Memórias da Vila 003

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Memórias da Vila

Educadores

Gabrielli Maia

Marcia Ortega

Vitória Carriço

Mariana Ortega

Alyson Montrezol

Thais Aparecida

Leandro Gonçalves

Michelle Santos

Juliane Manatta

Bruna Raphaela

Juliana de Araujo

Nicoli Ketlin

Sheila Daiane

Aline Alves

Nataly Gama

Janaina Oliveira

Leticia Henrique

Thamyris Pontes

Stefany Andrade

Isabella Gonçalves

Kamilli Melo

Déborah Carolina

Bruna Dalla

Vanessa Russo

Cauan Jacob

Marcos Similo

Joana Ferreira

Larissa do Monte

Vitoria Pereira

Josy Maia

Vanessa Cardozo

Bernadete Cazumba

Traços

Sofia Helena, 5a4m

Sofia Cunha, 3a4m

Paulo Enrick, 3a8m

Lavinia, 2a11m

Camila, 2a11m

Capa

Desenho coletivo do

Marcas da Infância

Um dia no Ateliê da Natureza me deparei com uma criança carimbando suas mãos na mesa. Ela as mergulhou na tinta, esfregou uma na outra com cuidado e observou por uns segundos com atenção como quem se questiona “o que faço agora?”.

Lembrei dos meus tempos de escola em que a minha professora passava tinta na palma da minha mão para depois colocá-las com cuidado sobre um papel com um cabeçalho mimeografado. Aquilo não fazia sentido pra mim, não era prazeroso (mesmo que a cosquinha feita pelo pincel fosse agradável), eu não era um sujeito ativo naquela ação.

Quando me deparei com os carimbos que aquela menina fazia na fórmica branca percebi o quanto ser protagonista de seus processos é muito mais prazeroso.

Ver a alegria e potência daquele pequeno corpo me fez ter ainda mais certeza de que as experiências vividas aqui vão além de registros descontextualizados em folhas brancas e que as lembranças serão mais marcantes que as cócegas que senti.

Comecei então a observar qual é a relação das crianças com as marcas de suas mãozinhas que, mesmo sem nenhuma intervenção de adultos, eram feitas aos montes durante os contextos propostos. Pude perceber o quão prazeroso para elas é dar um passo pra trás e observar o que ficou marcado na mesa, no chão ou no tecido.

Após uma proposta com argila, depois que todos já tinham ido para a sua sala referência, fiquei no ateliê para organizar o contexto. Me deparei com algo na parede que fez com que eu me sentisse descobrindo uma caverna escondida com pinturas rupestres. Estava lá na parede a marca de uma mão.

A revista deste mês é uma ode às marcas deixadas nas vidas das crianças e às que elas deixam em nós. É uma celebração dos pequenos momentos do cotidiano, da delicadeza de uma leitura no quintal, da simplicidade de uma brincadeira com areia.

É um manifesto para que nossa ancestralidade siga pulsando e que a gente mantenha o olhar atento como o dos bebês para os tesouros da vida.

As gotinhas de água do borrifador utilizado pelas crianças durante a tal proposta repousavam no torrão e viravam tinta. Era como se algo mágico acontecesse diante de olhares tão curiosos. A argila, matéria utilizada pelos nossos ancestrais para fazer jarros e panelas, já repousou em rios que passeiam pela Terra antes mesmo dos nossos pais e avós andarem por aqui. Essa matéria viva e cheia de energia primitiva neste momento se encontrou como o futuro, um “futuro ancestral” como diz Ailton Krenak.

Boa leitura!

Registros produzidos durante uma vivência de tintas naturais

Passado, presente e futuro

Em meados dos anos 90, foi descoberta na França uma caverna com pinturas rupestres de animais e representações humanas. Nas paredes de pedra foram encontradas também marcas de mãos dos homo sapiens que moravam por ali. Essas são as pinturas mais antigas já encontradas até hoje.

Cerca de 30 mil anos depois dos primeiros pintores da humanidade terem deixado seus registros por ali, Letícia fez o mesmo nas paredes do nosso ateliê.

As mãos da menina e a superfície branca que a cercava foram conectadas de maneira natural, instintiva, ancestral…

Letícia se uniu ao seu passado e, assim como os antigos habitantes da caverna do sul da França, não sabe o quanto isso a conecta com o futuro.

