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Manual Prático

de Diabetes

Prevenção, detecção e tratamento Rodrigo Nunes Lamounier Silmara Leite Walter Minicucci

3a Edição



Manual Prático

de Diabetes

Prevenção, detecção e tratamento Rodrigo Nunes Lamounier Silmara Leite Walter Minicucci

3a Edição


II

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ L233m 3.ed. Lamounier, Rodrigo Nunes Manual prático de diabetes : prevenção, detecção e tratamento / [autor] Rodrigo Nunes Lamounier, [organização] Silmara Leite, Walter Minicucci. - 3.ed. - Itapevi, SP: A. Araújo Silva Farmacêutica, 2010. 276p.: il. Apêndice Inclui bibliografia ISBN 978-85-60549-36-8 1. Diabetes. 2. Diabetes - Tratamento. 3. Diabetes - Prevenção. I. Leite, Silmara. II. Minicucci, Walter. III. Título. 10-1836.

CDD: 616.462 CDU: 616.379-008.64

27.04.10 07.05.10

018869

Em coedição com: EDITORA GUANABARA KOOGAN S.A. Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na internet ou outros), sem permissão expressa da Editora. Travessa do Ouvidor, 11 Rio de Janeiro, RJ - CEP 20040-040 Tel.: 21-3543-0770/11-5080-0770 Fax: 21-3543-0896 gbk@grupogen.com.br www.editoraguanabara.com.br Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à AC Farmacêutica® É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. AC Farmacêutica

Diretores: Silvio Araujo e André Araujo Coordenadora editorial: Roberta Monteiro Jornalista: Gisleine Gregório Designer gráfico: Vinícius Nuvolari e Gabriel Meneses Comercial: Wilson Neglia, Rosângela Santos, Karina Maganhini, Fabiola Pedroso e Sergio Martins Assistente comercial: Camila K. Costa

SP Rua Dr. Martins de Oliveira, 33 - Jardim Londrina - CEP 05638-030 - São Paulo - SP - Tel.: (11) 5641-1870 RJ Travessa do Ouvidor, 11 - Centro - CEP 20040-040 - Rio de Janeiro - RJ - Tel.: (21) 3543-0770 Todo o desenvolvimento, bem como suas respectivas fotos e imagens de conteúdo científico, é de responsabilidade dos autores, não refletindo necessariamente a posição da editora e do laboratório, que apenas patrocina sua distribuição à classe médica. Esta publicação contém publicidade de medicamentos sujeitos a prescrição médica, sendo destinada exclusivamente a profissionais habilitados a prescrever, nos termos da Resolução RDC Anvisa no 96/08.


Manual Prático

de Diabetes

Prevenção, detecção e tratamento

AUTOR Rodrigo Nunes Lamounier Médico endocrinologista Doutor em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Professor visitante da Faculdade de Medicina da Universidade da Pensilvânia, Filadélfia, Estados Unidos Assistente da equipe de Endocrinologia do Hospital Mater Dei, Belo Horizonte (MG) Diretor clínico do Centro de Diabetes de Belo Horizonte (CDBH) COLABORADORES ESPECIAIS Silmara A. de Oliveira Leite Médica endocrinologista Coordenadora do Projeto de Atendimento Programado ao Diabetes Staged Diabetes Management, Brasil Doutora em Ciências Médicas pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo Professora de Clínica Médica e Endocrinologia da Universidade Positivo (PR) Walter Minicucci Médico especialista em Endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) Mestre em Endocrinologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Médico da disciplina de Endocrinologia da Unicamp Vice-presidente eleito da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) (biênios 2006-2007 e 2010-2011)

III



COLABORADORES Alessandra Coutinho de Faria Médica endocrinologista Especialista em Endocrinologia pela SBEM Endocrinologista do CDBH Andrea Silva Fontenelle Médica especialista em Endocrinologia pela SBEM Mestra em Ginecologia e Obstetrícia pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Andréia Coutinho de Faria Médica dermatologista Membro efetivo da SBD Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz – Centro de Pesquisas René Rachou Débora Bohnen Guimarães Especialista em Nutrição Clínica Nutricionista do Ambulatório de Diabetes Tipo 1 da Santa Casa de Belo Horizonte Nutricionista do CDBH Magno Luiz Nutricionista e professor de Educação Física Especialista em Atividade Física e suas Bases Nutricionais pela Universidade Veiga de Almeida (RJ) Especialista em Preparação Física pelo Instituto Manuel Farjado, Cuba Professor da Faculdade Pitágoras Especialista em Nutrição Esportiva do CDBH Marcella Lobato Consoli Nutricionista Mestra em Ciência de Alimentos pela UFMG Doutoranda em Nutrição pela Faculdade de Medicina da UFMG Nutricionista do CDBH

