F RE N TE V E ENTREVISTA:
Nesta edição de número 008-infinito, o Frente & Verso presta uma homenagem e faz uma sincera reverência aos produtores locais da nossa casa e sede: a Feira Livre Periurbana de Armação dos Búzios. - PG 08 e 09
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PU BL ICAÇÃO POL ÍTICO- CU LTU RA L , GA S TRONÔMICA E L ITERÁ RIA DE A RMAÇÃO DOS BÚ ZIOS
MAR C O 2 01 9
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GUANABARA:
Como diz o outro, ninguém faz carnaval porque a vida é fácil, mas pelo motivo oposto. Quando a perspectiva da morte (física ou simbólica) se avizinha, é aí que se torna mais necessária a afirmação categórica da vida. - PG 06
R SO
CONVIDADA: Mas se olharmos a cultura com prioridade, talvez comecemos a reverter o processo desumanizador que aqui se instalou, porque arte, cultura e educação são o lugar da humanização. - PG 15
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EDIÇÃO 008 – ANO 01 – MARÇO 2019
EDITORIAL
traços & troços MATTIAS
Chargista
SEMANA INTEIRA DE CINZAS No Brasil de 2019, todo santo dia parece dia de ressaca. Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo. Parece que, desde que o ano começou, não houve nenhum dia em que não estivéssemos nos recuperando de algo. Mortes em Brumadinho, no Centro de Treinamento do Flamengo, no racismo do estrangulamento no supermercado ao lado. Laranjas na política, tensões militares na fronteira, amores interrompidos, massacres na favela, acidente com jornalista, mulheres violentadas em algum prédio próximo. Os tempos são duros, são tempos que cortam. Atravessamos a vida e ela também nos atravessa. O nublado do céu tem sido companhia cativa. Mas como diz o oráculo na voz de Nelson Cavaquinho, o sol há de brilhar mais uma vez. O Carnaval de 2019 tem a responsabilidade de recuperar algum espírito de alegria coletiva e comunhão em um país que, até agora, não parece estar satisfeito em nada. O limite da polarização política das eleições de 2018 prometia algum alívio em uma nova configuração de júbilo dos vencedores e resignação dos vencidos. Porém, o turbulento - para não dizer caótico - início do novo governo e os acontecimentos intensos da vida nacional têm é deixado plantadas caras fechadas nos dois lados. Ninguém parece estar feliz, esperançoso, leve ou encantado com o país que se anuncia para os próximos anos. Como diz Millôr, com suas palavras resgatadas para os dias atuais, a impressão é a de que “o Brasil tem um longo passado pela frente”. No Rio de Janeiro, a quadra que se avizinha é fatal para o desenrolar desse triste enredo que envolve a explosão da violência, a falência do Estado e da representatividade política, o avanço das milícias e seu poder tenebroso sobre a sociedade. Logo na semana seguinte ao Carnaval, o Rio volta à superfície fria da sua triste realidade com um aniversário nada louvável. No dia 14 de março, completa-se um ano do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. Como se a brutalidade do crime não fosse já suficientemente avassaladora, convivemos com outra violência nesses doze meses: a incompetência, incapacidade ou,
pior, indisposição do Estado brasileiro e das forças de segurança para solucionar um crime político de tanta repercussão. Em Búzios, temos a possibilidade de colaborar com um outro modelo de urbanidade, para o estado e o país, a partir da nossa vocação para uma convivência mais humana, acolhedora, sustentável. O perfil mais cosmopolita da cidade, a contribuição de turistas e moradores nas trocas e relações no espaço público, a abertura para o diálogo e construção conjuntos são algo valioso que, no meio desse caos, não podemos perder. Para isso, queremos continuar colaborando, a partir do Frente e Verso, com a possibilidade de a cidade ter uma publicação plural como ela, aberta ao debate de ideias, pautada na qualidade dos conteúdos e na universalidade das suas páginas. Porém, com a onda devastadora do clima de 2019, a nossa quarta-feira de cinzas também anda a provocar coceiras atrás da orelha. O Frente e Verso passa por um momento sensível para a sua sobrevivência, após meses de colaboração militante de seus organizadores, colunistas e, principalmente, leitores e assinantes. As dificuldades para se manter o projeto de um jornal impresso gratuito - em especial as financeiras - batem à porta e deixam uma incógnita deitada logo à frente. Portanto, contamos como nunca com a participação de mais assinantes, de apoiadores da nossa campanha de financiamento coletivo para o êxito das próximas edições. Que o Carnaval, esse vendaval civilizatório tão particular do nosso sagrado e do profano, nos leve para algum lugar além daqui. Que o ano de 2019, começando no ditado popular somente após a folia, nos traga um horizonte melhor do que o que vimos até agora nesses dois meses, de Brumadinho ao Rio, passando por Búzios. Como diz o poeta das Minas Gerais, preocupado desde muito com as tragédias que roem as nossas montanhas, não nos afastemos muito. Vamos de mãos dadas.
Verso em frente DUDU PERERÊ
Poeta
O QUE É DO AMOR? Aconteceu Depois que senti teus fedores Passei a gostar mais dos meus.
EXPEDIENTE FRENTE E VERSO É UMA PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS. JORNALISTA RESPONSÁVEL: Artênius Daniel - Contra Regras (DRT/MG 08816JP) REDAÇÃO: Alexandre Santini, Dudu Pererê, Gessiane Nazario, Gustavo Guterman, Hamber Cannabico Carvalho, Hélio Coelho, Heloisa Guinle Ribeiro Dantas, Leandro Araújo, Léa Gonçalves, Luisa Barbosa, Manolo Molinari, Maria Cristina Pimentel, Maria Fernanda Quintela, Roberto Campolina, Sandro Peixoto, Sheila Saidon, Tiago Alves Ferreira, Tonio Carvalho. CHARGE: Mattias. REVISÃO: Maria Cristina Pimentel. FOTOS: Acervo do Facebook da Feira Livre Periurbana de Armação dos Búzios. TIRAGEM: 2.500 (dois mil e quinhentas unidades) - Distribuição gratuita. PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Vinicius Lourenço Costa - Vico Design ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO: Contra Regras Produção e Comunicação ENDEREÇO: Feira Livre Periurbana de Búzios, Praça da Ferradura, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 FALE COM A FRENTE E VERSO: frenteverso@contraregras.com.br
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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
Educação
PASSADO, PRESENTE, FUTURO Suspirar pelo passado. Gostar dele mais hoje do que ontem. Morrer de saudade da Rua Bento Ribeiro Dantas, do tempo do Seu Bento, e do bairro com nome de mangue, onde as doces pitangas reinavam. Papagaios conversando em papagaiês por cima das árvores, gaviões brancos, periquitos, atobás e outras aves compunham o azul de céu da praia de Manguinhos. Geribá transbordava da palmeira que lhe batiza. [1] Hibiscos coloriam toda a cidade e um burro escandaloso não deixava ninguém dormir na Rua da Brava. Na Rasa era roça a dar com pau e a Cem Braças um lamaçal. Na Armação dos tão distantes e próximos anos 1980, entrada de praia era servidão, e os homens que passavam o dia no Bar Nascimento falavam de trás pra frente, só para fazer graça e confundir os forasteiros. O buzianês, um portunhol genuinamente buziano, era o idioma oficial: dinheiro é dineiro, banheiro, baneiro, Manguinhos, Manguinios. E quem morava em Manguinios e ia ao Centro era quem se deslocava em direção ao mangue. O bairro dos Ossos era a “cidade” e Cabo Frio quase um outro país. Clássico de bola era entre a equipe do Foguinho e o 500. Tudo era comprado na base de troca
e confiança. Palavra de honra valia mais que qualquer vintém e todo comércio tinha o caderninho do fiado: ah, paga depois. Nessa época, não se tinha medo de ladrão, mas de lobisomem e de boitatá, um bicho muito veloz, uma ave ou cobra, cheia de faísca de fogo, que rodava pela cidade assombrando quem maltratava o meio ambiente. Tinha também a Jabuticabeira encantada na Praia da Foca, a Mãe do Ouro, que protegia as mulheres na Baia Formosa, e o Caboclo Gigante, que defendia os pretos da Armação. Na Orla Bardot, o Cais de Pedra era o mais comprido e, por isso, a parada final da pescaria farta. Ao fundo, casas azuis e brancas, teto baixo e cactos no telhado. Na Rua das Pedras, cabritos, bodes, cavalos, galinhas e o principal armazém da região, que vendia só o indispensável pra se viver: querosene, vela, lampião, peixe seco, grapette, fumo de rolo e pinga. Onde está, hoje, o Hotel Atlântico, um muro de pedras, construído com capricho pelos escravos, guarda, numa capela dedicada à Nossa Senhora Aparecida, a história de um tempo passado, de exploração
Amar o perdido deixa confundido este meu coração. Nada pode o olvido Diante do sem sentido apelo do Não. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão Mas as coisas findas muito mais que lindas, essas ficarão.
Poema Memória, Carlos Drummond de Andrade
LUISA BARBOSA
Professora doutora de filosofia e sociologia do C. M. Paulo Freire e do C. E. João de Oliveira Botas
e memória. O cenário do muro era moldurado pela “Caza do Sino”, “A Colônia”, o “Solar do Peixe Vivo”, a Igreja, o Cemitério de Santana e outras joias de nossa história, já colocadas abaixo por esse mundo pobre da urgência das coisas insensíveis e tangíveis. O presente, essa sucessão demasiadamente rápida de agoras, traz tanto saudade das coisas findas do passado quanto esperança de um tempo novo que há de vir. Tudo muda. O futuro espera um amanhã cheio.
1. “Jerivá” ou “jeribá” (Syagrus romanzoffiana) da família Palmae, nativa da Mata Atlântica. Nome originado do tupi jeri’wa e significa “escorre da boca”.
Biblioteca Pública Municipal Francisca Maria de Souza Funcionamento: segunda-feira a sexta-feira de 8h às 17h Praça da Ferradura s/n, Ferradura, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil CEP 28950-000 Fone (22) 2623-2510
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EDIÇÃO 008 – ANO 01 – MARÇO 2019
CRÔNICA BUZIANA
SANDRO PEIXOTO
Empresário e jornalista
NÓS, OS DROGADOS Foi o cantor Lorde K quem disse um dia que, todo careta é um viciado em alguma coisa careta. Nada mais que a pura verdade. Conheço gente careta que passa o dia tomando café. Outros vão de Coca-Cola, chocolate e doces variados. Ninguém toma café para se alimentar. Café é uma espécie de droga. Nosso organismo produz principalmente durante o dia uma substância de nome Adenosina, que provoca sono. A cafeína, no entanto, confunde os receptores da Adenosina e a pessoa fica mais ativa, ou seja, tipo meio drogada. Só que a Adenosina consegue superar o efeito da cafeína e então, para o viciado se manter ativo tem que tomar mais e mais cafezinhos. É ou não é uma coisa viciante o café?
