Encarte DVD Xavante da coleção Cineastas Indígenas

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R ea l i z a ç ã o | R ea l i z ation

Vídeo nas Aldeias Programa Cultura Viva MINC C oordenaÇÃo V Í deo nas A l deias | V Í deo nas A l deias coordination

Vincent Carelli

César Tserenhõdza

Sobrevôo aldeia Xavante:

Daniel Marãtede ‘wa

Eredit Verger | Museum

Valeriano Rãiwi’a

of Natural History

Natal Anhãrö’a

Padre benzendo Xavante:

A u tora ç ã o | A u thoring

Amandine Goisbault A nima ç ã o de a b ert u r a | A nimation

P rod u ç ã o do D V D |

Ernesto Ignacio de Carvalho

D V D prod u ction

Tiago Campos Tôrres

Amandine Goisbault Vincent Carelli

Amandine Goisbault

T extos | T exts

C o l a b ora ç ã o | Co l l a b oration

Vincent Carelli Aracy Lopes da Silva

Laura Graham Iara Ferraz Regina Pólo Muller

R evis ã o de texto | text editing

Cláudio Aparecido Tavares

Ana Carvalho

Instituto Socioambiental

T rad u ç ã o | T rans l ation

Fotos | P hotos

Cristian Huaiquiñir

Amandine Goisbault

David Rodgers

Tiago Campos Tôrres

Roman Matz

Contato com os Xavante

Amandine Goisbault

de Pimentel Barbosa:

Divino Tserewahú

1951, Lamônica – Museu

Bartolomeu Pronhõpa

do Índio - Funai

1967, filme de Adalbert Heide P es q u isa de imagem | I mage research

Iara Ferraz Vincent Carelli Amandine Goisbault

INDÍGENAS

indigeno u s f i l mma k ers

P rojeto grá f ico | G raphic design

Traço Design P rod u ç ã o | P rod u ction

Olívia Sabino Mariana Lilian

WAPTÉ MN HÕNÕ

A Iniciação do Jovem Xavante

T h e I n iti a ti o n o f t h e Y o u n g X a v a n t e

W A I ’Á R I N I

O Poder do Sonho

The power of the dream

R ea l i z a ç ã o | R ea l i z ation

olinda@videonasaldeias.org.br | www.videonasaldeias.org.br A poio | S u pport

Xavante CINEASTAS

P atrocínio | S ponsorship

Ministério da Cultura



Cineastas indígenas Tempos antigos, narrativas contemporâneas, gestos cotidianos. Entrelaçando passado e presente, palavra e imagem, corpo e memória, os filmes apresentados na coleção Cineastas Indígenas revelam outras possibilidades de perceber

a diversidade das realidades indígenas no Brasil. Cineastas dos coletivos de cinema Kuikuro, Huni kui, Panará, Ikpeng, Ashaninka e Xavante nos oferecem olhares íntimos sobre seus povos, seus modos de pensar e viver o mundo. A série é fruto de uma longa relação entre o Vídeo nas Aldeias e as populações indígenas envolvidas com o projeto. Fundada no compartilhamento de saberes e tecnologias, na discussão de projetos e sonhos, essa parceria resultou na criação de filmes que se destacam tanto por sua beleza estética quanto pela singularidade de seus temas. Vídeo nas Aldeias tem como objetivo primeiro criar condições para que os realizadores produzam seus filmes de maneira autônoma. Por meio

| INDIGENOUS FILMMAKERS

Ancient times, contemporary narratives, daily gestures. Weaving past and present, word and image, body and memory, the movies included in the Indigenous Filmmakers collection reveal new perspectives to perceive the diversity of the Brazilian indigenous reality. Filmmakers from the indigenous collectives Kuikuro, Hunikui, Panará, Ikpeng, Ashaninka e Xavante offer us

