Tupi-speaking Waiãpi and Zo’é, or the

students of each village had with their relatives.

Parkatêjê and Krahô, both belonging to the Timbira located in Maranhão, Goiás (now To-

From that time until now, a span of 15 years of training filmmakers, we have worked

cantins) and the south of Pará. We sponsored the exchanges and these resulted in two films,

with 37 indigenous peoples in 127 workshops, resulting in 87 films, 78 of which are in our

We Gather As a Family and Meeting Ancestors, completing the trilogy we had begun with The

catalogue.

Girl’s Celebration. Various groups with whom we have worked – like the Gavião, Xavante and Waiãpi – al-

A certain way of making cinema

ready had cameras and shot footage to be seen by their own communities and swapped with

Although VNA has a very specific teaching method, the results are first and foremost the

others. We began to compile this material and work in small editing workshops in which they

outcome of a style of relationship, a conviviality, listening to the peoples with whom we

narrated the start of their careers in video and commented on their own filming. This produc-

work. The fact that we respond to a demand that comes from them is already half the battle.

tion led to shorts like Jane Moraita, Our celebrations by Kasiripina Waiãpi, One Must Be Curi-

But even so you have to understand the restrictions, the community’s internal politics, know

2:9


how to make your presence felt, your point of view. Once this place has been won, the entire process flows because the desire to learn is enormous.

After the discovery of the Americas, Enlightenment philosophers created the fiction of the ‘noble savage.’ Ventriloquists of the ‘new man,’ they used this figure to critique their own

Working without a preconceived script, the filming by the indigenous filmmakers during

society, projecting onto the Indian everything that they wished to be, but no longer were.

the workshops is intuitive, empirical and freeform, alert to improvisation, spontaneity and

They therefore depicted the ‘noble savage’ as man living in a state of innocence and purity,

the natural expression and creativity of the people being filmed. Films that emerge natu-

the harmony of man with nature, the marvels of egalitarian society.

rally from the interaction and complicity of the indigenous filmmakers and their subjects,

This concept became crystallized and perpetuated in such a way that even today most

the latter being as much authors of the films as the former. The collective desire to make the

people still see the Indians through this prism and want them to coincide with their fantasy.

films produces their synergetic energy, while the filmmaker’s intimacy with his or her home

The films of the Indians clash with this view continually. Any appropriation by the Indians of

environment ensures their originality.

elements from our own civilization is seen by many as a decline, a loss of purity. They all want

Filming in a village creates a special moment during the workshop, breaks with the quo-

the Indians to maintain the ‘purity’ of their original culture. And because of this idealization,

tidian, allows new channels of communication to be established within the community, and

indigenous peoples are frequently classified into ‘those who still are’ and ‘those who are no

valorizes forgotten themes. There is no more emotional moment for us, as participants in this

longer’ Indians.

work, than seeing a group of young people interviewing an elder – the latter happy to be

These conflicting feelings come clearly to the surface when their films are distributed be-

asked – amazed to hear stories previously unknown to them and even ask the elder: “why did

yond the circle formed by the ‘friends of the Indians’ and gain recognition and divulgation in

you never tell us this story?” and the elder reply: “because you never asked.”

more mainstream Brazilian cinema. In 2011 for the second time one of our films was selected

The workshop is an open space through which the entire village circulates. Screenings

at the Gramado Festival. A journalist from the O Estado de São Paulo covering the festival, Luiz

are shown every night, including films made by other communities, documentaries, fiction

Carlos Merten, made the following comment about his colleagues on his blog: ”Some people

films and special moments produced by the students during the workshop. So for three weeks

die just thinking about watching a film by Indians” and “Some people think the film shouldn’t

or a month, then, the students, lead characters and the community as a whole are immersed

even be in the festival. But why, if this is the best Brazilian cinema to date?”

in cinema. Since we rarely take part in the actual filming, our participation in the training process

The critic Marcelo Miranda (http://noextracampo.blogspot.com) remarks: “(...) In this sense, the distinction between ‘fiction’ and ‘documentary’ evaporates as we watch The Hyper-

takes place in the background, reviewing the footage with the students. It is precisely this

Women, along with the prejudices associated with an ‘Indian film,’ which also circulated

approach that allows their own gaze to be expressed. Running a workshop also means help-

among some journalists prior to the session. Confounding any pre-formed impression, though,

ing produce the film, of course, in the sense that you are there making suggestions, com-

there is an elaborate and striking investment in staging, recording and creating space.”

menting, discussing, giving your best. Training an editor, on the other hand, takes more

While some praise, others ooze racism. Robledo Milani, president of the Rio Grande do Sul

time. After two or three films, those with the talent and relish for editing start to become

Critics Association, wrote on his blog http://www.cineronda.com.br/as-hiper-mulheres on

evident. The sequence of films in which the people appear to themselves is also a learning

16/09/2011: “This documentary (or is it a fiction?) sets out from a curious theme (...) to pro-

curve for the whole community. A collective and collaborative process between Indians and

duce something that seems so distant and foreign to all of us that it fails even to generate

non-Indians, involving progressive learning and production.

frustration, merely indifference (...) The fear is only the fact that Gramado has a tradition of

To provide a more detailed account of the training process and film collaborations, the

giving awards to documentaries with an indigenous theme – Raoni, Serras da Desordem and

discovery of cinema by indigenous filmmakers, the interaction between their work and the

Corumbiara are just some examples. It remains now to lobby for this error not to repeat itself.”

community, and the way in which the work has developed and matured over time, we have selected a sample of five filmmaking collectives. In separate chapters, the Xavante, Ashanin-

The Living Culture Program

ka, Kuikuro, Huni Ku˜ı and Mbya-Guarani – along with villagers and members of the project

After 18 years work funded by international cooperation agencies and very little national

team running the workshops – recall how the work unfolded, the process of making the films

visibility, things changed with the Lula government as the minister Gilberto Gil and his team

and their impact over the long-term.

initiated a revolution in public cultural policies. Accepting that “Brazil doesn’t know Brazil”

In these narratives it also becomes clear that VNA is not just a passive or neutral transfer-

and that in a “Country for Everyone” every citizen should have the right not only to consume

ence of audio-visual media. Sometimes the Indians themselves engage in a kind of ‘self-

but to produce culture from their own perspective, a new era was begun of valorizing Brazil-

censorship,’ in the sense of trying to match the image that the ‘whites’ expect of them. VNA

ian cultural diversity and making access to funding for culture more democratic.

strives to help the filmmakers break away from this expectation and show the indigenous lifeworld in all its complexity.

The image of the Indian For Brazil the Indian is part of the country’s origin myth, a source of pride for the nation’s

In dialogue with civil society, the Cultural Citizenship Office and the Diversity and Identity Office together elaborated a pioneering funding policy for populations traditionally excluded from cultural subsidies: the populations living on the peripheries of large urban centres, popular culture groups, quilombo descendants and Indians – the roots of our popular and contemporary cultures.

originality, but at the same time a symbol of backwardness, an obstacle to progress, doomed

As part of this context, the Living Culture Program, which funded Culture Points across

to eventual disappearance and oblivion. For example, a very common derogatory expression

Brasil, has provided a considerable amount of support to the network of villages with whom

in Brazil, ‘Indian program,’ meaning something like a ‘bad day out,’ displays this feeling of

Vídeo nas Aldeias works, enabling the purchase of better cameras and equipment for editing

disdain many people harbour in relation to the Indians.

the films in the villages, giving them greater autonomy in terms of production, as well as the

2::


realization of numerous training workshops and encounters, and the publication of the Indig-

ing films and educational books for schools. In 2010 Vídeo nas Aldeias launched a pilot

enous Filmmakers DVD collection with a compilation of the best films by indigenous authors.

project, funded by Petrobras Cultural, distributing 3,000 kits to 3,000 schools in Brazil with a

Very well known in the indigenous world, the project receives dozens of requests from

collection of 20 films from the Indigenous Filmmakers series and a guide to help the teacher

peoples wishing to take part in the workshops. Unfortunately a lack of resources means we

use and discuss the films in the classroom. We are now looking to work on a compilation of

have to turn down most. The cultural programs developed in the Lula era worked towards the

films on indigenous children for a young school audience with the support of UNESCO.

democratization of the means of production and the number of Indigenous Culture Points

Imagine when our children and grandchildren can learn about the diversity of Brazil’s

expanded rapidly. We had plans to begin a process of training trainers so that a larger number

indigenous cultures from primary school age and establish a ludic and creative relationship

of support groups dispersed across the country could meet at least some of this repressed

with this diversity. It will be a privilege for us, a rediscovery of Brazil. By learning about

demand. Dreaming big, in the medium term we could have a national network of indigenous

these peoples, they are more likely to be respected and those peoples who are depicted will

filmmakers feeding their own space on Brazilian public TV.

feel better recognized. We need to create a more positive environment for Indians in the

At a moment when various Latin American countries are implanting programs and draft-

country, and allow them, most of whom live in the most distant parts of Brazil, to stop feel-

ing laws inspired by the Brazilian Living Culture model, Brazil itself seems to have aban-

ing ashamed of who they are, a shame which many were forced to live through in past gen-

doned the advances made under the Lula government and returned to an elitist policy for

erations, and become proud Brazilians, belonging to a specific indigenous people!

funding culture. We should not forget that perhaps the most important facet of the govern-

If every teenager could have the same experience of culture shock that I had, this world

ment’s Growth Acceleration Program (PAC: Programa de Aceleração do Crescimento) is the

would be far more tolerant of cultural differences. We need much more intercultural dialogue

PAC for Culture and Education.

for the Indians to cease being foreign bodies, strangers in their own lands. The absence of

The Indian on Brazilian TV Probably 90% of the Brazilian population only knows about the Indians from television news

indigenous themes in the Brazilian educational system until recently and the reproduction of the same eternal clichés and preconceptions in the media perpetuate this estrangement and ignorance.

bulletins when there are problems and disputes, or in the TV reports and documentaries made

The Indians want to participate in modernity, to be included in this country and enjoy

by non-Indians who, in most cases, exoticize the indigenous reality. Hence TV is almost the

full citizenship, as long as their identity and difference are respected. Contemporary indig-

only outlet for Indians to become known by the Brazilian population at national level and,

enous production has to be supported. As a small minority, access to communication chan-

at the same time, it is on TV that the clichés, stereotypes and erroneous ideas concerning

nels is extremely valuable. The indigenous issue needs to be discussed in the country’s

Indians are reproduced. When soap opera writers create indigenous characters, we enter the

schools and in the media, but represented by themselves, through their own gaze, which

realms of caricature. Hence the importance of a space on Brazilian public television in which

makes all the difference.

the Indians can reveal their lifeworld as seen from their own viewpoints. Twenty years ago, the films we produced were rejected by public television: they lacked the required format, they were the wrong length for the schedules, they failed to use television’s language. Three years ago, though, the fresh winds brought by the valorization of cultural diversity led to the emergence of the Auw’ê program’s documentaries on the indigenous reality. Presented by the famous TV Globo actor Marcos Palmeira, the program on the TV Cultura channel showed and repeated 40 films from our back catalogue. Shown at peak hour every Sunday, at 6pm, our students across Brazil gave us feedback on the impact of these broadcasts. Being discovered by neighbours with whom they have lived for decades without the latter really having the chance to know them properly. Many TV viewers wrote to the program’s website, praising the films and commenting on the initiative. So imagine the emotion of the villagers who had their films shown on a national TV channel! Sadly, following a change in director, TV Cultura axed the Auw’ê program and again the Indians found themselves excluded from Brazilian television, since this had been their only outlet.

The Indian in the schools In 2008 the Brazilian government took the bold decision to make teaching about cultural aspects of the country’s Afrodescendants and indigenous peoples compulsory in public primary and secondary schools. This decision, which will take a few years to be implemented on the ground, implies enormous investment in training the country’s teachers in an area that they never studied, and in producing attractive, high-quality teaching materials on these topics. Realizing that the films made by indigenous peoples will enable a more direct form of access to their contemporary lives, Vídeo nas Aldeias has focused much of its energy on produc-

311


Xavante

the camera anymore and passed it to me. I said to my wife there and then: I was born to film, this is why I was born. Not to use a hoe and plant crops. With the camera you’re going to remember what has already happened.

The Xavante are a Ge-speaking people with a total population of around 15,000. They live on

DIVINO

various Indigenous Lands demarcated in fragmented form and forming just part of their tra-

started getting the hang of it, by myself. When I was able to hold the camera more firmly, I

ditionally occupied territory in the region comprised by the Serra do Roncador and the basins

started showing what I had filmed to the community. In 1990 I was already more or less the

of the Mortes, Kuluene, Couto de Magalhães, Batovi and Garças rivers in the east of Mato

official filmmaker of my village, Sangradouro. I still didn’t have any project, because CTI

Grosso. This transitional region between the cerrado and the Amazonian forest has seen huge

would give us the camera to use and tell us to film whatever we wanted. I would think to

socioenvironmental impacts since the 1960s due to the advance of extensive farming, a proc-

myself: how does television do this? I would think and go out filming. I began to film festi-

ess that intensified from the 1980s onwards with the growth in cereal production for exporta-

vals, meetings, encounters. Most of this material is stored in the Vídeo nas Aldeias archive,

tion, especially soya. The work of Vídeo nas Aldeias among the Xavante is based in the village

a lot of stuff, memories we’ll have in the future.

At first I would film a chicken running, a bird flying past. I filmed anything. Later I

of Sangradouro with Divino Tserewahú, where there is a Salesian mission, and in the village of Pimentel Barbosa with two filmmakers, Caimi Waiassé and Jorge Protodi.

VINCENT

Around this same period, the anthropologist Laura Graham introduced us to Caimi

Waiassé, who had been working independently in the Xavante village of Pimentel Barbosa in The Vídeo nas Aldeias project arrived in the village of Sangradouro (MT) at

Mato Grosso. Caimi started to work with us and joined the team of Indian Program, along

the initiative and request of the Xavante in 1988, during a period when the Wai’á ritual was being held. This is the most important rite in Xavante male initiation, preparing young men for interaction with the supernatural forces who transmit their power to them. Lucas, a young Xavante leader who headed his age group and who would play an important role in the ceremony that year, had been looking for a filmmaker who could record the festival, only held every 15-20 years. Lucas’s worry was that most of the elders who would direct the ceremony would probably not be alive by the next time it was held (as in fact happened, the majority have already died), jeopardizing recollection of the numerous details involved in performing the ritual. Told about the project by Sílbene de Almeida, who at that time was working for Funai in Cuiabá, Lucas knocked on our door in São Paulo, accompanied by another three Xavante, and asked us to film the ritual, set to start in a few days. As I was already committed to a project with the Gavião do Pará to film the Pemp ritual, Virgínia Valadão assumed direction of the work with the photographer Paulo César Soares. At the time Virgínia told me that the filming, which lasted more than twenty days, had been punctuated by a series of discussions and political debates, resolved one-by-one as they surfaced. Behind issues directly related to the ritual, such as whether or not to record its secret aspects, there was also an on-going rivalry between leaders from different villages. At Lucas’s suggestion, two young Xavante men – Bartolomeu and Cornélio – were selected to help edit the video that resulted from the filming: Wai’á, The Men’s Secret. A more descriptive film, almost raw footage, without any explanations or interviews, and produced mainly for a Xavante audience. Bartolomeu and Cornélio were later put in charge of the projection equipment we donated to the village, while Jeremias, son of Sangradouro’s leader at the time, Alexandre, was appointed filmmaker, undertaking an internship at the Indigenist Work Centre (CTI). When Jeremias became head of the Funai Post two years later, he handed the camera over to his brother, Divino Tserewahú. And that was the start of Divino’s career as a filmmaker.

with Divino and other indigenous reporters from the Bororo, Baikari, and so on. This series,

VINCENT CARELLI

One day Jeremias took the camera and said to me: “I’m going to teach you.” Later he said to me: “Now you’re going to watch what you recorded.” That evening he took the tape from the camera and stuck it in the video. “You’re going to see what you recorded today. You’re going to be startled, but don’t be.” I was impressed. How does the camera record? How does it remove our body, our image? At first I was timid with the camera and afraid of the community, I was still very young. I only ever recorded at a distance, behind people’s backs. But I decided that I wanted to be a ‘filmmaker,’ that was always my idea. Then my brother had no time to work with

DIVINO

made in partnership with the TV channel of the Federal University of Mato Grosso, produced four programs that were broadcast nationally via the TVE network based in Rio. In 1996 what was set to be the fifth program failed to materialize and we terminated the series. But this experience seeded the idea of a video training workshop for Indians, emerging from the news slot produced as part of the Indian Program. These involved very short and necessarily somewhat superficial reports, making something out of virtually nothing. The idea now was to produce a series of documentaries that explored topics in more depth, especially by enabling those involved to produce the work in their own language and about their own culture. CAIMI I began my work in 1990 when Laura Graham arrived in my village with a video camera.

The chief liked the new tool and asked her to donate it. I spent two years learning alone, projecting the footage that had been filmed, the daily life of the village. We watched until the small motor in the camera finally broke down. At the outset I filmed haphazardly, shaking a lot, the camera got knocked numerous times and covered in dust. But still we liked it. Slowly we discovered the importance of the image. We recorded stuff for ourselves. At the start I filmed the village and what people asked me to record. Afterwards we watched the footage together and evaluated the work so it would stay in our memory. In 1992 Laura contacted CTI and the Vídeo nas Aldeias project, and Vincent invited me to join a introductory course in São Paulo. It was my first training course, learning how to use the camera, focus, look after the equipment and that kind of thing. He also told us a bit about film structure and the work involved in completing a documentary. During this period I watched various documentaries made with other indigenous peoples, since at that time CTI worked a lot with the Gavião and Waiãpi. I watched these films over and over to understand how a documentary was produced. I eventually joined the Indian Program team, which was an interesting experience because the project included filmmakers from various indigenous groups like the Bororo, Baikari and Xavante. Together we began to study what we would present, what message we wished to transmit on TV. It would be the first time we presented something of our own. In 1996 I began to work on my own clip, One Must Be Curious, which recounts my experience with video. I arrived in São Paulo with a box containing all the things I had already filmed between 1990 and 1992, more or less 30 tapes in all. The VNA team sat down with me and said: “Let’s look at what you’ve filmed, and then you can choose a topic.” There

312


were recordings of everyday activities, conflicts, people visiting the village, everything. So

the bring them both here to help make the film about Wapté.” The elders didn’t reply there and

I said: “Put in a bit of everything.” And we edited the short. During this trip in 1997, the VNA

then, they announced that they would think about: “There’s still time, we’ll look at this calmly,

project was invited to send two filmmakers to Bolivia. Since we live in Mato Grosso, close to

we’re not going to promise you anything.” Later I went to talk with the elders again. When they

the international border, myself and someone from the Baikari were chosen. We took part in

were ready to make their decision, they summoned me and asked: “Who will the film be for?” I

a video workshop and the film festival. It was the fifth Latin American festival of indigenous

replied: “It’s for us, we’re going to make the first film about Xavante initiation. And this will be

peoples, held in Bolivia. Things happened out of the blue and we took the opportunities as

useful for all of us, all of you in the village. Culture is alive in Sangradouro but nobody has re-

they appeared. In this workshop in Bolivia we learnt how to make soap operas, fiction, a bit

corded it yet, I’m just beginning the work, I went to do that course, I’m improving a bit.” After

of script writing, but we found it difficult because of the language. There too we began to

they made their decision, I waited a little longer and then called Vincent, who said to me: “OK,

get a better understanding of the indigenous movement in Latin America. That was when we

let’s do it, let’s make this film.” The day arrived. Caimi arrived, Jorge arrived, Winty arrived.

realized we weren’t alone. We were there sharing experiences, it was a political movement.

Again we went to the centre where the elders meet: “Everyone is happy, we’re going to make the

Next came the first workshop of indigenous filmmakers in the Xingu Park. A mega encounter

first film, we’ll support you, you can work.” And this first experience, including inviting col-

of various indigenous groups. The Kaiabi, Juruna and Suyá communities welcomed us with

leagues from outside, left my people with a wonderfull memory. They always remember this

open arms. All of them were willing to tell their stories, there were no misunderstandings. It

story. But we also had a lot of internal disputes between the community’s political factions

was a really striking experience because it was the first time we had held a workshop in a

during the filming process.

place with which we were familiar, the village, working in a community, sharing ideas. ELDER The fight is going to be very tough and you’re going to feel a lot of pain. Your parents will VINCENT

It was after this big encounter in the Xingu that the Vídeo nas Aldeias project began

to invest in training indigenous filmmakers in a more organized and structured way. We be-

tell you that a good fighter must fight a lot before giving up. That way he demonstrates his bravery to the community.

gan to collaborate more systematically in the community film projects. The transition from a more descriptive type of production, aimed at an internal audience, to appropriating a

VINCENT

cinematographic language and the production of films that could also appeal to a non-indig-

clans. These disputes have frequently surfaced over the course of VNA’s partnership with the

Xavante political life is marked by diverse internal disputes between factions and

enous audience. In 1997 during the video workshop in the Xingu, a really good team of

Xavante. During the filming of Wapté, the participation of colleagues from outside was in

students was trained. It was at this encounter that Divino devised his idea for filming the

many ways fundamental. Firstly this ritual is only held every five years and is extremely

Xavante initiation ritual, Wapté, due to take place the following year in Sangradouro. Meth-

complex. At some moments the action takes places simultaneously in multiple locations.

odologically speaking, the idea of integrating a workshop with recording a ceremony from

More than one camera is needed to cover the event more completely and systematically.

their own culture proved highly productive and useful for the students. We no longer had to

Furthermore during the ceremony Divino – who belongs to the Tirowa ceremonial group –

invent a camera exercise like: “Film me a sequence shot of someone entering a house.” It was

must perform a series of functions which the village elders would be extremely reluctant to

a really challenging and stimulating situation because the community had high expecta-

absolve him from doing, despite his need to film. And even more to the point, as a member

tions concerning the results and a wide variety of situations had to be filmed. It was the

of the Tirowa he is also barred from witnessing a series of other events exclusive to other

ideal situation, in fact, since it allowed us to work simultaneously on improving techniques

ceremonial clans. On arriving in the village, though, I realized that as well as these issues,

and the question of context, the way in which image and content are related, one objectify-

Divino had to deal with a series of problems connected to the village’s internal politics,

ing the other. In 1998 we were all in Sangradouro.

which had led him to ask for help from his outside colleagues. In all Xavante ceremonies, the events are recorded by a number of filmmakers and photographers, both amateur and profes-

When a boy is born, the grandfather is happy. He prepares roots to bathe the boy and

sional, coming from outside or linked to the local mission. Each one arrives via a different

make him a strong fighter. If this happens, he tells the boy’s parents, aunts and uncles that he

channel, invited by someone from a particular political faction. However on their arrival in

will test the boy in the O’ió, the root fight. If he really is good, the grandfather will continue to

the village, the council of elders, which coordinates the ceremony, discusses case-by-case

bathe him without the others knowing.

how to share out the goods or benefits that each team of guests has brought or that they will

ELDER

be charged. This is a topic that requires public discussion to ensure the compensation is not DIVINO The idea of filming the Wapté ceremony emerged in the Xingu workshop. I already had a

given merely to the person who made the invitation. I went to Sangradouro for this ‘intereth-

fair amount of experience with video and the encounter was a chance to improve my work fur-

nic co-production’ with the same posture: to avoid becoming a plaything for internal dis-

ther. In one week I made considerable progress, and that was when I thought about asking some

putes and to refuse unreasonable demands for the filming to take place. Firstly because it

of my colleagues to help me film the ritual the following year. I invited Winty and Nikramberi,

was no longer a question of filming for the faction responsible for the invitation, or ‘earning

both Suyá, along with Caimi and Jorge, Xavante from Pimentel Barbosa. They immediately ac-

money’ with these images as opponents claimed, but of running a film workshop whose

cepted the invitation. It was the first collective work by the indigenous filmmakers and a way

proposal was precisely to make them autonomous in this area. I was ready to explain the

for us to practice what we had learnt. I invited them without speaking to my people first. After

project’s difference in terms of the kind of compensation the community would receive for

we’d completed the course, Winty and Nikramberi went with me to visit my village. I presented

the filming: I wouldn’t take anything away since the outcome of the work would be entirely

them both in the middle of the meeting of elders: “These two are my colleagues, we completed

theirs (to everyone’s surprise, I wasn’t filming), as well as contributing to the training of

the video course together. Since there’s going to be an initiation festival next year, I would like

their youths and producing a film that was entirely approved by them. Our stance of being

313


firm and transparent during the process greatly enhanced the credibility of the work and

one in agreement then?” And everyone agreed. “It’s approved, you can make it. Wapté is well

slowly the quarrels were resolved with the rival factions reaching agreement on questions of

put together, the images and translations are spot on. Leave it like that now, don’t mess with

principles and benefits. Having solved the political impasses, the work progressed tran-

it anymore. Now you can finish it.” After the elder spoke, everyone applauded.

quilly, acquiring a dynamic that gradually won more trust and participation from the community. The procedure involved directing the students while they recorded the ceremony and

VINCENT

spending 2 or 3 hours each evening going over the rushes with them. These sessions involved

body painting and adornments, and were irked by the bicycles, satellite dishes or trucks that

The elders imagined this record in an idealized form. They demanded rigour in the

an exhaustive analysis of framing techniques, camera movement, the set of shots needed to

sometimes appeared in the background. An emotional testimony from one elder, filmed in

cover a situation well, how to track a few key figures in the crowd scenes, and so on. One of

the heat of the moment, was almost vetoed because he was wearing a T-shirt. We argued that

the typical features of Xavante ceremonies is that some scenes are repeated over a period of

refilming it cold would lack the same impact and the T-shirt was a mere detail. We managed

weeks, which proved excellent for practicing exercises, enabling some sequences to be re-

to keep the scene in the final edit. The elders wanted a general description of the ceremony

filmed, correcting mistakes spotted during the daily reviews. These images elicited a series

without focusing on any particular individual. In our view, though, picking out one or two

of questions concerning the meaning of a particular ritual moment, the choreography, the

figures would help humanize the account and create empathy among the film’s audience.

symbolism of the adornments. The video team then left to research these meanings on their

Each cut we rehearsed in the editing suite had to be negotiated. Divino was burdened by the

own by interviewing the village elders. Seen from outside, this question of inserting video

reprimands of the elders, who admonished him for leaving out what they deemed the most

in the play of internal political disputes may seem peripheral to the actual work, but it most

important details. But the community’s participation was intense. For me, Wapté was ini-

definitely is not. The question is not producing a video per se, but seeing how an entire com-

tially a test of patience, which later transformed into a real pleasure, trying to understand

munity can take part and benefit from the process as a whole.

and manage the dynamic of the process, aside from the sheer enthusiasm generated by each camera shoot. I think that the workshop’s biggest achievement was removing video from the

ELDER

I understand the importance of the image. That’s why you should learn to film, so the

Xavante can film their festivals.

terrain of political disputes, where it was monopolized and manipulated by a few, and placing it in the more consensual sphere of the ceremony. The warm conviviality between the team and their closest companions, the council of elders and innumerable village figures led

After we filmed the initiation, everyone was pleased with the outcome. People said:

to a very close and participative relationship in the video editing stage. So the first docu-

“This film is going to spread across the entire world, this is what we have to show to the other

mentary was a learning curve, not only for the filmmakers but for the entire community. In

indigenous peoples, what Xavante culture is like.” But it took us months to edit the video. We

the second film, they already understood where we would end up.

DIVINO

went to São Paulo, myself, Caimi, Jorge and Bartolomeu, who also took part in workshop, and Tutu Nunes, who was the editor. We spent around 3 months translating and producing a first

ALEXANDRE

edit. Vincent told me: “Take this version to show the elders and ask what they think and

suffering the Xavante man has to endure to know the supernatural forces. The boys of the wood

The boys of the gourd jump a lot so they can suffer. This is called Wai’á rini, the

whether they approve.” I took the first version to the village. Everyone was curious, eager to

also stand up the whole time, singing and holding the wood in their arms.

see it. The village stopped, fell quiet, they pressurized us: “We have to watch it immediately, we’re dying to see it!” It’s always the same after a big event. When they saw the first version

DIVINO TSEREWAHÚ I’m Divino Tserewahú. During my initiation I was a boy of the gourd. During

there was no large screen, no data-show, there was nothing. Just a 29 inch TV. I placed it high

this new Wai’a ceremony, I’m a guard. I’m striking the ground for the boys. As well as a guard,

off the ground so everyone could watch. Every time the elders said something about a scene,

I’m also a filmmaker. I film and I also take part in the festival.

I would stop, ask a question and jot down everything that they said. “Stop, stop,” they would My second project was a film on the Wai’á rini ritual, which is the male spiritual initia-

say. “Go back a bit. That bit has got to change!” I noted everything. This first meeting led to

DIVINO

instructions to change 18 sequences from the film. I returned to the editing station and

tion ritual during which we encounter a kind of nature spirit, it’s powerful shamanry, an im-

showed it to Tutu: “Look, let’s watch. The elders talked about this image here, it needs to go.

portant ceremony. The festival took place in 2000. But this time I decided to film alone. I was

We have to redo the translation for this image.” I went back to the village with the second

more confident because the production of Wapté changed my relationship with the commu-

version and we did everything again. But this time they said: “Look, you have to switch the

nity considerably. Everyone was pleased with the outcome of the first film, everybody came

beginning, you have to include what happens with the boys, like it was before.” Again I made

out winning. Wai’á rini was a much more harmonious process, there were no problems, no in-

notes. It was a process, a real experience! We altered the beginning in the way they had ex-

ternal politics. I had complete support, they knew that it would happen in the same way as

plained, we put in the fight, and we changed the ending. And again I took the film for the

Wapté. At the same time, Wai’á rini was a film that required a lot technical work. I used a super

elders to see. This time as I was showing it, I called Tutu and we let him hear the conversation

VHS. I filmed for a week and it broke down. Luckily Tokoda, a Japanese friend, a journalist for

over the phone. And we made the changes. It took us three or four months to edit the Wapté

a TV network in Japan, came to the ritual at my invitation and we used his camera. I said to

material. On the third trip, I stayed there, worked hard and finally said: “Look I’m tired of

him: “Look, if something is happening, go and film everything, don’t switch off the camera,

travelling now, I’ve got a family to look after too.” But the elders held me to my word: “You

because you don’t understand Xavante. When an elder or someone else talks, don’t cut, some-

have to put up with it, weren’t you the one who brought your colleagues? Now you have to be

times it might be something important, film it all.” And he did just that. After my camera

strong, you have to finish the work!” So I found a loudspeaker and played the film for them.

stopped working, I used his. But there was no way for me to film everything, because I had to

When it was over, nobody said anything. After a while the leader stood up and said: “Is every-

participate in the ritual too. It was the elders who said to me: “You can’t just film, you have

314


to take part in the ritual, suffer a bit. You can film at the same time.” I had to stay more at-

Sangradouro. The problem is that the last time that we managed to perform the festival in its

tentive while shooting this film to make sure I didn’t miss anything important. From time to

entirety was in 1995. Ever since I decided to make a film about the festival, it has always been

time I went to the elders and asked: “What’s going to happen tomorrow?” They explained to

interrupted during the preliminary phases. Each time we begin the festival something important

me. “I don’t have to take part, then, I can film?” “Yes, you have to make sure you film this and

interrupts it almost immediately. In 2002, a trunk fell at the start of the festival and a young

that.” That was how it went until the end of the ceremony, which lasted a month.

man was killed. In 2003 the person responsible for the festival that year, Ramiro, died from an illness. In 2007 I was badly hurt in a car accident. And in 2008 the village leader Patrício and

Dreams are very important to Xavante life. Through suffering and fainting during

another four people died in another car accident. But now I realize that a lot of people don’t

the celebration, we can see what will happen in the future. When someone recounts what he

want the festival to take place anymore. The idea of performing the festival again so we can film

dreamt, it really happens. He can also encounter the dead through dreams. That’s why it’s im-

it has never advanced beyond the initial meetings. The deadline for presenting the film was

portant to suffer and faint a lot during the Wai’a Rini celebration. Those who suffer more will

reached and finally we accepted that it was a film about a festival that no longer happens.

ALEXANDRE

dream more and have more power. VINCENT

Between the making of Wapté and Wai’á rini and his most recent film, Pi’õ nhitsi,

Editing began in São Paulo with Waldir Afonso, who also edited The Girl’s Celebration

Unnamed Xavante Women (2009), Divino gained widespread recognition in Sangradouro and

(1987), Vídeo nas Aldeias’s first film. At first I didn’t get on very well with him. I thought he was

neighbouring communities, becoming the filmmaker for the villages and a teacher in audio-

strange, angry, because he was so quiet. When Waldir started to ask me: “What’s this about?”

visual workshops in universities and cinema festivals. He travels to film festivals the world

– he talked like that, fairly harshly – I asked myself: “Is he annoyed with my work?” Until one

over and he has produced films for other groups and communities. But the history behind his

day we went to the birthday party of one of his friends and I started to relax, joke and be more

latest film has traversed his entire trajectory as a filmmaker. Divino’s dream was to complete

open with him. The next day it was a totally different Waldir in the studio. He started to like the

a trilogy: the ear piercing initiation, the spiritual initiation and the women’s naming cere-

film. And I got on really well with him. At the outset he asked me a lot of questions and I ex-

mony. These are the great Xavante rituals and he pointed out that Sangradouro was the only

plained everything to him. We watched all the footage together and only then did we begin the

place where the latter festival was still held. We entered the project in a competition and

first edit. During this period Vídeo nas Aldeias was busy transferring its head office to Olinda.

won the funding. In fact we entered various competitions and various events prevented the

Vincent asked me to take a copy of the first version to the village and said we would continue

festival from being performed, year after year. We had to transfer the funds to other Vídeo

the work in the new year. In January 2001, Vincent called to ask me to come to Olinda and asked

nas Aldeias projects. Then one day he arrived and said: “This time it’s going to happen...” We

me to film what was missing still, the dialogues with the elders. I noted everything, Waldir

applied to the PDPI (Indigenous Peoples Pilot Program), won and began to spend the money.

noted everything, I made full use of the elders explaining what everything meant. I then left

It was already the third competition we had entered to make the film. I knew this time there

for Olinda and we completed the video. When we had finished, I took it to the village again and

was no way out. So in 2008 we grabbed the bull by the horns. Around the same time a script

they approved it right away. After my experience with this film, I began to think of various new

writing workshop was taking place with indigenous filmmakers, run by Leandro Saraiva, and

projects. Wai’á rini led, for example, to Daritzé, Trainee Curer, a film about the same ritual,

when Divino spoke about the 6-year saga of attempts to hold the festival, which he was

though this time shot in Aldeia Nova, in the São Marcos indigenous reserve. I went to film a

supposed to film but never did, it became clear to us that it would be far more interesting to

meeting of council elders and took some videos to show them, including Wai’á rini. After the

investigate why the festival wasn’t being held. At the time Divino reacted badly and showed

screening the village leader came up to me and said: “Nephew, I want you to record our festival.”

no interest in our proposal. He remained steadfast and said that the festival would defi-

They wanted a film just like the one I had done in Sangradouro. Everyone agreed and I made the

nitely take place in 2008. But once again, nothing materialized. We needed to complete the

video. I edited it myself with Leo Sette in Olinda. We completed the work in 2003. After that, I

Xavante DVD for the Indigenous Filmmakers Collection, the deadline for using the funding

concentrated on making a film about the Xavante female naming ceremony, the Jaguar Festival.

was approaching fast. So I said to Divino: “Look, our deadline is expiring, the film has to

It had already been filmed the last time it was held, in 1995, but without the intention of mak-

happen now or the situation is going to get complicated.” I passed the job to Tiago Tôrres

ing a film, just a recording. But this was a project that didn’t unfold as I had expected.

and Amandine Goisbault. They needed to help Divino to discover how to make the film.

ELDER The elders told the following story about the ceremony: a long time ago the women went

TIAGO

to collect black bee honey. On the way they became thirsty and went to drink water. They left

with the mission of working on a film that had yet to be fully embraced by Divino. He didn’t

their baskets close to the lake, approached the shore and saw red gourds floating in the water.

seem to accept our proposal at all. He turned a deaf ear. At first we had numerous disagree-

They dived in to collect them. The U’u, who lived in the water, caught the women. Only one

ments over our understanding of the process, spanning from the presentation and negotia-

pregnant woman escaped because she had stayed by the lakeside. The women spent days in the

tion of the film with the elders on the first day, to the restrictions on what could and could

water, emerged with black faces and died. A man appeared who had spiritual power. He went

not be said or shown, collective control of the image, and difficulties translating the mate-

to the lake and started to stamp his foot. The water of the lake dried up and the U’u emerged.

rial we were producing, which needed to be checked and redone various times. The transla-

They went to another lake. Everyone saw it and so we do the same even today.

tors either had problems with the language or translated in a way that was easiest for them,

DIVINO

The process of making this film was very difficult. Amandine and I went to the village

according to the internal politics of the village. Even Divino himself refused to explain what The women’s festival traditionally occurred every seven years and lasted almost four

was happening for ages. For the elders, the precondition for making the film was cash on the

months. For a long time the festival has been extinct in the 165 Xavante villages, except ours,

table. But according to Divino, they had agreed to perform the ritual. We called Vincent who

DIVINO

315


somewhat sceptically agreed. We began the preparations with the small amount of money we

that one? No. And did that other one? No. So there you go. In 2003 there were other girls set

had taken. But when the elders realized that the cash available would be insufficient, since

to take part in the festival. Did they receive a name? No. And in 2007, did any of them? No.

most of the funds had already been spent during the development of the project, they de-

These women who wanted to take part and receive a name today already have children,

cided to suspend activities once again. This was when Divino finally realized that the project

they’re already married and mothers, yet they haven’t received a name. The title of this film

had fallen through. I joked: “Divino, we’re a project that fell through!” But it was a moment

is a homage to them.” Everyone burst out laughing and after almost 6 hours of discussion,

of real suffering for him.

they agreed. One elder stood up and said: “Okay, let’s leave it like that. But let’s hold this festival so they can receive a name, and the film can be called Named Xavante Women.”

DIVINO We – Tiago, Vincent and myself – argued a lot. Even a sickness got me. One day things

happened in one way and the next day the elders had already changed their minds. I cried a

DIVINO, IN SANGRADOURO

lot. When Tiago arrived in the village, I think some kind of sorcery struck the community,

took refuge in the Salesian mission of Sangradouro, Mato Grosso. Today the area is surrounded

because we fought a lot, there was no agreement over how to proceed with the film. Tiago

by soya. Their land and its resources exhausted, in this film the Xavante reveal their contempo-

and Amandine would tell me to film something, and I would say it had been shot already.

rary concerns amid all the changes now happening.

In 1957, after centuries of resistance and flight, a Xavante group

Vincent asked me to film interviews. I was really upset so sometimes I needed to vanish, I spent some days away from the work, but later I returned. Slowly this all began to fade.

VINCENT

During the filming of Unnamed Xavante Women, we also worked on the production of

Sangradouro, a film showing the history of contact between the Xavante and the Salesian misBut the central point, which is implicit in this process and directly reflected in the

sions in the 1950s. Our challenge was to explore the transformations and contradictions gener-

film, is the change in Xavante morality caused by the catechism introduced by the Salesians

ated in the community after contact. One thing is the ritual secret, another thing is the secret

and the censure stemming from their proximity to farmers and non-indigenous communities.

of the quotidian world, contemporary reality. There’s always a conflict between what people

Basically the community didn’t want to hold the festival because it would involve what they

experience and what they want to show in film. Although this occurs in other communities too,

called the ‘thing.’ Despite strong resistance, Divino decided to talk to the older women. And

among the Xavante it is blatant. The camera is seen as an instrument for recording ‘culture,’

they finally revealed what was at the heart of the issue, why the festival was no longer held.

capable of bringing back the idealized world of tradition. From the outset the Xavante were

In contrast to the men, the elder women talked openly about the problem. The festival in-

primarily interested in documenting their initiation festivals, the rituals that structure their

volves the exchange of women. The ‘thing’ was sex with their brothers-in-law. And they ex-

society. With Unnamed Xavante Women and Sangradouro we broke away from this structure.

VINCENT

plain that younger women were afraid, but that there was nothing extraordinary about it, they didn’t need to have relations with all their brothers-in-law, just the ones they most

TIAGO

liked. The women’s testimonies demystified the ‘thing.’ The cards were on the table and Di-

the Xavante have what they call ‘everyone’s lie’ and what I jokingly called a ‘masonic secret,’

According to Bartolomeu, who accompanied the filming process from start to finish,

vino, finally, headed off to research the topic and dive into the issue at the core of the film.

which is that nothing that runs counter to what they consider traditional can be shown. Divino shares this schizophrenia of moving between worlds, he knows all the codes. He as-

ALEXANDRE Pi’õ nhitsi together with U’u means that the women receive a name.

sumes one stance in front of us, another in front of the priests, another in front of the community, he moves between these different relations, adapting to what is expected from him.

The editing of Unnamed Xavante Women was one of the longest I have known at Vídeo

He has to weigh very carefully what he thinks very and how he expresses these ideas in his

nas Aldeias. The chronology of the events was confusing, we worked a lot with archives and

films. But in Sangradouro, contrary to what we imagined, it was possible to shift between

behind-the-scenes material, both of which were also incorporated in the film. A very com-

various questions, religion, the school, the conflicts between generations.