V


VI

Maria Regina Calsolari Médica endocrinologista Mestra em Medicina pela Santa Casa de Belo Horizonte Coordenadora do Serviço de Pé Diabético da Clínica de Endocrinologia da Santa Casa de Belo Horizonte Chefe da Clínica de Endocrinologia da Santa Casa de Belo Horizonte Tiago Alvarenga Fagundes Médico endocrinologista Especialista em Endocrinologia pela SBEM William Valadares Professor de Educação Física Especialista em Atividade Física para Grupos Especiais - Universidade Gama Filho (RJ) Educador Físico do Ambulatório de Diabetes Tipo 1 da Santa Casa de Belo Horizonte Coordenador do Setor de Educação Física do CDBH


PREFÁCIO O diabetes mellitus é uma doença multifacetada que vem desafiando a prática médica não apenas por sua incidência e prevalência crescentes, mas também por seu grande impacto na morbimortalidade e no custo de assistência à saúde. Diversos estudos têm consistentemente demonstrado que a prevenção das complicações crônicas de longo prazo associadas ao diabetes depende fundamentalmente do controle clínico adequado, tanto da glicemia como de outros fatores relacionados, como hipertensão arterial, dislipidemia, sedentarismo e obesidade. A despeito dos grandes avanços no arsenal terapêutico disponível nos últimos anos, lamentavelmente a maioria dos pacientes com diabetes no Brasil e no mundo continua com controles clínico e metabólico inadequados. Na tentativa de colaborar nas decisões do dia a dia perante um paciente com diabetes, trazemos esta 3a edição atualizada do Manual Prático de Diabetes, que sintetiza grande quantidade de informações essenciais e disponíveis em relação ao tratamento da doença, de forma condensada e de fácil consulta. Trata-se de conteúdo para médicos, desenvolvido por uma equipe multidisciplinar em saúde, assim como deve ser a assistência ao paciente com diabetes. Com este material, esperamos despertar o envolvimento e a sensibilidade dos profissionais em torno de uma visão de vida ativa, com saúde e qualidade para as pessoas com diabetes. Rodrigo Nunes Lamounier

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ÍNDICE Capítulo 1: Diagnóstico de diabetes Critérios para o diagnóstico de diabetes Critérios para rastreamento de diabetes na população em geral Classificação etiológica do diabetes mellitus Rastreamento de diabetes mellitus gestacional Diagnóstico diferencial de diabetes mellitus tipos 1/LADA e 2 Avaliação de autoimunidade Reserva pancreática de insulina Critérios diagnósticos de síndrome metabólica Referências Capítulo 2: Metas no tratamento do diabetes mellitus Crianças e adolescentes Gestantes Referências Capítulo 3: Gerenciamento do peso Tratamento Cirurgia bariátrica Técnicas cirúrgicas Orientações nutricionais Evolução pós-operatória Reposição vitamínica Referências Capítulo 4: Atividade física Recomendações Fatores que influenciam a resposta ao exercício Exercício e hiperglicemia Referências

13 14 15 16 16 19 21 24 25 26 27 27 29 31 32 32 35 37

ÍNDICE

Adultos

1 2 3 4 6 8 8 9 10 10


Capítulo 5: Aspectos nutricionais no diabetes mellitus Aspectos nutricionais no diabetes mellitus Composição do plano alimentar Nutrição em situações especiais Contagem de carboidratos Referências Capítulo 6: Monitoração glicêmica Automonitoração domiciliar das glicemias Hemoglobina glicada

39 40 42 42 43 46 49 50 51

Sistema de monitoração contínua de glicose (CGMS) e monitor em tempo real Locais alternativos de testes (LATs)