Marca de mãos humanas na Caverna Chauvet-Pont D´Arc, França Marca da mão da Letícia no Ateliê da Natureza

Uma crianças e seu tesouro

Todas as manhãs ao entrar na sala referência o vejo ali, parado no chão. O melhor amigo das crianças:

O cesto dos tesouros!

Ele sempre está ali no chão, pronto para a exploração de quem quer que chegue pela porta da frente, esperando as crianças dias a fio.

Théo chega primeiro em nossa vila, com um sorriso no rosto e os olhos brilhando, encarando fixamente o tesouro a ser descoberto naquele dia.

Com suas mãos ágeis, solta um grito de alegria e parte para a exploração, o que será que encontrou de novo nessa manhã?

Um espelho!

Théo revira o espelho de todas as formas, trazendo para mais perto ou longe, se observando naquele objeto refletor em todos os ângulos. Levava a boca, mas logo tirava, passava as mãos como se estivesse se acariciando e sorria.

Mais um grito!

Mas o que elas não sabem é que enquanto elas investigam seus tesouros, nós investigamos as crianças, que afinal, são os nossos tesouros!

Vamos cozinhar?

Em uma manhã de Outono chefe Sarah cozinha em nosso quintal com uma caneca, areia que é seu ingrediente preferido e colher de pau.

O prato de todas as manhãs é cuscuz e sempre que serve já logo avisa “ ESTÁ QUEEEEENTE!”, mas naquela manhã Sarah cozinhava algo diferente.

Na caneca acrescentava areia e com destreza acrescentava mexia bem para dar ponto a sua receita. Com euforia ela avisa “ Estou fazendo mingau”.

Por um instante olha para o alto, observa com olhos de quem precisa de algo e com sua determinação encontra. Aponta para um coqueiro que não está em nosso quintal, mas com sua altura e sua bela cor verde ajuda Sarah na escolha de mais um ingrediente “Mingau de coco”.

Com duas batidinhas na caneca avisa que está pronto e com a colher cheia de alegria me convida a provar.

As manhãs com Sarah tem sabor de descobertas e amor.

A investigação era sobre a cor e o sabor do caqui e do tomate.

Sofia, com uma lupa na mão, procurava algo além das frutas. Logo percebe uma mesa próxima com algumas peças de madeira e duas argolas. Um convite perfeito para um desafio entre ela e ela mesma.

Com determinação se dirige até a mesa, organiza as peças, dá um passo para trás e faz seu primeiro arremesso.

Não atinge seu objeto, mas nem por isso desiste. Com muita vontade de acertar ela fala “De novo”.

Sabe aquelas finais de campeonato cheias de emoção onde a torcida faz silêncio para que o jogador se concentre, pois foi essa a sensação.

Ela olha para sua mão e identifica uma única argola, respira fundo, olha fixamente para o seu alvo e então faz seu último lançamento.

Com muita alegria anuncia:

“ACERTEIIIIIIII”.

Naquela manhã, Sofia não sentiu o sabor das frutas, mas com sua força e determinação pode sentir o sabor da vitória.

Um móbile, muitas cores e diversão a mil

Ah como é lindo ver as crianças se entrelaçando nos tecidos tão coloridos da nossa sala, amam estar envolvidos, se divertem, gargalham, movimentam-se junto com cada tecido, fazendo-o girar e trazendo um lindo movimento para esta interação.

E quando percebem sua transparência? Isso é o ápice da diversão! Logo buscam nossos olhares, encantados por ver o mundo com cores diferentes, contagiando todo o ambiente da nossa sala referência com essa alegria.

Mas ainda pode ficar mais divertido! Aproveitamos a exploração e os movimentos... Eles se escondem por trás dos tecidos translúcidos, identificando e brincado de procurar o amigos que estão com cores diferentes. Brincamos de procurá-los, fazendo de conta que não estamos os enxergando... Neste momento fazemos perguntas (que eles amam!):

“Cadê o Bryan?

Cadê o Otto?

Quem está aí?

Ah , achei o Otto!”

A felicidade deste momento se materializa em uma experiência, com os sorrisos mais encantadores, emocionantes e verdadeiros.

