Vírus Porque neutro nem sabonete, nem a Suíça
R$5 edição nº 20 fevereiro 2013
Planetário
tem morador! Espaços populares por todo o Brasil são ameaçados de remoção
Entrevista INclusiva com
OcupeaCidade
Com intervenções artísticas urbanas, coletivo critica a especulação imobiliária em São Paulo
Aldeia Maracanã resiste
A luta dos índios agora é pela primeira Universidade Indígena
Pinheirinho(s) Realidade de Pinheirinho (SP) um ano depois. E a Ocupação Novo Pinheirinho em Brasília
FAZENDO
MEDIA
EDIÇÃO DIGITAL
nº20
Com conteúdo do
Em defesa do projeto dos movimentos sociais para o petróleo, com monopólio estatal, Petrobrás 100% pública e investimento em energias limpas. Notícias da campanha: www.apn.org.br www.tvpetroleira.tv organização: Participe do abaixo-assinado:
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Afinal, o que é a Vírus Planetário? Muitos não entendem o que é a Vírus Planetário, principalmente o nome. Então, fazemos essa explicação maçante, mas necessária para os virgens de Vírus Planetário: Jornalismo pela diferença, não pela desigualdade. Esse é nosso lema. Em nosso primeiro editorial, anunciamos nosso estilo; usar primeira pessoa do singular, assumir nossa parcialidade, afinal “Neutro nem sabonete, nem a Suíça.” Somos, sim, parciais, com orgulho de darmos visibilidade a pessoas excluídas, de batalharmos contra as mais diversas formas de opressão. Rimos de nossa própria desgraça e sempre que possível gozamos com a cara de alguns algozes do povo. O bom humor é necessário para enfrentarmos com alegria as mais árduas batalhas do cotidiano.
O homem é o vírus do homem e do planeta. Daí, vem o nome da revista, que faz a provocação de que mesmo a humanidade destruindo a Terra e sua própria espécie, acreditamos que com mobilização social, uma sociedade em que haja felicidade para todos e todas é possível.
Recentemente, unificamos os esforços com o jornal alternativo Fazendo Media (www.fazendomedia.com) e nos tornamos um único coletivo e uma única publicação impressa. Seguimos, assim, mais fortes na luta pela democratização da comunicação para a construção de um jornalismo pela diferença, contra a desigualdade.
Expediente: Rio de Janeiro: Aline Rochedo, Ana Chagas, Artur Romeu, Beatriz Noronha, Caio Amorim, Chico Motta, Eduardo Sá, Gabriel
Bernardo, Ingrid Simpson, Julia Maria Ferreira, Maria Luiza Baldez, Mariana Gomes, Miguel Tiriba, Noelia Pereira, Raquel Junia, Seiji Nomura e William Alexandre | Mato Grosso do Sul: Marina Duarte, Tainá Jara, Jones Mário, Fernanda Palheta, Eva Cruz e Juliane Garcez | Brasília: Alina Freitas, Mariane Sanches, Luana Luizy e Thiago Vilela | São Paulo: Ana Carolina Gomes, Bruna Barlach , Duna Rodríguez e Luka Franca | Minas Gerais: Ana Malaco e Laura Ralola Diagramação e projeto gráfico: Caio Amorim Ilustrações: Carlos Latuff (RJ), Paulo Marcelo Oz (MG) e Ricardo Tokumoto (MG) Revisão: Bruna Barlach Colaborações: Edemilson Paraná, Luiz Baltar, Renan Otto, Ratão Diniz, Raquel Oliveira, Fábio Caffé, Daniel Carvalho e Diogo Salles Capa: foto: Renan Otto
Conselho Editorial: Adriana Facina, Amanda Gurgel, Ana Enne, André Guimarães, Carlos Latuff, Claudia Santiago, Dênis de Moraes, Eduardo Sá, Gizele Martins, Gustavo Barreto, Henrique Carneiro, João Roberto Pinto, João Tancredo, Larissa Dahmer, Leon Diniz, MC Leonardo, Marcelo Yuka, Marcos Alvito, Mauro Iasi, Michael Löwy, Miguel Baldez, Orlando Zaccone, Oswaldo Munteal, Paulo Passarinho, Repper Fiell, Sandra Quintela, Tarcisio Carvalho, Virginia Fontes, Vito Gianotti e Diretoria de Imprensa do Sindicato Estadual dos Profissionais de Edução do Rio de Janeiro (SEPE-RJ) Siga-nos: twitter.com/virusplanetario Curta nossa página! facebook.com/virusplanetario
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Comunicação e Editora A Revista Vírus Planetário - ISSN 2236-7969 é uma publicação da Malungo Comunicação e Editora com sede no Rio de Janeiro. Telefone: 3164-3716
Sumário
Editorial 6
Bula Cultural_O som que vem das ruas Bula Cultural
7 8 Bula Cultural_Deixa o carnaval
Tem morador. Mesmo quando não podemos ver, mesmo por onde não passamos, mesmo longe da gente, em outras cidades, em outros espaços, a verdade é que pelo Brasil inteiro tem gente morando e gente tentando morar. Gente a quem foi negada a chance de ter um teto sobre si, mas que nem por isso se calou: foi atrás de conseguir seu espaço. Nesta edição, mostramos gente que lutou pelo direito de morar e perdeu, um ano depois a história do Pinheirinho, em São José dos Campos-SP, ainda nos comove e faz com que pensemos qual é o limite da imposição da força policial mandada pelo Estado. O Pinheirinho foi dizimado, mas sua memória permaneceu e inspirou um Novo Pinheirinho em Taguatinga-DF. Mas fevereiro tem carnaval, e esse clima de festa transpira por nossas páginas em diferentes expressões e tons, trazendo não só suas cores, mas também seu aspecto político, questionador e belamente brasileiro. E como nem só de carnaval vive a cultura brasileira, o duelo de MCs de BH está aqui para representar a cultura de rua. De Minas também vem a Mostra de Cinema de Tiradentes, um dos principais pontos de encontro para os cinéfilos e entusiastas da sétima arte. Como arte, cultura, política e Vírus sempre caminham juntas, na inclusiva demos um giro por São Paulo nas palavras do coletivo de artistas OcupeaCidade. Lá e cá vamos ouvir falar muito sobre especulação imobiliária e como o desejo de se ganhar muito dinheiro a qualquer custo tem despido a cidade de seu papel central de agregador de pessoas, quando se proíbe não somente o direito à moradia, mas o direito a existirmos, convivermos, andarmos, brincarmos e vivermos, de fato, nas grandes cidades. Depois de ocuparmos e resistirmos juntos com os indígenas na Aldeia Maracanã (antigo Museu do Índio, ao lado do estádio Maracanã - em reforma para os megaeventos que irá receber), mostramos um pouco da trajetória dessa aldeia que sobrevive com todas as pressões que um centro urbano com um metro quadrado ultra-valorizado como o Rio de Janeiro pode causar. Após conseguirem a vitória pela não-demolição do prédio, os índios lutam agora para permanecerem ali, mantendo a aldeia viva e construindo a primeira Universidade Indígena do país. Chegamos a edição de número 20, duas dezenas, duas vezes dez! Não poderíamos deixar passar em branco esta edição sem agradecer a todos aqueles que ajudam a construir a Vírus cotidianamente, seja como leitores, como compartilhadores de nossa página, como curtidores no facebook. Sempre bom lembrar que a cada dia queremos que nossa voz ecoe mais longe e, para isso, você também está convidado a fazer parte desta comemoração e da construção da revista. Participe.
ser!