LIVROS
TIAGO ALVES FERREIRA Produtor cultural
Com muito açúcar como gosta o brasileiro então... Açúcar é outra substância que bem poderia ser enquadrada como droga. Açúcar vicia e mata mais que cocaína. A obesidade que tomou conta do mundo - principalmente de jovens e adolescentes – e que mata cada dia mais, é resultante do alto consumo de açúcar. Seja em bebidas alcoólicas, refrigerantes, doces, bolos e carboidratos. Você sabia que carboidratos e açúcar são sinônimos? Os açúcares são divididos em dois tipos: carboidrato simples e complexos. Os simples, também conhecidos como monossacáridos são basicamente açúcar de mesa, sacarose, maltose e lactose. Os complexos são encontrados nas farinhas, batata, bananas e até em legumes.
Outra droga que a sociedade consome sem pudor é o chocolate que além de engordar, vicia tanto quanto outras drogas mais pesadas. Chocolate deveria ser chamado de droga da felicidade. Já vi muita gente abrir um sorriso imenso depois de uma mordida numa barra de chocolate. Além das delícias citadas acima, poderíamos ainda colocar na mesma lista coisas banais como pizza, salgadinhos, batata frita, sorvete e hambúrguer. Nos viciamos por dois motivos: por causa das substâncias encontradas nos produtos que consumimos e também por ansiedade. A rotina desiludida da maioria das pessoas as faz buscar prazer em qualquer coisa. E haja pizza fria para baixar a ansiedade. Pizza não resolve?
Em Mulheres na luta, Marta Breen e Jenny Jordahl destacam batalhas históricas das mulheres — pelo direito à educação, pela participação na política, pelo uso de contraceptivos, por igualdade no mercado de trabalho, entre várias outras —, relacionando-as a diversos movimentos sociais. O resultado é um rico panorama da luta feminista, que mostra o avanço que já foi feito — e tudo o que ainda precisamos conquistar.
seu filho morrerem de fome, admite sua culpa e está pedindo perdão. Seria tudo muito simples se essa não fosse uma história para crianças.
O livro, que é totalmente colorido e tem capa dura, ainda conta com um posfácio de Bárbara Castro sobre o movimento feminista no Brasil.
Mulheres na luta - 150 anos em busca de liberdade, igualdade e sororidade Autoras: Jenny Jordahl e Marta Breen Tradução: Kristin Lie Garrubo Editora: Seguinte Companhia das Letras Páginas: 128 Há 150 anos, a vida das mulheres era muito diferente: elas não podiam tomar decisões sobre seu corpo, votar ou ganhar o próprio dinheiro. Quando nasciam, os pais estavam no comando; depois, os maridos. O cenário só começou a mudar quando elas passaram a se organizar e a lutar por liberdade e igualdade.
A mulher que matou os peixes Autora: Clarice Lispector Editora: Rocco - Pequenos Leitores Páginas: 48 Publicado originalmente em 1968, A mulher que matou os peixes é um livro sobre perdas, animais e sobre uma mãe que não tem medo de falar a verdade. Clarice deixou os peixinhos de
Narrando em primeira pessoa, em um tom descontraído, a autora apresenta uma personagem franca e comprometida com o universo infantil. A fim de conquistar o perdão dos filhos e dos leitores, Clarice, a escritora e a protagonista, passa a contar, de maneira muito confessional, histórias de animais de todos os tipos. São bichos que habitam o cotidiano e o imaginário das crianças. Nem todas as histórias são felizes, mas há afeto nas palavras que conversam sobre morte, vida e separação, os temas condutores das histórias. A nova edição traz ilustrações de Mariana Valente, neta de Clarice Lispector. A artista e designer usa a colagem como linguagem para criar imagens que desafiam o olhar infantil. A mistura de referências históricas e de elementos confere ao resultado final estética ousada e contemporânea. Além disso, o projeto gráfico convida o leitor a mergulhar no universo de Clarice quando utiliza uma tipologia que remete à máquina de escrever da autora. A mulher que matou os peixes já era leitura obrigatória para os amantes da literatura infantil inteligente e de qualidade. Assim, essa nova edição chega como um presente tanto para os pais, que conheceram essa história na própria infância, como para as crianças que terão oportunidade de conhecê-la neste belo projeto.
Então vamos de chocolate, sorvete e salgadinhos. Tudo junto se possível. Escrevi todas as besteiras acima para mostrar o quanto é idiota nos dias atuais teimar em chamar maconha de droga. Maconha não é droga. Se for, faz menos mal que açúcar. Que álcool nem se fala e, no entanto qualquer pessoa pode comprar bebidas alcoólicas a qualquer hora do dia. Sem restrição de quantidade nem de grau etílico. No mundo, morrem mais pessoas na guerra contra a maconha que consumindo a erva. Aliás, é quase impossível alguém morrer por consumo de maconha. A humanidade jamais viverá sem drogas. Nem que seja uma boa taça de vinho.
Carolina: uma biografia Autor: Tom Farias Editora: Malê Páginas: 402 Em Carolina: uma biografia, o jornalista Tom Farias apresenta a complexa trajetória da escritora Carolina Maria de Jesus. Da infância pobre, na cidade de Sacramento, em Minas Gerais, passando pelas cidades em que peregrinou na juventude em busca de trabalho e de diagnóstico e cura para uma doença nas pernas, até sua chegada a São Paulo, onde se instalou na favela do Canindé. A biografia detalha não somente sua relação com os filhos e o momento de ascensão, devido ao sucesso editorial do livro “Quarto de despejo”, mas também, o declínio em razão do desinteresse do mercado editorial e dos leitores por suas publicações posteriores, o que, acrescido de sua personalidade forte e das barreiras sociais e discriminatórias brasileiras, levou a escritora a retornar à mesma condição de pobreza em que viveu boa parte da sua vida.
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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
Teatro
ÀS NOSSAS BIBIS TONIO CARVALHO
Autor, ator e diretor teatral
Pensei em escrever sobre Bibi Ferreira. Escrever o quê?... se todos, com toda razão e amor, dedicaram-lhe palavras de admiração, respeito e reconhecimento à sua trajetória pelos palcos a ponto de confundir-se com a própria história do País, sua arte, sua cultura. Entretanto, como todos, respeitosamente a reverenciaram, pensei que eu seria mais um a louvar-lhe a sabedoria cênica, a intransigência diante do mal feito, a crítica ante o despreparo atual dos que sobem aos palcos com objetivo de apenas ganhar uma grana graças ao prestígio via TV e/ou apenas para alimentar um ego já inflado. Claro que nem todos. Exemplo oposto é assistir Gilberto Gawronski encenando “A Ira de Narciso”, texto de Sérgio Blanco, uruguaio, ao qual já nos referimos em coluna anterior citando outro de seus textos, “Tebas Land”. Ou Cassia Kiss em “Meu quintal é maior do que o mundo” do grande poeta Manoel de Barros. Bibi era única. Desde cedo cantava, dançava e como provou, transitava dos dramas e tragédias à comédia com a qual muito se identificava. Apesar de tal preferência - ou identificação, foi com “Gota d´Água”, obra máxima de Paulo Fontes e Chico Buarque, inspirada em “Medeia” de Eurípides, e que ela considerava a mais difícil de suas interpretações, quando foi incontestavelmente, arrebatadora. Para nós, que a vimos ser “Piaf”, “Amália”, “Elisa Doolittle”, “Aldonza”, etc., “Joana”, a nossa “Medeia” foi realmente, um momento único em sua brilhante carreira.
Diante dessas considerações, pensei: não vou escrever sobre a Bibi! Vou escrever à ela, diretamente, esteja onde estiver, ou seja, em cada um de nós que a vimos, aplaudimos, reverenciamos, rimos e choramos até a última “Gota d’Água” pois tudo o que hoje desejaríamos seria apenas “Mais um dia...” para podermos perguntar a ela “A Quoi Ça Sert L’amour?” E com ela juntos cantarmos o “Hymne a L’amour”! “Amada Bibi, Sei que esta pequena mensagem a surpreenderá mas... ficamos um pouco órfãos. E como bons aprendizes, tentaremos armazenar o choro para derramarmos as lágrimas na hora, teatralmente falando, certa. No entanto, agora que você partiu, virou estrela maior a nos iluminar lá do alto, pergunto: até quando sufocaremos nossos prantos e dores diante do descaso com nossos artistas que permanente reflexão contra a tirania de poderosos que massacram com mão pesada a memória de um País ou a distorcem, historicamente foram e são artífices de lutas históricas pela cultura, pela democracia, igualdade social? Esta mensagem, Bibi, sei que não é nada original pois você sempre foi a memória viva de tudo o que fizemos ou tentamos fazer como artistas por um País melhor, por um mundo melhor. E é essa memória, Bibi, que mais uma vez está sendo destroçada, esmagada, esmigalhada pelas patas de “Cavalões”, numa reedição de um filme já visto e que todos sabemos que não terminou bem e nem terminará dessa vez. Logo, Bibi, essa mensagem embora nada original, se justifica. O esquecimento ou o massacre da memória, nos rouba, usurpa-nos, como Nação. Um País sem cultura e sem memória, não tem identidade.
Sendo assim, Bibi, transmito a você um pedido: que nunca se deixe esquecer. Porque através de você, brasileiros contemporâneos e futuras gerações, poderão resgatar e admirar não apenas a atriz e cantora, fascinante intérprete que você sempre foi, mas também outras tantas artistas que trilharam um caminho no qual você foi pioneira. Um tanto de você está em todas elas, e todas elas, podemos dizer, estão em você: Marília Pêra, Cacilda Becker, Clara Nunes, Lilian Lemmertz, Dalva de Oliveira, Rogéria, Maysa, Maria Della Costa, Marlene, Emilinha, Glauce Rocha, Angela Maria, Beatriz Segall, Inezita Barroso, Isabel Ribeiro, Dercy Gonçalves, Tonia Carrero, Aracy de Almeida, Lelia Abramo, Carmem Miranda, Dulcina de Moraes, Cassia Eller, Yara Amaral, Nora Ney, Myriam Muniz, Eliseth Cardoso, Cleyde Yáconis, Nara Leão, Dina Sfat, Clementina de Jesus, Eva Todor, Dona Ivone Lara... Atrizes-cantoras, cantoras-atrizes... todas e muitas outras, de uma forma ou de outra, uniram suas vozes em momentos diversos de nossa história teatral e musical para lutar contra a intransigência, os preconceitos, o racismo etc. Ao me despedir, conto a você, Bibi, uma pequena história: - “Quem é essa tal de Elis Regina que tanto falam?”. Perguntou-me recentemente um jovem. O que responder? Beijos e muito axé. Continue a nos abençoar com a graça com que veio ao mundo. Pois ele está bem sem graça sem você.”