ÍNDICE

Referências

52 53 55

Capítulo 7: Tratamento medicamentoso da hiperglicemia no DM2 Princípios básicos do tratamento Insulinização no DM2 Cálculo da dose de insulina Referências Capítulo 8: Tratamento no diabetes tipo 1 Esquemas de insulinoterapia Fator de correção Situações especiais: causas de hiperglicemia matinal Referências Capítulo 9: Tratamento da hiperglicemia na gravidez Cuidados pré-concepcionais em pacientes com diabetes Avaliação inicial na paciente com diabetes que planeja engravidar DMG Referências

57 58 65 66 69 71 72 79 79 80 81 82 82 83 88


Capítulo 10: Emergências em diabetes mellitus Hipoglicemia Cetoacidose diabética Cetoacidose diabética em adultos Cetoacidose diabética em crianças e adolescentes Estado hiperglicêmico hiperosmolar não cetótico (EHHNC) Referências Capítulo 11: Tratamento da dislipidemia Metas gerais do tratamento Fármacos disponíveis para tratamento Referências Capítulo 12: Complicações renais Anormalidade na excreção de albumina Estágios da doença renal diabética Referências

101 102 104 105 107 108 110 110 111

Capítulo 13: Hipertensão arterial e doença coronariana no diabetes mellitus Hipertensão arterial Tratamento medicamentoso: princípios gerais Anti-hipertensivos disponíveis no Brasil Indicações da medida ambulatorial da pressão arterial (MAPA) Achados que sugerem hipertensão arterial secundária Indicações para testes cardíacos em pacientes com diabetes mellitus Testes para avaliação de doenças coronarianas Uso de agentes antiplaquetários no diabetes mellitus Referências

113 114 116 116 122 122 124 124 125 127

ÍNDICE

Conduta nas complicações renais

89 90 92 94 96 98 100


Capítulo 14: Retinopatia diabética Fatores de risco Esquema recomendado para exames oftalmológicos em diabéticos Classificação da retinopatia diabética Referências Capítulo 15: Neuropatia diabética Diagnóstico e classificação Acompanhamento Pé diabético Investigação da neuropatia Referências

129 130 130 131 133 135 136 143 148 151 156

Capítulo 16: Tratamento do diabetes mellitus em pacientes

ÍNDICE

internados Hipoglicemia Hiperglicemia Preparo cirúrgico - Pré-operatório Preparo cirúrgico - Perioperatório Preparo cirúrgico - Pós-operatório Referências Capítulo 17: Manifestações dermatológicas no diabetes mellitus Dermatopatias no paciente diabético

157 158 160 165 166 167 167 169 170

Patologias dermatológicas frequentes na população em geral e no diabetes mellitus Referências

176 181

Capítulo 18: Diabetes e coração: perguntas e respostas de dúvidas frequentes Perguntas e respostas sobre diabetes e coração Referências

183 184 194


Anexos Imagens - Capítulo 17

197 198

Anexo 1 - Valores de pressão arterial referentes ao percentil 90 para crianças e adolescentes

204

Anexo 2 - Classificação de sobrepeso e obesidade para crianças e adolescentes (ajuste de IMC) Anexo 3 - Orientações nutricionais (sugestões) e plano alimentar Anexo 4 - Lista de substituições dos alimentos Anexo 5 - Tabela de contagem de carboidratos Anexo 6 - Diário de automonitoração domiciliar Anexo 7 - Guia prático de cuidados para o pé do diabético Anexo 8 - Investigação de sintomas neuropáticos Anexo 9 - Protocolo de avaliação do pé Anexo 10 - Efeitos adversos associados ao uso de antidiabéticos orais Anexo 11 - Locais adequados para aplicação de insulina Anexo 13 - Tipos de insulina e tempo de ação

