LIVROS:
FR E N E T VE SO R
Transpor um dos maiores
P UBLICAÇ ÃO P O LÍTICO -C ULTURAL, GASTRO NÔ M ICA E LITE RÁRIA D E ARM AÇ ÃO D O S BÚZIO S
romances da literatura brasileira do século XX para outro formato é um desafio. Quan-
FEVEREIRO 201 9
do se trata de um universo como o de João Guimarães
#007
Rosa, o objetivo é que a adaptação mantenha a riqueza de Grande Sertão: Veredas apontando novas possibilida-
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des de leitura. - PG 04
ENTREVISTA:
Abigail Vasthi Schlemm é mesmo pura poesia. Seja nos textos ou nos quadros, sua obra jorra a dimensão poética a qual ela própria parece tratar como forma máxima de viver a vida. - PG 08
EDITORIAL:
Os soluços da rainha eram ouvidos por todo o castelo. Seu choro
permeava a água inteira do oceano, lamento salino que amaciava a velocidade dos peixes e colocava as marés em alerta. O castelo estava no fundo mais fundo do abismo submarino, encrostado lá onde o mundo começa, no destino de todos os rios, córregos e correntes que deságuam. - PG 02
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EDIÇÃO 007 – ANO 01 – FEVEREIRO 2019
EDITORIAL
traços & troços MATTIAS
Chargista
PEIXES ESTRANHOS De dentro do quarto, os soluços da rainha eram ouvidos por todo o castelo. Seu choro permeava a água inteira do oceano, lamento salino que amaciava a velocidade dos peixes e colocava as marés em alerta. O castelo estava no fundo mais fundo do abismo submarino, encrostado lá onde o mundo começa, no destino de todos os rios, córregos e correntes que deságuam. O choro da rainha deixava apreensivas as súditas, que nadavam com pressa pelos salões e pátios centrais, acudidas pelo não sei o quê daquela tristeza. O que tem a mãe suprema? O que lhe aperta o peito? Por que se fere, por que se desmancha, junto com cada coração do mundo? Era final de janeiro, nos idos de 2019, quando o calor amava o hemisfério sul e a neve dormia em silêncio no extremo norte. No mundo das terras, as notícias eram de guerras e muros entre os povos, de ganâncias e perversões em nome de ouro e petróleo, de famílias refugiadas no encalço da fome, do pão repartido entre os lucros dos poucos, da febre, do ódio, da intolerância semeada em muitos países. Mas nada disso atrapalhava ainda o sono da rainha, com seus cabelos quilométricos a flutuar pelas correntezas. Dia após dia, noite após noite, no alto de sua torre submersa, ela sorria amorosa para cada alma de gente que se banhasse nos panos dos mantos das suas baías e cachoeiras. Agora, o seu choro tumultuava todas as águas do planeta. Quando as súditas chegaram ao quarto, a rainha se curvava em joelhos na quina de uma das paredes de corais. As mãos sobre o rosto, no cair do desencanto sobre as franjas, a esconder a pérola dos seus olhos. Foi colocada de volta a planar sobre o leito, rodeada pelas assessoras que seguravam, com doçura, os mil véus de seu vestido. E foi assim, sob a escuta atenta de todas, que a rainha começou a falar sobre o sonho que teve. Sonhou com o nascimento de um rio novo, em um país chamado Brasil, em um estado chamado Minas Gerais, em meio a belas montanhas verdes, no ribeirinho de um povo doce e amoroso em sua simplicidade.
As súditas não compreenderam como a mãe grande poderia cair de si tão triste com o nascimento de um rio. Parecia um sonho tão lindo. Então a rainha disse que o novo leito das suas visões não tinha as águas translúcidas do azul que a vestia. O novo rio, criado por alguns homens naquela parte do mundo, era de um cinza marrom escuro, feito plástico derretido, com cheiro de morte, concreto e maldade, correndo sobre tudo o que encontrava no caminho. Suas torrentes não eram caudalosas como as das quedas d’água, mas viscosas como o pus das feridas, ondulando como o estouro da gangrena a deslizar no ritmo horrível de uma corrosão. Uma massa podre derretida, um carrossel de dejetos a girar por cima de si enquanto engolia as cores vivas de um dia bom. Um avançar de tragédia. Os peixes daquele rio não eram como os outros que se conhece. No seu interior endurecido nadavam, em meio a escuridão, crianças que procuravam juntas o pai que saiu para trabalhar e não voltou nunca mais para casa. O que se movia naquela profundidade era um noivo desolado a segurar nas mãos a imagem da sua amada que estava ali desaparecida para sempre. Mães que gritavam em vão o nome de seus filhos, no eco surdo e inútil da lama.
QUE PAÍS É ESSE??? Verso em frente DUDU PERERÊ
Poeta
O QUE NÃO É NATUREZA? Gente que come planta Gente que come bicho Pergunto onde vai caber tanto lixo. Mó responsa! Tá lotado o coletivo A crise é nós O momento é trágico Agora elogio para flor é: -Nossa! Parece de plástico!
Os peixes eram as palavras de amor ditas e não ditas entre amigos que não tiveram a chance de um último adeus. Eram os planos de vida interrompidos, os aniversários não comemorados, as promessas que não tiveram tempo de ser cumpridas. A vida daquele rio era a eterna lembrança de uma morte, a torturar quem chora às suas margens. Ao fim da revelação, as súditas também se desmanchavam todas em lágrimas. Como era forte e assustadora a imagem de um rio de morte como esse. Juntas, deslizaram as mãos sobre as pálpebras da grande mãe, esconderam o brilho dos seus olhos e a fizeram descansar novamente. Dorme rainha, dorme que a vida é nada. Dorme, que como diz o poeta, tudo é vão.
EXPEDIENTE FRENTE E VERSO É UMA PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS. JORNALISTA RESPONSÁVEL: Artênius Daniel - Contra Regras (DRT/MG 08816JP) COLUNISTAS: Alexandre Santini, Bento Ribeiro Dantas, Dudu Pererê, Gessiane Nazario, Gustavo Guterman, Hamber Cannabico Carvalho, Hélio Coelho, Leandro Araújo, Léa Gonçalves, Luisa Barbosa, Manolo Molinari, Maria Fernanda Quintela, Roberto Campolina, Sandro Peixoto, Sheila Saidon, Tiago Alves Ferreira, Tonio Carvalho. CHARGE: Mattias. REVISÃO: Maria Cristina Pimentel TIRAGEM: 3.000 – Distribuição gratuita PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Vinicius Lourenço Costa - Vico Design ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO: Contra Regras Produção e Comunicação ENDEREÇO: Feira Livre Periurbana de Búzios, Praça da Ferradura, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 FALE COM A FRENTE E VERSO: frenteverso@contraregras.com.br
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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
Educação
AURORA NA
UNIVERSIDADE Acordai homens que dormis a embalar a dor dos silêncios vis vinde no clamor das almas viris arrancar a flor que dorme na raíz
Em 1995 o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos alertava que a universidade vivia três grandes crises: 1- uma crise de legitimidade, resultado da impossibilidade da maioria da população, ou seja, da classe que vive unicamente do seu trabalho, ter acesso ao conhecimento nela produzido; 2- uma crise institucional, resultado da perda de prioridade da universidade pública entre os bens públicos produzidos pelo Estado e a sua consequente descapitalização e desidratação financeira, com causas e consequências que variaram de país para país, mas que seguiram a mesma lógica mercantilista. 3- uma crise de hegemonia, ligada por um lado à produção de alta cultura voltada à formação das elites intelectuais e econômicas e, por outro, à sua incapacidade de formar o povo, levando o Estado e os agentes econômicos a procurarem fora da universidade alternativas para a produção de conhecimentos instrumentais, úteis na formação da mão de obra exigida pelo capitalismo. Neste primeiro aspecto da crise, a universidade não se legitima na sociedade porque não acolhe a própria sociedade que a hospeda. No segundo, a educação coisifica-se e torna-se uma mercadoria como
outra qualquer (até voucher). Na terceira, ela perde referência como pólo de informação e de explicação do mundo. Mais de uma década depois, a análise de Boaventura torna-se ainda mais evidente e complexa. O autor reafirma que a perda de prioridade da universidade pública e das políticas públicas em geral, devido ao fortalecimento da lógica neoliberal, gerou novos fenômenos: a ascensão de partidos conservadores na Europa e nos EUA; o isolamento progressivo dos partidos comunistas e a descaracterização política dos partidos socialistas; a transnacionalização da economia e a sujeição dos países periféricos às exigências do capitalismo mundial e suas instituições (como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional). O autor defende que a única maneira de enfrentar este tipo de globalização neoliberal é contrapor-lá a um modelo de globalização alternativo, contra-hegemônico, vindo dos de baixo. Uma reforma da universidade que vise sobretudo responder positivamente às demandas sociais, fato que só pode ser possível através da democratização radical dela. Por isso, é urgente empenhar-se
Acordai raios e tufões que dormis no ar e nas multidões vinde incendiar de astros e canções as pedras do mar o mundo e os corações
*
Acordai acendei de almas e de sóis este mar sem cais nem luz de faróis...
Música: Fernando Lopes Graça Letra: José Gomes Ferreira
LUISA BARBOSA
Professora doutora de filosofia e sociologia do C. M. Paulo Freire e do C. E. João de Oliveira Botas
numa mudança que garanta a sua popularização, que a conecte com a sociedade e que faça com que assim, a sociedade se reconheça nela. É preciso uma “extensão reversa”, conceito que considera os saberes populares produzidos socialmente como fonte legítima de conhecimento e que leva em conta a disputa da comunidade pelos saberes científicos que são ensinados dentro da universidade. Uma troca fundamental que reconecta universidade e povo. Saberes da ciência e da prática. Conhecimento científico com conhecimento fresco e vivo, azeitado no cotidiano social.
português Fernando Graça, acordarem e acenderem de almas e de sóis este mar sem cais, sem luz, nem faróis. O mundo é de quem o constrói. Tomemos-o nas calejadas mãos.
* Aurora é o nome da filha dos mui queridos André e Flavinha, que tanto lutaram e lutam pela universidade pública e que com coragem e com Aurora, anunciam a esperança de um mundo novo. Uma vida linda a ela.
