Vírus Porque neutro nem sabonete, nem a Suíça
R$5 edição nº 19 janeiro 2013
Planetário
Quebrando o tabu
Prazer,
dinheiro, glamour...
é isso?
Um debate sem preconceito sobre a regulamentação da
Prostituição
Entrevista:
Carlos Guedes de Guedes
Presidente do INCRA e a pressão dos movimentos sociais
Economia Solidária Bancos Comunitários se espalham pelo Distrito Federal
Com conteúdo do
FAZENDO
nº19
MEDIA
EDIÇÃO DIGITAL
Em defesa do projeto dos movimentos sociais para o petróleo, com monopólio estatal, Petrobrás 100% pública e investimento em energias limpas. Notícias da campanha: www.apn.org.br www.tvpetroleira.tv organização: Participe do abaixo-assinado:
Por Laíssa Gamaro | Veja mais em: estudiocosmonauta.com.br
traço livre
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Por Adriano Kitani | Veja mais em: pirikart.tumblr.com/
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Afinal, o que é a Vírus Planetário? Muitos não entendem o que é a Vírus Planetário, principalmente o nome. Então, fazemos essa explicação maçante, mas necessária para os virgens de Vírus Planetário: Jornalismo pela diferença, não pela desigualdade. Esse é nosso lema. Em nosso primeiro editorial, anunciamos nosso estilo; usar primeira pessoa do singular, assumir nossa parcialidade, afinal “Neutro nem sabonete, nem a Suíça.” Somos, sim, parciais, com orgulho de darmos visibilidade a pessoas excluídas, de batalharmos contra as mais diversas formas de opressão. Rimos de nossa própria desgraça e sempre que possível gozamos com a cara de alguns algozes do povo. O bom humor é necessário para enfrentarmos com alegria as mais árduas batalhas do cotidiano.
O homem é o vírus do homem e do planeta. Daí, vem o nome da revista, que faz a provocação de que mesmo a humanidade destruindo a Terra e sua própria espécie, acreditamos que com mobilização social, uma sociedade em que haja felicidade para todos e todas é possível.
Recentemente, unificamos os esforços com o jornal alternativo Fazendo Media (www.fazendomedia.com) e nos tornamos um único coletivo e uma única publicação impressa. Seguimos, assim, mais fortes na luta pela democratização da comunicação para a construção de um jornalismo pela diferença, contra a desigualdade.
Expediente: Rio de Janeiro: Aline Rochedo, Ana Chagas, Artur Romeu, Beatriz Noronha, Caio Amorim, Chico Motta, Eduardo Sá, Gabriel
Bernardo, Ingrid Simpson, Julia Maria Ferreira, Maria Luiza Baldez, Mariana Gomes, Miguel Tiriba, Noelia Pereira, Raquel Junia, Seiji Nomura e William Alexandre | Mato Grosso do Sul: Marina Duarte, Tainá Jara, Jones Mário, Fernanda Palheta e Rafael de Abreu | Brasília: Alina Freitas, Ana Ribeiro Malaco, Mariane Sanches, Luana Luizy e Thiago Vilela | São Paulo: Ana Carolina Gomes, Bruna Barlach e Luka Franca | Minas Gerais: Ana Malaco e Laura Ralola Diagramação e projeto gráfico: Caio Amorim Ilustrações: Laíssa Gamaro (ES), Adriano Kitani (SP), Rafael Balbueno (RS), Carlos Latuff (RJ), Ricardo Tokumoto (MG) Revisão: Bruna Barlach Colaborações: Paulo Henrique Cople Capa: foto: Valentina Costi, arte Thiago Vilela e Alina Freitas
Conselho Editorial: Adriana Facina, Amanda Gurgel, Ana Enne, André Guimarães, Carlos Latuff, Claudia Santiago, Dênis de Moraes, Eduardo Sá, Gizele Martins, Gustavo Barreto, Henrique Carneiro, João Roberto Pinto, João Tancredo, Larissa Dahmer, Leon Diniz, MC Leonardo, Marcelo Yuka, Marcos Alvito, Mauro Iasi, Michael Löwy, Miguel Baldez, Orlando Zaccone, Oswaldo Munteal, Paulo Passarinho, Repper Fiell, Sandra Quintela, Tarcisio Carvalho, Virginia Fontes, Vito Gianotti e Diretoria de Imprensa do Sindicato Estadual dos Profissionais de Edução do Rio de Janeiro (SEPE-RJ) Siga-nos: twitter.com/virusplanetario Curta nossa página! facebook.com/virusplanetario
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Comunicação e Editora A Revista Vírus Planetário - ISSN 2236-7969 é uma publicação da Malungo Comunicação e Editora com sede no Rio de Janeiro. Telefone: 3164-3716
Editorial
Sumário 6
Nômade: que não tem habitação fixa. Grupo de pessoas que transita por diferentes territórios, sem transformá-los em sua propriedade. Ser nômade é construir diferentes identidades, é romper com o estabelecido, é começar o ano encarando de frente debates fundamentais. É estar presente cada vez mais nacionalmente, sem perder de vista as contradições inerentes a cada local. E é cada vez mais nômade que a Vírus se lança em sua primeira edição de 2013. Sabemos que a questão da prostituição não pode mais vir a reboque: abrimos aqui um debate essencial sobre os possíveis caminhos trazidos pela regulamentação desta profissão que sim, sempre esteve debaixo de nossos olhos, mas que a sociedade finge muito bem, há muito tempo, que não existe ou que não deve ser vista como profissão. O problema é que, enquanto isso, as prostitutas continuam a ser desrespeitadas e seu trabalho visto como um não-trabalho. E quando não é trabalho não merece nem acesso aos direitos e nem respeito. Pensando em diferentes formas de organização dentro do capitalismo, os bancos comunitários e a economia solidária também estão em pauta, trazendo diferentes leituras deste sistema de pensamentos e práticas que tem chamado atenção nos últimos anos em todo mundo e conquistado muito espaço no Brasil e no debate da esquerda. Para não perder o ritmo uma viagem musical e política que vai desde o samba, suas origens e realidade atual no Rio de Janeiro, onde reúne gerações. Da “voz dos morros” para a subida da ladeira, o cenário musical independente do Mato Grosso do Sul tem mostrado que é possível resistir à hegemonia do(s) sertanejo(s) enlatado(s), construindo caminhos alternativos, abrindo espaço para sua música, mostrando que há interesse por diversidade musical, o que não há é espaço no cenário musical tradicional, que ainda lucra muito em restringir e controlar o interesse musical da população. Ainda na subida do morro, é linda a ressignificação que os moradores do Borel fizeram do movimento “Ocupa”. Se ocupar é preciso, ocupar aquilo que é seu, empoderar-se, é fundamental. A UPP sobe o morro, com a justificativa de trazer a paz, mas que paz é essa em que moradores esquivam-se com medo diante daqueles que supostamente deveriam protegê-los. A partir do grito de “O morro é nosso” entoa-se um canto, um canto de liberdade que ecoará em outros morros, num grande grito de “Ocupa Favela”. Somos partes singulares disto, entrelaçando-se às lutas, ecoando, vibrando.
Rio de Janeiro_#SalveReserva
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Bula Cultural_Cena Alternativa MAto Grosso do Sul
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Bula Cultural_Samba, o lugar do encontro
14 Bula Cultural 16 Colaborações_A vida entre os nômades
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Brasília_É possível a economia ser solidária?
21 CAPA_Prostituição_Prazer, dinheiro, glamour... é isso?
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Fazendo Media_Entrevista Carlos Guedes
30 Traço Livre 32 Rio de Janeiro_Ocupa Borel 34 Ana Enne_As palpiteiras de plantão 35
O sensacional repórter sensacionalista
rio de janeiro O prefeito reeleito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e seu processo de privatização da cidade a todo vapor. Ilustração: Tony Zanon www.zanon18.wix.com/zanonart#!
O discurso do progresso como desculpa para benefícios de interesses econômicos faz mais uma vítima, a Reserva Marapendi.
#SalveReserva Por Julia Maria “Aonde será que o Governo do Rio de Janeiro quer chegar?” perguntava um manifestante no megafone em um dos protestos na Praia da Reserva, zona oeste do Rio. “Até onde a desculpa do progresso vai nos levar?”, continuava. Os quatro atos contra a construção de um Resort da Hyatt em uma área de proteção ambiental (APA) demostram o quanto os moradores da Barra da Tijuca estão dispostos a se mobilizar para preservar o resquício da Mata Atlântica, o bioma mais devastado da vegetação brasileira. Em meio a discussão do progresso versus preservação, ainda há uma questão que preocupa os moradores e ativistas da área: a construção desse resort abrirá precedente para outros empreendimentos em áreas de proteção ambiental? 6
Vírus Planetário - janeiro 2013
Para a professora de história e ativista Mariana Bruce, a área liberada para o Resort Hyatt não é fruto de uma concessão ingênua, mas parte de um projeto de cidade que despreza os espaços de preservação ambiental, uma vez que se coloca a serviço dos interesses das empreiteiras e da especulação imobiliária. “Quando falamos de uma área como a Barra da Tijuca e do Recreio dos Bandeirantes e de todo o Corredor Ambiental da orla, trata-se do mesmo problema: somos contra o Hyatt, somos contra o Campo de Golf, somos contra os condomínios de luxo que querem construir na subida da Reserva da Prainha”, afirma. Mariana também ressalta que a vitória sobre o Hyatt seria fundamental para alimentar as outras
lutas que se seguem, ainda mais graves, como é o caso do Campo de Golf Olímpico que também será construído na reserva Marapendi. O geógrafo e Assessor técnico Jorge Borges acredita que os Projetos de Lei para garantir o campo de golfe, o resort e a flexibilização do licenciamento ambiental em todo o Estado são derrotas históricas para os movimentos ambientalistas: “Se tivéssemos pelo menos um plano diretor digno do que se exige dele, com participação popular, leitura técnica e um conjunto de instrumentos para conter a especulação imobiliária e tornar mais claras as regras do zoneamento urbanístico e ambiental, já estaríamos num patamar muito mais avançado. Entretanto, como nada disso interessa a quem tem a caneta na mão, a
Manifestação pela preservação da reserva | Fotos: Julia Maria
política urbana e ambiental continua sendo feita a toque de caixa, com projetos pontuais, totalmente descolados de um processo de planejamento, muito menos de participação qualificada da sociedade, voltados única e exclusivamente para os interesses dos aliados econômicos do alcaide de plantão”, afirma Jorge. A principal questão no caso da legislação ambiental no Rio de Janeiro, segundo o geógrafo é indeterminação jurídica. Assim, os principais instrumentos jurídicos da participação popular são sistematicamente ignorados, sem necessariamente deixarem de existir. No exemplo do campo de golfe e a dilaceração da APA de Marapendi uma sucessão de sobreposições legais levou a uma situação em que qualquer coisa seria permitida ali naqueles terrenos. “É como se o excesso de leis sobre uma determinada área a transformasse literalmente numa terra sem lei. E numa terra sem lei, o que temos é a prevalência da atitude de bando, tanto por parte dos diferentes governos, quanto do mercado imobiliário”, explica.