da formação de cineastas indígenas no uso criati-

intimate glimpses into their people’s

vo da linguagem e técnicas audiovisuais, o projeto

ways of thinking and living the world. The collection is the result of a long-lasting relationship between Vídeo nas Aldeias and the indigenous populations involved with the project. Based on the principles of sharing knowledge and technology, discussing

possibilita a apropriação pelos índios de suas imagens e falas. Dessa maneira, passam de objetos de observação a sujeitos de seus próprios discursos. Cineastas Indígenas é também resultado

da parceria entre diferentes atores, entidades,

Through the training of indigenous filmmakers, and by encouraging a creative use of the audiovisual language and techniques, the project allows the appropriation by the indigenous of their own images and discourses. Therefore, they stop being mere objects of observation to become the subject of their own discourses.

organizações indígenas e órgãos públicos. Agra-

Indigenous Filmmakers is also the

resulted in the creation of movies that

decemos a todos aqueles que tornaram possível

result of a partnership between

stand out for both their aesthetic beauty

a concretização deste projeto.

projects and dreams, this partnership

and the uniqueness of their themes. Vídeo nas Aldeias’ first goal is to establish the conditions for the filmmakers to create their movies autonomously.

Esperamos, com esta coleção, contribuir para a formação de uma audiência crítica em relação aos povos nativos do Brasil, possibilitando novos espaços de diálogo entre eles e a sociedade nacional. Equipe do Vídeo nas Aldeias Mai o 2 0 0 9

www.videonasaldeias.org.br

different actors, groups, indigenous organizations and public institutions.. We thank all of those who made it possible for this project to come to life. With this collection, we hope to contribute for the development of a critical audience in regard to Brazilian native people, by opening new channels of dialogue between them and the national society.

olinda@videonasaldeias.org.br

Vídeo nas Aldeias Team Mai o 2 0 0 9

www.videonasaldeias.org.br olinda@videonasaldeias.org.br


Os filmes

| The movies

WAPTÉ MNHÕNÕ, A Iniciação do Jovem Xavante WA PT É M N HÕNÕ, The initiation o f the Yo u ng Xavante

52 min., 1999

Wapté Mnhõnõ, o ritual de iniciação do

guerreiro Xavante, exige força, paciên­

cia e disciplina dos meninos, e toda a atenção da aldeia. No final, a furação de orelha sacramenta a sua passagem

Prêmio no X International Festival of Ethnographical Films, Nuoro, Itália, 2000 Award at the 10th International Festival of Ethnographical Films, Nuoro, Italy, 2000

Gran Prêmio Anaconda, Bolívia, 2000 Anaconda Award, Bolivia, 2000

Prêmio do 1° Festival de Filme Etnográfico da Sardenha, 2000 Award at the 1st Sardinia Ethnographic Film Festival, 2000

dução.

Wapté Mnhõnõ, the initiation ritual for young Xavante warriors, demands strength, patience and discipline from the boys, and the attention of the entire village. The ear piercing at the end of the rite marks their transition to adult life. The production represents a collaboration between four Xavante filmmakers and one Suyá filmmaker.

Prêmios | Awards Troféu Jangada, prêmio da OCIC – Brasil (Organização Católica Internacional de Cinema) na 6ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico, Rio de Janeiro, 1999

WAI’A RINI, O Poder do Sonho WAI’A R I N I, The power o f the dream

48 min., 2001

A iniciação espiritual do jovem Xavante se dá na festa do Wai’á. Depois de muitas provações, os meninos desmaiam e sonham, entrando em contato com o mundo dos espíritos. O diretor Divino Tserewahú revela o que pode ser mostrado desta festa secreta dos homens. The spiritual initiation of the young Xavante takes place during the Wai’á celebration. After many trials, the boys faint and dream, entering into

Jangada Trophy (Brazil) awarded by the

contact with the supernatural world. Filmmaker

International Catholic Film Organization

Divino Tserewahú allows us a glimpse into what

(OCIC) at the 6th International Ethnographic

can be revealed of this secret male celebration.