A universidade pública deve repensar seu papel na definição e resolução coletiva dos problemas que a cerca. Mas isso só será possível quando o povo - que vive na carne esses problemas - estiver dentro dela. Só mesmo quando homens e mulheres, como diz a música do
Biblioteca Pública Municipal Francisca Maria de Souza Funcionamento: segunda-feira a sexta-feira de 8h às 17h Praça da Ferradura s/n, Ferradura, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil CEP 28950-000 Fone (22) 2623-2510
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EDIÇÃO 007 – ANO 01 – FEVEREIRO 2019
CRÔNICA BUZIANA SANDRO PEIXOTO
Empresário e jornalista
A POBREZA DA NOSSA GRANDE MÍDIA Foi meu amigo Clemente Neto, quem alertou: nesse momento grave de nossa politica, que falta fazem homens como Nelson Rodrigues, Otto Lara Resende, Fernando Sabino e tantos outros grandes jornalistas e escritores brasileiros. Com o país em ebulição, resta a patuleia se engasgar com as besteiras dos atuais jornalistas/ comentaristas políticos (que segundo Mino Carta, no Brasil os jornalistas são piores que os patrões) ou, pior ainda, se informar via mídia social que na verdade desinforma e confunde. Ter que aturar as besteiras do Gerson Camarotti, as elucubrações diatópicas do Merval Pereira ou as previsões econômicas da Mirian
Leitão que jamais se realizam é de doer. Isso para falar apenas do grupo Globo, que quase monopoliza as informações. Com raras exceções (e aqui abro parênteses para Jânio de Freitas e Clovis Rossi- ambos do jornal Folha de São Paulo), em geral o jornalismo que se pratica hoje no país é acima de tudo ideológico - a demonização do pensamento de esquerda via extinção do PT - quase uma regra nas principais redações. Para o leitor comum, fica a armadilha: ou se envenenar com a grande mídia ou se desinformar com as redes sociais. A democratização dos meios na verdade piorou a qualidade da informação. As redes so-
tempo” acompanhamos o já conhecido detetive Mario Conde em seu oitavo caso, o desaparecimento de uma estátua de uma virgem negra.
LIVROS
TIAGO ALVES FERREIRA Produtor cultural
A transparência do tempo Autor: Leonardo Padura Editora: Boitempo Páginas: 373 O passado remoto e o presente imediato se entrelaçam neste novo romance do escritor cubano Leonardo Padura. Em “A transparência do
Às vésperas de completar sessenta anos, cético em relação a seu país, Mario Conde assiste ao encolhimento da oferta de livros usados, cuja revenda vinha sendo seu ganha-pão dos últimos tempos. É então que um ex-colega de escola o procura e lhe oferece trabalho: recuperar a estátua de uma virgem negra que lhe fora roubada. Com o desenrolar das buscas, Conde vai percebendo que a peça é muito mais valiosa do que imaginava, tendo suas origens nos Pireneus catalães, de onde fora trazida por um jovem em fuga da guerra civil. Paralelamente, em capítulos intercalados, o autor retraça a história desse jovem e as lendas que envolvem a escultura, tendo como pano de fundo a zona rural da Catalunha, desde a Idade Média até os dias de hoje. Ao buscar a imagem da santa negra pelas ruas de Havana, Conde vaga entre dois polos de um mesmo país: o submundo dos cortiços, do tráfico de drogas e da vida precarizada e o rico ambiente dos colecionadores e galeristas envolvidos em contrabando e venda ilegal de obras de arte. Permeando esses dois mundos, o catolicismo e a santería, sincretizados, e o passar infindável do tempo.
ciais transformaram todo mundo em jornalista e em leitor. Pena que nesse mundo sem controle, o que se publica e o que se retuita pouco ou nada tem de notícia e sim de boatos e fofocas sem base e sem responsabilidades.Fotos manipuladas, gráficos inventados, documentos falsos e textos apócrifos (quando não colocado em nome de alguém famoso que jamais escreveu tal coisa) são as principais fontes de informação da maioria hoje em dia.
ar. O sujeito abre uma conta no facebook e no mesmo instante começa a falar mal da China. Dos produtos chineses como se aquele país ainda fosse apenas fornecedor de produtos baratos. Mal sabem esses analfabetos que por dois mil anos, 200 anos antes do nascimento de Cristo, a China era a maior potência do mundo. Eles tinham a população, mais de 100 milhões de pessoas e a maior economia. Os bajuladores dos americanos, no entanto, cismam em diminuir o tamanho do gigante asiático. E nem é por preconceito e sim por desinformação mesmo.
Gente que se sente informada e, portanto, digna de opinar sobre a taxa de juros do Banco Central, da eterna crise entre judeus e palestinos ou mesmo sobre energia nucle-
Como nossos jornalistas não detém o respeito dos leitores (eu mesmo não respeito a maioria; de alguns tenho asco) resta apenas as opiniões dos grupos do whatsApp para satisfazer a necessidade de notícias da maioria. Tivéssemos ainda o Carlos Heitor Cony, Alberto Dines, Fritz Utzeri e tantos outros. Decerto ainda teríamos muita desinformação e informação com pouca ou nenhuma qualidade. Mas, para quem gosta de ler um bom texto, quem só se satisfaz com opiniões profundas e balizadas jornalistas, escritores e comentaristas de qualidade fazem muita falta.
Grande Sertão: Veredas - Graphic novel Autor: João Guimarães Rosa Roteiro: Eloar Guazzelli Arte: Rodrigo Rosa Páginas: 180
para um interlocutor desconhecido. O roteiro, em formato de storyboard, serviu como base para a arte de Rosa, que enriqueceu a proposta inicial com cenários impressionantes e uma rica paleta de cores.
Transpor um dos maiores romances da literatura brasileira do século XX para outro formato é um desafio. Quando se trata de um universo como o de João Guimarães Rosa, o objetivo é que a adaptação mantenha a riqueza de Grande Sertão: Veredas apontando novas possibilidades de leitura. A graphic novel conta com roteiro do artista plástico e diretor de cinema Eloar Guazzelli e arte do premiado quadrinista Rodrigo Rosa.
Grande Sertão: Veredas – Graphic novel celebra a obra-prima de Guimarães Rosa e convida os admiradores de sua obra a redescobrir um dos títulos mais importantes da nossa literatura.
Após uma imersão e várias releituras do clássico, Guazelli selecionou trechos que funcionaram como diálogos e preservaram a fala de Riobaldo, protagonista que conta sua história O lagarto Autor: José Saramago Ilustrados: J. Borges Editora: Companhia das Letrinhas Páginas: 32 Você acredita em fadas? Não? Então como explicar a história deste lagarto gigante que surgiu de repente no meio da rua, espalhou o caos entre os moradores da cidade e, no auge da confusão... Melhor não contar, mas garanto que uma coisa impressionante aconteceu! O que será? Convido você a descobrir - e depois ter coragem de reafirmar que continua não acreditando em fadas.
PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
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Teatro
A/DEUS ÀS ARMAS TONIO CARVALHO
Autor, ator e diretor teatral
De sem saber como Me armei de poetar. Sendo Erê. Curumim. Piá. Me armei de varandas e quintais Em ruas de barro. Me armei De barro encante. Das perdas sofridas, guri, ainda garoto Me armei de ser palhaço Em bloco de sujo. De tamanco nos paralelos da avenida. Carnaval de rua suburbana. Desenvolvi de corpo. Porém menino me fiz forte, fraco, Sem saber até saber Que ninguém é de ferro Ou de aço, palhaço! Me armei de ser fogueteiro, folguei, Em noites de luas em junhos. Em brasas de amor Me arrumei. Me armei. Em escolas públicas fui rei: deseduquei do óbvio, Reneguei credos, desacreditei, escandalizei. Chutei o pau da barraca. O meu, armei. Fiz meinha, cada coisa, gozei. Daí... Desandei pelas quebradas da vida. Amei, amei, armei. O passageiro e o incondicional. De sem saber como Me armei na arena de um teatro Das armas da arte de um palco e seu poder. Não mais deixei de ser reverente A seus mistérios. Magias e fantasmagorias. Destarte armei de ser aprendiz Das artimanhas de bem querer. Armei de cuidar de mãe, irmãs, amigos Amores até o fim De suas dores. Até quando o retorno da semente Se faça eterno sob a terra. Armei redes de embalar sonhos, Devaneios, delírios, fantasias de me amarrar. Armei: A vida tem cirandas e ciladas. Aprendi: Armei de ser desarmado De desnecessidades...ódios, rancores Invejas, ciúmes, desamores, cobiças, iras. Armei de bem quereres e fazeres. Gentilezas. Armei de sentir a meu lado, o poeta, em p(P)essoa, A sussurrar “que tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Armei de reverenciar A língua portuguesa, proezas Num caldeirão, alambique, cumbuca, alguidar Belezas de uma gororoba, um pirão afrodisíaco De tupis, árabes, nagôs, iorubás, guaranis. Armei de amar o meu país, Armei de amar seus mares, cascatas, luares, Todos os lugares. Armei de amar os garrinchas Que brotam a cada dia Em tapetes de mato e barro, em alquimia.
E em suas tatuagens, as garatujas, gravuras, pinturas De suas vidas de fome, frio e sede. Armei de chorar suas inocências Perdidas Em balas de sangue. Armei de tratar a terra Com a delicadeza armada Nos olhos e nas mãos. Plantei. Armei de cuidar dos renegados E dos invisíveis: Armei de ser um negro sem ser Um índio sem o saber Um branco sem deixar de ser. Aprendi de não ser. Armei de tudo e nada querer além de viver Armado para o saber. Dou “Gracias a la vida!”: As armas que porto, tenho e possuo têm outro poder de fogo. Não matam. A arte é arma nuclear que jamais explodirá. Nem se apagará. Obituário: “Pensar é um dos maiores prazeres da Humanidade!” Em “Galileu Galilei”, obra máxima de Bertold Brecht.
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EDIÇÃO 007 – ANO 01 – FEVEREIRO 2019
CIDADE
PELA QUALIFICAÇÃO DAS ÁREAS PÚBLICAS De todos os espaços da cidade, os mais importantes sem dúvida são suas áreas públicas, grandes áreas livres, lugares de encontro e palco de múltiplas atividades, culturais, sociais, e econômicas, nessas áreas, sejam ruas, calçadas, praças, parques, etc... é por onde circulamos e percebemos a cidade, o tratamento que recebem formam sua identidade as diferencia das demais. Como em Curitiba com seus parques e estações tubulares de transporte coletivo, ou os jardins da cidade de Gramado A partir da década de 1970, com o crescimento da preocupação ambiental em escala global, e a crescente
urbanização, assistimos a uma valorização crescente dos espaços livres e áreas verdes da cidade, um apelo por uma qualidade de vida cada vez mais associada a pratica de esportes, a vida ao ar livre e o contato com a natureza. Essa nova demanda pode ser mais percebida nos países desenvolvidos, onde provocou uma mudança de modelo urbanístico, inclusive como estratégia de promoção das cidades, oferecendo a população espaços públicos de qualidade, cada vez mais agradáveis e sofisticados, onde os pedestres foram valorizados, e houve a facilitação da mobilidade não motorizada, as implicações foram posi-
tivas, como o aumento de pessoas, e sua permanência por mais tempo nas ruas e demais áreas públicas, aumentando sua força e vitalidade. Aqui em Búzios, as estratégias de melhoria das condições urbanas tem desafios que precisam ser superarados, questões básicas como o saneamento devem ser priorizados, sem deixar deixar de lado porém, outros problemas visíveis, como os excessos cometidos pela atividade comercial, que vem gerando desequilíbrio as funções da cidade, quando restringem ou constragem a livre circulação de pessoas, como é o caso dos bares, que espalham um excessivo número de mesas e cadeiras sobre as calçadas e também nas praias, além de toldos e letreiros, cada vez
ROBERTO CAMPOLINA Mestre em Arquitetura Paisagística (UFRJ)
maiores, que provocam alterações negativas a paisagem urbana. Valorização e qualificação dos espaços públicos, é o principio que precisamos aplicar em nossa cidade, Búzios como poucos lugares tem a potencialidade de interação entre os ambientes urbanos e naturais, fazendo de nosso cotidiano uma vivencia agradável. Porém a cidade se ressente de maiores investimentos na construção de calçadas, ciclovias, praças, jardins, mobiliário urbano, etc... afim de criar ambientes criativos e convidativos, que melhorem a paisagem urbana e a qualidade dos espaços públicos, elevem a auto estima de moradores, e promovam positivamente a cidade aos milhares de turistas que nos visitam todos os anos.