TIAGO

plex process. But the narrative focus was Divino’s quest for his film. When we went edit it, there was still something missing to make the film clearer. That was when Vincent suggested

DIVINO Fleeing from the coast to Central Brazil, my people, the Ay’we, those you call Xavante,

the sequence with Divino and myself at the editing station, talking about the festival, ex-

resisted contact with the whites for centuries. But in 1943 Getúlio Vargas launched the West-

plaining the process. And that was the moment too that Divino provided his own astonishing

ward March to occupy Central Brazil definitively. The punitive expeditions, farmers, contact

testimony, that he himself was a child of the ritual. That for me was the most moving part of

teams sent by the Indian Protection Service and the Salesian missionaries, all of them forced

the whole story. Divino’s revelation that his father was not his biological father was painful,

us to enter into contact.

but it was also a very moving event, including for him. FRANCISCO

We came from afar. In 1953, my uncle Toroibu spoke of living elsewhere. The Xa-

DIVINO The editing process was more tranquil. We pieced together the idea slowly, we wrote

vante of Pimentel didn’t accept us because they had already made contact. So we went to Pa-

a script. Two and a half months of work. The title was suggested by Vincent. Tiaguinho and

rabubure village. Others arrived there to live, but they brought diseases. We started to feel very

I talked about the chosen name. I had a very good defence against the criticisms I was bound

itchy and began to stink, feeling sick. So we began to disperse. Many Xavante died en route.

to receive in the village. I distributed the DVD without saying anything. Sure enough, after

While we camped at Ete’rãirebere village, Father Salvador Papa flew over, looking for the Xa-

watching the film, the elders became really angry. So I asked: “You want to know why we

vante who had scattered. My uncle Papai Pedro began to dream of a place and we followed

chose the name Unnamed Xavante Women? Have any of you thought about it? We began the

where his dream led. Arriving here Papai Pedro, sat down beneath the jatobá tree. When the

festival in 2002. You see those women sat over there, have they received a name? No. Has

priest came, my father recognized him: “It’s him, he was the one in my dream!”

316


It was all very tense during the filming of Sangradouro. We were doing everything at

impressed with how he talked openly with both the young people and the old, the priests.

the same time, the filming for Unnamed Xavante Women and the contact history. When I

It was precisely this aspect that people liked. After these two films, there was a change in

watch the scene of the interview with the priest Luís, I see Divino with a tense expression,

Divino’s approach, a readiness to pursue a new way of filming and a desire to become a

shaking inside, myself holding the camera, not knowing what was happening, feeling the

filmmaker in a broader sense, leaving behind the image of the warrior Xavante armed with

same thing. We rehearse this interview a lot. Amandine, Divino and I would go to a quiet spot

a camera.

TIAGO

and rehearsed the questions, because Divino was very apprehensive. Father Luís also adopted a defiant posture, attempting to justify the catechism and at the same time claiming a

DIVINO

space for the viewpoint of the Salesians.

images, we remember. Today our memory is very short-term. In Sangradouro we still live our

Video allows things to stay in the long-term memory of the Xavante. Through the

traditions, but now I want to make a film about our fight against the farmers, the conflicts. We worked a lot with the historical images produced by the priests. We held a meeting

The elders are always asking me to make more films because the young are no longer inter-

with Tiago and Amandine and decide to play the film with the material that already existed.

ested in our culture. They believe that the younger generation will be able to use video to

We invited the priest, sat down with him and talked. He speaks our language, he lent all the

recall what they said, even when they’re no longer alive. Video has arrived to help, one day

material he had kept and we made a copy. For me this work was a big step forward. A process

all of this will be different.

DIVINO

of maturing my work, because it involved producing a script and conducting research, not just turning up and filming.

CAIMI

The elders always say that the use of technology has arrived to complement how we

tell our history, because the Xavante are orators, each day our history is retold in the Wara, The Salesians opted to live with the Xavante. But the Salesian missionaries knew

in the meeting that takes place before dawn, at four in the morning, and after six in the

neither the Xavante language nor their culture. So there were a lot of misunderstandings and

evening. The elders have already realized the importance of the new technology that has

violent acts on both sides. The Xavante are a very strategic-minded people. When they came to

arrived in the villages, they know that the young are attracted to this strange new tool. They

the missions, they were dying out as a group. And they didn’t want to die, they wanted to live.

want to leave their message not only to preserve tradition but also so that they can study the

They had to be submissive to survive. Our concern was to catechize and convert the Xavante.

changes in both the physical and cultural lives of the village. They know that culture is dy-

And at the same time, teach them the alphabet. It was important for the Xavante to learn to

namic and always emphasize that the new generation will have to deal not only with the new

read, write and work. Because at the start they were hungry.

things that arrive but also with what now constrains us, because now we’re surrounded by

FATHER LUÍS

farms on all sides. In Mato Grosso there are 9 Xavante lands and almost 15,000 Xavante disAfter the mission school, they gave us manual work to do. We worked our entire lives,

persed across these 9 lands, each community with a different contact history. Some had

before and after marrying. Papai Pedro thought the place was an advance for everyone: the

contact with the Salesians, others with the Protestants, another group with the government.

mission, studies, healthcare. It had all resulted from his dream. If we hadn’t arrived at the mis-

So each group has its own way of going about its work, and in our case film really caught our

sion, we would have died or would have killed ourselves. Here we learnt to speak Portuguese, but

attention. Back in the time of Mário Juruna and his tape deck, he made it very clear that the

we didn’t lose our tradition. No ritual was lost. All of this will live forever. My house is made of

machines could serve as our allies, ensuring that the accounts remain true. Acceptance was

bricks, but I speak my language. (...) Today we’re surrounded by soya and the farmers think that

difficult at first because when someone dies, all of their belongings go with them, no traces

they’ll destroy our tradition. But we’re still here dancing, our tradition will never end. When we

are left. There were many years of questions. But after we began to hold exchanges with

arrived, we were few and today we have many children. That makes us really emotional.

other indigenous groups and other Xavante, the community realized the importance of seeing

FRANCISCO

others and being seen. In Brazil people speak of Indians in a generic way. With video, they Divino worked hard on this history. The testimony of the elders, the story of the

see with more respect, they distinguish the Xavante, the people who use wooden sticks in

jatobá tree where contact had first taken place, and also the entry of the Amerindian chore-

their ears, as seen on the television. They recognize us. In the past the Xavante themselves

ographies, a fever among the younger generation, the change in dietary habits. They wanted

thought the people in the Xingu were just one, but there are actually 14 different indigenous

to be filmed and at the same time they didn’t. But it was a film full of surprises, clashes, which

groups. So the Indians too are becoming more aware, valuing other indigenous peoples. Be-

openly showed the contradictions. I was afraid that the edit proposed by Amandine and the

cause in the past we were immersed in our everyday lives and things happened around us.

choices we had made would be unacceptable to the community since the film fails to match the

During these last ten years, though, Divino has been pursuing his work in his own region, and

image that the Xavante expect of themselves. I thought it would be a problem precisely because

myself in mine, we have been trying to divulge who we are and also where we are. The urban

the film had achieved a balance between the positions of the older and younger generations, a

areas around us are places our grandparents visited, that’s why we need to safeguard the

very balanced duel, everyone included. My impression is that the elders felt their discourse was

memory of the region, the cerrado which today no longer exists. The elders retain this mem-

reaffirmed through the clash with the youths. For ourselves, that was a real surprise.

ory. And the destruction of the cerrado is really shocking for them. So in addition to ritual,

VINCENT

we’ve also been focusing on the question of the contemporary transformations. Reviewing We waited anxiously, we called every day to find out how the film had been received

the archive images, the historical images of contact and placing these contact images along-

in the village. When Divino told us that the elders had been thrilled by Sangradouro, we

side those we are producing today, we can see the transformations very clearly. My work in the

couldn’t believe it. According to Divino the film had an enormous repercussion in the com-

schools has frequently been about this, since I became an indigenous teacher in the 1990s.

munity, people asked him how he had the courage to show what he had shown, they were

We created a Cultural Centre, fitted with equipment, free software, we’re working to form

TIAGO

317


partnerships with schools since most of those taking our courses are school students. We’ve

ganized ourselves to film the forest management work or our festivals. The video was made by

been using video as a form of protest. And our intention is to produce more and more films,

myself and seven other students who had come to take part in the workshop. Three of them

not only for a non-indigenous audience but also for our kin. The collaboration with the

were from here in the village and five from outside, from the Kaxinawá, Karamari, Kulina,

nearby municipal schools is very important. These are our battle fronts. When we present a

Katukina and Machineri villages. Maru, André, Nelson, Fernando, Jaime Llullu, Tsrotsi, Wewito

film, the children often ask whether these Indians really exist. Their school books show us as

and myself. We had worked together the year before, in Rio Branco, when we first met Vídeo

we were in the past, in other words, in these books we no longer exist. Video has helped put

nas Aldeias. Before that we’d been working solely with texts, producing our teaching materials,

an end to this distortion. We exist, we’re here, our land exists and we shall never be white.

working in bilingual education. I still didn’t believe in video, not like the things we saw on TV. At this encounter in Rio Branco we alternated between teacher training and the video course. It all happened very quickly. By the following year I had already forgotten how to use the camera, how to focus, set the white balance, all those things. A lot of the footage was wasted.

Ashaninka

But what most caught my attention was when we began to watch the recordings we’d made. You know, looking at the images and discovering things and situations to do with your people that are there in your everyday life but usually pass unnoticed. The community too. The entire village came to see themselves on screen, hear the things they themselves had said. After-

The Ashaninka are the largest indigenous people in Amazonia with a total population of ap-

wards they discussed what they had seen, what they had done. That was when I realized the

proximately 100,000, only 1,000 of whom live in Brazil, the remainder living in Peru. The area

importance of this work. We completed production of the film in São Paulo. On our return, I

occupied by the Ashaninka extends across a vast territory from the Upper Juruá region and

showed the film to people in the village. And we talked about the scenes, the question of the

the right bank of the Envira river in Brazil to the slopes of the Peruvian Andes. The Ashaninka

festivals, music and songs. I realized then that video could be used to discuss our culture, or-

who live in Brazil today were forced to move under pressure from Peruvian rubber tappers at

ganize our school work, think about our system of life. And also to understand the use of this

the end of the 19th century. They are a warrior people with a long history of combat, repelling

technology and what comes from outside, what isn’t ours but we can use. Video shows people

invaders since the era of the Incan Empire, including workers in the rubber extraction econ-

speaking in their own language, expressing themselves in their own words. Everyone is there

omy of the 19th century and, more recently, guerrillas and loggers. All Vídeo nas Aldeias’s work

talking and understanding each other. It’s a very rich experience.

among the Ashaninka takes place in Apiwtxa village on the Amônia river, an affluent of the Juruá river in Acre state, under the leadership of Isaac and Wevito Piãko.

VINCENT

So we agreed to a second workshop, again run at Apiwtxa. We kept the same group.

It was at this moment that Wewito emerged as a filmmaker. He had already taken part in the It was the rainy season. The year was 1999 and we were running our second video

first encounter in Rio Branco, but in the animation workshop where he’d shown an incredible

workshop with indigenous teachers in Acre. It still followed the regional workshop model

sense of composition, a great draughtsman. During the filming of The Rainy Season he

with students from different groups working together. The previous workshop, held in 1998

claimed his space. Silently. He watched everything from a distance. Until one day we took

in Rio Branco, had involved five indigenous teachers trained by the Acre Pro-Indian Commis-

the hint and said: Hey, let’s ask this guy to take part in the film. But it was in Shomõtsi that

sion (CPI-AC) where we had worked on a project for preventing Sexually Transmitted Dis-

Wewito really showed his talent. A marvellous film. In the workshop we adopted the same

eases. This work resulted in the first collective video: Pega, Não Pega (Catch, Don’t Catch).

pace we had taken in The Rainy Season. We noticed that what was working was the idea of

It was a pioneer experience, a trial run. We were just beginning the work of training indige-

accompanying a particular character. Each student seeking out a face, a space. All of them

nous filmmakers. Feeling our way. The following year, Mari and I decided to hold this second

looking for their own way of filming and organizing the raw footage. Learning how to pace

workshop, again multi-ethnic, but this time in the Ashaninka village of Apiwtxa. It was

the work, involve your main character in the filming, the discussions at the end of the day,

winter. Raining. The community was busy harvesting murmuru coconuts and pursuing other

what to do the next day. Our aim in the workshops was precisely that: to encourage a par-

seasonal everyday activities.

ticular stance in relation to the world, the proximity of the characters, the lasting observa-

VINCENT

tion. And the ideas and events taking shape. The film being born. SHOMÕTSI

We’re now going to explain the work we do here in the winter. We’re going to tell our When I first got to know Vídeo nas Aldeias I was about eighteen years old and a

stories and our dreams. In the winter it rains a lot, everything is soaked, it’s very muddy. The

WEWITO

river swells so we can travel to distant swiddens. We have to breed chickens because sometimes

teacher in the village. I hadn’t participated directly in the initial workshop in Rio Branco,

the rain falls too heavily to hunt. But a chicken we can kill, or eat its eggs.

but I had watched the material the students produced. The next workshop, run in the village, was attended by students from outside along with Isaac who continued his work. I accom-

We don’t give the orders during the rains, Pawa does. He sends the rain to drench the

panied the talks at the end of the afternoon when the students and teachers discussed the

earth and provide us with water. We don’t know how to make the rain stop. Whatever Pawa sends

material produced during the day. I stayed there watching, observing, paying attention to

our way, we have to accept. That’s why we have to be organized. Those of us here on the earth.

the teachers’ comments. And I secretly began to use the camera. When the students left to

ANTÔNIO

film, I went with them and asked to hold the camera so I could check if I had understood That first video (The Rainy Season) was just a little thing we made, very small, the day-

what had been explained. When we returned, the students said: “He was the one who shot

to-day life of our people in the rainy season, people having fun, telling stories. We hadn’t or-

this footage!” So Vincent and Mari invited me to join the workshop. That was how everything

ISAAC

318


started. The idea of filming The Rainy Season surfaced during the process. We started to

plete. But I was hesitant. There were times when I thought about giving up. But Vincent and

discuss which activities were happening in the village, what work we were doing in the com-

Mari encouraged me to continue. They told me: “You just need to film his return to the vil-

munity at that moment. But it was all very difficult because it was raining heavily, we would

lage, you need to return to Marechal Thaumaturgo and stay with him.” I returned and spent

go to the forest to film covered in plastic, set up an encampment and shoot the scenes. There

one more day with Shomõtsi, waiting for his pension to arrive. That was a particularly diffi-

was also the question of the outside students, none of whom spoke our language. For them

cult moment. It’s one thing to film in the village, another entirely to film in the town where

it was difficult to know where to cut a take, understand what was happening, if it was impor-

the tensions are high because of our history, the issue of demarcating our lands, the expul-

tant for the film or not. So we decided that one Ashaninka assistant would accompany each

sion of the bosses. I was a bit apprehensive about filming Shomõtsi in the shops, following

of the pairs. That way we worked better. When we pre-edited the film in the village, both the

him as he walked around the town. But slowly I overcame this fear. And I filmed just what I

community and outside students became heavily involved. Everyone watched and together

thought needed to be filmed. I had around 20 hours of tape, but I only filmed 7 hours. I re-

we learnt how to edit a film, a story with several hours of recorded film in a space of 40 min-

corded little, just the essential. When we came to edit the film, I realized that I had made

utes or an hour. Everyone took part and we later filmed extra scenes that had been missing.

the right choices. When I start to work on a film, when I have a topic to document, I already

Almost everything was done in the village. Afterwards I went to São Paulo to complete the

begin the process by thinking of my approach, what the beginning, middle and end of the

translations and finish the film with Mari and Tutu. The film was already at an advanced

film will be like. I concentrate on what I think really makes sense and what will be used. The

stage, but even so I was worried because the responsibility was huge. But everything worked

students in the workshop would ask me: “How did you look after the tapes and batteries? You

out and the work was well received by the community. Participating in making the film was

don’t waste much.” It’s my way of working. Each person finds his or her own way. I only on

important to my training and also helped my work as a teacher. Filming, following a particu-

film stuff I’m going to use, I don’t record what is unimportant. I don’t know exactly how it

lar person or a family, is just like doing research. You become closer to the person, learning

works, maybe I’m wrong, but it’s the way I work.

more and more about his or her life, discovering stories you had never known before. Discussing how we’re going to present ourselves in the video and what we’re going to show through

VINCENT

the film to the community and to those who don’t know us, what makes us different from

The film has an incredible poetry, a profound sensibility. And Shomõtsi himself is stubborn,

other peoples. I remember there was one family who didn’t want to be filmed because they

amusing, funny, as the Ashaninka are in general. This is one of the most notable things about

didn’t know where we would take their image. We invited them to watch videos produced by

working with the Ashaninka, something equally reflected in the films. The joy, humour, playful-

other peoples and this allowed things to become much clearer to them. The fact that the

ness. Wewito says that he chose Shomõtsi because they were neighbours. He began filming and

In Shomõtsi you watch an everyday situation and an entire reality unfolds before you.

video work involved exchanges between indigenous peoples and other cultures, and that a

one night he came to us and said: Look, I don’t think it’s going to work out, I need to choose

person, or a family, could reach other peoples through the image. That was when they

someone else, Shomõtsi is about to leave for the town to receive his pension. In fact he hadn’t

started to understand and become involved in the work.

yet realized the full potential of the situation. That same night we packed the material, tapes, camera, microphone, and so on for him to leave for the town the next morning. At the end of

After The Rainy Season the community was already better prepared, more accustomed

the day, Wewito was back in the village again: “Ah, the pension money didn’t arrive so I came

to people wandering about everywhere with the camera. We were already holding the second

back.” We replied: “No! You have to stay there with him until the cash arrives.” Their money

workshop in the village and accompanying the same narrators from the first film: Kowiri, Ban-

had run out. We gave him some more, plus extra tapes and batteries. And that gave us the

deirão and Mato, Bandeirão’s son. Each of us followed one main character. These encounters

events in the film. The wait, the money failing to arrive, the encampment, the town. Our chal-

led to the collective film Dancing with a Dog. Wewito meanwhile filmed Shomõtsi. He went

lenge was, and still is, to create this attitude, this opening to the real and the unexpected.

further in his film because Shomõtsi is a very tranquil person. A good character to accompany.

Wewito edited the film with Mari in the Olinda office. The first version lacked any off-camera

Our wish and challenge was to follow the day-to-day life of a person like following footprints

narration. The film was structured as a visual narrative. One day before he left to return to the

on a forest trail.

village we held a small screening at home and we felt there was something missing. I had

ISAAC

brought an Inuit film, produced on a workshop run by the National Film Board, Mon Village au After this first experience I began thinking of various new projects. I wanted to

Nanavut, about contemporary issues facing the Inuit. The narration to the film is striking, both

make a film about everyday life in the community during the summer, but I never even began

ironic and good humoured. I remembered this film and we showed it to Wewito, providing a

filming. Afterwards I accompanied a Machineri researcher on a research to Peru and filmed

simultaneous translation so he could capture the tone and use it to inspire his own text. We

the work. This material came back with us, but I don’t know where it is. I was really busy with

watched Shomõtsi again to pinpoint where commentary was needed. He wanted to phone

my activities as a teacher, unable to get involved in lots of things at the same time, so we

Antônio, his father, to know the meaning of Shomõtsi, which signifies humming-bird. Then

made films only when there was a workshop, or when we recorded important events in the

Wewito created his text, which is truly beautiful. We recorded the narration a few hours before

village. We had a small VHS camera with which to train. When the second workshop took

his flight left, with the noise of the VT equipment in the background. But it’s incredible. Re-

place at Apiwtxa, the original idea was to make a collective film. Each of the students ac-

cently for the launch of the Indigenous Filmmakers DVD collection we re-recorded the narra-

companying a particular figure. I chose to film Shomõtsi. As the workshop progressed and

tion, this time with an ambience more appropriate to the film.

WEWITO

we began to look at the footage, we realized that what I was producing would make a film by itself. Mari and Vincent told me it was enough to make a film, which meant I was working

WEWITO

well. I tried to accompany everything as solidly as possible so the material would be com-

we would chat a lot. He was a teacher to me, he taught me about our culture. He was the one

319

My relationship with Shomõtsi preceded the film. I lived close to his small house and


who taught me how to sing. In the workshop when we discussed who would accompany who,

to the World) because of the nudity. Some individuals left because traditionally my people

I already knew I would film him. But first I went to talk with him, to ask for his permission

always used clothes. Afterwards, though, we began to understand more clearly because we

to film him and explain what I planned to do. And he replied: “Okay, you can film me, I’ll be

saw more than fifteen different peoples in the videos, each one with a different cultural

on television, I’ll be important. I have a very beautiful story.” But he was worried because

practice. The Ikpeng have a very strong culture. Other groups have already lost much of

he lives alone, he doesn’t have a wife. But I told him this wasn’t a problem and we began the

theirs. So we began to study this too: those who have nothing left, those who have just a

work. As with The Rainy Season, editing of the film was done in two stages. First we pre-ed-

bit. And us? Within the village we have worked a lot on the question of other cultures, so we

ited the film in the village, afterwards I went to Olinda. But unlike the first film, in this one

can later look at our own. I’ve used video with the whole community. It’s not a formal system.

I really took charge of the editing. I had shot the film and needed to organize the material,

Children, young people, everyone watches and replies with their own vision, their own point

deciding what to keep in the final version. After that I returned to the village. We held a

of view. You see the world of others and look at your own.

screening and Shomõtsi himself was present. He was impressed and said “Wow, did I really do that?” and laughed. He added: “You weren’t supposed to have left that talk, lad. But okay,

BANDEIRÃO

it’s already in the film, not much we can do about it now, is there?” But he approved the work

I would have asked my father everything.

I didn’t realize that one day we would have to record this, our history. Had I known,

and said that, if I wanted, we could make Shomõtsi 2, and that this film would be left for his children after he died. For him it was important. Since then the film has been distributed

SHOMÕTSI

widely. It has won awards. I’ve travelled all over Brazil and abroad. It was a great responsibil-

would be sat here and you’d get hungry. And I still wouldn’t finish my story. You have to ask me

ity because I wasn’t just representing the film but also my people. At each screening I gained

what you want to know, just like I asked my grandfather.

Were I to tell everything I know, it would take the whole day, until it gets dark. I

more of an understanding of what it means to work with video. Not just the filming, you have to know how to present it, know what to say about your work and your people, the film and

ISAAC

the community to whom the film belongs.

have five centuries of contact with white society. Various projects exist, various areas of

When I say that people don’t know the Ashaninka, I’m talking about our history. We

activity. We confronted wars, the salt war, the war against the missions, Sandero, and now Money is made from really strong material. You can soak it and it doesn’t tear. It’s not

the war against drug trafficking and the loggers. We want to know and understand this his-

like writing paper and sweet wrappers, which disintegrate when they get wet. Like packets of

tory. Organize ourselves. And for this we need to understand the history of our families. What

sugar too. The trader doesn’t give anything for nothing. Only if you buy. You’d think he was go-

lies beyond our festivals and games. Our projects, our organization. We’re still discussing the

ing to take the money with him when he goes to heaven. But not us. We have our cusma to wear.

best way of achieving this.

ARICEME

Two or three pairs of shorts is enough for us to last a life-time. That’s what Pawa left for us. The areas surrounding the villages are the biggest conflict zones. The Ashaninka are

VINCENT

Shomõtsi allowed us to see something important for the community, namely the ques-

caught in a stranglehold. On one side, Peru and the road construction, on the other, the INCRA

tion of pensions. He makes that journey, goes to the town, comes back, all the events in the

settlement, along with the proximity of the Alto Juruá extractivist reserve and the town of

town. Watching the film in the community also led to an important discussion: why retire, is

Marechal Thaumaturgo. But Apiwtxa was born out of a very special history. This history is the

it a good thing for old people to retire, how does it work..? People began to discuss the issue

theme for our next film with the Ashaninka. The history of the parents and grandparents of

and another issue then surfaced, the relations with the municipality (Marechal Thaumatur-

them all. We were even thinking of travelling to Peru to shoot material for the film. The origin

go), trade and money. The discussions were wide-ranging. As a result of these debates, I

of Ashaninka history is there. But we faced a number of funding problems and the idea was

decided to take the films to the Marechal Thaumaturgo Education Secretary. I already had

put on hold. In addition the frontier is along the upper river courses, difficult to access, and

contacts with the municipality. I had spent four years working in state and national politics

the zone is unstable with Sandero, the brigades. A highly volatile process. Since its founda-

with the indigenous education project in Acre. I had also helped coordinate this policy

tion, Apiwtxa has pursued a clear project of resistance and sustainability. For a long time now

within the MEC (Ministry of Education) and was a teacher in the community. The secretary

the children and grandchildren of the first generations have been involved in large projects

liked the films and asked for additional copies to distribute to the schools. I explained to him

mobilizing the community of the Amônia River. Everything began with the elder Samuel Pi-

a bit about their content, what they were intended to say, what we did. He organized groups

yãko back during the logging era when the Ashaninka still worked for the bosses.

ISAAC

and showed the films in the classrooms. It was important to work there close to our village I don’t remember much about my grandfather, but I do recall one scene of him making

with people who discriminated against us in the past and still do today. People began to see

WEWITO

that we are becoming organized, planning. When I meet non-indigenous teachers they re-

a fishing net. I remember him, very old already, making the net. He would start working early in

mark about the films, wanting to know more. Even those living close to the village know

the day. In the afternoon he would spread out his mat to sit on, arrange his work space, take a

nothing about the Ashaninka. When we’re in the town, they look down on us: “Ah, this

bottle of cipó and leave it next to him. And when night fell, he’d invite us to drink with him.

Ashaninka stinks. These old clothes.” So when they saw the images there, various teachers My father’s name was Samoyri Piyãko. His father gave him this name. The whites

asked me: “What does that mean?” This gives me the chance to explain, because I know that

ANTÔNIO

the person asking the question wants to hear and understand. The same happens between

called him Samuel. He came from the Upper Eneki, from a village called Opokiyariki. He came

our people and other peoples. The people from the village enjoy watching videos made by

to Brazil to work for his Peruvian boss. Various families came with him. He worked in cotton.

other peoples. People didn’t want to watch the work of the Ikpeng (From the Ikpeng Children

The boss exploited them ruthlessly. One day the Ashaninka tired of this situation and de-

31:


cided to travel upriver in search of other work. At that time people talked about the Amônia.

never left the area. The Amônia is his river. Other families have lived here too, joining

They said the work here was better. He journeyed down the Shesheya River on the Upper

Samuel’s family: the families of Tenente and Paulinho. This led to my parents’ marriage. Piti’s

Juruá, spending some time on the Envira where he first hunted animals to trade their pelts

family became allies. My mother performed the role of negotiating with the bosses. Lan-

and later worked in rubber extraction. Finally he arrived at the mouth of the Amônia. He met

guage, mathematics, prices. Their children too would find it easy to negotiate with the

the boss Odom who bought meat, pelts and rubber from him. Samuel said that he would buy

outside world. Piti and Antônio made them respect Samuel. My mother helped defend his

whatever he produced. So my grandfather fetched his kin who had stayed on the Shesheya

leadership, mapping allies and non-allies. She became a reference point for our people.

and settled with his family on the Amônia. It was a land of plenty. There were turtles, game

Samuel wanted someone like that, someone who could teach him about white things. She

animals. I was born and raised here on the Cachoeira Creek. I helped my father in his work.

was persecuted by the bosses, but believed in the justice of the Ashaninka cause. Our peo-

We moved upriver. My father wanted to live further away. There we worked in logging. We

ple’s outside army was my mother’s family. As children of this marriage, we also learnt to

extracted a lot of timber for the boss. His name was Chico Mariano. We worked for a long time

move between these two worlds, aware of their differences. And we grew up working on our

for him, hunting and logging. Until my grandfather died. After that we moved to the mouth

parents’ project. We succeeded in building a very strong community.

of the Amoninha. My father cleared all the swiddens and made all the houses. We planted everything. We worked hard, leaving to sell the produce and returning to the village. I met

ANTÔNIO

Marechal Thaumaturgo, my grandmother said he was a good boss. We made his house and

and talked about a territory, saying that we had a chance of acquiring our own land, that we

swiddens. He was the first white to live close to us. He worked in the logging trade and my

had suffered a lot and that we would be better off if we had our own land. We began to con-

father took him to see the Tamaya River where there was a lot of timber. Thaumaturgo de-

sider the possibility. Macedo also appeared and explained a lot of things to us, saying we

cided to move to the Tamaya and went back to fetch his wife. We stayed on the Amônia. He

should stop working in logging and start a new phase. Funai would help us demarcate the

handed his swidden over to Chico Coló, a former ‘rubber soldier’ who later became my father-

lands and we began to work with them. One day they arrived and told us that the land was

in-law. In exchange he produced manioc flour and took it to Thaumaturgo in Peru. I was

ours and we needed to think about a new form of working. Everything happened very quickly

growing up. I hunted, fished and began to work in logging too. We worked together: my

because we were already organized. Samuel already had a project. No bosses or abuses could

brother and I, and the brothers of Piti, Chico Coló’s daughter. We always worked together.

split his family apart. The whites thought we were incapable of looking after our lands, that

After a long time working I met Piti. And I wanted to live with her. She agreed to the idea.

we wouldn’t produce anything and so didn’t need the land. We were threatened. It was diffi-

“Let’s see what your parents think.” She said we should talk to them straight away and even

cult to remove us from here. Some relatives left us and went to Sawawo in search of other

if her parents didn’t concur, she would live with me. I went to talk to her father. He was com-

work. Some went away and later returned. And we started to become organized here. During

ing back from the swidden. He asked me if I really wanted to live with her. Her mother didn’t

this process my father died and I took over his project.

In the 1990s Funai began to appear in the region. They came to my father’s house

like the idea. That was her reaction. Chico Coló went to our house, greeted my father and they talked about our marriage. My father said that the decision was ours to make. And he said to

VINCENT

Coló: “If you think your daughter can marry my son, that’s fine by me. I can’t decide for your

children: Francisco, Moisés, Isaac, Benki, Dora, Alexandrina and Wewito. All of them po-

daughter, but my son can marry. If they want to marry, we’ll help them.” They then asked me

litically and emotionally immersed in the community’s projects. A generation full off talent

and I said I wanted to live with her. I very much wanted to live with her. But Piti’s mother

and strength. Raised between two cultures with access to and knowledge of both the

disliked the idea and asked her daughter how she could marry an Indian. But Piti said that

Ashaninka world and the white world. The life project of the Ashaninka of the Amônia

she wouldn’t change her mind. She was determined. We married in January. My wife helped

River is very clear. All their efforts, initiatives and movements are aimed towards achieving

us a lot. She knew how to read and write. She made sure we weren’t ripped off. She taught us

self-sustainability, repopulating the native flora and fauna in their territory, strengthen-

the price of meat and other produce. When anyone arrived, we now knew how to negotiate.

ing their identity and culture, and ensuring their long-term survival through careful man-

They knew we were being advised. The bosses were really angry with her. But she was una-

agement of their resources. This project is reflected in the films that they make, their ap-

fraid. She said she was protecting her family.

proaches, their choices, the use of video to reflect the topics most dear to them. The

The marriage between Piti and Antônio led to the birth of a very special group of

Ashaninka have a great sense of marketing, the media and the internet, and the play of My mother’s father came from a group of migrants from the Brazilian Northeast.

national and international alliances. They use these skills in their struggles and claims and

At the time they had recently arrived here and settled at strategic points of the territory. It

as instruments of resistance. When we arrived for the second workshop in the village in

was like a lottery, or going to war or coming to extract rubber. It was a state policy. The rub-

1999, the Ashaninka were already implementing their resource management projects and

ber was located downriver from Thaumaturgo. Here it was timber. My family was born from

setting up the cooperative and their association, a process begun with the demarcation of

the encounter between the Ashaninka who came from Peru, taking refuge in more tranquil

their lands back in 1992. We started to discuss a video project that matched their aspira-

locations, and the Brazilians who arrived here. Chico, my maternal grandfather, began work-

tions. Forest management and some other activities such as beekeeping, turtle breeding,

ing in rubber extraction, and afterwards in logging, which was why he went to live near the

planting fruit trees, hardwoods, the transmission of knowledge to children. Over the space

Ashaninka. There was competition between the bosses, so they divided the region into rub-

of a few years, then, the material came together that would later form the bulk of the film

ber plantations and logging zones. The Ashaninka managed to find common ground between

We Struggle But We Eat Fruit, previously divided into three short films: Path to Life, on

themselves and non-Ashaninka. Samuel, my paternal grandfather, had a very big family. His

turtle breeding; Learners of the Future, on the agroforestry management plan; and Live

parents chose this river as a safe place to live and he continued what they had started. He

Forest, on fruit tree planting, made by Benki.

FRANCISCO

321


We Ashaninka wandered far and wide, but we’re now firmly settled in one location. We

editing and had more freedom to make choices and participate in the creative process of com-

have various new means of communication, telephones, the internet, and make our own

piling the script. The idea at the outset was to divide my work between editing the film and

videos to show our relatives and send to other people far away to watch. Since we regained

teaching Wewito to edit, as I had done previously with Divino (Xavante). However we didn’t

our land, we have worked hard to recover its natural resources and protect the forest. Our

have much time and we needed to ensure that all the material was translated at least. As my

work involves the community and the school. We teach our children so they can look after our

experience of working for Vídeo nas Aldeias has taught me, each process is unique. Every film

land in the future.

involves a deep immersion in the material and the filming experience. When we leave for a

BENKI

workshop, we rarely have any script in mind. The script emerges as the filming unfolds. The ISAAC

Today we are working with an agroforestry system, repopulating the stocks of small

students engage closely with the characters and events they are filming, sometimes they have

animals. I also see video as a form of research enabling us to organize our collective work. It

to take part in the events being filmed, sometimes they fall out with their lead characters, and

is a source of fresh incentives where you see new experiences and want to do the same, or-

experience something entirely new mediated by the camera. During editing, as we set about

ganizing your production, reforesting, enriching your diet and your natural resources. What’s

discovering the potential links between the filmed situations, we can tell whether something

important is not only learning about the Ashaninka but also the ways in which we’re defend-

is important or not for the community by people’s reactions while we work. Someone watches

ing our people and our land. Video can help us to plan our journey, simultaneously research-

the edit of a sequence and spreads the word throughout the village. People arrive. They watch,

ing and deepening our knowledge. Our system of organization can serve as an example to

leave their impressions and in this way the film is put together in the pre-editing. In the case

others, just as their systems can be used by ourselves. It is an exchange through video be-

of We Struggle But We Eat Fruit, we had to shoot more scenes and develop some new ideas for

cause very often we’re unable to leave the village but video can.

the film, including Mari’s proposal. She really wanted to include a scene of the former school pupils, who had been filmed as young children, watching the footage of the forest manage-

HEINE WENKY

This is the orchard I planted when I was a child. It’s now bearing fruit and we’ll

soon be able to eat them.

ment and leaving to visit the places where each of them had planted a tree. This scene is included in the film. We frequently propose situations and plotlines for the films. The students like it when we suggest ways of telling the film’s story. Afterwards we discuss whether or not a

When it begins to bear a lot of fruit, the birds will come here to eat. The avocado tree I

proposal will be developed. What emerges usually is a very free appropriation and a new inter-

planted produced so much fruit that the animals came to eat. All those animals that like eating

pretation of whatever has been suggested. Sometime later I worked again with Isaac on a film

fruit started to visit. This also makes it easier for us to hunt because we find the game nearby.

about OPIAC (the Organization of Indigenous Teachers of Acre). It was a very different process

The animals eat our fruit. And we eat the animals with sweet manioc.

to the previous one. At this time he lived in the village and coordinated the organization with

MOISÉS

Joaquim Maná, the father of Zezinho Yube. The institution was created to strengthen the deWe Struggle But We Eat Fruit was the result of around six years of filming. During this

velopment of indigenous education in the state. The idea for the film surfaced when OPIAC

period we filmed the work being undertaken in the village. Benki was responsible, but all of

raised funding to travel to various villages in order to inform the communities about the issue

us worked the camera. He went to Olinda to edit the short films. We still didn’t have enough

of indigenous education in Acre and Brazil, including its own ideas on the subject, as well as

material to make a full-length film. We wanted to make a film capable of showing the projects

stimulate the exchange of experiences between teachers and practices in each village. Isaac

developed in the community. After this first edit we watched the footage to see what was

arrived with the material and we began the work. He already had a very clear idea of what he

missing and then filmed more. We combined everything for the second edit and the film was

wanted for the film, at least in terms of its message. It was a fairly tumultuous process. Isaac

made with a number of different running times, describing the work involved in protecting

was keen to return to Acre quickly. The Ashaninka were facing a complicated situation in the

our borders, the invasions by loggers, our forest management plans. Tiago and Mari pre-ed-

village due to invasions by loggers on the border, the water of the Amônia River had been

ited the film in the village. And Isaac went to Olinda to finish another section of the film.

poisoned in Peru and was causing problems at Apiwtxa. And Isaac was the person responsible

Afterwards I went too, completed the editing and finished the film with Tiago.

for communicating with journalists and broadcasters and was unable to devote as much time

WEWITO

to the project as he wished. The video emerged after a lot of trial and error, but it is an exciting TIAGO

The first time I was at Apiwtxa was to edit We Struggle But We Eat Fruit. At the same time

history. It fulfilled its purpose and is used now as a primer on indigenous educational rights.