“
Projetos de Lei que garantem esse tipo de empreendimento em Áreas de Proteção Ambiental são derrotas históricas para os movimentos ambientalistas.”
um tiro. Além disso, pássaros, anfíbios e pequenos répteis foram esmagados pelas máquinas. Esse tipo de crime ambiental é bem comum, mas sequer será averiguado pelos órgãos do Estado. Inclusive, a Secretaria de Meio Ambiente não divulgou nenhum estudo de impacto ambiental, nem de um plano de resgate de fauna como normalmente ocorre nesse tipo de empreendimento. Para os manifestantes e moradores, o maior impacto é para as futuras gerações que possivelmente, se não houver uma interrupção nessa lógica, não conhecerão o Parque de Marapendi, ou como apontam alguns organizadores, a região de Guaratiba e o corredor das praias do Pontal, Macumba, Prainha e Grumari. Resort Hyatt já começa a ser construído | Foto: Julia Maria
Jorge ainda conta que no terreno do resort Hyatt, a retirada da vegetação ocorreu sem qualquer cuidado, levou à morte de dezenas de animais silvestres e seus abrigos (ninhos, tocas etc.). Como foi o caso de uma anta que levou
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Bula cultural
algumas recomendações médico-artísticas
Subindo a ladeira na contramão do mercado Realidade de iniciativas independentes contra o domínio financeiro dos novos ramos do sertanejo no MS
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“
O povo só ouve isso, não é questão de escolha, é uma questão de obrigação.”
Por Fernanda Palheta e Jones Mário É “subindo ladeira arrastado” que a música independente sulmato-grossense resiste, segundo o vocalista da banda Dombraz, Chris Haicai. Em um mercado musical atualmente dominado pelo sertanejo e suas vertentes, fazer outro tipo de música e de forma autônoma é um grande desafio. Ainda assim, os meios independentes vêm crescendo e têm sido a alternativa encontrada por aqueles que não se renderam aos “arrochas” e “Camaros amarelos”. Com a programação das rádios sujeita ao poder econômico através dos jabás, espaços que deveriam ser destinados à cultura tornam-se reflexos do momento comercial. “É uma produção que acaba atendendo uma necessidade mais do mercado do que de uma diversidade musical do nosso estado”, segundo Clayton Sales, jornalista, professor e locutor da rádio estatal 104 FM. Conforme sua análise, atualmente “o espaço para música regional não é uma questão quantitativa e sim, de qual é o espírito desse espaço”.
mas a população não tem acesso, e o que está na TV é uma música pobre”, afirma Chris. A falta de espaço e a imposição do mercado no cenário musical despertou na cena independente a busca por meios alternativos. Com as portas das rádios fechadas, cresce a necessidade de se criar novas formas de divulgação das músicas. “Quando você é ignorado, você acaba ignorando quem te ignora”, brinca Jean Stringheta, da Jennifer Magnética, ao falar da relação da banda com as emissoras comerciais. Desde o MP3 livre para baixar
até os TwitShows, o caminho trilhado pela Jennifer é o da Internet. Rodrigo Faleiros, baixista da banda, acredita que “a abrangência é muito maior, você só não ganha das grandes distribuidoras ou se você entra em um esquema da Sony ou da EMI”. Novas iniciativas de financiamento coletivo como o crowdfunding e a proliferação dos agitadores da cultura, têm colaborado para o fortalecimento e afirmação das bandas autorais independentes. Coletivos culturais são formados por esses agentes da cena alternativa e
Show da banda Dombraz em Campo Grande (MS) Foto: www.facebook.com/bandadombraz
Barreiras impostas e suas alternativas A mídia grande aparece aliada a essa lógica do mercado servindo como suporte para reproduzir o que a indústria dita. A população tornase refém do que se tem acesso, do que está disponível. “Infelizmente o povo só ouve isso, não é questão de escolha, é uma questão de obrigação. Porque usa-se a internet,
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Foto: divulgação
Dombraz Independente. Independente de rótulo, de estilo, de gravadora. A banda Dombraz surgiu em 2008 e nesses quatro anos conquistou um público fiel. Com influências de Seu Jorge, Maria Céu, Lenine e Curumi, a banda mistura elementos do funk, reggae, samba, rock e coloca para dançar até quem não quer. Com músicas autorais e dois álbuns lançados a Dombraz consegue encher shows e fazer a galera cantar em plena Campo Grande-MS, berço do sertanejo universitário, sem precisar apelar para refrões machistas ou monossilábicos. Para baixar as músicas da Dombraz acesse o site da banda: www.dombraz.com
Jennifer Magnética Mulher androide que se disfarça de humano e contamina nossa raça... É com a postura de uma extraterrestres sedutora que a banda de rock psico-indie de Campo Grande (MS), Jennifer Magnética, se mantém frente a um cenário musical dominado pelo sertanejo universitário. Formada por Diogo Zarate (bateria e vocal), Jean Stringheta (guitarra e vocal) e Rodrigo Faleiros (baixo e vocal), o som da banda é quase impossível de rotular. O fato de todos comporem contribui para dar singularidade a cada música. Em sua trajetória, a Jennifer já gravou três álbuns: “Placenta” (2007), o EP “Licopeno” (2008) e “O Verdadeiro Underground”(2010). Para baixar as músicas da Jennifer Magnética acesse o site da banda - http://www.jennifermagnetica.com.br/
“
Quando você é ignorado, você acaba ignorando quem te ignora.”
cria-se uma relação de parcerias, onde os conhecimentos em áreas específicas de produção musical são divididos e direcionados à divulgação das bandas.
Mapa da mina
Foto: divulgação
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A receita do sucesso de acordo com Bruno Chencareck, baixista da Dombraz, é de 710 mil reais: “Compra-se uma gravadora, compra-se o número X de rádios, o número X de quantas vezes sua música vai tocar, vende-se tantos shows a tal preço: seu som chegou a tal lugar?”. “É como funciona o mercado!” explica Dhonattas Oliveira, guitarrista da
banda. Essa conta nasceu de uma conversa entre a Dombraz e um empresário bem sucedido no ramo musical. Jabás pagos às rádios sob fortes interesses comerciais e programações que vão na contramão do que dispõe o Artigo 221 da Constituição, reforçam a rendição dos meios convencionais ao padrão mercadológico de se fazer música, onde vender é mais importante do que tocar corações e mentes. Em contraponto a essa visão, o movimento musical independente segue pelo caminho mais nobre, disseminando ideias de coletividade e fazendo a arte pela própria arte, subindo a ladeira pra poder descer embalado depois.
Colaboraram: Eva Cruz, Juliane Garcez e Tainá Jara
Samba,
o lugar
“Foram me chamar, Eu estou aqui, o que é que há”
do Encontro. Fotos: Aline Rochedo
Por Aline Rochedo Ouvi dizer que uma roda de samba está acontecendo todo segundo domingo do mês entre os bairros de Madureira e Oswaldo Cruz, no subúrbio carioca. Fui conferir! Você acaba de chegar e já se sente em casa. É o ritmo, o batuque, o calor do encontro. A rua é a extensão do quintal de casa, da roda na favela, do jongo da serra. E como dona Ivone Lara, “não pude resistir! Foi numa roda de samba, que junteime aos bambas, pra me distrair” .
ro. É também a história de muitas lutas. Uma prática cultural que resulta de cruzamentos de diferentes experiências individuais, culturais, sociais e musicais ocorridas nos múltiplos cenários da cidade. Gerado no ambiente de família, onde as pessoas se reúnem, conversam, expõem suas angústias, tomam sua cerveja e festejam.
Samba é o cotidiano cantado em poesia, nas favelas, nos bairros do subúrbio, nos bares ao pé do mor-
O samba é, por excelência, o espaço da diversidade e da possibilidade. Encontrar pessoas de várias
Samba no pé. Samba na ponta da língua.
escolas de samba em um mesmo local é um fato extraordinário, como também conversar com diferentes gerações. O coletivo reforça a ideia de compartilhamento de pensamentos, aproxima a experiência real dos que estão na “roda de samba” inserindo-os num contexto de aproximação e identidade. O Sr. Jorge, conhecido como Jorjão da Grande Rio, rememora a época de menino: “O meu pai era militar e achava que samba era malandragem. Eu aprendi a sambar com meus amigos da rua e agora estou aqui com quase 60 anos de samba no pé”. A senhora Rosária, da velha guarda da Império Serrano, nos conta que hoje o samba não é mais marginalizado como era: “A mulher que ia pro samba era vagabunda, o homem que cantava samba era marginal. Moça direita não podia casar com homem do samba, porque ele era marginal. Hoje me dá uma imensa alegria ver minha neta de 14 anos cantando numa roda de samba e sendo respeitada.” Conversei com alguns jovens, dentre eles Tatiana Fagundes, Suelem Donato e Carlos Ferreira da Silva que cresceram no ambiente de efervescência do gênero.