Ar dos Búzios
RECOMEÇAR Começo esta coluna revoltada. E já vou logo avisando, é a última vez. Acabou, chega. Cortei a onda agora. Me recuso a escrever outra vez sobre um amigo que se foi. Recentemente foram vários... e tão nossos... André Urso, Marcelo Lartigue, Aníbal, Mário Jorge, Isac Tillinger, Mizoca. Búzios muda bastante sem eles. Parou, chega! O Gustavinho é o último. Não podia deixar de lhe render esta homenagem. Nosso querido Gustavo Henrique de Medeiros, que merda!
Onde você foi arranjar essa ideia de morrer aos 55 anos?
nos estratégicos de verão, que nunca vemos ser feitos.
Nascido com o jornalismo no sangue, Gustavinho apresentava mais dois defeitos, era botafoguense e workalchoolic. Gostava do work e do alchoolic, como todo bom jornalista.
Isso tem 27 anos! Haha... o melhor pôr do sol era no bar da Beth e do Julinho no Canto Esquerdo de Geribá, e o bar mais frequentado era no bazar do Ceceu onde o antigo jornalista esportivo Oscar Eurico, e os pescadores Bambu e Samuca estavam todo final de dia, com Gustavinho entre eles.
Nos conhecemos no melhor tempo de Búzios que já vivi, quando a cidade tinha apenas uma câmera, mas em muitas mãos, e um milhão de ideias fervilhando nas telas das salas de jantar dos lares buzianos. Era a TV Búzios em todo o seu esplendor, e Gustavinho estava lá, microfone aberto e a palavra sempre pronta. Estava lá quando a TV encabeçou brigas ecológicas que nos garantem a existência de praias como Azeda e locais como a Ponta da Lagoinha, e estava lá também quando se criou projetos que hoje ainda primariam pela sua atualidade de tema, como o “Consciência Urgente” e “SOS Região dos Lagos”... incrível! Seriam excelentes nomes para atuais pla-
Primeiro assessor de imprensa da Prefeitura de Búzios (1997), inventou o setor do zero, e só começou a receber salário depois de alguns meses de serviço, quando Erieldo, motorista do prefeito Mirinho Braga, avisou que Gustavinho ainda não tinha nomeação. Isso é a cara de Búzios. Por ser uma grande pessoa de estatura bem pequena, Gustavinho sempre viveu entre superlativos. Nos presenteou com a grande figura que é Caio, agora um rapaz de 18 anos, e com a grandeza de seu tra-
MARIA FERNANDA QUINTELA
Jornalista
balho, sempre buscando contribuir de alguma forma com algo mais que apenas a notícia. Abusando de seus extremos, também nos deixou rápido demais. Podia ter ficado mais um pouco... fazia parte do grupo seleto dos que conseguem realmente ficar em Búzios. Já tinha escapado da força do vento leste que de tempos em tempos espalha pra longe quem não merece viver aqui. Neste fim de história vem do rádio o tom e o único caminho possível, “a orquestra nos espera, por favor, mais uma vez, recomeçar”... e desta vez sem o Gustavinho. Fui ...
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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
Roda Cultural do C.U.B. Coletivo Urbano Buziano
CircoLo Social
@coletivourbanobuziano
Educar e transformar
Estrada da Usina Velha, nº 179, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 @SocialCircoLo
BAMBUZAL
PASSADO (ANTITEMPO)
HÉLIO COELHO FILHO Professor de Tai Chi
“O tempo, propriamente dito, não existe (excepto o presente como limite), e, no entanto, estamos submetidos a ele. É esta a nossa condição. Estamos submetidos ao que não existe” - Simone Weil, em A Gravidade e a Graça (Ed. Martins Fontes) “Tempo Rei, óTempo Rei, Ó Tempo Rei, transformai as velhas formas do viver” - Gilberto Gil
Havíamos acordado e preparava-nos para ir. Simplesmente ir, sem saber onde parar. O sol já escondia de nossos olhos o brilho das estrelas que contemplávamos com interesse desinteressado por várias noites (muitas já nem existiam mais). A cor azul tomava conta do infinito.
Depois de algumas curvas e grandes retas, e antes de outras tantas curvas e retas, chegamos a algum lugar. Uma parada. Um lugar comum. Imóvel.
Entramos no automóvel e executamos o despercebido malabarismo sincrônico de pés e mãos ao ligar o veículo, segurar o volante, apertar a embreagem e acelerador, controlar o freio e passar a marcha – o cotidiano “despremiza[1]” os detalhes. Fomos em frente naquela estrada quieta (sabe tanto, tanta coisa já passou por ela que passariam gerações até que ela contasse apenas parte das histórias. Decidira, então, ficar muda). Como tudo é dinâmico, não só as coisas passavam pela estrada – a estrada também passava pelas coisas, pelos lugares, pelos bichos e pelas pessoas (pois as pessoas não são mais bichos – já perderam o encanto).
Descemos e fomos para um outro ritual menosprezado pelos dias corridos: pisar o chão. Embora não seja mais que uma série de átomos aglomerados, energia condensada e organizada de tal forma que passe a impressão de algo firme, o chão está ali: bem aqui. Pousamos nossos calcanhares e fomos transferindo lentamente o peso do corpo sobre os arcos e planta dos pés. Após um equilíbrio fantástico permitido pela total harmonia – ah, nem tanto! - entre ossos e músculos, auxiliados por ligamentos, tendões, fáscias e articulações, fomos alcançando com certa facilidade a postura ereta – postura esta, que levamos milhares de anos para adquirir, segundo alguns cientistas nos querem fazer acreditar (confesso que, às vezes, até acho que é verdade - Que perigo!)
Os automóveis passavam, ultrapassavam, e nós, praticamente imóveis, deixávamos o barulho do vento lá fora, enquanto ouvíamos músicas pelas caixas de som da caixa com rodas que nos levava, confortavelmente – como seria injusto não realçar.
O próximo passo era deslocarmo-nos dando alguns passos até um espaço aberto situado após um contínuo espaço fechado que, logo adiante, era seguido por outro longo espaço contínuo. Se você imaginou uma porta, acertou e errou ao mes-
mo tempo – mas isto é coisa para taoísta, prossigamos... Ao passarmos de um lado a outro daquele buraco, nos colocavamo-nos sobre e sob coisas com aparências de firme e duras. Ressalta-se que a ilusão de cima era ornamentada com algumas formas transparentes e ocas, que tentavam, em vão, imitar o sol, conseguindo apenas esconder a poeira que repousava sobre si mesmas. Como se não bastasse, o concreto também apresentava-se em diversas posições verticais, perpendiculares ao duo original. Foi nesta parte deste imóvel, que conseguimos perceber um movimento. Movia-se ritmado, ritmado, rit ma do . Há alguns espaços dali havia um marcador de tempo nunca visto antes. N e l e o t e m p o v o ltava indo para out r o lu g a r s e m parar. Facilitando o desentendimento: o tempo ia voltando. Sim. Os ponteiros seguiam no sentido anti-horário. rasepA otsid[2] , as pessoas dali não deixavam de demonstrar as marcas do aglomerado seqüencial de segundos, minutos e horas em seus rostos e corpos. Estávamos ali, depois de várias placas sinalizadoras de velocidade e perigo, e antes de tantas outras,
num lugar comum, imóvel, que possuía dentro de si um fenômeno descomunal: um marcador de antitempo. Marcador despremizado pelos olhares velozes e respirações ofegantes dos que querem chegar perdendo o encanto do maravilhoso ato de ir.
1. Despremiza – vocábulo saci que expressa um misto saltitante das ações de desprezar, menosprezar, minimizar, entre outras coisas 2. rasepA otsid - Apesar disto em saci no antitempo verbal do indicativo de presente descontínuo
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EDIÇÃO 007 – ANO 01 – FEVEREIRO 2019
Preto no branco
ENTREVISTA ABIGAIL VASTHI SCHLEMM
F
eminista antiga. Pintora, poeta, formada - quem diria - em jornalismo. Especializada em publicidade: “escolhi Publi-
cidade por causa das cadeiras: Psicologia, Antropologia, Linguística, Filosofia, Sociologia, Literatura… Estudei tudo a que tinha direito e aí, me encontrei com a poesia e me encantei com ela. Cecília Meireles me seduziu e me mostrou que uma ideia fica muito mais forte quando traduzida poeticamente.”
Abigail Vasthi Schlemm é mesmo pura poesia. Seja nos textos ou nos quadros, sua obra jorra a dimensão poética a qual ela própria parece tratar como forma máxima de viver a vida. Uma artista que tem em seus traços a leveza do balneário que anos atrás havia tentado se esconder. Mas Abigail, ao contrário, acabou levando Búzios ao mundo e o mundo a Búzios.
Conte-nos sobre sua relação com a cidade. Quando ela começa? O que lhe trouxe a Búzios pela primeira vez? Vim para Búzios fugindo do marido. Me casei muito nova e, logo em seguida, quis me separar. Não havia divórcio. Havia desquite. E teria que ter a concordância dos dois cônjuges ou alguma ofensa grave. Então o desquite teria que ser amigável. Isso seria impossível: ele não queria desquite nenhum. O Juiz decretou “separação de corpos”. Eu tinha tido uma filha nesse casamento bobo. Se fosse flagrada com outro homem perderia a posse de minha filha. Mas eu queria namorar. Estávamos em plenos anos sessenta... Bossa Nova, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Elis… Tudo cheirava a romance, poesia, sexo... E aquele marido me queria de volta pra casa. Aí eu fugia. Fui parar em Cabo Frio numa pousada de uma senhora tcheca: Dona Binka. De Cabo Frio a Búzios foi um pulo, numa estrada cheia de costelas e cobras. Geribá tinha 5 casas. Não havia eletricidade mas tinham noites deslumbrantes, iluminadas por luas, estrelas e flores silvestres cintilantes, um vento macio e uma cantiga meio rouca vinda da voz do mar. Um bom lugar pra namorar!