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Bula Cultural_Quem é você na MOstra de Cinema de Tiradentes
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Rio de Janeiro_De Cabral a Cabral, 513 anos de opressão
18 São Paulo_Outros Janeiros 22 Brasília_Quando morar é um privilégio...
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CAPA_Ensaio Fotográfico: Tem Morador!
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Fazendo Media_O agrotóxico atravessa samba
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Fazendo Media_Entrevista: João Martins
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Entrevista Inclusiva_Coletivo OcupeaCidade
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O sensacional repórter sensacionalista
Bula cultural
algumas recomendações médico-artísticas
O som que vem das ruas
Duelo de MCs movimenta a cultura ao ar livre em Belo Horizonte
Por Ana Malaco BELO HORIZONTE (MG)
Semanalmente centenas de jovens ocupam a parte de baixo do viaduto de Santa Tereza, em Belo Horizonte. A noite começa por volta das 20h30 e, em toda a parte, esses jovens assistem e produzem o melhor do Hip Hop. O evento da cultura de rua é o conhecido Duelo de MCs. O Duelo é um projeto desenvolvido pelo coletivo belorizontino Família de Rua, e desde 2007 reúne centenas de pessoas que se apresentam, seja cantado o rap, dançando o Break, botando o som ou grafitando os muros. Cada MC que se apresenta paga no ato da inscrição dois reais, a somatória das inscrições é dada como prêmio para o Mestre de Cerimônias vencedor da noite. E, também, uma latinha grafitada por diversos artistas do cenário do grafite em Minas. Toda sexta-feira o espaço reúne cerca de 2000 pessoas. O Duelo que inspira outros trabalhos ampliar o reconhecimento e o alcance do Movimento Hip Hop. Uma dessas inspirações produzida pelo coletivo é o projeto O som
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que vem das ruas. O projeto reuni um documentário sobre a história do MC de Hip Hop em Belo Horizonte e um álbum com 13 faixas que conta com participação de 23 artistas (MCs e BeatMakers) que são parte da história do Duelo de MCs além de retratar a realidade das ruas e o quanto a cultura artística do movimento Hip Hop é essencial para conhecer e mudar a sociedade individualista em que estamos.
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O espaço do Viaduto dá espaços para diversos artistas do Movimento.”
Desafio na pista Na tarde de domingo, dia 3 de fevereiro, o Viaduto foi ocupado pela
primeira edição do FDR All Styles – Desafio na Pista. Dezenas de dançarinos se apresentaram individualmente. No final do Desafio, os três grandes dançarinos, Mascote, Black A e Leandro Belilo se encontraram. O evento todo foi um show de técnica e feeling. No final das contas, na opinião dos jurados, Leandro Belilo levou a melhor. Segundo Monge (Thiago Antônio, 29 anos), que conduziu o evento e é um dos idealizadores do Duelo, o espaço do Viaduto, depois de muito esforço e luta está se consolidando e dando espaços para diversos artistas do Movimento. O Duelo, assim como outras manifestações artísticas nas ruas de BH, foi proibido. Embora o decreto do prefeito Márcio Lacerda de 2010 (que não permitia nenhuma apresentação em espaços públicos na capital mineira sem que essas fossem “avisadas”) não tenha atingido diretamente o Duelo, este foi proibido em meados de 2011. A Regional Centro Sul da Prefeitura de BH junto com a Polícia Militar de MG quiseram parar o Duelo de MCs. De acordo com Monge, os órgãos
Indicações ½ Duzia de 3 ou 4 alegaram que o encontro não cabia mais no espaço onde ele acontece, o Viaduto Santa Tereza. “Nós não aceitamos essa imposição e tornamos a notícia pública. Com o apoio de muita gente, conseguimos manter o Duelo funcionando. Mas é importante dizer que o poder público ainda é muito omisso em algumas questões como em garantir a infraestrutura básica para a realização do Duelo de MCs, segurança etc, mesmo cinco anos após a realização do encontro”, completa Monge. Graças a muita manifestação e denúncia dos movimentos artísticos de Belo Horizonte que a lei municipal 10.277 de 2011 permitiu as manifestações artísticas em praça pública sem que essas possam depender de prévia comunicação ou autorização da prefeitura. Márcio Lacerda é conhecido por suas políticas de “higienização” na capital mineira. A forma violenta utilizada para desocupar os centros urbanos vai de caminhão pipa molhando os moradores de rua, recolhimento de artesanato e matéria prima de artistas de rua, até colocação de concreto em baixo de viadutos.
A Banda Paulistana que está no seu segundo CD vem se destacando no cenário musical brasileiro. Bastante experimentação e letras irônicas fazem parte do seu perfil. Não espere pelo óbvio, ou se surpreenda com Apadrinhados ele. por Tom Zé, que tem inclusive uma música em sua homenagem, os paulistanos não evitam tocar em temas polêmicos, como a questão ambiental, e a descrença no processo político institucional. No último album, O Fim está próspero, o foco foi a temática do fim do mundo, presente em todas as suas 12 músicas.
Contraindicações Enredos Vendidos Já faz algum tempo que os desfiles de escola de samba do Rio se tornaram um grande negócio. Os desfiles são cada vez mais uma vitrine para empresas e campanhas publicitárias. Sambas-enredo são feitos sob encomenda a empresas privadas para valorizar suas marcas. Esse ano, destacam-se escolas como a São Clemente, patrocinada pela Rede Globo, Grande Rio que teve enredo focado na campanha pelos royalties do Sérgio Cabral, Salgueiro que teve seu enredo vendido para revista Caras e a campeã Vila Isabel com enredo encomendado pela BASF. A festa do povo entra num processo avassalador de elitização e comercialização, em que letras que exaltam a cultura popular e da favela perdem espaços para sambas sem pé nem cabeça sobre assuntos “incantáveis” e sem o encanto do povo.
POSOLOGIA ingerir em caso de marasmo ingerir em caso de repetição cultural ingerir em caso de alienação manter fora do alcance das crianças nocivo, ingerir apenas com acompanhamento médico extremamente nocivo, não ingerir nem com prescrição médica
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Bula cultural
algumas recomendações médico-artísticas
Ceu Na Terra. Foliões agitam as ruas de Santa Teresa e esbanjam alegria. Foto: Raquel Oliveira
Deixa o
Carnaval ser! Por Aline Rochedo É impressionante como uma cidade se transforma no Carnaval. São cores, sons, cheiros, pessoas, que nos dão a sensação de estarmos noutro lugar, transmutandonos em turistas. Lugares como Rio de Janeiro, Ouro Preto, Olinda, Recife, Salvador, dentre tantos, abremse para acolher um número imenso de pessoas de todas as partes. E estes visitantes transitam ente nós, trazem suas diferentes culturas que se agregam, derrubando as fronteiras.