ÍNDICE

Anexo 12 - Cuidados na armazenagem e transporte de insulina

206 208 215 226 250 252 254 256 258 259 260 261


SIGLAS E ABREVIATURAS DO MANUAL

SIGLAS E ABREVIATURAS DO MANUAL 5HT: serotonina AACE: American Association of Clinical Endocrinology ACC: antagonista dos canais de cálcio ADA:Associação Americana de Diabetes A1C: glicoemoglobina (HbA1c) AHA: American Heart Association AIT: ataque isquêmico transitório AVC: acidente vascular cerebral BIC: bomba de infusão contínua BID: duas vezes ao dia BRA: bloqueador do receptor AT1 da angiotensina II CAD: cetoacidose diabética CGMS: sistema de monitoração contínua de glicose CHO: carboidrato CV: cardiovascular DA: dopamina DAP: doença arterial periférica DCV: doença cardiovascular DM: diabetes mellitus DM1: diabetes tipo 1 DM2: diabetes tipo 2 DMG: diabetes mellitus gestacional DCCT: Diabetes Control and Complications Trial (grande estudo clínico americano envolvendo pacientes com diabetes tipo 1) EASD: Associação Europeia para Estudo do Diabetes ECG: eletrocardiograma EDIC: Epidemiology of Diabetes Interventions and Complications (coorte de seguimento dos pacientes que participaram do DCCT) EHHNC: estado hiperglicêmico hiperosmolar não cetótico FC máx: frequência cardíaca máxima

GI: gastrointestinal GJ: glicemia de jejum GL: glicemia GPP: glicemia pós-prandial HbA1c: glicoemoglobina HCTZ: hidroclorotiazida HLA: antígeno leucocitário humano IAM: infarto agudo do miocárdio IDF: International Diabetes Federation IECA: inibidor da enzima conversora de angiotensina IMC: índice de massa corporal ITU: infecção de trato urinário LADA: diabetes autoimune latente do adulto MEV: mudança de estilo de vida MGD: monitoração glicêmica domiciliar MID: uma vez ao dia NA: noradrenalina NCEP: National Cholesterol Education Program NPH: Neutral Protamine Hagedorm PAD: pressão arterial diastólica PAS: pressão arterial sistólica PUVA: psoraleno + ultravioleta A QID: quatro vezes ao dia SBD: Sociedade Brasileira de Diabetes SC: subcutâneo SNC: sistema nervoso central TID: três vezes ao dia TOTG: teste oral de tolerância à glicose UKPDS: United Kingdom Prospective Diabetes Study (grande estudo clínico britânico envolvendo pacientes com diabetes tipo 2) VCT: valor calórico total VO2 máx: capacidade máxima de captação de oxigênio pelo corpo


Capítulo 1: Diagnóstico de diabetes Critérios para o diagnóstico de diabetes Critérios para rastreamento de diabetes na população em geral Classificação etiológica do diabetes mellitus Rastreamento de diabetes mellitus gestacional Diagnóstico diferencial de diabetes mellitus tipos 1/LADA e 2 Avaliação de autoimunidade Reserva pancreática de insulina Critérios diagnósticos de síndrome metabólica (SM) Referências

1

2 3 4 6 8 8 9 10 10 DIAGNÓSTICO DE DIABETES


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DIAGNÓSTICO DE DIABETES Veja a tabela 1.1. Tabela 1.1 Critérios para o diagnóstico de DM Condição Normal GJ alterada

Glicemia casual HbA1c***

GJ*

TOTG**

< 100

< 140

-

-

Entre 100 e

-

-

-

Entre 140 e

-

-

≥ 200 + sintomas

≥ 6,5%

125

DIAGNÓSTICO DE DIABETES

Tolerância

-

diminuída à glicose DM

199 ≥ 126

≥ 200

*Após 8 horas de jejum. **Duas horas após sobrecarga oral com 75 g de glicose anidra. ***Teste diagnóstico deve ser feito por método certificado pelo Programa de Padronização Nacional da Hemoglobina Glicada (NGSP) em relação ao método utilizado no DCCT.