Mari began a workshop with two new students, Hatã, the son of Ariceme, and Enison, who today is a teacher in the village. On our second day in the village we began to assemble the edit-

VINCENT

ing equipment. Mari began the process and then I took over the editing station. It was the

workshops, meetings, etc. Some years after finishing We Struggle But We Eat Fruit (2006), we

Just now the Ashaninka are going through a revitalization process involving pottery,

second film I had edited. We began by translating and setting the timeline for the footage.

returned to the village for another workshop with the Ashaninka. However the older filmmakers

Each day we would meet – Isaac, Wewito, Mari and myself – to discuss what we had viewed.

are all involved in other activities, although they do take part in the filming processes in

There was a huge amount of raw material, the end product of around six years of filming. The

other ways: helping with translation, discussions and viewing the rushes. Wewito is the ‘may-

camera was a weapon, a generator of images to be presented as proof to the army, law courts

or’ of Apiwtxa, as well as a teacher in the indigenous school, and has a packed schedule. For

and so on, and to be used to make a film. Mari and Isaac were more familiar with the material,

some time now he has been postponing production of his next film: this is set to be about the

so they told me where to start looking for things, discussed what to show and how to go about

dry season, a counterpoint to The Rainy Season, showing the village and its figures in the sum-

it. As the work progressed, Isaac gradually left to deal with other things, while Mari turned her

mer when important activities and events take place in the community, a period when fathers

attention to the workshop. Consequently Wewito and I were left to our own devices in the

test their sons’ knowledge of fishing and hunting, their ability to observe nature. However

322


Wewito is closely involved in filming the video on Ashaninka history. We directed the process

me during the process of implanting the Indigenous Culture Points in 2010 and took an ac-

but the conversation was between himself and his brothers, their parents and the older people.

tive part in the discussions. The second thing that drew my attention was the community’s

We asked for all the raw footage so we could work on producing material specifically for the

openness to receiving people from outside. I think this is related to the history of Apiwtxa,

Ashaninka school. Isaac, another filmmaker, is now Marechal Thaumaturgo’s Secretary of Tour-

which since its foundation had maintained and cultivated a very distinct dialogue with non-

ism and the Environment and is involved in a project aimed at reviving the municipality and

Indians. Moisés, one of the film students, is the nephew of Dona Piti, lives in Marechal

managing the waste produced in the town. Consequently they decided to train a new genera-

Thaumaturgo, doesn’t speak the native language and yet produced marvellous work during

tion of Ashaninka filmmakers. Tsirotsi, who had taken part in the first workshop and later be-

the workshop. He and Hatã decided to film Ariceme, one of the village’s shamans, also re-

came a healthcare assistant, has returned to video production. We also have Hatã, Moisés,

sponsible for the school meals. But Hatã’s son suffered an accident and his father had to

Eyrish, Shãpi and Enison, who together form the Ashaninka Cinema Collective. And to com-

leave the workshop to accompany him at the hospital. So Moisés took over all the filming by

plete the picture, we are in the middle of a new series of workshops, which began with Tiago,

himself. He conducted the interviews in Portuguese and Ariceme replied in Ashaninka. He

Camila and Amandine. A Village Called Apiwtxa (2010) was filmed entirely by this new genera-

returned with the rushes and, helped with the translation by colleagues, discovered what he

tion. A portrait of the village today, its form of organization, the projects that continue to

had on film and returned the next day to continue the work. The filming was heavily inspired

animate the community, the conflicts, children, histories, festivals. They are new filmmakers,

by Shomõtsi and this became an issue for Tiago and I, how to approach this character in a

some new characters, but the spirit of the Ashaninka is still there: the joy, playfulness and

way that was less glued to Wewito’s film. But it was still an exercise, we didn’t know where

humour. Working with the Ashaninka is usually very easy in the sense that they are already well

this material would lead us. We worked with another three groups. Eyrish, one of the female

used to video and take an active part. Everyone is very attached to the VNA project.

students, took over the filming of the pottery revival workshop. This film had to be make. The workshop was funded by the PDPI and the video was required as a final product. Dora, Dona

JACU Because I work during the day, I usually hunt at night. One day a lizard touched me here

Piti’s daughter, was responsible for the project and naturally became the central character

and I thought it was a ghost. There was a large trunk nearby and I sat down on it to calm down.

in the film. The two youngest students, Enison and Shãpy, were a case apart. They woke late,

I rolled some tobacco and lit my pipe... you know what it’s like. When you walk alone at night,

wanted to have fun and didn’t know what or who to film. We ended up giving them more

it’s as though the forest is out to get you. If you’re a real man, it won’t do anything to you, but

leeway and one day they appeared before us with a totally charismatic character, Jacu. At

if you’re scared, as I was, it can even kill you. I smoked my pipe, chewed some coca... I don’t

each screening the village buzzed. Jacu produced some incredible moments for the film.

know where it came from. The pain in my foot rose to my belly. I don’t know if it was sorcery or

Tsirotsi, who had already worked with video, resumed his training in this workshop. Since he

hunger. I think it was sorcery, it was really weird. That night I had dreamt of my father, he had

had more experience, he moved between the groups as a filmmaker, helping advise each

arrived bringing a lot of food... When I saw him, something prodded my back. It was a beak

group’s project. The final structure of the film was discussed in the editing workshop from

prodding me, something like that. I picked up my torch and switched it on. I saw it really close

which I was absent. Amandine was responsible for editing the video for the PDPI and Tiago

up. It turned round... I grabbed my machete, but it ran to the creek making a noise. It was an

edited A Village Called Apiwtxa. During the film workshop a number of possibilities for the

anteater. I picked up my gun in fear. My body had turned to ice. I put my hand on my ear to see

narrative framework had already emerged from the way in which the filming had developed.

if the courage would emerge, but just when it was about to emerge it vanished again. When I

The characters talked among themselves. There had been a continual cross-over of situations

looked the anteater had already turned into a paca. I shot and it fell. When I arrived home it

and characters throughout the process. Ariceme is going to pay his debt in the cooperative

was already eight in the evening. It was dark. My wife was worried and my daughter was crying.

store, which is run by Dora, who is responsible in turn for the pottery workshop, where one

I said: “Wife, a lizard touched my foot, a creature prodded my backside, and the pain rose from

of her pupils sponsors the minga, to which Jacu is invited. We discovered these connections

my foot to my belly.” She said that the ghost had visited the village that night. But I think it

bit by bit. Initially, though, there was no prerogative to make just one film. We had been

was just an animal. But it could have been Satan himself.

thinking of distinct projects. The structure came later. For me this confluence of characters and situations provides a clearer insight into the organization of Apiwtxa village and reflects

TIAGO

In 2009 I returned to Apiwtxa for a new project. We worked on three fronts: the docu-

the complexity of the characters and relations established there.

mentation of a traditional pottery workshop, run by the women with funding from the PDPI; the film about the history of the Ashaninka of the Amônia River and the family of the village’s

AMANDINE I was responsible for editing the film of the pottery revival workshop. The film was

founder, Samuel Piyãnko; and the workshop to train a new generation of Ashaninka filmmak-

almost entirely produced in the village. It was incredible to see, through the images, the ca-

ers, which had been on hold since 2006. The group was composed of myself, Camila and

pacity to reinvent traditions and the involvement of the village. For us this enthusiasm was the

Vincent. The pottery workshop served as a ‘starter project’ for the video workshop since we

main aspect to be emphasized in the film. The video unfolds in an almost exclusively female

were obliged to make a film about pottery. We combined the projects and began work.

universe, evoking numerous questions relating to the transmission of knowledge between generations and the revival of a tradition in a more ‘modern’ context in which the school and

CAMILA

Two things caught my attention in the village from the outset. Firstly the value at-

tributed to children as protagonists in all Apiwtxa’s projects. This had already been evident

cooperative – previously non-existent – play a fundamental role. And as in other Ashaninka films, there is a more everyday element that pervades life in the village and provides its richness.

in We Struggle But We Eat Fruit, but during the workshop I realized just how strong this aspect was. Hayne Wenki, Benki’s son, accompanied the entire workshop at his father’s request and

ISAAC

other children were always present and attentive. Hayne completed a second workshop with

Indian Commission course run in Rio Branco. Later in 1999 they ran a workshop in the vil-

323

This is our history with Vídeo nas Aldeias. The project arrived here in 1998 via a Pro-


lage and we made The Rainy Season. As soon as we met in ’98 I thought a lot about how we

ence, I learn new things through the gaze of each one of these people. I see things that I

could use video in our educational work. How we could show our people and culture. These

hadn’t noticed before. I get really emotional. People don’t see, but very often we cry. In the

questions. During the second workshop other possibilities surfaced. It dawned on me that

community, during the end of year festivals, we choose two or three films to screen. Nobody

we could use video to support our projects, show the work we were already involved in, the

is left out. Those children we see in the films are all married today, adults with their own

community’s projects. And also show the everyday lives of our families in the village. That

children. It’s a joy to have these films and show them in the village to the people who took

was our second proposal. But I never imagined that these films would have such a power to

part in this history. Imagine watching these films again in five or ten years’ time. A film is

show who the Ashaninka are, both to the outside world and to ourselves. I didn’t anticipate

more beautiful when we store it a while. It becomes history.

the power that an image can have after the work is carefully completed. This became clearer to me just a few years later, around 2005 or 2006. The importance of a film, a documentary, that shows a person, the daily life of a community that belongs to a culture, to the project of a people, indeed to the project of a world. I was always very careful about the things entering the community: television, a tape deck... but it became increasingly apparent to me that you can use the tools to your own benefit, for your own good and above all

Kuikuro

for your own survival. The Ashaninka people have still not shown who they really are. Despite all the work we have produced, many things remain unseen. I don’t know how to depict

The Kuikuro live in the Xingu Park (MT) and number around 500 people. They form part of an

this. Perhaps we managed a little with Shomõtsi, and perhaps we shall achieve a little bit

Upper Xingu Carib subsystem with other neighbouring peoples speaking dialects of the same

more with the film on our history. Our knowledge doesn’t only reside in the people as a

language (Kalapalo, Matipu and Nahukuá) and participate in the multilingual system known as

whole, it’s also found among the different families. Some families have specialized knowl-

the Upper Xingu, located in the southern portion of the Park. The Kuikuro are distributed in

edge, others a specific history. If we can combine all this knowledge perhaps we can show

three villages: Ipatse, the main village situated a short distance from the left shore of the mid-

something of who the Ashaninka people are, from the 1930s to the present. Video has al-

dle Culuene; Ahukugi village, on the right shore of the Culuene, upriver of Ipatse; and a third

ways given me a lot. Marechal Thaumaturgo, for example, is a place that still hasn’t discov-

village located on the ancient site of Lahatuá. Led by Takumã Kuikuro, all the members of the

ered its own history. They just receive things constantly from the outside: content, technol-

Kuikuro Cinema Collective, the entity with whom Vídeo nas Aldeias works, are residents of

ogy. When in fact it’s all here. You can tell the history of the municipality on the basis of two

Ipatse village.

or three people who live here, their tradition. In a few years these people will have passed away. And this living memory will have been lost. So you can see a little of the importance

AFUKAKÁ, IN THE SCENT OF PEQUI

of the image in constructing this memory. Sometimes, though, not even I know how to

that’s who you are. I’m going to call you by your name, Kangisakagu. Because you were the

tackle the question of the image, the issue of documentation. Today there’s a silence. Some-

caiman’s lover. I’m going to call you by your name, Mariká, because you killed the caiman.

I’m going to call you by your name, Hyper-Caiman. Because

thing about today’s world means that people don’t want to speak out. But when you enter someone’s house, a family’s home, and begin to live with these people, you take part and

VINCENT

learn about another world. You live the world of the community, the world of the beaches,

Xingu Kuikuru Association, and Carlos Fausto and Bruna Franchetto from the Documenta

the world of the forest and fruits. Each moment and space of these worlds imply different

Kuikuro project based at the Museu Nacional. If I’m not mistaken, it was the pequi fruit sea-

kinds of knowledge and histories. When I consider how my own life belongs to the construc-

son and we plunged immediately into a theme-based film, which is more difficult by principle.

The first workshop with the Kuikuro was run in 2002, in a partnership with the Upper

tion of a project, the project of my people’s survival, I realize the importance of video. As a

You don’t interfere much when the film is about people’s everyday lives, or at least not so

tool of reflection for the community and for the filmmaker. I’ve reached a point where I can

radically compared to films revolving around a theme, which presume a more cerebral and less

no longer accompany the Vídeo nas Aldeias project because I have to take care of other

intuitive approach. It was the time of year when people harvest the pequi fruits. In the very first

activities. But this does not mean I’ve abandoned video. On the contrary, today I have an-

interview, Takumã came back with the pequi origin story and so that’s the direction we took.

other perspective and we’ve began to train new filmmakers to carry on the project. Today I regard video from another point of view. My wish is for more and more people to become

CARLOS

involved in this work. And that doesn’t mean starting from scratch. We already have very

cratic factors involved in the running of the workshop, including the community’s choice of

clearly defined projects: reforestation, the turtles. It means searching for themes among

who would take part. Among the youths selected, only Mariká spoke Portuguese. Both he and

the community that relate to our trajectory. Today you can see that the children already

Takumã immediately showed great talent with the camera.

The Scent of Pequi rapidly became a thematic film but there were also a few idiosyn-

understand our management projects. They take part, talking about this in an informed way. You can see the importance of this dimension within the community. Outside too,

TAKUMÃ

sharing our experience through video. Showing others how we defend our people and land.

Carlos Fausto. When they arrived in the village I had no idea how to make a film, what to do,

Even today, I’m moved when I watch the films we’ve made. When I watch them alone, I’m

what to film first or afterwards. They arrived and I went to speak to Vincent. But my Portu-

looking to increase my undesrstanding by, analyzing and studying. But when I watch in

guese wasn’t very good and I didn’t understand anything he said, I was fairly lost. In all there

public, I become emotionally involved. I see people staring intently at the screen. And I

were five people taking part in the workshop. They explained how filming works, but I didn’t

observe them discussing what’s happening in the films. Each time I watch with a new audi-

understood a thing. I also had another problem, which was how to approach older people.

I first learnt about Vídeo nas Aldeias when I was still very young. That was through

324


At the outset we filmed just children. When we went to film the elders, they sent us away

the other’s view, this spectacle, an awareness of the view that the other can have of you. It’s

saying that the whites film better than us and we would never be professionals. That in-

a historically inter-indigenous process too. It was a major challenge for us to deconstruct

timidated us and we didn’t film anymore.

these premises in the workshops. But we crossed that boundary.

In the very first week the students were asked to follow a central character. There was

TAPUALU, IN THE SCENT OF PEQUI The cicada is singing for the pequi to become sweet-smelling.

huge resistance, though. People didn’t want to be filmed. I remember the students being

When we plant pequi, if the tree fails to bear fruit, we scrape the trunk with caiman teeth.

asked to help in the swiddens one day. When they tried to film they were heavily scolded,

Because the pequi was once a caiman.

CARLOS

because everyone is supposed to participate in this collective work. The older people said: “What do you think you lot are doing with that camera? You’re young, you have to work.

CARLOS

Everyone is working!” So at first they found it difficult to create space for filming, but they

ing the village at that moment with its much more of implications. During the filming the

found an interesting solution: they turned to their families. Some feminist friends have said

project grew more than we had imagined and we realized that we wouldn’t be able to finish the

to me: “Wow, I think’s really important that you used female narrators!” Of course I don’t

film in the workshop. That was when we developed the first project with the Kuikuro Associa-

contradict them, but the real reason why the women are narrating the films is that they were

tion, applying for funding from the PDPI (Indigenous Peoples Demonstrative Program) with

the only ones who would talk to their sons on camera. The men said to their faces: “Don’t test

the proposal for a film on pequi. In 2003, still without financial backing, we returned to com-

my patience, what do you want with that stuff?” So our material basically comprised the

plete the film. We used funds from VNA, CNPq and the Volkswagen Foundation. With the latter’s

interviews given by their mothers.

money, Bruna (Franchetto) bought a camera, the village’s first camera, and we began filming.

LEO

Before the workshop that led to The Scent of Pequi, I had already been among the

The theme to The Scent of Pequi was entirely circumstantial. It was the event dominat-

VINCENT

The Scent of Pequi was a project that became more elaborate over time, a process of

Waimiri Atroari, I had already worked with Divino and with the Macuxi where we had made

discovery, such as, for example, the transmission of ownership of the pequi trees, the char-

the film A Day in the Village. It was my first year at Vídeo nas Aldeias. VNA was consolidat-

acter who became sick, the origin myth properly speaking. Filming a myth is an arduous

ing its work routine, we were beginning to understand how things developed, learning how

process because you have to deconstruct the narrative and all its ramifications. The story of

to work closely with the camera, its proximity. With the Waimiri Atroari, the workshop

the agouti, the armadillo. Explain who the sun and moon were. You need to translate sev-

began with exercises focused on the search for lead characters, everything was new. That

eral versions in full. Make choices, create shortcuts. These were complex narratives that

allowed us to work very intimately. That wasn’t so with the Kuikuro. They already had a very

needed to be simplified.

clear idea of what should be filmed. They are probably the most filmed people in Brazil, film exalting their exuberance and displaying them as a product. At least they were familiar

CARLOS

with a specific way of being filmed. Among the Kuikuro it was the usual case of wanting to

before. But I was keen to defend my idea of how the myth was constructed in the film.

At first I was completely lost. I thought it wouldn’t work out. I’d never made a film

remove their watches and flip-flops. They didn’t want to be on camera because they had

Vincent was furious, but told me: “Okay, show me how you want to do it.” The question

already been filmed so often. The community was less keen on seeing the raw footage

was whether we would tell the myth in linear order or in a roundabout way. Nobody would

compared to other groups. This became a constant topic in our conversations. The initial

understand because, like all oral literature, indigenous mythic narratives have a basic

challenge was to break through a fairly tough barrier of preconceived ideas concerning

characteristic. They are repetitive and constructed with parallelisms, stylistic and simul-

what should and should not be filmed.

taneously mnemotechnic. If you analyze the chants, songs and narratives, you can see that they are formed by sequences of actions that are repeated, they have a slot to insert

So we had to engage in a lengthy process. This was a conversation that pre-dated

information in the form of a list. There’s a series of people, different actions. And trans-

the workshop. Bruna had remarked at one point: “Look, I think you’ll find it difficult to film

formed into a film, this doesn’t work, at least not for us. So we had to change the structure

everyday life in the Xingu, whatever is located outside public space, because the domestic

of the narrative completely, cut the repetitions, reduce the complexity. We received nu-

isn’t intended to be on display. What’s situated in intimate space, inside the houses, cannot

merous complaints from the Indians that we had cut things in half. In other words, when

be shown.” The Xinguano house is made so that you have zones of complete obscurity, which

we transform myth into the language of video, we remove precisely what they find the

is where people keep their things, their secrets, where small talk unfolds. By definition this

most beautiful, the entire song, the story well told, the full range of figures and events.

isn’t for filming. What can be seen and what cannot is very clearly delineated among the

Sometimes we are suspicious with the idead of translation. However, I think that the

Kuikuro. In the interviews they were all well adorned, decorated, but very subdued. There

equivalent of indigenous oral poetry isn’t recording someone telling a myth from start to

was something a bit solemn, slightly formal, even when joking. Moreover the Xinguano

finish. Just like seeing opera sung at a distance it unbearable. It doesn’t work like that.

Kuikuro are generally speaking highly conscious of their image outside the village. They

Just as making the film equivalent of anthropology or ethnography isn’t to make an eth-

make use of this image in various circumstances. They are skilled in using it, well-versed in

nography rendered in film, it’s something else. I think this idea, this necessary ‘translat-

discussing how they are going to present themselves. Now, I think this is also a skill that has

ing’ of a kind of language, is very often seen in a biased way by a certain kind of audience.

to do with past circumstances, the role of the Villas-Boas brothers, historical processes, but

But the Indians appropriate this work in surprising ways. They have a capacity to appro-

also with Xinguano indigenous history from further back in time. The region is occupied by

priate things and give them a new meaning, inverting them, imagining new possibilities.

peoples with distinct linguistic and cultural origins. Hence there is this confrontation with

So I think this may be a red herring.

CARLOS

325


JAUAPÁ, IN HE SCENT OF PEQUI

The pequi origin story is as follows. Mariká’s wives were the ones

CARLOS

Due to these communication problems, I ended up taking part in the workshop. I

who had sex with him. They painted themselves to go to the swidden. The women called the

learnt a lot, but I never held a camera. Sometimes I think that I work much more as a me-

caiman and he emerged from the tihigu roots and approached them. He was so handsome. First

diator in the case of the Kuikuro, at least compared to other groups working with VNA. And

he had sex with the older sister. Then with the younger. Then they dug up the manioc tubers

sometimes maybe I interfere too much, perhaps even hindering the growth of the filmmak-

and returned home. Mariká didn’t notice anything. One day when he was out hunting he en-

ers. At the same time, I’ve learnt many things from them and them from me. But even to-

countered an agouti, who said: Wait, my grandson, do you know about your wives? They’re not

day, since The Scent of Pequi, many of the interviews and scripts are made by myself, al-

behaving very well, they’re having sex with their lover. They’re having sex with the caiman. We

though Takumã has learnt and developed a lot in that respect. At the start, though, I

can go and look if you want. They went and the agouti said: This is where they have sex. Look,

plunged right in, not only because they themselves were unsure, but because the elders

it’s him, but stay calm, don’t kill him yet. When he was having sex with the younger wife, the

wouldn’t speak to them, since the lads were very young still, they were only seventeen or

agouti said: Kill him now! He shot the caiman with an arrow just as he was about to come. The

eighteen years old. However they would speak to me. We had established the themes and

women didn’t see, because he used the agouti’s arrows, which was invisible. Had it been a

knew that there wasn’t any absolute symmetry in the construction of the story. But it’s

normal arrow, they would have seen. They cried a lot. Then Mariká appeared and said: Ah! So

enough to look at their camera and the way in which they arrive to film in the houses to

that’s what you’ve been doing? He beat them both a lot. They buried the caiman and broke his

realize that something else is happening. The way they approach people despite all the

belts. Afterwards they removed Mariká’s hammock from the house. They missed the caiman a

constraints. Something emerges from this, because doing these things depends on the

lot. Mariká went to the men’s house and stayed there alone. And the women became widows.

relation we establish, between ourselves and them and between them and the people be-

Five days later, they went to check the grave. The caiman was already sprouting, The pequi was

ing filmed. The film results from this interaction. I wouldn’t have been able to conceive

emerging bright red. It grew quickly.

this film alone. If I were the one filming, it would turn out badly, because it would be something external, without density or texture.

VINCENT

There’s a difference between the Kuikuro films and those of other peoples, which is

the presence and participation of Carlos Fausto in the interviews. Usually this doesn’t happen.

KALUSI, IN THE SCENT OF PEQUI The humming-bird is very powerful. He is the owner of pequi. He

And precisely for this reason. In Carlos’s presence, the dialogue is focused directly on him. but

is the one who kills us. He shoots his arrow in our ear, our chest, our belly, our whole body.

at the same time, his presence catalyzes innumerable situations. The conversations are im-

That’s what he’s like. Who made the humming-bird the owner of pequi? It was the sun. That’s

mensely productive. He’s the typical researcher figure, someone who notes everything, speaks

what happened: he painted his birds and made them the owners of pequi.

the language. This enabled a huge opening. Carlos’s contribution resides primarily in this anthropological approach, the research, the moments of conversation. The discoveries, for ex-

VINCENT

ample, concerning the world of pequi, the transfer of ownership of the trees, etc. Because the

Everything is pre-arranged. This becomes very clear in the caiman death scene in The Scent

One of the striking features of Kuikuro life is that everything turns into fiction.

shoot itself, the filming properly speaking, takes place between the filmmakers and their

of Pequi. We felt there was still an element missing to bring to life the myth, the text of the

characters. That’s another question entirely. Obviously in more thematic films like The Scent of

story. Then we had the idea of re-enacting the scene. And everyone agreed. But putting the

Pequi our interference is greater in terms of background research and the project. In films

idea onto film was a problem. We postponed various times until finally there were just three

about everyday life, it’s different: things happen, the filmmaker reacts, decides whether to film

days left to the end of the workshop, and we still hadn’t filmed the crucial scene. The sticking

or not. The Scent of Pequi involved a predefined project based on research into knowledge

point was finding a family who would allow their daughter to pretend to have sex with the

transmission. The film’s theme comes from Carlos and Bruna, but its production represent an

caiman and nothing was happening. To avoid potential conflicts, the solution was to ask

appropriation by the filmmakers. Organizing the film provoked considerable debate, but the

Kanu, the sister of the young man playing the caiman. It was all heavily improvised, though

choices, the actual making of the film, all took place during its recording.

also good fun. It was an exercise in which we interfered considerably. But the most interesting part was to follow: a few more scenes remained to be filmed and Takumã was left in charge

I don’t think our intervention in the process is greater than with the other groups with

of filming them. He did so brilliantly. He completely assimilated the bits of the fiction still

whom we work, but undoubtedly it’s different in kind. The fact that Carlos Fausto speaks the

to be done. Scripting the fiction, directing, thinking about the continuity. Fiction among the

language and is completely extrovert means he takes the initiative, like turning up and doing

Kuikuro is not a problem. It’s a procedure, a working method.

LEO

an interview. Sometimes people talk much more freely with him than they do with the lads when they film. Moreover Carlos adores taking part in the process, he doesn’t stay outside.

CHARACTER IN THE DAY THE MOON MENSTRUATED Look at the moon! They put manioc powder

He fully assumes collaboration in the work. He likes it, he speaks the language, his enthusi-

on its face! An eclipse is happening!

asm animates the process. He’s cherished by the community, people like him and like speaking to him. He becomes enthused, reacts, responds, suggests shots and scenes. This would

CARLOS

only be a problem if he imposed restrictions. But it’s precisely the opposite, he takes part,

occurred. The timing was completely fortuitous. We were watching The Quest for Fire and just

When we returned in 2003 to complete the filming of The Scent of Pequi, an eclipse

helps, encourages, he’s present.

in the scene where the embers are going out... as an aside, because I’m very hairy, the Indians always say I’m descended from the monkey, basic Darwinian theory... I was talking with

TAKUMÃ

We talked a lot with Carlos. He speaks our language. In the workshop he participated in

the classes, trying to explain the progress to us, the community and the village leader.

a Kuikuro friend and he said: “Are you watching? Didn’t I tell you that the whites come from monkeys!?” At that moment Kanu’s brother came running out of his house yelling: “The

326


eclipse! The eclipse! The eclipse!” At that time the only TV set was in the village leader’s

when the character bashes it. In The Day the Moon Menstruated the reconstruction was a

house. The announcement had been on the evening news but we hadn’t seen it. So Jakal,

really cool process, a highly ethnographic process too, I think. That’s why I like it so much.

very politely, turned to us and said: “Vincent, you can turn it off. We were watching the film,

We had the material, we had the event of the eclipse, we had the festival, people dancing,

now we’re going to play flutes.” And that’s when the ritual activities started which we par-

but the filmmakers didn’t know how to reply to any of our questions about the events, they

tially documented and partially reconstructed in the film.

hadn’t a clue, they didn’t know the reason why things were the way they were. So we immediately began to think of who to ask. The first person was the shaman, Terruco, who died

It was all very quick. The rituals began that same night. It was kind of nerve-

three years later. On the day of the eclipse, the night of the eclipse, he had smoked and had

wracking with us there and things already happening. When they stood up and went to play

seen everything he recounts in the film. But I had to go with the filmmakers for them to be

the flutes, we decided to change the course of the work. We knew we had a film.

received by these elders. So this mediation we emphasize whenever we talk about the

VINCENT

Kuikuro was gradually constructed. Even so, once the start has been given, the relation TAPUALU, IN THE DAY THE MOON MENSTRUATED He saw the blood dripping. Everyone transformed,

between them is what allows the density to emerge, questions you would never ask but

all the animals transformed. The armadillo turned into a stingray. And the snake turned into a

they do. In The Day the Moon Menstruated we asked one question after the other. The sha-

fish. If you go to the swidden during the eclipse, you’ll see the manioc dancing. And if you go

man explained how the moon menstruates, but then in their mythology the moon is a man,

to the city, you can be run over by a car. That’s why we don’t wander about during the eclipse.

so how did he menstruate? We went out to ask people and when we received those replies it became clear: “Well, if we want to make a film that has an interesting ending, for me,

We were watching the film projection when everything started. Every day I would

from an anthropological point of view, it has to terminate with doubt rather than cer-

ask Vincent what film would be shown later. I liked the screenings. I arrived early and set up

tainty or the apotheosis of the ritual.” But that idea resulted from a particular kind of re-

the equipment for everyone to watch. We saw films every day. Suddenly the eclipse hap-

flection, there were other possibilities. One of the interesting questions of this film is that

pened. One person sees the eclipse and tells the others. Instantly we stop whatever we’re

the eclipse, in contrast to other rituals that demand a public setting, does not involve any

doing and go to play the sacred flutes. When the eclipse happened, everyone left the projec-

ritual cycle. The film was much easier to make since we just had to record a chronology of

tion. Carlos grabbed a tape deck to record the singing, but we didn’t film. It was night, I

two days following the eclipse: the start of the eclipse, the end of the activities relating to

packed the equipment and went home because I was still focused on completing The Scent

the eclipse, and we were done.

TAKUMÃ

of Pequi. The next day Vincent suggested it would be a good idea to film everything associated with the eclipse. People still didn’t trust us, the workshops had yet to produce anything.

TAKUMÃ

No films were ready. But we explained that we were learning still and we talked about the

thing took place in just one day: the conversations with the shamans, scratching the bodies

I learned a lot during this process, I accompanied the recordings and filmed. Every-

importance of this documentation. Various festivals take place after the eclipse, young

of the youths, the wrestling, the women, the cures. The next day we filmed a few interviews

people go to fetch plant remedies to strengthen their bodies. We say that when the moon

and the film was done. We made a first edit in the village, but I didn’t yet understand the

menstruates, blood falls on us and everyone has to stay awake. And it became clear to us that

process properly, I didn’t grasp what the result would be. It was only after the first DVD was

we had to film people, the women, the shamans.

produced that I realized the film was ready to be shown, it would be screened in festivals. I only began to understand after the DVD was launched. When I projected the film in the vil-

TEHUKU, IN THE DAY THE MOON MENSTRUATED I smoked during the eclipse until I went into a trance.

lage, some people didn’t understand either. Even today some people are unsure and we have

Then I heard the dead. They carried me away unconscious. The eclipse was beginning. – Look! the

to explain. Younger people understand more than the elders. So we have to explain every-

dead said, it’s his daughter who’s menstruating. All the spirit animals were gathered. I heard the

thing. After this film we edited The Scent of Pequi. When we showed the film in the village,

owner of the roots crushing his remedy with a pestle just as the eclipse was beginning. All the

there was a lot of discussion because my mother speaks Kalapalo and was heavily criticized

spirit animals were dancing. That’s what their festival is like: each one has his own dance, all of

because she spoke another language. Plus she told the story of pequi in a slightly different

the festivals together. They are the dead. The dead celebrate. – Let’s go! the dead say. They all

way to the others. Everyone kept saying that it couldn’t be like that and some complained

dance in a line. The first festival performed by the dead is Hugagü. The dead have bodies like us.

that they weren’t featured in the film. We explained that that was the way it was and that

But it’s not like this body here. Their body is very beautiful. There in the world of the dead we are

some people hadn’t even wanted to talk to us during the filming. But we explained that the

beautiful again like we were when young. Everyone danced and sang. I listened to the festival of

work was for ourselves and they gradually began to understand.

the spirit animals. They danced all the festivals. While I was lying in a faint, they were waking the kagutu flutes. When it’s day here, it’s night there.

MUTUÁ, IN HANDLING THE CAMERAToday new technologies are entering the village and this wor-

ries the older people a lot. Younger people want to learn more. That’s why we try to document CARLOS

We reconstructed the scene of waking the objects that were ‘asleep.’ It’s funny and

our music, songs, and myths so that the material can be used for generations to come.

obvious that it’s already daytime, a complete fake. Lots of people later remarked to me how incredible it was that we managed to film just when the eclipse was occurring. To which I

TAKUMÃ, IN HANDLING THE CAMERA

replied: “Did you notice how the sun is shining through the gaps in the roof?” We enjoyed

here, photographers and filmmakers, and I saw their things, large cameras, like the TV Globo

ourselves immensely inventing that television trick. Another thing that many people fail

network, which came here some time ago. I would watch them in secret, walking behind, and

to spot, though it’s fairly obvious, is that we used a remote control to switch on the TV just

I would wonder: what are these machines? I was still a child, I didn’t know.

327

When I was a child, around the age of five, the whites came


TAKUMÃ

At first I practiced a lot, but only during the workshops because the camera was

CARLOS

Among the Kuikuro there’s also the question of authorship. When Takumã and Mariká

taken away at the end. We still didn’t have our own. So we stayed there, without filming,

took the lead in the workshops, after they showed a talent for this work, the films were re-

waiting for the next workshop. I knew that I wanted to make videos. When the camera ar-

leased in both their names. I insisted at the time because I thought it was something good to

rived in the village, we began to film everything, everyday life in the village, the festivals,

do and the lads agreed. Later when the new generations were trained in video, we created the

the wrestling. People started to ask us to film in other villages too. We documented songs,

Kuikuro Cinema Collective to mark the existence of a group of filmmakers. The question of the

the stories told by the elders. Over time I became the coordinator of the Kuikuro Cinema

film credits is always complicated, much more complicated than in the sciences. In the end

Collective. What we film is decided by the village leader in collaboration with the commu-

it’s difficult to say who made the film because so many people are involved. This became very

nity. We can’t just turn up and record, the leader has to be present. So I also began to run

clear when I worked with Leo in the first edit, watching him at work on the editing station,

workshops in other villages, training courses. I became a filmmaker. In the Xingu and in my

making decisions over cuts, and I can imagine it’s a big issue among filmmakers generally. In

village I’m recognized as a filmmaker. Outside the village too, I’ve already been hired as an

the case of the Kuikuro, the Cinema Collective turned out not to function particularly well, but

editor by the Indian Museum, and I’ve given lessons with Divino in Cuiabá. One project

the Collective can always be named as responsible for the overall production and the different

leads to another.

functions specified in the credits. This is a discussion for the future. In the Xingu it was very clear from the start of the work with audio-visual media, as the leaders emphasized, that the

The Kuikuro are passing through a period of transition, the western world has arrived

filmmakers were working for the community in response to the community’s decisions. But

in the village definitively by various routes, including TV, the internet, all the different

perhaps there is space for other possibilities. Takumã is more mature now and already widely

means of communication and circulation. They’re always travelling, all the young people are

recognized, so perhaps he can present more personal projects and assume clearer authorship

looking for a way into something. Takumã and Jairão, for example, are not chief’s sons, they

or collaborations. But this is a question that needs to be discussed film by film.

CARLOS

haven’t had many opportunities, and when this space opened up... Takumã is the oldest, the firstborn. In the Xingu being the firstborn makes a lot of difference, so he immersed himself

KAMANKGAGU, IN THE HYPER-WOMEN Look daughter, this is what I’m teaching you. Look at how

in video intensively, expressing a desire to find his own path. Aside from the sheer enjoy-

much music there is. I’m teaching you this line, the Etinkgakugoho songs. This other line here

ment of making films, Takumã also gained a place in the world and in Kuikuro society in

is the Tolo songs. This here is Titalo. This here is Atsagalü. I’ve already taught you those. This

particular. A way of earning a living. All the projects run in the region mean that there is a

other line is the Sogoko songs. These ones here I learnt from your uncle. This other line is

constant influx of resources and this makes a difference too, a different kind of motivation

Tikankginhü. These are still too difficult for you. Each knot here is a Tüakanetinhü song. They

to Isaac Ashaninka or Zezinho Yube. In their case there is a reflexive process, they set out

are very difficult. For now you wouldn’t be able... Remember what I’ve told you. Another day

from a political rconsideration of the use of video as a tool to affirm a people, a situation, a

I’ll teach you more. It’s impossible to learn everything at once. There are so many songs to

specific context. That’s a very different approach, one probably reflected in the kind of film

learn. There’s still so much for me to teach you.

that is made. Since we have a very clearly defined collaborative process within the Kuikuro cinema project, I ended up becoming heavily involved in the films, in project management

CARLOS

and in the Kuikuro Association, but I think that it’s necessary to provide a kick start. When

IPHAN. For various reasons, they were unable to finish the project in time and I ended up

The Hyper-Women was originally a project developed by Bruna and Mutuá with

Takumã has to complete a project alone, he rises to the challenge and does it well, but he

taking over the work. For me it’s a project close to my heart because it coincides with what

withdraws a bit when we’re present. My unease now is over his growth as a filmmaker. He was

I’m studying, which is the transmission of songs and memory. The film represents every-

elected – something highly unlikely if you know about Kuikuro politics – he was elected al-

thing I’ve learned all these years in the Xingu, put into action. We started filming with an

most unanimously as vice-president of the Association. Acclaimed in fact. His expertise in

idea in our heads, a specific plan. It wasn’t exactly a workshop, we had a well-defined

using computers meant that he became responsible for registering everyone to receive the

project, characters, approaches, procedures and payment. The question of payment is very

rural pensions and so on, and he helps a lot of people, a fact widely recognized by the com-

serious in the Xingu. There everything is paid, there’s no way about it, nobody will work

munity. And because he has access to the documentation centre, he had a computer, he

without being paid. This is traditional among the people. In the first film we managed to

surfed the internet, he learnt... In other words, he’s someone who also appropriated all this

obtain funds to pay the filmmakers, but in this film the characters being filmed demanded

technology to acquire a particular place for himself within the Xinguano world. Today he’s

payment too. Kanu told us: “Well, if the lads earn money for filming and we’re the lead

highly respected. But I think that he still has another level to go, as we can see with some

characters, we want to get paid too.” This is work like any other and the person has to be

other filmmakers, a certain reflection on their own work, something only acquired with

paid. So the way this film was made was different from the outset, turning it into something

maturity and experience.

else entirely. In the act of making the film, in the first shoot, there was something very relaxed, very everyday, non-public, because another kind of relation was established and also

AFUKAKÁ, IN HANDLING THE CAMERA Look, many peoples have already lost their songs, We, the

because when you pay people – and this is a characteristic of the Xinguanos in general –

Kuikuro, still have all our true songs. That’s why I thought of creating the Association to safe-

they feel obliged to retribute, they have to show gratitude for the payment in some form.

guard them Today the community likes the filming. The camera belongs to everyone. It’s not

So something very beautiful happened, really beautiful, something I had never seen before,

mine or yours. I get very concerned, the children watch television in the village. Everyone

a very introspective tone, the intimate relations, the small talk inside the houses, unique

watches, not just the Kuikuro. I myself like watching the news and football. I like the fact you’re

scenes of one of the characters singing alone. But as filming progressed the women became

teaching the youngsters, my son-in-law, my grandson.

more enthusiastic. Kanu, an important singer and lead character in the film, was sick. And

328


the community was busy preparing for the big festival, the finale, with guests from other

one enormous studio. What the filmmakers wanted, the community did. Everyone was in-

tribes, a festival that had last been performed around 30 years ago by Mariká’s father. Kanu

volved and free to contribute. Especially Jairão, who quickly assumed control of the direc-

had never sung all the songs, especially the sacred and dangerous songs. When people hold

tion, the repetition of scenes, the negotiations over new scenes. Jairão is extremely active.

festivals, these small festivals over the years, they only dance some musical sets, because

While Takumã was concentrated during the first workshops, Jairão was bursting with energy,

the full repertoire is very extensive. On this occasion, though, things were happening. The

though he was hard work sometimes. But during this workshop he matured considerably, he

women even fought with us, calling us lazy, because we didn’t film everything. Even so, we

began to direct scenes. He would arrive and say: “Ah! That’s what has to be done!” or “Okay,

completed the filming with around 100 hours of raw footage. Very often we weren’t sup-

leave it to me.” He went out alone and directed all the scenes. All the auwaikamana scenes

posed to sleep but did. That was when we realized that people were trying hard to force the

were directed by himself and we arrived with all the material ready, listing everything that

owner of the festival to hold it. He had been the festival owner for ten years already and had

they would say. While Takumã makes cinéma vérité with a camera that’s pure fluidity and

never held the mega festival. He has a very small family, lives in a very small house and has

improvisation, really impressive camerawork, he arrives, asks a question and shows that he

no siblings. So it’s difficult for him to sponsor a festival. How can he mobilize the work re-

asked a question, Jairão has another approach entirely: he clearly directs the scene and only

quired to feed 700 or 800 people, plus hold the festival itself? We talked to him and discov-

shouts ‘action!’ after he has said something first. It was a great example of team work with

ered that one of the problems was finding the petrol to transport the guests. In the case of

jobs and procedures carefully defined. Marvellous work.

Ijamori Komalo, which is a female festival, wool and beads are also needed. So we decided “Let’s fish,” they said. Meanwhile the women were singing and

to provide the support to enable the festival to go ahead. We bought bags of manioc flour

KANU, IN THE HYPER-WOMEN

to feed more people, and it all went ahead, it was a marvellous festival, incredible. Everyone

dancing in the village. The men didn’t return on the arranged day. The women were waiting but

was blown away and Kanu had the chance to sing the entire sequence she had learned from

the men didn’t arrive.

her mother, the singer 30 years previously. Takumã’s grandmother, who is the festival coor-

— “What happened? Do you think they failed to catch any fish?” The women were worried.

dinator, the main ‘requester,’ was the main body of the spirit, both in this festival and the

— “Son,” the boy’s mother said, “Go and find out what’s happening with your father.” — “Son,

festival of 1982, despite being already elderly. It was a very beautiful festival, we hadn’t

did you find your fathers?” He didn’t reply. “Son, did you find your fathers?”— “They’re gone,

expected it, we helped hold the festival and marvellous things happened. Undoubtedly it’s

mother. Something very strange happened. My father and my uncles transformed into monstrous

a film that could only be made now, after all these years of work.

animals. All of them had transformed. Their eyes were sprouting here on their heads. Their teeth were protruding from the back. Fur was sprouting here. And here. They’d turned into animals.”

DIALOGUE BETWEEN KANU AND HER MOTHER, AJAHI, IN THE HYPER-WOMEN

— “Okay then, we’re going to do the same!” So the women took their revenge. They went to

— How are you daughter?

fetch tree resin to mix in their paint. They painted their faces in a different way, with animal

— Not so good. I’m still here lying down. — That’s why I’m asking you. We could be singing

designs. And thus they began to transform.

together. I want you to get well soon. I don’t know why you’re like this. Do you think some With exquisite aesthetics and production, the film The Hyper-Women is the result of

spirit has its eye on you? I’m very worried about you. This can’t be happening now. We could be

VINCENT

singing. I still want to sing one last time. I could accompany you, holding your hand. This can’t

years of training and production work and is due to be premiered in two important film festi-

be happening... We could be singing for your grandfather. Let’s see if you get better.

vals, Gramado and Brasília, moving from the captive audience of indigenous filmmakers to a much wider audience. This news caused surprise in the filmmaking world and immediately

To make this film we held various meetings between ourselves and the community,

provoked a reaction from the anti-indigenous lobby. The film critic of O Estado de São Paulo,

principally the women. We explained to them how the payments would work so nobody would

Luís Carlos Merten, has emphasized the surprise of some of his journalist colleagues: “Some

miss the filming, and we explained how they should act during the filming. We made a script

people think the film shouldn’t even be at the festival. But why, if this is the best Brazilian

of the scenes to be included in the film and we split into groups. There was a chalkboard

cinema to date?” He adds: “Some people die just thinking about watching films by Indians.”

where we wrote everything we needed to film, the names of the people, what they were do-

Slowly, then, we’re inserting the indigenous presence in the Brazilian film world.

TAKUMÃ

ing. For example, the master of songs remembers the songs while he’s working, during his walks, when he goes fishing, so the lads arranged to accompany him during these moments. But it doesn’t look pre-arranged because he acts naturally. We tried to leave everything as natural as possible, we let people forget the camera, they chatted among themselves and I was there, silently filming. It was an attempt to do something different to the earlier films where people spoke directly to the camera. All of this was planned with the characters be-

Huni Ku˜ı

forehand. We also coordinated things between ourselves because we used two cameras, one to film the wider shots, and the other concentrating on the close-ups. When a scene didn’t

The Huni Ku˜ı, also known as Kaxinawá, number roughly 10,000 people and live on the Bra-

work, we asked them to repeat it.

zilian-Peruvian border in western Amazonia.The Peruvian villages in are found on the Purus and Curanja rivers while in Brazil the villages are spread along the Tarauacá, Jordão, Breu,

In the case of The Hyper-Women, the decision to pursue a fictional approach was their

Muru, Envira, Humaitá and Purus rivers in Acre, located in 12 Indigenous Lands. Persecuted

own. There was a lot of enthusiasm and freedom of invention. They turned the village into

and enslaved by Peruvian rubber tappers, the Huni Ku˜ı began to win recognition of their

CARLOS

329


rights and demarcation of their lands in the 1980s, a process accompanied by a strong cul-

But I paid no heed and the first thing I did, of course, was use the zoom. I returned with the

tural revival movement. Vídeo nas Aldeias has worked with the communities from the Praia

day’s footage and when Vincent and Mari watched the material they gave me a scolding. From

do Carapãnã Indigenous Land on the Tarauacá river, with Zezinho Yube and his assistants,

then on I stopped filming with the zoom and began to play with it only when the camera

and with villages on the Jordão river, with Tadeu Siã, Josias Maná and Vanessa Ayari.

wasn’t recording. Ah, how I loved using the zoom! But things were happening, the workshop was advancing and at some point we watched Shomõtsi. Wewito was also there and we talked

VINCENT CARELLI The relationship between Vídeo nas Aldeias and the Huni Ku˜ı began in 1998

in the video workshop we ran for indigenous teachers from Acre in partnership with the ProIndian Commission (CPI-AC). This group of teachers trained by the CPI was fairly select with significant experience in the area of indigenous authorship. Teachers from various groups took part in the workshop, including the Ashaninka, Machineri, Karamari, Kulina, Katuquina and Huni Ku˜ı. Representing the Huni Ku˜ı was Adalberto Domingos Kaxinawá, also known as

to him, asked him everything about how he had made the film, how he had discovered and approached the main character. So, heavily inspired by Shomõtsi, I began to film a Yawanawá shaman. But I still didn’t know how to conceive a film in its entirety, capture its idea. I thought it was enough to film different angles and shots to produce a good film. For me the best bit was the different framings, like we see on the TV programs: wide shot, cut, close up, cut. I made as many shots as possible. I expected to make a film like Shomõtsi from the word go. But obviously that didn’t happen. Because I didn’t think about the content, the story I

Muru, who had participated in the workshops that led to the production of the films The Rainy

wanted to tell, just the images. The only thing I discovered in that first workshop was the

Season and Dancing with a Dog. During this period, Zezinho Yube, who later became the film-

camera. I really understood what a film was, how to conceive a film, in the 2005 workshop in

maker he is today, was still a boy. He didn’t take part in the workshop. His history with VNA,

São Joaquim village, on the Jordão river. A workshop in the current mould with just the Huni

or at least our first contact, began a bit later, in 2000, during production of the series Indians

Ku˜ı, in our language, in our own village. Those participating were Tadeu Siã, Zé Mateus It-

in Brazil, in partnership with TV Escola and the Ministry of Education. Joaquim Maná, Zez-

sairu, Josias Maná, Vanessa Ayani, Fernando Siã and myself.

inho’s father, an indigenous leader and teacher who played an important role in the campaign for the new indigenous school, as well as a specialist of Huni Ku˜ı culture, was one of

AGOSTINHO MURU

the 9 figures in the series Indians in Brazil. For the production of the second episode of the

film. They brought five cameras for the students to use. This is called a workshop. They’re

series, Our Languages, we went to the Carapanã village to film Joaquim Maná giving a lesson

going to record our day-to-day life rather than film a performance. Our life as it is, seen via

in a small forest school. The moment I focused on Zezinho, his pupil at the time, he began

each person who was chosen. (...) Zezinho chose me as his main character. I said to him

to sing a beautiful solo, catching me totally by surprise. That was when I first met him. Years

that we would work in our own way without acting. To do that you have to work properly.

later during one of our conversations, Zezinho himself told me, laughing uproariously, that

You go out, explain something, work and come home. That way it turns out well. No acting.

this scene had been staged at his father’s request. In 2002 we met again. At the time I was

If you jump about everywhere it doesn’t turn out well. You have to show the real things. We

making a film about the training of agroforestry agents, virtually a revolutionary project for

have to think clearly.