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Foto: Aline Rochedo
“
Eu sou o samba/ A voz do morro sou eu mesmo sim senhor / Quero mostrar ao mundo que tenho valor / Eu sou o rei do terreiro / Eu sou o samba / Sou natural daqui do Rio de Janeiro / Sou eu quem levo a alegria / Para milhões de corações brasileiros...” A Voz do Morro - Zé Keti
Tatiana Fagundes lembra os tempos da infância: “eu morava em Oswaldo Cruz, o samba era no quintal, eu cresci neste meio. Aqui, a gente já nasce com este DNA: ninguém consegue não sambar.” Para Suelem Donato, o samba sempre foi algo muito familiar: “o samba é família, é a música que envolve os que estão unidos por laços que ultrapassam a questão sanguínea”. Carlos Ferreira, músico-sambista, integrante do grupo Jaqueira, composto por jovens das escolas de samba Mangueira e Portela, conta que a roda de samba que sua família frequentava e a mais conhecida do bairro, era realizada embaixo de uma jaqueira, por isso o nome do grupo. Como não possuía nenhum instrumento, acompanhava os adultos com um ralador e garrafas de vidros que hoje se transformaram em sonoridade do próprio grupo do qual faz parte. Ao lembrar-se da infância, Carlos recita seus versos: “Mamãe cantava arrumando a casa e papai versava embaixo do chuveiro... Na palma da mão com colher e garrafa papai só cantava samba de primeira. Quem não falou que não nasci no samba? O meu alimento é o samba”, enfatiza.
“Quando penso no futuro, não esqueço meu passado” E de onde veio o samba? No início do século XX o “samba” era apenas um ritmo. Não havia letras. No período, a presença de um estilo musical denominado choro antecede a explosão do gênero samba no cenário da música brasileira. Um dos primeiros grupos chorões fora formado pelo flautista Calado 12
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(Joaquim da Silva Calado), músico negro de excelente desenvoltura. A maioria dos que acompanhava Calado moravam na cidade Nova. É interessante observar que, na realidade, o choro era uma forma de disfarce do samba, pois, por conta de suas origens brancas – como a polca e a valsa –, tornava-se aceitável pela elite e pela polícia, que reprimia o “samba” no período. O ritmo que deu origem ao samba era mais cantado nos terreiros e está ligado ao Jongo*, que acontecia no âmbito rural, protagonizado por negros escravos e descendentes de escravos, oriundos das fazendas de produção
Fotos: Aline Rochedo
do café, principalmente do Vale do Paraíba. Na cidade Nova, quem passasse à porta da Ciata ouvia choro, mas se adentrasse um pouco mais, no quintal, o que acontecia era o “samba”. Como declarou Pixinguinha : “o choro tinha mais prestígio naquele tempo. O “samba”, você sabe, era mais cantado nos terreiros, pelas pessoas muito humildes. Se havia uma festa o choro era tocado na sala de visitas e o “samba”, só no quintal, para os empregados”. Existem muitas práticas musicais que são chamadas de samba. Segundo Felipe Trotta, músico, doutor em comunicação e autor do livro “O samba e suas Fronteiras”, o termo “samba” se aplica no Brasil inteiro em determinadas práticas culturais, de roda, batuque e que tem relação com determinados ritos do calendário, como o carnaval, a folia de Reis, dentre outros. “A roda de samba da Bahia, é anterior ao carnaval carioca e bem diferente. Existem ‘sambas’ em outros lugares. Por exemplo, o evento de encontros rurais em Pernambuco eram chamados de samba até os anos 1940, 1950, antes do surgimento de Luiz Gonzaga”. O Rio de Janeiro deu forma, ao longo dos séculos XIX e XX, a boa parte das nossas músicas urbanas. O nordeste, em especial a Bahia, Pernambuco e Paraíba desempenhou papel similar fornecendo ritmos musicais, formas poéticas e
timbres característicos destas regiões que se incorporaram à esfera musical do país. O termo “samba” é usado para muito mais coisas do que a gente imagina. E por que todo mundo quer falar que o samba nasceu aqui ou acolá? Porque o samba se tornou uma música nacional. O samba, como conhecemos hoje, é resultado de uma tensão entre a indústria fonográfica, a indústria da música, e as práticas musicais espontâneas da população, consolidadas na cidade do Rio de Janeiro.
“O samba trazendo alvorada/Meu Coração conquistou...” E para onde foi o samba? O samba não é uma categoria fechada apenas na esfera do morro. Sem tirar a importância do espaço da favela como suscitador primário do gênero, o samba está além, ele não tem fronteiras. Para Felipe Trotta, aquilo que entendemos hoje como samba é o produto de um encontro cultural, “muito mais do que um produto autônomo de um grupo social isolado”. Segundo Trotta, é fato que existe um protagonismo de determinados autores sambistas de baixa renda, de baixo grau de instrução oficial, que no início do século XX foram os precursores da criação desta harmonia, desta música que
vai se tornar o samba. No entanto, o samba surge, também, do próprio contato com a indústria fonográfica. É a partir deste contato que o samba se torna o gênero brasileiro mais conhecido. Jorjão da Grande Rio lamenta a comercialização desenfreada do samba e das escolas de samba: “Infelizmente o samba virou um produto. Eu conheço samba há cinquenta anos e hoje a dinâmica das escolas de samba é outra e por isso a gente vem pra rua, como você está vendo. O samba não tem mais a dinâmica popular de antes”, concluiu tristemente. Rosilene Alegria, da São Clemente, desabafa: “Eu choro de tristeza quando vejo pessoas que trabalharam o ano todo não poderem desfilar porque não tem condições de pagar por uma fantasia. Ou o lugar destinado a uma pessoa da comunidade ser ocupado por um artista ou famoso da televisão”. Para Nancy Leme da velha guarda da Portela, apesar do samba hoje ser também um produto do mercado fonográfico, jamais em tempo algum ele vai deixar a comunidade: “o samba é a Comunidade! Quem está no asfalto adere, mas se não houver a comunidade, se não houver o negro não tem samba. O samba é raiz. E digo mais, o samba está na alma. E na alma do Brasil!”.
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Indicações Livro Samba e suas Fronteiras O livro “O samba e suas fronteiras - ‘Pagode romântico’ e ‘samba e raiz’ nos anos 1990”. A obra foi escrita por Felipe Trotta - Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ (2006) e pesquisador da área de Mídia e Música Popular pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – e apresenta a análise da relação entre o samba dos anos 1990 e o mercado. Para isso, a publicação aborda o ressurgimento do “samba variações estide raiz” e do “pagode romântico” como co cada vez públi um r uista conq lísticas que buscaram cal. musi o gêner o para ssivo expre mais
Brô Mc’s em Nascido 2008, é o primeiro grupo de rap indígena do Brasil. Em suas letras, misturam o Tupi-Guarani com o português, como em “Eju Orendive”, somos onde chamados a “reno Tribunal volucionar” com eles. Já se apresentaram do cantor Popular da Terra de MS, e abriram o show S. Bruno, de-M Gran o Camp em to Milton Nascimen são da etnia Kelvin, Charlie e Clemerson, os Brô Mc’s, Dourados-MS. Guarani-Kaiowá, da Reserva Indígena de -s. romc m/1b url.co //tiny http: em: CD o Baixe
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Indicações Feira das Yabás A Feira das Yabás está de volta à Praça Paulo da Portela, em Oswaldo Cruz. O evento, idealizado pelo sambista, cantor e compositor Marquinhos de Oswaldo Cruz, é gratuito e reúne gastronomia afrobrasileira carioca, além de muita música de graça. A Velha Guarda da Portela não poderia ficar de fora: entre outras barraqueira s, Tia Surica oferece mocotó e aipim com carne-seca; Neide Santana serve feijoada de camarão, angu à baiana e feijão amigo. Dona Neném, a mais velha das tias (que completou 87 anos no dia 19 de março) prepara rabada com batata, angu e bolinho de abó bora recheado com carne-seca. As rodas de samba são comand adas por Marquinhos de Oswaldo Cruz e trazem um ou mais convidados por edição. Para Marquin hos, a feira tem um significado especial: “Traz a lembrança de todo o aprendizado sobre música que tive nos quintais das mulheres de Oswaldo Cruz. No meu caso, na casa da Tia Doca e da Tia Surica, que sempre tinha comida embalada pelo samba.” “*Iabá, Yabá ou Iyabá , cujo o term o quer dizer Mãe Rainha, é o termo dado aos orixás femininos, Yemanjá e Oxum, mas no Brasil esse termo é utilizado para definir todos os orixás fem ininos em geral” Serviço: Segundo domingo de cada mês a partir das 12h Endereço: Praça Paulo da Port ela, Oswaldo Cruz Gratuito
Contra a privatização dos Hospitais Universitários!
Gestão Mobilização Docente
NÃO À EBSERH!
e Trabalho de Base www.aduff.org.br
Contraindicações Videoclipes Machistas do Arrocha Extremamente machistas, os videoclipes exploram o corpo da mulher como mercadoria e impõem padrões de beleza ao reforçarem estereótipos. Ajudam na naturalização das práticas machistas no dia a dia e no comodismo social diante de tais atitudes, como a mulher ainda ser incumbida dos serviços domésticos ou ter a obrigação de estar sempre “bonita” para o homem. Clipes não recomendados: Paulo di Lima e Renan – Mulherama e Pedro Henrique e Fernando – Bonito e gostosão.