Define-se como glicemia casual uma medida em qualquer horário do dia, independentemente de sua relação com a refeição. Os sintomas clássicos incluem poliúria, polidipsia ou perda de peso inexplicável. Deve-se confirmar posteriormente por qualquer um desses métodos. A confirmação é desnecessária se glicemia > 200 mg/dl com sintomas típicos. Até 30% dos pacientes com glicemia de jejum ≤ 99 mg/dl têm TOTG com glicemia elevada. A glicemia de jejum é o método de escolha para o diagnóstico de diabetes pelo menor custo, melhor reprodutibilidade e mais fácil execução. HbA1C A HbA1c foi incluída nos critérios diagnósticos de Diabetes pela ADA. A ocorrência de retinopatia nos indivíduos com HbA1c ≥ 6,5% em índices semelhantes aos encontrados nos critérios glicêmicos preestabelecidos justificou essa inclusão. As vantagens relacionadas a maior conveniência, jejum desnecessário, menor variabilidade em situações de estresse e doença se sobrepõem a algumas desvantagens do uso da HbA1c como teste diagnóstico, maior custo, menor disponibilidade, menor sensibilidade em relação à glicemia de jejum para o diagnós-


tico, correlação incompleta entre HbA1c e média glicêmica em alguns indivíduos.

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Além disso, a medida de HbA1c pode dar resultados alterados em situações como hemoglobinopatias, anemias hemolíticas, insuficiências renal e hepática graves, uso de medicamentos como salicilatos, vitaminas A e C, álcool, opiáceos, hipertrigliceridemia e hiperbilirrubinemia. Em fevereiro de 2010, a AACE e o American College of Endocrinology (ACE) se posicionaram recomendando o uso da A1c como critério adicional opcional e não como critério primário de diagnóstico. Sempre que estiver disponível, deve-se dar preferência ao critério glicêmico tradicional para o diagnóstico. Não recomendam a A1c para o diagnóstico de DM1 ou diabetes gestacional, étnicos (ex.: afro-americanos) e endossam o uso somente dos ensaios padronizados e validados para A1c. No Brasil, não existe ainda a padronização na medida da HbA1c. Portanto, são necessários avanços nesse sentido e maior análise para adoção do novo critério recomendado pela ADA. Critérios para rastreamento de diabetes na população em geral 1. Teste para pesquisa de diabetes deve ser feito em todos os indivíduos a partir de 45 anos de idade e repetido a cada três anos se o resultado for normal. 2. O teste deve ser feito em indivíduos mais jovens com IMC ≥ 25 kg/m2 que apresentem fatores de risco adicionais, como: a) sedentarismo; b) história de parente de primeiro grau com diabetes; c) membro de população étnica de alto risco (hispânicos, indianos, africanos, asiáticos); d) história de DMG prévio ou gravidez com recém-nascido pesando mais de 4 kg; e) presença de hipertensão arterial sistêmica (PA ≥ 140 x 90 mmHg); f) presença de HDL < 35 mg/dl e/ou triglicérides ≥ 250 mg/dl; g) presença de síndrome de ovários policísticos; h) HbA1c ≥ 5,7%, glicemia de jejum ou TOTG alterados previamente;

DIAGNÓSTICO DE DIABETES

chamam atenção para as alterações dos resultados da A1C em diversos grupos


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i) presença de outra circunstância associada à resistência insulínica (exs.: acantose nígrica, obesidade severa); j) história de doença vascular prévia. 3. Nas crianças e adolescentes, o rastreamento deve ser iniciado a partir dos 10 anos naqueles com IMC > percentil 85 para idade e sexo, peso e altura ou peso > 120% em relação à idade e à altura quando associado a um ou mais fatores de risco, como: a) história familiar de DM2 em parente de primeiro ou segundo grau; b) pertencer a grupos étnicos de risco;

DIAGNÓSTICO DE DIABETES

c) sinais de resistência insulínica ou condições associadas (acantose nígrica, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, síndrome dos ovários policísticos, pequeno para idade gestacional); d) história materna de DM ou DMG durante a gestação da criança. Classificação etiológica do diabetes mellitus É importante salientar que independentemente do tipo, todas as formas de diabetes podem requerer o uso de insulina em algum estágio da sua doença, portanto o uso de insulina em si não determina o tipo de diabetes. I. Diabetes tipo 1 — Destruição da célula ß geralmente causando deficiência absoluta de insulina: a) Autoimune b) Idiopático II. Diabetes tipo 2 — Pode variar de quadro predominante de resistência insulínica com deficiência insulínica relativa a um quadro com predomínio de deficiência de secreção de insulina com resistência insulínica associada. III. Outros tipos específicos 1. Defeitos genéticos da função da célula β 1. MODY1: gene HNF-4α; cromossomo 20q. 2. MODY2: gene glucoquinase; cromossomo 7p. 3. MODY3: gene HNF-1α; cromossomo 12q. 4. MODY4: gene fator promotor de insulina; cromossomo 13q.