E por que Carnaval? A história do carnaval no Brasil esta associado às brincadeiras que acontecem desde o século XVIII. Após a independência, a elite carioca decide se afastar do passado lusitano e incrementar a aproximação com as novas potências capitalistas, com destaque para a
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O carnaval é ou não é a festa do povo?
França. Como referência, a cultura parisiense inspirou a transformação das festas carnavalescas da burguesia. No entanto, para o povo, o carnaval continuou a ser sinônimo de diferentes brincadeiras na rua (a exemplo do entrudo, antiga brincadeira carnavalesca, trazida pelos colonizadores portugueses, no século XVI), mesmo oprimidos pelo poder público. A partir do século XIX e com a abolição dos escravos grupos negros de Congadas (ou Congos) e Cucumbis aproveitavam-se da suposta “liberalidade” a fim de adquirir uma autorização policial para se apresentarem. Além disso, outros grupos, reunindo a população de brancos pobres, mestiços, de negros libertos e pequenos comerciantes portugueses (mais tarde conhecidos como Zé Pereiras), também aprontavam suas brincadeiras.
Nas ruas A mistura dos diferentes acaba incentivando o diálogo. Nas ruas esse diálogo transcorre de maneira natural como forma de manter a tradição democrática do carnaval onde todos podem se divertir sem ter que pagar por isso. Com fantasias improvisadas, criatividade, o carnaval também é espaço de crítica social. A rua é local da liberdade, da manifestação genuína. Ou pelo menos deveria ser. Na Bahia, por exemplo, paga-se altos preços por um abadá e excluise da festa os moradores locais. Os trios elétricos são os maiores disseminadores de diferenças e da não democracia. Embora a criação da dinâmica dos trios elétrica tenha surgido como uma brincadeira popular para maior animação à festa de rua, hoje sua dinâmica é bem diferente. Segundo Moraes Moreira,
Grupo Estrela da favela do Muquiço em Guadalupe reúne diversos grupos de batebolas fortalecendo o carnaval do subúrbio carioca Foto: Ratao Diniz
um dos primeiros artistas a liderar o som em cima de um trio, a brincadeira que deveria ser feita de forma livre se transformou em algo que ele não se orgulha: “O carnaval, que era do povo, virou um carnaval do comércio”, desabafa. Moraes Moreira indigna-se ao relatar que os blocos cerceavam as pessoas, pois eram escolhidos os que ‘poderiam’ comprar o abadá: “as pessoas iam comprar o abadá e eram escolhiam apenas aquelas que eram ‘bonitinhas’ ou as que tinham dinheiro”. Segundo Moraes, a criação da dinâmica dos abadas intensificou a discriminação social na Bahia: “Eu que sou do povo, não gostei e não aprovo.” Por conta de sua oposição ao sistema de vendas de abadas na festa baiana, Moraes Moreira vive em Pernambuco e se declara um autêntico pernambucano.
esta canção / Teus coqueirais, o teu sol, o teu mar / faz vibrar meu coração, de amor a sonhar”, há shows gratuitos pela cidade à noite. Recife (PE) segue a mesma dinâmica, o Galo da Madrugada desperta os Foliões que saem com as fantasias mais criativas possíveis. Todos os shows que ocorrem em Recife são gratuitos. Ouro Preto (MG) já agregou a dinâmica dos abadas, mas ainda mantém a tradição do carnaval de rua. O local onde acontecem as festas “estilo baiano” fica distante do centro histórico, no qual ocorrem as festas de rua. A cidade histórica mantém museus, igrejas e centros culturais abertos nos dias de folia. Assim, quem opta pelo carnaval de
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‘O carnaval, que era do povo, virou um carnaval do comércio’, desabafa Moraes Moreira.”
Mas nem tudo está perdido! As cidades de Olinda, Recife e Rio de Janeiro são exemplos de uma festas acessíveis, ainda que existam mudanças a serem feitas. Em Olinda (PE), o encanto fica por conta dos bonecos gigantes. Além dos blocos incansáveis que ‘’descem a ladeira cantado: “Olinda Olinda! Quero cantar a ti Foliões brincam o carnaval e protestam contra a privatização do carnaval do Rio no Bloco Cordão do Boi Tolo no Centro | Foto: Fábio Caffe Vírus Planetário - fevereiro 2013
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Bula cultural Ouro Preto, além de brincar, pode desfrutar de um turismo histórico de referência internacional.
algumas recomendações médico-artísticas
Bloco “No seu sofá ou no meu?” na Tijuca Foto: Daniel Carvalho
No Rio de Janeiro podemos dizer que o carnaval de rua carioca tem início em novembro, quando as escolas de samba da cidade passam a realizar os chamados “ensaios técnicos” no Sambódromo. As escolas de samba, que tem suas sedes em sua maioria nas favelas, afirmam a identidade do povo favelado, essencial configuradora do carnaval carioca. Oficialmente, partir das duas semanas anteriores ao carnaval, as ruas são tomadas por um grande número de blocos e bandas que carregam milhares de foliões e fazem da cidade um grande baile popular sem cordas de isolamento e aberto a quem quiser chegar. A infraestrutura da cidade,
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O carnaval no Brasil, por excelência, é uma festa popular.”
Maracatu rural em Olinda Foto: Karinna Paz
no entanto, não é satisfatória para o número de foliões. O carnaval no Brasil, por excelência, é uma festa popular. A diversidade e o ritmo cosmopolita das cidades brasileiras o configuraram de maneiras autônomas e ao mesmo tempo ligadas por este “quê” que só sabe mesmo quem participa da festa. Ainda que suas origens remetam a uma comemoração do calendário religioso e às influências do carnaval europeu, trata-se de um acontecimento conhecido mundialmente como uma festa da rua, do povo, da alegria, da democracia! 10
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Foto: Midia Livre Fora do Eixo
Quem é você na Mostra de Cinema
de Tiradentes?