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EDIÇÃO 008 – ANO 01 – MARÇO 2019
Guanabara
O CARNAVAL ESTÁ ACABANDO Pra que carnaval? Há quem questione os custos da folia. De uns tempos pra cá, virou moda comemorar corte em investimentos na festa. Vamos lá... o carnaval acontece com ou sem dinheiro público. A questão é se o poder público escolhe se isentar ou não da responsabilidade quanto aos impactos logísticos, econômicos e funcionais nas cidades. Carnaval é o acontecimento sociocultural mais importante do Brasil e ponto. Saber disso já seria suficiente para justificar seu fomento, mas existem aqueles que só enxergam o mundo pelo desencanto dos números. Para esses, os números existem: em meados do ano passado, a Fundação Getúlio Vargas apresentou um estudo comprovando que cada real de dinheiro público investido em carnaval gera um retorno de R$ 13 em arrecadação. Carnaval não é problema, é solução. Botar grana no carnaval não tira verba de creche ou hospital; pelo contrário, ajuda a arrecadar recursos para isso.
Há também quem defenda que, com tantas tragédias, não haja motivos para comemorar. Bobagem. Como diz o outro, ninguém faz carnaval porque a vida é fácil, mas pelo motivo oposto. Quando a perspectiva da morte (física ou simbólica) se avizinha, é aí que se torna mais necessária a afirmação categórica da vida. Há os que, mesmo sabendo disso tudo, atuam para minar o carnaval. Esses não são ignorantes; mais do que ninguém, sabem exatamente do que se trata o babado e por isso mesmo odeiam a festa de Momo. Quanto mais gente infeliz e desencantada, mais falsas promessas de felicidade podem vender. A esses, fica o aviso de que carnaval está nas últimas, acabando mesmo, mas já na quinta-feira recomeça tudo de novo. Como dizia o filósofo Beto Sem Braço: o que espanta miséria é festa.
LEANDRO ARAÚJO
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S A M B A H O M E N A G E M D E M Á R C I O C A R E C A A O A M I G O PA U L Com muito amor e ternura Que se foi o sapateiro João brigão e brincalhão Amante da música E da praça Santos Dumont Do sapato da sapataria que tu fez Ainda lembra o freguês Tu era feliz na praça Cigarrete, pinga e cachaça Eu, Biu e Marcola Segurava o peso Dos caixotes do galinheiro E no caixa do Jacaré Não podia faltar um qualquer Mas sabe lá? Ele tinha Sandro como pai Que também o tinha como filho E as loterias que a gente fazia? Fomos no bar da Tia E ganhamos no leão 90 contos pra dois E haja feijão com arroz. Galinha, farinha e pimenta Ajuntando com “água benta”!
Ar dos Búzios
UMA PEDRA ROLANTE EM BÚZIOS A pesca em Búzios era tão abundante que os antigos inventaram o mapa. Pendurado numa birosca, ali estavam as anotações que tratavam do rodízio da pesca, onde grupos de pescadores se revezavam nas praias. Os grupos se formavam em torno das canoas existentes. Se uma canoa pescasse na praia Azeda hoje, amanhã ia pescar em João Fernandes, e quem estava em João Fernandes passava para João Fernandinho, e assim por diante. Sete praias faziam parte do mapa. Praia do Canto, Armação, Pedra Lisa, Ossos, Azeda, João Fernandes e João Fernandinho. Nessa época, as canoas eram de um tronco só. Esculpidas num único tronco de madeira. O ano era 1976. O local conhecido como casa de som, era o que existia no centro de Búzios. Na verdade não havia nada no centro. Havia o barracão da casa de som, onde era possível beber cachaça, fumar um baseado e tocar um violão. - Eu e os meninos que pescavam comigo na canoa do meu pai (Mestre
MARIA FERNANDA QUINTELA
Jornalista
Zeca), a gente ficava bebendo na casa de som e quando dava a madrugada, a gente ia direto pescar – conta Dica. Nessa época andava por aí um gringo. Volta e meia o gringo surgia atrás dos pescadores, querendo curtir um pouco, beber uma cachaça com companhia, e já era figura manjada no pedaço. Ninguém conseguia conversar com ele, mas todos se entendiam através de sinais. Dica conta que não se sabia de onde ele era, mas o gringo andava atrás deles o tempo todo. - Eu tinha trocado um bonito pelo violão velho de um hippie. Era um violão com apenas três cordas e todo desenhado. A gente ficava enganando que tocava, e esse cara sempre com a gente. Um dia numa fogueirinha na Azeda, a gente passou o violão pra ele. Pô, o violão só tinha três cordas e o cara detonou na música. A gente não conhecia a música, era em inglês, mas o cara arrebentou - lembra.
Numa bela noite de céu aberto e muitas estrelas, a pesca tava grande. Mestre Zeca estava com a canoa na Armação, mas a canoa de João Fernandinho ofereceu um lanço de rede para o grupo do companheiro, tamanha era a fartura de cardumes naquela praia. E lá foi a turma de Dica. - Passando pelo centro indo pra João Fernandinho, fizemos nossa parada certa na casa de som. Na saída, o gringo viu a gente e veio direto na nossa direção. Os meninos começaram logo a murmurar, lá vem aquele gringo atrás da gente outra vez. Aí eu falava, deixa o cara, ele quer ir lá pescar com a gente, não conhece nada, deixa o cara. E o gringo seguiu junto. O lanço foi dado e veio muito peixe. O grupo cercou um cardume enorme. Recado enviado a Mestre Zeca avisava da abundância e pedia para chamar o carro da peixaria. A essa hora, a fome já era grande. Madrugada ia alta e a turma da pesca tratou de separar um bonito grande para assar. - Saiu missão pra todo mundo. Um tirava lenha no mato, outro limpava o peixe, outro tirava alfavaca, outro ia pegar sal nas pedras... Maré baixa, lua de quarto, faz sal nas pedras. Eu fui tirar alfavaca no mato e limão. Peguei os dois. Quem temperou o peixe, pegou tudo junto e colocou. A gente meio atordoado, meio bêbado...tudo escuro ainda.
Peixe assado, educação manda servir primeiro as visitas. O gringo recebe então seu pedaço de peixe e come. Mas quase que imediatamente após engolir, desmaia na areia, apaga completamente. - Morto! Ele morreu, gritou Lili. A gente temperou o peixe com urtiga! Não era alfavaca, era urtiga! Metade correu para o mato apavorado. Nessa hora, vinha descendo o morro a pescadora Mandinha, mãe de Samuca do pandeiro. Vendo nosso desespero, mostrei a urtiga e ela me deu um bocado de vinagre. Colocamos na boca do gringo e ele reviveu! Vomitou, tossiu, mas não morreu! No dia seguinte, teve até festinha com fogueira na praia para comemorar “o cara vivo”. E como de costume, a pesca após a noitada de diversão. Pois o grupo estava tranquilamente pescando, o sol já iluminava a praia, quando avista umas pessoas no alto do morro, descendo com máquinas fotográficas e mais uma monte de aparelhos e coisas. - Nós pensamos, é a polícia que vem aí. Vem nos prender porque quase matamos o gringo. Aí entramos no mato, passamos o dia todo, todo mundo escondido no mato. Mas não era a polícia. Era uma equipe de TV que esperou a volta dos pescadores quase o dia todo. Queriam uma entrevista. O tal gringo era o Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones, e já tinha ido embora de Búzios...
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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
Roda Cultural do C.U.B. Coletivo Urbano Buziano
CircoLo Social
@coletivourbanobuziano
Educar e transformar
Estrada da Usina Velha, nº 179, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 @SocialCircoLo
BAMBUZAL
VOAR...
HÉLIO COELHO FILHO Professor de Tai Chi
“Eu queria aprofundar o que não sei, como fazem os cientistas, mas só na área dos encantamentos Queria descobrir por quê os pássaros escolhem a amplidão para viver enquanto os homens escolhem ficar encerrados em suas paredes.” Manoel de Barros Quem, quando criança, não sonhava em voar? Aquele anseio, diria “praticamente” nato, de tirar os pés do chão e sair, subir, flutuar, sentir as nuvens, aproximar-se das estrelas. Ou mesmo aquela vontade louca de lançar-se na aventura de se jogar de um lugar alto e ficar planando até muito longe. Esse rompimento com a gravidade, típico de seres grávidos de liberdade, ávidos por espaço e outro tipo de relação com o tempo – como as crianças, por exemplo - perseguia-me também na hora de dormir. Após fechar os olhos, sonhava em chegar aquele momento que o corpo, relativamente inerte sobre a cama, desse um tipo de “salto”, “espasmo”, enquanto no mundo de Orfeu pairava sobre cidades, florestas e oceanos. Quando voamos, somos tomados por aquela sensação – insustentável (?), como diria Kundera – de leveza do ser; de leveza de Ser. E como é boa essa sensação de estar solto no espaço! À medida que vamos soltando nosso corpo na imensidão do ar, criamos espaços por dentro, espaços no corpomente, novos espaços para a Vida acontecer. Que maravilha aquela sensação da brisa na pele, dos cabelos ao vento, do olhar abrangente e espantado. Sair do chão, locomover-se de maneiras variadas, remete a outras formas de ser. Será por isso que ficamos tão fascinados com os heróis e heroínas que voam? Para o alto e avante! Como queríamos voar...