Entrelaçados

Juliana de Araujo

Ao investigar o Ateliê da natureza, Antônio encontrou uma série de fitas entrelaçadas, sem conseguir movimentá-las. Iniciou sua investigação de como faria para desatar aqueles nós.

Puxou,repuxou,tentou pelo lado de dentro do cubo e depois pelo lado de fora. Ainda sem compreender como faria, solicitou reforço, convidou Caetano e João para lhe ajudar a soltar aquelas fitas.

Juntos, empenhados e concentrados em uma missão, me solicitaram ajuda e por fim conseguimos, todos juntos, desatar os nós.

Minhas Memórias

Enquanto fazia um registro das crianças no quintal, Liz aproximou-se curiosa com a câmera que estava em minhas mãos. Observou com um sorriso desses capazes de nunca lhe negar um pedido sequer.

Compartilhei com ela as fotos que havia registrado naquele momento, seus pequenos olhos brilhavam com a novidade do objeto. Esse movimento despertou a curiosidade de Satoru que estava ali, próximo.

Entreguei a câmera nas mãos de Liz e pedi que tirasse uma foto minha com ele, não me contive em abraçá-lo e, depois, só nos restava dizer: “Xiiiiiiis.”

Ah, Liz e Satoru. Isso foi tão especial!

Esse momento vai ficar eternizado por esse registro, mas também em minhas memórias.

“Os movimentos da infância impregnam o ser pelo resto da vida. Um fazer conectado com o corpo todo; aventuras de movimentos visíveis e invisíveis. Interesse por objetos e lugares que ninguém dá bola, que não têm serventia alguma, ativado pelo desejo de ir aonde ninguém consegue. Reinventar o uso das coisas. Corpos que se esticam, enrolam, gritam. Corpos relaxados e pendurados. Desassossegados. Desassossego pouco compreendido. Anseio de experimentar com o corpo. As crianças insistem em se movimentar e se perguntar. Os desafios vão aumentando, meninos e meninas vão sendo atravessados pelo mundo.”

Batuque
de Stela Barbieri

O Paradoxo de Luiza

Na dança cotidiana da sala de aula, onde brinquedos e histórias se misturam, e o riso das crianças ecoa pelos corredores, surge o enigma encantador de Luiza. Seu olhar curioso e sorriso travesso revelam um ser repleto de paradoxos, como uma flor que desabrocha em meio ao caos do jardim.

Enquanto incentivamos a ordem e a responsabilidade, convidando os pequenos a cuidarem de seus tesouros e a manterem a harmonia no espaço compartilhado, Luiza parece dançar ao som de uma melodia própria.

Ela desafia as convenções, deixando os brinquedos caírem ao chão, como quem deixa pegadas de um mistério insondável.

No entanto, em meio aos jogos de esconde-esconde com a organização, Luiza revela seu segredo mais profundo: o encanto pela limpeza e pela pureza dos espaços.

Seu coração infantil ressoa com a alegria de ajudar, pegando a vassoura e varrendo os vestígios do tempo, sem hesitar, sem pedir permissão, apenas entregando-se ao ritmo da tarefa.

Assim, o paradoxo da Luiza se desdobra diante de nossos olhos encantados, como um conto de magia e descoberta.

Ela nos ensina que a essência das crianças nem sempre se revela na superfície das ações, mas sim nos momentos de pureza e entrega, onde a alma infantil brilha com toda a sua luz.

Que possamos, como observadores atentos, aprender com Luiza a dançar essa dança única da infância, onde o inesperado se entrelaça com a rotina, e os paradoxos se transformam em poesia.

Em seu gesto simples de limpeza, ela nos convida a enxergar a beleza sutil dos contrastes e contradições, abrindo caminho para uma compreensão mais profunda e sensível do universo infantil.

Que o enigma da Luiza nos inspire a acolher a complexidade...

A simplicidade da infância

Os momentos nos quintais são marcantes para qualquer que por alguns minutos dedica o seu olhar para as interações que acontecem nesse espaço.

Era um dia quente, mas daqueles que o sol toca gentilmente em nossa pele.