Por Laura Ralola TIRADENTES (MG)
Domingo, 27 de janeiro de 2013. Passam por mim com mochilas nas costas e olhares saudosos. Pelo ar de despedida, a 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes chegou ao fim. A cidade aos poucos vai se esvaziando. Parece que a alegria peculiar do festival está escondida atrás das nuvens. Vez ou outra as nuvens se espaçam um pouco e abrem espaço para os raios do sol. Calma gente, ano que vem tem mais. Nas prosas pescadas de pouquinho em pouquinho, o assunto é a cerimônia de encerramento. “Os dias com ele”, de Maria Clara Escobar, recebeu o prêmio de melhor documentário. O vencedor da categoria mostra a tentativa da cineasta de mergulhar no passado de seu pai, preso político torturado durante a ditadura militar. Outro filme premiado foi o longa-metragem “Dossiê Jango”, de Paulo Henrique Fontele, produzido pelo Canal Brasil. O filme trata o suposto complô que culminou no assassinato do ex pre-
Onde os cinéfilos viram personagens de seus filmes e dançam pelas praças em um coro dissonante sidente João Goulart. Outros, dos 131filmes exibidos durante nove dias de festival, também foram premiados, mas as pessoas vão descendo as ladeiras e eu perco o resto da história. A Mostra, coordenada pela Universo Produções, é uma plataforma importante para o cinema brasileiro independente. Propõe discussões sobre realidade audiovisual a partir de diferentes perspectivas. Filmes, debates, oficinas, exposições e shows ocupam anualmente o cenário barroco da histórica Tiradentes, em Minas Gerais. Eu, que estou aqui há mais tempo do que consigo lembrar, fadada à imobilidade e só podendo enxergar o que está ao meu redor, escuto com atenção e curiosidade o que vão dizendo quando passam por mim, sentam aos pés da Igreja Matriz de Santo Antônio ou param para tomar alguma coisa na loja da Zezé.
Graças a lojinha da Zezé eu guardo histórias curiosas e engraçadas da Mostra de Cinema. Nessa edição de 2013 um rapaz contava para seus companheiros de copo que havia chegado a Tiradentes de bicicleta. Pedalou por dois dias e meio saindo de Belo Horizonte e voltaria para a capital mineira da mesma forma ao fim do festival. Umas duas ou três edições passadas, uma moça com a câmera na mão fez a seguinte pergunta para outra, que devaneava na escada da Igreja Matriz lá pelas tantas da madrugada: “Quem é você na Mostra?” Depois de pensar por alguns segundos ela respondeu: “Sou a Janis Joplin!” Não sei se tem algo a ver, mas no entardecer do dia seguinte uma releitura da Janis ecoava pela cidade. Vinha lá do
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Bula cultural
algumas recomendações médico-artísticas
Foto: Midia Livre Fora do Eixo
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uma Todo mundo vira artista de alg forma na Mostra.”
bar do Bizuca, na Rua Direita de Tiradentes. Minha suposição nunca se confirmou e até hoje eu lamento por essa festa não ter acontecido ao alcance dos meus olhos. Algumas figurinhas carimbam as edições da Mostra de Cinema. É engraçado que nunca voltam iguais de um ano para o outro. Cabelos de tamanhos e até mesmo cores diferentes, aparelhos celulares mais modernos... Percebo como o tempo vai passando e as coisas acontecendo. Vi jovens ansiosos para entrar na faculdade que agora estão se formando. Sempre que essa turma de “veteranos” da Mostra se encontra é só alegria. Ainda bem que a loja da Zezé é um dos pontos preferidos deles, não pelos santos e doces vendidos, mas pela cerveja barata e a vista sensacional. Nessa edição percebi que alguns passaram rapidamente e outros eu nem vi. Ouvi dizer que não vieram por terem aula em janeiro. A greve por melhorias na educação pública que aconteceu ano passado não deu brecha no calendário. Mas como o carnaval, todo ano tem festival. Daí pro outro parece até que falta pouco. Por fim, todo mundo vira artista de alguma forma na Mostra. Não precisa ser contratado para tocar pela cidade. Tem vários dos que não estão na programação oficial mas estão por aqui mostrando seu trabalho. São músicos, palhaços, grupos de teatros, pintores... Nessa edição um palhaço solitário com uma mala enorme subia as ladeiras da rua onde fico e me deu uma pisada ao virar-se bruscamente quando uma senhora o chamou. “Tá vindo de onde moço?” perguntou ela. “De longe”, respondeu virando e seguindo seu caminho. Após o término da última sessão do dia, por volta da meia noite, começa na tenda montada para o evento o show. É o momento 12
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onde a música se encontra com o cinema. Já passaram pelo palco do festival músicos renomados como Paulinho Moska, Maurício Tizumba, Marina Machado e a banda Graveola e o Lixo Polifônico. Em 2013 a Universo Produções mais do que acertou na programação; A banda Brascubazz, de Belo Horizonte, misturou ritmos cubanos com expressões da música brasileira e garantiu uma das noites mais animadas da 16ª edição. O projeto Delegascia, liderado pelo músico Thiago Delegado, levou ao palco releituras instrumentais de clássicos da Música Popular Brasileira. Quando a banda tocou as músicas de Chico Buarque e Caetano Veloso nem parecia que o show era instrumental, de tão alto que a plateia cantava. O violonista então anunciou a saideira e foi possível escutar daqui os pedidos do ‘bis’. Os shows encerram a programação do dia no festival, só que parte do público é incansável. O pessoal mais boêmio da Mostra gostava mesmo quando a rua do Chafariz não era interditada. Até a 13ª edição, todos seguiam para o Chafariz após o término do show e a festa rolava solta. Tinha violão, percussão e, vez ou outra aparecia gente tocando castanholas. Na 14ª, o monumento foi isolado com uma corda, mas isso não impediu nada. As pessoas ocupavam a rua e a festa acontecia da mesma forma. Com o fiasco da tentativa, na 15ª edição isolaram toda a rua e, desde então, essa galera anda meio perdida, sem saber para onde ir. No cortejo de abertura da 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes um dos indignados pelo fim da noitada do Chafariz circulava pelas ruas com uma placa com os dizeres: Reabertura do Chafariz! Queremos nossas noites de volta.
Contra a privatização dos Hospitais Universitários!
Gestão Mobilização Docente
e Trabalho de Base
Sim, a mostra é um “barato total”. Mas barato mesmo, não é não. Apesar de a programação ser gratuita, há quem diga que não dá conta de financiar sua viagem, pois a cada ano que passa a estadia fica
NÃO À EBSERH! www.aduff.org.br
um pouco mais difícil. As pousadas e os restaurantes não são acessíveis a grande parte do público, que é formada por estudantes. Quem faz parte dessa estatística sempre vai à luta. Tem quem procure casa
para alugar em novembro do ano anterior pra economizar em janeiro, tem quem fale com o ciclano, que liga pro beltrano e consegue ficar na casa da tia avó do fulano e, claro, os mais aventureiros que armam suas barracas e no calor do fim da noite se espremem no frio atípico da estação. Parece-me, na verdade, que quando a mostra começa todos se dão uma licença poética. Os olhares mudam tão completamente que acredito que a parte mais lúdica e humana das pessoas do festival mora pelas ruas de Tiradentes. As coisas fazem mais sentido, por fim. Pois, enfim, sentimo-nos. Somos todos personagens cinematográficos por nove incansáveis dias. E no final de todos esses, me pergunto sempre: Quem sou eu aqui, afinal? Ao final...
Foto: Midia Livre Fora do Eixo Vírus Planetário - fevereiro 2013
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rio de janeiro
De Cabral a Cabral...