Fale-nos sobre a sua origem familiar e suas referências artísticas Conheço muito pouco sobre as origens de minha família. Naquele tempo os pais não falavam muito com os filhos. Sei que meu pai e o grande terreno que envolvia nossa casa foi o que restou de uma fazenda de café, de Vassouras. Nasci numa senzala de pau a pique, sapé e chão de terra batida. Sei que era, ou foi, uma senzala por causa dos objetos que lá encontrei depois que fiquei mais velha. Meu pai era um homem culto mas trabalhava na Estrada de Ferro Central do Brasil como Guarda Chaves e depois como Telegrafista. Ficou tuberculoso mas sobreviveu, o que era muito difícil naquela época. Sua doença foi o motivo do grande distanciamento dos filhos pequenos. Mais tarde, já curado, passou a ser o grande mentor de toda a família e também da aldeia em que vivíamos, Governador Portela. Minha arte deve muito ao estímulo que veio dele sobre meus desenhos de criança. Na ocasião de lançamento da caixa “Tecendo Poesia” você relatou que os poemas eram sobre coisas que você não conseguia pintar, como a solidão e o tempo. Fale-nos sobre
a sua relação com o entrelace das artes plásticas e a poesia Gosto de escrever. Estudei em escolas muito rígidas de freiras que valorizavam muito um Português correto.. Depois, mais tarde, fiz vestibular para Jornalismo na UFRJ, passei e, de repente, me vi cursando o primeiro ano de Comunicação. Seriam dois anos de Comunicação e depois se faria uma escolha entre Jornalismo Gráfico, Comunicação Social, Relações Públicas e Publicidade. Escolhi Publicidade por causa das cadeiras: Psicologia, Antropologia, Linguística, Filosofia, Sociologia, Literatura… Estudei tudo a que tinha direito e aí, me encontrei com a poesia e me encantei com ela. Cecília Meireles me seduziu e me mostrou que uma ideia fica muito mais forte quando traduzida poeticamente. Me especializei em Publicidade mas meu diploma é de Jornalismo. Você considera que a sua arte é alinhada a alguma escola ou corrente artística? Não. Não sei se isso é bom ou é mau. Só sei que não me encaixo em nenhuma delas. Uso, sem cerimônia a temática do impressionismo, a liberdade legada pelo expressionismo e
as cores fortes do fauvismo. Tudo isto sem abrir mão de minha liberdade. Como vê o cenário das artes plásticas no Brasil? Não vejo o que chamam de arte contemporânea como arte. Ela sempre parte de um conceito. Acho que isto é comprometedor. Fica mais pro lado racional e da filosofia. Arte é emoção. E em Búzios ? O que pensa do cenário artístico da cidade e a pressão imobiliária da Rua das Pedras? Búzios foi meu primeiro refúgio quando jovem e me deu a oportunidade de realizar, a partir da Rua das Pedras, uma carreira bonita, com abrangência internacional. Graças a Búzios pude ser convidada para expor nos Estados Unidos, Alemanha, Suiça, Portugal, Argentina... Mas os tempos eram outros e eu ainda era jovem. Atualmente não posso fazer uma avaliação correta. Neste último verão fui obrigada a alugar minha galeria e montar outra, no Rio, por não me achar competente para viagens longas, com trânsito pesado, e tempo demais gasto. Acho que não sou a pessoa certa para responder a esta pergunta.
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Como foi a sua experiência enquanto empresária ? Eu não sei dizer. Tive um restaurante que foi um fracasso. Com minha galeria a história é diferente porque comercializo bem o meu produto. Ou, talvez, os meus quadros se vendam sozinhos. Não sei. Você recomenda alguém a viver de arte? Somente depois que estiver garantida financeiramente. Antes de começar a pintar, costurei, fui datilógrafa, fiz concurso para o Serviço Público, trabalhei vinte anos em gabinetes fechados, austeramente vestida sobre saltos altos... A arte só me foi permitida aos 40 anos, quando pude me dar ao luxo de me sentar em frente a uma tela, num cavalete. A vida não é fácil para ninguém. A arte, hoje em dia, é luxo. Mas todo mundo tem direito ao risco. Qual a sua impressão da cidade de Búzios no passado e no presente? No passado tinha-se grandes problemas: lixo, moscas, sujeira, falta d´água, sem luz e sem recursos médicos e sanitários. Em compensação era uma cidade calma, silenciosa, fascinante com um tipo de população especial, culta, sofisticada, amiga… Agora, no presente, Búzios já não
tem os antigos problemas, mas tem outros: barulho, assaltos, assassinatos, politicagem, superpopulação... De onde vêm as mulheres que você pinta ? Por que elas geralmente não tem rosto? Sempre fui feminista. Não feminista moderna contra os homens, e sim a favor deles. Acho que a mulher faz muita falta principalmente ao homem e à humanidade. Fui editora chefe do jornal do Humans Club de São Paulo, um clube internacional de mulheres. Meus editoriais eram publicados no Washington Post. Isso a mais de 40 anos. Meu feminismo é muito antigo. Quando comecei a pintar trabalhava em uma favela como voluntária ensinando as mulheres a costurar. Essas mulheres foram meus primeiros modelos. Eram pobres, feias, malvestidas, maltratadas com pés sujos... Mas me ensinaram muito. Aprendi com elas como não se deve ser; como pode ser difícil se tornar independente; como pode ser fácil se deixar usar; como pode ser difícil se preparar para uma vida digna. Essas minhas primeiras mu-
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lheres tinham cara, eram gordas, feias, deselegantes e tristes. Depois evolui. Em vez de pintar mulheres resolvi pintar somente o feminino. O que representava a essência feminina: rendas, flores, fitas, roupas, transparências, delicadeza... assim minhas mulheres perderam a cara mas não perderam o conteúdo. O que você tem pintado atualmente? Tive uma secretária (muito mais que uma secretária, uma amiga, uma confidente) que me acompanhou ao longo de mais de 30 anos. Seu nome era Mary Elisabeth Campos. Ela morreu de repente. A partir de sua morte fiquei muito abalada e durante muito tempo não consegui pintar nada vivo, nada feminino, nada que lembrasse gente. Passei então a pintar estranhas paisagens como expressão de meu luto. Depois voltei ao tema antigo e continuo com ele até agora. O que você espera do Brasil em 2019? O tempo me ensinou a não ter expectativas, mas acredito que pior não pode ficar.
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Gastronomia
O LIXO DA COZINHA
Refletindo rapidamente sobre as possibilidades da gastronomia, é nítido perceber que ela entremeia todas as nuances da nossa sociedade. Hoje, abordarei um tema tão atual quanto preocupante destas tantas facetas da Gastronomia. O desperdício de alimentos.
GUSTAVO GUTERMAN
Professor do curso de Gastronomia do Instituto Federal Fluminense de Cabo Frio
Há um tempo, em um artigo onde falava sobre a educação de gastronomia, assim como em algumas palestras, falei que o curso superior de Gastronomia é uma aberração acadêmica, pois, tendo em vista que a criação dos cursos no mundo sempre se deu a partir da demanda da sociedade para com a preparação daquele profissional, para suprir uma lacuna socioeconômica, a gastronomia não seguiu tal rito. Sua demanda se deu por um nicho de mercado que as faculdades particulares encontraram para fazer dinheiro mediante a tendência midiática vigente. As justificativas apresentadas para a criação do primeiro curso, perpassam pela necessidade de se resolver um problema de um segmento de empresas, e não por uma necessidade social. O que não se esperava era que a descoberta da verdadeira necessidade destes estudos se daria, justamente, após quase duas décadas da existência da primeira oferta de um curso de gastronomia no Brasil. A proposta de estudo, deixou de ser a supérflua faculdade para poucos e, se tornou a necessária fonte de conhecimento e propagadora de discussão e desenvolvimento de competência para toda uma sociedade. Atualmente estudiosos e profissionais da área se dedicam a pesquisar, questionar e construir vertentes culturais, ambientais e econômicas em que a comida está inserida.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura é uma das agências das Nações Unidas, que lidera esforços para a erradicação da fome e combate à pobreza (FAO). O seu lema, fiat panis, se traduz do latim, significando “haja pão”. Segundo a FAO, aproximadamente um terço dos alimentos produzidos no mundo para consumo humano a cada ano - aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas - é perdido ou desperdiçado. 54% do desperdício no mundo ocorre na fase inicial da produção, que são a manipulação pós-colheita e a armazenagem. Os outros 46% do desperdício, de acordo com a mesma fonte, ocorrem nas etapas de processamento, distribuição e consumo. Nos países em desenvolvimento, 40% das perdas ocorrem nos níveis pós-colheita e processamento, enquanto nos países industrializados mais de 40% das perdas ocorrem nos níveis de varejo e consumidor. No Brasil, anualmente, são desperdiçadas 41 mil toneladas de comida, segundo Viviane Romeiro, coordenadora de Mudanças Climáticas do World Resources Institute (WRI) Brasil, uma instituição de pesquisa internacional. Isso coloca o Brasil, segundo ela, entre os dez países que mais perdem e desperdiçam alimentos no mundo. No varejo, grandes quantidades de alimentos são desperdiçadas devido a padrões de qualidade que enfatizam a aparência. O desperdício alimentar também produz significativa perda recursos investidos na produção alimentar como água, terra, energia, trabalho e capital.