We knew the workshop would be held here. They came to teach us how to

Acre. And Zezinho was there once again, this time as secretary of the Acre Indigenous Agroforestry Agents Association (AMAIAC). Vídeo nas Aldeias’s work had already progressed

VINCENT CARELLI In São Joaquim we tackled the question of people performing in front of the

considerably in the region and our films were widely used in training indigenous teachers and

camera, in the sense of always being adorned, dressed up, acting a part. The dust has to

agroforestry agents. Then in 2003 the Yawanawá asked us to run a video workshop and we

settle, the acting cease, for us to be able to really enter everyday life. A lot of the material

– Mari Corrêa and I – provided a brief introductory course in which Wewito Ashaninka, Nilson

produced at the start of the workshop had to be discarded. Everything seemed overacted and

Sabóia Huni Ku˜ı and, finally, Zezinho Yube also participated.

bureaucratic. The workshop students’ plan for depicting the village had initially involved showing the different paid jobs: healthcare agent, teacher, agroforestry agent. It was almost

I really got to know Vídeo nas Aldeias’s work when I was training as an Indig-

a staff chart of the village. Little by little we broke away from this blueprint, encouraging

enous Agroforestry Agent in 2002. We watched the films already produced by other peoples,

them to look for the men and women of the village, not the categories they had created. It

especially the Ikpeng and the Ashaninka. And I thought how much I would like to make films

was during this workshop that Zezinho discovered his own potential, sweating blood in the

like those for my own people. But my passion for video had been stirred long before while

process. He chose a character, a great character, Agostinho Muru, the village shaman, and

still a boy. It was a wish I had nurtured since I was little, when I saw Siã filming. I remember

accompanied him for 20 days, 24 hours a day. He stuck to his subject like glue. And Ago-

a festival on the Jordan river, when we still lived there, Siã with the camera and tripod in his

stinho spurred him on, participating actively in making the film from start to finish.

ZEZINHO YUBE

hands and the crowd of people surrounding him. I saw that and was spellbound. Then in 2003 we were invited, Nilson Sabóia and I, to join VNA’s workshop in the Gregório Indigenous

ZEZINHO YUBE

Territory, home of the Yawanawá people. We were really excited about the idea. And then

as possible, little bothered about the content and the dialogue. When we began to watch the

finally the big day arrived when we held the camera and received our instructions, what al-

material I had produced, I realized that I was cutting people off mid-sentence, I wasn’t wait-

ways happens in the VNA workshops, pick up the camera, learn to switch it on and immedi-

ing for them to complete their thoughts. So I began to understand the way the film could

ately start filming. I was given a VHS camera and began to film. I filmed everywhere. What I

develop based on what the character had to say. We realized that only in this way would we

most liked was the zoom, the ability to see things closer than we see with our own eyes.

have a film. From that point on, I would place the camera in front of Agostinho, ask a ques-

I found that really incredible. Vincent had already warned me not to use the zoon because it

tion and let him proceed to tell his stories. We constructed the film together. Every evening

shakes a lot, any camera movement becomes very brusque when you use the telephoto, etc.

after filming was over we would watch the footage and talk, discussing the material we’d

At the start of the workshop I was still keen to shoot as many different takes

32:


produced and what we still needed to finish the film. Some of the scenes dreamt up by Ago-

wasn’t just about taking nice shots, it needed content, the connection between one dia-

stinho himself emerged from these discussions, while others stemmed from talks with Vin-

logue and the next. That was when I realized what Vincent and Pedro had meant when they

cent and Pedro who were coordinating the workshop.

talked endlessly about content. It was a difficult process but enjoyable. I feel happy to be able to tell this history to other people from my community, as well as people from other

VINCENT CARELLI

We had a lead character who was creating highly symbolic situations. We

states and even other countries.

provoked the questions somewhat, especially those relating to the history of the rubber plantations, so they would appear in the film, but always based on conversations with the

PEDRO PORTELLA The film Xinã Bena had a difficult birth, it consumed roughly two months of

main character. Some scenes were imagined entirely by Agostinho. He was the one who sug-

hard work. The first stage of editing took place in an excellent climate since the material

gested the scene of the rubber and the alphabet. A complete scene. It encapsulates the

produced during filming was extremely interesting. I think this was one of the first films

history of the slaves and those who controlled the account books, the Indians and the rubber

produced within the Vídeo nas Aldeias project where we openly explored the filming process

bosses, respectively. Anyone who learnt how to write would probably be freed from debt-

itself, that is, the actual workshop. The endless viewings of the fresh footage, the comments

slavery. And this is the dialogue between Agostinho and the rubber tree. And the scene of

from the teachers and students, everything was there, exposing the film-making process

the rubber tappers leaving at dawn reading the alphabet – writing, which was understood to

behind the images. For me it was all new, living and working closely with Zezinho Yube, with

be the great instrument of power and domination.

Vincent, who taught me much during this process, with the CPI team, who always helped us, and with other indigenous people who visited the site during that period in Rio Branco, the

A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, X, Z. For a long time

Ashaninka and the Yawanawá especially. The inspiration came from our conversations, the

I’ve been cutting you and tormenting you. Let me learn to read and write. When I learn, I’ll

trips provoked by the dumedeske snuff, the spaghetti bolognese I occasionally made, the

leave you in peace and you’ll live with a soft skin. (...) The life of the rubber tapper is oppres-

wine that we sometimes searched for in the hidden corners of Acre’s capital, the chicken with

sive, you sleep a little at night, rise at daybreak. Taking his bucket and knife, the rubber tapper

a whiff of petrol that Vincent bought on his regular early morning walks: everything was a

leaves home, spending the whole day cutting the trees to extract their milk. The thunder roars

stimulant for us to work into the small hours cheerfully in front of the computers, mulling

in the centre and can sometimes be dangerous even. The rain comes to take the milk, you lose

over the translation and the narrative of the Huni Ku˜ı themselves, which was beginning to

an entire day’s work.

appear. We were totally immersed, the sense of a collective was our biggest achievement,

AGOSTINHO MURU

the film, if it emerged, was the result of this integration. This doesn’t mean there were no The other students accompanied characters who were later incorporated

problems. Of course all editing has its range of issues. The worst of these was how to fit

into the film. Vanessa filmed her aunt, Dani, the shaman’s wife, and the work done by women.

around 50 hours of material into less than an hour. With almost all the material for the film

Fernando and Josias filmed Agostinho’s parents-in-law, while Tadeu and Itsairu didn’t pro-

translated, and many sequences ready, we headed for Olinda a short time later to complete

duce a character, but gave us some really funny moments, accompanying everything in close

the work. There in Olinda the work was even more intense. On many mornings Zezinho awoke

detail and laughing uproariously at their own mistakes. Viewing the rushes seemed to me the

before everyone else, around four thirty in the morning, to translate the remaining scenes

most important part of the entire process. Vincent criticized, looked to correct recurring

on Final Cut. The first complete version of Xinã Bena was shown in a collective night screen-

problems, in general questions of backlighting, positioning, cutting off dialogue mid-flow.

ing at Vídeo nas Aldeias’s head office where we were able to receive and assimilate criticisms,

He tried to emphasize situations that involved humdrum everyday life, like ‘resting’ and ‘just

allowing us to further improve the work. From this extremely participative process, the film

chatting,’ moments where everyone seemed to be more spontaneous. The night-time cinema

finally emerged out of the oven and into the world, literally.

PEDRO PORTELLA

screenings also stirred the curiosity of everyone in the village, especially the students, who proved to be particularly motivated by films by their kin. VNA’s films allowed them to reflect

VINCENT CARELLI Between that film and Zezinho’s second production we held another work-

on their own reality, on the different angles and above all on the adoption of particular nar-

shop in São Joaquim, in 2006, with the same students who had taken part in the filming of

rative focal points.

Xinã Bena. This new project was run by the Pro-Indian Commission, in partnership with IPHAN, to register the traditional Huni Ku˜ı songs associated with the use of ayahuasca. The

From this process of viewing the day’s rushes, I began to understand what

project included recording a CD and publishing a book. In fact we never held the production

making a film involved and started to film thinking of the people who would later watch the

workshop, only the editing course. This process led to Huni Meka, The Vine Chants, which

story. I needed to work hard to ensure that someone who was not present could understand

received a huge contribution from Leo Sette, who coordinated the editing workshop in the

what was happening. Go after the details. It’s like a spoken history, but narrated with im-

village, constructing new scenes that gave extra substance to the film.

ZEZINHO YUBE

ages. But the final test was the actual editing. It was a very tough process. It’s when you really look at your material and realize what is missing, what should have been done and how

CD INSERT

it should have been done. I think editing is a process of reflecting on both your work and the

knowledge is not lost. Isaias Sales Ibã researched their traditional songs and invited a team to

story that is being told. In this sense, editing was a second discovery. Sitting in front of a

record a CD and publish a book for their schools.

The Huni Ku˜ı teachers in Acre have worked with their elders to ensure that their

computer and translating what we had recorded, what people had said. We spent a month in Rio Branco and later another month in Olinda. I could scarcely sleep. I closed my eyes and

BIXKU

saw Agostinho talking and talking. That was when it really dawned on me. Making a film

monkey. You see a yellow light. When you drink you hear all the sounds of nature. You hear well.

331

This is the vine of the forest and of the squirrel monkey. First you feel the force of the


And your body becomes light, very light. You feel more and more. This vine is very light. Then

shooting Xinã Bena, he wouldn’t have filmed as much. We talked about this. We explained to

you begin to sing and the forest shakes.

him that learning empirically allows you to develop other talents, other approaches, the capacity to look and to allow improvisation to happen, the possibility of collective creation

SONG

The forest is shaking, shaking. The vine is light and is shaking. I can see the vision and

the vine is shaking. LEO SETTE

The project involved the ethnomusicologist Gustavo Pacheco, the photographer

and the participation of the lead character in the filming decisions, which in the context of VNA’s productions is crucial. JOAQUIM MANÁ

In the era of the bosses, there was a program called Mobral. I only studied for

Maria , Dedê Maia, who was project coordinator, Siã Tadeu and Josias Maná, both indigenous

two weeks, I was still scared of the whites. They taught us through books and I learnt nothing.

filmmakers, along with Huni Ku˜ı teachers and researchers. We weren’t in the village during

The leaders said: “White teachers are useless, we want Indian teachers.” In 1983 they selected

this first when they were filming the songs being recorded for the CD. Later I met Mari Corrêa

students for a teacher training course. I applied and they let me go. I went, studied and since

who told me about the project and asked whether i would like to run an editing workshop

then I’ve been a teacher. (...) I passed the college entrance exam and, following the tradition

with the students using the filmed material. I’d never been to Acre and knew little about Huni

of the whites, I went to the graduation ceremony to receive my diploma. I researched my own

Ku˜ı culture. As for the project, I merely knew that it involved filming the recording of a CD

culture. Only the whites wrote about us. If I write in Portuguese, I write for the whites. That’s

and that Tadeu and Josias, both already initiated into video making in the previous workshop

why I write in our own language. So that our young people learn and can undertake new re-

in São Joaquim, had filmed without anyone from Vídeo nas Aldeias accompanying them. So

search of their own. To safeguard our memory.

I went to Acre, alone, for a very short period, just 20 days. I stayed in Josias Maná’s village, Boa Esperança. Tadeu also went. The material had been filmed entirely at a distance using

ZEZINHO YUBE

the zoom, which affected the sound in particular, and caused some shaky imagery. But at the

enormous admiration for his work as a teacher. He’s a great teacher, he taught reading and

same time the subject was incredible, fascinating. We worked really hard, I was really ex-

writing to a lot of people, including myself. He invited me to film his graduation ceremony.

cited by the footage and realized there was enough material for us to make a film. And it was

So I thought about doing something beyond recording the work, telling a little bit about

that process of watching the footage, becoming excited, that led to new scenes being made

his personal history and at the same time the history of our people, my grandparents, life

for the film. Josias Maná’s father, Bixku, a singer too, was also present. He watched the foot-

during the era of the rubber bosses, the process of freeing ourselves from debt-slavery and

age and thought of some new scenes. This emerged as a natural part of the editing process.

the demarcation of our lands, until reaching differentiated education and the Indians

We felt there were a few situations missing and went out to produce them, things like col-

themselves teaching their students, not just writing but our way of life. It was a difficult

lecting the ayahuasca vine, making the drink, and finally the ritual with which the film fin-

film for me to make because I needed to break down barriers to reach my father. In our

ishes. We worked with a PD-150 (Sony Camcorder), which was itself a big advance compared

culture we don’t have the same closeness and freedom with our parents. But I really needed

to the previous workshops in terms of capturing light. It meant we were able to film the rit-

to make the film, so I gradually managed to close this gap. Another area of apprenticeship

ual at night. Bixku produced the scene, the clothing, we made a lighting plan. It turned out

in making this film was coming face-to-face with a completely different way of making

beautifully. I mean, the initial footage, even with the imperfections, abrupt cuts, zooms and

cinema. After being selected for the award, I took part in a 11-day training course. This

so on, was really fascinating, and this stimulated us to develop the work during editing, even

involved more technical discussions on scripts and production. A more theoretical ap-

though the pace was hectic and the entire process very intense. At the end of the workshop,

proach, very different to learning in the Vídeo nas Aldeias workshops. Lots of things failed

the film was ready. In Olinda we merely made a few final adjustments. It was a very quick film,

to fit what I had learned previously, and even with the reality of filming in the community.

contagious and very easy in terms of the relations we established in the village. It’s also a

On the course I discovered that people don’t have the faintest idea what it means to be an

very simple film, but achieves what it sets out to do, namely provide a record of the transmis-

Indian, some hadn’t even seen an Indian before. Moreover there was the deadline issue.

sion of songs and the use of ayahuasca among the Huni Ku˜ı.

How could the film be made in the time period they set for me? All these questions made me

I had wanted to make a film about my father for a long time. I always had

think a lot, ponder the possibilities with the camera in my hands, the community there and BIXKU The youngster is going to drink you. Don’t carry him very far. Help him to tune his voice.

the ideas I had for making new films. How could we make new documentaries about our

Put him on the right road of the songs.

culture and our history using different approaches? My desire was and remains to film our knowledge, think of film both as a work and as a form of documentation. We’ve already lost

VINCENT CARELLI Next, also in 2006, Zezinho applied for a project to make a short film for the

much of our history and culture, our festivals, our music. That means film is also a form of

Revealing Other Brazils Award, which was subsequently approved. The most important thing

encouraging apprenticeship, teaching, the transmission of knowledge to young people.

to note here is the methodological shock Zezinho experienced. Clearly the teachers/supervisors of the award had no idea in which world, in which context, Zezinho’s films were pro-

JOAQUIM MANÁ

duced. A production plan dictated predefined script and a set time in wich to make the film.

“If I write for my people, they will be able to read and continue to practice our culture. With

He opposed this schema, explaining that he could film only when the events happened. In

video, everyone will be able to learn, not only the students who know how to read and write,

Filming Manã Bai, a video directed by myself that reveals the process of making Zezinho’s

but the children and old people too, everyone will be able to follow. (...) If we had video in

short film, Manã Bai – The History of My Father, he says that in Vídeo nas Aldeias people learn

the past, we would see the rituals our people used to perform and the wise people who have

on the job, they learn in the process of making. He adds that had he made a pre-script for

passed away.

We’re working with video now, but we’ve already produced books. I thought:

332


After Xinã Bena and Manã Bai, I began to think about our culture and its

able, to breath deeply and think that it was exactly what I wanted. People forgot about

relation to the films. What is culture for the Huni Ku˜ı and how we can use film to encourage

the camera, forgot we were filming and performed the festival. I was really excited, that

our people to revive the festivals? With these two documentaries I began to feel the need

had been the aim of my work. The interaction of the elders, people who didn’t participate

to experience our culture and tradition again. Through video I started to think about how

anymore, didn’t believe anymore, people who thought it was just something invented by

I could get people involved to produce a documentary about ‘revival.’ These ideas in mind,

the younger generation. Afterwards we watched the footage and everyone discussed it:

I began to show screenings of unedited footage from the Jordão river trip, shot when Xinã

“Look, this is wrong, next time we need to do better.” And at that moment I felt fulfilled

Bena was being filmed, as well as some recordings I had made about the revitalization proc-

with my work, with the video, with this old idea of revitalizing our culture through video.

ess on the Jordão. At that time a large-scale revival of our traditions was under way, stimu-

This festival was the biggest such event in the history of our indigenous land, in terms

lated by the work of the Pro-Indian Commission, in collaboration with indigenous teachers

of culture, conviviality, experiencing a real festival, bringing people together, feeling

and agroforestry agents in the region. I was really captivated by this work and tried to take

the emotion of the festival’s size.

ZEZINHO YUBE

it to my own village. My idea was to use these screenings to stimulate a revival of our own traditions and get our people involved through video but without the need to produce a film

VINCENT CARELLI During the performance of the Katxa Nawa festival we also produced the in-

at the end. So the start of the work just involved filming the community and later screening

terview for the historical film included in the Huni Ku˜ı DVD for the Indigenous Filmmakers

the footage so they could see the work and get a feel for the process. At that moment the

Collection with Huni Ku˜ı narrators and filmmakers. Agostinho Muru and Tadeu Siã, Bixku

important thing for me was for us to see ourselves, which is very different from seeing

and Josias Maná, Joaquim Maná and Zezinho Yube. Our plan was to shoot the footage to

other people. After you record a festival and show the film, people begin to perceive how

make the historical film for the DVD and document the use of video by the Huni Ku˜ı. The film

they dance, what they are like, how they paint themselves. We involved a few more com-

was edited entirely in Olinda by Ernesto and Zezinho, and resulted in the film I’ve Already

munities in this process. And this had a very large knock-on effect. People began to discuss

Become an Image.

things, old and young people started to understand each other. At first the response was timid, but after a while people began to participate. We were dissolving old rivalries be-

AGOSTINHO MURU

tween the villages, people and generations. From that moment on I realized that the fight

grandchildren too and new generations. (...) We can’t hide anymore, our image has already

wasn’t just my own, it was the entire community’s.

been exposed. From now on we have to think about our tradition and make new films.

I’ve already become an image. Even if I die, you’ll be able to watch, my

VINCENT CARELLI It was in this context that the idea emerged to film the Katxa Nawa festi-

ERNESTO DE CARVALHO

val, which had been abandoned in the region since the rubber era. It was 2007, and

ready Become an Image that I’d like to mention. It was 2008 and carnival time in Olinda. It

There are some important aspects involved in the making of I’ve Al-

Joaquim Maná gained approval for a project to hold the festival from the Indigenous Cul-

was a strange feeling because the world outside was igniting, and there we were tucked

tures Award. The project split into two fronts: the production of the festival, including the

away indoors, working on the editing station, which today is the sound studio. It was also

swidden produce, clothing, songs and so on, and the production of the film. Their pro-

a very interesting time at Vídeo nas Aldeias because a lot of people were there, involved in

posal was to bring people to the village who could teach them the festival. But it wasn’t

different areas of work, especially the production and finalization of the Huni Ku˜ı and

just a demonstration. The festival had to happen for real. Masters from other villages

Panará DVDs for the Indigenous Filmmakers Collection. Ana Carvalho was negotiating the

came. Mari Corrêa, Ernesto de Carvalho and I accompanied the process. It was relatively

granting of archival image rights for the film, as well as researching and writing up the texts

simple. The script had been decided already, we just had to record the festival. The film

for the Huni Ku˜ı history. Daniel Castelo Branco translating the footage produced by the

was entirely in their hands.

Panará with Paturi, Marcelo Pedroso editing the historical Panará film Back to the Good Land. Zezinho and I editing I’ve Already Become an Image. As well as the entire VNA team,

Following approval of the project for the Katxa Nawa festival, we began to

Olívia, Mariana, Mari and Vincent. Everyone was working flat out. By then we had already

discuss what to do. I thought about a large festival involving everyone. With the project

finished translating the material and were starting to think about the film’s format. And one

we would have the funds for food and fuel for people to travel to our village. Holding a

question in particularly dominated our discussion, which was whether we would make just

large festival was possible. But my father’s idea was the complete opposite, he wanted

one film, merging the history of the Huni Ku˜ı with the community’s use of audiovisual

to hold a festival just to film, invite some people, leave others out, and film just those

media, or whether we would split these topics into two separate films. At the same time we

people who looked good, wearing painted designs and traditional clothing. A fiction. My

were recording the narrations for Katxa Nawa and I’ve Already Become an Image. Zezinho

position was radically different. I told him that if we wanted to appeal to our people to

was searching for his voice as a narrator. Zé is a filmmaker, he had always been behind the

revive our culture, we would have to let everyone join in the festival, whoever wanted

camera, and suddenly he had to discover the right tone of voice to narrate the film, in this

to take part could. “Let’s leave the camera running and film what really happens here,

case a film that was set to tell the history of his people. I think this is an issue that occupies

because if we want to control everything, we won’t get people to feel the festival, get

indigenous filmmakers generally, how to find a public voice as a narrator, a voice that will

the taste of the festival. That way we’ll make a film about a festival that doesn’t exist!”

represent a lot of people. After all it’s his language that will echo in the cinema theatres.

We reached an agreement and brought elders from other villages, specialists in our cul-

This is combined with the other challenge posed by video. As a summary, much more so than

ture. From that moment, we began to feel a real strength, the true interaction of my

writing, it was necessary to find a precise, condensed text that could tell the Huni Ku˜ı his-

people. It was what I been wanting for a long time. At that moment we were able, I was

tory, covering the five eras proposed by Joaquim Maná in his research. We found the right

ZEZINHO YUBE

333


balance with this text through three the combined input of myself, Ana and Zezinho. That

AGOSTINHO MURU

was our challenge, how to translate a complex historical narrative into a series of short and

shores of the rivers and we able to practice our rituals once more.

When all the rubber bosses left our land, our kin formed villages on the

condensed phrases. ZEZINHO YUBE NILO BIXKU

Pay attention and look right at me, without glancing sideways as though I‘m

talking nonsense. Pay attention to what you hear me say and let it sink in. At first we all

In the present era, there are many of us once again. In Acre, we now number more

than six thousand people, spread across five municipalities on the Jordão, Envira, Purus, Tarauacá and Breu rivers. Our people are also on the Kuranja in Peru. Now we work for ourselves.

lived together in a large house, Shubuã, each family in one part of the house. (…) Nearby Zezinho always thinks of the importance that the film will have for

there were other Shubuã houses. We were happy before contact. We had our own tools, we

ERNESTO DE CARVALHO

used our peachpalm machetes, felled trees with stone axes. There were problems but we

the Huni Ku˜ı and, at the same time, he is the person who travels most widely beyond the

lived well.

community. As a result he also perceives the importance that the films have in the outside world. In the case of I’ve Already Become an Image, one of the questions for Zé, and for We, the Huni Ku˜ı, recount our history in five eras. At first it was the ‘time of the

ourselves, was how this film would concretize another version of Huni Ku˜ı history. And how

malocas’ when we lived together and knew nothing of the nawá, the non-Indians. To know

the version of one specific community could represent the history of an entire people. An

about this time, you need to talk with the elders. Because the form in which we lived trans-

important set of questions. Editing was not only a moment to explore the history of the

formed after contact with the nawá.

Huni Ku˜ı, but a chance for Zezinho to look at his own work as a whole. We used sections

ZEZINHO YUBE

What I can tell you is that prior to contact we lived tranquilly. We called our-

from other films already produced by himself, which meant that the new film was also a

selves Huni Ku˜ı. But then the whites came and invented a new name for us. One afternoon some

synthesis of the work he had made to date. Another question that arose concerned the kind

boys were hunting bats when the nawá arrived and asked what they were doing. As they didn’t

of footage involved. Zezinho had never worked with so many interviews. Seen from this

know how to speak Portuguese, they replied: ‘killing taxi (bats).’ So the whites wrote ‘Kaxinawá.’

angle, the film is just like an edited text, the creation of one text based on others, the

AGOSTINHO MURU

testimonies of Agostinho, Bixku and Joaquim Maná. There was also the question of whethAfter the time of the malocas, our forests were invaded by the nawá who came

er I would be named as co-author of the work with Zé. I think that we were and remain still

in search of rubber. We were treated as a threat to the advance of rubber exploration. Peru-

in a process of consolidating this space for indigenous production, this concept of the in-

vian and northeasten Brazilian rubber tappers hunted us with guns to ‘clear’ the area. (...)

digenous filmmaker. But in fact what we need to accept is that Vídeo nas Aldeias is a col-

Many groups disappeared during this period.

laborative space. I see these videos as hybrid objects, made and circulated between worlds.

ZEZINHO YUBE

We began to divide. Some of us went to the Purus river, others went further

Because an expectation exists, in this case a negative one, concerning the purity of these

down this river. And those that remained ended up living around the headwaters of the rivers.

productions. An expectation that they will invent another language when in fact Vídeo nas

AGOSTINHO MURU

Aldeias is a space of dialogue and collaborative production. And in this work with Zezinho, ZEZINHO YUBE

After the correrias (exterminations), the rubber bosses subjected us to the

the collaboration is very clear.

time of captivity. For decades we were used as a semi-enslaved workforce in rubber extraction. In 2009 Zezinho embarked on his next project, a film based on the research

We lived on the rubber settlements, the centres of rubber production in the middle of the for-

VINCENT CARELLI

est. The bosses set up trade stores on which we depended to buy our work materials and food.

developed by Joaquim Maná on the kene, the Huni Ku˜ı designs. The desire to make this film

Unfamiliar with white people’s mathematics, we were conned about the weight of the rubber

had surfaced during the shooting of Manã Bai, and we had already discussed the questions

and forced into a debt-labour system.

involved in the project. Initially the idea was for Joaquim Maná to be the central figure once again, the teacher researcher, and that he would set off on a long voyage, revisiting the

I heard that we had a right to our land. Other peoples had already won back

people involved in his research in search of the origins of the kene as the basis of the film.

their lands, but they didn’t know of our existence. But then they came and found us. They told

We carried out an initial study and the project received the backing of IPHAN. But things

us: “Now you won’t have to work for the whites anymore, you’ll be able to revive your culture,

didn’t unfold as we had expected.

AGOSTINHO MURU

if you still have one. You’ll teach your children.” At first there were just 150 Huni Ku˜ı living The initial idea was to hold a kene workshop on the Jordão river, due to my

together. When our friend Terri came, more and more of us joined the group. From there we

ZEZINHO YUBE

started to demand our land.

links to the place and to Agostinho Muru’s family. First we would travel to talk to the elders about our culture and also show the films we had already made. A number of these had been

ZEZINHO YUBE

From the 1970s onwards we lived in the time of rights. We began to fight for

our land and to recover our natural resources and our traditional forms of survival. We de-

produced on the Jordão river in partnership with filmmakers there. But on arriving at the Jordão Village, we were barred by the local indigenous association.

cided to learn how to write and use maths, which were the tools used to exploit us. We created cooperatives. That way rubber extraction became managed by ourselves and small rubber

REPRESENTATIVE OF THE INDIGENOUS ASSOCIATION

Our knowledge isn’t a joke.

tappers. Those rubber tappers who had taken our land were paid compensation by the government to leave. Those who stayed in the region after the decline in rubber prices became trad-

ZEZINHO YUBE

ers or turned their rubber areas into cattle ranches.

but if you don’t want us to, we’re not going to insist.

We want to show the films we’ve already made, and also film the screening (...)

334


REPRESENTATIVE

We’re not charging money from anyone, but it’s better if you pay. That’s the

reality. JOSIAS MANÁ

DANI I asked my mother what Txere Beru was. It’s the bird that sings ‘txe, txe, txe...’ Txere Beru

is the eye of the orange-winged parrot. That’s what I learnt. If we leave the camera here can we enter?

REPRESENTATIVE You can enter with the camera, but you have to leave a sweetener.

AGOSTINHO MURU Txere Beru is like the letter A is for the whites. It’s the start of all the kene. VINCENT CARELLI After the workshop we decided to make a trip to the Upper Purus. This time

everything ran more smoothly. What we discovered on the Purus was something else enZEZINHO YUBE

You say you’re in charge. I shalln’t disrespect that. I came to strengthen our

work, record the screening, show the material, but not like this.

tirely. We met fantastic elders, specialists in the traditions, and a generation of youths who didn’t want to know anything. But from the Carapanã a group of young people came keen to learn about things and with no elders to tell them. The expedition to the Purus was a perfect

After this incident, I thought it was all over, there was no way of making the

marriage. However since it was a cultural heritage project for IPHAN, we faced that old issue

film, my own people were blocking it. So I returned to my own land and called Vincent. I told

of deadlines and different approaches. We made a first edit for IPHAN, focusing on the tech-

him that the film was over, the idea of involving other communities wouldn’t work and that

nique and narratives relating to kene. But the film we thought had to be made was Zezinho’s

we should take the project funding and make the film in our own village. But Vincent op-

quest, the saga of the project. That was what we really needed to show. And the kene within

posed the idea and encouraged me to return to the Jordão and negotiate our entry, talking

this quest. There was a provocation. Zé was looking for the origin of the kene. And, deep

to the leaders. I decided to return and we were barred once again. But this time I was more

down, the project also had a quest to patent the graphic designs. The discussion that

confident and said that I would make the film even if there was opposition. We met over the

emerged was as follows: the kene are universal. They are present among other peoples in

space of a few days in the Jordão Village, myself, my mother, Agostinho Muru and her fam-

Brazil, in Indonesia too. So what really belongs to the Huni Ku˜ı? It’s the stories associated

ily, and we decided to invite the female specialists from the Jordão to a workshop in my

with the designs. That’s their cultural heritage, not the designs themselves. But the dis-

village. That way we would also be strengthening my community politically and culturally.

course of the elders and of Zezinho himself focused on this ownership issue, the question of

ZEZINHO YUBE

copyright and the use of the designs by other peoples and by non-Indians. Deconstructing Some three months passed between the ban on entering the Jordan and

this involved a lot of work. It’s an old question, deep-rooted, full of twists and turns. During

Zezinho deciding to resume filming. They decided, then, to take some female specialists

the editing other questions appeared, how to insert the religious question, if at all. Some of

and young women to their own village, on the Carapanã, to the kene workshop. It was

the editors – this film was edited by a number of different people – wondered whether this

marvellous. Women came from the Jordão and Purus rivers, incredible women. A joyous

aspect shouldn’t be made into film. It’s not another film. The question of the believers per-

encounter. But these difficulties raised questions that went beyond the film. It’s a project

meates the fundamental questions of which the kene form part. The question opens up onto

that concerns a people, it’s a political project. It’s necessary to negotiate, debate the is-

bigger problems faced by the Huni Ku˜ı, including the disunity shown there, the question of

sues with other leaders. A project like this can become an object of dispute and conflicting

knowledge transmission and so on.

VINCENT CARELLI

interests, as in fact happened. So it was necessary to resume the relations, conversations and negotiations, present the work plan and the budget. Only then did the film become

ALUNO HUNI KUI˜

Our culture is going to end because God didn’t mention it.

possible. I’ve Already Become an Image was very important in the context of making this new film. Reviewing their history, with archive images, the campaign to demarcate the

ZEZINHO YUBE

Huni Ku˜ı lands, everything contributed to mobilizing the community towards making the

technologies, the arrival of new cultures in our lands, religion. Everywhere we look, the

The biggest problem we faced was what’s all around us. The arrival of new

project happen.

situation is the same. People are beginning to translate the Bible. What will the next step be after translation? Trying to talk to people about this is complicated. Religion is still a very

Making this film was of fundamental importance to us, it wasn’t just about the

new issue. So I think we have to start thinking about these strategies. The Evangelicals suc-

knowledge surrounding the kene, it was about our culture. The kene are very important to our

ceeded in persuading many of us that our culture is no use. So how do we go about reversing

people, a form of knowledge that only the women possess. As the film developed, various

this situation? How do we make young people come back to our reality, regain their enthu-

questions surfaced for me: how many kene exist? How are they made? What is the real situa-

siasm for what is ours? For me, making this film, Kene Yuxi, enabled all these discoveries.

ZEZINHO YUBE

tion of the transmission of this knowledge to younger women? Are the names the same today as they were in the past? These were things I knew nothing about until I started making the

WEWITO

film. Prompted by these questions and the events on the Jordan River, I gained the strength

We want to find this character and document his life and work in the community. (…) We came

to fight for greater integration of my people and the revival of our culture. I held meetings

here to visit and learn about your community. We also live in a community, only an indigenous

in the community, invited everyone to take part and collaborate, encouraged the women,

one. And we came to have this exchange of views.

What we want to do here with you is follow the everyday life of a family, a character.

who don’t have much political strength, to take on the project and feel part of the process, We left then for a second challenge, the filming of Exchange of Views (2010).

teaching the younger women their knowledge. And the whole community mobilized and

VINCENT CARELLI

organized. We held the workshop with the women, the specialists and young women who

Generally speaking there is a certain expectation, a demand, from the audience for our films

wanted to learn the kene.

to explain what the Indians think about us. Isaac Ashaninka had already expressed his wish

335


to make a film in a favela, but for didactic purposes, with the aim too of reinforcing the

when we work in indigenous communities, focusing in detail on the everyday life of a fam-

Ashaninka’s environmental project, placing in perspective the degradation of the environ-

ily or individual, all of that was closed off to us. We weren’t even able to enter people’s

ment found in urban space. When we approved the village-city exchange project in the VNA

homes. Faced with these questions, after a week spent in the community, we sat down to

Culture Pontoon, we found ourselves at an impasse because we hadn’t considered before-

talk, myself, Zezinho, Jarlene and Wewito. We discussed all these questions and a second

hand who would take part in the workshop, neither did we have any idea which filmmakers

challenge that had appeared, namely discrimination from the community. In this talk,

were available and who among them would want to participate. We called on Zezinho, who

which was recorded in full, we faced two options: either we gave up or we accepted the

immediately accepted, and Wewito, who had a full schedule but also agreed to the challenge.

challenge head on. We wouldn’t have the chance for this experience again. So we went for

A recurrent criticism of the film is that we set a trap and the filmmakers innocently fell into

it, trying to build bridges and potential relations, looking for people who stood out, con-

it, in the sense that it wasn’t a project or personal demand of their own, but ours, our pub-

fronting with considerable elegance the harshness of the locality, the imaginary figures

lic’s. In addition, it wasn’t initially even a project that had come from them, even less from

that the community had made of them: the Indians, these ‘savage’ others. If the favela is

the boys who were chosen by TV Morrinho from the Pereira da Silva favela in Rio de Janeiro.

peripheral, the Indians are even more so.

And so we had to ponder all this. The paths and solutions in response to this situation. The project also included the demand for an exchange, first the Indians visiting the city and

BOY I There in the village do you have a leader?

later the lads from the favela community visiting the village. But the latter’s trip to the village didn’t result in a film and we ended up with just the view of Zezinho, Jarlene and Wewito

ZEZINHO YUBE

Usually they are the elders.

concerning a community in Rio de Janeiro. NICOLAS JARLENE HUNI KUI˜

What are you there?

I’ve been cold since I got here. The houses are all piled on top of each other.

They live in a very dangerous place, on the slopes. They live on a ravine. I don’t know how they

ZEZINHO YUBE

aren’t scared. I’ve never lived in a place like that. You have to live on flat ground. It can’t be NICOLAS

like it is here. ERNESTO DE CARVALHO

When we went to Rio, myself, Zezinho, Jarlene and Wewito, we didn’t

make many plans. I knew that it would a difficult process. Our proposal required everyone’s agreement or the project would be a non-starter. The idea was to immerse ourselves in the community. That way I imagined we would be able to reach something deeper. Arrive in the community, present ourselves, discover the characters, the local issues. I thought it would be possible to do something fairly radical. The difference is that we, the filmmakers and ourselves, are used to making films in communities, but in the context of a partnership in which the filmmakers are working in their own community. Trust already exists, the path has already been cleared. In Rio we didn’t know the people, first we had to win over a world so that we could subsequently make something interesting. And of course there was a certain exoticism, the city, the favela. So I expected the process to be a gradual entry into a completely different universe that would enable the film to be made. But something else happened. Initially the plan was to work in the Vidigal favela with the people from Nós do Morro. In other words, it would be a space where long discussions would take place between young leaders from the urban periphery and indigenous leaders coming from another world, a kind of forum, a group of people who make films, and who were keen on the project. Two communities with well-matured ideas would meet and a real exchange of views could happen. But because of scheduling problems and so on, it wasn’t possible. So

I’m an indigenous agroforestry agent and I’m also a filmmaker, I make films.

What animals have you encountered there?

ZEZINHO YUBE

Various kinds of animals. Snakes, jaguars…

Blimey, don’t you get scared? Are you used to them? I’ve already seen that stuff that the guy blows like, you got me? I went to a place where they sold bows and arrows. A school trip. BOY I

NICOLAS

What did you do when you saw the jaguar? But you’ve never seen a lion, have you?

ZEZINHO YUBE Lions don’t exist in Brazil, lad! In the forest my only fear is snakes. If you’re bitten far from the village, you can die right there and then. BOY I

What do you smoke there?

ZEZINHO YUBE NICOLAS BOY I

Tobacco. And we make snuff too.

That’s cool stuff!

It looks like tea, man!

NICOLAS

You have to give this to the women here in the favela! What’s snake in your language?

Sérgio Bloch, who had contacts with the Pereirão community, suggested that we should do the exchange there instead. The work being developed there was very new, in the sense

ZEZINHO YUBE

Yube.

of maturing and assessing on their own actions and production. What exists is a very good artistic project, but one focused on self-reflection, a huge catharsis relating to its own process and history. In addition the lads from the Morrinho didn’t have much entry into the community, they weren’t able to identify interesting characters, develop a circuit between themselves and the community in such a way that we could circulate and reach a few people, and neither did they open up the space of their own families. All the tools we have

After we encountered Sandra, the main character in the film, we began to have more access to the community, chatting a few times, the space of the alley, the relations between the Morrinho and the community as a whole, its memory, its history. But for me the big lesson of Exchange of Views was the following: we always come face-to-face with the question of the specificity of the indigenous viewpoint, a fundamental difference in the

ERNESTO DE CARVALHO

336


way of seeing the world, which is reflected in their choices of shots, and so on. The experi-

ZEZINHO YUBE

ence of Exchange of Views in a way displaces this question and poses another: what is the

I see two kinds of work, one in which you involve the community to make a film and, at the

Filming for the world of the village and filming for the outside world. Today

specificity of the gaze returned to the camera when an Indian is filming. That’s the true ex-

same time, a film for the public that doesn’t know anything about our land or our reality.

change of views.

And the film too as artistic expression. Above all video enables the development of work designed to preserve culture and memory. This happens all the time, a village that no

The community had never taken part in filming like that, with someone following their

longer exists, children who today have already married and have families. Time changes

everyday life. It’s very difficult for them too, There’s TV, video, what’s shown on television about

and the films remain. When you watch a film made years ago, you can no longer go back

the community. They feel oppressed by that.

physically, but emotionally you are captivated by the event once again. There is also

WEWITO

something that I believe is very special about the video process, namely that people learn It’s one thing to make the community feel part of this. We’re not doing that, at

to value themselves: you see yourself and ask, who am I, who are we? But it is important

least with the images we’re producing, so they can become more involved. This happens in our

not to become complacent with this tool. We cannot record one festival and stop there.

own community. After watching, the person wants to be filmed too. VINCENT CARELLI I had a clear idea about this when I drafted the project. It was the idea of pairs, one with the camera and the other interacting. It was evident that the fact they were Indians meant that the theme of the Indian would be the most obvious response from people, even overriding the questions from the Indians themselves concerning the life of people from the community. This was the scene that would emerge and probably the most important question for this project. And indeed what remained in the film is this return of the gaze and the actual process of making the video, the clash between the Indians and the place and VNA’s procedures, which for various reasons didn’t work there. Zezinho reflects on this question: why does this procedure work in the village? Because we give back the image, we show the village what we have filmed and the community then becomes involved. And we were unable to that in this case, which meant people didn’t get involved and didn’t understand what we were doing. This diverged radically from the procedure with which the filmmakers were accustomed. The procedure used by Ernesto, as the workshop coordinator, diverged completely from what we normally adopt in the villages. In the village we stay at more of a distance, we don’t film with them or independently of them. In this experience, though, due to the circumstances they confronted, Ernesto adopted an openly collaborative approach, working with them, sometimes alone, filming, searching for a way to make the film. A work made by Zezinho, Wewito, Jarlene and also by Ernesto. Despite the apparent failure of the film, in the sense that it failed to coincide with our initial expectations, the experience was very positive since it brought us face-to-face with a series of questions, procedures, choices, approaches.

Not getting complacent means encouraging people to continue performing the festival,

ZEZINHO YUBE

I liked Rio. I saw a lot of different things and for that reason too I was a bit scared. But I’m very happy because I know that I’m returning to my village. JARLENE

VINCENT CARELLI Zezinho is probably Acre’s most important filmmaker. He’s won numerous

awards, he’s travelled to film screenings and festivals. His maturing as a director and in terms of the questions relating to his people is incredible. And he’s someone who never stops, he has this desire for dialogue and movement between the indigenous world and the white world. He does this very clearly. He lives in the city, he’s connected to the world, the internet, indigenist policy. I think it was largely because of this that in 2011 he was invited to take on in the post of indigenous affairs secretary in the Acre state government. An invitation he couldn’t turn down. We learnt about the proposal during the Indigenous Filmmakers encounter in Olinda at the end of 2010. Various questions confront him now. But as he himself pointed out, a tradition has been created, the aim today is to train new filmmakers so that the cinema project and especially the cultural revival of the Huni Ku˜ı continues.