Film Festival in Rio de Janeiro, 1999

Prêmio Manuel Diégues Júnior na 6ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico, Rio de Janeiro, 1999 Manuel Diégues Júnior Award during the 6th International Ethnographic Film Festival in Rio de Janeiro, 1999

of Sangradouro, Mato Grosso. Today, surrounded

Nations Continental Festival of Cinema and

by soy plantations and with their land and

Video, Ecuador, 2001

resources impoverished, their film shows their

Prêmio Anaconda no Festival Anaconda, Bolívia, 2002 Anaconda Award at the Anaconda Festival, Bolivia, 2002

Outros filmes | Other fi l ms TSÕ’REHIPÃRI, Sangradouro Sangrado u ro

para a vida adulta. Quatro cineastas

Xavante e um Suyá realizam esta pro-

KICHWA Nationality Award, 4th ABYA YALA First

Prêmios | Awards Prêmio Nacionalidade KICHWA, IV Festival Continental de Cinema e Vídeo das Primeiras Nações de ABYA YALA, Equador, 2001

contemporary concerns in the face of the many changes they are now experiencing.

PI’ÕNHITSI, Mulheres Xavante sem Nome The Unnamed Xavante Women

56 min., 2009 | inédito

Desde 2002, Divino Tserewahú tenta pro-

28 min., 2009, inédito | premiere

duzir um filme sobre o ritual de iniciação

Em 1957, depois de séculos de resistência

mais em nenhuma outra aldeia Xavan-

e de fuga, um grupo Xavante se refugiou na missão Salesiana de Sangradouro, Mato Grosso. Hoje rodeados de soja, com

feminina Xavante, que já não se realiza te. Mas desde então todas as tentativas foram interrompidas. No filme, jovens e velhos debatem sobre as dificuldades e

a terra e os recursos depauperados, eles

resistências para a realização desta festa.

mostram neste filme suas preocupações

Since 2002, Divino Tserewahú has tried to make a

atuais em meio a todas as mudanças que vêm vivenciando. In 1957, after centuries of resistance and flight, a Xavante group took refuge in the Salesian mission

film about the Xavante female initiation ritual, no longer held in any other Xavante village. But all his attempts have been thwarted. In this film, young and old people debate the difficulties and resistances involved in performing this celebration.



“Pacificação” ou “Rendição”?

(Extraído do texto “Dois séculos e meio de História Xavante”, de Aracy Lopes da Silva, em História dos índios no Brasil)

Xavante já estavam encurralados. A Marcha para o Oeste, lançada por Getúlio Vargas em 1943, impulsiona a ocupação da região e as vitórias de agentes federais, grupos particulares e missionários iniciam o processo de “pacificação” dos Xavante.

O s X ava n t e m a n t ê m co n tato co m a s o c i e da d e n a c i o n a l p e lo m e n o s d e s d e o s é c u lo X VIII . Ata c a d o s p o r b a n d e i r a s , n o s c a m p o s d o e sta d o d e G o i á s , p r i m e i r o pa r a

‘Pacification’ or ‘Surrender’? (Taken from the text ‘Two and a half centuries of Xavante history,’ by Aracy Lopes da Silva, in Historia dos índios no Brasil)

Com o primeiro contato em 1946, com agentes do Serviço de Proteção aos Índios, abre-se o campo de batalha amplamente divulgado pela mídia: anunciam-se expedições punitivas, massacres, transferências de território e epidemias que dizima-

e s c r av i z a r í n d i o s pa r a a s m i n a s d e o u r o

The Xavante have been in contact with

e m M i n a s G e r a i s , d e p o i s pa r a d e s co b r i r

at least the 18th century. Attacked by

diram para fazer frente às epidemias e aos ataques

n ova s m i n a s , o s X ava n t e pa s s a r a m a ata c a r

bandeiras (colonization expeditions)

sofridos pelos não índios. As mortes por contágio,

v i l a r e j o s q u e s e i m p l a n tava m n a r e g i ã o.