POSOLOGIA ingerir em caso de marasmo ingerir em caso de repetição cultural ingerir em caso de alienação
manter fora do alcance das crianças nocivo, ingerir apenas com acompanhamento médico extremamente nocivo, não ingerir nem com prescrição médica
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colaborações
Por Ricardo Tokumoto (www.ryotiras.com)
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A vida entre os
nômades O que é um afeto de esquerda? Por Paulo Henrique Cople Amamos aqui, nos entristecemos ali, nos afetamos em toda parte. Mas uma das fábulas mais queridas entre nós é a de que a vida afetiva que levamos diz respeito única e exclusivamente a “nós mesmos”. São “nossas” alegrias, “nossas” tristezas que exprimem o que há de “único” e “próprio” em cada um de nós (ou é isso o que dizemos a todos). Somos “donos” de nós mesmos, de nossos sentimentos mais singulares. Sentimos e experimentamos a cada momento da vida que um afeto, é coisa singular, única. A vida afetiva em alguém é marcada de cores especiais, que não serão iguais às de coisa alguma no universo. Mas o lamentável é que referimos a cada momento o afeto à “propriedade”, como aquilo que só diz respeito a nós, às nossas “personalidades”. E ver a propriedade privada “em nossa própria pessoa” é o que fundamentou o capitalismo. O que não percebemos é que muito antes de ser “nosso” um afeto é um acontecimento que emerge do ambiente em que nasceu e que
o outro está no mesmo patamar. É como se o afeto fosse um raio de luz que sai de cada um de nós e ilumina o mundo ao nosso redor, sem notarmos que o afeto é uma irradiação do ambiente. Há todo um círculo social e material do afeto que envolve uma multidão de outros elementos além do que está explicitado. A relação entre dois amantes implica as condições em que cada um dos encontros se deu, os efeitos de terceiros sobre a relação, a disponibilidade de tempo de cada um... Daí que todo afeto seja, necessariamente, um afeto coletivo, no sentido amplo. Para um grupo nômade vivendo há 16 mil anos, seria completamente estranho o universo de afetos que emana do ambiente dos sedentários. A vida em torno do mesmo espaço, as casas familiares, a dependência de estoques de alimento e todas as inovações do homem sedentário produzem novos sentimentos, desconhecidos dos nômades: sentimento
de propriedade sobre bens, medo do roubo, conflito pelas posses, o familiarismo, as relações de trabalho... Os sentimentos entre os quais circulamos e que circulam em nós envolvem um universo de fundo e novas configurações históricas e mundiais onde surgem novas tendências afetivas entre os viventes.
“
Todo afeto é um afeto polític o.”
O ambiente em que vivemos é fundamental para o desenvolvimento de nossa afetividade. E estes elementos são eminentemente políticos. Todo afeto é um afeto político. Ele traz em si a marca das ideias com que nos envolvemos, de cada ação que tomamos e que são ações em Paulo Henrique Cople é filósofo
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Ser de esquerda é perceber pelas bordas, partir das pontas aos “centros” e se perguntar como os problemas coletivos podem ser resolvidos.”
e para uma vida coletiva. E toda política envolve em si um componente afetivo. Para além das fabulações de um sentimentalismo individualista (“o mundo será melhor quando mudarmos nossos sentimentos”) e de um sócio-determinismo vulgar (segundo o qual todo afeto é consequência de uma determinação social que constrange todos a viverem segundo seus mandos, e um novo tipo de subjetividade só pode surgir depois da revolução social) o problema se coloca de maneira muito mais sutil. Ao invés de aceitar o mito de uma revolução teológica que diz que
libertação de todos é um estado a ser alcançado ou uma ilusão que nunca será tocada, trata-se de nos perguntarmos como agir a cada momento como revolucionários, com o máximo de coerência possível “mas sem perder a ternura jamais”. Exercitar em nossa vida afetiva e coletiva a prática revolucionária que desejamos, para que através dela nasça um novo mundo. Somente uma subjetividade revolucionária pode exercer prática revolucionária.
Como saber qual é a orientação do que praticamos e vivemos? Deleuze soube dizê-lo bem. “Ser de esquerda é uma questão de percepção. Fora da esquerda, o lado oposto percebe sempre do centro às bordas: primeiro o indivíduo, depois suas relações mais próximas, sua rua, sua cidade, o planeta... e se faz de tudo para manter a posição dos indivíduos que se sentem privilegiados, esses sedentários no estado de conflito em que vivemos. Ser de esquerda é perceber pelas bordas, partir das pontas aos “centros” e se perguntar como os problemas coletivos podem ser resolvidos.” Talvez um dia estejamos convencidos a tentar que nossos afetos passem pela esquerda e sejam afetos revolucionários. Nos perguntaremos, então, se estamos indo no sentido contrário ao de uma vida de esquerda, se estamos enclausurando a nós e aos outros em espirais hipnóticas de individualismo e centralização ou se estamos nos projetando no sentido da liberação e da autonomia de nós mesmos e dos outros. Então, levaremos nossas vidas às ruas, mas as ruas já serão nossas vidas.
brasília Inauguração do Banco Estrutural | Foto: Ateliê de Ideias / Flickr
É possível a economia ser solidária? Bancos Comunitários
se espalham pelo Distrito Federal
Por Thiago Vilela e André Shalders Aumentar a circulação de dinheiro em comunidades pobres, dar crédito para iniciativas empreendedoras e resgatar a autoestima dos moradores. Estes são alguns dos objetivos dos bancos comunitários que começam a chegar ao Distrito Federal (DF). Depois da implantação do Banco Estrutural, inaugurado na antiga vila de catadores em junho de 2012, outras duas iniciativas do mesmo tipo estão prestes a serem implementadas no DF. No Itapoã, bairro periférico da cidade do Paranoá, o banco já realiza eventos para arrecadar dinheiro e deve começar suas atividades dentro de algumas semanas. A outra comunidade selecionada para rece18
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Projeto prevê a criação de mais dois bancos comunitários no Distrito Federal, nos mesmos moldes do que já funciona no município de Estrutural ber o empreendimento é o bairro de Arapoangas, em Planaltina, onde ainda não há uma data definida para o lançamento. Os três bancos comunitários do DF são parte de um programa da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). “Quando começamos esse projeto, em 2005, o país tinha apenas dois bancos comunitários, e hoje já são 81. Nosso objetivo é chegar a 100 até o final do ano. São as próprias comunidades que criam os bancos. Nós só oferecemos o treinamento, o apoio técnico e logístico para que eles próprios se organizem”, conta Antônio Haroldo, da Senaes.
Um banco diferente? Os bancos comunitários são pensados dentro do contexto da economia solidária. Trata-se de um modelo de desenvolvimento local, alternativo às políticas tradicionais dos grandes bancos. A ideia é integrar a produção, o consumo e a distribuição de riqueza tendo como fim a valorização do ser humano e não do capital. Estes bancos possuem uma base associativista e cooperativista, e são voltados para a produção, consumo e comercialização de bens e serviços locais. A primeira iniciativa do gênero foi desenvolvida pela Associação dos Moradores do Conjunto Palmeira, em 1998, na periferia de Fortaleza,
no Ceará, com taxas mínimas de juros e sem a burocracia comum dos bancos. Na região Centro-Oeste, o processo de organização dos bancos está sendo conduzido pela Associação Ateliê de Ideias, de Vitória (ES). A organização surgiu de uma experiência muito bem sucedida com o Banco Bem, na periferia de Vitória, que existe desde 2005. Houve então uma chamada pública e eles venceram o edital. “Um dos instrumentos do banco comunitário é o ‘Mapa de Produção e Consumo’. Este estudo serve para mostrar de onde veio — e para onde vai — a renda da comunidade. E o que a experiência mostra é que esses locais não são exatamente pobres, eles geram renda. O problema é que essa renda vai embora muito rapidamente”, explica Haroldo. Para aumentar a circulação de riquezas dentro do bairro, os bancos comunitários utilizam as chamadas moedas sociais, uma unidade de valor que só é aceita dentro da comunidade, e que pode ser trocada por reais. São várias as estratégias utilizadas para incentivar a população a usar as moedas sociais. Na Estrutural, por exemplo, quem usa a moeda local, a Conquista, ganha descontos. Hoje já existem 16 estabelecimentos credenciados. “São poucos, mas temos variedade: padaria, farmácia, lojas, oficinas. É possível fazer quase tudo com Conquistas aqui na cidade”, afirma Solange, agente de crédito do banco. Arízio Furtado de Araújo, 49 anos, é dono de uma drogaria na Estrutural. Ele decidiu apostar na Conquista para fidelizar clientes. “Infelizmente, está faltando di-
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Quando começamos esse projeto, em 2005, o país tinha apenas dois bancos comunitários, e hoje já são 81. ”
vulgação, para ampliar a iniciativa. Mas mesmo assim o pessoal usa bastante. Eu acho que todos os comerciantes deveriam apoiar. É uma coisa que, futuramente, pode beneficiar bastante o comércio aqui na cidade”, diz ele.