Mas o tempo (ne)cronológico vai avançando e vamos acomodando-nos em cadeiras, paredes, luzes fluorescentes, telas brilhantes, almofadas macias e condomínios seguros. Entre aparatos sólidos, vamos enrijecendo nossas articulações, encurtando nossos movimentos à medida que esprememos o tempo. Com menos espaços para nossas águas e emoções circularem, vamos criando um tipo de ferrugem e lodo que, aos poucos, limitam nossos passos e condicionam nossas danças e andanças. Aos poucos, para alguns, até dormir vai ficando difícil, o que dirá sonhar. Nesse momento, nosso processo de formação fica emboladomisturado com a formatação dentro de um sistema cultural e civilizatório e uma conformação dentro de uma “normose” questionável (que, muitas vezes, infelizmente, não conseguimos nem questionar). É quando deixamos de lado nossas asas, inclusive da imaginação, e limitamo-nos apenas a seguir normas, diretrizes, regras e a “vida” segue uma programação logicamente perfeita, precisamente impecável, sem saltos, sobressaltos, giros cambaleantes e sustos. Com o pescoço doendo de tanto olhar para baixo, para o pequeno altar de Luz cujo nome remete às nossas próprias células, sob lâmpadas Led ou fluorescentes, sem perceber, vamos fechando-nos em espaços previamente de-limitados, de-finidos e “seguros”.
Eis que num dia paradoxal, de sol e chuva, abafamentos criam erupções e desconfortos e, de repente – não mais que de repente -, um arco íris atrai nossos olhos cansados. Nessa pausa, ao contemplar aquele fenômeno multicor e estender o olhar entre o Céu e a Terra, começamos a sentir uma coceirinha nas costas. Movemos as juntas, giramos as articulações e vamos aos poucos tirando aquele “peso dos ombros”. Sentimos um destensionamento gradual e voltamos a perceber o coração batendo no peito, o peito se abrindo, a pulsação nas veias formigando os braços até os dedos das mãos. Os pés começam a sair do chão, alternadamente, e sorrimos ao recordar que nessa alternância de pés e pernas é que conseguimos caminhar. A dinâmica peso e leveza, contração e relaxamento, inspiração e expiração despertam-nos para essa brincadeira de equilíbrio-desequilíbrio-reequilíbrio que nos faz avançar e saltar. Afastamos os móveis, mudamos algumas coisas de lugar e os movimentos ampliam-se mais e mais. Resolvemos, então, abrir as portas e janelas e ir para o lado de fora, sentir o vento, a pele, a luz, a chuva, enfim, reconectar-mo-nos com essa muldimensionalidade da existência. Lembrei-me, aqui, da origem da palavra existir: “ex-sistere”, sugir para fora, revelar-se, levantar-se a partir de algo sólido. E, justamente, quando irrompemos a poesia que se oculta por dentro/detrás de pa-
redes, concreto e formas quadradas e retangulares é que podemos romper as couraças e libertar novamente nossas asas. Como a Mangueira e o Abacateiro que respiram dentro de uma pequenina e frágil semente e, após passar um período sob a escuridão e pressão da terra fértil, sobe, abre-se e doa-se em direção ao Sol. Sim, volto ao sonho, à imanência-transcendência, ao estado poético que fazia Rimbaud concluir “por achar sagrada a desordem de seu espírito”, ao compreender que na desordem “há algo sem o qual a vida seria apenas insipidez mecânica”, como ressalta Morin. Por falar nisso, Manoel de Barros, voando fora da asa, disse: “Sou leso em tratar com máquina; mas inventei, para meu gasto,um Aferidor de Encantamentos”. Nosso poeta do Cerrado, criador da “Agramática” e apreciador da inutilidade das coisas, (en)canta: “Os pássaros conduzem o homem para o azul, para as águas, para as árvores e para o amor. Ser escolhido por um pássaro para ser a árvore dele: eis o orgulho de uma árvore. Ser ferido de silêncio pelo voo dos pássaros: eis o esplendor do silêncio” Voemos para o Azul e para Amor. O que veremos como nosso Aferidor de Encantamentos?
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EDIÇÃO 008 – ANO 01 – MARÇO 2019
Preto no branco
FEIRA LIVRE PERIUR ARMAÇÃO DOS BÚ
N
esta edição de número 008-infinito, o Frente
Vista aérea da Feira Livre Periurbana de Armacão dos Búzios
& Verso presta uma homenagem e faz uma
sincera reverência aos produtores locais da nossa casa e sede: a Feira Livre Periurbana de Armação dos Búzios. Produtores estes que abastecem a nossa cidade de alimento para o corpo e alma. Que garantem na nossa semana doses de comida, frutas, verduras e muito afeto. A Feira acontece há centenas de anos em Búzios (tendo passado pela Praça Santos Dumont, Estrada da Usina, Bento Ribeiro Dantas, Itaú...), é um projeto coletivo da cidade e vem sendo potencializada há anos por um dos fundadores do Frente & Verso, o nosso querido Hamber Carvalho. Atualmente, tendo a sua presidência assumida por Sonia Ribeiro, da Vimo Lagos, a Feira entra no seu quinto verão com uma programação rica em diversidade e mais forte do que sempre. Vida longa a ela, nosso “descanso da loucura”.
Sérgio e Matheus Guanaes - Suco de luz, pão integral, plantas e frutas na Feira Livre Periurbana de Armacão dos Búzios
Família Surf - Barraca de sucos e bebidas na Feira Livre Periurbana de Armacão dos Búzios
Andres - Cervejaria La Vecchia tirando aquele chopp artesanal na Feira Livre Periurbana de Armacão dos Búzios
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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
RBANA DE ÚZIOS A Feira reconstruiu o espaço de uma Búzios antiga. Antes, você saia na rua e parava nos bares (que eram só quatro) e as pessoas sempre se encontravam. Com o tempo, isso foi se perdendo e a Feira resgatou essa ideia. A Feira se tornou um espaço do encontro e ainda pode catalisar mais ainda, tem potencial (...) A agricultura não precisa de fertilizante para produzir mais. Produzir para quem? Se grande parte da população mundial morre de fome? Fino da Família Surf - Barraca de sucos e bebidas
Uma andorinha só não faz verão. É impossível ser feliz sozinho. A nossa Feira é um processo coletivo. É um produto coletivo. Uma pessoa só não faria o sucesso que nós *fazemos*. Nós não temos só pastel e caldo de cana. Temos variedade que é extremamente importante: servimos crianças, adultos, gente de todo mundo, vegetariano, vegano, carnívoro...Por isso a nossa Feira de Búzios se diferenciou.. a feira virou um grande point de alimentação diversa e de muita qualidade. Elis - Degelis, Barraca do Pastel
Ao invés de fazer suítes, eu resolvi fazer um orquidário. A Feira tem espaço para todos. É uma inovação para nós e traz um ar de cidade, porque uma cidade tem que ter uma feira. E ainda é uma chance para todos os produtores locais mostrarem os seus produtos. Cléo Longo - Orquidário
A feira demorou a acontecer. Antes tinha mais produção. A gente dá um duro pra fazer a coisa orgânica. Temos que incentivar até quem tem um quintal. A gente não tem um trator. A gente está lutando pela feira. Começamos na marra, eu, Dr. Hamber. Você tinha que plantar. Muito devagar vem o artesanato. Não tem incentivo. Gelson - Barraca de delícias do Quintal (verduras e fruta)
A produção agroecológica é um dos nossos princípios e também da Feira Livre Periurbana de Armação dos Búzios. É um ato de resistência, nesse momento em que a agricultura é dominada pelas grandes marcas de agrotóxicos. Sérgio e Matheus Guanaes - Suco de luz, pão integral, plantas e frutas
Eu fiquei 12 anos na feira e foi muito esforço, muita persistência…. eu comecei com o artesanato de fibra de banana porque o Hamber organizou um curso de 60 horas da fibra da bananeira e eu tive contato com esse tipo de trabalho. Antes eu via aquele
Barracas de artesanato na Feira Livre Periurbana de Armacão dos Búzios
Sandro Peixoto, Hamber Carvalho, Sonia Regina na Feira Livre Periurbana de Armacão dos Búzios
Cléo Longo - Orquidário na Feira Livre Periurbana de Búzios
Elis - Degelis, Barraca do Pastel na Feira Livre Periurbana de Armacão dos Búzios
monte de taboa e não sabia o que fazer. Não conseguia queimar (...) mas eu acho que a Feira como está, hoje, demorou muito para acontecer. Sandra - Pioneira no artesanato sustentável em Búzios A incorporação do artesanato foi muito boa, trouxe um público muito bom, “só o sumo!”. Todos os feirantes entendemos que artesanato vai ser bom sempre que seja artesanato de verdade. Andres - Cervejaria La Vecchia A nossa feira é uma feira da reinvenção em Búzios. Plantas, ideias, gostos, palavras, cores, sons, uma reunião de possibilidades que mantém a cidade viva, que promove os melhores encontros, construindo uma parte valiosa da nossa cidadania. Para nós do Cidade Biblioteca, é uma experiência saborosa comparecer com nossos livros e dividir o espaço cultural da feira com tanta gente talentosa como a querida DJ Lea e sua seleção especial de canções, as bandas e músicos locais que se apresentam ao vivo, os artistas de circo, todos que contribuem com a sua arte todos os sábados. Vida longa ao nosso mercado de amores e abraços por uma cidade melhor. Projeto Cidade Biblioteca Barraca de livros
Gelson - Barraca de delícias do Quintal (verduras e fruta) na Feira Livre Periurbana de Armacão dos Búzios
Barraca do projeto Cidade Biblioteca na Feira Livre Periurbana de Armacão dos Búzios
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EDIÇÃO 008 – ANO 01 – MARÇO 2019
Gastronomia
GUSTAVO GUTERMAN