513 anos de opressão
Aldeia indígena em pleno centro urbano resiste aos ataques do capital que sob a desculpa dos megaeventos deseja lucrar com o terreno.
Por Aline Rochedo, Ana Chagas, Beatriz Noronha Bruna Barlach e Chico Motta Nos dias atuais, há ainda quem se comporte como os desbravadores do século XVI, associando o domínio de uma cultura sobre outra a um processo legítimo e natural. Preconceituoso e cerceador, o termo civilizar ainda é utilizado repetidamente ao se referir aos índios, muitas vezes justificando ações truculentas e ilegítimas como a demolição do antigo prédio de Memória Indígena da Aldeia Maracanã. Na ocupação cultiva-se verduras e frutas em uma pequena horta e cozinha-se em um forno a lenha. O lugar, além de centro cultural, serve de abrigo temporário ou permanente para índios de todo o país que chegam ao Rio de Janeiro para trabalhar, estudar e participar de eventos.
Ilustração: Carlos Latuff
Enquanto isso, o governo do estado do Rio de Janeiro pretende ali construir um estacionamento. Mais uma vez, as autoridades governamentais priorizam interesses das grandes corporações, o transporte individual mais poluente e elitizado, e atropela-se parte importante da nossa História além do nosso senso de coletividade. Ressaltam que se trata de revitalizar o “Maracanã”, palavra ironicamente de origem tupi, como se demolir um edifício histórico mais antigo que o próprio estádio fosse essencial ao projeto. Falácia deslavada, desmentida pela FIFA e por diversos pareceres técnicos.
A história Este prédio que hoje conhecemos como Aldeia Maracanã pertenceu ao Duque de Saxe que o doou ao Governo Federal. A ideia é que ali fosse sede do Centro de Pesquisa sobre a cultura indígena. O imóvel foi a primeira sede do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), antiga denominação da FUNAI. Em 1953, tornou-se o Museu do Índio, quando Darcy Ribeiro, em
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19 de abril, instituiu o Dia do Índio, e criou ali o primeiro museu dedicado à cultura indígena de toda a América Latina. Na aldeia também foi criado o Parque Nacional do Xingú, uma das maiores e mais importantes reservas indígenas do país. Em 1977 o museu foi transferido para o bairro de Botafogo e o prédio da Aldeia Maracanã passou para as mãos da Companhia Nacional de Abastecimento, que durante anos abandonou o casarão e o deixou praticamente em ruínas. O lugar, considerado histórico e sagrado pelos povos indígenas, passou a ser ocupado por moradores de rua e usuários de drogas e seguiu durante anos abandonado pelo poder público. No ano de 2006 um grupo de indígenas, de diversas etnias, resolveu assumir o espaço que lhes era de direito e ocuparam o prédio com o propósito de fazer dali um Centro de Referência da Cultura Indígena, além de abrigo para os “parentes” de diversas etnias que chegam à cidade.
Guerrilha de comunicação Garantir uma contrainformação que seja fiel às vozes dos índios e leal à resistência de um movimento foi o desafio colocado e seguido pelo coletivo de comunicação instalado na Aldeia. Como se precisassem com urgência fazer ouvir inúmeras vozes silenciadas ao longo da história, o coletivo de comunicação, imersão no território desde o final do ano passado, vem transmitindo informações, dando auxílio à infraestrutura e buscado pautar a mídia brasileira e internacional. O interesse maior do coletivo é garantir que outros movimento de apoio a causa tenham acesso à informações fidedignas. Os residentes do coletivo participaram de um laboratório de comunicação de guerrilha assim que chegaram na Aldeia. A capacitação tem o objetivo de trazer o que chamam de informação ontópica, uma forma de pensar e fazer comunicação partindo diretamente do território.
As autoridades do Rio de Janeiro pretendem transformar o espaço simbólico e estratégico em um estacionamento, demolindo o prédio e criando um centro comercial. Os indígenas reivindicam o lugar para que se converta na primeira Universidade Indígena, um centro de educação para o ensino da história, cultura e conhecimentos ancestrais.
A importância da Aldeia Maracanã Desde que assumiram o espaço, os índios demandam do poder público a revitalização do prédio para que possa se tornar o primeiro patrimônio nacional gerido e administrado por indígenas. Eles passaram a receber escolas, universidades, pesquisadores e simpatizantes e desenvolver atividades culturais, educacionais e de línguas das diversas etnias originárias de todo o território nacional.
Ato realizado em dezembro de 2012, ao fundo prédio do antigo Museu do Índio | Foto: facebook.com/aldeiaindigenamaracana
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rio de janeiro
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A disputa é entre o projeto indígena de ocupação do prédio ou o projeto de Cabral.”
Um dos projetos que chama a atenção de quem visita a Aldeia é a proposta de mapeamento e aprofundamento na pesquisa das origens históricas de cada comunidade. Os grupos se reúnem para estudar, traçar perfis regionais, peculiaridades de costumes, troncos hereditários, etc. Faz parte da preocupação dos Índios, além disso, pensar estratégias de manutenção e preservação dos idiomas ameaçados de extinção (sendo alguns já extintos), em especial, os que se dividem nos troncos linguísticos macro-jê e tupi-guarani.
Ameaça e resistência
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Segundo Julio Conhaque, membro da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas, 37 etnias construíram a Associação Indígena da Aldeia Maracanã no antigo museu. Os integrantes dessa entidade criaram esse status jurídico para que eles pudessem negociar com o governo a posse do local para os indígenas. “A Ocupação serve como símbolo de resistência dos índios e de luta de preservação de sua cultura e a costumes”, salientou.
Ilustrações: Carlos Latuff
No dia 12 de janeiro, por volta das 6h da manhã, os indígenas que se encontram na Aldeia Maracanã, foram surpreendidos com a chegada da tropa de choque da polícia militar no local. Marcelo Freixo, deputado estadual e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, que acompanhava a situação, conversou com o comandante do Batalhão de Choque diante da iminente invasão da Aldeia, assim como com os indígenas e simpatizantes da causa, propondo calma de ambas as par-
tes. Para o Deputado, o patrimônio histórico imaterial indígena deve ser valorizado e respeitado “me diz um país que se preparando para a Copa do Mundo venha a destruir um museu?”, questionou.
A comunhão de todos os povos celebra o amor No último dia 02/02 foi celebrada uma cerimônia histórica de noivado de dois jovens de etnias tradicionalmente inimigas desde 1240. Como os líderes das etnias não queriam aceitar a união do casal, que se conheceu em Brasília e desde lá tem lutado como Romeu e Julieta para ficar juntos, os líderes da Aldeia Maracanã agiram em prol do amor e da reconciliação ao realizar esta cerimônia, que tem por objetivo ser o primeiro passo para que eles fomentem a harmonia entre as tribos.
A preparação e a celebração do noivado Fotos: Oliver Juric
Todos fazem parte da grande aldeia A demolição do museu indígena não condiz com a lógica da diversidade cultural que tanto é prezada nos dias de hoje. Precisamos voltar e reaprender o que foi esquecido. Reivindicar uma sociedade na qual as potencialidades e possibilidades de se viver a vida são respeitadas, compreendidas e legitimadas. Não é questão para sermos imparciais.