Falta de fundos impede expansão Atualmente, os fundos para o banco vêm de doações e de bazares, almoços e outras atividades promovidas pela comunidade. Antônio Haroldo, da Senaes, comenta que a legislação atual não permite o repasse de fundos diretamente aos bancos. “Como a Senaes não é uma instituição financeira, a lei só permite que nós repassemos os fundos para custear a implementação do banco, o treinamento dos agentes e o acompanhamento do projeto. E tudo isso por meio de um agente privado, no caso do Centro-Oeste do Ateliê de Ideias. Não podemos repassar capital diretamente a entidade”, diz ele. Dessa forma, na melhor das hipóteses o banco comunitário já nasce com um desafio enorme: arrecadar dinheiro. Na Estrutural, assim como em diversos locais do país, a falta de fundos vem sendo um dos maiores problemas. “O objetivo inicial era que os empréstimos fossem de até 5 mil reais, mas não temos caixa pra isso, aí tivemos de reduzir pra R$ 500”, diz Solange. A agente de crédito da Estrutural conta que ficou maravilhada ao fazer um curso de capacitação no Banco Palmas, na periferia de Fortaleza (CE). “O Banco Palmas é muito forte. Se a pessoa precisar de 30 mil para comprar um carro, eles têm condição de emprestar, hoje. Mas eu sou daqui. Sei o quanto o pessoal ainda passa necessidade”, lamenta.
Limites dos bancos comunitários De acordo com a Secretaria Nacional de Economia Solidária, a principal função dos bancos comunitários é dinamizar a economia de locais carentes, isto é, fazer o dinheiro da comunidade circular dentro do bairro. Isto explica muito um dos principais limites da iniciativa. Conforme coloca Keila Lúcio, mestre em Serviço Social pela UFRJ, ao mesmo tempo em que é uma alternativa, o banco comunitário também é uma forma de manutenção da segregação social. Desde a sua gênese, a economia solidária busca ser uma forma de inserção paralela de parcelas da sociedade que estão excluídas do mercado de trabalho em função da impotência do modo de produção capitalista em prover emprego a todos, globalmente. Nessa perspectiva,
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Banco Estrutural | Foto: Ateliê de Ideias / Flickr
Novos rumos?
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O próprio capitalismo que dita quais são os limites da existência da economia solidária ”
pode-se notar que a economia solidária, ainda que adote um discurso de esquerda e de transformação das relações de troca, está colocada dentro dos marcos do capitalismo e é somente uma forma diferente de manutenção deste sistema. Conforme o mapeamento realizado pela SENAES entre os anos de 2005 e 2008, entre as famílias que foram “beneficiadas” pela economia solidária em suas diferentes faces, a média de renda é R$75,00. Ou seja, essas pessoas podem sim ter uma transformação em diversos aspectos subjetivos, e talvez conseguir o mínimo necessário para sobreviver, mas no que tange suas condições materiais a economia solidária está longe de resolver o problema destes trabalhadores. Keila Lúcio coloca uma questão central sobre estas experiências: “No caso dos bancos comunitários, você pode gerir as finanças em uma outra lógica, numa lógica diferente do capital. Mas, na verdade, qual é o real poder desses bancos comunitários? Primeiramente, tratam-se de experiências muito incipientes que não tem uma legitimidade no conjunto da sociedade, são experiências muito pontuais e localizadas que envolvem um número muito pequeno de pessoas e que essas pessoas envolvidas são os segmentos mais precarizados da sociedade e no mundo do trabalho.” Da mesma forma, seria ingênuo dizer que a economia solidária possibilitará a quebra do modo de produção capitalista, ou a sua transformação. Ela sobrevive como um paliativo, circunscrita ao capitalismo, sendo o próprio capitalismo que dita quais são os limites da existência da economia solidária e, dentro disso, dos bancos comunitários, que acabam mal conseguindo garantir sua própria existência, tamanho são os limites de ordem econômica.
O debate sobre a exclusão financeira e bancária ainda é um tabu entre os movimentos sociais, um tema difícil quase nunca pautado nas organizações populares. Se por um lado, o banco comunitário ajuda na manutenção do atual sistema, por outro aumenta a qualidade de vida de uma população extremamente necessitada. Como explica João Joaquim de Melo Neto, coordenador do Instituto Palmas, um exemplo diferente de como poderia funcionar esse tipo de iniciativa está sendo colocado em prática fora das fronteiras brasileiras, na Venezuela. “O governo de Hugo Chávez aprovou a Lei dos Bancos Comunais, que estabelece que, a cada 200 famílias organizadas, um Conselho Comunal pode ser criado para instalar um estabelecimento comunitário. Esse processo já resultou na fundação de 3.600 Bancos Comunitários em diferentes estados da Venezuela”. Para ele, que também faz parte da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, aprovar um marco semelhante no Brasil deve ser prioridade. “Sua aprovação será um avanço para a democratização do sistema financeiro brasileiro e – o que é mais importante – para a inclusão financeira e bancária de mais da metade dos brasileiros que ainda não têm acesso aos bancos oficiais”, afirma.
Colaborou: Bruna Barlach 20
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sociedade
Prazer, dinheiro, glamour... é isso? Por Maria Luiza Baldez, Mariana Gomes e Ingrid Simpson
Para além dos tabus mais clichês impostos por todo tipo de pensamento, o que pode estar por trás da regulamentação da profissão do sexo?
Sirlei Dias Carvalho Pinto esperava o ônibus para voltar para casa, era a madrugada do dia 23 de junho de 2007, na Avenida Lucio Costa, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, quando foi violentamente espancada por um grupo de cinco jovens de classe média alta. Na Delegacia os rapazes explicaram que acreditavam se tratar de uma prostituta. Para esses jovens, a explicação parecia adequada. Isilda Maria Ferreira Dias, Fabiana Teixeira, Vania Machado, são alguns nomes que se somam à lista das milhares de mulheres assassinadas anualmente no país. A causa? Se prostituírem. Com as novas iniciativas legislativas em
Foto: Valentina Costi Vírus Planetário - janeiro 2013
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sociedade
torno do tema, a polêmica volta à tona e um debate profundo acerca do assunto se faz necessário. Apesar da confusão em torno do assunto, a prostituição não é proibida no Brasil. Desde 2002, inclusive, a Classificação Brasileira de Ocupação (CBO), órgão do Ministério do Trabalho, reconhece a categoria “Profissional do Sexo”. Contudo, ainda que o ofício seja permitido, não é permitida a exploração do mesmo por terceiros. O rufianato, também conhecido como cafetinagem, é expressamente vedado pelo Código Penal Brasileiro. Por outro lado, países como Uruguai, Equador, Bolívia, Holanda, entre outros, têm transformado suas legislações no sentido de descriminalizar e regulamentar a prostituição. Garantem, por lei, direitos trabalhistas e maior segurança em relação à saúde e os locais de trabalho. Outros países, como é o caso dos Estados Unidos, rumamse à direção oposta. Hoje a grande maioria dos estados do país veda qualquer forma de comercialização sexual do próprio corpo.
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Projetos de lei O Parlamento brasileiro já apresentou duas tentativas de regularização da profissão do sexo. Os ex-deputados Fernando Gabeira e Eduardo Valverde foram os responsáveis pelas propostas. Nenhuma delas foi aprovada no plenário da câmara, tramitando atualmente uma terceira proposta, apresentada pelo deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). A Lei Gabriela Leite (em homenagem a fundadora da DASPU – grife ligada a ONG DAVIDA criada por prostitutas), que pretende regulamentar a exploração da prostituição, tem como principal objetivo diminuir os riscos da atividade, e limitar o rufianato, que apesar de proibido, atualmente é exercido com total liberdade e sem qualquer limitação. O criador do projeto afirma que, por ser um tabu, a questão é tratada com hipocrisia. Não se garantem os direitos básicos e fundamentais aos que exercem a profissão, expondo essas pessoas ao preconceito, à negligência dos poderes públicos e à exploração pelos cafetões.
“É um projeto estratégico não apenas para garantir os direitos de maneira formal, mas também para colocar a temática em pauta pública, protagonizar a luta pelas próprias profissionais do sexo e avançar no debate sobre direitos humanos”, resume o deputado. Segundo Jean Wyllys, não vemos nenhuma ação por parte do executivo que seja especificamente direcionada aos profissionais do sexo, o que traz à tona a necessidade de leis específicas. “Não existe nenhuma política pública de saúde, como a distribuição de preservativos ou a realização de exames periódicos, por exemplo, campanha educativa ou projeto de capacitação em direitos voltado para esse segmento. O preconceito hipócrita com o qual sofrem as profissionais do sexo é outra problemática. Além de serem discriminadas pela sociedade por conta da profissão que exercem, ainda são mal atendidas por policiais, profissionais da saúde, juízes e outros atores de acesso à justiça. Não há capacitação dos agentes públicos para lidarem com a temá-
Foto: reproduação
tica. As profissionais do sexo não são nem alvo nem objeto de políticas públicas”, declara Jean.
Pelo fim do preconceito O professor doutor em Antropologia Social, Thaddeus Blanchette, declara que a dificuldade para o reconhecimento da profissão é a estigmatização da atividade pela sociedade, principalmente em relação às mulheres. “Filho da puta” está entre os piores xingamentos e chamar uma mulher de “puta” é a maneira mais rápida e eficaz de rebaixá-la, refletindo uma lógica machista que não permite que a mulher explore o seu direito de liberdade sexual. Por isto, as prostitutas sofrem tanto preconceito. Blanchette afirma que as mulheres brasileiras precisam se alertar para essa realidade e perceber que, quando se discute os direitos para as prostitutas, no fundo, se está também discutindo direitos para mulheres em geral. A mulher, por ser livre, deveria ter pleno domínio de seu corpo, independente de sua profissão. O tema também é discutido por Monique Prada, prostituta gaúcha que trabalha de forma autônoma e consegue clientes através de seu site. “Algumas pessoas se chocam com o termo “prostituta”. Usei no meu perfil do twitter por alguns dias, mas seguidores e seguidoras me pediram pra tirar, pois “não combinava com meu perfil”. Talvez
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A regulamentação, ao contrário do que se poderia pensar, não tem como objetivo estimular o aumento dos profissionais da área, mas diminuir os riscos da atividade.”
as pessoas ainda não estejam preparadas para ver na prostituta uma pessoa culta, discreta, carismática e inteligente”, reflete Monique. Tais atitudes demonstram o enraizamento do preconceito. “De algum modo, a sociedade vê a prostituição como algo sujo, ilícito, desonesto. A prostituta é a mulher que ‘finge’ prazer – será? – e, portanto, uma mentirosa. Faz sexo por dinheiro e não por amor – isso a torna desonesta? É um ponto de vista um tanto quanto romântico, não? Pois já ouvi esse tipo de justificativa”, protesta Monique. Ela diz ainda não ter encontrado nenhum argumento plausível e consistente para se proibir a prostituição.