COMO AUGUSTE SE TRANSFORMOU EM ESCOFFIER Talvez você ainda não tenha ouvido falar, mas é inegável o respeito que profissionais da gastronomia nutrem por esta figura histórica, que foi precursor de todo o processo de produção da cozinha profissional como conhecemos. Estabelecida por especializações de cada cozinheiro que resultam em um cardápio variado e com uma infraestrutura capaz de atender uma quantidade expressiva de clientes, uma das contribuições mais importantes que Auguste Escoffier deu foi a organização e sistematização das brigadas de cozinha. Ele foi bastante perspicaz ao aplicar na cozinha, os ensinamentos de Frederick Taylor, sobre a chamada departamentalização, que é uma divisão das etapas da produção, com o objetivo de produzir mais e mais rápido. Essa mesma teoria foi a que inspirou, Henry Ford, primeiro empresário a aplicar o processo de forma industrial para montagem em série. Ford estabeleceu um método que possibilitava uma produção de automóveis em larga escala (em menor tempo) e a um menor custo. Tal método é replicado até hoje nos grandes pátios industriais em todo mundo, o famoso método fordista. Um filme interessante que aborda o fordismo é “Tempos Modernos”, produzido e estrelado por Charles Chaplin. O filme faz uma crítica ao sistema de produção em série, além de mostrar a enfraquecida economia norte-americana após a crise econômica de 1929. Nascido em Nice (quinta cidade mais populosa da França) em 28 de outubro de 1846, Auguste entrou na cozinha com 12 anos de idade! E por seis anos ajudou seu tio no Le Restaurant Francais em sua cidade natal. O restaurante permaneceu aberto por mais de 50 anos, fechando suas portas somente em 1910! Foi por conta de uma guerra envolvendo a França contra um conjunto de estados germânicos liderados pela Prússia (Guerra Franco Prussiana - que se desenrolou entre 1870 e 1871 e tinha por objetivo unificar a Alemanha) que o jovem Escoffier entrou para o exército. Por questões adversas acabou se tornando cozinheiro de brigada, o que iria ser fundamental para seu futuro profissional. Foi capaz de confeccionar refeições improvisadas no meio
do campo de batalha, literalmente sob o fogo inimigo, enfrentando a escassez dos suprimentos básicos, como o sal. Esses momentos de extremos, durante o conflito armado, também o levaram a refletir e alterar profundamente as técnicas para enlatar carnes, vegetais e molhos. Tais estudos tiveram por base os escritos do também cozinheiro francês Nicolas Appert, 75 anos antes. Após um difícil período pós-guerra, em 1878 Escoffier abriu o seu próprio restaurante em Cannes no sul da França, O Faisão de Ouro (Le Faisan d’Or). Pouco tempo depois se casou Delphine Daffis. Já casados foram para o Monte Carlo, em Mônaco, também ao sul da França. Em meados de 1880, o hotel comandado por César Ritz perderia seu chefe de cozinha para um restaurante parisiense. E foi assim que estes dois mestres se encontraram. A amizade destes dois profissionais e suas observações sobre o trabalho do outro, os levaram a significantes mudanças para o desenvolvimento e organização da gastronomia e da hotelaria. Ritz (considerado o pai da hotelaria moderna) o colocaria novamente no rumo do seu título, “rei dos chefs e chef dos reis”. Essa amizade levou Escoffier a ser conhecido em todo mundo com sua Cozinha Francesa Moderna. César começou como um camareiro de hotel suíço no vilarejo de Swiss Valais. Rapidamente se tornou chefe dos garçons e posteriormente gerente de hotel. Tendo também por base os ensinamentos de seu antecessor, o famoso cozinheiro parisiense Marie-Antoine Carême (1783 - 1833), Auguste aprimorou o sistema de apresentação dos pratos, desenvolvida por Antoine e os simplificou, os tornando práticos e atrativos. Reduziu cardápios, e apresentou jantares em etapas. Estas mudanças seriam replicadas mundo a fora! Essa amizade que definiria os rumos da gastronomia e hotelaria moderna teve seus altos e baixos, mas com um saldo amplamente positivo. Atuou na cozinha profissional até 1920, se aposentando com 74 anos. Sua esposa Delphine adoeceu e faleceu em 6 de fevereiro 1935. Seis dias depois Auguste Escoffier, também faleceu, aos 89 anos.
Escoffier deixou grandes legados, como um sistema de organização das brigadas de cozinha, que foram divididas em estações de trabalho (praças) que tem por base o sistema de linha de produção fordista com o caráter de execução taylorista (hoje questionado por ter como premissa a produtividade do empregado especializado e sem conhecimento do produto final). Em uma entrevista ele coloca em xeque justamente esta contradição do taylorismo na gastronomia ao afirmar; “Um chef não pode dirigir trabalhos que ele mesmo não saiba executar. (…) Só quem faz da cozinha seu supremo interesse, dedicando-lhe anos de estudo e trabalho, torna-se um chef.” Ou seja, fica nítido que apesar da especialização das praças de trabalho, é imprescindível, para o aprimoramento do profissional, seu vasto conhecimento das bases técnicas nas diferentes áreas de uma cozinha. Estabeleceu os primeiros passos do menu degustação como conhecemos, e nos deixou de herança uma vasta literatura com receitas e técnicas utilizadas na gastronomia profissional, nos dias atuais. Conhecendo a história deste grande profissional, é possível entender que a gastronomia precisa estar em eterno estado de evolução, tanto em suas técnicas, quanto na forma como ela é apresentada e representada. Por isso se torna imprescindível levantarmos todas as discussões necessárias para que a cozinha seja sempre um espaço evolutivo e para TODOS. Por tal é impreterível apresentar o discurso machista proferido por Auguste em 1890, numa visita aos Estados Unidos. (trecho do discurso que aparece reproduzido no Annual Report of the Universal Food and Cookery Association, publicação londrina de 1895, sob o título sugestivo de “Why Men Make the Best Cooks”): “Cozinhar é indubitavelmente uma arte superior, e um chef competente é tão artista em seu ramo de tra-
Professor do curso de Gastronomia do Instituto Federal Fluminense de Cabo Frio
balho quanto um pintor ou escultor. (...) Nas tarefas domésticas é muito difícil encontrarmos um homem se igualando ou excedendo uma mulher; mas cozinhar transcende um mero afazer doméstico, trata-se, como eu disse antes, de uma arte superior. (...) Quando as mulheres aprenderem que nenhuma insignificância é demasiadamente pequena para ser desprezada, então iremos encontrá-las à frente das cozinhas dos clubes gourmets e dos hotéis; mas até então esses serão lugares nos quais, certamente, o homem reinará absoluto. ” Apesar da inegável contribuição que o Escoffier deu para as cozinhas profissionais, é lamentável ver que ele, mesmo tendo sido tão vanguardista, no assunto de gênero foi vergonhosamente igual aos outros homens padrão da época e que se apresentam até hoje. Não somente padrão, mas também de pouca visão e ingrato, já que todas as cozinhas do mundo são essencialmente femininas. Assim como, as cozinhas mais resistentes, sempre se apresentam com mãos e rostos tão cansados, quanto amorosos. Este processo masculino de cozinha profissional, sem dúvidas, fez com que a gastronomia ficasse menos e talvez tenha contribuído para as mais importantes dificuldades que os profissionais e empresários enfrentam até hoje neste mercado. Digo isso, porque um negócio gastronômico, nunca é só um negócio. Digo isso porque a arte para a qual Escoffier se referiu, apesar de fazer parte, não é a essência principal das cozinhas. Se tivesse por perto uma mulher, que não raro é atenta ao todo, talvez a cadeia produtiva tivesse sido mais protegida. E por conta deste discurso grotesco, ainda hoje encontramos na sociedade e principalmente na cozinha profissional casos de machismo e preconceitos dos mais variados. Diferente destas crenças do passado, as mulheres nas cozinhas profissionais há muito se mostraram extremamente capazes e muitas vezes superiores em justamente aquilo que Auguste mais criticava; os detalhes. Cabe a nós, providos de senso crítico, conseguirmos aproveitar o melhor dos ensinamentos de nossos mestres e a inteligência de jamais repetir seus erros. Só assim conseguiremos ser melhores. Sempre.
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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
Zarzuela
“MÚSICA É TUDO. AS PESSOAS DEVERIAM MORRER POR ELA. ESTÃO MORRENDO POR QUALQUER OUTRA COISA, ENTÃO POR QUE NÃO MORRER PELA MÚSICA? Lou Reed 02/03/1942 - 27/10/ 2013 É Carnaval, são meses de preparação, batucada, folia e muita cerveja. As grandes escolas de samba dão ritmo aos enredos; a furiosa do Salgueiro, minha escola do coração, entra na avenida amanhã, mas o samba da Mangueira promete levantar o Sambódromo com o tema: “História pra ninar gente grande.” Em Búzios, mais de 15 blocos prometem sacudir os foliões: Chupa mas não baba; Ai meus ossos; Vou ali e volto já; Cocota de Tucuns; Unidos da Rasa; Cachaça no bule; Pinto no lixo; Bloco da loló; Chupa essa cachaça; Cheia de graça; As viúvas do Perú Molhado; Carnagay, e os estreantes, Bloco do Boitatá, A saída é pela esquerda, sendo esse último, uma iniciativa do Coletivo de Cultura, Comunicação e Direitos Humanos Marielle Franco, com apoio de diversos movimentos e setores progressistas da Região dos Lagos. Ainda teremos, o Minha cara e o Não tem água na moringa, formado por amigos, alunos e exalunos da Escola de Música Villa Lobos, que, inclusive, adoro. Passado o carnaval, saímos de Búzios e vamos subir a serra, em direção a Petrópolis, mais especificamente, encontrar as bandas de Rap, Gotam Cru e os Curingas, que surgiram como um coletivo de cultura urbana, na cidade, em meados de 2006, da junção de diversos artistas, incluindo o idealizador da Crew, Marcelo Moraes (Mc Durango Kid). Em 2009, surge o nome Gotam CRU, como um trio de Rap, formado pelos Mcs Durango Kid, Don Pachá e Daniel Ilê (ex-integrante da banda). Surge, então, em 2012, a Gotam CRU & Os Curingas: Um trio de vocais e a formação orgânica com bateria, bai-
xo, teclado e sopro. A banda se caracteriza fortemente pela resistência e por isso tem como influência os movimentos e ritmos oriundos da diáspora negra, bem como ritmos nacionais e latinos, tais quais: afrobeat, raggamuffin, reggae, maracatu, samba... todos sempre marcados pela presença do Rap.
mais de 25 mil visualizações).Outras duas faixas inéditas já fazem parte do repertório da banda e são muito aclamadas pelo público (“Erva” e “Batuqueira”). Estão gravando o próximo videoclipe da faixa “Qual Foi” e o álbum completo está programado para ser lançado em abril, intitulado “Tributo ao Original”.
Mesmo com características tão distintas das demais bandas da cena (sonoramente falando), define-se como uma banda de Rap pela representatividade que o gênero musical tem na atuação social e política, e essa é a maior influência da banda. Com composições autorais e letras explosivas; com combatividade, luta e resistência, aborda temas pertinentes da nossa sociedade. No currículo, dois álbuns: Ritmo de Gotam e Gotam Riddims.