Dauá Puri, um dos indígenas idealizadores do projeto, acredita que ao mobilizar todas as pessoas entre apoiadores, estudiosos, a se posicionarem em prol desta luta, já significa, de certa forma, o realizar desta utopia: “a presença de amigos fortalece nossa causa e nos impulsiona a continuar acreditando”. Por isso a participação de todos nesse movimento de defesa à Aldeia é importante, necessário e faz sim a diferença.
de janeiro, o governador Sérgio Cabral voltou atrás de sua ideia original de demolir o prédio. Para comemorar, no dia 02 de fevereiro foi feito um grande ato, com participação de diversos movimentos, partidos, organizações e apoiadores da causa. Mas nem só de comemoração era este ato, já que ainda persiste a ameaça recorrente de que os índios sejam removidos do local. Por isso, resistir ainda é preciso.
Depois de muita mobilização feita por movimentos sociais e apoio de setores influentes na opinião pública, como a classe artística - os atores Thiago Lacerda, Letícia Sabatella e o cantor Jards Macalé estiverem presentes na aldeia; Chico Buarque, Milton Nascimento e Caetano Veloso manifestaram publicamente apoio em vídeos e artigos, o movimento obteve uma vitória parcial e no dia 26
De acordo com a intervenção de Fernando Teixeira no ato, “agora a grande disputa é entre o projeto indígena de ocupação do prédio e que tem condições de continuar a fazer este trabalho em condições muito melhores ou o projeto do Sérgio Cabral, que é tirar os indígenas, e o governo vê o que vai fazer, se vai entregar pra iniciativa privada, se vai terceirizar, se vai fazer o que for.”
“Eike, Eike, Eike, Eike, Eike,
hay que resistir!”
*Letra da música “O encontro de Lampião com Eike Batista” (confira aqui - www.tinyurl.com/lampiao-musica ) da banda El Efecto que se apresentou na Aldeia Maracanã. Vírus Planetário - fevereiro 2013
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são paulo Simulação do ex-prefeito eduardo Cury e Geraldo Alkmin removendo moradores do Pinheirinho. | Foto: Portal do PSTU
Outros janeiros Por Ana Carolina Gomes e Bruna Barlach 22 de janeiro de 2012. Essa data ficaria marcada para sempre na vida das famílias do Pinheirinho. Acordadas pela polícia, com violência, elas foram arrancadas de suas casas, de suas vidas, sem respeito, sem dignidade. Numa manhã de domingo em São José dos Campos onde não houve lei. Dias antes houve uma grande comemoração, com a chegada da liminar que garantia que os moradores não seriam expulsos. Mas infelizmente o governo tem toda a força policial ao seu lado, contra a qual, muitas vezes, não se pode brigar com um pedaço de papel. Depois de expulsas de suas casas, as famílias foram levadas a um acampamento onde ficaram sob vigilância direta da polícia e continuaram a ser sistematicamente agredidas pelos policiais. Agressões verbais e agressões físicas. Ali, a lei também não conseguia chegar.
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Pinheirinho jamais será esquecido Centenas de pessoas feridas, algumas gravemente. A maioria delas não fez exames para comprovar seus ferimentos por um simples motivo: como confiar na polícia depois disso? 48 horas ininterruptas de batalha contra a polícia e de resistência. 48 horas onde não houve nenhuma lei além tentar sobreviver à imposição da lei do mais forte. 22 de janeiro de 2013. Um ano passou e ainda não foi possível lavar o sangue daqueles que foram mortos, daqueles que foram simbolicamente ou objetivamente desprovidos de suas vidas. Ao olharmos para trás, este que ficou conhecido como o maior massacre da história do Brasil urbano ainda carrega consigo uma verdade deplorável: o bolso de um rico corrupto vale muito mais do que a vida de muitos pobres.
Pinheirinho, um exemplo de organização popular As terras em questão são de propriedade ilegal do empresário Naji Nahas. Expliquemos: há mais de quarenta anos, as terras do atual Pinheirinho pertenciam a um casal de alemães sem herdeiros. Após a morte (mal explicada, diga-se de passagem) deste casal, as terras misteriosamente passaram a ser propriedade da Selecta, empresa de Naji Nahas. Até hoje não se sabe bem como isso aconteceu, uma vez que a terra passara automaticamente ao controle da União após a morte de seus proprietários. A Selecta começou a ruir no final dos anos 80, acumulando muitas dívidas. E o terreno foi abandonado. Até chegarem os moradores que ocuparam o Pinheirinho, em 2008. É por isso que o despejo dos moradores que ocuparam a imensa área abandona-
Simulação do ex-prefeito eduardo Cury removendo moradores do Pinheirinho. | Foto: Portal do PSTU
da era especialmente oportuno e substancial para Naji Nahas, visto que a venda do terreno, avaliado em 180 milhões, abateria muitas das dívidas da massa falida. Antes da chegada dos moradores, o terreno não era nada. Aos poucos as pessoas foram chegando e ocupando aquele espaço, construindo primeiro barracos, depois casas de alvenaria, pequenos comércios, um verdadeiro bairro. Um bairro vivo. Todos os sábados eram feitas assembleias nas quais todos os assuntos referentes à comunidade eram discutidos. Para chegar até a assembleia ao longo da semana as coordenações se reuniam para desenvolver o planejamento de todas as suas atividades. E não era só os assuntos da própria comunidade que eram discutidos: os moradores do Pinheirinho estiveram engajados com diversos processos importantes de mobilização, seja na luta contra o aumento das passagens de ônibus, dos salários dos parlamentares ou nas lutas pela garantia de emprego dos metalúrgicos, numa região onde as metalúrgicas empregam grande parte da população.
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Um ano depois o terreno continua abandonado. Dele, nada foi feito.”
Pinheirinho não foi somente um bairro, Pinheirinho foi uma escola de vida em sociedade, de trabalho coletivo de emancipação política das pessoas que ali viviam, em sua grande maioria mulheres, que trabalhavam como diaristas, pedreiras, serventes de pedreiras e em algumas metalúrgicas. Pessoas que não costumam ser ouvidas para que grandes decisões políticas sejam tomadas na sociedade, mas que provaram que, juntas, podiam tomar grandes decisões políticas no que concerne às suas vidas.
Um ano depois, eles estavam lá Para marcar um ano desta tragédia e garantir que ela jamais seja esquecida, as famílias do Pinheirinho, juntamente com ativistas, parlamentares e artistas que vieram de várias partes do estado e do país organizaram um grande ato. O ato foi realizado em frente ao terreno onde ficava o Pinheirinho e reuniu mais de 500 pessoas que encaravam uma realidade desoladora: o terreno continua abandonado. Dele, nada foi feito. Aquela terra que era o chão e o céu de todas aquelas famílias, hoje é poeira e vazio. O terreno não cumpre função social nenhuma. É claro que as famílias não estão caladas. Depois do que aprenderam com os anos de organização para manter o Pinheirinho em pé e da terrível forma com que seus sonhos lhes foram usurpados, elas deixam claro que não viverão de aluguel social, uma quantia de R$500,00 paga pelo governo para “garantir” a moradia às famílias.