Garantindo direitos Segundo Jean Wyllys, enquanto o poder executivo não se mobiliza, é necessário reduzir ao máximo os danos para que as profissionais do sexo possam, ao menos, se organizarem em cooperativas e terem acesso à previdência social.
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Segundo o Código Brasileiro de Ocupação, por profissional do sexo, entende-se: garota e garoto de programa, meretriz, messalina, michê, mulher da vida, prostituta, puta, quenga, rapariga, trabalhador do sexo e, inclusive, transexual e travesti que atuem na área. Quando se discute o tema, a primeira ideia que vem à mente são as prostitutas mulheres. Porém, vale lembrar que a Lei Gabriela Leite engloba todos os profissionais do sexo que, independentemente de gênero ou transgênero, são dignos de proteção. “O tabu contra a prostituição é articulado com normas mais resistentes acerca de gênero, família e sexo em nossa sociedade. No final das contas, o tabu existe para controlar a sexualidade feminina e não a masculina. Ele é aplicado em michés e em travestis (em particular) novamente para controlar aquela sexualidade entendida como “feminina”: policiar quem dá, em outras palavras”, explica Thaddeus.
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Anos antes da Copa do Mundo da Alemanha e da África do Sul foram aprovados projetos de legalização das casas de prostituição. Por um lado, parte do governo e do empresariado possuem interesses na aprovação desses projetos por um motivo muito simples: lucro. Por outro, garantem impostos ao governo e legalizam a prática do cafetão. O grande desafio, portanto, é aprovar uma legislação que represente realmente os interesses, a segurança e a saúde das prostitutas.
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Para Thaddeus, quando se discute os direitos para as prostitutas, se está também discutindo direitos para mulheres em geral.”
Afinal, conforme percebe Monique, “preconceito e assédio moral são uma constante. Se explicita em piadas, se explicita em ataques diretos individuais e se explicita de forma perigosamente incitadora à violência, até mesmo física. Se for possível alterar o quadro, é apenas em longo prazo. Civilidade e conduta respeitosa não são coisas que nascem nas pessoas de um dia pro outro, são passadas de geração a geração, é uma questão cultural”.
Prostituição e mercantilização da vida Na perspectiva da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), a mercantilização do corpo e da vida é uma questão relevante no debate sobre prostituição, estaria diretamente ligada ao machismo e significaria transformar a vida e o corpo numa mercadoria,
num objeto alheio às mulheres, à vontade delas, como se não fossem donas de si mesmas. Para Maria Fernanda Marcelino, militante da MMM, a prostituição seria uma violência, “o reflexo de uma desigualdade que existe entre homens e mulheres onde as mulheres estão numa situação de muito mais fragilidade”. O corpo é mercantilizado, é transformado numa mercadoria, que pode ser comprado e vendido. Não seria por acaso, portanto, que a maior parte dos casos de prostituição estaria relacionada à mulher, ou quando não, à figura feminina. Nesse debate, a Marcha faz um contraponto aos projetos de lei que visam a regulamentação da profissão. Afirma-se, em oposição ao argumento dos que defensores da regulamentação, que a situação da prostituta não teria melhorado nos países que descriminalizaram a prática. “Na Alemanha, por exemplo, só existem mulheres prostitutas que não são as filhas dos alemães. São indianas, são hispânicas, são latinoamericanas, africanas. Se é um argumento de que é uma profissão e que é uma profissão boa, por que
Jean Wyllys também explica que a Lei Gabriela Leite inclui também homens, travestis e transexuais. “O projeto tem como objetivo tirar todas as pessoas que exercem a profissão do sexo da ilegalidade e do descaso estatal; e isso independe da identidade de gênero ou da orientação sexual do/a profissional do sexo”. Essa é uma questão chave no que diz respeito aos travestis. Jean lembra que, a marginalidade, muitas vezes, é a única opção dos travestis, que não são socialmente aceitos para quase nenhuma outra profissão que não esteja relacionada ao sexo. Página “Moça, você é machista” no facebook se posiciona sobre o tema
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as filhas das famílias alemãs não estão se prostituindo?”, questiona Maria Fernanda. Contudo, a Marcha não se coloca contra as prostitutas. “Nós não somos contra as prostitutas, muito pelo contrário, nós enxergamos as mulheres prostitutas como nossas companheiras, como nossas parceiras, queremos que elas se organizem e se somem à MMM, e aos movimentos feministas, mas nós acreditamos que [atualmente] elas estão submetidas a uma situação que não existiria num mundo onde houvesse igualdade”, explica. Sobre isso, Jean Wyllys argumenta que nem todas as mulheres que se prostituem o fazem por coação, que apesar da exploração existente, muitas delas exercem a profissão por livre escolha, inclusive, em muitos casos, afirmam a sua identidade como é o caso das criadoras da DASPU. Monique concorda. “Não consigo conceber uma escolha consciente de uma pessoa adulta como uma violência. A opção pela prostituição é, na minha visão, cada vez mais uma escolha adulta e consciente”, afirma a prostituta. O debate não se esgota por aqui. Estima-se que cerca de 40 milhões de pessoas no mundo se prostituem atualmente, segundo um estudo da fundação francesa Scelles, que pesquisa casos de exploração sexual no mundo. Cerca
Jesus também ama as vadias.
Ilustração: Carlos Latuff
Se é um argumento de que é uma profissão e que é uma profissão boa, por que as filhas das famílias alemãs não estão se prostituindo?”, questiona Maria Fernanda
de 75% são mulheres com idades entre 13 e 25 anos, sendo boa parte delas vítimas de tráfico de pessoas, um dos cernes a serem atingidos pela Lei Gabriela Leite. Para termos uma ideia do descaso, hoje, o Brasil não tem números atualizados sobre prostituição e o mercado do sexo. As estatísticas mais recentes são realizadas por Organizações Não Governamentais internacionais empenhadas em pesquisar o assunto. Estima-se, no entanto, que cerca de 500 mil crianças se prostituem no Brasil, dados alarmantes relacionados ao trabalho infantil e à pobreza extrema em determinadas áreas do país.
Colaboraram: Ana Chagas e Chico Motta Vírus Planetário - janeiro 2013
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FAZENDO
*É isso mesmo, caro leitor, agora a Vìrus e o Fazendo Media são um veículo único!
MEDIA
dezembro de 2012 | Ano 9 | Número 101 | www.fazendomedia.com | contato@fazendomedia.com
a média que a mídia faz
Entrevista: Carlos Guedes de Guedes “Terras improdutivas têm que ser desapropriadas”, diz presidente do Incra Foto: Reprodução
Macapá (AP) — Desde sua fundação em julho de 1970, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tem a missão de realizar a reforma agrária no Brasil. O órgão é criticado por diversos movimentos sociais do campo, principalmente o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), e, recentemente, seus funcionários entraram em greve. Em julho de 2012, sua presidência foi modificada durante a greve, tendo o presidente substituído ficado pouco mais de um ano à frente do órgão. Funcionário de carreira da instituição, o economista Carlos Guedes de Guedes é o novo presidente do Incra. Na entrevista concedida durante um encontro nacional de extrativistas em Macapá (AP), ele apresenta dados que mostram a importância da Amazônia na reforma agrária. Fala também sobre as mudanças em curso no Incra, e apresenta novas políticas para 2013. Segundo ele, se necessário, serão realizadas novas desapropriações e os assentamentos devem ser potencializados com mais políticas públicas para ampliar a reforma agrária no país.
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Estamos trabalhando uma mudança muito importante de conceito sobre a reforma agrária”
Por Eduardo Sá Quais são os dados atuais sobre a reforma agrária no Brasil? Estamos trabalhando uma mudança muito importante de conceito sobre a reforma agrária, que é reflexo do fim de um ciclo dentro do Incra. Ele não pode ser o Estado brasileiro e prover todas as políticas públicas dentro de um assentamento, que é fruto do processo da colonização. Além de proteger a terra, ele deveria garantir a casa, a estrada, etc. Estamos trabalhando a reforma agrária com três elementos muito importantes: desconcentração fundiária aonde concentração fundiária e pobreza extrema são causa e consequência, e isso é muito visível no nordeste; a integração de políticas públicas, como a entrada a partir de 2013 do programa Minha Casa Minha Vida em assentamentos de reforma agrária, onde haverá todo um comprometimento dos investimentos com os parceiros para garantir água, acesso a estrada e moradia; e o apoio à produção diferenciada, de geração de alimentos com as características da agricultura familiar, com investimento em assistência técnica, parcerias importantes dentro do conceito de agroecologia e do fornecimento de políticas públicas como o PAA (Programação de Aquisição de Alimentos) e PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). Projetamos mais de 100 mil famílias assentadas até 2014, fornecendo alimentos para os programas governamentais de compra. O Incra tem 235 mil famílias com assistência técnica e apenas 15 mil fornecem ao PAA.