to enslave Indians for the gold mines

non-indigenous Brazilian society since

in the savannahs of Goiás state, initially in Minas Gerais and later to discover

Uma carta régia da época autorizava a guerra aos índios. Os sobreviventes das bandeiras eram reunidos em aldeamentos, verdadeiras prisões com escolta militar e padres jesuítas. Em fins do século XIX, os Xavante afastaram– se rumo ao oeste, se fixando na Serra do Roncador, em Mato Grosso. Mas no final da década de 1930, os

new mines, the Xavante eventually responded by attacking the new settlements spreading across the region. A royal charter issued during the period permitted warfare against the Indians. Those who survived the bandeiras were herded into mission villages, effectively prisons run by military guards and Jesuit priests.

ram metade de sua população. Os Xavante se divi-

interpretadas como feitiçaria, também resultavam em lutas internas e cisões das aldeias. Enfraquecidos com tantas guerras e epidemias, esfomeados devido aos deslocamentos e fugas, o que a imprensa chamou de “pacificação dos índios assassinos” foi, para os Xavante, uma “rendição” incontornável. Na década de 1960, eles buscam proteção junto às instituições governamentais e religiosas. A ocupação da região se dá por latifundiários, pos-

At the end of the 19th century, the Xavante retreated westwards, settling in the Roncador Mountains in Mato Grosso. But by the end of the 1930s, the Xavante were already becoming cornered. The March West, launched by President Getúlio Vargas in 1943, pushed forward occupation of the region and the subsequent victories of federal agents, private groups and missionaries initiated the process of ‘pacifying’ the Xavante. Following first contact in 1946 with agents from the Indian Protection Service, the battlefield was opened and widely publicized by the media, which announced the punitive expeditions, massacres, transfers of territory and epidemics that eventually decimated half the population. The Xavante split into smaller groups to try to deal with the epidemics and the attacks by non-Indians. Deaths from contagious diseases, interpreted as sorcery, also resulted in internal fights and splits within the villages. Weakened by so many wars and epidemics, left starving due to the relocations and flights, what the press called the “pacification


seiros, empresas de colonização e agropecuárias. O

of the killer Indians” was, for the

a FUNAI se retira deixando graves consequências

more intensive crop growing with

reconhecimento legal das terras Xavante enfrenta

Xavante, an unavoidable ‘surrender.’

na economia tradicional.

repercussions on their diet (fewer

então severa oposição de fazendeiros já titulados.

In the 1960s, they sought the protection

Nos anos de 1970, os Xavante voltam aos noticiários por sua atuação decidida pela garantia de suas terras. A ação abrange desde o conflito aberto com posseiros, fazendeiros e empresas, até a pressão política junto às autoridades em Brasília. Eles lideraram as manifestações indígenas em Brasília e o personagem mais emblemático da época foi Mário Juruna, único deputado federal índio do Brasil, e seu gravador, com o qual registra as promessas não cumpridas das autoridades. Entre 1965 e 1981, os Xavante conseguiram demarcar parcelas do seu território tradicional. Na década de 1990, conseguiram ampliar um pouco as reservas e em 1998, após muita luta, demarcar a terra Maraiwastede. A redução radical dos limites de seu território significou a perda de áreas ricas em produtos de coleta, a sedentarização de um povo semi-nômade, e à partir daí a substituição das atividades econômicas tradicionais (caça, coleta e agricultura incipiente) pela lavoura, com reflexos no padrão alimentar (menos proteínas e mais amido) e na saúde, e a diminuição das atividades rituais. Em fins dos anos de 1970, a FUNAI implantou uma rizicultura mecanizada em larga escala em suas reservas. O plano foi mais que um expediente econômico, era um meio de controle político dos Xavante. As denúncias dos índios manchavam a imagem do governo militar. Em 1985,

of the government and the religious institutions. The region was occupied by estate owners, tenant farmers,

A migração gaúcha à partir de 1980 implanta na região a monocultura da soja, que hoje cerca suas reservas. A população Xavante no estado

colonization companies and the

de Mato Grosso chega a cerca de 15 mil índios

farming industry. Legal recognition of

reunidos em 165 aldeias nas suas 9 reservas.