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Ex-moradores e ativistas em ato que marca um ano da remoção Foto: Portal do PSTU
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Antes dos moradores, o terreno não era nada. As pessoas foram chegando e ocupando o espaço”
Acontece que quem tinha casa de alvenaria, digna, construída com muito trabalho e suor, casas que comportavam confortavelmente suas famílias, com esses R$500,00, só consegue alugar casas muito pequenas; a qualidade de vida das famílias decaiu, pois, enormemente. As mulheres, as que mais sofreram ao ver a desgraça que recaiu sobre suas famílias, se unem buscando auxílio médico. Muitas delas estão sofrendo fisicamente e psicologicamente as dores do despejo, necessitando de assistência psiquiátrica para seguir em frente. E não só isso, pelas dificuldades enfrentadas a saúde geral de todas as pessoas que ali viviam foi afetada. Acima de tudo, essas famílias permanecem na luta pelo direito à moradia. Preferencialmente na terra onde era o Pinheirinho, onde construíram suas vidas. Inclusive, o movimento cobra do governo a construção de moradia a todos os desabrigados, não só os do Pinheirinho, mostrando consciência de seus direitos e engajamento pela justiça social.
Governo estadual x governo federal Muito se fala da inconstitucionalidade do governo ter permitido (e ordenado) as violações dos direitos dos moradores do Pinheirinho. O governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito da cidade de São José dos Campos, Eduardo Cury (PSDB) em momento algum assumiram a barbárie que causaram. Ao contrário, Alckmin chegou a afirmar que estava simplesmente defendendo a democracia, e se é democracia que se quer, esse é o preço a ser pago. É claro que o conceito de democracia defendido por estes políticos é muito diferente da democracia que reivindicam os movimentos sociais. Da democracia que era praticada cotidianamente no Pinheirinho, que foi um dos maiores exemplos de democracia real da história do país.
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Já a presidenta Dilma Rousseff declarou que estava chocada com o excesso de força e a pressa da operação de desocupação, destacando que não havia necessidade de tamanha brutalidade. No entanto, o grande entrave para que a terra seja desapropriada e volte a ser ocupada pelos seus ex-moradores para que o Pinheirinho novamente se erga é a falta de vontade política de Dilma, que em apenas uma assinatura poderia designar aquele terrenos para cumprir a sua função social. No entanto não há perspectivas de que isso aconteça, porque por mais que o seu dono seja um reconhecido bandido acusado por diversos crimes de “colarinho branco” ele ainda é um bandido rico e por isso a justiça defende a sua propriedade.
Novos Pinheirinhos O caso do Pinheirinho jamais deverá se esquecido e por isso mesmo que, um ano depois, estamos levantando novamente esse assunto. No entanto, para além de não nos esquecermos, é importante saber que diversas outras comunidades vivem em condições correlatas às do Pinheirinho, podendo ser desapropriadas a qualquer momento. Por todo o território brasileiro estão acampamentos de sem terra, ocupações urbanas e diversas
outras formas de organização popular pelo direito à moradia e a terra que se organizam em diferentes realidades. Aquilo que é o mínimo para a manutenção da dignidade humana, ter um local para viver, para se desenvolver, criar sua família, guardar seus pertences, suas memórias, ainda é um direito que está muito longe de ser garantido a todos. Pelo contrário, mesmo com toda a mobilização que esses movimentos têm realizado ao longo da história, o déficit habitacional do país está na casa dos 20 milhões de famílias desabrigadas ou vivendo em condições precárias. Isso é o que constam nos documentos oficiais, podendo haver ainda muito mais gente que, no fim do dia, simplesmente não tem para onde ir. Ainda assim, nas grandes cidades, observa-se uma quantidade absurda de imóveis abandonados, inúteis. No campo a situação é ain-
da mais grave, pois não estamos falando só de moradia, mas da produção de alimentos, da garantia da subsistência não só da população camponesa, mas da sociedade, que tem uma quantidade absurda de terras paradas ou dedicadas à produção de produtos de interesse financeiro, não social. Quando grupos se articulam para ocupar esses espaços vazios, inúteis, improdutivos socialmente, ou seja, desprovidos de sua função de propriedade, enfrentam o poder do Estado e até mesmo a opinião pública, influenciada diretamente pela mídia hegemônica, que não questiona de fato a quem serve a manutenção de propriedades inúteis. Certamente não serve para o grosso da população, nem para aqueles que não têm onde morar, já que estratégias como a especulação imobiliária prejudicam a vida de todos, aumentando os preços dos
imóveis e dos alugueis a patamares absurdos, como acontece nas grandes cidades, em especial São Paulo e Rio de Janeiro. Aldeia Maracanã (Rio de JaneiroRJ), assentamento Milton Santos (Americana-SP), Novo Pinheirinho (Taguatinga-DF) estão ainda em pé, resistindo a cada dia a ordens judiciais que visam acabar com a moradia e com a vida dessas famílias, indígenas, pobres, trabalhadores, camponeses. A luta é de todos. E a luta é nossa. Pinheirinho vive. Pinheirinho viverá enquanto a no coração de cada um de seus moradores (e de cada um de nós) viver a fagulha do lutador, que sabe que é possível construir um mundo melhor. E que esse mundo se constrói com organização, mobilização e luta. Como diz o lema dos movimentos sociais, “Quando o campo e a cidade se unir, a burguesia não vai resistir!”
Crianças que viviam no PInheirinho lembram da remoção traumática realizada pela Tropa de Choque | Foto: Portal do PSTU
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brasília
Quando morar é
um privilégio...