5. MODY5: gene HNF-1ß; cromossomo 17q. 6. MODY 6: gene neuro D1; cromossomo 2q.

2. Ácido nicotínico 3. Glicocorticoides 4. Hormônio tireoidiano 5. Diazóxido

7. Diabetes mitocondrial.

6. Agonistas α e ß-adrenérgicos

8. Outros.

7. Tiazídicos

2. Defeitos genéticos na ação da insulina 1. Resistência insulínica tipo A

8. Fenitoína 9. Interferon α

2. Leprechaunismo

10. Pirimidil (Vacor®)

3. Síndrome Rabson-Mendenhall

11. Outros

5. Outros 3. Doenças do pâncreas exócrino 1. Pancreatite 2. Trauma/pancreatectomia

6. Infecções 1. Rubéola congênita 2. Citomegalovírus 3. Outros 7. Causas raras de diabetes autoimune

3. Neoplasia

1. Síndrome do “homem rígido”

4. Fibrose cística

2.Anticorpos antirreceptores de insulina

5. Hemocromatose

3. Outros

6. Pancreatopatia fibrocalculosa

8. Outras síndromes genéticas associadas

7. Síndrome de Wolcott-Rallison

a diabetes

8. Outros 4. Causas endocrinológicas

1. Síndrome de Down 2. Síndrome de Klinefelter

1. Acromegalia

3. Síndrome de Turner

2. Síndrome de Cushing

4. Síndrome de Wolfram

3. Glucagonoma

5. Ataxia de Friedreich

4. Feocromocitoma

6. Coreia de Huntington

5. Hipertireoidismo

7. Síndrome de Laurence-Moon-Biedl

6. Somatostatinoma

8. Distrofia miotônica

7. Aldosteronoma

9. Porfiria

8. Outros

10. Síndrome de Prader-Willi

5. Induzido por drogas ou tóxica 1. Pentamidina

11. Outros IV. DMG

DIAGNÓSTICO DE DIABETES

4. Diabetes lipoatrófico

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Rastreamento de diabetes mellitus gestacional Fatores de risco • Idade superior a 25 anos. • Sobrepeso, obesidade ou ganho excessivo de peso na gravidez atual. • História familiar de diabetes em parentes de primeiro grau. • Membro de grupo étnico de alto risco. • Síndrome de ovários policísticos. • Crescimento fetal excessivo, polidrâmnio, hipertensão ou pré-eclâmpsia na gravidez atual.

DIAGNÓSTICO DE DIABETES

• Antecedentes obstétricos de morte fetal ou neonatal, macrossomia ou diabetes gestacional. O rastreamento de diabetes gestacional deve ser feito em todas as gestantes, independentemente da presença ou não de fatores de risco. A medida da glicemia de jejum deve ser feita na primeira consulta. Caso isso ocorra antes da 20a semana de gravidez, nos casos negativos, deve-se repetir a glicemia de jejum entre a 24a e a 28a semana (Figura 1.1). Glicemia de jejum — Primeira consulta < 85 mg/dl

≥ 85 mg/dl

Glicemia de jejum entre 24a e 28a semana

Rastreamento positivo

< 85 mg/dl

≥ 85 mg/dl

Rastreamento negativo*

Rastreamento positivo

Pode-se repetir no 3o trimestre em pacientes de alto risco.

Figura 1.1. Rastreamento de DMG. Em caso de GJ ≥ 110 mg/dl, pode-se confirmar o diagnóstico imediatamente, com a repetição desse resultado em outro exame ou por meio de TOTG 2 horas pós-75 g (Figura 1.2).