337

irrespective of the film we’ve already made. Train new singers, for example, because we need singers. Now how do we do that? You can’t learn our music listening on headphones, you learn there, alongside the elders, entering into reclusion, that’s the most important thing, entering into reclusion a few times to develop a good memory. Because the songs don’t get invented, the songs are out there and we have to go after these songs to learn them. That’s our project for the future, to fetch the elder living there on the Purus and bring him to Tarauacá to train new singers. And transmit this knowledge in the way in which it was transmitted in the past, through reclusion, remaining isolated for a long time in the forest without any contact with sweet foods, women and other questions that prevent you from learning the songs, and from this experience try to create a new history. Our cultural history is being lost, the elders are dying, young people aren’t interested anymore. So our project is to revive that interest and train new shamans, new singers. I think it’s important for us to avoid becoming complacent with any media. Video is just one more tool that enables this incentive, because film alone doesn’t guarantee anything. So other work is necessary. That’s what I’ve been telling some of the people from my village. We have to act in this world which surround us today, using this overpowering culture that swamps us, because if we don’t, it will be too late to reverse the tide. I see that culture is a crucial, precious instrument for us to live as a people, for us to be a people. Without our language, our festivals, our roots, our spirituality, we’ll cease being a people. And when we cease being a people, we shall be no more than a doubt and we shall lose ourselves amid the crushing development in which we are immersed today. This isn’t just a personal discussion, it’s a debate that has to be collective. Culture has to be lived day-to-day, it has to be part of the community, a festival has to be held not by obligation but by necessity. For example, a festival related to the spirituality of the plants. Without the festival, the plants will grow poorly. But it is also important not to ignore others who come from outside. These others are important for us to learn, to add things. As Isaac once said, we are not here by chance, some people helped us, partners who worked with us to reach where we are now. That’s the meaning of exchange and partnership. Perhaps all of these ideas led me to receive the invitation from the Acre government to assume the post of indigenous affairs secretary for the state. Now there’s not much way out, I’ll only be making films again in four years’ time! (laughs) Meanwhile, other filmmakers will be trained and our films will continue to be produced.


Mbya-Guarani

group of students to take part in the workshop, it was more like “a workshop or something is going to take place.” There’s a big resistance, a lot of distrust. The Guarani are used to relations that don’t lead anywhere. And at that point we didn’t understand a thing. There’s so much noise in the communication between the whites and the Guarani, such a disturbed

Following the arrival of the European colonizers in the 16th century, the territory of the

relationship, that the automatic response of people in the villages is to avoid becoming

Guarani became the battleground for disputes between the Portuguese and Spanish.

involved in these situations. I remember one of our earliest conversations at the start of the

In the 18th and 19th centuries, the Guarani who refused to surrender to the Spanish or

work was that we’d still run the workshop even if we had just one student. But there were

the Jesuit missions took refuge in the Paraguayan region of Guaíra and Sete Povos. The

others beside Ariel. There was Jorge Morinoco (Cirilo’s son), Germano Beñites, Alexandre

present-day Mbya-Guarani population in Brazil has been estimated at 7,000 (2008), in

Patchá and Diego Ferreira.

Paraguay at 14,887 (2002) and in Argentina at 5,500 (2008). In Brazil their villages are located in the interior and coastal regions of the states of Paraná, Santa Catarina,

ARIEL We arrived there with no idea what to do. It was difficult. People in a Guarani village are

Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro and Espírito Santo. Vídeo nas Aldeias has

very reserved. For the first week it was all very difficult, we were unable to film, we didn’t know

worked with two villages in Rio Grande do Sul: Anhentenguá, on the outskirts of Porto

what to do, what we had to show. I talked to people but they didn’t understand much. We were

Alegre, and Koenju, in the municipality of São Miguel das Missões.

in a village 10 hectares in size almost on the outskirts of Porto Alegre, the situation is very difficult for the people living there. So I began to get a feel of the work we had to do. Things

ARIEL Early morning there’s a moment when Niamandu comes. Or when the sun, or Niamandu,

were already starting to happen, though I hadn’t yet realized. There were people going about

goes: when night is arriving and you stay close to the fire. There’s a right moment. The moment

their everyday activities, Cirilo’s mother, who is an important woman in the village, a senior

for it to happen. It’s not just any time or anywhere. You can’t just make it up.

woman. We went to visit her and she began to talk to the camera about her feelings in that small place, how sad it was to have to buy everything, how nobody planted there anymore,

When we arrived, Tiago and I, in Rio Grande do Sul in November 2007 for the first

how she wanted to live elsewhere, but cannot. That was when the idea of the film emerged,

Guarani workshop, Ariel was already in the car waiting for us. This encounter left an immedi-

making something about the local situation. As we started to accompany people’s day-to-day

ate impression. Marcus Benedetti, working for IPHAN and our initial mediator with the

lives, things became clearer. Every evening we made a script. The following day Tiago and

Guarani, told us that Ariel took photos and filmed with his mobile phone, which suggested

Ernesto assembled the camera and told us to film. We went out filming, each of us following

that he used whatever was available to him or placed in his hands. It was our first workshop

a person with whom we identified more closely. Each one had a character with which they felt

alone, we were really excited with huge expectations, anxious, projecting everything be-

more comfortable. But it was very difficult to begin, find a direction, locate the central char-

ERNESTO

cause we wanted to do a good job. Learning about Ariel already left us really enthusiastic.

acter. I wanted to do something different to what had been done before. I was born in Argentina, in my grandfather’s village, many people came and filmed, anthropologists came, but

ARIEL I

had always been interested in video, but I’d never really had the chance to make a

they always worked in the wrong way. It was as though they forced the Guarani to speak. So

film. At first I didn’t want to take part, I didn’t want to do the workshop, but I went anyway,

in this workshop I realized that it could be done differently, it was ourselves doing the film.

without the slightest idea what it would be like. We were in Lomba do Pinheiro. It was the first time I had been to that village. We picked-up Tiago and Ernesto from the airport and

ARIEL This film we’re making is going to be great. I don’t know how much time there will be, but all

headed there.

the Guarani are going to be able to see it. We have to show what’s important, that’s why the film has to have a central figure. For example, you have to know where you’re going with a film. You can

ERNESTO

Our arrival in the village was explosive. We met Cirilo, the Guarani leader of Lomba

show the village, the city and so on, but you have to have an overall idea for it to turn out well.

do Pinheiro village, on the outskirts of Porto Alegre. We were at 100 miles an hour and he was at 1. While the Guarani are generally meditative, contemplative, philosophical, Cirilo

ARIEL During the workshop in Lomba we held a meeting with the community. We talked about

doesn’t speak at all. We met Cirilo and began to talk. My idea of how that moment should be

how important it was to make the documentary, how we could have a voice, how the com-

conducted was to explain everything, talk, make everything as clear as possible. But we

munity could relax and say whatever they wished, show whatever they wanted to show. But

were exhausted, off-kilter, wired and that was our first experience of the collision between

there was a degree of mistrust because we as a people have been through many complicated

the Guarani way of being and the white way of being. The way in which they relate to time

situations in the past. But then we perceived, everyone perceived, that the big problem there

and communication, dialogue, silence, despite living in the middle of the city, is radically

was the land. From that point on other questions began to emerge, questions of survival,

diferent. We explained everything to Cirilo, from production to editing, the importance of

selling craftwork. Everyone then began to speak. After the meeting they understood what we

the finished film, our eagerness to do the work. After listening to this explanation, this

would be doing there. In the evenings we began to show the community what we had filmed

rushed venting of ideas, Cirilo said to us kindly: “Well, you know, you whites are very differ-

during the day, everyone watched and was pleased. That was when the film really took off.

ent to us, you say everything straight away. We don’t, we’re different, we wait a while.” That

People could see themselves, understand what was happening and relax a bit. They saw their

was when I finally realized what was happening. So I said to Cirilo: “Let’s start again.” We

own image and began to think of what to say and what to do. But aside from the mistrust,

went back to the car, arrived at the village and we began to talk about settling in, putting

something exists which is specific to the Guarani and our culture. Whenever someone arrives

up the hammocks, sleeping. The next day we began to organize the work. There was no real

in a village, even without a camera, the same thing happens. For example I often visit my

338


grandfather to talk about important things. I imagine, because I always imagine, that he will

things out, simply going out filming. After the basic exercises of teaching how to switch the

talk about everything. So I go to see him, he greets me and for a day he says nothing. Then I

camera on and off, how to move, we began to look for the main characters. But it was all so

go again the next day, I stay an hour or two, and he still says nothing. On the third day I arrive

little, so little happened. And at that time Lomba was a depressed village. It couldn’t be

again and it’s only then that he starts to talk. Because for us words are very important. Con-

otherwise, a village with a tiny amount of land, the community unable to breathe. That’s

versation, everything has its right moment, the right time, so it’s no use rushing and saying

where the idea of leaving Lomba came from, we would look for other spaces. São Miguel das

meaningless things. You really have to find your moment, be inspired. For us there exists this

Missões. We would go to São Miguel. But what about Lomba? The week we had spent there?

question of time, the right time, the moment of the word. That’s the only way conversation is

Would we lose everything and have to start all over again in São Miguel? That was our prob-

really any use. Late afternoon, for example, or very early morning. These are the moments for

lem. We had to make some use of the time spent there. So we talked a lot with the commu-

talking, then the words are good. That’s why all the ‘beautiful words’ exist. That’s also why it’s

nity and the students thought of topics that we could really cover in Lomba and that could

difficult, because we feel it when a situation is forced. So if it isn’t the right moment, then it

connect with São Miguel. That way we could make a film that was a kind of introduction to the

isn’t the moment to be filmed. I discovered this gradually during the filming.

overall situation of the Guarani at that moment. A film belonging to what I would call the ‘this is us’ genre, and the land issue was undoubtedly the question that drove the film in Lomba.

ERNESTO

During the first few days, Ariel was visibly distressed, he didn’t know where things

were heading, whether it would work. After a few days, Cirilo himself began to worry and

CIRILO MORINICO, INTWO VILLAGES, ONE WALK The whites always look down on us, but they them-

asked whether we were up to the job, because at night we screened other VNA films and he

selves were the ones who left us in this mess. We’re like little animals trapped there waiting for

saw that explosion of life in the Ikpeng and Xavante videos. When we later showed the mate-

someone to leave a bit of bread. And if nobody gives anything, we don’t eat. But why did it

rial produced in the village the shock was huge. After we showed From the Ikpeng Children to

happen? Because they themselves took everything. They themselves, with Funai, demarcated

the World, Cirilo said: “Ah, so they did the filming themselves.” We had already explained to

our territory. Imposed boundaries. Put up this fence for us to obey.

them how the workshop would work, but it was only when we screened the film that they realized that it was made from the viewpoint of the Indians. It was at that moment that

ERNESTO

Cirilo really understood what we were doing there and saw the potential. That was when he

Missões. However we needed an element to link the two parts of the film, and here Ariel

joined the process, started to trust us and the community began to take part in the workshop

enters as a character, a figure communicating between these two spaces. Another element

for real. The screening is a fundamental moment, everyone connects with the work because

that acted as a connecting thread was craftwork. The issue linking the film therefore was:

after seeing the raw footage the work starts to be assumed by the village as a whole.

they have no land, so they make craftwork to survive.

DIEGO FERREIRA, IN TWO VILLAGES, ONE WALK

That’s the village. It’s only 10 hectares in size,

that’s why the swiddens are so small. Here we’re in the middle of the whites, in the middle of

TIAGO

We decided to leave for Koenju, Ariel’s village, in the municipality of São Miguel das

It was the question of subsistence. It’s the land issue, but there is no land, it’s craft-

work and wood, but there is no wood, so they have to steal it.

the city. The village isn’t large. They sell little wooden animals, that’s the only way they can eat. If they don’t sell, there’s no food. The city is growing all the time. They’re engulfing us.

CÉLIA, IN TWO VILLAGES, ONE WALK The gods already knew that we would have to sell craftwork,

(Holding a bee hive:) This provides honey too. Except the bees have now left their houses. Do

the forests would end. So that’s why they gave us this skill to seduce the whites to buy little

you know why? Because something was bothering them. And bees don’t like that, which is why

wooden animals and so avoid dying of hunger.

they moved away. They’re just like the Mbya Guarani. They didn’t leave because they wanted to. Sometimes the Mbya move because someone is bothering them. That’s why the bees went

ARIEL Do you think that the Indians there are selling their image?

to find a better place to live. The Mbya Guarani are the same. PROFESSOR Yes, there are using it to sell. VINCENT

The question that already appears in Two Villages, One Walk is the question faced by

all the generations involved there and in all the villages, namely the land issue, the lack of

ARIEL

space. It’s an introjected question, the metaphor of the hive, that the bees went away be-

film them. They take these photographs away to use in their work and even make money from

cause they were disturbed. It’s the same with the Guarani. If they are disturbed, they leave.

them. I think that’s what happens. Many people think the Guarani are stupid.

The fact is many people come here to photograph the Guarani Indians and sometimes

And the film is seen by all of them as a way of transmitting this message. ERNESTO

During that phase of the workshop, Tiago and I split tasks. Tiago went with the vil-

Two Villages, One Walk began in Lomba, shaped by the problems troubling the village,

lage choir to a presentation in Florianópolis and I went to Koenju. On the way to the village

which was where we defined what the film would be. We had innumerable conversations with

we passed the historical site of São Miguel, everyone was tired, and Ariel arrived already film-

Ariel and the community concerning the structure of the film, all the themes were already in

ing. It’s when the confrontation scene with the teacher happens, included in the final edit of

place. But even so Ariel was visibly distressed. Our feeling was that nothing happened in the

the film. It was then that we realized that we had to go back there, we could best explain the

village. A very strong sensation that the days passed and nothing occurred, nobody arrived,

issue of making craftwork for sale by filming the street vending in São Miguel. In fact, this for

nobody said anything. This left both ourselves and the students uneasy. Especially Ariel. It

me was a very strong image, linked to the development of the work with indigenous filmmak-

was terrible because we were searching for a theme and the best way to find one is by trying

ers in general, the question of the moments you don’t film, the moment when the filmmaker

ERNESTO

339


is caught between filming and participating. Between filming and challenging the person in

they’ll feel bad. But people were taken aback when they saw the image of Lomba, which has

front of the camera or in the moment of collaborating. Knowing that we are collaborators and

just 10 hectares. Here there are more than 200 hectares, so when they watched and the film

we film. From São Miguel we headed to Koenju. When we arrived, Ariel and I sat down to talk.

shifts from there to here, when they watched that, I felt that they really saw the importance

He felt it was possible: he was constructing something, he had already started to dream of the

of this work. I really noticed that. Even today, many people still watch and understand more

film and imagine how it would work out. We discussed the need to define characters. One

each time, because the first time they watch they see the funnier things. When they see the

night he arrived and said to me: “My character is Mariano, someone I respect greatly.” Mariano

bit in the centre of Porto Alegre, though, a situation very different to life here, they are

was due to travel to São Miguel the next day to buy food for the livestock and material for

truly shocked. And they become very sad.

making craftwork. It was around 11 at night. Mariano would be leaving at 6 in the morning. Ariel went too. He had taken charge of the film. That was when I felt, that’s it, now it will

VINCENT

happen. But again we faced problems. This time more political, related to the village’s inter-

Saraiva. When it was Ariel’s turn to speak, he described all the different topics covered in the 130

In March 2008 we ran a scriptwriting workshop in the Ikpeng village with Leandro

nal politics, due to the distrust the work was arousing. An unbearable atmosphere had set in.

hours of filming and vividly expressed his anxiety about how to fit so much into just one film.

When Tiago arrived in the village, we told Ariel it was impossible to carry on like that, we had to talk openly about the situation and find out if we could continue the work. For Ariel hear-

ERNESTO

ing this was a huge setback. Then things got really tense. We went to the village leaders to

change was that Mariano, one of the main characters from Two Villages, One Walk, was now

talk, but the conversation didn’t lead anywhere. A painful silence hung over us until finally

the village leader. While the filming workshop had been marked by a series of internal po-

the situation exploded and confrontation set in. They wanted to suspend the workshop. The

litical problems, the editing workshop was remarkable for its fluidity. Everyone participated.

village was going through a critical moment, rife with disagreements, and this was directly

Editing with the Guarani was like that, editing with 20 people... from 5 to 20 people sur-

reflected in the workshop. After lengthy talks among themselves, Ariel came back to us and

rounding the editing station the whole time. People arrived and we spent hours translating

reported that the community had decided the workshop could continue. I think this workshop

inside the school. The footage appearing in torrents, a deluge of stuff and suddenly we began

and the others that followed put Ariel at the centre of discussions and turned him into a po-

to wonder whether we didn’t have two separate films. This was the big question mark during

litical actor, reconfiguring alliances. Marriages were made and unmade. Video penetrated

the editing of Two Villages, One Walk, one centred on Lomba do Pinheiro village and the

deep into the community and people’s lives, catalyzing new situations. At the end of the

other on Koenju. This doubt lasted until the very end, we wavered between both ideas be-

workshop we had completed a cycle, we had shown a community whose problems can be

cause, in fact, I already left the village with the film’s name. This name was decided there, in

traced to the lack of land, meaning they have to sell craftwork. We showed the relation with

the penultimate week of editing, in a marvellous moment with Jorge.

I returned for the editing workshop in June 2008. I went to Koenju. The main

the whites in São Miguel, we showed people making craftwork in the villages. But at the end of the videomaking workshop, we returned to film in the centre of Porto Alegre and that too

ARIEL It was really cold. It was the coldest year of the last 30 years. And we had 150 hours

was a very touching moment, when we filmed that girl asking for money in the street, the girl

of raw footage to process in the editing workshop. It was a new process we were beginning.

selling in the street. A cycle was completed there among the group of filmmakers. It was as

It was when we began to understand the meaning of everything we had filmed. I saw the

though they had really stepped back and observed their own people, their society, their com-

filming afresh and heard the world of the elders. It was another apprenticeship for me. I was

munity, observing their situation from a distance. They achieved a panorama of everything

getting very close to what I had always liked, spirituality, learning things, as a Guarani and

affecting the Guarani today. I think we were careful to cover a range of issues. Going to Porto

as a filmmaker. On one hand I was learning to edit, translate, develop a script. But the most

Alegre involved this process of taking a step back and looking at themselves. It’s one of the

important part was the translation. That was when we learnt many things which the elders

remarkable aspects of the first Guarani workshop. What Ariel says in the final sequence of the

say and which young people no longer know. The elders speak a different language, the

film, that video there has become this great moment of perceiving something that was right

words are more poetic. I liked this a lot. And the elders also took part in the translation.

before you, but you weren’t looking.

They explained as we went along, that word means this, this other word means that. We learn these beautiful words during the translation. When I’m filming I don’t even notice if i

ARIEL Today I realized what happens here. It’s really shocking. Try coming here without selling

have understood what someone has said or not. Sometimes we don’t understand, but we

and just observe. Then you’ll see how the faces of the Mbya change. We don’t feel sad just be-

film anyway. That’s why translation is so important. We were really seeing the other side.

cause we don’t sell, it’s because it seems like we depend on their money, if they don’t buy any-

The other side of the process and already seeing the community in another way, the true

thing, we’ll die of hunger.

reality. I never involved myself so strongly and emotionally in anything. Nothing was as powerful as making Two Villages, One Walk. It was something intense that I didn’t want to

ARIEL

I think that people in Koenju began to realize the importance of video when they

watched the sequences filmed in the ruins of São Miguel das Missões and those from Lomba

lose at all. I had no idea how much I was going to suffer. I think it’s because it really was going to mean a huge deal.

dos Pinheiros, on the outskirts of Porto Alegre. When the audience sees the opening, people robbing wood, the effect is dramatic. These are aspects that the Guarani don’t like to talk

ERNESTO

about, something sad, but I feel... I’m Guarani, and I know when people are feeling sad and

repeating the history of colonization, the subjugations and so on. It’s difficult to watch that

Another key moment in the editing was that people kept seeing those tourist guides

don’t want to speak. Sometimes I think that I’m a little... I wouldn’t say pessimistic, just

material because however well-intentioned the guides are and however much the Guarani

realistic. People know it’s sad yet prefer to keep quiet rather than talk or remember, because

have already heard the same thing said thousands of times, editing was a moment of encoun-

33:


tering a discourse about themselves that represents an extremely violent historical simpli-

ERNESTO

fication. I think it’s painful for people to keep hearing and hearing that potted version of

also a lot of taboos surrounding Guarani spirituality and making a film about this subject is

Ariel’s idea was a spiritual approach, which he considers a truer film. But there are

their own history. It distressed them. I was there transcribing, listening to see how we were

by itself already a problem.

going to summarize the dialogue of the various guides we had filmed and how we would make a snapshot of that history from the white point of view.

AMANDINE

At the start of the workshop, nobody wanted to show the ‘festive’ side (white

music, drink, card gambling) because it’s difficult, nobody likes what happens, but at the Here (the ruins of São Miguel das Missões) is where our

same time everyone is involved. Even Ariel didn’t want to show this aspect because it was

kin lived, but the whites took everything from us, and appropriated these ruins built by our

something he opposed as village leader. But as he says, in the end he thought it was good to

kin. Now they don’t want to give us back what is ours. They keep hold of this space jealousy.

depict and talk about the subject. Filming the curing house was also far from easy. At the

Our kin were forced to build this by the whites, the Jesuit priests. They forced the Indians to

start some elders didn’t want the boys to film the house, they had to argue a lot to convince

work on this.

them. Patrícia played a fundamental role in the workshop as a ‘mediator,’ because as always

MARIANO IN BICICLETAS DE NHANDERÚ

there were difficult moments between ourselves and the students due to the lack of mutual VINCENT

An award winner at ForumDoc.BH, shown nationally on the TV Cultura channel’s

Au’we program and watched in the village, Two Villages, One Walk also toured the Guarani

comprehension, different paces and so on. Patrícia was an essential link and managed to liaise with the lads and ourselves to resolve the communication problems.

villages of southern Brazil with the support of IPHAN. In the Filmmakers Encounter in Olinda, Patricia Ferreira, Ariel’s companion, gave a moving account of the entire village assembled to watch their program on TV. It’s worth it for just these moments, I thought!

ARIEL To reach this invisible dimension in the film, make it visible, it’s necessary to remain

silent. For the Guarani silence is sacred. I didn’t understand this as a child. I would go with my grandfather to another distant village where another very important spiritual

SOLANO IN BICICLETAS DE NHANDERÚ The Tupã are like that. They don’t come just to bring rain,

leader resided. He would go to visit him. Arriving in the village, they didn’t greet each

they also come to protect us. They don’t travel all this way for no reason. Because we cannot

other or shake hands. I was given a very small stool to sit on too. The karaí’s daughter

see the beings that harm us. Only they can see us.

placed it there, not the karaí himself. He entered again and the girl stayed too. After a few minutes like that, she went out again with a pipe, handed it to my grandfather and came

In November 2009 Amandine Goisbault and I returned to Koenju to run a second

back in. The karaí stayed put, he was there but didn’t leave. They remained in silence for

workshop with the Guarani. After we had finished Two Villages, One Walk there were no plans

about half an hour. My grandfather knew, obviously. Afterwards the karaí left with an-

or funds for a new workshop. But we knew that the work with them had a real potential and

other pipe and stayed a while longer. They didn’t keep looking at each other, they stayed

Vincent went over the spreadsheets and managed to find the funds for the workshop. Filming

like Solano stays, smoking a pipe, only turning to face each other later. First the owner of

Guarani spirituality was one of Ariel’s oldest projects.

the house asks with beautiful words, without punctuation, it’s almost like a song. It’s a

TIAGO

greeting that asks about everything, everything that has happened recently, but very ARIEL My first step as a filmmaker was Mokoi Tekoá Petei Jeguatá (Two Villages, One Walk). That

quickly. It’s as though he enters into a trance, he pronounces the words, all the beautiful

was my first step, but we had been able to say almost nothing about spirituality. But while from

poetic words, and I think that’s where I understood the importance of silence. Whenever

the beginning my objective was to work with film, my dream was to try to show Guarani spir-

you arrive in some place, you should remain silent. Hear the sound of silence. This silence

ituality as a whole: our vision of the universe, the meaning of our relationship with the uni-

is important to the film too.

verse. I’m slowly getting there. Since 2007, I’ve been maturing, becoming spiritually stronger. I listen to my grandfather a lot too. I think it’s important to understand more than the techni-

TEÓFILO IN BICICLETAS DE NHANDERÚ

cal side, recording, filming. It’s no use understanding these things but not understanding who

the abode of Tupã, where the sun emerges.

A good curing house faces the sunrise. It has to look toward

you are. It’s no use understanding all of that stuff and forgetting what you are and not knowing how to talk to a karaí, a spiritual leader. Because then you’ll understand all the technical

TIAGO

things, but you won’t know how to sit by the fire talking with the elders and the children. It’s

larvae and the construction of the Opy, the curing house, in Koenju, which had already been

The workshop initially involved the traditional food used to elevate the spirit, the ixó

not just for me. I know how important this work is for my people, for the children.

discussed since the first workshop. But the production of the ixó larvae didn’t work. There were few in the village because of the deforestation and the Guarani no longer made this

In contrast to the first workshop, this was very much a director’s film. It was Ariel’s

food. The film would be a kind of reconstruction to show how it was done. But the little ani-

project. We didn’t structure the workshop as a search for a subject, character, etc. Ariel had

mal didn’t appear. It rained heavily, a lightning bolt struck the village. A gale. We thought

an idea for the film and had the community’s support to make it. We were there to provide

the house would be blown away. But it was incredible. We didn’t sleep, we spent night after

support. I explained this to Jorge when he came to fetch us from the coach station. Even on

night filming the lightning storms.

TIAGO

the bus he seemed a bit put out. But Ariel had taken over the film. He had already spoken to Solano, the main character in The Bicycles of Nhanderú and he was willing to take the project

ARIEL The rains fall heavily in the village in November. It’s Tupã who arrives to purify the first

forward. There was some murmuring, a few remarks that other villages wouldn’t accept the

fruits, those of the guariroba palm, the blossoming of the trees. We weren’t exactly sure which

proposal. This created a bit of tension for a while, but we went ahead.

path to follow. And it rained a lot, it was well-nigh impossible to go out filming. Everything

341


began when a lightning bolt struck a tree, close to the house of an older woman. And that

symbolic and historical element in the first film. So in August 2010, Ernesto and I set out to

became the village’s hot topic: why did the bolt fall? Is Tupã coming? And Solano himself had

meet Tiago, Ariel and Patricia in Koenju to begin this new undertaking, a film about the mean-

already said that a storm was approaching. Everyone in the village knew that a big storm was

ing of the Tavas for the Guarani. Tiago and the team were finishing the first edit of The Bicycles

needed to purify the guariroba palm fruits. These conversations allowed us to decide where

of Nhanderú. Given the solidity of these two films, we already had enough material to prepare

to start the film: Tupã, the storms. For us, when Tupã comes, when it rains like that, it’s impos-

a new DVD for the Indigenous Filmmakers collection, the Mbya-Guarani, another side of Brazil’s

sible to do much. For some reason Tupã came. And for some reason a lightning bolt struck. Did

indigenous reality. We had to work, then, on a film about contemporary history. Just as under-

the spirit of the lightning in the tree come to protect us? That’s how we opened the film.

standing today’s world requires understanding history as a whole, we embarked on this double research/filming approach in partnership with Ariel and Patricia, which resulted in Guarani

SOLANO INBICICLETAS DE NHANDERÚ

When the gods speak, you don’t see them or hear them.

Exile, and the historical film about the ‘Tava’ set for release in 2012.

What Tupã says… what happens in meditation is inexplicable. Without perceiving, the words arrive and are spoken by you. We are a bicycle of the gods.

ERNESTO

The video work with the Guarani has developed very quickly. A span of 4 years from the

first workshop to the new collection for the Indigenous Filmmakers series. This shows a collecSolano’s metaphor led Ernesto to think of the film As Bicicletas de Belleville1, and he

tive desire for visibility, the need to be heard. All these aims that Ariel expresses during the

suggested the name As Bicicletas de Nhanderú. Everyone liked the idea and it became the

interviews, a little bit like he sees the film. This is a collaborative work par excellence. It’s only

working title. The work produced in workshops possess this hybrid character with input com-

because he and Patrícia embraced the idea that the film became viable, because the Guarani

ing from both sides. The film title, spoken by Solano, signals to our audience but also gener-

don’t speak about these subjects in Portuguese, much less to people they don’t know.

VINCENT

ated considerable polemic among the Guarani, like the film itself. The lightning became a character. And along with the lightning, other incidents from daily life are also steeped in

ARIEL IN GUARANI EXILE

religious meaning, the children chopping wood and speaking to the forest spirits. In fact the

merge with our own history. Today we come to this ruin to sell craftwork, since we don’t have

The whites arrived a long time ago. And these Tavas are ruins that

young pair of brothers, Palermo and Nenenco, dispute the starring role in the film with the

land to plant and there are practically no forests left. (…) What I want to understand in this

elder Solano. The strength of the boys’ performance is intensified by the use of the Michael

film is why we don’t have land if we trekked across and inhabited this territory before the whites

Jackson song as a film score.

arrived and given we were the ones who built this Tava.

CIRILO

We saw the film’s images and we have to understand what this will entail later on. Did

you see the filming of São Miguel das Missões? What’s right and what’s wrong? This film will be shown in other places, so if it’s wrong, we’ll be the ones blamed. The camera is a dangerous tool, but it can also be used in our favour to defeat the whites. We must use the camera carefully. What do you want to show to the whites? In my view, it’s wrong to show our people drinking. It should have begun with the curing house, showing the plantation, not showing

AUGUSTO IN GUARANI EXILE I shall tell you this properly. Our sacred ancestors came from Para-

guay, passing through Argentina and Brazil. They were enlightened. They reached the land without evil, which is why they came from Paraguay. They came building the ruin, the Tava. They waited meditating to reach the land without evil. And they continue to wander through land and continue to build Tavas. ADOLFO IN GUARANI EXILE Those who lived in the Tavas were our grandfathers, the Mbya them-

people drinking. I don’t want to sound like a saint, I drink, I gamble, I dance, but for me

selves. Our own kin built the Tava and those who accompanied them. Even the whites helped.

that’s wrong. The name itself says: The Bicycles of Nhanderú. The name is already a mistake.

That’s why they say that they were made by them (the Jesuits). Our ancestors didn’t delude

If the film circulates like that, they are just going to laugh at us.

themselves about anything. They didn’t want to abandon that place but were afraid of being persecuted, so they remained there and appeared to surrender. But that wasn’t the case. That’s

ARIEL We made this work with a gang of youths, Germano, Jorge and myself. We filmed what

what the whites believed, they fell for it. The Indians knew they were being tricked, they just

really happens in the village. We show the real view people see in the village. And we know

had to pretend to be apprentices, like you do in school, pretending to pay attention.

that some problems really do occur in our village. That’s why we filmed our true situation. If A church full of Guarani children dressed in white singing in praise of

you pay attention, you’ll understand better and then you can comment afterwards. For us it’s

ARIEL IN GUARANI EXILE

important for you to say what you think, and we’ll show the film in other villages too. For me

the Christian God. That’s what appears in the history books. When the Spanish and Portuguese

the film is perfect but many of you didn’t like it. It’s only by seeing the film that we’ll realize what’s happening and then you’ll really perceive our situation. VINCENT

We thought IPHAN’s proposal to recognize the Guarani version of the history of the

missions as part of Brazil’s intangible heritage was of enormous symbolic importance, especially since the exclusion of the Guarani results primarily from a lack of understanding. It’s the absence of dialogue, the mutual incomprehension of two worlds unable to dialogue because they don’t speak the same language. They can’t even perceive each other. So for this reason we

divided up their territories again, the Guarani resisted being expelled from their lands. After the Treaty of Madrid in 1750 thousands of Guarani died in Rio Grande do Sul. SANTIAGO IN GUARANI EXILE The whites say: we killed all the Guarani. We pretended to die out

to trick them. But actually they only killed some of us with knives and rifles. Because they only killed the body. And the body was supposed to stay anyway, that’s why they allowed themselves to be killed. Even after they had been killed, the Nhanderú took the bones. Because their soul was pure (…) Nhanderú, our father, made us from sacred bones.

thought IPHAN’s proposal was fascinating, the idea of the country recognizing the indigenous

ADOLFO IN GUARANI EXILE

version. The Jesuit ruins, the Tavas for the Guarani, had already appeared as a very strong

The Spanish were delighted because they thought the land no longer had an owner. They took

So the whites killed our great warrior Sepé Tiaraju and celebrated.

342


all the wealth they found there. They killed to get this wealth. But the leader, our spiritual leader, went to the land without evil.

ERNESTO When you say “it’s not for me,” you’re translating that Guarani expression used when offering special thanks for something, aren’t you?

After the war, the Guarani continued to wander through the region, while the farms sprang up. And then suddenly everything was taken. There was no longer any place for us.

ARIEL Yes. Korupi guara˜i ko (it’s not for me), haeveté (thank you): Korupi guaraiko. That’s it. This work kovaeté mbya po korupi guaraiko. It’s not for me, it’s not for this plane.

ARIEL IN GUARANI EXILE

It was after the whites arrived that we began to speak of ‘Brazil.’ Our grandparents didn’t call the place Paraguay, Argentina or Brazil. They only referred to the lands between the rivers. That was their reference point. We are seen as nomads. But we’re only following the ways of our grandfathers. MARIANO IN GUARANI EXILE

IGNACIO KUNKEL IN GUARANI EXILE The Guarani were defeated in the Guarani War and thereafter

were never officially recognized as a people. Even Funai considered the Guarani extinct because they had dispersed (…) It was common for us to visit a village in a particular location and arrive there another day to find it abandoned. When we later tried to establish what had happened, we discovered that there were sometimes reprisals by the nearby non-indigenous population and that was enough to make them flee in fear. It was resistance by retreat.

ERNESTO

So you think the video work isn’t for this plane?

ARIEL Another plane exists. A plane without a name. Neither a wide plane (plano geral: long shot) or a close plane (plano fechado: close-up). It’s a plane without a plane. ERNESTO

Not even a counter-plane! (contra-plano: reverse shot)

ARIEL Not even a contra-plano. On that plane there is no backlight (contra-luz)...

We began to move constantly through the few free spaces in this territory. As well as invisible, we became strangers in a land we had always inhabited. We Guarani never said that the land is ours. That is because we always wandered, staying five or six years in some place before moving elsewhere. The place left behind continued as a village, meaning that we would eventually return there one day. For our grandparents, this entire territory was one large village. Today we have to use a document to cross the borders we never agreed to.

ARIEL IN GUARANI EXILE

ADOLFO IN GUARANI EXILE

I take this walk. I try to see something, a sign of Nhanderú. I want

to hear his words. ARIEL IN GUARANI EXILE The image of the Guarani by the side of the road became commonplace. Children run over, hunger. For that reason we began the fight to demarcate the lands were we once lived. Even though we know this land belongs to Nhanderú. A group of Mbya-Guarani began to search for good areas to build villages within the state. We began to occupy some spaces with the intention of claiming them as ours. Since we cannot wander freely across the entire territory, at least we can journey between the demarcated villages. ADOLFO IN GUARANI EXILE

We must carry on, even in the worst conditions, because we have

Nhanderú helping us. The challenge of the film Guarani Exile is precisely connecting the spiritual with something more objective, and more political, namely the land... The exclusion of the Guarani occurred through a lack of understanding in which the dialogue between two worlds speaking two completely different languages was impossible.

VINCENT

Since Two Villages I feel this chasm of incomprehension and I think of the film as an instrument that enables understanding.

ERNESTO

Our work with video is deepening. I know this is going to be very important for my people. Today I’m startled when I see the children here playing. “Wow, so many children!” It’s all for them. Not for me. Each time we discover more things and their importance.

ARIEL

343

1. Les Triplettes de Belleville, released in the US as The Triplets of Belleville and the UK as Belleville Rendez-vous.


Essays

doing, a boy explains how he usually kills the fish he catches, a woman tells how she weaves a certain mat. Who is the interlocutor of this speech directed at the camera? The films produced by Video nas Aldeias circulate among the villages and the interlocutors are residents of other villages. The traveler that arrives somewhere other than his or her place of origin

“Dear Sir, the DVD which you kindly lent me (The Agouti’s Peanut, by Komoi and Paturi Pan-

discovers life in that new place, and at the same time tells how life is in their own village,

ará, 2006) is by far the best film I have seen on the South American Indians. Everything is

now, beyond speech. The person he can use video which works as a channel for exchanging

successful: the choice of themes, locations and shots; and the quality of the images is sen-

information and also feelings. In one film a Xavante tribesman receives filmmaker from an-

sational. We constantly have the feeling that we are being allowed to see indigenous life

other village: “We knew that you would come and film, and so we are glad, we welcome you”.

from the inside. The authors are to be congratulated, as well as yourself for your share in this

The video as a letter; this missive nature of the video is clearly adopted in From the Ikpeng

production. The shamanic cure is a piece of anthropology.”

children to the world, the world beginning in the other villages: the children allow themselves to be filmed to show other children how they live. Letters ask for replies. The children

CLAUDE LÉVI-STRAUSS

in this film explicitly ask the children that watch this video to reply to them with information

Paris, November 20th, 2006

about their lives. Speech, even when directed at the camera, is never explanatory or analytical; it is above all descriptive. Even in films that present rituals, such as The Xavante Warrior’s initiation or

Vídeo nas aldeias, documentary and “otherness” JEAN-CLAUDE BERNARDET Cinema critic and script writer

The power of the Dream, the Indians describe the practices and the various phases of the ceremonies, and when they explain, they do so according to their own imagination. In these films there is no space for anthropological or ethnographical discourse. The images, the framing, the camera movements indicate that the young people who take part in the workshops are being trained to learn and use a language. It is not enough to switch on the camera in front of something. It is important to select the right shot, a wideangle or close up, choose the angle. One issue that always crops up in the workshops initiating the young people into this audiovisual language is editing. In reality, moving from the

In A day in the village a man catches a fish in the river. The camera shows the fish in the water,

shooting of the images to their editing implies moving on to more sophisticated equipment,

the arrow striking. It captures the fisherman’s movement as he brings his catch to the bank.

involving more complex forms of manipulation. The precise involvement of the trainers in

In another shot, a boy tries to catch a grasshopper. He is in a boat, as is the camera. He

editing is never really known. Video nas Aldeias takes a clear stance on this issue. The credits

carefully steers the boat to the bank, puts down the oar, extends his arm towards the insect,

for the editing of some videos explicitly name the relevant trainer; in other cases the train-

captures it, returns to his initial position and shows his prey. The camera accompanies the

er’s name is added to those of participants in the workshops. Here one of the shots in The

boy’s motions, adjusts to the grasshopper and returns to its original position.