Observava de longe Sol indo em direção ao tanque de areia com aquele sorriso de canto a canto da boca. Enquanto reunia alguns materiais que iria utilizar, uma biquinha de concentração tomou conta da sua feição. Com a pá, durante muito tempo, enchia com

O que ela iria fazer com aquele monte de areia? Parou por um momento, olhou e jogou tudo de volta para a pia. Com o mesmo cuidado, repetiu o mesmo processo.

Obrigada Sol por me mostrar que o que simples também é inesperado e memorável.

“A brincadeira espontânea é valorizada como motor principal do desenvolvimento da aprendizagem.”

Crianças contadoras de histórias

Que cena linda! É maravilhoso poder ser testemunha do desenvolvimento de uma criança. Contar histórias é uma forma incrível de expandir ideias e explorar um novo mundo. Camila está contando histórias aos seus amigos e cultivando a habilidade de ler livros, o que proporciona momentos de novas interações e de muita diversão!

Todos os dias, temos o momento de roda de leitura. Sempre conto as histórias para eles com muito carinho e faço todo possível para que seja um momento rico e divertido, acho que estou a inspirar novos contadores de histórias!

A infância de Ayla: entre a pazinha, a areia e a imaginação

O tanque de areia é um mundo encantado onde sonhos e risos se entrelaçam a cada instante. Em uma tarde ensolarada, no quintal da escola, Ayla se concentra enquanto segura sua pequena pazinha com determinação. Ela está empenhada em encher uma garrafa com areia, mostrando-se habilidosa e capaz. Os olhos de Ayla brilham com a luz do entusiasmo, como se fossem estrelas a guiar seu doce esforço, cada grão de areia que ela coloca na garrafa é como um pedacinho de céu, em seu próprio universo pequeno, mas cheio de significado. Para Ayla, que o mundo seja vasto e o tempo breve, pois na infância, o coração nunca se esquece da magia de um momento como esse, no qual, entre a pazinha, a areia e o quintal sem fim, a vida parece completamente perfeita.

Ayla's childhood: between the shovel, the sand and the imagination

The sand tank is an enchanted world where dreams and laughter intertwine at every moment. On a sunny afternoon in the school yard, Ayla concentrates seriously while holding her small shovel with determination. She is engaged in filling a bottle with sand, showing herself to be skilled and capable. Ayla's eyes shine with the light of enthusiasm, as if they were stars guiding her sweet effort, each grain of sand she puts in the bottle is like a little piece of heaven, in its own small universe, but full of meaning. For Ayla, may the world be vast and time brief, because in childhood, the heart never forgets the magic of a moment like this, in which, between the peace, the sand and the endless backyard, life seems completely perfect.

Dividindo e multiplicando

Por Mariana Ortega

A concepção de educador que temos na Vila Manacá é um sujeito protagonista no processo de ensino e aprendizagem. Um ser pensante que pesquisa e investiga a infância em sua inteireza. E assim são as nossas professoras. Por esse motivo entendemos que chamá-las carinhosamente de “tias” não conseguiria expressar a potência e o conhecimento dessas mulheres.

Elas são a Aline, a Juliana, a Sheila, a Thaís, a Bruna, a Juliane, a Letícia, a Vanessa, a Bruna Rafaela e a Michelle. Pensando em potencializar ainda mais o poder que elas possuem, iniciamos em Abril um grupo de estudos. As educadoras se dividiram em duplas e escolheram um dos espaços da escola para realizar uma profunda investigação ao longo do ano.

As professoras Sheila e Aline escolheram se aprofundar no potencial do quintal e do Ateliê do Corpo. Depois de ir em busca de referenciais teóricos e de registrar como as suas turmas habitam esses espaços, compartilharam suas descobertas com o restante da equipe. Entendemos que é assim que o conhecimento se divide e se multiplica.

Ainda em abril, tivemos a apresentação da dupla Juliana e Juliane. Os espaços em comum da nossa escola ganharam luz ao serem analisados bem perto por elas que, com a leveza de quem pula a amarelinha no corredor, deixaram claro a grandiosidade da micro transições e necessidade de pausas para apreciar a beleza que existe nesses espaços.

Seguiremos nessa ciranda formativa até o final do ano para que cada educadora seja nutrida pela sabedoria da outra. Entendemos que é assim que se faz educação, que o conhecimento precisa ser plural e partilhado entre todos.

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