7 Rastreamento positivo GJ 85 – 109 mg/dl

GJ ≥ 110 mg/dl Repetir GJ prontamente

TOTG 75 g, 2 h Entre 24a e 28a semana

GJ ≥ 110 mg/dl GJ ≥ 110 mg/dl ou 2 h ≥ 140 mg/dl

Teste negativo

Diabetes gestacional

Diabetes gestacional

Figura 1.2 Rastreamento positivo para DMG. Controvérsias em relação a rastreamento e diagnóstico do DMG ainda persistem. Os critérios utilizados pela ADA e a Organização Mundial da Saúde (OMS) são amplamente usados. A avaliação é feita entre a 24a e a 28a semana de gestação. O teste em duas etapas é utilizado especialmente nos Estados Unidos: glicemia após uma carga oral de 50 g de glicose; se valores ≥ 140 mg/dl (ou 130 mg/dl), deve-se realizar TOTG de 75 ou 100 g em dia subsequente (Tabela 1.2). Tabela 1.2 - Critérios diagnósticos para DM gestacional – ADA, OMS e SBD OMS ADA* Carga oral de 100 g Carga oral de 75 g Carga oral de 75 g de glicose de glicose de glicose SBD

Jejum

95

95

Uma hora

180

180

ou

Duas horas

155

155

≥ 140

Três horas

NA

140

NA

≥ 126

* Duas ou mais concentrações plasmáticas venosas atingidas para um diagnóstico positivo. NA: não aplicável.

DIAGNÓSTICO DE DIABETES

GJ < 110 mg/dl 2h < 140 mg/dl


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Diagnóstico diferencial de diabetes mellitus tipos 1/LADA e 2 Estima-se que cerca de 20% dos pacientes diagnosticados como DM2 têm, na verdade, LADA. Pode-se estabelecer como critérios diagnósticos de LADA: idade no diagnóstico entre 25 e 65 anos; ausência de CAD ou hiperglicemia acentuada sintomática no diagnóstico ou imediatamente após, sem necessidade de insulina por pelo menos 6 a 12 meses (diferenciando do DM1 do adulto); presença de autoanticorpos (especialmente GADA, diferenciando do DM2). Avaliação de autoimunidade

DIAGNÓSTICO DE DIABETES

Indicações da dosagem de autoanticorpos: • diferenciação de DM1 de origem autoimune ou idiopática; • diferenciação entre DM1/LADA e DM2; • estimar o risco de DM1: somente em indivíduos de alto risco, no contexto de estudos de pesquisa clínica (Tabela 1.3). Tabela 1.3. Dosagem de autoanticorpos Anticorpos

Descrição

AC anti-ilhota (ICA) Anticorpos (Ac) policlonais tipo IgG que reagem com todos os componentes da ilhota. Anti-GAD e IA2 são subfrações presentes em 60% a 90% dos DM1 recém-diagnosticados. Anti-GAD (descarboxilase

Presentes em 80% dos pacientes com DM1, mantendo-se do positivos em até 50% após 10 anos de diagnóstico. Sua po-

ácido glutâmico)

sitividade é forte preditor de diagnóstico futuro de DM1. Exame de escolha para rastreamento e confirmação de autoimunidade como causa do DM.

Anti-IA2 (antígeno 2 Ac contra tirosino-fosfatase IA2/ICA512. Presente em de insulinoma)

60% dos casos ao diagnóstico.

Anti-insulina (IAA)

Presente em 50% dos pacientes menores de 5 anos de idade com diagnóstico recente. Deve ser dosada antes da terapia insulínica. Tem pouco valor após 10 anos de idade.

No início do diagnóstico, quase a totalidade dos pacientes com DM1 apresenta múltiplos anticorpos contra antígenos das ilhotas. A dosagem de GAD +


IA2 ou GAD + IAA identifica cerca de 85% dos pacientes com DM1, prevendo o

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desenvolvimento futuro com mais de 95% de especificidade. IAA pode preceder os outros anticorpos, devendo ser dosada com estes em crianças menores de 10 anos. O aumento da suscetibilidade também se relaciona à presença dos genótipos do HLA-DR DQ, e mais de 90% dos pacientes com DM1 têm HLA-DR3 e/ou DR4. Por outro lado, genótipos incluindo HLA-DR11 ou DR15 conferem proteção.

Diagnóstico de diabetes (hiperglicemia)

IMC < 25

IMC > 25

Dosagem de anticorpos

Dosagem de peptídeo C + insulina/de jejum

Positiva

Negativa

DM1 ou LADA

Dosagem de peptídeo C + insulina jejum Alta DM2

Alta

Baixa

Baixa

DM2

Dosagem de anticorpos Negativa

DM1 idiopático ou MODY

Positiva DM1 ou LADA

Figura 1.3 Diagnóstico diferencial de DM1, LADA e DM2.