A comida atualmente perdida ou desperdiçada na América Latina poderia alimentar 300 milhões de pessoas. Nos países em desenvolvimento, os desperdícios e perdas de alimentos ocorrem principalmente nos estágios iniciais da cadeia produtiva e podem ser relacionados a restrições financeiras, gerenciais e nas técnicas de colheita, bem como instalações de armazenamento. O fortalecimento da cadeia de fornecimento através do apoio direto dos agricultores e investimentos em infraestrutura, transporte, bem como o investimento na tecnologia de embalagens (ecologicamente viáveis) poderia ajudar a reduzir os altos índices de desperdício. Em sociedades de média e alta renda, os alimentos desperdiçados estão principalmente em fases posteriores da cadeia, diferentemente da situação nos dos países em desenvolvimento, o comportamento dos consumidores desempenha um papel importante nos países desenvolvidos. É perceptível a falta de coordenação entre o que se compra e o que se realmente se consome. Seria então necessária uma nova visão sobre a compra e consumo consciente de alimentos baseada na necessidade acima do prazer de se ter uma geladeira cheia. E como a Gastronomia pode alterar essa realidade tão danosa para nosso futuro? Além da valorização de uma cadeia produtiva local que de forma imediata pode diminuir drasticamente distâncias e consequentemente o desperdício gerado pelo excesso de manipulação e transporte, uma educação alimentar baseadas nas culturas alimentares, levaria em conta a proteção de produtores de pequeno porte, desconstruindo a ideia equivocada que somente a indústria de alimentos tem a capacidade de alimentar uma população que cresce exponencialmente ano após ano. Repensar o comer envolve repensar o comprar. Atravessamos décadas que discutimos a falta da comida, a forma da comida, o excesso da comida e chegamos a era do desperdício da comida. O paradigma do alimento preocupa. Sua falta mata e seu ex-
cesso vem cada vez matando mais. Enquanto mais de 13 milhões passam fome no Brasil, a obesidade já é uma realidade para 18,9% dos brasileiros. Já o sobrepeso atinge mais da metade da população (54%). Os dados são da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) e foram divulgados há 2 meses pelo Ministério da Saúde. Ao que parece o medo de passar fome, tem sido superior a racionalidade para o consumo. A revolução verde, com sua falácia de precisar resolver a questão produtiva dos alimentos para que não faltasse comida em decorrência do crescimento populacional, é talvez a mais competente das estratégias midiáticas, já que mesmo as pessoas sabendo que comprar tal quantidade do alimento X pode acontecer de estragar, a grande maioria delas, compram. Jogam o alimento fora, mas não conseguem comprar menos ou doar para alguém. Muitas vezes tem consciência dos números da fome ou do desperdício, mas ainda assim dizem: É melhor sobrar do que faltar! E depois se jogam em dietas restritivas, que comprovadamente podem causar doenças inclusive, mas não pensam na simples possibilidade de comer menos e de tentar aproveitar o alimento de forma completa. Cada vez mais vemos cozinheiros e cozinheiras se interessando pelo assunto e se aproximando dos produtores. Vários movimentos e Ongs espalhadas pelo pais, tem feito este trabalho com resultados significativos e servindo como exemplo para seus pares. Penso que se fosse com essa visão que o primeiro projeto pedagógico tivesse sido elaborado, estaríamos já muito a frente com essas questões. Teríamos já encontrado uma serie de soluções não somente para o desperdício, como também para a distribuição. Torço para que do mesmo lugar de onde surgiu o dito popular da sobra, tenha vindo o “antes tarde do que nunca” e que os novos cozinheiros e cozinheiras do país se juntem aos antigos profissionais da área, e comecem a dar solução para o lixo que geram nas suas cozinhas. Isso mesmo, várias soluções podem estar no lixo.
Praça da Ferradura, Centro Armação dos Búzios Rio de Janeiro, Brasil SÁBADO DE 7H ÀS 15H Hortifrutigranjeiro, alimentação, DJ Léa, artesanato e livros QUINTA-FEIRA DE 19H ÀS 23H Alimentação, DJ Léa, música ao vivo e artesanato
@feiraperiurbanadebuzios
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Guanabara
A PELEJA DA MÃE DOS PEIXES CONTRA O DRAGÃO DAS CERTEZAS Se a previsão se confirmar, o lançamento deste jornalzinho será no sábado 2 de fevereiro, dia de Iemanjá. A data foi consagrada pela festa rendida em sua homenagem no Rio Vermelho, em Salvador, e se espraiou a norte e sul da costa sulamericana, chegando até a Montevidéu, onde acontece uma festança responsa na playa Ramirez, às barbas da sede do Mercosul. Hoje, pelo alcance da festa, até parece que há um consenso sobre Iemanjá, porém quando se trata de cultura oral, isso não existe. Peguemos uma característica que pouca gente discorda: Iemanjá é a rainha do mar, certo? Claro que sim e óbvio que não. No compêndio mítico do Ifá há um odu contando que a rainha dos mares é Olokun, mãe de Yemojá. Na Nigéria, Yemojá ainda possui estatuto de divindade ligada aos rios, em especial o rio Ogun, que tange a cidade de Abeokutá: de seus seios nasceriam os rios que alimentam os homens e os demais orixás, seus filhos. Segundo Pierre “Fatumbi” Verger, Yemojá é uma contração do iorubá “Yèyé omo ejá”, que significa “Mãe cujo filhos são peixes, ou como peixes”. A orixá também atende por Odoyá, “mãe do rio” em iorubá. A Yemojá dos iorubanos atravessou a Calunga e desembarcou na margem de cá desse grande rio chamado Atlântico, junto com seus filhos que, vivendo o mais profundo terror, pediram sua proteção. Mãe de todos os orixás e cuidadora de todas as cabeças, nas Américas Iemanjá foi coroada a rainha de todas as águas. A história da festa do Rio Vermelho é simbólica para representar a transição da mãe dos rios para os mares. Pelo relato de Edison Carneiro, a festa de Iemanjá em Salvador tradicionalmente acontecia no Dique do
Tororó, água doce, antes de acontecer à beira-mar, no Rio Vermelho. Assim como Búzios, o Rio Vermelho era uma comunidade de pescadores devotos de Sant’Anna. A comunidade vizinha à pequena igreja a beira-mar organizava os festejos oficiais em 26 de julho, como manda o figurino. O problema é que final de julho em Salvador é chuvoso, e o pessoal da colônia decidiu fazer festa pra Sant’Anna também no final de janeiro, à revelia da paróquia. Em 1923 houve escassez de peixe e uma ialorixá recomendou oferendas a Iemanjá durante as comemorações de Sant’Anna para pedir boa sorte. Aparentemente o mimo agradou, os peixes reapareceram e os pescadores incorporaram a Mãe D’Água nos festejos. A igreja, que já torcia o nariz para a procissão extra-oficial, fechou de vez as portas para os festeiros, e Iemanjá aos poucos foi ganhando espaço até se tornar a estrela principal. Nos primórdios a festa não tinha data fixa e acontecia em finais de janeiro, mas a proximidade com as comemorações de Nossa Senhora da Purificação em 2 de fevereiro favoreceu o ajuntamento dos cortejos – junto, é claro, da identificação sincrética da figura maternal de Iemanjá com a Mãe de Deus. Já no Rio de Janeiro a coisa foi diferente. Aqui as homenagens à rainha do mar aconteciam em agosto, próximo à data da festa anual para a sereia Kianda, tradição mantida até hoje nas praias de Luanda. Como em agosto também tem as comemorações de N. Sra. Da Glória, no dia 15, mais uma vez a identificação com Maria favoreceu a junção das datas. A repressão às macumbas na capital da República era mais forte que
na Bahia e no início as manifestações eram acanhadas. Conforme o preconceito foi diminuindo, a festa foi crescendo. Na década de 50 o culto a Dona Janaína (outro nome de Iemanjá) se tornou tão popular que a festa se expandiu da hoje inexistente Praia da Glória, aos pés do Outeiro, para outras praias do Rio. O pessoal da umbanda e omolocô passou inclusive a fazer oferendas nas praias nas festas de Ano Novo. O crescimento da festa e o sincretismo com Nossa Senhora incomodaram o padre da Igreja da Glória. Após fracassados apelos à polícia para botar água na cidra da galera, ele teve a ideia de organizar uma procissão religiosa no dia 31 de dezembro de 1953, perto da meia-noite, passando por várias praias do Rio. Um fracasso. As tentativas de desmobilizar as giras prosseguiram por três anos, mas as ladainhas continuaram abafadas pelos atabaques e pontos cantados. Motivado pelas ofensivas da Igreja e a iminente destruição da Praia da Glória para construção do Aterro do Flamengo, Tata Tancredo, patriarca do omolocô, teve a brilhante ideia de passar as festividades de Iemanjá em definitivo para o 31 de dezembro, na espaçosa praia de Copacabana. Naquela época, a comemoração a céu aberto do réveillon carioca consistia em paradas de escolas de samba, blocos e batalhas de confete no centro do Rio (num texto anterior expliquei que as festas entre Natal e Dia de Reis eram um prenúncio do carnaval), e fogos em alguns pontos da cidade. Quase ninguém nas praias, só os macumbeiros. Se hoje o brasileiro médio tem como modelo virar o ano vestido de branco na praia e, dependendo da necessidade, pulando sete ondinhas e jogan-
LEANDRO ARAÚJO
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do flores no mar, o mérito é todo de Tata Tancredo e companhia. 2 de fevereiro, 15 de agosto ou 31 de dezembro; orixá, inquice, nossa senhora ou sereia; mãe dos peixes, mãe dos rios ou rainha do mar; sagrada ou profana... os chegados a essencialismos dirão que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Para eles, a quantidade de interpretações e versões sobre a mesma figura demonstra inconsistência, quando na verdade revela enorme potência de criação e reinvenção: cultura. Iemanjá é e não é tudo isso ao mesmo tempo, assim como o flechado São Sebastião não é o flechador Oxóssi, mas também é. Ela é como o mar, consegue ser a mesma e seguir mudando, desafiando as prisões das certezas e narrativas únicas. Em Búzios, há 10 anos, o 2 de fevereiro tem sido festejado no Píer de Manguinhos sob o comando de Doné Fernanda, do Kwê Asé d’Oyá. O fato curioso é que desde 2014 virou costume entregar a oferenda numa prancha de stand-up. Infelizmente demonstrações públicas como essa ainda são um ato de coragem em Búzios, uma cidade que se pretende cosmopolita mas tem mentalidade obscurantista. Há alguns meses o terreiro de Doné Fernanda na Rasa foi apedrejado, um dos inúmeros casos de estupidez que acontece pelo Brasil. Felizmente haverá novamente representantes da Igreja Católica presentes, dando o bom exemplo. Ifá conta que Iemanjá, para fugir de seu marido, o abusivo rei Okê, quebrou uma cabaça dada por sua mãe Olokun para ser utilizada em casos de perigo. Da cabaça jorrou um portentoso rio que a levou ao encontro de sua mãe, no reino dos mares. Desde então todo rio corre em direção ao mar. Dia 2 de fevereiro é dia de inventar o rio que não existe em Búzios. Festa neles!
O projeto Cidade Biblioteca é uma iniciativa sem fins lucrativos de promoção da cultura, da leitura e do acesso ao conhecimento em Búzios. Nosso sonho é que os livros estejam sempre ao alcance das mãos, seja na procura do ócio, na espera do café, do transporte público ou do pôr-do-sol. Os livros transformam o intelecto e a sensibilidade, fazem do mundo um lugar melhor. O Cidade Biblioteca promove ações como saraus, clubes de leitura, distribuição de livros pelos espaços públicos, bibliotecas itinerantes.