Xavante lands faced severe opposition from farmers already holding land deeds. In the 1970s, the Xavante made the

Hoje, muitos professores Xavante estão cursando o terceiro grau indígena. As associações e co-

news once more due to their decisive

munidades Xavante divulgam informações so-

actions to guarantee their lands. These

bre seu modo de vida, campanhas pela

ranged from open conflict with tenant farmers, landowners and companies to political pressure on the authorities

preservação do cerrado e esclarecimentos sobre os programas governamentais de desenvolvi-

in Brasilia. They led the indigenous

mento que afetam as suas terras, como a cons-

demonstrations in Brasilia with the

trução de hidrelétricas e da hidrovia Araguaia-

most emblematic figure at the time being Mário Juruna, the only indigenous federal deputy in Brazil, armed with his tape recorder with which he recorded

proteins and more starches), their health and their ritual activities. At the end of the 1970s, FUNAI introduced large-scale mechanized rice farming in their reserves. The plan was more than an economic expedient: it was a form of political control over the Xavante. The denunciations of the Indians tarnished the military government’s image. In 1985, FUNAI withdrew, leaving behind serious consequences for the traditional economy. The migration of non-indigenous farmers from Brazil’s south to the region in the 1980s led to the implantation of soy monocrops, which now surround their territories. The Xavante population in Mato Grosso state numbers around 15,000 people living in 165 villages within their 9 reserves. Today many Xavante

the promises subsequently broken by the

teachers are now taking indigenous

authorities.

undergraduate courses. The Xavante

Between 1965 and 1981, the Xavante

associations and communities publish

succeeded in demarcating areas of their traditional territory. In the 1990s, they managed to extend these areas slightly and in 1998, after an intense struggle, demarcated the Maraiwastede Territory. The radical reduction to the borders of their territory meant the loss of areas rich in gathered products and the sedentarization of a semi-nomadic people. This, in turn, led to the substitution of traditional economic activities (hunting, gathering and small-scale agriculture) by

information on their way of life, campaigns for preserving the cerrado habitat and explanations concerning government development programs that affect their lands, such as the construction of hydroelectric dams and the Araguaia-Tocantins Hydrovia.


A construção da imagem Pa r a o s X ava n t e , a s s i m c o m o pa r a vá r i o s p ovo s com o s q ua i s o V í d e o n a s A l d e i a s t r a b a l h a , a c â m e r a é o i n s t r u m e n to d e r e g i s t r o d a “ c u lt u r a”, c a pa z d e t r a z e r d e v o lta o m u n d o i d e a l i z a d o d a t r a d i ç ã o .

Constructing the image For the Xavante and various other peoples working with Vídeo nas Aldeias, the camera is an instrument for recording ‘culture,’ a technology capable of bringing back the idealized world of tradition. From the outset, the Xavante have focused their interest on documenting their initiation

Desde o início, o interesse dos Xavante voltou-se para a documentação de suas festas de iniciação, rituais estruturantes de sua sociedade. O mundo do cotidiano, do trabalho, da realidade contemporânea, ao contrário, não deveria ser filmado, porque não corresponde à imagem que eles gostariam de mostrar e que os brancos esperam deles. A comunidade tinha em mente dois públicos: seus filhos e netos, que poderiam no futuro aprender os rituais, mesmo na ausência dos velhos; e o público em geral, que viria, através das imagens, conhecê-los. A compreensão de que estes dois públicos exigiam narrativas cinematográficas diversas se deu ao longo de todo um processo de debate e reflexão. O público não Xavante precisava de algumas referências para entender o significado daquilo que ritu-