DIAGNÓSTICO DE DIABETES

Reserva pancreática de insulina • Dosagem de peptídeo C e pelo teste de tolerância à glicose endovenosa. São utilizados na diferenciação dos tipos de diabetes e podem auxiliar na escolha do tratamento do DM tipo 2 entre insulina ou secretagogos. • Teste de tolerância à glicose endovenosa (GTTev): avalia a primeira fase de secreção da insulina. Deve ser realizado após 3 dias de ingestão de pelo menos 150 g de carboidrato por dia. É infundida a quantidade de 0,5 g/kg (máximo de 35 g) de glicose em solução a 25% em 3 minutos. Amostras de sangue são colhidas 10 e 5 minutos antes e 1 e 3 minutos após a infusão. A soma das insulinas no 1o e 3o minuto após a infusão menor que 48 U/ml sugere insuficiência das células beta e indica alto risco de evolução para diabetes (Figura 1.3).


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Critérios diagnósticos de síndrome metabólica (SM) Há diversos critérios diagnósticos para a SM, que se constitui num conjunto de fatores de risco cardiovasculares, sendo frequentemente encontrada em pacientes com DM e obesos, já que o fenômeno subjacente básico é a resistência à ação da insulina. Os pacientes com SM apresentam o dobro do risco de desenvolver DCV nos 5 a 10 anos seguintes e o quíntuplo de DM quando comparados aos indivíduos sem a síndrome (Tabela 1.4). Tabela 1.4. Critérios diagnósticos para SM IDF/AHA/NHLBI* Critérios**

Ponto de corte

DIAGNÓSTICO DE DIABETES

Aumento da circunferência Definição de acordo com população e país abdominal

específico. Sul-americanos: ≥ 90 cm (homens) e ≥ 80 cm (mulheres)

Elevação de triglicérides ou ≥ 150 mg/dl tratamento específico Redução de HDL

< 40 mg/dl (homens); < 50 mg/dl (mulheres)

Aumento da pressão arterial PAS ≥ 130 mmHg e PAD ≥ 85 mmHg ou tratamento específico Aumento da glicemia de jejum ≥ 100 mg/dl * NHLBI: National Heart, Lung and Blood Institute. **A presença de pelo menos três critérios define o diagnóstico.

Referências 1. AACE/ACE statement on the use of A1c for the diagnosis of diabetes. Disponível em: <http://www.aace.com>. Acessado em: 12/02/2010. 2. Alberti KGMM, Eckel RH, Grundy SM, et al. Harmonizing the metabolic syndrome. A joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation. 2009;120:1640-5. 3. Bennett PH, Knowler W. Definition, diagnosis and classification of diabetes mellitus. In: Joslin’s diabetes mellitus. 14. ed. Boston: Lippincott Williams, 2005. 4. Bingley PJ. Clinical applications of diabetes antibody testing. J Clin Endocrinol Metab. 2010; 95(1):25-33. 5. Diagnosis and classification of diabetes mellitus. Diabetes Care. 2010;33(suppl. 1):S62-69.


6. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2009. Sociedade Brasileira de Diabetes. 3. ed. São Paulo: AC Farmacêutica, 2009. 7. Eisenbarth GS, Polonsky KS, Buse JB. Type 1 diabetes. In: Willians textbook of endocrinology. 10. ed. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2003. 8. Reichelt AJ, Oppermann MLR, Schmidt MI; Grupo de Trabalho em Diabetes e Gravidez. Recomendações da II Reunião do Grupo de Trabalho em Diabetes e Gravidez. Arq Bras Endocrinol Metab. 2002;46(5):574-81. 9. Standards of Medical Care in Diabetes – 2010. Diabetes Care. 2010;33(suppl. 1):S11-S61. 10.The DECODE Study Group. Glucose tolerance and mortality: comparison of WHO and American Diabetic Association diagnostic criteria. Lancet. 1999;354:617-21.

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DIAGNÓSTICO DE DIABETES




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