Rainy Season is revealing since it shows an editing session in which a youth is learning to

Seen in the context of the Training the Eye seminar in São Paulo in 2003, these shots

use a computer keyboard under the supervision of a trainer, who tells him that the beginning

enchanted me. What was so special about them? There is an intimate relationship between

of a certain shot has been chosen, but now he has to decide at which point this shot will end.

the camera and the person filmed. The camera has to follow the boy’s actions; it also has to

Video nas Aldeias trainers do not adopt a naive approach, assuming it would suffice to place

move delicately so as not to startle the grasshopper, it has to follow the fisherman’s move-

a camera in someone’s hands for them to decipt their life. They have to learn how to use the

ment as he pulls the fish from the stream.

equipment and know the language. In The Xavante Warrior’s initiation, this approach is made

This close attention to people’s gestures, this respect for their situation, is something that seems to me to have totally – or virtually – disappeared from Brazilian documentary

explicit when it refers to the “training of indigenous documentary makers”. These films come under the rubric of the ‘other’. The ‘other’ has been a recurrent concern

filmmaking. Heavily dominated by the interview method, the tendency in this field is cur-

in documentary filmmaking over recent decades, ever since ‘direct cinema’ and ‘cinéma

rently limited to placing the camera in front of the person who answers questions pose by an

vérité’. The ‘other’ filmed, the ‘other’ filming themselves. I have always been convinced that

interviewer. In this way, priority is given to speech prompted by the filming and almost au-

this ‘other’ in the documentary and in philosophies of ‘otherness’ in general is no more than

tomatically situations that do not fit into the framework of the interview are discarded; in

a false solution to a badly defined problem. The ‘other’ is always designated by a subject,

other words, people in their daily lives. And the camera, positioned before the speaker, has

which in order to use this designation has to affirm her/himself as a subject, as a place of

no need to pay attention to the person’s gestures, since what is important is what he or she

speech, as a place from which the view originates. The affirmation of this subject as the

is saying. By contrast, affectionate and careful observation characterizes all the films pro-

center is the very denial of the ‘other’, of the recognition of their existence, because it denies

duced by Video nas Aldeias We have much to learn from them.

them as the origin of speech and vision. I believe that the philosophy of ‘otherness’ only

This close observation of people in their day-to-day situations does not exclude speech. A spoken form, that has almost disappeared from our present day documentary is one in

begins when the subject that applies the word ‘other’ accepts that be or she is an ‘other’ if the center is shifted, he or she accepts being an ‘other’ for the ‘other’.

which the people filmed talk among themselves. But these films do not exclude speech di-

As we know, the work in the Video nas Aldeias workshops antecipate that the videos will

rected towards the camera; on the contrary. People frequently comment on what they are

later circulate in a number of villages and that members of one village film in others. “The

344


Xavante Warrior’s initiation” describes the ear-piercing festival in Sangradouro village,

Until the arrival of the Villas-Boas in the 1940s the Xinguanos would embark on lengthy

filmed by cameramen from this village, in addition to cameramen invited from Pimentel

journeys to obtain tools from the Simões Lopes Post initially installed by the SPI to ‘attract’

Barbosa village. A cameraman from Sangradouro explains the need for this shoot with the

the Bakairi. However the fact that they lived with the kagaiha, the non-Indians, does not

following phrase in Portuguese: “We have to show another culture to others, so they can

seem to have excited the Xinguano imagination. The Bakairi did not become an image of the

recognize their own festival, culture, language... right?” Such a statement – show another

future. Though a few people lived at the Post for a while, the possibility of turning into an

culture to others – implies that the cameraman Winti Suyá not only sees Pimentel Barbosa

‘SPI Indian’ does not seem to have been seriously contemplated by the Xinguanos. Moreover,

from the center, which is Sangradouro, where the festival takes place and will be filmed, but

in the 1940s, following the arrival of the Roncador-Xingu Expedition, the Bakairi Post ceased

simultaneously sees himself and his village as the ‘other’ from the center or focus which is

to have any strategic importance since a more direct source of industrial goods would soon

Pimentel Barbosa. This is truly a philosophy of ‘otherness’.

be established in the region with the presence of the Villas-Boas brothers. Fifty years later the Kuikuro decided to visit the Bakairi again, making the journey this time by land and bus. The visit took place some ten years before my first research trip, but its effect on Kuikuro self-perceptions where still clearly evident when I arrived. I remember chief Afu-

Registering culture: the smell of the Whites and the cinema of the Indians CARLOS FAUSTO A little over ten years ago I was invited to visit the Kuikuro village in the Xingu Indigenous Park. On a brief, two-week trip in the company of Bruna Franchetto, I had the chance to watch a ‘traditional’ clarinet ritual and a kwaryp performed for the media in the Kamayurá village, in homage to Claudio Villas-Boas, complete with TV crews, journalists, politicians, government employees and a large assortment of guests. Airplanes took off and landed while the Brazilian Air Force’s large Buffalo waited for the end of the festival to return to base. For someone like myself used to working in an isolated area of the Amazonian rainforest, where the only means of transport was the monthly Funai boat, the impression was of visiting a busy international airport. Kwaryp over, I took the chance of a lift, climbed aboard the Buffalo and left. Two years later, in July 2000, this time backed by research funding, I disembarked at the Kuikuro village of Ipatse with my own project buzzing in my head. In the meantime, though, the Kuikuro had already drawn up another project for me: they wanted me to document all

kaká making speeches on the village plaza, referring to what I jokingly called the ‘Bakairization’ process from which they were suffering (Europe at the time was going through a period of ‘Balkanization’). The adults admonished the youngsters, telling them that they were fated to turn into ‘Bakairi.’ At the time, the blame was always put on the young people “who are ashamed to walk around naked,” “who no longer want to dance,” “who only think about sex” and so on. The most vivid memory they had of the journey was that of an elderly Bakairi woman, who wept when she heard them dance Tauarauanã, a ritual still performed today in the Upper Xingu, exactly as described by von den Steinen in 1887, but forgotten by the Bakairi. In the 1990s, therefore, the Bakairi had come to represent an undesirable fate for the Kuikuro, who claimed to be particularly disturbed by the fact they had lost their songs. ‘Becoming Bakairi’ not only meant losing something, it also implied being stuck in a limbo: neither truly kagaiha (since they remained poor), nor entirely Indians (since they no longer had ‘culture’). To Kuikuro eyes, the Bakairi had lost their songs and festivals without acquiring technology and money. In sum, to cite a Portuguese term commonly used in the village, they had become ‘peões,’ labourers. In 2000 I was having breakfast with chief Afukaká in an unlikely spot: New York. I was on my way to a conference while he was returning from a tour of indigenous reserves in Canada and the United States. As a result of this trip, a new image of the future had loomed large: the immense and luxurious casino owned by the Pequot, an indigenous people of New Eng-

their rituals as a way of, as they told me at the time, ‘safeguarding our culture’ (tisügühütu

land. The imposing resort – with its casino, museum, spa, golf course and non-indigenous

ongitelü).1 They were especially concerned with recording the songs. There are around fifteen

staff – provided an image of radical sociocosmic transformation. The Pequot had gained

rituals in the Upper Xingu whose execution depends on expert knowledge of vocal and instru-

control of a technology denied to the Indians at the beginning of mythic time. The casino

mental music. Some sets of music are so extensive that they take decades to learn. This musi-

also represented the control over money, whose main quality – its capacity to convert into

cal knowledge is a prerogative of the ‘song masters’ (eginhoto) and its transmission involves

any object or service – the Kuikuro had quickly assimilated into the native system of paying

substantial payments in native luxury goods, supplemented today by industrial items.

for goods and services using standards of measure common to the Upper Xingu system such

At the time the elders were convinced that young people were no longer interested in

as snail shell necklaces and belts.

learning the songs and that, were the latter not recorded, they would be forgotten for good.

But the Pequot image of controlling money and technology was accompanied, as in the

Indeed two rituals had already disappeared and some Xinguano peoples today no longer

Bakairi case, by the spectre of ‘culture loss.’ Chief Afukaká returned from his journey with the

possess “all their true songs” as the Kuikuro say. This image of loss was crystallized in the

sensation that he had a choice to make. Raised in a world in which songs were of vital im-

figure of the Bakairi. The Bakairi are a Carib-speaking people who formed part of the Xin-

portance, Afukaká was tormented by the idea that one day they might cease to exist. But if

guano system until transferred to a region outside the regional complex by the Indian Pro-

loss was inevitable, would it not be better to become ‘white’ once and for all? So he called a

tection Service (SPI) at the start of the 20th century.

meeting in the village plaza and proclaimed the end of bilingual education: they would now concentrate fully on learning Portuguese, studying at universities and learning the secret of

1. At the time Bruna Franchetto was discussing with the community her linguistic documentation project, which would begin the following year as part of the DOBES Program (Max-Plank Institute and Volkswagen Stiftung) for endangered languages.

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the whites, so that then, who knows, they could ‘become Pequot.’ This idea was opposed by the indigenous teachers, trained in accordance with the model of “differentiated, specific, intercultural and bilingual school education” promoted by the


Ministry of Education in its 1994 Guidelines. Instead they argued for an intermediate route,

This seasonal exodus has led to a proliferation of non-indigenous objects previously

pointing out that while the Pequot might no longer have ‘culture,’ they, the Kuikuro, still

concentrated in a few houses. In 1998 there was a single TV, today there are around ten; the

‘held’ (ihetagü) theirs. So if the Pequot had built a modern museum and a research centre

stereo systems in fashion just a few years back have already been replaced by DVD and MP3

despite having lost their language and culture, why couldn’t they do the same, only before

players; the fleet of bicycles has swollen from a handful to more than a hundred, not count-

losing theirs?

ing the motorbikes. Collective forms of transport have also been acquired: a tractor, a truck,

The museum and the transformations capable of overturning the White-Indian asymme-

a pickup, aluminium boats, half a dozen outboard motors. And this without mentioning the

try were closely entwined in chief Afukaká’s vision. And I myself as a subject – in the double

many objects of more personal use such as clothing and beads. The mass entry of TVs has had

sense of the word, an agent and a vassal – therefore became entangled in the project of

a huge impact by bringing a new universe of images directly into Kuikuro houses. At first the

‘safeguarding Kuikuro culture.’ At first the expression had a literal meaning: my task would

sets were monopolized by chiefs who watched news programs and soccer matches almost

be to record and store everything at my home, since one day, perhaps, Afukaká told me, his

exclusively. But as they have become more available, the audience has expanded and viewing

“grandchild – or great-grandchild – might become interested again and seek out the tapes

habits have become more diversified, so that today it is not unusual to see a house full of

from you.” I immediately replied that this wasn’t going to work, since firstly I would be ac-

children watching the matinee film or a cartoon. The internet debuted in the village in 2007

cused of “stealing the Kuikuro culture” (an accusation as simplistic as it is efficient nowa-

along with the inauguration of the documentation centre. Today some young people already

days), secondly because, having a family and job, I wouldn’t be able to spend the necessary

have personal laptops and many of them use Facebook, Messenger, Webmail and Skype on a

amount of time in the village, and finally because the younger Kuikuro had to be involved in

near daily basis. Since the founding of the Upper Xingu Kuikuro Association, various cul-

any such enterprise. Our conversation led to the creation of the Upper Xingu Kuikuro Asso-

tural projects under my coordination have been approved: the ‘logic of the project’ now

ciation in 2002, the entity legally responsible for the execution of the cultural documentation projects, as well as the Kuikuro Cinema Collective, responsible for recording the songs and festivals – and, of course, for producing films like The Day the Moon Menstruated (2004) and The Smell of Pequi Fruit (2006), in partnership with Vídeo nas Aldeias, the most wellknown participants in the project.

The smell of the whites A people’s reflexive relationship with their own ‘tradition’ is normally taken as a sign of rupture: it only appears when conventions cease to be taken for granted and both individuals and collectivities become faced with choices. As Eric Weil wrote, “by the simple fact of deciding to follow our parents’ traditions, we are being unfaithful to them” (1971:13). A radical break needs to have taken place for tradition to be seen from the outside and thus “represented as ‘culture’ and aestheticized” (Babadzan 2000:135). How has this rupture occurred among the Kuikuro? And what do they mean when they talk about ‘culture’? As we have seen, at the start of the 2000s the elders typically blamed young people for the loss of ‘culture.’ The changes taking place all around were thereby stabilized in the form of a generational conflict: young people didn’t want to know what had enabled

regulates the life of some of the young generation and informs that of the elders. Over the last decade the number of paid workers has multiplied: teachers, healthcare agents, oral healthcare agents, environmental agents, general manual assistants and so on. Earning a wage has become one of the main goals pursued by many young people who attend the village school daily to learn to read and write, leaving little time for activities that once would have conferred respectability. Even ritual male seclusion has slowly waned: its length and strictness have diminished and today frequenting school comprises part of the seclusion activities. The changes are less visible among women, who continue to respect the long post-menarche seclusion. But women also take an active part in the changes and sometimes force the acceptance of new practices. Today someone who doesn’t know the ‘custom of the whites’ (kagaiha ügühütu) is commonly called ngiholo, an ancestor. The comment is not necessarily negative. In certain contexts it is meant as praise, indicating that the person has a strong and resistant body, feels no cold and wakes early. In other contexts, though, it amounts to a critical or playful remark implying that the person understands next to nothing about the new times, dislikes clothes, understands no Portuguese, doesn’t know how to find their way around the city, and so on. The ngiholo represents a past out of synch with the present, valorized when affirming the importance of ‘Kuikuro custom,’ but also a symbol of the non-adaptation of this custom to the new times.

the grandeur and prestige of their parents to be obtained. And they were rebuked for this. I

Perception of this dyssynchrony has become widespread. Today young people appear less

suspect, though, that this had forever been the case: an idealized past had always served

like agents of change and more like subjects happily prey to the power of seduction of non-

the Kuikuro as a pedagogical method of creating an image of the future for the young.

indigenous objects and technology, a lure that affects everyone. The phrase best expressing

But this model of intergenerational conflict would soon cease to be a dominant factor in

this sentiment was spoken by Jakalu when he handed chief Afukaká the recordings we had

comprehending contemporary events. The agency of young people was pushed into the

made of the set of sacred flute music – a scene captured in the documentary The handling of

background, replaced by the seductive power of the white world. One of the reasons for this

the camera (2007). After the chief’s speech to the younger generation, in which he said that

change was the agreement signed with a leisure centre in São Paulo state, about 70 km from

“those were our things” and that he was ‘safeguarding’ (ongitelü) them for future genera-

the capital, where the Kuikuro began to perform shows throughout the month of April from

tions, Jakalu made his reply using the self-derogatory oratory style typical of chiefs and

2000 onwards. The contract greatly expanded the range of people with access to the world

singers: “here is a little of what our father taught and I recorded.” He then asked: “But will

outside the Xingu Park with a significant impact on learning Portuguese and the ‘customs of

our brothers, in turn, learn anything? I don’t know, let’s see. This way (on the recorded tapes)

the whites’ (kagaihá ügühütu). Old people, women and children who had once known almost

our things will survive. The smell of the whites is very strong. Our brothers, our children learn

nothing of the world outside the Park boundaries began to experience first-hand what adult

nothing, they have become whites already.”

men had previously narrated to them after returning from their travels. Moreover those who travelled began to earn their own money and buy industrial goods.

Here Jakalu makes use of a native logic of the senses: if his children have become white, it is because “the smell of the whites is very strong” (kagaihá gikegü inhahetungui). In indige-

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nous Amazonia odour is more than a physical quality captured by the sense of smell: it is a

people assumes an external viewpoint on themselves, seeing their own culture as a ‘thing’ that

vehicle of other qualities that penetrate and transform the body. This notion of a diffuse

can be followed or rejected, are essentially those determined by ‘colonial invasion.’ The reifica-

agency, effective at a distance and independent of the intention of the agents involved, is

tion of tradition is interpreted as a mode of elaborating inter-ethnic difference, working as an

used by the Kuikuro today to describe the transformations in which they are immersed. Ron-

instrument for either resisting or accepting the colonial situation. In the Xinguano case,

don’s ‘great circle of peace’ has finally closed in on them in the form of the enchantment of

though, I do not believe that the constant demarcation of ‘ways of being’ is in any sense recent.

imagery and technology.

Rather, it evokes Xinguano indigenous history itself, implied in the centuries-long production

The ‘whites’ are usually called kagaiha, a corruption of the Tupi term karaíba. However in

of a common culture from a diverse conglomeration of peoples, languages and customs. The

the past (and sometimes still today) people use the term itseke, which we can translate as

productivity of the category ügühütu is thus an outcome of the objectification of ‘cultural dif-

‘spirits.’ Non-Indians were equated with the powerful, elusive and aggressive beings popu-

ferences’ in a context of long-term inter-indigenous negotiation (only marginally linked to

lating the Kuikuro universe, since they appeared in surprise attacks, causing huge destruc-

colonialism).

tion with their sharp swords and deafening guns. Still today technology is an important

What we call the Xinguano system or constellation is the result of an amalgam of dis-

index of this itseke-ness of the whites. Confronted by a device whose manufacture is incom-

tinct peoples and cultures, who came together over the last millennium in the region

prehensible, the Kuikuro typically declare itseke engü higei, “this is an itseke thing” – and

formed by the Xingu headwaters. From a long-term perspective, we are faced with a thou-

nothing fits into this category so clearly as the cameras and computers that capture se-

sand years of transformation: the question is knowing, then, the extent to which what is

quences of images and continually transform them.

happening today is different from what happened in the past. After all, are we not witness-

It can be seen why the Pequot casino appeared to Afukaká as an emblematic image of

ing the same process through which the culture of the Kuikuro’s ancestors was transformed

a desirable future: although the Indians were not the ones producing the objects, they

400 or 500 years ago, or the culture of the Kamayurá some 200 years ago? What difference

were able to extract the latter, through money, from those who produce them and in this

is there between the inter-indigenous negotiation occurring in the region over recent

way control their magic. But would the price to be paid for this control inevitably be the

centuries and that occurring today between two systems as distinct as ‘ours’ and ‘theirs’?

loss of ‘culture’?

Are we confronted with an irreversible turning point in which the fundamental elements of

Culture in movement

modernity – commercialization and rationalism – will undermine ‘the old ways,’ to use Hobsbawn’s expression (1983:8)?

It is not unusual to hear a Xinguano say, in fine Portuguese, that only they are ‘safeguarding

From the Kuikuro perspective, though, the problem is not so much the abandonment of

the culture’ in Brazil since the other Indians, ‘poor things,’ have already lost theirs. This image

‘beliefs’ (as a modernist perspective would hold), nor the commercialization of inter-per-

of truly authentic Indians endowed with a ‘superculture’ received huge media coverage during

sonal relations (something that still seems far on the horizon). In the eyes of the elder

the process of establishing the Xingu Indigenous Park and has populated the national imagi-

generation, the question is actually knowing what they need to retain to ensure the conti-

nation ever since. It is this mirror of themselves that non-Indians offer them even today on

nuity of what they identify as the core of Xinguano social reproduction and without which

their travels and shows throughout Brazil. But this is also the self-image that the Xinguanos

they would definitively lose any possibility of recreating a Xinguano way of life. So how much

construct when comparing themselves to other indigenous peoples both within the Park

continuity is possible in this new context of transformation? How can they change in a way

(among the peoples ‘downriver’) and outside its boundaries (on the numerous occasions when

that ensures greater access to non-indigenous goods and services and, simultaneously,

they take part in inter-indigenous political meetings or sports events). The Xinguanos without

maximum retention of the Kuikuru ügühütu? The question is thus selective: what, in the fi-

doubt have a lofty and proud regard of their own tradition.

nal instance, represents their ügühütu? What cannot be forgotten?

But what do they identify as this tradition? To what are they referring when they use the

In the eyes of younger people, the question may turn into something more radical, since

Portuguese word ‘cultura’? All the notions I have used thus far – ‘custom,’ ‘tradition,’ ‘culture’

it implies not only asking how we should live or how we wish to live – if we can live in an-

– are translations of a single Kuikuro term: ügühütu. This is a highly productive term, heard

other way or not – but also how I want to live. The individual paths within the process of

recurrently, which designates ‘ways of being’ in an extremely diverse range of contexts.

transformation become an important component in the equation as new figures emerge: not

Hence, for example, kagaiha ügühütu means ‘the custom of the whites,’ just as that of the

only political leaders and mediators, but also university students, filmmakers, professionals

Xinguanos is kuge ügühütu or tisügühütu, ‘our (excl.) custom.’ The word can be used to refer

who, perhaps, are beginning to ask themselves whether this is the world to which they wish

to an animal’s habits, but also the way of using an object, as in the expression kahehijü

to belong and, if so, to what extent.

ügühütu, “the custom of the camera” (i.e., the way of operating it) – an expression, in fact, providing the title of the documentary The handling of the camera. Everything has its own

Becoming white, becoming Indian

‘way of being’ and much of the knowledge a person can acquire of the world consists of know-

If the Xinguano world is a millennial system of continuity and transformation, how are

ing the ügühütu of the entities that surround us: people, animals, spirits, objects.

contemporary transformations any different? Seen over the long term, shouldn’t we take

What interests me here is the hyperproductivity of the ügühütu category, which the Kuikuro

these transformations to be the result of the same indigenous logic of appropriating from

today tend to translate as ‘culture.’ This is not a pidgin term like kastom, a corruption of the

the outside, only that the others are now ourselves? For the last few decades a structuralist-

English ‘custom,’ so widely used by peoples of Oceania; neither is it an indigenous term dis-

inspired literature has emphasized the constitutive role of alterity in the production of

placed from its original context to signify an objectified relation to their own tradition within

Amerindian sociality, an idea that became consecrated in Lévi-Strauss’s famous dictum of

a new inter-ethnic situation. For many authors the circumstances in which an indigenous

an Amerindian “opening to the other” (Lévi-Strauss 1991). From this viewpoint, non-Indi-

347


ans are just one more figure of alterity amid so many others predating them chronologically.

The majority of Kuikuro rituals are associated with a sickness caused by non-human enti-

Various authors have successfully shown that studies of ‘inter-ethnic relations’ can gain

ties designated, as we have seen, itseke, which have the bad habit of stealing souls from

substantially in density and sophistication by contemplating the indigenous logic of con-

humans in order to transform them into their own kin. After recovery, the sick person be-

ceptualizing and relating to alterity. Comprehending contemporary sociocultural changes

comes the owner of the ritual associated with the pathogenic agent, thereafter obliged to

thereby entails investigating indigenous forms of producing transformation, rather than

feed it over the years by holding its festival. The Xinguano ritual is, therefore, a device for

studying the specific historicity of the contact situation or the structure of the wider socio-

collective and transitory transformation into itseke that blocks the individual and perma-

political process in which indigenous societies are inserted.

nent transformation that would occur were the patient to die.

Changes to tradition are not usually conceived by Indians in the form of innovation, but as

Today ritual also serves to avoid another definitive transformation, since it is the

exogenous appropriation, the result of a creative interaction with strangers (human and non-

only place where the Indians are not ‘becoming white.’ Perhaps this is why it has also

human) through dreams, trance, warfare or exchange. While the innovation of tradition results

converted into an activity in which they can ‘become Indian’ again. The ritual is a

from an appropriation of the outside, the mechanism of appropriation is mimetic: in the very

therapy for the chronic illness caused by the ‘smell of whites’ and, at the same time, the

act of appropriating alterity, one ends up imitating the other. This only becomes fully evident

place for affirming an objectified tradition. It is no coincidence that whenever we are

to us when the other is ourselves, since we find ourselves assailed by a feeling of inauthentic-

dancing in a Kuikuro ritual, the singer Kamankgagü – a ngiholo proud of his traditional

ity. This happens, for example, when we watch rituals such as the Kayapó Brazilian Independ-

knowledge – says to me enthusiastically: “look my friend, this is our custom, this is our

ence Day festival, a Wari’ Protestant religious service or Bakairi school rites.

word.” (And here I indeed write “whenever we are dancing,” since ritual is also the

Thus if we adopt the analytic premise that transformation is a structural part of social reproduction, that the “opening to the other” implies a constant appropriation of alterity and

ideal place for the anthropologist ‘to become Indian’ – after all, there everything is always ‘becoming’ something else).

that innovation is conceived as allopoietic, we are forced to conclude that the most traditional

The objectification of tradition via ritual is two-sided: if ritual is a way of becoming In-

attitude that could be expected of the Kuikuro today is that... they continue to ‘become white’

dian for the Indians, it is also a way of becoming Indian for the whites. In the Upper Xingu,

(Kelly 2005). This would imply them acting according to an anti-identitiarian and alterative

the conversion of rituals into spectacles dates back to the 1950s and the Kuikuro have a

logic that, for many anthropologists, indeed forms the deepest layer of indigenous life.

clear perception of the spectacular quality of their festivals and their impact on the ‘whites.’

From the Kuikuro perspective, though, being ‘traditional’ in this sense involves

The Villas-Boas brothers knew very well how to use these ingredients to cultivate the inter-

equally profound dilemmas and feelings of anguish. After all, what are the consequenc-

national fame of the Xinguanos, an essential element in the political struggle to create the

es of imitating-capturing a non-indigenous other? The Kuikuro fear is that by appropri-

Xingu Indigenous Park. Every year dozens, if not hundreds, of non-Indians are invited to

ating the non-indigenous universe, they become entirely other, inverting the perspec-

watch the big intertribal festivals that occur during the dry season. They form an apprecia-

tive and directionality of the appropriation process – in other words, that they begin by

tive public who, mesmerized by the strength of the Xinguano ügühütu, are expected to be

appropriating and end up being appropriated, abandoning whatever was their own. This

generous with their hosts.

risk, as we know, is the same that various peoples from the region confronted during

Over the last decade these rituals have also turned into a spectacle outside the Park. As

their inclusion in (and production of) the Xinguano multi-ethnic complex. Except that

we have seen, every April around a hundred people leave the Kuikuro villages to perform in

now they fear transforming themselves in vain: instead of ‘becoming white,’ they could

leisure centres, schools and municipal festivals in commemoration of Indian Day in Brazil.

merely become ‘labourers.’

This activity has resulted in a kind of ritual pot-pourri, made of sequences of short ‘sketches’

Here it is worth noting that the Kuikuro rarely think of themselves as a people who en-

whose order is noted in a school exercise book. The songs are chosen on the basis of two

tered the Xinguano system. On the contrary, most of the time they see themselves as auto-

criteria: on one hand, their beauty and liveliness; on the other, their ritual importance. In

chthonous, heirs to a millenary tradition to which other peoples ended up adhering. One of

these shows the Kuikuro refrain from singing music deemed to be ‘sacred,’ as they say in

the differences between past and contemporary processes of change is that while the mech-

Portuguese. The show is conceived in a way that avoids contaminating the rituals. The

anism of appropriating and digesting difference was once largely ritual, today the transfor-

Kuikuro recognize the artifice and its aim of seducing the non-Indians with a traditional and

mations jeopardize the very continuity of this device and with it the foundations for the

aesthetically authentic image that helps ‘sell craftwork.’ In the most recent film, The Hyper-

production of Xinguano social life. There is no ritual frame capable of conferring a specific

women (2011), for example, the musician Jakalu tells us how they improvised during a

and finite context to ‘becoming white.’ On the contrary: they are becoming white at every

presentation in Pará state when they were without any female singer, conning the whites in

moment and everywhere.

the same way “that they are always tricking us.”

What distinguishes a ritual transformation from sickness is that in the latter case the

The production of these shows has yet to have much impact on the rituals, which con-

metamorphosis is undesired, potentially occurring “at every moment and everywhere.” By

tinue to be driven by traditional motives and performed systematically and in full. The

overflowing every limit, exceeding any ritual frame or delimited social interaction, the

universe of music and ritual actions is ruled by a complex and precise order, an essential

‘smell of the whites’ provokes a disease that leads to a chronic sense of loss. The oft-re-

condition for them to be effective (Fausto, Franchetto & Montagnani 2011). When commis-

peated theme of ‘culture loss’ that resonates across Amazonia can be compared, then, to

sioning me to register all the songs and all the ritual routines in their precise order, chief

the feeling of orphanhood and abandonment that characterizes the sick person, someone

Afukaká feared that the next generation would only retain the debris of this knowledge,

who is about to lose his or her world by transforming into another type of person: a spirit,

meaning that they would only be able to ‘become Indians’ for the whites and not ‘become

an animal, the dead.

Indians’ for themselves (which in the ritual context signifies becoming itseke).

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A kind of indigenous cinema It was in this context of change – in which the Kuikuro see themselves becoming white the whole time without ever becoming so completely – that the documentation project was born and with it the experience of making films. As subjects enlisted to “safeguard Kuikuro culture,” the counter-attack we found was to use the magic of the whites, teaching them how to produce more and more images, placing the technology at the service of memory in the

The dilemmas of tradition and innovation ineluctably leave us without a single or definitive reply. We ourselves are no longer ‘becoming white,’ because we believe we have become sufficiently so already. This conditions seems to have been finally achieved: today we no longer need to make European cinema, Hollywood cinema, Brazilian cinema or any other new cinema. Would it not be more generous, then, to wish for the Indians to become Indians in their own way, even if that means … ‘becoming white’ one more time?

hope that this serves both the past and the future. A decade passed and the questions and perceptions relating to the recorded image had transformed. I well remember the community’s initial reaction to the first edit of The Day the Moon Menstruated, which we showed on the TV in the chief’s house one cold June night in

Powerful images of the villages

2004. The reaction was reminiscent of that of the Nambikwara filmed in The Girl’s Celebration

ALFREDO MANEVY

(Vídeo nas Aldeias, 1987). Seeing the bicycles, watches, lighters, the shaman’s t-shirt emblazoned with the phrase digital revolution, the chief ordered the film screening to be stopped – everything had to be refilmed, this time without the ‘white things,’ giving them back a ‘traditional’ image. Mariká, one of the filmmakers at the time, responded and, using his greater intimacy with the world of whites, argued that the film was a ‘documentary’ rather than a work of ‘fiction,’ using the Portuguese terms. This was followed by a lengthy explanation to render these terms comprehensible. Explanation given, explanation accepted. We continued with the projection. When I returned to the village the next year to finish The Smell of Pequi Fruit, the idea of fictionalizing part of the mythic narrative had already been worked out, so it was a question of producing a very traditional scene and working with actors in character. The relation with the camera had changed: at first people didn’t like being filmed and, as Takumã recounts in The Way of the Camera, the elders argued that the bundle of equipment was a white thing and that they, not being whites, would only make worthless (talokito) films. Better, then, to leave the camera in the hands of Professor Vincent, because he would know how to safeguard Kuikuro culture. By 2005, though, the young film workshop students had chosen their actors with the help of chief Afukaká, and the community was actively discussing which version of the myth to perform. The young men had gained prestige, their fame increasing as they received awards, travelled to Brazilian cities and even abroad. A new path to fame had been opened up alongside the traditional paths of wrestler, chief or singer, combining with other new paths such as becoming a teacher, healthcare agent or association leader. This led to invitations to attend film festivals and to run workshops in other villages – invitations accompanied by accusations of stealing culture and becoming individually wealthy from the sale of collective

Doctorate from the University of São Paulo, professor at the Federal University of Santa Catarina, former executive secretary of the Ministry of Culture under the Lula government (2008-2010).

Over its 25-year history, the Vídeo nas Aldeias project has produced completely new images, sounds and signs of indigenous populations. The Brazilian audiovisual landscape has undoubtedly been profoundly transformed by the emergence of many groups of filmmakers from the communities taking part in the project. Among non-indigenous Brazilians a new and powerful image has been disseminated of peoples traditionally represented through stereotyped imagery – sometimes romantic, but always generic and superficial, unable even to hint at the enormous differentiation characteristics of Amerindian peoples in the country. Or sometimes indifferent and entirely negative images that associate indigenous communities with an ‘absence of development’ or exoticism. As well as ensuring that the community filmmakers take the leading role in the process, the form in which Vídeo nas Aldeias pursues its work has enabled these stigmas (representational traces) to be displaced, making way for the scripts, stories, dialogues, testimonies and images that emerge with such strength today, affirming the symbolic field of the communities, frequently involving the numerous real conflicts in which they are embroiled. It has also revealed and launched a new generation of documentarists and filmmakers from many indigenous groups. In practice, the end of state guardianship of indigenous peoples – guaranteed by the 1988 Brazilian Constitution – has been an inconclusive process: slow and fragile from the viewpoint of any effective institutions and substantial policies. From the symbolic viewpoint, in the audiovisual field, this process had not even begun. Until recently – and this view still widely applies today – indigenous issues were limited to serious health problems

images. The dynamics of envy-jealousy (kinhulu) and gossip (augene), so traditional in the

and land demarcations, the latter still an on-going and critical issue. Educational questions

Xingu, were quickly activated to limit their fame, since becoming known, ‘spoken of’ (tikag-

received some attention, but culture in particular was excluded from the government agen-

inhü), always implies both light and dark sides.

da. Until 2003 the Ministry of Culture had zero dialogue with indigenous communities and

Whatever the case, the Kuikuro appropriated video and some of the young workshop

provided no funding for projects. This was one of the major changes in the cultural policy

students acquired the status of ‘filmmakers.’ But by appropriating the camera and the Final

introduced by the Lula government. Whether in terms of preserving and valuing culture,

Cut software, weren’t they too being appropriated? Cannibalizing a language to regurgitate

supporting artistic needs, or promoting the diverse ways in which indigenous groups link the

something new or being domesticated by our language? The three classic themes of our

traditional and the modern, the projects received unparalleled support.

universe of value – the new, authentic and authorial – continue to haunt the readings made

Brazil’s ‘Indians’ are now achieving wider recognition as a vast plurality of social and

of this type of cinematographic production. But are they the best tools for interpreting the

symbolic systems that in turn reveals the rich and singular occupation of this immense por-

work? Are these the questions that they, the Kuikuro, ask themselves? Do they really want to

tion of South America. The development of the project, the maturing of the methodology

make a kind of indigenous cinema or do they prefer to appropriate the best possible from an

used and the dialogues established in the different communities has produced another form

other-language, just as they appropriated songs and rites from other peoples in the past?

of representation, bringing questions of language sharply into the foreground. Emerging

Finally wouldn’t an authentic indigenous cinema necessarily be inauthentic to our eyes?

finally are the viewpoints of peoples who see their lives hanging by a thread and their ter-

349


ritorial boundaries continually reduced or threatened and violated. The difference is that the

valuable collaboration had to a certain extent enabled the previous project. She had worked

films originating from the project reveal ‘another time’ and ‘another place,’ the inner land-

with the Waiãpi group for years and a close relationship based on mutual trust had developed

scape of these peoples expressing their enormous sensibility, solidarity, technological

between her and the people. In the new video, Dominique and Vincent not only promoted a

knowledge and finely-honed aesthetic production. Vídeo nas Aldeias’s work also reveals the

concrete between indigenous groups, they also wove together an inspiring narrative in

narratives told by peoples who – tragically – are not perceived to be part of the country’s

which the images and dialogues of the Waiãpi visiting the Zo’é subtly alternated with im-

essential wealth, the passport to a socially and environmentally different future.

ages of the Waiãpi leader on the return to his village, describing the visit to those who had stayed behind. This inspired method of editing the material ensures we feel the full impact of the encounter between the two groups arranged by the filmmakers, a mutual discovery in

Memory of a journey H E N R I A R R A E S G E R VA I S E A U Essayist, filmmaker and professor

which they share accounts of tragic experiences of contact with the world of the whites. Since then, the documentary by Vincent that has most deeply involved me was Corumbiara, released in 2009. Shots from the film The Girl’s Celebration open the film and provide the trigger for Vincent’s recollection, given in an off-screen narration, of his quest since 1986 for the survivors of a massacre of isolated Indians by farmers coming from São Paulo state who had invaded their land in the Corumbiara Region of Rondônia, and the attempt to

When I first met Vincent Carelli, he had just finished work on the documentary The Girl’s

bring those responsible for the slaughter to justice, something that never happened. A sober

Celebration (1987). Vídeo nas Aldeias was still in its infancy, a project run then from the

voice that episodically recounts decisive moments of this quest and stitches together the

Indigenist Work Centre.

footage of situations occurring over the course of these 25 years. The communication of this

As a young social scientist trained in the smouldering climate of post-May ‘68 in France,

experience describes the limits of the legal advances made in redressing the social tragedies

the son of left-wing activists, passionate for cinema and imbued with Jean Rouch’s ideas of

repeatedly occurring in regions where farming is expanding in Brazil, and simultaneously

shared anthropology, inspired like many people of my generation by the search to express

indicates the primordial importance of the ethical event representing the rupture of indiffer-

the worldviews of those then called history’s vanquished, I was immediately enthused by

ence, the concern for the other.1 A concern that obviously must become tangible through

the project’s proposal.

concrete gestures, even if we can have no certainty as to their effectiveness.

The pioneering experience of The Girl’s Celebration revealed the innovative potential of

This is what the film shows us, especially in its final part as we follow the search by Vin-

video technology, such as being able to immediately show the Indians what had been filmed,

cent (and his companion on this journey, the indigenist Marcelo Santos) to contact an iso-

causing the disconcertment of the Nambiquara as they watched the visual reproduction of the

lated Indian, a survivor of a new massacre in the region. In this we witness a scene in which

initiation rite they had just finished performing. By rediscovering themselves as others, differ-

the latter, fearful of contact and disturbed by the presence of the camera, fires an arrow at

ent to what they imagined, seeing themselves in the unexpected mirror provided by the docu-

Vincent. Through his narrator’s voice, though, we learn that it was the camera’s mechanical

mentary film, they resumed performance of the rite, reintegrating into the ritual sequence the

gaze that subsequently enabled official recognition of the isolated Indian and helped ensure

traditional noise and lip piercing ceremony abandoned more than twenty years previously.

his protection: During the six hours that we surrounded the Indian, he tried to shoot me be-

At the time I was starting my career as a documentarist and was eager to find new ways of editing capable of allowing the viewpoints of the documented subjects to be expressed in

cause of the camera; however, it was this image that proved his existence to the courts. This footage led to interdiction of the area, protecting him for at least a time.

vibrant form. I remember the first intense dialogues with Vincent concerning, among other

I have a very strong memory of Virginia Valadão, a central figure in both the investigative

things, the different ways of using text in off-screen narration, as well as the place to be

process documented by Corumbiara, and the foundation and development of Vídeo nas Al-

assigned to the verbal expressions of the groups.

deias itself until her premature death in 1998. Among other works, she directed Yãkwa, The

When I watched The Spirit of TV in 1990, I immediately had the feeling that Vincent had begun a prolific journey in documentary making, paving the way for an anthropology of au-

Banquet of the Spirits (1995), a precious condensation of one of the most important rituals of the Enawenê Nawê people.

dio-visual communication, by centring the video’s narrative on the sequence of reflections,

In addition to my enthusiastic sympathy for the project and my positive critical appreciation

fantasies and verbal declarations of the Waiãpi Indians as they watched their own image on

of so much of its work, my involvement at the end of the 1990s moved beyond informal divulga-

a TV set installed in the village by the team and, in particular, saw the images recorded by

tion of the films. Based on my experience in documentary filmmaking and in educational TV

outsiders, non-Indians, of other indigenous groups.

programs, I worked with Vincent and Tutu Nunes on the themes and scripts for the series Indians

The virulent statements made by various Waiãpi Indians in response to these images was

in Brazil (2000), produced by the Ministry of Education’s TV Escola. I was a founding partner of

particularly striking at that moment in Brazil’s history, an ambiguous period that mixed de-

the Vídeo nas Aldeias Association when the project became an independent institution, separate

spondency over the country’s future as Sarney’s presidency came to an end and Collor’s gov-

from the Indigenist Work Centre. More recently I was elected the association’s president.

ernment began with the hopes for change generated by the intense social mobilization surrounding the drafting of the 1988 Constitution. Interspersed between the dialogues in the film were elliptical scenes of everyday life in the village, as well as various ritual moments. Another film that had a strong impact one me a few years later was the documentary Meeting Ancestors (1993), co-directed by the anthropologist Dominique Gallois, whose

1. For Lévinas, the concern with the other, the responsibility for the other (even the possibility of dying for the other), this rupturing of indifference, which can be statistically dominant, is the ethical event. See Lévinas, Emmanuel: Entre nós. Ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Editora Vozes, p.18.

34:


At the end of the 1990s the first workshops training indigenous filmmakers were begun.

Now we’ll go see our images together. In the past, we Indians didn’t know about this...In the

The pioneering workshop took place in the Xingu in 1997. This was when Divino Tserewahú

white man’s language, it’s called television. And in our language? I don’t know. (From Arca dos

planned the filming for Wapté Mnhõnõ, The Initiation of the Xavante Warrior (1999), a semi-

Zo’e, 1993)

nal work by one of the first indigenous filmmakers trained by the project. Here it is worth recalling the crucial participation of Mari Corrêa in the gradual systemization of the workshop format during the 2000s. Along with Vincent, she adapted pedagogical methods developed by Ateliers Varan to the world of the villages. The training program also benefitted from the collaboration of professionals like Leonardo Sette, Ernesto Ignacio de Carvalho, Sergio Bloch and Tiago Campos Torre as course instructors. The most important contribution made by the Video nas Aldeias Association during this first decade of the new millennium has undoubtedly been the training of an entire generation of indigenous filmmakers. Over this time the latter have produced works that in diverse ways express the wealth of the symbolic universes of the communities to which they belong. Works that present inspirational views of daily life in the villages, seen from unique perspectives, or weave narratives that subtly reveal the contradictions within the groups that frequently emerge after conflict-ridden encounters with groups and social forces outside the villages. Here, among many other works, I am thinking of The Rainy Season (2000) by Valdete and Isaac Piãko, Shomõtsi (2001) by Valdete Piãko, Imbé Gikegu, The Scent of Pequi (2006) by Takumã and Maricá Kuikuro, Pi’õnhitsi, Unnamed Xavante Women (2009) by Divino Tserewahú, Kene Yuxi, The Turns of the Kene (2010) by Zezinho Yube, The Bicycles of Nhanderú (2011) by Patricia Ferreira and Ariel Duarte Ortega, and The Hyper-Women (2011), where Takumã Kuikuro co-directed with Carlos Fausto and Leonardo Sette. One of the main challenges of our association over the next few years, aside from continuing to ensure all the ethnic groups free access to their own images, is the digital storage of the precious audio-visual archive compiled by Video nas Aldeias in conjunction with all the indigenous groups with which it has worked over the last twenty-five years. I consider the preservation of this archive an essential step in the dynamic process of transmitting the memory of these peoples, always capable of being reactivated in the future by new generations. In terms of the present, I have no doubt that the film production of indigenous Brazilian filmmakers since the start of the 2000s, increasing in strength over the course of the decade, has made a decisive contribution to providing new ways of visualizing the sociocultural dynamic of contemporary Brazilian society.

It’s Indian with Indian. We’ve just become friends. But from here on, the tape they’re making, they’re going to take it for them to watch, and they’ll send a copy for us to watch. A road has been opened between us. (From Eu já fui seu Irmão, 1993) A Arca dos Zo’e and Eu Já Fui Seu Irmão are two remarkable videos that invite us to rethink the possibilities of “small media” in the late 20th century as technologies that facilitate kinship, cultural self-consciousness, and political awareness, inverting what people presume the usual causal relationship is between media and alienation.. Directed and photographed by Vincent Carelli, both tapes are part of the Video nas Aldeias (Video in the Villages) project he has been directing in association with the Centro de Trabalho Indigenista (CTI), an advocacy group working since 1979 with and for Brazil’s indigenous people, located in São Paulo. Of the 13 or more video works produced by the project to date, they are among the most interesting because they dramatize so clearly how new cultural, social, and political relations are being constituted among indigenous people of the Amazon and beyond, and how technologies such as video are a productive part of that process. By any cultural standard, the pieces are beautifully shot and edited and communicate a rich sense of long-term trust and collaboration between Carelli and the subjects of the tapes (Waiapi, Zoe, Kraho, and Gavião/ Parakateje peoples) who – as we see in the tapes – are also making their own video documentation of the same events for themselves. In its current popular usage, the word media evokes large multinational conglomerates, the commodification of daily life in late capitalist culture, and the increasing globalization of images and information, so that cultures and people appear ever more deracinated and disconnected. Yet, in its original English language meaning, media is defined as an intervening substance through which a force acts or an effect is produced; it is something that mediates, acting between parties to effect an understanding, compromise, or reconciliation. These notions of media and mediation are what A Arca dos Zo’e and Eu já fui seu Irmão – indeed all the video works of the Video in the Villages project – represent. They fall somewhere between “indigenous media” made by and for aboriginal communities, and ethnographic film which has traditionally been framed by categories of anthropological interest. Instead, these videos chronicle for outsiders (as well as insiders) the social processes generated by the catalytic effect the presence of video has had, within a context of political and cultural advocacy2. As Pat Aufderheide explains in her article on the work of Vincent Carelli and CTI,

Video Kinship: A Review of Meeting Ancestors and We gather as a family F AY E G I N S B U R G Director, Center for Media, Culture, and History Department of Anthropology, New York University, New York, N.Y. 10003 for Cadernos de Antropologia e Imagem

Video in the Villages responds to the expressed needs of Indian groups, within the context of the organization’s focus on Indian rights. It is not a film production unit; in fact the bulk of the work is in facilitating Indian’s video use. Indians produce videos that they conceive jointly with the organization, and they dictate the thematic and compositional choices. VIV also circulates tapes, arranges exchanges between different groups and organizes meetings between groups that have “met” already by video. It helps build archives and videotheques, and replaces moldy or damaged tapes. Its choices for video work are driven by ways in which video can foment the larger project of cultural integrity and reconstruction..