O nome do álbum é uma crítica ao não incentivo da música como expressão, mas sim como um produto extremamente voltado para o capital, o que condiciona muitos músicos (principalmente os independentes) a voltarem seus esforços a fazer cover ou a seguir uma tendência sonora imposta pelo mercado, para conseguirem sobreviver da música. O “Tributo Ao Original” vem como uma ode à música pela música, como uma crítica, mas, também, como um lembrete de que a música é uma ferramenta de intermédio entre a sua mensagem e a representatividade dela no seu público e que essa deve ser sempre a força motriz dos artistas.
Em sua passagem pelo Brasil, o produtor-criador do selo frente bolivarista, o Dj Pigmaleão, juntou-se com a galera e produziu várias tracks. Essa “brincadeira” rendeu horas de gravações, sendo uma track, em especial, tendo contagiado a todos no recinto. Da interação entre a flauta, de Dominique Rabello, o teclado de Guilherme Romão, e as bases inovadoras de Pigmalião, surgiu a linha que instigou o Mc Durango Kid a ficar horas fazendo freestyle e criando na hora o refrão (e automaticamente o nome) de “Vem Vai” (porém, esse single, com características totalmente diferentes, é um projeto à parte). Tornou-se o primeiro vídeoclipe da banda, que até então só tinha lançado dois projetos audiovisuais em formato de lyric video: “Febre do Rato” e “2 Mil e Deze Selva”, (vídeo esse que já alcançou
Formação da Gotam CRU: Mc Durango Kid Dom Pachá Carol Guerra Formação dos Curingas: Dino Fernandes (bateria) Guilherme Romão (teclado) Gabriel Tauk (baixo) Dominique Rabello (sax, flauta e escaleta) INFORMAÇÕES DE CONTATO Ligar 24 988649182 Pepe m.me/GOTAMCRU comercialbalata@gmail.com https://www.youtube.com/channel/ UCT5vWmeagj1fkF1gCTnN5cg
LÉA GONÇALVES
Radialista, DJ e programadora musical
ASSISTA https://www.youtube.com/channel/ UCT5vWmeagj1fkF1gCTnN5cg/ OUÇA https://soundcloud.com/gotamcru Na próxima edição divulgaremos a lista das 10 mais de todos os tempos e para os inscritos no catarse apresentaremos uma playlist do Gotam Cru e os Curingas, Dj pigmaleão, marchinhas e os sambas de enredo campeão do desfile carioca. Até lá e boa folia.
O projeto Cidade Biblioteca é uma iniciativa sem fins lucrativos de promoção da cultura, da leitura e do acesso ao conhecimento em Búzios. Nosso sonho é que os livros estejam sempre ao alcance das mãos, seja na procura do ócio, na espera do café, do transporte público ou do pôr-do-sol. Os livros transformam o intelecto e a sensibilidade, fazem do mundo um lugar melhor. O Cidade Biblioteca promove ações como saraus, clubes de leitura, distribuição de livros pelos espaços públicos, bibliotecas itinerantes.
DOE SEU TEMPO DOE SEU LIVRO
QUINTA-FEIRA
SÁBADOS
Biblioteca Municipal
Feira Livre Periurbana de Búzio
17h
@cidadebiblioteca
8h às 13h cidadebiblioteca@gmail.com
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EDIÇÃO 008 – ANO 01 – MARÇO 2019
Entre
SHEILA SAIDON
Psiquiatra e psicoterapeuta
MANICÔMIOS NUNCA MAIS
“como investir na autonomia e não na infantilização dos sujeitos, como suscitar em suas vidas o acontecimento inédito, como introduzir a surpresa, senão pela ascendência afetiva, entrando com o próprio corpo, mobilizando o entorno, inventando conjuntamente uma linha de fuga, um agenciamento coletivo?” Clínica peripatética, Antonio Lancett
O impacto recebido com a divulgação da nota técnica do Ministério de Saúde, que propõe mudanças na política de saúde mental, e indica um retrocesso à lógica manicomial, foi forte! Desde pequena, ouço falar de desinstitucionalização, luta antimanicomial, saúde e loucura. Quando criança, me pareciam palavras difíceis, mas, à medida que fui crescendo, se transformaram em palavras cheias de força e potência de mudança, gerando em mim, compreensão e registro do outro, do louco. Daquele que parece habitar o fora, o excluído, o segregado. Durante anos o único lugar possível para as pessoas que sofriam de um transtorno mental severo era a reclusão, assim permaneciam invisibilizados, loucos, vivendo durante anos cronificados, sedentários, presos em instituições desvitalizadas, onde a ideia de cuidado muito mais era uma intenção de controlar esse “desvio” da norma, do que acolher o sofrimento e oferecer recursos para fortalecer a autonomia e potência de vida.
A reforma psiquiátrica brasileira ofereceu novos lugares, um outro olhar, uma escuta sensível, inúmeros dispositivos, ações e práticas criativas e inventivas para colocar de pé e em movimento a essas pessoas. Trabalhando desde a afetividade, a partir da reinserção deles no território, na cidade, na comunidade, próximo de suas redes de apoio, das famílias, possibilitando a ressocialização e uma existência viva. Um movimento potente, que ao longo de 30 anos ou mais, se fortaleceu, através de diferentes centros de atenção, multiplicando suas experiências e unindo saberes, trabalhando coletivamente. Descentralizou o atendimento, escapou do discurso biomédico dominante e uniu profissionais numa tentativa de oferecer um olhar e intervenções mais amplas, múltiplas e diversas, que pudessem dar conta dos inúmeros fatores envolvidos quando o sofrimento mental é intenso.
Diálogos Quilombolas GESSIANE NAZARIO
Quilombola da Rasa e doutoranda em Educação pela UFRJ
EDUCAÇÃO QUILOMBOLA
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ESCOLA SEM PARTIDO
Parte 1 Um temerário debate que invadiu a esfera pública nos últimos três anos, e tem tomado proporções cada vez maiores, é o projeto “Escola Sem Partido”. Nesse sentido, farei, aqui, no Frente & Verso, uma seqüência de textos abrangendo alguns cruciais pontos desse projeto, haja vista que o assunto é muito complexo para ser tratado em poucas palavras. Gostaria de propor que os/as leitores e leitoras me enviem dúvidas e contribuições (pelo e-mail que consta no final deste texto) para debatermos um assunto que nos é tão caro: a educação de nossas gerações. Comecemos então pelo primeiro enunciado do título, que é menos debatido e mais desconhecido: a Edu-
cação Quilombola. Resumidamente, podemos entendê-la a partir da definição da própria Constituição Federal sobre a Educação como uma das formas de preparação de indivíduos para a vida em sociedade. Tal pressuposto denota que a educação é uma ação que vai muito além do aprender a ler, escrever e fazer contas, pois preparar o indivíduo para viver em sociedade envolve questões como a sua socialização em um país como o Brasil, que é culturalmente plural e diverso. Com relação aos quilombolas, seria ensiná-las(os) e capacitá-las(os) a compreender o seu lugar social, as condições históricas que o/a condicionaram a existir naquele determinado território e a construção
política e social de sua identidade. A Resolução nº 8, de 20 de novembro de 2012, que sanciona as Diretrizes Curriculares Quilombola, visa atender as demandas desses grupos historicamente excluídos e invisibilizados na historiografia oficial.
O perigo está às portas. Vamos permitir a aniquilação de nossas conquistas históricas e avanços na educação em detrimento de interesses obscuros de grupos empresariais que só visam transformar a educação em mercadoria?
Tanto a Resolução nº 8/2012 quanto a Lei 10.639/03 são importantes documentos que efetivam uma conquista histórica para a população negra e quilombola de nosso país e precisam ser conhecidos, compreendidos e respeitados pela sociedade, pois representam a democratização da educação brasileira e não podem ser reduzidos ou rechaçados por uma sociedade que infelizmente mal conhece a Constituição de seu país e a sua própria história.
Continua na próxima coluna. Para dúvidas e sugestões: gessiane.ambrosio@gmail.com
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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
cultura Política
BRIZOLA NA CABEÇA Fico imaginando o engenheiro Leonel de Moura Brizola, se vivo fosse, num momento como este que vive o Brasil. Imaginem, por um instante, o velho caudilho como governador do estado do Rio de Janeiro, no Brasil de Bolsonaro. A esta altura, já colecionaríamos frases antológicas, apelidos inapeláveis - como Sapo Barbudo e Picolé de Chuchu -, tiradas impagáveis sobre essa nova leva de “filhotes da ditadura” que emergiu do Brasil profundo. Imaginem Brizola no Twitter? O velho Briza não conheceu as redes sociais tais como são hoje. Aposto que seria um craque das redes. Cada tuitada, um Tijolaço! Houve um momento em que o Rio foi um farol de esperança para todo o país. O ano era 1982, o Brasil ainda vivia a ditadura militar e, contrariando todas as expectativas, as pesquisas eleitorais e até mesmo uma fraudulenta contagem de votos (Quem se lembra do escândalo do Proconsult?), o Rio de Janeiro elegia como governador do Estado o gaúcho Leonel Brizola, herdeiro político do trabalhismo brasileiro, na senda aberta por Getúlio Vargas e João Goulart. Brizola não foi eleito com o apoio de toda a esquerda. O PT, que ainda engatinhava, lançou Lysâneas Maciel, candidato próprio, para marcar posição, obtendo 3% dos votos. O PCB e o PCdoB, ainda clandestinos e abrigados no PMDB, apoiaram Miro Teixeira, candidato do partido. A direita tinha como representantes o ex-prefeito de Niterói Moreira Franco (imortalizado
por Brizola como o “Gato Angorá”) e a radialista Sandra Cavalcanti. Mas Brizola fez uma campanha inovadora, empolgante, que conseguiu unir parte expressiva do voto da classe média progressista com um “caminhão de votos” vindo das áreas pobres e dos territórios populares do Estado do Rio: nas favelas da capital, em São Gonçalo, na Baixada Fluminense, deu Brizola na cabeça! Brizola governou para os pobres, e esta opção marcou toda a sua carreira política. Incentivou os mutirões nas favelas, enviando material de construção às comunidades, adotou uma política de segurança pública onde a polícia não subia o morro, contrariando interesses poderosos. Junto com Darcy Ribeiro, seu vice-governador e secretário de Educação, idealizou e construiu o Sambódromo e a Praça da Apoteose, que transformou o desfile das escolas de samba no espetáculo mundial que conhecemos hoje. Mas a maior invenção da dupla Brizola - Darcy foi o Programa Especial de Educação, com os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) funcionando em horário integral, servindo três refeições por dia e integrando a escola com a comunidade. A força destes equipamentos educacionais no imaginário do povo de nosso Estado foi tão grande que, até hoje, muitas destas escolas são chamadas de “Brizolão”.