Junto com tudo isso o trabalho da regularização fundiária e ambiental nos assentamentos, refletindo o novo momento da reforma agrária.
Alguns movimentos sociais, principalmente o MST, criticam que nos últimos dez anos os governos Lula e Dilma, que seriam os mais progressistas, tiveram um retrocesso na questão da reforma agrária. Como você vê esse tipo de crítica dos movimentos sociais? É legítimo o movimento social reivindicar números maiores em relação ao acesso à terra. Mas é importante entender em que momento vivemos para poder atingir números que atingimos no passado. Houve um descompasso entre o acesso à terra e o acesso ao conjunto das demais políticas. Você permite que as famílias acessem a terra, mas só conclui o investimento do assentamento 15 anos depois. Nesse meio tempo as pessoas vão saindo, buscando oportunidades, ou mesmo ficando nos lotes de assentamento, mas com a privação de direitos muito importantes. Hoje o que acontece? O Incra é acusado de causador do desmatamento da Amazônia, por criar favela rural e que não funciona. Porque ele ficou sozinho nessa tarefa, não só de dar o acesso à terra, mas de prover todas as políticas públicas. O nosso compromisso agora é que a cada par de terras adquirido pela reforma agrária tenha o seu planejamento prévio do atendimento de políticas públicas. Passa por um período de transição, mas tão logo se consiga dar efetividade a essas mudanças, responderemos a um patamar
aceitável de reforma agrária no Brasil..
Houve uma greve dos funcionários do Incra e há relatos de sedes altamente precárias, como a do Maranhão. Há perspectiva de melhoramento na operacionalidade e estrutura do Incra? Para você ter uma ideia, e isso é uma das coisas que estamos reavaliando no trabalho interno do Incra, 70% do tempo de trabalho dos funcionários é viabilizar os créditos de instalação, principalmente da modalidade habitação. Com a ida da habitação para o Minha Casa Minha Vida, repensaremos o tempo de trabalho dos nossos servidores. Então no bojo dessas mudanças está também a melhor alocação dos servidores disponíveis na casa. Mas o Incra tem uma estrutura de 5 mil servidores, talvez só o Ibama tenha estrutura equivalente ou maior com a mesma capilaridade no Brasil. Tão importante quanto viabilizar mais servidores é saber a melhor forma de trabalhar com a equipe que existe, e estamos reavaliando esse trabalho no conjunto. Começamos com os estados no nordeste, aonde o Incra estabelece um processo de atuação mais contundente com o Brasil Sem Miséria. E os servidores têm que estar imbuídos dessa tarefa no trabalho das superintendências..
Qual a sua posição em relação à desapropriação de terras improdutivas, que não cumprem a função social? Continua a mesma: cumprir a
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FAZENDO
MEDIA Caminhão de transporte de alimentos produzidos no acampamento Milton Santos carrega faixas de protesto exigindo reforma agrária. Foto: facebook.com/AssentamentoMiltonSantos
Quais são os dados atuais sobre reforma agrária no Brasil?
constituição, tem que ser desapropriada. Tem havido desapropriações. A própria presidenta decretou em agosto mais de 20 imóveis para fins de reforma agrária por descumprimento da função social da propriedade. O Incra começa agora um trabalho institucional de vistoria nos imóveis que estão na lista suja do trabalho escravo, uma grande novidade, muitos anos depois da constituição brasileira estabelecer todos os quesitos da função social da propriedade. Fizemos iniciativas que compõem a questão da função social no quesito ambiental, mas obviamente há uma interpretação do judiciário brasileiro sobre esses temas. Então, essas iniciativas pioneiras vão ter que aguardar a decisão judicial no Supremo Tribunal Federal (STF). .
O que tem sido feito em relação às terras da Amazônia, que têm muitos grileiros e ocupações ilegais? Estamos fazendo um conjunto de ações na Amazônia, que envolve o Incra, o ICMBio e o Programa Terra Legal. A grande vantagem é que o que se chamava grilagem sobre ocupação irregular de terra já é conhecido e temos condições de agir. O Terra Legal, na Amazônia, vem evoluindo muito na medição de imóveis na destinação para regularização fundiária. O ICMBio avançou muito na identificação de territórios e construção de unidades de conservação. Agora, num trabalho conjunto com o Incra, vai permitir a avaliação desses imóveis que estão dentro de unidades de conservação, e o próprio Incra no seu trabalho de assentamento ambientalmente diferencial também está contribuindo muito com o reconhecimento e o assenhoramento do território.
O histórico da reforma agrária no Brasil são cerca de 94 milhões de hectares sendo reconhecidos e criados, quase 9 mil projetos de assentamento envolvendo 900 mil famílias. A Amazônia é responsável por quase 4 mil projetos, aproximadamente 84 milhões de hectares. Temos 499 assentamentos ambientalmente diferenciados na Amazônia, o que equivale a 15 milhões de hectares. Para você ter uma ideia do que foi a importância da reforma agrária no Brasil, quais as suas diferentes formas, hoje é quase o número dos maiores imóveis do país. São 8 mil imóveis, 87 milhões de hectares que estão no sistema de cadastro rural, ou seja, houve a destinação para a reforma agrária de uma área equivalente a todos os maiores imóveis do Brasil. Essa referência do tamanho da reforma agrária e do tamanho dos maiores imóveis do Brasil demonstra que, para além do índice de Gini, há sim uma reforma agrária que teve e tem
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Há sim uma reforma agrária que teve e tem repercussão e precisa ser aperfeiçoada”
O que é mais preocupante em termos de Amazônia?
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Foto: Eduardo Sá
É sempre preocupante a situação em que você tem uma ameaça à vida humana, porque independe da chegada da política pública, você está atacando o direito mais básico dessas pessoas poderem viver com liberdade, e o tema da violência em nenhum momento é justificado pela ausência de política pública. É um tema de segurança pública e tem que se agir desta forma.
Colheita no assentamento Milton Santos Foto: João Zinclar / facebook.com/ AssentamentoMiltonSantos
repercussão e precisa ser aperfeiçoada. Uma parte dessa reforma agrária é fruto da colonização, e é sobre ela que nós estamos alterando a nossa sistemática de funcionamento.
Assentamento Milton Santos, ameaçado de despejo, bloqueia a Rodovia Anhanguera dia 20/12 exigindo a demarcação de suas terras | Foto: facebook.com/AssentamentoMiltonSantos
A perspectiva de 2013 será potencializar os assentamentos ou ampliar? É um trabalho conjunto, porém nós vamos focar a nossa atuação de obtenção de terra, aonde: esteja verificada a concentração fundiária e pobreza extrema como causa e consequência; garantia da integração das políticas públicas, compromisso do governo federal, dos estados e municípios para a implantação dos assentamentos, ali nós vamos criar novos assentamentos de reforma agrária. Ou seja, compromisso com quantidade, mas garantindo qualidade para não reproduzir o descompasso do acesso às terras com a chegada das políticas públicas.
Você foi superintendente no Pará, gostaria que falasse dos conflitos na região, que é a pior do Brasil nesse sentido. Como o Incra entra nesse cenário? O Incra entra do jeito que está fazendo. Hoje há uma liminar no estado do Pará que impede que o Incra crie novos assentamentos sem licença prévia, e quem dá licença prévia é o governo do estado. Então, não va-
mos criar nenhum assentamento enquanto o governo do estado não nos der segurança de que aquele imóvel pode ser licenciado para fins de um assentamento de reforma agrária. Vamos ter que verificar a sua situação ambiental dos grandes imóveis que não cumprem a função social da propriedade, porque isso vai ser objeto de análise do juiz na indenização justa e prévia conforme prevê a constituição. Se não tivermos a garantia do estado não poderemos criar nenhum novo assentamento
Mas essa questão ambiental, segundo o relato de muitos extrativistas, tem sido um empecilho para o avanço da reforma agrária. É uma premissa ter licenciamento ambiental, quem dá são os órgãos estaduais de meio ambiente, então o Incra não vai gerar nenhuma expectativa de criar novos assentamentos se não tiver segurança de que o órgão ambiental vai licenciá-lo.
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traรงo livre Por Ricardo Tokumoto | Veja mais em: www.ryotiras.com
Por Adriano Kitani | Veja mais em: pirikart.tumblr.com/
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rio de janeiro
Foto de fundo: Correspondentes da Paz / flickr
Moradores da favela “pacificada” da Tijuca, na zona norte do Rio, organizam evento contra Toque de Recolher implantado pela Unidade de Polícia Pacificadora local
OCUPA BOREL, Resistência e Alegria. Por Chico Motta Cheguei tarde, por volta de 22:30, e me disseram que as pessoas tinham ido para o “Terreirão”. Perguntei se havia muita gente, responderam que tava que era para mais de mil, abri um sorriso no rosto. O protesto, marcado para ocorrer na rua São Miguel, resolveu subir o morro, entrou no meio desse espaço vivo e presente que é o lugar deles, que é o motivo daquela luta, rompendo com uma estigma – marco simbólico da reapropriação do próprio território. 32
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“Eu moro na Tijuca, na Rua São Miguel O morro mais bonito é o morro do Borel No bairro da Tijuca, no morro do Borel Aqui tem quem luta, quem faz seu papel” Funk do Borel
O morro como dentro, como o eu, atravessado de histórias e vidas que fazem dele o que é, não mais um outro, que impõe e submete a vida dos moradores, não mais o que vem de fora como regra, mas sim de dentro como potência livre e pulsante, era multidão. “O morro é nosso” , escutei de um menino que devia ter por volta de onze anos. Era a primeira vez que subia o Borel e me impressionou o número
excessivo de policiais. “É por causa do protesto” me informou um morador, “eles estão apreensivos com a mobilização da comunidade”. Chegando no “Terreirão” havia cerca de 500 pessoas, jovens, adultos, mães e pais com os filhos, moleques alegres que escalavam os muros e a assistiam a tudo do alto. Uma moradora radiante e carismática discursava ao microfone que era só emoção. No rosto das pes-
Fotos: Chico Motta
soas se notava o orgulho, felicidade. Contra as últimas ações abusivas e repressoras, responderam com festa, música e alegria. Diversos MCs e poetas da Associção dos Profissionais e Amigos do Funk (APAFUNK), como MC Leonardo, marcaram presença. A afirmação do que eram, e que ninguém de querer iria lhes tirar. Na semana anterior o plantão da UPP havia passado de qualquer limite, impôs toque de recolher às 21h, ameaçou quem quer que mantivesse estabelecimentos abertos, agrediu física e verbalmente pessoas, submetendo-os a uma violência doentia. Não era a primeira vez que tais abusos ocorriam, denúncias se multiplicam, em especial com relação a policiais de dois dos plantões da comunidade. “Tem certos policiais que não conseguimos nem olhar no olho que a gente treme”, disse-me uma moradora. Não se tratava ali, é importante ressaltar, de querer a saída da polícia, mas pelo contrário, que esta esteja como servidora daquela população. O que não dá é para trocar de mãos as armas e a opressão continuar. O estado tem que servir aos moradores, não os oprimir. Em carta aberta dos manifestantes, enviada ao Capitão Amaral, comandante da UPP, foram elen-
“
O Ocupa Borel foi um marco, uma quebra de paradigma de uma comun idade que se sentia acuada.