I never imagined that there could exist, even today, a village celebrating as my ancestors did.

...These videos have an activist, political rationale, and a didactic documentary format.

(Translated comments of Kokrenum, Gavião Chief, on viewing tapes of a Kraho ceremony in

They are intended to explain to as-large-as-possible, often non-Indian audiences why video

1991. Quoted in Carelli 1995: 5)

is a useful tool for Indian cultural survival. (1995: 84)

351


As Carelli has made clear in his work, Video in the Villages has developed two different

Carelli began VIV as an experimental project with the Nambiquara in 1987, which

dimensions of using video. He (and others such as American anthropologist Terry Turner with

dramatically demonstrated its productive potential; as with other groups, one of the first

whom Carelli has worked on The Kayapo Video Project) have been providing video equipment

and primary interests they had in video is to use it to reflect on their own cultural prac-

and training for members of indigenous communities interested in using video for their own

tices (and their potential loss) and to record them as a way to both revive and preserve

purposes (Turner 1992; Feitosa 1991, 1993) Additionally, Carelli makes tapes about the proc-

these cultural practices for future generations, much as early ethnographic filmmakers

ess of introducing video and its effects, both for these communities but also for outsiders who

recorded aspects of ritual and material culture as a project of salvage ethnography. In the

help fund the projects that have been so crucial to helping sustain the possibility of advo-

case of the Nambiquara, seeing images of themselves performing a girl’s puberty ritual

cacy – internal and external – for Brazil’s indigenous people who have suffered a long his-

(Festa da Moça, 1987, 18 min,) triggered a revival of a nose-piercing ritual for male ini-

tory of colonialism. The tapes that Carelli makes (as opposed to those made by and for indig-

tiation (and other traditional practices) that had been waning almost since contact

enous people themselves) are not only of great interest for native people concerned with

(Carelli 1988, Auderhiede 1995: 85). A later tape, O Espírito da TV (1990, 18 min.), re-

recording and reviving their ritual life and exchanging tapes with other groups; they also are

sulted from collaboration with Waiapi – and especially chief Wai Wai – living in the state

often more successful than written documents in garnering support from NGO’s and other

of Amapa who have been very active in fighting both state and commercial threats to their

sources of support of indigenous people. This is increasingly important as these groups face

land and autonomy. Anthropologist Dominique Gallois, (who worked on this project) and

new threats to their lives and territories. Most recently, as is evident in the discussions we

Carelli found that these people – who had had negative experiences with outside filmmak-

hear in the tapes, they have felt the impact of incursion of gold miners and their pollution of

ers – wanted very much to control their own image making, and to document the process

water supplies, and of ranchers and loggers who have been destroying their forest lands.

of coming into contact with other communities. The tape shows their reactions and re-

This kind of process, of course, is not simply a product of working with video but is part

flections to seeing images of themselves and others through the medium of video for the

of a broader process that is occurring with indigenous people throughout the Americas and

first time, and demonstrates how video was quickly assimilated to a project of inter-

even across the globe, what some have called “ethnogenesis” (Whitten 1996). In a recent

tribal diplomacy.

essay introducing an edited collection on ethnogenesis in the Americas, John Hill describes this process as:

Such efforts to link different Indian groups through video and the social relations being produced by this process are the central subject, in different ways of A Arca dos Zo’e and Eu Já Fui Seu Irmão. In the case of the latter tape, Carelli explains:

not merely a label for the historical emergence of culturally distinct peoples but a concept encompassing peoples’ simultaneously cultural and political struggles to create enduring

One of the most significant results of this project occurred when a group, having discov-

identities in general contexts of radical change and discontinuity...a creative adaptation

ered through video that it had many things in common with another, actually made contact

to a general history of violent changes – including demographic collapse, forced reloca-

in real life. This was the case of the Parakateje (Gavião) the Kraho and the Canela, three

tions, and genocide – imposed during the historical expansion of colonial and nation states

groups that come from the same branch of the Timbira culture, speak the same language,

in the Americas.(Hill 1996: 1)

and have the same cultural base. However, their differences were also enormous, resulting from their different historical experiences of contact.

Or, put in terms of other theoretical debates, one might look at these projects as demonstrative of ways in which they “indigenize modernity” (Sahlins 1993).

The Gavião, who live in the south of Para, were contacted less than 30years ago, but have

The works of Video in the Villages (VIV) are almost unique as documents about what hap-

lost all of their elders and with them, a large part of the tribal memory. Their younger people

pens when video is put into the hands of indigenous communities and how it is embraced as

no longer speak their mother tongue. The Kraho and the Canela who live in the states of To-

a technology of mediation. It is part of a particular moment when Amazonian people are

cantins and Maranha, were contacted more than 300 years ago but continue to be more

becoming newly self-conscious of themselves, of the fragility of their cultural practices un-

isolated. Unlike the Gavião, they are extremely poor and practice an intense ceremonial life. In

der pressure of contact and of the importance of making connections with other indigenous

this respect, the Kraho [...] represent for the Gavio what they have lost. (Carelli 1995: 5)

groups and establishing ongoing contact with them as a way to strengthen their position locally and in relation to the incursions of outsiders and government agents.

The tape actually has its roots in 1991, when VIV recorded a Kraho ceremony at Tocantins and sent the tape to the Parakateje (Gavião) of Pará. The Gavião chief, Kokrenum, was im-

Rather than following ethnographic tropes, as if the tapes were providing transparent

pressed by what he saw, and in September 1992, with the assistance of the VIV project

visual descriptions “about the Waiapi” or “the Zo’e” or “the Kra’ho” as static and frozen

(partially supported by the Rockefeller Foundation), he brought 50 young men by truck to

cultures, these works both represent and are a crucial part of a social process, catalyzed

Tocantins to participate in a Kraho initiation ceremony at the invitation of their chief Diniz

and supported in part by sympathetic white activists from the CTI and elsewhere, along

Tebiet. The video record of the event – which includes chanting and dancing, body painting,

with the interest of a number of dynamic indigenous Amazonian leaders and their com-

and preparations for the arduous relay race in which huge logs are passed from youthful

munities who have recognized the power that small media like video can offer to them on

shoulder to shoulder as they run across the savanna – was screened nightly in the Gavião

a number of levels. Permanently breaking older paradigms of representation, the VIV tapes

village after they returned. The intensity of the experience helped galvanize a return visit

(along with those made with and by other indigenous groups all over the globe) are part

the following year, when a contingent of Kraho came to visit the Gavião during a corn harvest

of a project of cultural activism, in struggles that range from land rights to the protection

festival which also includes the log relay race. This exchange, and its obvious impact on both

of cultural property.

groups, is the substance of Eu já fui seu Irmão. As Chief Kokrenum explains:

352


Those young ones are always wanting to do what the whites do...

north of Para. (Both are part of the Tupi culture but speak divergent dialects, which began

So I think we ought to take the youngsters to see the Kraho’s dances, how they do their

to be mutually intelligible after speakers spent a few days together). For these groups, their

festivals. Because they’re keeping their ways. So that’s why they took all the teenagers, so

desires to meet each other encapsulated the histories of contact, loss, and nostalgia. Ac-

they could see the Kraho’s activities for themselves. To see if the kids will believe what I say,

cording to Vincent Carelli:

to come thinking like that again, right? ...I thought they didn’t speak Portuguese, but they speak really well, better than we do

One of the Waiapi expectations for this meeting was to re-encounter the way of life,

here..They speak more correctly. But they’re always (also) using their language..Even the

techniques, and decorations of their ancestors, which they wanted to film and rescue for

little ones speak in their language.

their own young people. On the other hand, the impetus for the meeting resulted from the Zo’e living through one of the most delicate moments in their history – confronting the risk

This sense of cultural and historical difference between the groups is reflected in the

of contagion, the fascination they felt toward white people, and so on. The Waiapi, who had

visual images of the tape, showing the propensity for western clothes among the Gavião, for

already lived through all of this, wanted to bring along and comment on videos that show

example. It is also encoded in a charming and illuminating conversation between the two

the white world that the more isolated group was just now encountering.

chiefs as they comment on each others customs (in what occasionally seems like an unwitting gentle parody of the narrative style of ethnographic film). In addition to their com-

For the Zo’e, the most important result was to begin an unprecedented self-reflection

mentary, there are many other dimensions of reflexivity throughout the piece. Indeed, the

process, and to discover that the world outside is more differentiated than they imagined.

tape is reflexively structured around such meta-level observations and exchanges, as it el-

Besides whites, there exist other Indians, “others like us.” (1995: 6)

egantly cuts from scenes of the ceremonies themselves with both hosts and guests, to scenes

As part of the ongoing work of Video in the Villages, Carelli and anthropologist Domin-

of Gavião (and later Kraho) watching the videos of the visits to the other villages on their

ique Gallois, who has worked with the Waiapi for many years, helped arrange and document

home turf (via generators set up in structures in the middle of the villages) and commenting

the first actual meeting of Wai Wai and several other Waiapi who flew in to meet with Zo’ e

on them. In yet another reflexive move, we watch their own videotaping of the events,

people who they had first encountered on video. That meeting (and the perceptions of

subtly clarifying how the tape we are seeing is being produced about the event for cultural

each group about each other as they reflect on it) forms the narrative structure of A Arca

outsiders (as well as as insiders).

dos Zo’e, with Chief Wai Wai being the key interlocutor of the story and the apparent cata-

Potential audiences, broadly speaking, are also conceived across time. In the final scene of the tape shot in the Gavião village, the chiefs announce to the camera and those assembled:

lyst for the event. The tape’s opening images of the Kasarapina, a Waiapi cameraman shooting scenes of Zo’e daily life are accompanied by Chief Wai Wai’s (subtitled translated) comments:

We’re doing this for our young ones, not for us. That’s why I want to know everyone’s name. So we can visit each other, do things together. That’s right, we’re going to do that.

We knew these people from television images. And that’s when I decided to visit their vil-

And then slowly and systematically, in a moving and dramatic enactment of that desire

lage...They’re different because they go naked...but the color of their skin is the same as ours.

to create kinship across the divisions of history and space, one child after the next is brought

There’s no problem. That’s really how they are. Around the men I felt no shame but around the

forward and their name enunciated and repeated for the sake of the other group:, “This is

women, yes, because it’s different here. Because that’s their custom and I got used to it.

Hok Hi, Hok Hi.” And so on. Kokrenum continues:

The visual imagery is appropriately edenic to the commentary; Zo’e women, naked except for the monkeys perched on their shoulders, long lip plugs, and elaborate headresses of

When these kids grow up, they’ll think, “Back then nobody knew anybody. We only heard Kraho’s name and we only heard Paraketeje’s (Gavião’s) name. But we never met, we never

feathers that resemble 18th century bonnets, and long tubular lip plugs, seem utterly unselfconscious and deeply curious about the clothing and tools of their Waiapi guests.

talked. But those two old men were smart and opened the way. You arrived in my village and

The tape then shifts scene to Wai Wai back at home, telling his own people about the trip

there wasn’t time to get to know everybody and we had this gathering so we could meet. At

as they watch the video of his journey. The commentary by Wai Wai repeatedly underscores

my next festival, I’m going to present the rest because not everybody came. I also want you

their sense of these people as “like their ancestors”. As we watch a woman pull a spider

to meet those who stayed behind. If your people go home and leave a seed to make people

monkey out of a pot and prepare to eat, he remarks:

stronger, I think it’s good. I want to see my people grow. At the next feast, I’m going to get everybody together so we’ll be one big family.

They don’t use dishes, only gourds, like our ancestors. We’re the ones who changed after meeting whites. They’re identical to those from the time of the creator. In an uncanny resemblance to early encounters with anthropologists, the tape chron-

As Carelli points out, this tape is not only about the emerging social relations between

icles the material culture of the Zo’e, from the making of arrows, to technologies of food

these groups, but is also a profile of Kokrenum, whose charisma, foresight, and political

preparation, to the use of Brazil nut trees and bark, to magic for hunting tapirs, to the

strategies have been essential to the Waiapi’s survival (CTI 1994).

division of meat to the community, to ritual initiation of young men who must hold their

In A Arca dos Zo’e, which was also motivated by the emerging relations among different

hands inside a pot filled with biting ants. In a similar reprise of primal encounters, Zo’e

indigenous groups enhanced by video exchange, the Waiapi, who have a long history with

women check out the cloth used by Waiapi men for loincloths and ask them to be sure to

whites, began to communicate with the Zo’e who were only contacted around 1989 in the

bring some back.

353


Much as Wai Wai is moved by their knowledge of ancestral ways, he is also worried about the innocence of the Zoe, and tries to warn them about the danger of goldminers, the ways they can destroy the forest and pollute the rivers. As if to underscore the potential gravity of contact with whites, his parting comment as he boards the airplane to return home is: See you later. If I die from a white man’s disease, I won’t return. If I die, we won’t see each other again.

Conclusion These tapes are significant on a number of levels. First, they are delightful to watch, not only because of Carelli’s technical facility with video, but also because of his long knowledge of and intimacy with the different groups and the conditions they face. The level of trust and rapport in the tapes is palpable in multiple ways, from the gentle humor of many of the interactions, to the ease with which quotidian scenes were shot, to the philosophical reflections on their conditions that the circumstances of encounter provoked for each group. As such, we get a remarkably intimate sense of daily life as well as the thoughts of indigenous intellectuals and leaders trying to lead their people into a future with some sense of the integrity of their culture, language and political autonomy. These are representations of “the native’s point of view” rarely achieved in ethnographic film. At another level, these tapes are extraordinarily valuable historical documents regarding the taking up of new technologies – video in this case – by people for whom they are novel, and seeing how they use it to mediate their relations with the fellow Indians. Considering the amount of ink spilled by western intellectuals over the presumed deleterious effects of cameras on indigenous people (cf. Weiner et al, 1996), it is far more useful to recommend to such doomsayers that they watch these tapes than to argue with them in the abstract. In both of these productions, the natives

References Cited Aufderheide, Patricia with Vincent Carelli 1995 The Video in the Villages Project: Videomaking with and by Brazilian Indians. In Visual Anthropology Review, Fall 1995, 11 (2) : 83 - 93 Carelli, Vincent 1995 Video in the Villages: Bringing the Indians Together with their Own Image. Transated and introduced by Patricia Aufderheide. Unpublished interview. Archive of the Center for Media, Culture, and History, New York University. Centro de Trabalho Indigenista 1994 Video in the Viallages Distribution Catalogue Feitosa, Monica 1991 The Other’s Vision: From the Ivory Tower to the Barricade. Visual Anthropology Review. Volume 7 (2), Fall 1991: 48 - 49 1993 Taking Aim, 41 min., color. A video by Monica Frota. Rua Visconde de Ouro Preto 611/201, Rio de Janeiro, Brazil Gallois, Dominique and Vincent Carelli 1995 Video in the Villages: The Waiapi Experience. In Advocacy and Indigenous Film-making. Intervention – Nordic Papers in Critical Anthropology, Nº 1: 23 - 38. Hill, Jonathon 1996 Introduction: Ethnogenesis in the Americas, 1492 - 1992. In History, Power, and Identity: Ethnogenesis in the Americas, 1492 - 1992, ed. Jonathan Hill, University of Iowa Press. Sahlins, Marshall 1993 Goodbye to Tristes Tropiques: Ethnography in the Context of Modern World History. In Journal of Modern History 65 (1): 1 - 25

can tell and show you quite directly why these tools are profoundly useful to them, and how they have been used in the service of strengthening cultural traditions and in political organizing. Finally, A Arca dos Zo’e and Eu já fui seu Irmão are indicative of a key historical moment in a process of ethnogenesis discussed earlier, and the formation of a pan-indigenous national consciousness that is crucial to the future of these groups3, as was clear in the inspiration for cultural revival demonstrated by the Gavião and the Waiapi, and their concern to protect the newly contacted Zo’e from the tragedies they have encountered from contact with the dominant culture. Such works provide a healthy counterpoint to the stereotypical images in the press, cinema, and popular writing about Amazonian people, in their clear portrayal of Amazonian people as selfconscious and active historical agents, able to use a range of technologies to address not only many different audiences but their own cultural concerns and political futures.

Turner, Terry 1992 Defiant Images. In Anthropology Today 8 (6): 5 - 16 Weiner, James 1996 Televisualist Anthropology. Cultural Anthropology, Spring 1996 Whitten, Norman 1996 “Ethnogenesis.” In Encyclopedia of Cultural Anthropology, ed. D. Levinson and M. Ember. New York: Henry Holt

Endnotes 1. For an excellent overview of the whole project and its relation to the advocacy work of CTI, I

Acknowledgments” Thanks to Patricia Monte Mor for her encouragement to write this review, and her patience about receiving it. Thanks also to the following people for their helpful conversations: Patricia Aufderheide, Dominique Gallois, Terry Turner, and Virginia Valadão. Finally, I am grateful to Vincent Carelli for his insights into this work, and the many conversations I have had with him over the years regarding the broader project he is engaged in, at different film festivals and while he was in residence at the Center for Media, Culture and History at New York University in 1995.

recommend Patricia Aufderheide’s article, The Video in the Villages Project: Videomaking with and by Brazilian Indians, In Visual Anthropology Review, Fall 1995, 11 (2) : 83 - 93 2. As Vincent Carelli explains the distinction between the different uses of video: “We make it clear that the video made by the Indians is almost exclusively for internal consumption in the villages, and as such is distinct from the “Video in the Villages” series about the project... But the Indians are taking their first steps, and their work, like any home video, cannot be judged according to aesthetic standards. It doesn’t matter whether the image shakes and the takes are very long. What is important is the social and cultural dynamic associated with this image.” (1995: 10) 3. Vincent Carelli explains: “Of particular significance was the growth of a pan-indigenous national consciousness rooted in the similar historical processes experienced by each group since contact and in their common problems.” (1995: 3)

354


“You see the world of the other and you look at your own”: the evolution of the Video in the Villages Project PAT A U F D E R H E I D E Journal of Film and Video, Volume 60, Number 2, Summer 2008, pp. 26-34 Published by University of Illinois Press DOI: 10.1353/jfv.0.0001

What purpose does ethnographic film serve?1 Whom is it for? Is it for scientists, television audiences, its subjects? Can there be overlaps or common goals? This is the prickly question underlying much ethnographic film production. It is routinely addressed in practice more than in theory, in part because of the economics of filmmaking. Anthropologists have not found funding either to build filmmaking into fieldwork or to establish a rigorous set of professional standards, although anthropologists such as Jay Ruby have sturdily maintained that they should. At the same time, documentary practice has evolved, divorced from theoretical concerns about scientific accuracy, although documentarians have often capitalized on claims to science (Winston). Ethnographic film and visual anthropology have areas of overlap but also occupy different domains. Visual anthropologists, concerned with the politics of representation as well as the challenge of communicating the lived experience of distinct cultures, have struggled from the first generation of anthropology to define an arena within anthropological practice. They have asked questions about the ethics and implications of formal choices in photography, film, and video. They have grappled with the nature of social scientific claims made for their observations and their moral obligations to their subjects. Some of those people have also been filmmakers. Meanwhile, many filmmakers with no formal training whatsoever claim the mantle of the term “ethnographic film,” so long as there is a cross-cultural aspect to the subject matter. Some of those people are thought-

Any documentary form grapples with the core problem of truthfulness – not only whether any particular fact is correct, not only whether a portrayal is a fair one and set properly in context, but also to whom and why it is relevant. Ethnographic film raises this question acutely because the term itself implies otherness – that ethnographic film is a look from outside a culture, giving the audience a glimpse inside it. This claim to provide a privileged gaze heightens the usual ethical questions of documentary. Making the ethical and epistemological questions even more pointed is the common situation in which the subjects of an ethnographic film are members of cultural groups with less power in society and media than the filmmaker. The question of the function of ethnographic film – to whom it tells its truths, within what context, for what purpose – is boldly showcased when film projects directly engage the subjects of a film as coproducers and co-filmmakers. This was vividly raised in a familiar story that anthropologist-filmmaker Sol Worth often told about Sam Yazzie. Worth, along with John Adair, conducted the Navajo Film Project in the 1970s. The project strove to teach the Navajo people techniques of filmmaking without imposing aesthetic or ideological filters. Elder Sam Yazzie, when the project was described, asked, “Will making movies do the sheep any harm?” When the filmmakers assured him, Yazzie asked, “Will making movies do the sheep good?” Well, no, they replied. “Then why make movies?” Worth wrote, “Sam Yazzie’s question keeps haunting us” (Worth and Adair, qtd. in Ruby v). This question has not haunted the Brazilian project Video in the Villages,2 because it was fore-grounded from the start. The answer, however, has shifted over time with political, social, and personal changes. The project was started in 1987 and has over the years facilitated the production of dozens of films by and with low-lands Brazilian indigenous groups. Directors of the organization, non-indigenous Brazilians, have also made films explaining the project, for funders and for general audiences. The project, which survives on international private foundation support and on sales of its products, has undergone an illustrative evolution in its self-definition.

ful and reflective about their formal choices, relationships with subjects, and role in

Activists Speaking For...

public. Many of them work without much reflection on the nature of the relationships they

The Video in the Villages project was born out of the involvement of its founder, Vincent

will establish between filmmaker and subject and filmmaker and audience. Even when

Carelli, with Indian causes in 1969. This was the beginning of a period of intense politiciza-

traditional subjects turn into makers, as in the University of Washington’s Native Voices

tion of Indian rights issues in Brazil. After a two-stage right-wing coup, the military govern-

program, it is not necessarily integrated with anthropology; Native Voices is a communi-

ment in the late 1960s created a new Indian agency, the Fundação Nacional do Índio, or

cations department project.

Funai (The National Indian Foundation), to protect the rights of Indians, who legally had the

Most filmmakers producing outside a purely academic environment are typically chained

status of children. Funai, always a highly politicized agency, functioned simultaneously as

to production modes that respond to television markets; this ensures that they will adopt

official overseer of the acculturation of Indians into Brazilian society (typically toward the

formal strategies that stay within the acceptable range for broadcast. Much work produced

status of landless peasant); as an enabler of government development in the Amazon,

for the educational marketplace observes the same conventions. Teachers regularly use work

charged with getting the Indians out of its path and creating protected reserves; and as

that was designed considering the imperatives of commercial or quasi-commercial television

boundary police around the definition of who could be considered an Indian. Funai and the

markets. Inevitably, both anthropologists (including those trained in visual anthropology

generals wanted as few people as possible to fall under that definition and tried to use “ac-

and those not) and professional filmmakers have used the term “ethnographic film” to de-

culturation” (clothing, Portuguese language, interaction with Brazilians) as indicators of

scribe their work. The line between the work of social scientists and the work of profes-

exclusion.

sional filmmakers is blurry in the eyes of the viewing public. An example is the film The Story

Widely publicized “first contact” disasters with the opening of new roads in the Amazon

of the Weeping Camel (2003). Set in Mongolia, the film was crafted from a fictional script

gave indigenous peoples national visibility, but indigenous cultural issues largely escaped

devised by Mongolian and Italian co-producers, starring non-actors who were nonetheless

military censorship and repression. Some anthropologists and activists joined or worked with

cast in their roles and representing the nomadic community as far more isolated than the salt

Funai to protect indigenous groups; some worked independently. Groups known as “pro-Indi-

trade it participates in permits it to be, but it was widely reported as an authentic rendering

an commissions” sprang up after 1978 to defend Indian rights, after Funai announced a plan

of Mongolian daily life.

to “emancipate” (i.e., disenfranchise) so-called acculturated Indians. Issues included the

355


right to identify as Indian, rights to land, and access to government services. Indian identity

one in charge, and voice-over establishes the omniscient narrator’s version of the story. The

– a new concept for many lowlands Amazonian groups, who often had minimal contact even

Video in the Villages project quickly attracted Brazilian anthropologists, who often were

with other groups outside a language group, much less Brazilians – became a key political

activists in defense of Indian culture and were anti-Funai Working with anthropologists

tool, which pro-Indian groups facilitated (Stephan Schwartzman, Environmental Defense

convinced Carelli to reflect on his formal strategies as vehicles of the power of representa-

Fund, personal communication, 19 March 2007).

tion. He adopted more direct-cinema approaches, reducing voice-over and capturing Indi-

The Video in the Villages project also took place at a time when internationally, indige-

ans’ debates about issues of identity after viewing films.

nous, or Fourth World peoples were beginning to demand access to media and to recognize

The work of Video in the Villages revealed, indisputably, that Indians were using video to

the political importance of media in a struggle in which they searched for allies, both indig-

reflect productively on their own cultural production and reproduction. The films themselves

enous and not. The growth of indigenous production was marked worldwide – in Canada,

directly answered the concerns of well-intentioned funders and viewers, who feared that

where ultimately the Inuit established an entire television network for a new autonomous

access to video might pollute a pristine culture. Carelli and Valadão began documenting

area (Ginsburg, Abu-Lughod, and Larkin 41–44; Roth); in Australia and New Zealand

encounters between culturally and linguistically related Indian groups, in a series. Meeting

(Michaels); in Scandinavia; and in the United States (Worth and Adair), among other places.

Ancestors (1993) was a notable success not only with the Indian groups who made the film

The meaning of this new media production was widely debated – was it a Faustian bargain or

– one of which was more familiar with Brazilian culture and could counsel the more newly

a new tool for political and social engagement? (Ginsburg; Turner)

contacted – but also with international audiences.

Vincent Carelli, a first-generation Brazilian, began working with Indians as a teenager in

At the same time, they worked with Indians to produce less filmic documentations of

1969. He moved into an Indian village at the age of twenty, romantically in love with the culture.

ritual and videos made for exchange with others, and they developed libraries in some thirty

“I simply wanted to be Indian,” he later recalled, “but the Indians wanted a friend who could give

villages. They created this work on the terms the Indians chose. For example, the Waiãpi

them the keys to understanding what went on around them, to help them defend themselves

believe that the video image brings the presence of the person, and so they exercise special

from the diseases that afflicted the village” (author’s translation; Corrêa, Bloch, and Carelli 21).

precautions when the subjects of video see themselves. They also have a strict principle of

After a brief and eye-opening stint with Funai, he joined advocacy organizations. A photogra-

reciprocity and show their videos only to people whom they have “met” by video. Among the

pher, he began to collect historical photographs for an archive that Indians could consult, and

Xikrin and Xavante, chiefs must negotiate directly with each other over screenings (Centro

they did, often in search of relatives who died in the inevitable contagion of contact. He was

de Trabalho Indigenista).

driven by the political goal of cultural survival for Indian groups (Aufderheide 274–88).

The films made by the Video in the Villages staff began to circulate at national and inter-

In 1987 Carelli started the Video in the Villages project, under the auspices of an activist

national film festivals. As they did, Carelli saw the clash between audience expectations and

indigenous-rights group that it eventually outgrew. Carelli originally understood this work

his primary goal. Audiences in the global north wanted reinforcement of a romantic notion

to be putting his professional capacities as a photographer and videographer at the dis-

of a primitive, pure, static, noble-savage way of life, tragically doomed and worthy of regret.

posal of Indian causes. “I would never have imagined at that time that we would train indig-

Carelli and the Indians who coproduced with him, by contrast, wanted viewers to understand

enous filmmakers,” he wrote (Corrêa et al. 23). The project’s goal was to “make accessible to

them as people with a vital culture worth defending, one that was constantly changing with

Indians the vision, the production and the manipulation of their own image, and at the same

the times but that had as much integrity as anyone else’s. Frequently, Carelli noted, audi-

time to see to it that these extremely isolated communities could get to know other groups,

ences focused this frustration on him.

fostering comparisons of their traditions and experiences of contact with national society” (Centro de Trabalho Indigenista).

Activists Speaking With...

Carelli believed that audiences usually failed to realize the on-the-ground realities of the Amazon. Some accused him, for instance, of polluting the purity of Indian culture by bringing television. But most Amazonian groups already had access to mainstream Brazilian media by 1987. Carelli regularly faced the accusation in university settings of slighting women’s

Although Carelli had set out to dedicate his skills to Indian causes, on his first film he dis-

stories because Carelli and Valadão worked with (uniformly) male leadership of Amazonian

covered that Indians demanded some control of the process. Even Indians who were alto-

tribes and allowed them to dictate the terms of the project. He also routinely faced the

gether unfamiliar with filmmaking recognized that representation had power and wanted to

charge that he was speaking for the Indians as director, rather than allowing an indigenous

assert their right to some of that power. A Festa da Moça (1987), which showed how the

aesthetic to surface. However, festival and university audiences did not see the videos that

Nambikwara Indians reintroduced more traditional elements to a ritual after watching their

were inappropriate to a festival framework, including the extensive documentation made by

own performance of it on video, ended up being a coproduction with a Nambikwara leader.

Indian groups of their own rituals. Rather, the Video in the Villages project was taking ad-

The leader wanted to be sure that his group was represented as fierce and competent to de-

vantage of the festival showcase in order to display its own fundraising videos, designed for

fend its territory and culture. This was at a time when Indians were becoming accustomed to

potential funders as proof of the project’s success.

bringing video into political negotiations with Brazilians, and they therefore associated the storytelling with cultural defense.

Festival audiences also typically failed to grasp the political realities behind the Video in the Villages project, all stemming from the primary goal of supporting and strengthening the

Carelli and his now late wife, Virginia Valadão, an anthropologist, began documenting

political position of Indians vis-à-vis the Brazilian state. For instance, Carelli always chose

Indian life with the help of Indians. Their first films, which were project fundraising tools as

to work with the individual or faction that appeared most capable of making use of this tool

well as tools for Indian self-awareness, featured such standard stylistic elements as stand-up

politically (as opposed to someone who wanted a videomaking career). He accepted the

interviews and voice-over. Such interviews, of course, plainly position the filmmaker as the

gender inequalities of power in many Amazonian villages. He revealed Indians drinking and

356


drunk when drinking was part of a ritual ceremony. He also, in one film, included a scene of

more than a hundred films, often in collaboration with his subjects. His inspirations in-

the Indians arguing about whether they ought to let white people see them drunk (Vincent

cluded Robert Flaherty – for his affectionate relationship with his subjects – and Russian

Carelli, personal communication, 21 July 1993).

Dziga Vertov, for his passion for capturing life as it was and then seizing the right to edit that

The Video in the Villages project had firmly taken a position on the purpose and audience

reality and forcing the viewer to acknowledge the presence of the filmmaker.

for its work. The core functions of the video work produced through the project were neither

After an early work (Les Maîtres Fous, 1955) about ritual practices under colonialism that

academic nor commercial, but political. Films made by and with Indians were made in the

shocked both French and African viewers, Rouch rethought the role and obligations of film-

service of strengthening both tribal identity and awareness of the concept “Indian,” with

maker. He unceasingly experimented with how to explore his subjects’ subjectivity, often

which some of the groups were unfamiliar. Others were not aware of the enormous political

turning to fiction, fantasy, and role-playing. He began to see the camera as a provocation or

significance of identifying themselves as Indians, by which they could act in concert when

catalyst to reveal social realities and conflict, which he took further in looking at his own

pressured by the Brazilian government or by Brazilian businesses. Films made primarily by

“tribe” of Parisians in Chronicle of a Summer (1961).

Vincent and other Brazilian filmmakers in the project – typically anthropological activists –

He wanted his films to challenge the status quo, including unreflective approaches to

were thus made for both political and economic goals, to keep the project going with inter-

both science and art in film. He said that he made films about other people for three reasons.

national funding support. They depended on their close relationship with Indian groups in

Most obviously, he made films for himself and for general audiences. He also made them,

creating the work, as well as their own political analysis, to keep the products useful to the

however, for another reason: “Film is the only method I have to show another just how I see

primary political goal.

him.” And if it were participatory, film became a way of changing the anthropological rela-

Indians quickly grasped the status of having video capacity, a video library, and attention

tion- ship: “Thanks to feedback, the anthropologist is no longer an entomologist observing

from beyond the boundaries of Funai. Indians began to use the videos as calling cards as they

his subject as if it were an insect (putting it down) but rather as if it were a stimulant for

established relationships with related cultural groups in developing political coalitions. They

mutual understanding (hence dignity)” (Eaton 60–62).

used their own videos as training films for young people and as memory books. They grappled

Rouch’s profound respect for the subjectivity of subjects, his principled belief in the ca-

with inevitable problems of storage and equipment breakdown, turning again and again to

pacity of people to tell their own stories, and his absolute conviction that their stories were

Video in the Villages for answers. Carelli found himself in a perpetual battle to convince

worth hearing and seeing informed the creation of the Ateliers Varan. After Mozambique’s

funders in the global north to support a project that had with success lost its novelty but not

independence in 1975, officials contacted Rouch to ask him and others to document the new

found backing from the Indians’ most important single resource, the Brazilian government.

society. In response he encouraged the search for chroniclers within Mozambique. The Atel-

Indians Making News

iers Varan was established in Paris as a training site for people, particularly from the developing world, to learn crucial storytelling skills in the direct-cinema style that Rouch embraced.

Video in the Villages seized upon new cultural legislation that created the opportunity for

There, they not only learned filmmaking techniques but also grappled with the ethical and

Indians to make a regular program in 1995–96 on regional Amazonian television. Programa

philosophical dimensions of representation.

do Índio (a pun, given that the term means both “the Indian show” and “a boring time,” or

Corrêa assumed a leading role in restructuring the mission of Video in the Villages and also

unappealing entertainment) was, stylistically, a standard magazine-format local TV news

became Carelli’s wife. On the basis of her experiences, particularly with an indigenous group in

program, with announcers, stand-ups, voice-overs, B-roll, and boosterism. It also lasted

New Caledonia, Corrêa was committed to the notion that people could and should develop not

only a year. For Amazonian Indians, however, it was a shocking and exciting video project

only documentation but also stories that could transcend their own cultural circumstances. She

that is still watched. For them, Carelli noted, it meant seeing themselves on a par with Brazil-

wanted Indians to make films that could be seen – like the films Carelli had made – in festivals

ians they watched on the news.

and that could serve as narratives for an emerging Indian culture as well (Corrêa et al. 33–39)

Inspired by training programs he had seen on his peripatetic festival travels, Carelli or-

The first challenge Corrêa met, as someone who was steeped in direct cinema, was that

ganized a meeting of Indians in 1997 from many of the villages where he had worked and

Indians identified only traditional rituals as appropriate subjects for filming. Daily life was

established libraries, to discuss a new focus for the project. Then Virginia Valadão died un-

when nothing was happening. Corrêa wanted to break through this preconception, in order

expectedly of a heart condition in 1998. Her death, a tragedy for the family, which included

to serve differently the same goal that Carelli had: to create awareness, both among the

two school-age children, also affected the project. Carelli, whose work as a filmmaker on a

Indians and among non-Indians, of their humanity expressed through particular cultural

perpetual international circuit had been enabled by Valadão, looked for a new role facilitat-

expressions. Film students began following selected subjects through daily routines, discov-

ing the work of others.

ering mini-stories in daily life. They developed intimate relationships with their subjects,

Cinéma Vérité in the Amazon

who participated in shaping their own images. This relationship then had moral as well as aesthetic implications, according to Corrêa: “On seeing these films, we are therefore not

When Carelli began brainstorming about developing a training program, he turned to a

faced with the Indian’s ‘true reality,’ but with an interpretation constituted of at least two

Brazilian who had long been a resident of France, Mari Corrêa. She had worked at the Ateliers

points of view: that of the person filming and that of who consents to be filmed” (Corrêa et

Varan, established in 1981 by the celebrated anthropologist and filmmaker Jean Rouch.

al. 37). In 2000 the project Video in the Villages, until then a project of another organiza-

Rouch, an anthropologist who had come to the discipline after his work as an engineer in

tion, became a freestanding organization.

colonial West Africa, was one of the founders of modern ethnographic film, as well as one of

Indians working through these workshops have produced a range of films, which have a re-

the inventors of cinéma vérité (or direct cinema, as he eventually chose to call it). He made

markable emotional and narrative grip. From the Ikpeng Children to the World (2002) is a charm-

357


ing video letter made by children of an Amazonian tribe in response to a video letter about daily

one before. This is a public mobilized not to react on partisan lines but to react to configura-

life received from Cuba. The Day When the Moon Menstruated (2004) inter- weaves the telling of

tions of power – corporate, governmental, political – that menace a culture’s quality of life.

an Amazonian myth with comments that suggest its different meanings to different members of the Kuikuro tribe. These films have now begun a worldwide circulation in film festivals. This new success has also created a politically more diffuse mission. Individual filmmakers are not necessarily responsive or responsible to tribal leaders for their work, and the project’s work is no longer focused primarily on political objectives. At the same time, the work reflects the growing complexity of Brazilian Indians’ relationship to the Brazilian state and culture and to the challenges of the unceasing adaptation that Indian cultures must

Video in the Villages is ethnographic film-making at its clearest. Here, exposing the question of the function of ethnographic film results in creative efforts to change the balance of power that is traditionally reflected not only in the camera’s gaze but also in the social and political relationships that it (and other expressive tools) too often records rather than challenges. Notes 1. This article is informed by research and analysis for the chapter on ethnographic film in my book

undergo to survive.

Documentary Film: A Very Short Introduction.

Storytelling as Politics

tional Resources in Watertown, MA (http://der.org).

Indian filmmakers still often see their creative role as supremely political. For instance, Isaac

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Piãko, an Ashaninka filmmaker and teacher, celebrated the importance of making video by

Aufderheide, Pat. The Daily Planet: A Critic on the Capitalist Culture Beat. Minneapolis: U of Minnesota P, 2000. ———. Documentary Film: A Very Short Introduction. New York: Oxford UP, 2007. Centro de Trabalho Indigenista. Relatório MacArthur: Programa Vozes Indígenas 1992, Projeto “Video nas Aldeias.” Unpublished manuscript, São Paulo, 1993. Corrêa, Mari, S. Bloch, and Vincent Carelli. Mostra Vídeo nas Aldeias: Um olhar indígena. São Paulo: Banco do Brasil, n.d. (2005). Eaton, Mick. Anthropology, Reality, Cinema: The Films of Jean Rouch. London: BFI, 1979. Ginsburg, Faye D. “Indigenous Media: Faustian Contract or Global Village?” Visual Anthropology 6.1 (1991): 92–112. Ginsburg, Faye D., Lila Abu-Lughod, and Brian Larkin. Media Worlds: Anthropology on New Terrain. Berkeley: U of California P, 2002. Michaels, Eric. Bad Aboriginal Art: Tradition, Media, and Technological Horizons. Minneapolis: U of Minnesota P, 1994. Roth, Lorna. Something New in the Air: The Story of First Peoples Television Broadcasting in Canada. Montreal: McGill-Queen’s UP, 2005. Ruby, Jay. Picturing Culture: Explorations of Film & Anthropology. Chicago: U of Chicago P, 2000. Turner, Terrence. “Representation, Collaboration and Mediation in Contemporary Ethnographic and Indigenous Media.” Visual Anthropology Review 11.2: 102–6. Winston, Brian. Claiming the Real: The Griersonian Documentary and Its Legitimations. London: BFI, 1995. Worth, Sol, and John Adair. Through Navajo Eyes: An Exploration in Film Communication and An-

noting, “You see the world of the other and you look at your own” (Corrêa et al. 18). He referred not only to the world of Brazilians and Indians but also to the viewpoints of others in his own tribe and the customs of other indigenous cultures. Video for him is a road to understanding – for Brazilians, understanding of Indians whom they used to look upon as lazy; for elders, understanding of younger people who want to understand traditions long closely held by elders; for Ashaninka, understanding of other tribal cultures whose customs previously simply disgusted them. This understanding is for him, first and foremost, a political tool for the survival of Ashaninka culture: “It is important to understand the Ashaninka people, but it is more important to understand the ways in which we are defending our people and our land.” He is not worried about introducing a piece of Brazilian technology. Piãko had opposed the arrival of commercial television to his village, but it entered the village anyway. He now wants to participate in it. Video in the Villages, he argued, gave them a way to participate in and gain some control of this new communications option. “No matter how much we strengthen our culture and language, we are going to change... the question is not that video is different, it is how to use video... Someone from outside our village may teach us how to use video, but it is us who are making this change” (Corrêa et al. 19).

For Whom and for What?

2. The films of Video in the Villages are available in the United States from Documentary Educa-

thropology. Albuquerque: U of New Mexico P, 1997.

For Video in the Villages, the answer to the question of for whom and for what these films are made has changed over time. However, Video in the Villages project organizers have always had an answer. Some of the films have been made to convince funders and other international supporters of the worthiness of the larger project. Some – for instance A Festa da Moça – have been made in order to allow a people to see itself. Some have been made by Indians to record celebrations and significant rituals, to keep a record, to memorialize themselves to their descendants, and to be able to share their culture with related groups. Some have been

From the ground, looking up: Report on the Video nas Aldeias Tour

made in order to find the stories within the culture of daily life and to explore the responsi-

LUCAS BESSIRE

bilities of the storytelling project itself.

New York University

All of these goals are united by the common thread of expressing, supporting, and strengthening the identity of Amazonian Indians as Amazonian Indians – not only as mem-

Recently, two major media events have made the images of Amazonian Indians once again a

bers of a particular linguistic and cultural group but also as members of a collection of such

topic du jour in the United States.

groups, which share a common set of problems in the face of the Brazilian state and society.