Darcy Ribeiro, enquanto secretário de Educação, é um capítulo à parte. Olhar para a situação da educação no nosso
Shopping Aldeia da Praia, Avenida José Bento Ribeiro Dantas, nº 5350, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 Fone: (22) 98111-7510
ALEXANDRE SANTINI
Dramaturgo e gestor do Teatro Popular Oscar Niemeyer de Niterói
estado do Rio, e lembrar que já tivemos como titular da pasta de educação um homem público, político e intelectual da estatura de um Darcy… “Toda criança na escola!”, era o lema que Brizola repetia como um mantra. Mas não era qualquer escola. O Programa Especial de Educação, matriz conceitual dos CIEPs, institui a figura do animador cultural: fazedores de cultura das comunidades eram incorporados às equipes das escolas, promovendo ações artísticas, culturais e pedagógicas, incorporando os saberes e fazeres populares ao espaço educacional.
Organizações Globo, foram muito mais por suas qualidades do que por seus defeitos. E olhando o panorama atual da política no Rio de Janeiro e no Brasil, penso que enquanto não superarmos esta falha trágica com a política, especialmente no estado do Rio, reabilitando o Brizolismo como referência e inspiração para um projeto de esquerda com base popular, que nos ajude a encontrar a saída deste fundo de poço em que estamos metidos. Por mais Brizola na(s) cabeça(s)!
Tivemos ainda Abdias Nascimento como titular da primeira secretaria extraordinária dedicada ao combate do racismo e à promoção da igualdade racial em todo o país, um modelo para as políticas públicas de ação afirmativa até os dias de hoje. Nilo Batista era o responsável pela área da Segurança Pública, com uma visão humanista e voltada para a defesa do povo, não para a guerra aos pobres. Augusto Boal, Amir Haddad, Antônio Pedro, Cecília Conde, Caíque Botkay, entre outros, compunham equipes que tocavam projetos especiais. Este time de feras, regidos pela batuta do maestro Brizola, davam o tom do que poderia ser um governo de esquerda no Brasil, um “socialismo moreno”, com a cara e as cores do povo, a influenciar toda a esquerda latino-americana e mundial. Brizola, sem dúvida, teve suas contradições, mas os ataques que sofreu, especialmente por desafiar as
ZANINE
1 MARÇO – 11 MARÇO Expo Graffitti Búzios Arte Urbana e Decor 15 MARÇO – 1 ABRIL Comunidades Quilombolas
FUNCIONAMENTO: SEGUNDA-FEIRA A SEXTA-FEIRA DE 9H ÀS 18H, SÁBADO, DOMINGO E FERIADO 11H ÀS 19H @nucleodedancaodiliacuiabano
Estrada da Usina (ao lado da Prefeitura), Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 - Fone: (22) 2623-6502
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EDIÇÃO 008 – ANO 01 – MARÇO 2019
Cinema e histórias
MANOLO MOLINARI
Historiador Rosarino Buziano
NO MEIO DO CAOS, ÍNDIOS, PIERRÔS E … PIRANHAS
GRAND CINE BARDOT Quinta-feira 19h30 Sexta-feira 19h e 21h Sábado 19h e 21h Domingo 19h e 21h Segunda-feira 19h e 21h (04/03) Terça-feira 19h e 21h (05/03) 2D: Inteira R$36,00 / Meia: R$ 18,00 3D: Inteira R$ 38,00 / Meia: R$ 19,00
@grancinebardot.buzios
Travessa dos Pescadores, nº 88, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000
Festejam-se este ano os trinta anos de um dos desfiles mais maravilhosos que já se viu na Marquês de Sapucaí e, seguramente, no mundo. Estou falando de “Ratos e urubus-Larguem a minha fantasia”. E não é à toa a comemoração, já que o enredo foi obra da genialidade do Joãozinho Trinta. Um verdadeiro mestre da encenação que saiu na avenida com uma verdadeira ópera de rua, no seu sentido mais completo. Naqueles anos, um pouco antes disso, tinha aqui, em Búzios, um carnaval animado, com blocos que pulavam alegremente sem estar muito organizados, e, na verdade, sem precisar muito disso. Lembro de alguns, como Ai meus Ossos, Vou ali e volto já, ou As cocotas de Tucuns. Naquela época, eu tinha, em sociedade com Alicia, Dona Alice, na casa que ainda ocupo, uma mistura de antiquário e restaurante de fondue chamado Casa Velha. Era, no começo, o único comércio que tinha na praça dos Ossos, fora as pousadas e o bar da corrente. Mais tarde, Tito Rosemberg abriu o fantástico Gitanes Bar, um luxo para a época, que não deu certo justamente pela sua extratemporalidade. Era muito pouca a gente que chegava à noite até estas latitudes. A rua das Pedras, com Chez Michou e seus crepes preparados à vista das pessoas, somado a criatividade dos seus jovens donos, abocanhava quase todo o movimento da cidade. Ainda por cima, a polícia atrapalhava o pouquíssimo fluxo que tentava chegar até o ponto final da península, com permanentes blitz na procura de entorpecentes. Foi num ano em que a cidade, ainda com características de aldeia, estava largada, longe ainda de ser município, com as praias sujas, porém quase virgens que, com Mafalda Palhavã, portuguesa dublê de garçonete e restauradora de porcelanas que trabalhava nas noites da Casa Velha comigo, entre uma cerveja e outra, decidimos pegar as rédeas de nosso carnaval. Ela tinha a experiência de ter saído uma vez com a Mangueira então, a partir das cores da tradicional escola, verde e rosa, nos embarcamos para Cabo Frio, a grande metrópole, para comprar tecidos e aviamentos e assim armamos unas fantasias com pareôs e turbantes, e, convocando um grupo de cariocas amigos e alguns estrangeiros locais e de fora, nos juntamos ao pessoal da terra que, aliás, formava parte da bateria, integrada majoritaria-
mente pelos pescadores do bairro e seus filhos. Mafalda e eu saímos, por decisão própria, de porta bandeira e mestre sala, eu de sapatos dourados, fazendo salamaleques e me ajoelhando toda hora enquanto Mafalda girava sobre si e em torno a mim, desfraldando uma bandeira de nylon do Brasil. Foi divertidíssimo e o pessoal adorou!!! No ano seguinte, lá pelo 86 talvez, frente ao sucesso conseguido na nossa primeira apresentação, a gente decidiu apostar mais alto, fazendo, desta vez, um verdadeiro enredo, com samba e tudo! Coisa de gringo doido! Tivemos então, naquelas noitadas de pouco movimento, apesar de ser verão, a ideia de juntar o útil ao agradável e prestar um serviço à comunidade limpando as praias para a confecção das nossas fantasias. O tema do enredo foi, então, “Búzios, beleza e poluição”. Os homens compusemos as nossas fantasias com a sujeira colhida nas praias de Azeda, João Fernandes, Brava e do Canto, garrafas e copos plásticos, pernas e braços de bonecas e outros cacos de lixo, que, amarrados por barbantes, penduravam em torno aos nossos pescoços, as cabeças enfeitadas por copos plásticos alinhavados por um elástico, que pareciam com a coroa da estátua da liberdade. Para completar nossa imagem poluída, tava todo o mundo lambuzado de lama. As mulheres, em oposição, personificavam a beleza, todas vestidinhas de flores de hibiscos, nossa flor nacional, de diferentes cores, vermelhas, brancas, cor de rosa, com pétalas feitas de papel crepom, que conformavam uma corola como um colar no pescoço. Algumas francesas, numerosas na época, e bem mais arrojadas, iam de topless, para quebrar o gelo e animar a plateia e um tapa rabo verde, sumaríssimo, em forma de folha, vestia o resto dos corpos. Na cabeça, para acabar o enfeite, um pistilo que saía de de traz da orelha, tudo criação da Negra Branca, que ainda tinha sua boutique na esquina de Sant’Ana, ali aonde agora tem uma drogaria. Entre todos, minhocas da terra, cariocas e gringos, uns cinquenta ao todo, formávamos um grupo maravilhoso, com uma mulherada de primeira ordem no quesito beleza, e se o samba no pé ficava a dever alguma coisa, o que nem sempre era a regra, compensava-se com juros e acréscimo pelos outros quesitos e pela empolgação. A nossa
música não ficava por menos. Composta em dupla por Mafa e por mim, falava da saudade de um Búzios que estava em vias de transformação e o refrão, cantado a viva voz, dizia “Quanta saudade. Nosso Búzios já foi bem melhor!! Búzios, beleza e poluição, o pescador ficou com mágoa, só tem PM na rua e não tem mais peixe na água... etc. etc.” enquanto avançávamos, descalços pela orla, ainda de chão e sem nome. Dos integrantes daquele grupo que ainda moram aqui, posso lembrar de Luli Seijo, Dominique, talvez Maga, Alberto...o resto está espalhado pelo mundo ou já passou para outro, mas, inesquecível mesmo, era a saudosa dona Corina, mãe de Carlinhos e Fernando, ambos membros da bateria. Ela sozinha, com sua alegria irrefreável e suas risadas estridentes, completava uma ala de baianas inteira! Por último, a modo de abre alas, encabeçava o desfile um bugre amarelo que levava Jô Silva, extraordinária figura que por cá passou naqueles tempos, sentado no capô personificando, conforme ele falava, Miss Poluição, embrulhado numa rede imunda e fedorenta cheia de penduricalhos e com uma garrafa plástica de detergente na cabeça, a modo de penacho. Logicamente, ninguém concursava e a contravenção não nos patrocinava, mas todos nós ficamos, no final, com aquela alegria que demora para ir embora e com a certeza que o primeiro lugar, nesse ano, foi nosso! Alguns anos depois, em 1990, tive a oportunidade de sair, no Sambódromo, com a Mocidade Independente de Padre Miguel e, dessa vez, sim, levamos o título de campeões ao compasso de “Sou independente sou Brasil também, sou Padre Miguel, sou Vila Vintém”, um enredo em homenagem à própria escola, que, dessa vez, levou o prêmio pelo terceiro ano consecutivo, o que nos deu direito a um segundo turno, no domingo seguinte, no desfile das campeãs. Uma verdadeira apoteose!!! Mas essa história toda de desfiles é também porque me dei conta que fomos, sem saber, precursores do genial Joãozinho Trinta, na utilização do lixo nas fantasias do famoso desfile dos Ratos e urubus...e, quem sabe, na preocupação pelo meio ambiente para algum outro. Gente! Alguém que sair de piranha comigo?!! Alalaô e feliz carnaval!!