cados os pontos positivos e negativos que a instalação da unidade trouxe. Entre os positivos destacaram o fim das incursões violentas do “caveirão” que gerava pânico e medo na população; a diminuição dos homicídios consequente do fim dos conflitos entre traficantes e policiais; e pequenas melhorias no desenvolvimento humano por conta de cursos e outras iniciativas que se estabeleceram na comunidade. Como pontos negativos, ressaltaram os abusos reiterados cometidos por policiais, o fato do disquedenúncia não funcionar de maneira satisfatória, o toque de recolher e o impedimento de circular livremente pelo morro. Pediram o afastamento dos policiais envolvidos nos abusos para tratamento psicológico, pois entendem que não deve ocorrer de serem transferidos e continuarem praticando abusos em outras Unidades.
O Ocupa Borel foi um marco, uma quebra de paradigma de uma comunidade que se sentia acuada. “Era como se estivéssemos engasgados e de repente conseguimos falar”. Com cartazes onde se lia “Sou morador e quero respeito” e “Ocupa Borel” estão reescrevendo a sua própria história. Ao final, perguntava-se entre as pessoas quando seria o próximo. Informaram que outras comunidades já se articulam para realizar manifestações semelhantes. “Tá rolando um Ocupa Alemão, e deve sair o Ocupa Maré, acho que esse movimento vai virar Ocupa Favelas”, disse otimista a moradora. *O nome dos moradores foram omitidos para a segurança dos mesmos.
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Ana Enne Ana Enne é professora do departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), jornalista formada pela PUC-Rio e doutora em Antropologia pelo Museu Nacional (UFRJ).
As palpiteiras
de plantão
Os “especialistas” da mídia grande e sua imensa capacidade de propragar preconceitos Primeiro foi a psicóloga no Faustão. Convocada a palpitar sobre o chocante caso do massacre na escola de Newtown (Connecticut, EUA) não pestanejou e despejou preconceito e generalização contra os autistas. Depois veio a escritora famosa naquela publicação que, como em Harry Potter, não nomeamos para não nos dar azar, declarando que não se devia misturar “deficientes mentais” com “alunos normais” em sala de aula. Isso também a pretexto de comentar o caso de Newtown. E isso depois de abrir seu artigo confessando não ser educadora e não entender de educação. E, é claro, culpando o tal do “politicamente correto”... Dona Psicóloga do Faustão precisa de uma boa terapia? E Dona escritora de auto-ajuda tá precisando ler seus próprios livros? Ou um pouco de informação e responsabilidade social já dariam um jeito?
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(www.revistaovies.com)
Goffman, falando sobre estigma, distinguia os portadores de estigmas visíveis, físicos, daqueles que possuíam traços mais manipuláveis de identidade, podendo esconder as marcas da rejeição
Entendemos isso, todos nós que lutamos contra as formas diversas de preconceito, e por isso não podemos tolerar nenhuma manifestação discursiva de intolerância. Pessoas sofrem. A dor do outro é também a nossa dor. Dona psicóloga e dona escritora: tenham vergonha, peçam desculpas, informem-se antes de palpitarem irresponsavelmente. Palavras têm consequências no mundo. Mesmo as proferidas num programa de entretenimento comercial numa emissora cínica e num artigo bobo numa revista de quinta, para as quais ambas, tão distintivas, se prestaram a emprestar sua ignorância diplomada.
Ilustração: Rafael Balbueno
Os movimentos, agentes e agências na luta pela inclusão e pela positivação da diferença, protestaram, com toda razão. Não podemos mais tolerar que pessoas com certificados de especialistas ou de celebridades tenham o direito de usar espaços midiáticos para distribuírem suas porções de preconceito.
através do controle sobre a informação, enquanto os primeiros tenderiam a temer mais as situações de contato, pois, de alguma forma, na presença interativa o preconceito já se colocaria. Hoje, sabemos que também aqueles que possuem os traços visíveis da rejeição social precisam também lutar pelo controle da informação, pois é na construção discursiva que se afirma o preconceito que depois se materializa em ação. E, como explicou Barthes, muitas vezes o explicitamente conotativo é o álibi para que o denotativo, também ele conotado, pareça mais natural. Não o é. Mesmo a marca que pareça mais natural enquanto signo da diferença é, sempre, uma construção cultural e precisa ser disputada semanticamente.
Por Chico Motta
*Improvável, mas não impossível.
Combate a Violência Doméstica preocupa Mulheres Diante do Trono
Psicopata?
Alienada?
Dor de barriga?
Corna?
Míope?
Barriga d’água?
Nojo diante do trono? Sancionada no dia 7 de agosto de 2006, a lei n° 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, entrou em vigor no dia 22 de setembro do mesmo ano. Porém, desde então vem causando polêmica e divergências entre as mulheres de bem da nação. As críticas se multiplicam, mal haviam passado 24 horas da vigência da lei e um homem foi punido injustamente por tentar educar sua exesposa adúltera a partir de um estrangulamento. “A criança quando vê a autoridade do pai questionada perde a referência, a mulher precisa sempre deixar clara a sua posição de submissão, apanhar do marido é importante para que os filhos cresçam sabendo o papel do homem e da mulher na sociedade, para que não entrem para as drogas nem tenham pensamentos subversivos” — nos explicou a pastora e psicóloga, ministra do louvor, Maria das Dores, enquanto mostrava seus hematomas para provar que sempre deu o bom exemplo para os seus filhos.
Quando o assunto é a posição da mulher na sociedade, o Movimento Mulheres Diante do Trono tem se mostrado um dos mais importantes ao levar a discussão às suas fiéis. Já no seu 3º encontro nacional, proporcionaram um intenso debate desmitificando as campanhas de combate a violência doméstica, e mostrando que a causa da mesma está na própria mulher. “Enquanto as mães não criarem suas filhas para o lar, dificilmente essa situação mudará, é preciso dar o exemplo. Se não mudarmos nossa própria postura, como mulheres, mais lares serão despedaçados, devemos aceitar que o homem é quem manda na casa” — sintetizou das Dores.
O exemplo é a solução do problema, de acordo com as mulheres dessa congregação. Elas perceberam o fracasso da tentativa de emancipação feminina e a necessidade de reforçar as raízes tradicionais da família. “Muitos homens de bem vem orgulhosos me falar que suas filhas passaram em primeiro lugar para o vestibular, eu
pergunto: —É assim que vocês querem criar suas filhas? Vocês acham isso bom? E cozinhar, a sua filha universitária vai querer cozinhar? E costurar, quem vai costurar as cuecas do marido dela? É nessas horas que fica clara a necessidade da violência pedagógica, quando o pai não educa o marido deve educar.” Disse a pastora.
Em vigência há quase dez anos, a Lei Maria da Penha alterou a realidade familiar da mulher no país, sendo vista, por muitos, como um marco no desmantelamento da instituição familiar, reforçando uma disputa sexista entre mulheres e homens e desmantelando e acabando com a paz e as referencias de milhares de lares Brasil afora.
*ATENÇÃO: Queridos fanáticos religiosos, essa seção é fictícia. Não levem a mensagem a sério, a Vírus é contra o machismo, e prega por respeito às diferenças e às religiões.
35 anos
Educação Estadual
Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro
na luta!
2013 será um ano de lutas para redes estadual e municipais da educação Os profissionais das escolas estaduais e municipais do Rio de Janeiro têm encontro marcado com a mobilização e com a luta contra os ataques do governador Cabral e do prefeito Eduardo Paes que acontecerão em 2013. No dia 23 de fevereiro (sábado), a rede estadual realiza uma assembleia geral, às 14h, no auditório da ABI (Rua Araújo Porto Alegre 71/9º andar). A categoria vai se mobilizar contra os ataques de Cabral, por melhores salários e contra a remoção arbitrária dos funcionários das escolas. Na quarta, 27 de fevereiro, será a vez da rede municipal da capital fazer sua assembleia, às 18h, também na ABI. Os professores e funcionários das escolas municipais do Rio estão em luta contra a reestruturação da rede e por um reajuste salarial digno. Nas demais redes municipais, a mobilização será a palavra de ordem para a luta pela valorização profissional e pela educação de qualidade.
Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação – Sepe/RJ
www.seperj.org.br