festivals, the rituals that structure their society. In contrast, they tend to avoid filming everyday activities, work and the contemporary world in general since these

foram refeitos. Os velhos imaginavam este registro de forma idealizada. Exigiam rigor nas pinturas e nos adornos e se incomodavam com a bicicleta, a antena

camisa. Argumentamos que um depoimento refeito a frio não teria a mesma força e que a camisa era um mero detalhe. Conseguimos mantê-lo na edição final. Os velhos queriam uma descrição geral do cerimonial, sem focar nenhum indivíduo em particular. Do nosso ponto de vista, destacar alguns personagens ajudava a humanizar o relato e criar empatia do público com o filme. Ao documentar a revolta dos jovens diante do sofrimento que lhes era imposto e que dava taram. “Estes meninos estão muito rebeldes”,

the non-indigenous public expects of them. The community had two audiences in mind: their children and grandchildren, who can learn the rituals in the future even when the older generation is gone; and the general public, which can learn about the people through the films. The realization that these two audiences demand distinct cinematographic narratives only emerged through a lengthy process of debate and reflection. The non-Xavante public needed some reference points to understand the meaning of what was ritually presented on the screen. As a solution, Divino, the main Xavante filmmaker, decided in his first film, but these were later vetoed by the elders.

festa poderiam falar, e todos os depoimentos

mentos, quase foi vetado porque ele vestia uma

wish to display of themselves and which

em seu primeiro filme, Wapté, o cineasta Xavan-

Estabeleceram, então, que somente os donos da

nado de um velho, colhido no calor dos aconteci-

a dimensão do esforço exigido, os velhos protes-

‘Wapté,’ to record a series of testimonies,

que foram, posteriormente, vetado pelos velhos.

recia no fundo da cena. Um depoimento emocio-

dimensions fail to match the image they

almente se apresentava na tela. Nesta direção, te Divino optou por colher alguns depoimentos

parabólica ou a camionete que, vez por outra, apa-

They decided that only the festival owners could speak to the camera and all the testimonies were refilmed. The old people imagined this record in an idealized way. They insisted on the painstaking reproduction of traditional body painting and adornments and were vexed by the bicycles, satellite dishes or trucks that sporadically appeared in the background. An emotional testimony from

diziam eles, mas afinal concordaram em incluir seus depoimentos. Cada elipse que ensaiávamos na ilha de edição teve de ser negociada. Divino trazia consigo a censura dos velhos, que o repreenderiam por ter omitido detalhes considerados da maior importância para eles.

one elder, swept up in the heat of events, was almost barred because he had worn a shirt. We argued that the shirt was merely a detail and that refilming the testimony would entail losing the strength of the original. We managed to keep the interview in the final edit. The older people wanted a generic description of the ceremony without focusing on any particular individual. From our point of view, highlighting a few central figures would help to humanize the account and create the public’s empathy with the film. When documenting the young people’s revolt over the ordeals they were forced to undergo, which gave an idea of the effort demanded, the elders objected. “These boys are very rebellious,” they said, but eventually they agreed to include their testimonies. Each cut we tried out in the editing suite had to be negotiated. Divino incorporated the censure of the elders, who would reprimand him for omitting the details they deemed to be the most important.