QUINTA-FEIRA
SÁBADOS
SEGUNDA-FEIRA - 04/02/2019
Biblioteca Municipal
Feira Livre Periurbana de Búzio
Praça Santos Dumont
17h
DOE SEU TEMPO. DOE SEU LIVRO
8h às 13h @cidadebiblioteca
19h às 21h
cidadebiblioteca@gmail.com
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Entre
SHEILA SAIDON
Psiquiatra e psicoterapeuta
“Porque toda distância é uma proximidade, e toda proximidade é ainda uma distância” Tiqqun A cada ano, junto com a chegada do calor e a energia expansiva do verão, recebemos uma onda de visitantes que imprimem uma outra dinâmica na circulação e ocupação da cidade, nas nossas casas, no nosso ritmo de vida. Apesar de estarmos acostumados a essa mudança cíclica, somos surpreendidos com novos afetos a cada vez. A convivência intensa com outros traz sentimentos ambivalentes. Por um lado, nos sentimos invadidos, por outro, seduzidos pela figura do “estrangeiro”, pela alegria dos encontros. O estrangeiro é um viajante, um nômade que introduz essa potencialidade viajante em
nossa estabilidade. Uma presença que sacode, perturba, porque abre novas possibilidades e caminhos. Ao mesmo tempo que é parte do grupo, é de fora, nos lembra que o grupo poderia ser outro. Representa o apoio instável que faz o pião girar. O que faz um grupo de pessoas ser comunidade? Habitar um espaço tempo comum? Morar no mesmo bairro? Compartilhar os bens materiais, os ideais? Pertencer a uma mesma linhagem cultural, histórica, familiar? Como se organiza uma vida comunitária? É possível não reproduzir as formas de organização baseadas em hierarquias, dominação e controle, as quais estamos tão acostumadas?
Acho que somos capazes de reformular e inventar novas formas quando saímos do conforto. Estando presentes, agora. Criando modos de viver junto, incluindo as diferenças, atravessando os conflitos. Sem precisar se matar, nem se tornar iguais. Preservando nossa “estrangeirice” como motor para a ação. Tentando sair da indiferença e frieza que caracteriza as relações nas cidades modernas, fortalecendo as relações de cuidado com o outro e com o espaço que habitamos. Imagino uma comunidade possível que não seja aquela idealizada, ligada a melancolia das experiências vividas ou daquelas que estão porvir, e sim a comunidade em potência que temos por perto. Nossa rede de afetos, aqueles e aquelas que nos acompanham na vida, nas nossas práticas cotidianas, com quem podemos regular distâncias e proximidades, fazer liga, tecer redes. Uma rede de capilares que nutre a vontade de dias melhores, que trazem oxigênio, vitalidade e se expandem... como um rio que não para, nem estanca com as pedras, ele segue seu devir, encontra novas rotas, fluxos, velocidades e turbulências.
Diálogos Quilombolas GESSIANE NAZARIO
Quilombola da Rasa e doutoranda em Educação pela UFRJ
MP 870/2019: A RAPOSA CUIDANDO DO GALINHEIRO. Na última coluna falei um pouco sobre a história de meu tio Manoel que, assim como muitos descendentes dos escravizados na Rasa, tiveram de sair de seu lugar de origem em busca de trabalho para sobreviver. É importante destacar sempre a questão da não reparação a essas pessoas, pois é a questão quilombola do Brasil: a luta por reparação que é a titulação de seus territórios. Na coluna do mês de outubro, chamei a atenção para o que estava em jogo na eleição do atual governo. Pois bem, já temos as primeiras investidas contra a titulação dos territórios quilombolas que é o cumprimento de uma promessa de campanha que o presidente Jair Bolsonaro fez durante um evento no Clube Hebraica no Rio de Janeiro: ele disse que se
fosse eleito não haveria nenhum centímetro de terra demarcada para indígenas e quilombolas. Ele acena com o cumprimento dessa promessa já no primeiro dia do ano através da MPV 870/2019. Ao subordinar os procedimentos de reconhecimento e demarcação para o Ministério da Agricultura, Jair Bolsonaro entrega nas mãos dos ruralistas (reconhecidamente avessos aos direitos territoriais de indígenas e quilombolas) o controle sobre a regularização fundiária do país. Tal atitude demonstra o seu viés ideológico ultraliberal, favorável a esse setor cuja dívida de bilhões de reais aos cofres públicos foi perdoada pelo antecessor de Bolsonaro, Michel Temer (g1.globo. com/economia). A ação do atual governo é a continuidade de um pro-
jeto de desmonte de políticas públicas, em operação desde o golpe de 2016, que visavam a promoção dos direitos de trabalhadores e comunidades tradicionais (quilombolas, indígenas, ribeirinhos, pescadores artesanais, atingidos por barragens, quebradeiras de coco de babaçu, faxinaleiros, etc.). A oligarquia latifundiária sempre teve força neste país e sempre ditou as regras cabendo a nós, quilombolas, fazer concessões. Não é diferente, aqui na cidade, onde um poderoso bloco de empresários (ligados à especulação imobiliária) desde sempre se posicionou contra a efetivação dos direitos dos quilombolas da Rasa. Tal medida provisória proporcionará mais poder a esses empresários para que os quilombolas não con-
sigam efetivar seus direitos. Faço aqui um sincero apelo aos leitores e leitoras não quilombolas, que não se deixem levar por idéias que desviem o foco da questão que é a justiça ao tio Manoel, a dona Cecília, a dona Eva e tantos e tantas que derramaram sangue e suor nessa terra para continuarem a existir. Quando ouvirem falar mal dos nossos direitos, lembre-se das histórias dessas pessoas. Resistiremos.
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cultura Política
NOTAS PARA UM ROMANCE LATINO-AMERICANO
ALEXANDRE SANTINI
Dramaturgo e gestor do Teatro Popular Oscar Niemeyer de Niterói
Uma jovem mãe solteira, sozinha e grávida de 9 meses, chegou na Nicarágua meses antes do triunfo da revolução sandinista, no início dos anos 80. Elena era espanhola de nascimento, mas se considerava chilena, latino-americana e socialista. Integrava o Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR) do Chile, organização que defendeu a luta armada durante o governo socialista de Salvador Allende e que sofreu brutal repressão após o golpe militar que levou ao poder o general Augusto Pinochet. Elena e Pablo, seu companheiro, após meses clandestinos em Santiago, e munidos de passaportes mexicanos falsos, conseguiram deixar o país passando por La Paz, Lima, Caracas e finalmente chegaram à cidade do México, onde conseguiram estabelecer uma vida relativamente normal por um par de anos, pelo menos. Pablo conseguiu uma vaga de jornalista no periódico progressista La Jornada, Elena dava aulas de educação infantil numa escola Waldorf no belo bairro de Coyoacán, a duas quadras das casas de Frida Kahlo e Diego Rivera. Na casa térrea de 2 cômodos e meio que alugaram na capital mexicana, com ajuda de organizações
internacionais de apoio aos exilados e refugiados, viviam em relativa tranquilidade e adaptados à vida do país, mas não deixaram de lado as conexões com os movimentos revolucionários latino-americanos. Após o esfacelamento do MIR no Chile, seus militantes se sentiram autorizados a tomar rumos distintos em relação a suas atividades políticas, fossem públicas ou clandestinas.
Pablo estava particularmente impressionado com os textos e discursos de Abimael Guzmán, o “Presidente Gonzalo”, líder do Partido Comunista do Peru-Sendero Luminoso (PCP-SL). Guzmán exortava as perspectivas animadoras desta nova guerrilha maoísta peruana, que com bases já consolidadas na selva e apoio das comunidades indígenas, pavimentava o caminho da revolução popular preconizando o cerco à cidade pelo campo. Mas sua comunicação com os peruanos era completamente clandestina e sigilosa, nem mesmo Elena poderia saber deste vínculo, por questões de segurança. Um dia, um emissário dos peruanos procurou pessoalmente Pablo e lhe disse, caminhando pelas ruas da Cidade do México, que ele deveria viajar a Lima para se integrar clandestinamente à guerrilha, como um dos homens de confiança do Presidente Gonzalo. Não tardará o momento da declaração da guerra popular no Peru, dizia o agente enviado, e era necessário reunir os melhores quadros da esquerda latino-americana para dar cabo de tão grandiosa tarefa. A vitória da revolução no Peru
Shopping Aldeia da Praia, Avenida José Bento Ribeiro Dantas, nº 5350, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 Fone: (22) 98111-7510
acenderia a centelha que levaria à guerra popular a todo o continente.
Foi difícil, mas Pablo em poucas semanas organizou tudo para seguir rumo ao Peru. No protocolo de clandestinidade rigoroso estabelecido pelo Sendero Luminoso, ele deveria sair de casa de manhã, com a roupa do corpo, como se fosse um dia normal de trabalho. Doeu fundo não poder dizer nada a Elena. Amou a mulher com desejo e fúria maiores que o habitual naquela noite, e na mesa do desayuno, enquanto comia os tamales preparados por ela, olhava para tudo emocionado, pensando que aquela seria a última vez. Mas o dever do revolucionário é fazer a revolução, e Pablo partiu para sempre, fingindo a normalidade de quem vai até a banca de jornal da esquina. Não sabia no entanto que estava deixando algo ainda mais forte pra trás: Elena estava grávida de poucas semanas. Ela teve que sofrer em silêncio o desaparecimento do marido e a descoberta da gravidez nestas condições. Qualquer movimento no sentido de procurar o marido poderia levantar suspeitas e levar as autoridades militares chilenos e os infiltrados da CIA no governo mexicano a descobrir o paradeiro dela e dele.
cias que um governo popular estaria prestes a assumir o governo na Nicarágua, um pequeno país da América Central, dominado há décadas pelas oligarquias ligadas à família Somoza. O movimento sandinista reunia católicos, camponeses e comunistas da Nicarágua e de outros países. Em contatos com a embaixada de Cuba no México, Elena consegue uma vaga para trabalhar como educadora popular, alfabetizando adultos nas periferias de Manágua. Com a gravidez em estado bastante avançado, Elena atravessa o golfo do México e o mar do Caribe em uma pequena embarcação que viajou à noite, driblando a vigilância da Guarda Costeira. Entre tonturas, enjoos e tormentas, chegou no litoral nicaraguense quase em trabalho de parto. Atendida por médicos cubanos em missão no país, Elena deu a luz à Violeta, uma linda menina de cabelos negros e olhos claros, filha dela e de Pablo, descendente da revolução, cuja vida desde o nascimento estaria ligada à história das lutas pela libertação da América Latina. Assim começa a nossa história.