Riders on New York’s subways this spring were entreated to “Take a Ride to the Amazon”

It is a highly political project, but not a partisan one. It is political in a sense that should be

by iconic advertisements featuring a brown-skinned, smiling Amazonian child standing near

familiar to an American public because it is designed to create a public where there was not

a graphically imposed subway car. The picture promoted the presentation of “Vídeo Amazô-

358


nia Indígena” by the Film and Video Center of the National Museum of the American Indian.

project of VNA’s participatory process into an unabashedly central filmic subject. Back to the

The ten-day tour, from May 1–11, included 17 screenings, roundtable discussions, and work-

Good Land (2008) – intended as the contextual video for the Panara section of an upcoming

shops at the museum’s two locations in New York and Washington, D.C., as well as at South

DVD release of all VNA’s work – incorporated familiar themes of VNA’s oeuvre, such as ritual

Street Seaport. Sponsored by the Smithsonian Latino Center, the Embassy of Brazil, and New

performances and details from daily life alongside previously unreleased archival footage

York State Council of the Arts, the rare visit provided an opportunity for U.S. audiences to

from the expeditions of the Villas Boas brothers. The beautifully shot video lays out a subtle

interact with the founder and director of Video nas Aldeias Vincent Carelli, codirector Mari

argument for Panara rights claims and demonstrates how compelling VNA’s process can be

Correa, producer and director Ernesto Carvalho, and filmmakers from the Xavante, Kuikuro,

when channeled into more explicitly political arenas. The profoundly collaborative nature of

Ashaninka, Ikpeng, and Huni Ku˜ı indigenous tribes in the Amazon. The tour was well-re-

these videos translates notoriously elusive topics such as genocide, violence, and contact

ceived with approximately 700 people attending.

into the quotidian and communicable details of human life in a way that is riveting, as when

Two weeks after the Video nas Aldeias tour, the Brazilian government released a series of

an Huni Ku˜ı elderly man haltingly explains that the numbers crudely tattooed on his arm

aerial photos and a short film of voluntarily isolated tribespeople near the Peruvian border.

were made by the rubber barons that once owned him as a slave (Zezinho Yube’s Xina Bena/

The most widely circulated photograph is a haunting tableau of three figures near a small

New Era [2006]).

thatched maloca in the verdant forest. They are covered head to toe in otherworldly paint,

Many of the images from VNA’s work evoke the same iconic images as the aerial govern-

shooting arrows at the camera. The sensationalized “discovery” of an ostensibly “lost tribe”

ment photos, celebrating the striking visuals of Amazonia’s feathers, bodies, paint, and lush

briefly captured the world’s attention, becoming a YouTube sensation and sparking an out-

landscapes. Yet VNA’s work expands and inverts any simple narratives of victimization or

pouring of interest on the web.

primitivism in the same instant that such images activate them. Surprisingly, there are few

Bloggers from around the world debated whether these people should “be civilized” or left alone.

discordant notes. The result is mesmerizing, as in the case of Marangmotzingo Mirang / From the Ikpeng Children to the World (2001), perhaps the most popular VNA production. In this

Conversely, the Video nas Aldeias tour went largely unmentioned in the English lan-

breathtaking video – originally sent as a reply to a video letter from children in Sierra Maes-

guage press. Yet it was in many ways a cataclysmic event with profound implications for

tra, Cuba – the four young narrators from the Ikpeng tribe gently and sincerely take the

Western understandings of Amazonian Indians. The message the films offered provides a

viewer into their daily lives. Speaking directly to the camera, mixing disarming frankness

radically different way to understand the relationships among representation, power, and

with graceful humor, the children point out the people and activities that give their life

the humanity (and inhumanity) that link the Western audiences to those painted, anony-

meaning. They make toys, gather shells, show us their food, and dance in a village celebra-

mous figures.

tion. The audience itself is a prominent character in the film, as it is frequently questioned

Formed in 1987 by Vincent Carelli as part of the Centro de Trabalho Indigenista (CTI), and

and invited to send a video back. This simple realignment of audience, object, and subject

supported by grants from the Ford, Rockefeller, and MacArthur Foundations and the Norwe-

has a profound effect: it locates cultural difference within a universal humanity. Films such

gian Agency for Development Cooperation, Video nas Aldeias (VNA) facilitates video use by

as this make it possible to imagine those three anonymous figures in the photograph re-

Amazonian Indians, training them to produce their own images and access a medium for

leased by the Brazilian government as a mother, father, or children.

networking with other tribes facing similar challenges (Aufderheide 1995:84–85). The firm

It is no surprise that Carelli and Correa’s groundbreaking vision has been controversial.

focus on cultural activism both for local projects and for broader political concerns has

The same tired arguments that can be used to justify the sensationalist and absolute objec-

meant that VNA is successful in emphasizing process over product without sacrificing pro-

tification of “uncontacted” or “discovered” Indians were used to criticize VNA’s project.

duction values. Since 1997 (when the project became independent of the CTI), the process

Racists alleged that Indians were incapable of managing such complex technologies, where-

at the heart of VNA’s paradigm-changing vision is based on collective authorship. Interested

as romantic primitivists argued that such an intervention would pollute their attributed

indigenous people are trained in production, and they invite people from their village to be

cultural purity.

characters in their videos. If the “actor” accepts, then he or she decides how and what will

The VNA tour revealed the fundamental irrelevance of such misplaced concerns. Instead

be filmed. This empowering dynamic, based on the principles of direct cinema established

of being a threat or a promise for “traditional culture,” entire worlds of social reproduction,

by Jean Rouch and exported through the Ateliers Varan, produces a radically different kind

with all of their fissures and fragilities, are exposed and explored. Making this both the

of hybrid video, which has been critically acclaimed by filmmakers and scholars alike (i.e.,

subject and object of these videos raises a number of questions. Often, the filmmakers shy

Aufderheide 2008; Bernadet 2006; Caixeta de Queiroz 2006; Stam 1997).

away from portraying the internal negotiations and conflicts within the villages about the

The VNA tour presented audiences with a wide range of this collaborative video project’s

production and circulation of images, although such discussions appear in the “making of”

work. Screenings included an unreleased director’s cut of the crushing film Crônicas de um

videos that accompany the DVD compilations. At one point, I wondered if the slippage be-

Genocídio (2008), which provides an intimate look at the genocidal brutality toward isolated

tween a context-driven Western audience and an indigenous one that may prefer to not

Indians, along with the award-winning videos that made VNA a globally recognized entity,

mention contentious topics could project an overly harmonious or unified image. As Alcida

such as Meeting Ancestors (1993), The Spirit of TV (1990), and Kiarasa Yo Sati/The Agouti’s

Ramos (1998) points out, however, such unified images may be critical for the performative

Peanut (2005). The five indigenous filmmakers present also premiered work that gestured to

efficacy of indigenous rights claims on the Brazilian national stage.

new directions enabled in part by expanded access to archival material. Videos such as I’ve

The four indigenous filmmakers adeptly addressed such concerns in their roundtable

Already Become an Image (2008) by Zezinho Yube and Pirinop, My First Contact (2005) by

discussions. At various times throughout the tour, each emphasized how the beneficial re-

Mari Correa and Karané Txicão deploy archival images to make the always implicit memory

sults of the process of video work exceeded the edited products, particularly in terms of

359


community organizing. Takuma Kuikuro discussed how video influenced their communities as a pedagogical tool; Divino Tserewahu noted it as a catalyst and archive for ritual practice

CORREA, Mari 2006 Video from the Villages. In Video in the Villages Exhibition: Through Indian

Eyes. Brasilia: Banco do Brasil.

and even as a way to strengthen generational relationships between young “modern” film-

Cronicas de um Genocidio, 2008 Vincent Carelli, dir. 120 min. Unreleased Director’s Cut.

makers and “traditional” elders, a case illustrated by Zezinho Yube’s films featuring his fa-

I’ve Already Become an Image, 2008 Zezinho Yube, dir. 31 min. Video Nas Aldeias, São Paulo.

ther. Mr. Yube recounted in a roundtable discussion how his community overcame their initial resistance to video. It occurred, he said, when they realized “that this was ours” (field notes, May 10). Collapsing the difference between “theirs” and “ours” suggests that VNA’s empowering process may reconfigure the entire representational field within certain villages. In this case, control over electronic media not only expands the critical awareness of things like satellite TV and films like Rambo but also can inform reactions to the written objectification of “indigenous peoples” and subvert damaging colonial technologies for subsuming Native self-understanding into Western temporal schema (Piãko 2006:12). Through the video process of VNA, native peoples celebrate and reinforce their own standards of what Achille Mbembe calls “lived time” (Mbembe 2001:8) with all of its rich multiplicity and spontaneity, and participating villages have direct access to the archival time once controlled by museums (see also Correa 2006:9). Meanwhile, VNA is reshaping the Brazilian public sphere

Kiarasa Yo Sati/The Agouti’s Peanut, 2005 Paturi Panara and Komoi Panara, dirs. 51 min. Video Nas Aldeias, São Paulo. Marangmotzingo Mirang/From the Ikpeng Children to the World 2002 Kumare Txicão, Karane Txicão, and Natuyu Yuwipo Txicão, dirs. 35 min. Video Nas Aldeias, São Paulo. MBEMBE, Achille, 2001 On The Postcolony. Berkeley: University of California Press.

Meeting Ancestors, 1993 Vincent Carelli and Dominique Gallois, dirs. 22 min. Video Nas Aldeias, São Paulo. PIÃKO , Isaac 2006 You See the World of the Other and You Look at Your Own. In Video in the Vil-

lages Exhibition: Through Indian Eyes. Brasilia: Banco do Brasil. PIRINOP , My First Contact, 2005 Mari Correa, Kumare Txicão, and Karane Txicão, dirs. 83 min.

Video Nas Aldeias, São Paulo.

through their ties with the Brazilian Ministry of Culture, which led to their recognition as an

RAMOS , Alcida 1998 Indigenism: Ethnic Politics in Brazil. Madison: University of Wisconsin Press.

official “Ponto de Cultura,” the airing of the “Indian on TV” program on national public tel-

Spirit of TV,1990 Vincent Carelli, dir. 18 min. Video Nas Aldeias, São Paulo.

evision, and a ten-part educational series designed for the Brazilian distance learning chan-

STAM, Robert,1997 Tropical Multiculturalism: A Comparative History of Race in Brazilian Cinema

nel titled “Indians in Brazil.” Accordingly, the process and methodology of collaborative video production by indige-

and Culture. Durham: Duke University Press Xina Bena/New Era 2006 Zezinho Yube, dir. 52 min. Video nas Aldeias, São Paulo.

nous communities suggests revisionary potentials for ethnographic practice in lowland South America. Rather than opposing indigenous cultural production with ethnographic representation, it opens such processes to a seriously playful and hybrid intertwining, thus extending the film methods of Jean Rouch and the Ateliers Varan into academic knowledge production. It suggests a vital role for locally accountable anthropology beyond the “enabler” or “deconstructionist” reactions to the postmodern, postcolonial crisis of representation. The rich and human visions of Amazonian Indians offered by this work tear down the boundaries that have too long been placed between “us” and “them.” The latest sensationalistic “first contact” photos show the continuing need for such projects, especially for those

“Shove that camera up your ass” In ‘Corumbiara,’ the big winner of this year’s Gramado Festival, the documentary’s images go beyond aesthetics in pursuit of a new ethical and political meaning.

extremely vulnerable groups trying to live as they please in the dwindling remainders of the forest. The message is no less than the difference between looking down from the circling

L E A N D R O S A R A I VA

air- plane and seeing yourself as you appear from the ground looking up.

Magazine Retrato do Brasil nº 27, pg. 41-43, October 2009

Acknowledgments Special thanks to Faye Ginsburg, Amalia Corddova, and Ernesto Carvalho for their constructive comments on this essay.

References cited AUFDERHEIDE , Patricia 1995 The Video in the Villages Project: Videomaking with and by Brazilian

Indians. VAR 11(2):83–93.

Striking lie an arrow, Corumbiara has a violent impact on us, an audience unused to cinema made with a sense of radical commitment. Debates about the status of documentary images, the ethical and/or political dimensions of the relations between those filming and those being filmed, or even the ethics (always ‘ethics’ as an individual concern between ‘the author’ and ‘those documented’) of audiovisual productions in terms of the many vulnerable populations they depict – all these questions debated over recent years, especially following the upsurge in documentaries in Brazil, leave a bitter taste in our mouth, acquiring a somewhat puerile flavour when contrasted with the clarity and unflinching resolution of the posi-

Back to the Good Land, 2008 Mari Correa and Vincent Carelli, dirs. 21 min. Video Nas Aldeias.

tions inspiring Vincent Carelli’s film. The sheer scale of its impact derives from the film’s re-

BERNADET, Jean-Claude 2006 Video nas Aldeias, Documentary and “Otherness.” In Video in the

fusal to accept the barbaric violence that too often defines social relations on the country’s

Villages Exhibition: Through Indian Eyes. Brasilia: Banco do Brasil. CAIXETA DE QUEIROZ , Ruben, 2006 Politics, Aesthetics and Ethics in the Project Video in the Vil-

lages. In Video in the Villages Exhibition: Through Indian Eyes. Brasilia: Banco do Brasil.

agricultural frontiers. Corumbiara is composed of footage shot by Carelli in the eponymous region, located in Rondônia state, between 1986 and 2006. Working ceaselessly to expose the criminals be-

35:


hind the massacre of an indigenous group that had been ‘hindering’ local farmers – by the

forces the first use, while simultaneously helping to support indigenous rights, or at least

disagreeable and inconvenient fact of their existence, worsened by living on land that the

so the filmmakers hope.

southern farmers had bought in a sell-off of Amazonian territory promoted by developmen-

However, the TV broadcast reveals another political dimension of the image: its vulner-

talism – the filmmaker accumulated abundant material over the span of two decades. Traces

ability to manipulation. At first by the TV channel itself. Carelli’s footage is presented on

of the violent removal of the Indians, the attempted cover-up, threats from hired guns,

Fantástico in a sensationalist form, decontextualizing the images and exoticizing the Indi-

statements from workers who witnessed the attack, interviews with specialists in indigen-

ans with whom he made contact. But even so, this sensationalism is not enough by itself to

ism, the localization of Indians who had fled and survived, and even confirmation of the

derail the legal action in the Brazilian courts or the investigation into the massacre among

massacre by some of the survivors.

the Indians themselves. The game becomes more serious when the farmers concoct a coun-

Carelli had not shot this footage with the intention of ‘making a documentary.’ His origi-

ter version for the newspapers, one which exploits the same exoticizing imagery but in re-

nal aim had been to film material that could help the indigenous cause: proving the attacks

verse, dressing the contacted Indians with white clothes and claiming that the only people

had occurred, exposing those responsible, and proving the existence of the Indians still

to have ‘staged’ anything are Carelli and Santos.

surviving in the region in order to guarantee their right to the land. The author of Corumbiara

While this battle takes its course, Carelli and Santo work to obtain proof of the original

works at the opposite end of the spectrum to the autonomous image: he strives to make films

massacre. They established a day-to-day interaction with the Indians. Joined by anthro-

that prove, accuse and testify.

pologist Virgínia Valadão, Carelli’s wife (who died during the long investigation), they dis-

The film opens with the director announcing his intentions. On screen powerful images of a Nambiquara ritual (their visual quality undiminished by a few technical imperfections).

covered that in fact there were two groups, one Akunsu and the other Canoê (comprising ten people in total). The relations between them are complex and tense.

This is the ‘young woman’s festival,’ which, Carelli explains, is taking place for the first time

The investigation proceeds slowly, facing numerous obstacles. They collect statements

in 20 years as a direct result of filming and screening the video in the village. It is also an

from workers from the suspected farm, but a climate of fear persists. The various leads and

initiation ritual of sorts for Carelli, until then an indigenist, who reinvented himself in 1986

pieces of information accumulate. During this period, another isolated Indian is found, a

as a documentary maker.

survivor from what seems to have been another, more recent massacre. But he refuses any

But the filmmaker who emerged – and this is a crucial point – uses the camera as an in-

contact, leading to an almost paradoxical situation. The Indian flees and resists, clearly

strument for advancing the indigenous cause. This has always been the guiding principle of

feeling hounded by the camera, but only they can legally assure his continued occupation

the organization he set up, Vídeo nas Aldeias. Today, over 60 films later, having worked with

of the land if they capture an image of him on film.

dozens of peoples, training a series of highly skilled indigenous filmmakers, with films

During the investigation, Carelli discovers that the footage shown on the TV program

screened in festivals and launched on the video retail market, the organization has become

Fantástico led to a repeat of the earlier tragedy, precipitating the massacre of the group to

internationally renowned for its pioneering approach (see ‘Muito além do vídeo,’ Retrato do

which the Indian in hiding once belonged. Alarmed by the publicity given to the presence

Brasil nº 21, April 2009).

of the Indians and the potential interdiction of their land, the farmers decided to act pre-

It was because of this work that Marcelo Santos, an indigenist with the National Indian Foundation (Funai), invited him to film the vestiges of a massacre of isolated Indians in Corumbiara. This, Carelli tells us, was the chance to assign a distinctly activist role to video making, exactly what he had been looking to do.

ventatively. In the end, the fear of the Indian he is trying to film has a sad basis in fact: the juggernaut of expansion keeps on rolling. Eventually Carelli is able to record the testimony of the Akunsu chief, confirming the original massacre. But instead of prosecution of the guilty, what he managed to do was make

The political significance of the images of the region’s explicit economic violence is re-

Corumbiara. A film that resulted from a process of investigation and activism, and therefore

vealed didactically. In the ‘dialogue’ with a worker loyal to the farm bosses, the young man’s

involved other social functions of the image beyond the aesthetic: investigative, juridical,

speech objectively sums up the place occupied by the State of Law on the agricultural fron-

journalistic, political. Compiled retrospectively from years of footage, Corumbiara narrates

tier: “Shove that camera up your ass.” The camera is disquieting. Carelli records the physical

these cases of social violence and simultaneously meditates on the role of the image in this

vestiges of the massacre and films a number of interviews, but is soon interrupted by an

process. Hence working on the margin of aesthetic specialization, in an area defined by

urbane henchman, Dr. Flausino, the farmers’ lawyer, a polished ideologue of development at

activism, Carelli extracts another kind of aesthetic.

any price, who denies any violence on the part of the ‘civilizers’ for whom he works, ‘benefactors’ who, he asserts, risk their capital in these backwaters.

In the documentary field much has been said over recent years about an ‘ethics of the encounter,’ also conceived as an aesthetic, to describe the documentary cinema of Eduardo

Carelli and Santos return years later after the latter obtains sufficient standing within

Coutinho (see, for example, O cinema de Eduardo Coutinho, by Consuelo Lins. Jorge Zahar,

Funai to resume the search for evidence. The camera is now on the side of the law: it helps

2004). In his documentaries, Coutinho turns the interview into a stage for improvisations,

force the entry of bailiffs onto the area’s farm properties where access had previously been

rhetoric, re-enactments and exposure where the ethics of the encounter, or the search for

denied on legal grounds. And – amazingly! – they find a small group of surviving Indians.

the encounter, prevail – flashes of beauty, as he says, where what matters is the encounter

For years they have been living in isolation, trying to evade any ‘civilizing’ contact with the

between two singular subjectivities, mediated by the camera. All of this is true and results

‘benefactors’ for whom Dr. Flausino works.

in a contemporary and anti-spectacular version of the modern cinema, an aesthetic that

The images of contact acquire a double function. Legally they provide the basis for

highlights moments of invention and flights from the accepted.

interdicting an area that will allow the Indians to maintain their healthy state of isolation.

In Corumbiara too an ethics can be seen to develop into an aesthetics. But here the eth-

The film images are also aired on the popular Brazilian TV program Fantástico, which rein-

ics is other. Not that of the intersubjective encounter, but the ethics of political action,

361


which leads, on one hand, to forms of alliance mediated by political objectives (rather than

Even physiognomy, the most immediate aspect of film images, what we suddenly ap-

pure subjectivity) and, on the other, forms of confrontation (“Shove that camera up your

prehend when we glance at a face or even a landscape, acquires specific tones depending on

ass”). Interlaced with the investigations, media battles and manipulation of imagery, ap-

the overall attitude inspiring the film. In Corumbiara’s political light, the shamelessness of

pearing precisely because of these political tensions, strong moments emerge filled with an

the farmers, the arrogance of Dr. Flausino and above all the expressions of the Indians – the

aesthetic quality that goes beyond the subjective. Narrating a rosary of horrors without any

defensive wariness of the Canoê; the incredible strength of the young Canoê woman Tira-

kind of dramatization (like someone saying “this is how things are”) and threading to-

mantu’s performance with its shamanic connotations; the dignity of Konibi, the Akunsu

gether decades of his life, Carelli’s calm voice-over moves us not through its lyricism or a

chief, playing his flute; the cornering of the ‘Indian of the hole’ – everything emerges laden

nostalgia for times that have vanished, his wife, who also passes away, but through the

with history.

persistent, realist and indomitable resolution of someone who remains an activist. Likewise

Corumbiara concludes with a close-up of Tiramantu, completely absorbed in her relation-

the friendship with Marcelo, the re-encounter that reveals the passing of time on their

ship with her small son. Carelli’s voice punctuates the closing sequence with a bleak enu-

faces and bodies, appears set within this political work that merges with life.

meration of the huge problems faced by the Indians with whom he made contact. We recall

The contrast between Fantástico’s sensationalism and the intensely moving delicacy of the

the images of first contact and Tiramantu seems like another person. The startled expression

long silent scenes of the first contact with the Canoê is framed by this politicized context.

she had then has now vanished. In its place, a sweet maternal gaze. Does this moment of

Each hesitant and inaugural gesture between the whites and the Canoê, in this extremely rare

tenderness count as hope, despite everything, or as a form of surrender? Impregnated in

moment of an encounter between worlds, vibrates with a particular intensity, given by the

every frame of Corumbiara, history resonates in the film from beginning to end, even the

tragic shadow hovering over the other section of humanity being revealed to the camera.

delicate intimacy of Tiramantu.

362


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Projeção na aldeia Ashaninka Apiwtxa, em Junho de 2010.

À esquerda, o velho Duarte Ortega, cacique Mbya-Guarani, em frente à casa de meditação da aldeia Tamandoá, Missiones, Argentina. Foto Vincent Carelli, 2010.

À esquerda, Ariel Ortega e Patricia Ferreira na aldeia MbyaGuarani Koenju, em São Miguel das Missões, revisam o material filmado para o filme Desterro Guarani.

À direita, o velho Duarte e sua esposa dentro da casa de meditação, refletindo sobre a história do povo Mbya. Foto Ernesto de Carvalho, 2010.

À direita, projeção na aldeia Mbya-Guarani Anhetenguá, da Lomba dos Pinheiros, Porto Alegre, Rio grande do Sul.

Kamankgagu conta o mito de origem da festa do Jamugikumalo para o filme As Hiper Mulheres. Fotos Vincent Carelli, 2011

Pescaria de barragem para o cerimonial do Yaõkwá. Fotos Vincent Carelli, 2009

Dois cinegrafistas Parkatêjê, Baixinho e Txicã, e um grupo de Krahô e Parkatêjê na aldeia do Rio Vremelho no Tocantins. Fotos Vincent Carelli e Ernesto de Carvalho, 2011

Projeção na casa do cacique Ikpeng Melobo, e Pat Pakó, avô do cineastas Karané Txicão. Fotos Vincent Carelli, 2006

Filmagens dos filmes Eu já me transformei em imagem e Katxanawa, na aldeia Huni Kui Mibayã. Fotos Vincent Carelli e Ernesto de Carvalho, 2007

À esquerda, Bisku e seu filho Josias Maná dão depoimento para o filme Já me transformei em imagem.

À esquerda, Antônio Piãko, chefe da aldeia Apiwtxa, na beira do rio Amônia. À direita, Eirishi, neta de Antônio, da nova geração dos cineastas Ashaninka. Fotos Ernesto de Carvalho, 2010

Lutas e danças da festa das mulheres do Jamugikumalo, realizada e filmada pelos Kuikuro em 2011.

Filmagens dos filmes Sangradouro e Mulheres Xavante sem nome. Fotos Amandine Goisbault e Tiago Tôrres, 2009

Encenações da reação dos Ikpeng aos sobrevoos e lançamentos de presentes da frente de contato dos irmãos Villas Boas, para o filme Pirinop, Meu primeiro contato.

Filmagens do ritual do Yaõkwá, dos Enauênê Nauê, na bacia do rio Juruena, no norte de Mato Grosso, declarado patrimônio imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

Fotos Ernesto de Carvalho, 2011

À direita, o depoimento de Zezinho Yube e Joaquim Maná. Fotos Vincent Carelli, 2007

Aky, chefe Panará, se pinta para foto produzida para a capa do DVD Cineastas Indígenas Panará. Fotos Vincent Carelli, 2007


Dpouf ep!ept!EWEt

but the Zo’é are currently experiencing phenomena of contact that the Waiãpi experienced twenty years ago. The Zo’é afford their visitors the chance to re-encounter the way of life and wisdom of their ancestors.The Waiãpi, on the other hand, bring

DVD 1 O Espírito da TV / The Spirit of TV 1990, 18 min., Amapá, Waiãpi Legendas / subtitles: Português, English As emoções e reflexões dos índios Waiãpi ao verem, pela primeira vez, a sua própria imagem e a de outros grupos indígenas num aparelho de televisão. Os índios refletem sobre a força da imagem, a diversidade dos povos e a semelhança de suas estratégias de sobrevivência frente aos não índios. Beginning with the arrival by canoe of a TV and VCR in their village, The Spirit of TV documents the emotions and thoughts of the Waiãpi as they first encounter their own TV images and those of others. They view a tape from their chief’s first trip to Brasilia to speak to the government, news broadcasts, and videos on other Brazilian native peoples. The tape translates the opinions of individual Waiãpi on the power of images, the diversity of native peoples, and native peoples’ common struggles with federal agents, goldminers, trappers and loggers. Prêmios / Awards Q

Q Q Q

Q

Prêmio Sol de Ouro, 8º Festival Rio Cine, Rio de Janeiro, Brasil, 1992 Terceiro Prêmio no 9º Vídeo Brasil, São Paulo, Brasil, 1992 Prêmio no Latin American Video Festival, EUA, 1992 Prêmio no IV Festival Americano dos Povos Indígenas, Peru, 1992 Prêmio Vídeo e TV, VIII Festival de Cinema Latino Americano, Trieste, Itália, 1993.

A arca dos Zo’é Meeting Ancestors 1993, 22 min., Amapá/Pará, Waiãpi / Zo’é Legendas / subtitles: Português, English

2001, 42 min., Acre, Ashaninka Legendas / subtitles: Português, English, Español, Français

the Zo’é information on the dangers of the white world that this

Crônica do cotidiano de Shomõtsi, um Ashaninka da fronteira do

isolated group was eager to understand. This movie conveys the

Brasil com o Perú. Professor e um dos videastas da aldeia, Wewito

warmth, joy and humour that quickly develops between these

retrata o seu tio, turrão e divertido.

people, and is the intimate portrait of a friendship between chiefs. Direção, roteiro e fotografia: Vincent Carelli

journey to the neighbouring city to get his pension as well as a

Direção: Dominique Gallois

portait of Wewito´s hard-headed and witty uncle.

Edição: Tutu Nunes Prêmios / Awards Q

Sol de Ouro, 9° Rio Cine Festival, Rio de Janeiro, Brasil,1993

Q

JVC President’s Award, 16º Tokyo Video Festival, Tóquio, Prêmio Curta Metragem, 16º Festival International de Films Prêmio de Melhor Vídeo, II Mostra de Cinema e Vídeo de

Edição: Mari Corrêa Prêmios / Awards Q

Q

ro, Brasil Prêmio “Rigoberta Menchú” no II ANACONDA 2002, Bolivia

Q

Prêmio Especial do Público Indígena, II Anaconda 2002, Bolivia

dos Parakatêjê preocupado com a descaracterização do seu povo, resolve ir conhecer uma aldeia Krahô que conserva muitas de suas

Melhor Vídeo da competitiva nacional, Forumdoc.bh.2002, Minas Gerais, Brasil

Legendas / subtitles: Português, English

língua, nunca haviam se encontrado antes. Krôhôkrenh˜um, líder

Menção Honrosa do Júri oficial no Cinesul 2002, Rio de Janei-

Q

1993, 32 min., Pará / Tocantins, Parakatêjê / Krahô

têjê, do Pará e os Krahô do Tocantins, que embora falem a mesma

Melhor Filme, Festival Présence Autochtone em Montreal, Canadá, 2002

Q

Um documentário sobre o intercâmbio cultural entre os Paraka-

Prêmio UNESCO, 8ª Mostra Inter. do Filme Etnográfico, Rio de Janeiro, Brasil, 2001

Q

Cuiabá, Brasil, 1994

Eu ja fui o seu irmão We gather as a family

MARANGMOTXÍNGMO MÏRANG, Das crianças Ikpeng para o mundo MARANGMOTXÍNGMO MÏRANG, From the Ikpeng children to the world

tradições. Um ano depois, os Parakatêjê retribuem o convite. No

2001, 32 min., Mato Grosso, Ikpeng

final, os chefes selam um pacto de amizade entre os dois povos.

Legendas / subtitles: Português, English

This tape documents a cultural exchange between the Parakatêjê

Quatro crianças Ikpeng apresentam sua aldeia respondendo à ví-

(Gavião) of the Para state and their “relatives”, the Krahô of To-

deo-carta das crianças da Sierra Maestra em Cuba. Com graça e

cantins. Krôhôkrenh˜um, the charismatic chief of the Parakatêjê,

leveza, elas mostram suas famílias, suas brincadeiras, suas festas,

organizes a visit to the Krahô, who speak their language and

seu modo de vida. Curiosas em conhecer crianças de outras cultu-

maintain their traditions. The 50 young Parakatêjê he brings

ras, elas pedem para que respondam à sua vídeo-carta.

along participate in a ceremony consisting of singing, body painting and preparations for the long, strenuous relay race

Chief Wai-Wai goes on a trip to meet the Zo’é, a recently contacted group whom the Waiãpi met through video. Both tribes speak Tupi-Guarani dialects and share many cultural traditions,

Prêmio / Award

through the savannah. The following year, the Parkatêjê return the invitation and the Krahô travel to Krôhôkrenh˜um’s village. The two chiefs discuss cultural issues and seal a pact of friendship between their groups. Direção e fotografia: Vincent Carelli Edição: Tutu Nunes

Q

Melhor Vídeo (Júri Popular), Troféu São Luís e Troféu Jangada no 17º Guarnicê de Cine-Vídeo, Maranhão, Brasil, 1994

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Menção Honrosa do Júri oficial no Cinesul 2002, Rio de Janeiro, Brasil Prêmio Melhor documentário ANACONDA 2002, Bolivia Prêmio Revelação, Tatu de Prata, 29ª Jornada Internacional de Cinema da Bahia, Brasil Prêmio Manoel Diegues Júnior, 9ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico, 2003, Rio de Janeiro Prêmio Valor testimonial e documental, do VII Festival Internacional de Cine y Vídeo de los pueblos indígenas, Santiago, Chile. Prêmio de Melhor Documentário, All Roads Film Festival, National Geographic, Los Angeles e Washington, EUA

Direção e fotografia: Wewito Pyãko

Ethnographiques, CINÉMA DU RÉEL, Paris, França, 1994 Q

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and Peru. The movie is a report on his day to day life and his

Japão, 1993 Q

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Shomõtsi is an Ashaninka Indian living on the border of Brazil

Os índios Waiãpi, que conheceram os Zo’é através de imagens em vídeo, decidem ir ao encontro destes índios recém contactados no norte do Pará e documentá-los. Os Zo’é proporcionam aos visitantes o reencontro com o modo de vida e os conhecimentos dos seus ancestrais. Os Waiãpi, em troca, informam os Zo’é sobre os perigos do mundo branco que se aproxima, e que os isolados estão ansiosos por conhecer.

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Shomôtsi

Four Ikpeng children introduce their village answering a videoletter from the children from Sierra Maestra in Cuba. They show their families, their toys, their celebrations, their way of life with grace and lightheartedness. Curious to know about children from other cultures, they ask that their video–letter be answered. Direção e fotografia: Kumaré, Karané ikpeng, Natuyu Yuwipo Txicão Edição: Mari Corrêa Prêmios / Awards Q

Prêmio especial do Júri de Melhor Curta Documentário, First International Non-Budget Film Festival – Gibara / Cuba

Kinja Iakaha, Um dia na aldeia Kinja Iakaha, A day in the village 2003, 42 min., Amazonas / Roraima, Waimiri-Atroari Legendas / subtitles: Português, English Seis índios de diferentes aldeias Waimiri e Atroari, na Amazônia, registram o dia a dia de seus parentes da aldeia Cacau. Estes registros, sintetizados em “Um dia na aldeia”, nos transportam para a intimidade do cotidiano indígena com a sua interação intensa com a natureza. Six Indians of different Waimiri and Atroari villages, located in the Amazon, document the day-to-day life of their relatives in the Cacau village. These images, stitched together in “A day in the village” transport us to intimate scenes of their lifestyle and their intense relationship with nature. Direção e fotografia: Sanapyty e Wamé Atroari, Araduwá, Kabaha, Sawa e Iawysy Waimiri Edição: Leo Sette Prêmios / Awards Q Prêmio de melhor filme, Forumdoc.bh.2003, Minas Gerais, Brasil, 2003 Q Menção especial na 9ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico, Rio de Janeiro, Brasil, 2003

DVD 2 IMBÉ GIKEGÜ, Cheiro de Pequi IMBÉ GIKEGÜ, The smell of Pequi fruit 2006, 36 min., Mato Grosso, Kuikuro Legendas / subtitles: Português, English É tempo de festa e alegria no Alto Xingu. A estação seca está chegando ao fim. O cheiro de chão molhado mistura-se ao doce perfume de pequi. Mas nem sempre foi assim: se não fosse por uma morte, o pequi talvez jamais existisse.Ligando o passado ao presente, os realizadores Kuikuro contam uma estória de perigos e prazeres, de sexo e traição, onde homens e mulheres, beijaflores e jacarés constroem um mundo comum. Linking the past to the present, Kuikuro filmmakers tell a tale of dangers and pleasures, of sex and betrayal, where men and women, hummingbirds and alligators build a shared world. Direção e fotografia: Maricá e Takumã Kuikuro Fotografia: Maricá, Maluki, Manunegi, Mahajugi, Takumã, Asusu Kuikuro Produção: Vídeo nas Aldeias/ AIKAX – Associação Indígena Kuikuro do Alto XINGU, e Documenta Kuikuro-DKK Prêmios / Awards Q Menção honrosa da III MoVA Caparaó, Espírito Santo, Brasil, 2006 Q Prêmio Manuel Diégues Júnior, 10a Mostra Internacional do Filme Etnográfico. Rio de Janeiro, Brasil, 2006. Q Menção honrosa Média, concedida pela ABDeC, 10a Mostra Internacional do Filme Etnográfico. Rio de Janeiro, Brasil, 2006. Q Prêmio Especial do Júri, Festival Internacional CURTA CINEMA. Rio de Janeiro, Brasil, 2006. Q Melhor Curta-metragem, Festival Présence Autochtone, Montréal, Canadá, 2007

PI’ÕNHITSI, Muheres Xavante sem nome PI’ÕNHITSI, Unnamed Xavante Women 2009, 54 min., Mato Grosso, Xavante Legendas / subtitles: Português, English Desde 2002, Divino Tserewahú tenta produzir um filme sobre o ritual de iniciação feminino, que já não se pratica em nenhuma outra aldeia Xavante, mas desde o começo das filmagens todas as tentativas foram interrompidas. No filme, jovens e velhos debatem sobre as dificuldades e resistências para a realização desta festa. Since 2002, Divino Tserewahú tried to make a film about the female initiation rite, no longer practiced in any other Xavante village, but since he started filming, the ritual is interrupted. Young and old discuss the difficulties and resistances involved in making this celebration.

Direção: Tiago Tôrres, Divino Tserewahú Roteiro e fotografia: Tiago Tôrres, Vincent Carelli, Amandine Goisbault, Divino Tserewahú Edição: Tiago Tôrres Locução: Divino Tserewahú Prêmio / Award Q

Prêmio Especial do Juri, Forumdoc.bh.2009, Belo Horizonte, Brasil

KENE YUX˜I, As voltas do Kene KENE YUX˜I, The Twists of Kene 2010, 48 min., Acre, Huni Ku˜ı Legendas / subtitles: Português, English Ao tentar reverter o abandono das tradições do seu povo e seguindo as pesquisas do seu pai, o professor e escritor Joaquim Maná, Zezinho Yube corre atrás dos conhecimentos dos grafismos tradicionais das mulheres Huni Ku˜ı, auxiliado por sua mãe. As Zezinho Yube tries to fight against his people’s cultural loss, he follows the research of his father, the HuniKui writer and teacher Joaquim Maná, going after the practice of Kene – the traditional drawing and weaving of the Huni Ku˜ı women – with the help of his mother. Direção e fotografia: Zezinho Yube Edição: Gabriel Mascaro, Marcelo Pedroso, Ernesto de Carvalho Prêmios / Awards Q Prêmio melhor média metragem, Cachoeira-Doc, Bahia, Brasil, 2010 Q Forumdoc.bh.2010, Belo Horizonte, Brasil

Bicicletas de Nhanderú Bicycles of Nhanderú 2011, 48 min., Rio Grande do Sul, Mbya-Guarani Legendas / subtitles: Português, English Uma imersão na espiritualidade presente no cotidiano dos MbyaGuarani da aldeia Koenju, em São Miguel das Missões no Rio Grande do Sul. An immersion in spirituality and everyday life of the Mbya-Guarani living in the Koenju Village, in São Miguel das Missões, Southern Brazil. Direção e fotografia: Ariel Ortega e Patricia Ferreira Edição: Tiago Tôrres Prêmio / Award Q Prêmio Cora Coralina, FICA- Festival Internacional de Cinema Ambiental, Goiás, Brasil, 2011

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Realização VÍDEO NAS ALDEIAS

Organização e textos Ana Carvalho Ernesto Ignacio de Carvalho Vincent Carelli Colaboração especial para o projeto editorial e captação de recursos Beto Ricardo Entrevistas realizadas por: Ana Carvalho Ernesto Ignacio de Carvalho Leandro Saraiva Entrevistas com: Ariel Ortega Amandine Goisbault Caimi Waiassé Camila Machado Carlos Fausto Divino Tserewahú Ernesto Ignacio de Carvalho Isaac Piãko Jorge Morinoco Leonardo Sette Patrícia Ferreira Pedro Portella Takumã Kuikuro Tiago Campos Tôrres Vincent Carelli Wewito Piãko Zezinho Yube Fotografias Amandine Goisbault Beto Ricardo/ISA Carlos Fausto Divino Tserewahú Itamar Aguiar/PressPhoto Ernesto Ignacio de Carvalho Leonardo Sette Marcus Mendes/AE Tiago Campos Tôrres Vincent Carelli

Edição fotográfica Beto Ricardo Ernesto Ignácio de Carvalho João Musa Vincent Carelli Projeto gráfico Traço Design Correção de cor e acompanhamento gráfico João Musa Tradução Gabriel Bogossian (português) David Rodgers (Inglês) Revisão de texto Ana Carvalho David Rodgers (português/inglês) Letícia Cesarino (inglês/português) Olívia Sabino Fábio Costa Menezes Pré-impressão e impressão Ipsis Produção dos DVDs e autoração Fábio Costa Menezes Restauração dos filmes Wallace Nogueira Legendagem Daniel Castelo Branco Produção Olivia Sabino Renata Mor Agradecimento Claudio Tavares Apoio Embaixada da Noruega Patrocínio

Fotografias históricas Arno Vogel Harald Schultz Lamônica/Museu do índio/Funai Paula Stefani

NATURA Banco ITAÚ Programa Cultura Viva / Ministério da Cultura © Vídeo nas Aldeias, 2011

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Vídeo nas Aldeias 25 anos : 1986-2011 / [Ana Carvalho Ziller Araújo, organizadora ; David Radgers, tradutor]. -- Olinda, PE : Vídeos nas Aldeias, 2011. Vários autores. Edição bilíngue: português/inglês. Inclui DVD. Bibliografia. ISBN 978-85-65164-00-9 1. Aldeias indígenas - Fotografias 2. Índios da América do Sul Brasil - Fotografias 3. Povos indígenas - Brasil - Fotografia I. Araújo, Ana Carvalho Ziller. 11-12255 Índices para catálogo sistemático: 1. Aldeias indígenas : Documentário fotográfico 779.9426 2. Brasil : Índios : Documentário fotográfico 779.9426

CDD-779.9426


DVD 1 O Espírito da TV

1990

18’

A arca dos Zo’é

1993

22’

Eu ja fui o seu irmão

1993

32’

Shomotsi

2001

42’

Das crianças Ikpeng para o mundo

2001

32’

Kinja Iakaha, Um dia na aldeia

2003

42’

DVD 2

371

Cheiro de Pequi

2006

36’

Mulheres Xavante sem nome

2009

54’

Kene Yuxi, as voltas do Kene

2010

48’

Bicicletas de Nhanderu

2011

48’

372


“ É uma alegria ter estes filmes e

exibi-los na aldeia para as pessoas que participaram dessa

história. Imagina assistir a este filmes novamente daqui a cinco ou dez anos? Um filme é mais bonito quando a gente deixa ele guardado por um tempo. Vira história.” I S A A C P I N H A N T A Professor e cineasta Ashaninka

“ Essa observação atenciosa dos gestos das pessoas, esse respeito à situação em que elas se encontram é algo que me parece ter sumido totalmente, ou quase, do cinema documentário brasileiro... uma observação afetuosa e cuidadosa marca todos os filmes produzidos por Vídeo nas Aldeias. Temos muito que aprender com eles.” J E A N C L A U D E B E R N A D E T Crítico de cinema

“ Quando você filma uma festa e projeta, as pessoas começam a sentir...E isso surtiu um efeito muito grande. As pessoas começaram a discutir, os velhos e os jovens começaram a se entender. No início foi um movimento tímido, mas depois as pessoas começaram a participar... Aí percebi que a luta não era mais apenas minha, mas de toda a comunidade.” Z E Z I N H O Y U B E Agente agroflorestal e cineasta Huni Ku˜ı

“ O DVD [O amendoim da cutia] é de longe o melhor filme que eu tenha visto sobre os índios da América do Sul...Temos constantemente a sensação de sermos autorizados a ver a vida indígena por dentro. A cura xamânica é um momento antológico.” C L A U D E L E V I - S T R A U S S Antropólogo

PATROCÍNIO

REALIZAÇÃO

371

Ministério da Cultura

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F E D E R A L

PA Í S R I C O É PA Í S S E M P O B R E Z A


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