Assim, o primeiro documentário foi um aprendizado, não só para os cinegrafistas, mas para toda a comunidade. No segundo, eles já entendiam onde chegaríamos. Realizar filmes é sempre um processo de autoconhecimento, uma revisão crítica da auto-imagem, o que leva a uma reflexão sobre seu próprio processo de mudança. Neste processo de negociação entre o autor, a comunidade e a equipe do VNA, chegamos a um registro da tradição em que eles podem ao mesmo tempo assumir o biculturalismo. É uma forma de romper com uma esquizofrenia da dupla identidade, com uma face que se revela e outra que se quer esconder, e entender que há um público que não acha que índio de celular é o “fim da picada” e que se interessa pela forma legítima de ser Xavante na atualidade. É neste sentido que os dois filmes complementares deste DVD, realizados numa parceria do Divino com a equipe do VNA, procuram trazer uma visão mais contemporânea da vida Xavante: “Sangradouro” é um breve histórico deste grupo, dos primeiros contatos com a nossa sociedade até os dias de hoje, onde está colocado o debate entre velhos e jovens, entre tradição e modernidade. No filme “Mulheres Xavante sem nome”, o público pode entender o quanto o processo histórico e a catequese alteraram os valores morais e culturais desta sociedade.

Hence, the first documentary was a learning experience, not only for the filmmakers but also the community at large. By the time of

Realizador

| Fi l mmak er

the second film, they already understood what we were after. Making films is always a process of self-discovery, a critical review of one’s self image that leads to a reflection on the process of change. In this negotiation between the author, the community and the VNA team, we succeeded in attaining a record of tradition in which they could simultaneously affirm their biculturalism. This enabled a break with the schizophrenia of double identity in which one side looks to show itself and the other wants to hide. It also acknowledged the existence of an audience that does not consider an Indian with a mobile phone “the end of the road” but is interested in the authentic way of being Xavante in the contemporary world. This aim in mind, the two complementary films on this DVD, produced in partnership between Divino and the VNA team, aim to provide a more contemporary view of Xavante life: ‘Sangradouro’ is a brief history of this group, spanning from the first contacts with our society to the present, where the debate between old and young people and between tradition and modernity comes to the fore. In the film ‘The unnamed Xavante women,’ the audience gains an insight into how much colonial history and missionization altered the moral and cultural values of this society.

Divino Tserewahú Tsereptsé Nascido em 1974, em Sangradouro (Mato Grosso), Divino Tserewahú, desde 1990, registra sobretudo cerimoniais para o público da aldeia. Participou do “Programa de Índio” e no seu primeiro traba-

Born in 1974 in Sangradouro (Mato Grosso), since 1990 Divino Tserewahú has mainly been filming ceremonies for a village audience. He participated in the ‘Programa de Índio’ and in his first work for a non-Xavante

lho para o público não Xavante, “Obrigado Irmão”

public, ’Thanks Brother’ (1998), he describes

é a minha profissão, é para isso que eu nasci... Não

my profession, this is why I was born... It

(1998), ele narra sua iniciação de cineasta: “Filmar foi para trabalhar de machado, eu não nasci para plantar. É isso que eu sempre digo para a minha

mulher”. Líder da equipe de realizadores indígenas autores de “Wapté Mnhõnõ, A Iniciação do Jovem Xavante”, Divino realizou mais dois documentá-

rios sobre rituais de iniciação Xavante, “Wai’a Rini, O poder do Sonho” (2001) e “Daritidzé, Aprendiz de Curador” (2003). Em 2002, Divino fez uma reportagem sobre os índios Makuxi, “Vamos à Luta”. Em

2009, ele finalizou, com a equipe do Vídeo nas Aldeias, um filme sobre a história de Sangradouro e

outro sobre o ritual de nominação das mulheres, que está desaparecendo. Divino já edita seus pró-

prios filmes, e é hoje professor para outros índios do Mato Grosso no contexto de um projeto do Museu Dom Bosco de Campo Grande.

his initiation as a filmmaker: “Filming is wasn’t to work with an axe, I wasn’t born to plant. That’s what I always tell my wife.’ The leader of the team of indigenous filmmakers who made ‘Wapté Mnhõnõ: the Initiation of the Xavante Warrior,’ Divino filmed two more documentaries on Xavante initiation rituals: ‘Wai’a Rini: The Power of the Dream’ (2001) and ‘Daritidzé: A Healer’s Apprenticeship’ (2003). In 2002 Divino filmed a report on the Makuxi Indians, ‘The Struggle Continues.’ In 2009, in collaboration with the Vídeo nas Aldeias team, he completed a film on the history of Sangradouro and another on the women’s naming ceremony, a ritual that is falling into disuse. Divino already edits his own films and today teaches other Indians from Mato Grosso as part of a project run by the Dom Bosco Museum in Campo Grande.