Sem saber que Pablo estava no Peru, Elena passou a acreditar que ele havia sido preso e capturado pelos militares chilenos. Poderia estar morto àquela altura. O México já não oferecia a ela a tranquilidade e segurança que havia desfrutado nos últimos anos. Chegavam notí-
ZANINE
FUNCIONAMENTO: SEGUNDA-FEIRA A SEXTA-FEIRA DE 9H ÀS 18H, SÁBADO, DOMINGO E FERIADO 11H ÀS 19H @nucleodedancaodiliacuiabano
Estrada da Usina (ao lado da Prefeitura), Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 - Fone: (22) 2623-6502
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Cinema e histórias
MANOLO MOLINARI
Historiador Rosarino Buziano
CIDADE LIMPA É AQUELA QUE NÃO SE SUJA
NO VERÃO, SESSÕES EXTRAS DURANTE A SEMANA GRAND CINE BARDOT Quinta-feira às 21h Sexta-feira às 21h Sábado às 19h e 21h Domingo às 19h e 21h Valor: R$ 30,00 @grancinebardot.buzios
Travessa dos Pescadores, nº 88, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000
Outro dia, falando com um amigo que mora no Rio, ele me perguntou o que eu achava do governo de Búzios, ou seja, a Prefeitura. Eu fiquei pensativo um tempo, porque, na verdade, não sou muito de acompanhar a vida política da nossa cidade, exceção feita de quando alguém me convoca de forma, digamos, mais personalizada, por algum assunto em especial. Eu imagino que deve ter muitas coisas e obras que acontecem fora do meu pequeno mundo e eu não as vejo, pelo menos por enquanto. A nossa cidade não se reduz só ao centro (ponta da península), Manguinhos e Geribá. Tem também a Rasa, Cem Brasas, São José, José Gonçalves, Baía Formosa, Vila Verde e talvez mais; lugares quase todos eles que pouco frequento ou só vejo de passagem e, reconheço, que pouco sei do que ali acontece. Vejo alguma obra aqui ou lá, na estrada, um posto de saúde em construção na Ferradura, uma polêmica a respeito de outra unidade projetada na praça do Farol, e por aí vai, mais não mais do que isso. Disse então que não era a pessoa indicada para dar uma nota a gestão atual, mas sim era capaz de ver enormes falências, erros, permissividades arbitrárias e desinteresse ou descaso em coisas que fazem a nossa vida cotidiana e denigrem a imagem de uma cidade que têm uma população estável de certa importância, no turismo uma das suas principais fontes de renda e vocação comercial por excelência. A primeira que salta à vista de qualquer um é a limpeza, assunto que atinge a várias Secretarias do Governo, a saber: Educação, Meio ambiente, Saúde, Cultura e Turismo. Isto é valido para todas as regiões do município, porém, agrava-se na área do centro por ser a mais concorrida pelos visitantes e concentrar nela a maioria das praias e passeios que são nosso “cartão postal” ou, diria melhor, “cartão de apresentação”. O problema do lixo e sua colheita é uma velha história que se alastra de muitos anos. Antigamente eram os porcos, soltos pela cidade, como aparecem nas famosas fotos de Brigitte Bardot que tirou Denis Albanèse nos anos 60, e que vasculhavam os sacos de lixo das portas das casas, espalhando tudo o que não comiam, convertendo as ruas, de terra ainda, em verdadeiros chiqueiros. Esses tempos já foram e aqueles porcos desapareceram da paisagem, porém, seguindo a regra que tudo se transforma, temos
os “novos porcos”, agora bípedes falantes, que espalham sacolas, copos e garrafas plásticas de todo tipo, latas, latinhas e latões, papeis, fraldas, guimbas de cigarro e qualquer tipo de produto não degradável por ruas, praias, praças, brejos e o mar, que vai aos poucos lembrando alguns trechos da Baía de Guanabara. Fico muitas vezes triste e envergonhado de ser habitante desta terra quando, andando pela orla, escuto comentários do tipo “Olha que nojo!” “Mandaram a gente para um lugar imundo”. Que tristeza!!! Longe de mim querer ser negativo. Considero que esse trabalho tem que ser impulsionado fundamentalmente por políticas públicas, mas com acompanhamento ativo da população, portanto vou arriscar algumas sugestões para ver se, num esforço coletivo, a gente consegue reverter esse dano que estamos causando à natureza, a nosso entorno, a nossa fonte de trabalho, a nossa qualidade de vida e a nosso futuro. 1) Para começar, LIXEIRAS. Sim, muitas lixeiras espalhadas por tudo quanto é lugar, aqui, na Rasa, Cem Brasas e donde for. Os pontos de ónibus são lugares estratégicos, sendo que o pessoal que espera uma condução joga fora o que tem na mão na hora de pega-la. Ando sempre pela Estrada da Usina e dificilmente encontro alguma lixeira a mão. Vejo, sim, quantidade de relógios ao longo do caminho, todos marcando horas diferentes e que servem para pouca coisa. Nas praias não vejo uma. Muitas vezes increpei pessoas jogando coisas no chão e a resposta quase sempre foi “Vai fazer o quê, não tem lixeira por perto!”. Outras levei desaforo. Só uma vez ouvi “Eu concordo com o senhor”. Mas ninguém colheu o lixo que tinha jogado na via pública. 2) Cartazes visíveis nos lugares de grande movimentação e nas praias, orientando condutas e lembrando as pessoas da importância da preservação do meio ambiente. 3) Exigência aos proprietários de comércios que vendem produtos de consumo imediato como supermercados, conveniências, quitandas ou ambulantes, de contar com depósitos para lixo e orientação a
respeito. Os supermercados continuam distribuindo sacolas plásticas em quantidade, o que mundo afora é já um absurdo! As pessoas têm que se acostumar a levar a sua própria ou comprar uma no caixa. 4) Inclusão no ensino, em todos os níveis, de aulas ou temáticas focadas no tema do lixo. Vejo muitas vezes na porta das escolas, quantidade de garrafinhas e copos de guaravita jogados no chão. Parece que ninguém ensina o quê fazer a respeito. Os próprios estudantes podem levar o assunto nas suas casas, mostrando como manipular o lixo e explicando as vantagens da limpeza para suas famílias. Não seria novidade alguma; quando criança tínhamos, no ensino primário e médio, uma matéria chamada HIGIENE em que ensinavam a jovens de mais de 15 anos como tomar banho e até como usar o sabonete! 5) Distribuição de volantes feita nos pórticos orientando os turistas. Acaso não falaram em cobrar uma taxa? Não concordo com isso. Primeiro limpemos e depois veremos esse assunto. Garrafas e demais são jogados pelas janelas dos carros toda hora. Uma senhora conhecida já recebeu UM CÔCO no para-brisa (é, leu bem), arremessado do carro que ia na sua frente!!! Seria caso de qual das Secretarias? Tal vez a de Segurança e Ordem Público. Ou tal vez da Policia mesmo! 6) Organização, em todos os bairros, sem exceção, de mutirões de limpeza que, não só contribuiriam com a limpeza da cidade, mas ajudariam a uma toma de consciência do problema. 7) Existem também as multas. Dizem que o pessoal só aprende quando sofre no bolso. Bom mesmo seria que aprendessem pela razão e não pelo castigo. São só algumas propostas. Tem muitas mais, mas já está de bom tamanho para começar uma tarefa urgente e mais que necessária. Ouço, inevitavelmente, nas falas dos discursadores de turno, as repetidas palavras “Búzios, esse paraíso onde a gente tem a sorte de morar!” Gostaria de perguntar-lhes qual a sua ideia ou concepção do paraíso, se é que têm alguma. A do inferno já nos deu o padre Lucas durante a missa. Ele tem. PS: Por enquanto vou continuar sem dar nota, mas vou fazendo minhas contas.
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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
Cultura Canábica
HAMBER CANNABICO CARVALHO Ativista da maconha medicinal
MANIFESTO DE APOIO À PESQUISA COM CANNABIS E AO TRATAMENTO DE SAÚDE COM SEUS DERIVADOS. Resumo: Para que a Cannabis Medicinal seja de acesso amplo, com prioridade na produção nacional e reconhecimento da importância dos pacientes e pesquisadores. Estamos presenciando uma importante controvérsia científica sobre o uso de Cannabis Medicinal que vai atingir pacientes, médicos e pesquisadores. Embora essa discussão deva ocorrer no âmbito científico, tem havido interesses sobre o campo da ciência que busca criminalizar as investigações e fechar os avanços em relação aos potenciais médicos da cannabis. Até agora foi descoberto que a Cannabis tem mais de 480 compostos, entre os quais existem 100 no grupo dos canabinóides. Desde 1963, o Dr. Raphael Mechoulam, junto com um grupo de investigadores, estabilizaram a estrutura do canabidiol (CBD) e isolaram o THC, como principal composto ativo da planta. Abriu-se um vasto campo de pesquisas em relação ao potencial terapêutico da Cannabis. A identificação do sistema endocanabinóide-ECS, o conhecimento da Anandamida como neuromodulador e a existência de receptores endocanabinóides em diferentes sistemas do organismo como o sistema nervoso, cardiovascular, digestivo, respiratório e esquelético, têm impulsionado pesquisas muito ricas. Entre muitas destacam-se mesmo as que evidenciam a atividade neuroprotetora de Cannabis e dos seus derivados. Pesquisas vêm provando que a planta tem efeitos analgésicos, anticonvulsivantes, anti-inflamatórios, antieméticos e antidepressivos; no tratamento da hipertensão e para estimular o apetite. Além disso verificou-se que os compostos de maconha são terapeuticamente eficazes no controle de náuseas e vómitos, espasticidade, síndrome de Tourette, dor neuropática, esclerose múltipla, melhora do estado de ánimo e potencialmente útil para prurido, glaucoma, asma, epilepsia e enxaqueca, entre outras indicações. Este é um momento histórico em relação à pesquisa sobre a cannabis, cujos resultados promissores podem, no futuro, melhorar a vida de milhões de pessoas. Infelizmente o otimismo enfrenta obstáculos legais, produto da inclusão de cannabis na lista das substâncias proibidas e maneiras de fazer ciência baseada em preconceitos e que visam fornecer argumentos para fortalecer a criminalização da cannabis e desencorajar investigações
científicas. A inclusão da cannabis entre as drogas ilícitas não só causou efeitos severos com as políticas de drogas adotadas, mas também limitou interessantes pesquisas, estigmatizou usuários e pesquisadores, e privou milhares de pessoas do acesso à terapia efetiva. Apesar dos riscos legais associados ao consumo da planta, as pesquisas com canabinóides têm se apoiado no conhecimento que pacientes e seus parentes vêm relatando com o uso da cannabis como coadjuvante em seus tratamentos. E além da dificuldade burocrática, dos custos de importação e problemas legais enfrentados para acessar os medicamentos derivados da cannabis, esses pacientes e familiares ainda precisam lidar com o preconceito dos médicos e dos serviços de saúde que reproduzem estigmas que dificultam a relação terapêutica. Queremos fazer um apelo para respeitar e incorporar as experiências e conhecimentos dos pacientes. A cannabis como medicamento não apenas abre importantes caminhos nas pesquisas dos canabinóides, mas também coloca em xeque a relação entre os médicos e aqueles que precisam resolver seus problemas de saúde. A incorporação das experiências dos pacientes abre novas dimensões para melhorar as práticas clínicas. O fato de que hoje muitas pessoas estão produzindo seu próprio remédio, contrariando os interesses de importantes poderes científicos que procuram hegemonizar o saber, não podem ser respondido com um encerramento epistêmico da discussão, baseada em uma autoridade científica que conclui de uma maneiro afiada que a maconha não tem uso medicinal algum, negando com isso a experiência de milhares de pacientes e suas famílias. O debate em torno da cannabis também traz discussões importantes sobre o consenso científico. Do mesmo modo que não é possível omitir qualquer estudo sólido sobre as qualidades terapêuticas de uma espécie de planta, ou de um fármaco, tampouco as experiências dos pacientes devem ser excluídas. As autoridades médicas e científicas não podem ser construídas com base na negação das experiências dos pacientes. Isto mais do que implica que a ciência dá lugar ao conhecimento profano, permite articular melhor a resolução dos problemas de saúde das pessoas e melhorar o arsenal terapêutico