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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
Convidada CRISTINA PIMENTEL
Mestre em Linguística e servidora do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro/MPRJ
O TUPI E O ALAÚDE “Gente! Adeus gente! Vou pra Europa que é milhor! Vou em busca de Venceslau Pietro Pietra que é o gigante Piaimã comedor de gente!” Macunaíma Inicio este texto com o “Tupi e o Alaúde”, livro de Gilda de Mello e Souza, Editora 34, cuja primeira edição foi em 1979. De que fala Gilda? Fala de Macunaíma, livro de Mário de Andrade, publicado em 1928, considerado um dos principais romances modernistas e da literatura brasileira. E de que fala Macunaíma? Fala de nossas incuráveis mazelas; da solidão de um país formado pela força, pelo autoritarismo, pela exclusão, pela desigualdade econômica, geográfica, pela violência racial e social; da dificuldade histórica de nos amarmos e que nos impede de fundir o outro no eu, porque o amor vai ao encontro de nós mesmos, ao encontro da nação, plena, que passe a cuidar de seus filhos, do Oiapoque ao Chuí. Talvez este seja o sonho, em Macunaíma. Mas em Macunaíma essas dores são tratadas de forma surpreendente. O tempo e o espaço são construídos por vários elementos da cultura nacional que cruzam a narrativa para contar a história do personagem. É lúdico. Este “herói sem nenhum caráter” é constituído pela ironia, sobretudo. O contrário do estereótipo do cavaleiro medieval, por isso, é desconstrução de sentido que desequilibra o institucionalizado, abre fendas. Carnavalizado, na forma de assustar o medo e o sofrimento, assim, é ruptura. Lembra-nos um samba e a ópera contida em todo samba. Não à toa, o romance, em 1975, foi tema da Portela, escola de samba cario-
ca, um dos mais bonitos da história dos sambas-enredo, admito, mesmo sendo eu uma mangueirense apaixonada. Vale a pena ler Macunaíma, e também assistir ao filme, do diretor Joaquim Pedro de Andrade, 1969, protagonizado pelos inesquecíveis Grande Otelo, Dina Sfat e Paulo José. Tanto as reflexões do livro de Gilda, quanto o próprio romance invadiram-me o coração ao assistir a uma das apresentações do Circolo Social, projeto de escola de circo, mantido pela Prefeitura, cujo tema este ano foi “Jornada”, com um forte apelo ao amor pelo outro. Um pensamento puxa outro, por exemplo, o de um anunciado êxodo de brasileiros decepcionados e assustados com a atual situação de nosso país e de seu porvir. Penso que a cidade é feliz, não o tempo todo, porque a felicidade é um estado, quase nunca permanente, mas a cidade pode ser feliz, mesmo que seja por 1 hora e meia, como eu e os inúmeros espectadores que se juntaram no INEFI e na Praça Santos Dumont para assistir à apresentação. E descobri que a felicidade é quando a gente se doa a nós mesmos, considerando que esse “nós mesmos” seja a própria cidade. Dificilmente, voltando nossos olhos exclusivamente para o turismo, como matriz econômica, seremos felizes. Mas se olharmos a cultura com prioridade, talvez comecemos a reverter o processo desumanizador
que aqui se instalou, porque arte, cultura e educação são o lugar da humanização. O projeto de formação do homem é eterno e, sendo eterno, requer prioridade orçamentária e administrativa, para ter continuidade; esse processo de humanização pela arte, cultura e leitura diz respeito à identidade, local e universal, é quando nos reconhecemos pelo resgate do “jeito de ser e de fazer” de um grupo (não de um bando), de sua forma de estar no mundo e como quer estar nele e como deseja se encontrar com o outro. Cultura, artes, leitura constroem o pertencimento. Seria um sonho que parássemos de nos dissolver nesse turbilhão bizonho de comprar e vender que a atividade turística impôs a nossa pequena cidade. O projeto do circo social, em Búzios, teve início em 2003 e, hoje, atende a 300 alunos. Já a escola de música Villa Lobos, inaugurada no mesmo ano, atende a 250 alunos. Se há um consenso em nossa cidade, além de suas belezas naturais, é a importância inquestionável desses projetos. É um enorme orgulho para a população contar ao outro que, em Búzios, existem uma escola de circo e uma escola de música. E por que esses dois projetos, que trazem tamanha felicidade e sentimento de pertencimento à população buziana, são tratados de forma tão mesquinha por nossos governantes? Por que, em vez de se gastar tanto em contratos com
terceirizadas - por onde o dinheiro do município escorre pelo ralo, não se gasta na felicidade, no orgulho, nesse sentimento emancipador que somente as artes, a cultura e a leitura podem promover a um povo? Por que incentivadores do circo e da escola de música percorrem uma via-crucis anual, rogando por orçamento condizente para esses projetos, muitas vezes, ameaçados de extinção? Volto meus olhos a Macunaíma, já que parece haver um em cada brasileiro, ambíguo e contraditório. Somos um vencido-vencedor, que faz da fraqueza a sua força, do medo a sua arma, da astúcia o seu escudo e que vivendo num mundo hostil, perseguido, escorraçado, às voltas com a adversidade, acaba sempre driblando o infortúnio. Nessa ficção, o povo buziano – como todo o povo brasileiro, é da linhagem dos perseguidos vitoriosos. É nossa aspiração recalcada ao progresso. Deve haver um jeito de des-recalcá-la, em defesa de nossa Muiraquitã, a pedra preciosa que Macunaíma, após perdê-la, deseja recuperar; linha condutora de uma narrativa composta por tantas outras do populário brasileiro, a joia, o sonho. E Macunaíma consegue recuperá-la, porque ela é nosso amuleto nacional, é ele que nos dá razão de ser.
Praça da Ferradura, Centro Armação dos Búzios Rio de Janeiro, Brasil SÁBADO DE 7H ÀS 15H Hortifrutigranjeiro, alimentação, DJ Léa, artesanato e livros QUINTA-FEIRA DE 19H ÀS 23H Alimentação, DJ Léa, música ao vivo e artesanato
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EDIÇÃO 008 – ANO 01 – MARÇO 2019
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Memória Buziana
A PAISAGEM DE BÚZIOS Verde, azul, branco, mar verde, mar azul, mato verde, mato cinza, areia branca, vento, movimento. A paisagem, do ponto de vista poético, é o mosaico de texturas e cores, luz e sombra. A paisagem, do ponto de vista ecológico, é o mosaico de ecossistemas, o morro, a planície, o brejo, os tabuleiros costeiros ou restingas propriamente ditas. As matas, a vegetação da beira da praia, os imponentes cactos dos costões, as misteriosas e efêmeras flores, estão lá, presentes, como as esposas do casamento à moda antiga, disfarçando sua importância, carentes de um elogio no desempenho de suas funções, imprescindíveis na composição do todo. O solo de nossa península tem uma história geológica muito antiga, antecede aos dinossauros. Além disso, o “pescocinho”da península tem uma composição ou idade geológica diferente do restante. Será isso que faz nossa vegetação tão especial? Não se sabe. O que sim sabemos é que em Búzios ocorrem muitos endemismos, ou seja, plantas que não existem em outros lugares do mundo. Por isso, pela biodiversidade dos seus ecossistemas, e por ter várias espécies na lista de espécies em extinção, está sendo considerado pela comunidade científica mundial, como “hot spot”, isto quer dizer, local de alta prioridade para a preservação. São heróicas guerreiras estas matas. O solo é arenoso, raso, com pouca matéria orgânica, sol, sal, vento, … apesar do seu estoicismo estas guerreiras não abrem mão da estética, belas e delicadas flores, troncos e ramos esculturais erguem-se sobre o fundo azul,
HELOISA GUINLE RIBEIRO DANTAS
persistem, insistem. A ocupação de uma área inóspita requer uma estratégia, um planejamento. Assim, na natureza as espécies traçam seus planos de ação, para garantir seu crescimento, evolução, reprodução, seu sucesso ecológico. Praia, areia. As marés, os ventos vão moldando dunas, construindo e desconstruindo o relevo. Onde a maré não chega mais com muita frequência, a vegetação pioneira inicia a sua conquista de território. A estratégia das pioneiras é ter um ciclo de vida curto, rápido, antes que dê uma daquelas marés que dá de vez em quando e leve tudo embora. Crescem rápido, pouco para cima, muito por cima do solo, não há tempo nem energia para aprofundar raízes ou ganhar altura. Quando uma vegetação consegue se estabelecer, ela fixa a duna, modifica o próprio meio. O que antes era areia solta, agora é solo agregado entre raízes e ramos rasteiros. As folhas que caem vão fornecendo matéria orgânica àquele substrato. Assim, com condições mínimas já criadas, outras plantas podem ocupar o espaço também e, ainda, investir mais nelas mesmas, ser mais altas, mais robustas. Depois dessas, outra gama de espécies vai se desenvolvendo. Uma na sombra da outra. A isto - “você que pode, vai primeiro, que você me cobre; eu vou atrás”- deu-se o nome de sucessão ecológica. Caminhando da praia para o interior, verificamos que a vegetação é cada vez mais alta, com variações no tipo e no número de espécies que ocupam cada nicho. Através da sucessão, das estratégias de reprodução e disseminação, vai se formando o mosaico de ecossistemas que compõem a paisagem.
Arquiteta
Quando removemos a vegetação, podemos estar, na realidade, mudando as regras do jogo. Aquelas plantas que só conseguiam seu sucesso ecológico ali, porque outras já estavam estabelecidas, não conseguem persistir. Elas dependem umas das outras. Por isso, estavam juntinhas. O homem aprendeu a moldar a natureza para atender suas necessidades imediatas. Esquece, muitas vezes, que ele faz parte desta natureza, fica pouco atento a seus ciclos, seu ritmo. Para preservar a vegetação nativa, é preciso que o nosso conceito estático se adeque ao ritmo da natureza. No momento em que vamos ocupar espaços com nossas construções, compor nossos jardins, é preciso aguçar sentidos. Observar e sentir o que está acontecendo à nossa volta. O tratamento urbanístico, paisagístico, ou qualquer outro tipo de ação antrópica, não será hostil à natureza enquanto tiver a mesma linguagem, a mesma estética, o mesmo ritmo. É possível, premente e necessário preservar, produzir, criar, crescer uma cidade sem que seu elemento básico e fundamental, a sua paisagem, seja destruído.