Narradores

| Narrators Alexandre Tsereptsé

Francisco Pronhopa

Nascido na aldeia ‘Rituwawe em 1933, Alexandre foi clérigo,

Nascido na aldeia Wabdzéréhu em 1924, Francisco é filho

catequista e professor. De 1978 a 81 e de 90 a 96, Alexandre

do Sr. Tsere’udzadadze e da dona Ro’owaibaba. Ele morou

foi cacique de Sangradouro. Mas ele também morou 6 anos

nas aldeias Sangradouro, Cabeceira da Pedra, e Marimbú,

em Parabubure. Hoje ele é um dos donos das festas Wai’a e

onde é atualmente cacique.

Wapté mnhõnõ.

Born in Wabdzéréhu village in 1924, Francisco is the son of

Born in ‘Rituwawe village in 1933, Alexandre was a cleric, missionary and teacher. From 1978 to 1981 and 1990 to 1996, Alexandre was leader of the Sangradouro village. However he also spent 6 years in Parabubure.

Tsere’udzadadze and Ro’owaibaba. He has lived in the Sangradouro, Cabeceira da Pedra and Marimbú villages, where he is currently the leader.

Today he is co-owner of the Wai’a and Wapté mnhõnõ festivals.

Aldo Tserewarã

Pierina Wa’utomorewe

Nascido na aldeia Onhi’uture em 1930, Aldo é filho de Jerô-

Nascida em 1936 na aldeia Wedetede São Domingos Sávio,

nimo Tsõwa’õ e de Gema Wa’utomohö. Ele foi trazido para Sangradouro da aldeia Batovi quando ainda era jovem. Ele

Pierina é filha de Waranhopa e dona Wa’utomonhi’õ. Morou 62 anos em Sangradouro, mas agora fundou a nova

foi o idealizador das festas rituais da aldeia Tsõ’rehipãri.

aldeia Santa Julieta, que ela lidera como cacica.

Born in Onhi’uture village in 1930, Aldo is the son of Jerônimo Tsõwa’õ

Born in 1936 in the Wedetede São Domingos Sávio village, Pierina is

and Wa’utomohö. He was brought to Sangradouro from the Batovi

the daughter of Waranhopa and Wa’utomonhi’õ. For 62 years she lived

village when he was still a youngster. He was responsible for planning

in Sangradouro, but she recently founded a new village, Santa Julieta,

the ritual festivals of the Tsõ’rehipãri village.

where she is the leader.

Paixão Wa’umhi

José Marino Tsimhöné

Nascido na aldeia Rituwawe em 1927, Paixão é filho do Sr.

Nascido na aldeia Rituwawe em 1916, Marino é filho do Sr.

Waradzere e dona Wa’utõmonhi’õ. Ele é atualmente cacique da terra indígena Sangradouro, substituindo o finado cacique Patrício Tsere’uwané desde maio de 2008.

Tserere e dona Ro’o’are. Morou em Sangradouro e também em Dom Bosco, onde viveu por 10 anos. Depois, decidiu fundar a aldeia nova Nhowi, onde ele atua como cacique e

Born in Rituwawe village in 1927, Paixão is the son of Waradzere

idealizador das festas.

and Wa’utõmonhi’õ. He is currently leader of the Sangradouro

Born in the Rituwawe village in 1916, Marino is the son of Tserere

Indigenous Territory, having replaced the late leader Patrício Tsere’uwané since May 2008.

and Ro’o’are. He lived in Sangradouro, as well as Dom Bosco village for 10 years, but later decided to found the new village of Nhowi, where he is the leader and festival planner.



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