disponível. A controvérsia médica a respeito da cannabis deve envolver pacientes e pesquisadores sob um princípio de simetria e não gerar relacionamentos verticais baseados em uma suposta especialidade longe de práticas curativas concretas. Também observamos com preocupação que, nos últimos tempos, pesquisadores que dedicaram grande parte de suas vidas à ciência, são objeto de perseguições legais sob a legislação antidrogas. Lamentamos que esse espírito punitivo tenha afetado o professor da UNIFESP, Elisaldo Carlini, por organizar um simpósio dedicado à pesquisa sobre a cannabis. Queremos chamar a atenção para a existência, nas legislações sobre drogas, de instrumentos que prejudicam a pesquisa científica e são usados para perseguir pesquisadores que fizeram contribuições substanciais para a ciência. Tal intimidação implica um ataque à liberdade de investigação e expressão. As descobertas do Dr. Carlini foram realizadas com o apoio do Professor Mechoulam, quando realizaram o primeiro estudo clínico na década de 80, que testaram a eficácia e permitiram a formulação de remédios eficazes para tratar doenças como epilepsia e esclerose múltipla, hoje utilizados em diversos países. Acusar o Dr. Carlini de apologia às drogas equivale a criminalizar a inteligência e o conhecimento técnico-científico. Diante do exposto, pacientes e pesquisadores em ciências biomédicas, a antropologia médica e da história da ciência, queremos expressar nossa preocupação com os recentes acontecimentos que afetam os avanços no acesso à cannabis medicinal como a perseguição de cientistas e pacientes. Portanto, solicitamos: 1) Aos governos latino-americanos e parlamentos, propender a facilitar o acesso à cannabis medicinal nos respectivos países e avançar na legislação para descriminalizar o uso médico da planta de acordo com o importante interesse público que é a saúde da população. Neste contexto, o progresso que está acontecendo no Chile a respeito da Lei de Cultivo Seguro, que permite o cultivo para fins medicinais, é um importante avanço no âmbito das possibilidades terapêuticas e os direitos dos pacientes a ter um medicamento eficaz. Acabar com a perseguição de cientistas por desenvolver pesquisas sobre a cannabis ou organizar eventos
relacionados à sua pesquisa. É inconcebível nas sociedades democráticas que os pesquisadores corram o risco de processos legais por desenvolver conhecimento que tem benefícios importantes para a humanidade. Isto implica uma revisão profunda da abordagem proibicionista em políticas de drogas, que não só tem gerado graves efeitos sociais, econômicos e ambientais, mas também tem tornado difícil ou desencorajado o desenvolvimento de interessantes pesquisas que poderiam produzir efeitos muito benéficos para a saúde e bem estar. Parar a detenção de usuários de cannabis medicinal. É um ataque sério aos direitos humanos processar criminalmente as pessoas que cultivam cannabis para resolver um problema de saúde. A proibição vigente até os dias atuais em vários países, faz atuar duramente ao sistema judiciário com pacientes e demais usuários, com penas semelhantes ao crime de tráfico. As condenações injustas consagram o estigma, punem os pobres e jovens, e fortalecem uma política de drogas equivocada e segregacionista. Isto exige necessariamente avançar na descriminalização da cannabis e começar a pensar em outras estruturas de gestão em relação ao uso de enteógenos e drogas declaradas ilegais. Incentivar o desenvolvimento de pesquisas sobre os usos terapêuticos da cannabis e canabinóides. Pedimos aos Estados e as comunidades científicas da América Latina não colocar limites legais ou de financiamento de investigações em canabinóides e sobre as propriedades medicinais da cannabis. A evidência científica séria disponível ao respeito dos benefícios terapêuticos é vasta, o que exige propender ao desenvolvimento de interessantes pesquisas. Estamos em um momento importante para o avanço da ciência. Pouco a pouco começamos a superar os preconceitos sobre várias espécies vegetais, sobre as quais começamos a fazer um conhecimento por anos negados pela proibição. Trata-se de seguir avançando ou voltar para o obscurantismo. Esperamos que preconceitos atávicos e modos de fazer ciência baseados em dogmas não sejam um limite para aproveitar as vantagens que estamos descobrindo em relação a uma espécie de planta historicamente estigmatizada, como tampouco sejam menosprezadas as experiências de pacientes na hora de produzir conhecimento científico.
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EDIÇÃO 007 – ANO 01 – FEVEREIRO 2019
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Memória Buziana
CULTURA Minha muito querida amiga Iara Rosa pediu-me um texto sobre cultura. O tema é controverso, subjetivo, difícil, o que para uns é cultura, outros podem definir a mesma coisa como entretenimento. Existe uma área cinzenta entre os temas. Vamos pedir socorro aos bons dicionários, os guardiões da nossa língua, o meio civilizado e belo que dispomos para verbalizar os nossos pensamentos. Um dos mais antigos, é o de Antonio de Moraes Silva, não vamos nele encontrar termos modernos, no entanto, para as palavras de uso comum, a séculos, em nosso português, certamente o velho Morais, como é carinhosamente conhecido de nossos escritores, é o que, até hoje, nos dá as melhores definições das palavras. Editado pela primeira vez nos fins do século XVIII, meu exemplar, que pertenceu ao meu pai, é de 1922, um fac-símile da segunda edição de 1813. Mas vamos ao que nos ensina o Morais: “Cultura, o trabalho de cultivar a terra. A cultura das boas artes, o trabalho de sabe-las”. Na definição do Morais, o trabalho é o que define cultura, é o empenho que se usa para adquirir o conhecimento das boas artes, literatura, pintura, arquitetura.... o homem culto é aquele que conseguiu, com seu esforço, adquirir aquelas artes. Não importa em que quantidade, muito ou pouco, do erudito ao leitor esforçado, o que vale é a intenção, o trabalho. Cultura pressupõe esforço serio, deliberado e continuado no tempo, para ser adquirida. Pressupõem percurso trabalhoso, que pode ser prazeroso ou não. Cabe uma citação atribuída a um místico espanhol do fim da idade media “ para chegar aonde você não sabe, o caminho é por onde você não sabe”. A cultura é e deve ser, transformadora, se não serve para o crescimento do individuo como ser humano e da sociedade, como um todo, não tem valor, não é cultura. Vamos mais uma vez pedir socorro a mais
Zarzuela
BENTO RIBEIRO DANTAS
Escritor
um dicionarista, desta vez, moderno, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, de 2004. Cultura: “arte, efeito ou modo de cultivar – o conjunto de características humanas que não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram através da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade”. Entretenimento, comumente vendido como cultura, as vezes de forma proposital, é apresentado como cultura. Dai a necessidade, tanto quanto possível, de clareza dos dois conceitos. Voltemos aos dicionaristas: Moraes, que desta vez é seco e preciso, entretenimento: “distração”. Aurelio, entretenimento: “divertimento, distração”. Entretenimento, não pressupõem trabalho, o sujeito é, na grande maioria das vezes um mero, mesmo que atento, espectador. Tomemos o cinema como exemplo, um cinéfilo, que procura com frequencia os bons filmes, os que passem uma mensagem que tenha significado, que exijam reflexão, está adquirindo cultura. Como os filmes dos grandes mestres, Bergman, Kurosawa, Kubric, tantos outros... Já aquele que vai esporadicamente ao cinema para ver um filme de tiroteio e cenas de perseguição de carros, está apenas buscado entretenimento. Podemos dizer o mesmo para literatura, vai uma distancia muito grande em adquirir o habito da leitura de bons autores, ou manusear esporadicamente revistas de variedades. Existe um abismo entre conseguir ler e aproveitar o “Grande Sertão Veredas” do Guimaraes Rosa, de frequentar Jorge Amado ou Cecilia Meireles e folhear a revista “Caras”, sem criticas aos leitores de Caras, ou critica em aproveitar um bom entretenimento. Podemos dizer que cultura exige trabalho, para ser adquirida. Entretenimento é efêmero, dado ou adquirido com dinheiro, e se consome no ato.
“Remeta-me os dedos em vez de cartas de amor” Elisa Lucinda - 02/04/1958
“É samba que elas querem”? Elas vieram pra resistir, e o retorno vem do público. No repertório Dona Ivone Lara, Clara Nunes e Lecy Brandão e nada como uma festa de aniversário de uma amiga pra reunir a mulherada... E assim surgiu a roda formada exclusivamente por mulheres, conciliando com suas profissões, onde encontramos advogadas, psicólogas, professoras e musicistas com o objetivo de se juntar, estudar, compor e tomar umas por que ninguém é de ferro. Algo despretensioso, mas a rede social não perdoa e o sucesso veio; um vídeo da música “mulheres”, repaginada para uma leitura feminista e contou com a participação da cearense Doralice Gonzaga, sucesso de Martinho da Vila de autoria de Toninho Geraes, viralizou e teve mais de 2,5 milhões de acessos. Tamanha exposição gerou um certo desconforto com o autor, mas já foi resolvido. As dificuldades existem, tocar na rua, a falta de grana e a busca constante por parcerias e citam como exemplo o “Moça Prosa”, grupo que existe há mais de 06 anos, que mesmo com autorização legal, sempre tem problemas com a polícia e sofrem embargos constantemente. O machismo também é outra questão, que mesmo disfarçado, tem sempre um homem pra dizer que mulher tem que ter mais pressão. Mas vamos virar a página. Com projetos de turnê pelo Brasil, a banda promete fazer uma releitura de Loura Burra, do Gabriel, O Pensador e Garota Nacional do Samuel Rosa do Skank (sugestão da nossa repórter). Além do “Samba que elas
LÉA GONÇALVES
Radialista, DJ e programadora musical
querem”, futuramente o plano é mulheres instrumentista. compositoras de samba. Giselle Sorriso Júlia Ribeiro Karina Neves Mariana Solis Silvia Duffrayer Angélica Marino Bárbara Fernandes Cecília Cruz Colaboração: Martha Pessoa, Ivana Gasques e Neide Jesus.
Até a próxima. Mande-nos uma mensagem, participe conosco: A coluna Zarzuela gostaria de saber quais são as dez mais de todos os tempos? lea.leadj@gmail.com http://facebook.com/lea.leadj para os inscritos no Catarse, samba como elas querem de Doralyce Gonzaga, Leci Brandão, Clara Nunes, Dona Ivone Lara.