Por Alina Freitas, Edemilson Paraná e Thiago Vilela. Shopping centers, grandes supermercados e mega-empreendimentos imobiliários com apartamentos que beiram R$ 800 mil. Desde o último dia 4 de janeiro, essa é a vizinhança de mais de 400 famílias com renda de 0 a 2 salários mínimos. Elas não ganharam na loteria, muito menos foram beneficiadas pelas promessas de programas habitacionais do governo. A razão pela qual passaram a viver na área é uma só: não tem para onde ir. Em mais uma homenagem à ocupação Pinheirinho, despejada há um ano violentamente em São Paulo pelo governo local, o acampamento foi batizado de Novo Pinheirinho. O prédio ocupado pelas famílias no centro de Taguatinga, a 20 quilômetros de Brasília, está abando22
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Ocupação urbana do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto completa um mês de resistência no coração da especulação imobiliária em Taguatinga – DF
nado há cerca de 20 anos. O dono, Abdalah Jarjour, um grande empresário da capital, pretendia construir um shopping no local. Abandonado, o imóvel vazio era usado para o uso e comércio de drogas tendo sidoi palco de crimes como estupros e assassinatos. Alguns moradores de rua alegam viver no local há mais de 14 anos. Há um mês acampadas no prédio, as famílias integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) reivindicam a construção de moradias populares e o cumprimento de um acordo rompido pelo Governo do Distrito Federal que, após a ocupação de um terreno em Ceilândia em 2011 pelas mesmas famílias, prometeu o pagamento de auxílio-aluguel e a inclusão dessas no programa habitacional do gover-
no local, o Morar Bem. Após poucos meses de pagamento, o auxílio foi cortado e a lei que regulamentaria o auxílio para as famílias não foi encaminhada à Câmara Legislativa do Distrito Federal. O governo se negou ainda a cadastrar o MTST como entidade apta a registrar famílias no programa. O nome Novo Pinheirinho, o mesmo da ocupação de Ceilândia, remete, também, ao fato de que se trata da mesma luta pelas mesmas pautas de 2011. Disposto a fazer do prédio um conjunto habitacional, o MTST já obteve sinalizações do Ministério das Cidades e da Caixa Econômica Federal de que é possível realizar a compra do terreno, avaliado em mais de R$ 150 milhões, para a construção de moradias pelo programa Minha Casa Minha Vida. In-
Foto: Aferidor de Vuelos (www.facebook.com/aferidor.devuelos)
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Logo após a ocupação do esqueleto abandonado há 20 anos, o proprietário, Abdalla Jarjour, fez uma declaração à imprensa: “Eles invadem minha área e eu tenho que ficar dando explicação pra ‘Zé e pra Mané’ (sic), por que minha obra tá a 18, a 15 a 20 anos?[...] eu estou trabalhando com meu dinheiro, pra não dever nada a ninguém. Se eu quiser demorar mais cinco anos é problema meu”.
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Em volta do “esqueleto” estão alguns dos prédios mais caros do Distrito Federal.”
Pelo contrário: pelo menos desde 1988, se ele quiser demorar mais 5 anos o problema é NOSSO. Como nos ensinam a Constituição e o Estatuto da Cidade, o uso da propriedade deve cumprir função social. Faz-se necessário, portanto, diferenciar legítimos direitos de propriedade de pretensões abusivas relacionadas a ele. Jarjour é a voz da especulação imobiliária. A imagem a baixo, elaborada pelo militante Renato Moll, deixa claro os reais motivos de uma ordem de despejo rápida e precipitada como esta:
transigente, o Governo do Distrito Federal, de quem depende a desapropriação do imóvel, se nega a participar da mesa de negociações.
Briga na Justiça O “esqueleto de Taguatinga”, como é conhecido pelos moradores da região, quase foi demolido em várias ocasiões. Em acordo com o Governo do Distrito Federal, firmado em 2007, o dono se comprometeu a reiniciar as obras que, segundo ele, abrigariam uma faculdade particular — projeto acabou oficializado apenas em 2011. Desde então, pouca coisa, além de uma rudimentar pintura externa do prédio, foi realizada. Em estado de abandono, o imóvel serve como um pote de ouro, um investimento a longo prazo garantido pela especulação imobiliária do Distrito Federal, uma das mais avassaladoras do país. Em volta do “esqueleto” estão alguns dos prédios mais caros do Distrito Federal. Disposto a impedir a requalificação do imóvel para que sirva como moradia para as famílias o empresário entrou na Justiça reivindicando a reintegração de
Infográfico: Renato Moll fonte: www.tinyurl.com/avudj5v
posse e a desocupação do local. Acatado o pedido, a Justiça decretou 10 dias para que as famílias deixassem o prédio. Mobilizados para impedir o despejo, apoiadores do movimento recolheram assinaturas de intelectuais e juristas renomados de todo país, entre eles o jurista Fábio Konder Comparato, em defesa do direito à moradia. Eventos públicos foram realizados e uma campanha pela manutenção das famílias no local foi iniciada. A Assessoria Jurídica Universitária Popular Roberto Lyra Filho, projeto de extensão da Universidade de Brasília (UnB) que presta assessoria ao movimento, conseguiu derrubar na Justiça a decisão que determinava a desocupação. O empresário Abalah Jarjour acionou um time de bem-pagos advogados para recorrer. Perderam novamente. A disputa segue. O abandono do prédio, parado a mais de 20 anos visando a especulação imobiliária, escandaliza a população, mas a ocupação dos Sem Teto de baixa renda em área nobre é uma pedra no sapato da elite local, que vê ameaçados muitos de seus interesses. Acuado e sem argumentos razoáveis para a desocupação das famílias, Jarjour conta com o apoio do Governo do Distrito Federal, de grandes empresários e dos principais veículos da imprensa regional, que protagonizam inserções patéticas como a do comentarista Alexandre Garcia, da TV Globo, que confundiu Sem Teto com Sem Terra e questionou, ao vivo, o quê os acampados plantariam no local.
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Fotos: Aferidor de Vuelos (www. facebook.com/aferidor.devuelos)
vezes fazem os moradores passarem por grandes dificuldades, um cinema foi montado na ocupação com lonas, projetor e caixa de som. O cineclube atrai moradores e apoiadores para momentos de descontração. Imagens gigantes de momentos do acampamento foram transformadas em lambelambe e coladas em diferentes lugares do prédio, relembrando a grande poesia que é união da comunidade.
Dando vida ao “esqueleto” Se ao lado do dono do prédio estão a elite e o poder local, um exército de apoiadores se mobilizou para garantir a moradia das famílias e dar vida ao “esqueleto”. Recursos e ajuda de todo o tipo, desde alimentos e roupas a assessoria jurídica e de comunicação, chegam de todos os lados. Um grande sarau de apoio ao movimento foi realizado na ocupação com música, artes-plásticas, dança e atrações infantis. Uma roda de samba com os moradores em comemoração a queda da liminar que determinava a desocupação do prédio, além de debates, discussões públicas e eventos de apoio foram realizados na UnB, em bares e cafés da cidade. Para o aniversário de um mês da ocupação, que ocorre dia 4 de fevereiro, está prevista uma grande festa no acampamento. A vida das famílias segue normalmente, apesar das dificuldades. A grande maioria sai cedo para trabalhar e volta à noite, numa rotina comum a dos demais trabalhadores do Distrito Federal. Para animar os dias chuvosos, comuns nessa época do ano em Brasília e que muitas
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Assembleias gerais são realizadas corriqueiramente para informar os acontecimentos e decidir com as famílias os rumos do movimento. Num cenário composto por lonas e tijolos, concreto envelhecido, vigas enferrujadas e terra, vê-se crianças correndo, pessoas conversando, varrendo a frente de suas “casas”, em suma, vivendo e morando. Mas nem tudo são flores. A estrutura é precária, as famílias sofrem com as intempéries e faltam recursos para dar conta das necessidades de alimentação de mais de 400 famílias. Por isso, o movimento vive em campanha por apoios e novas doações. E por isso luta, resiste e acredita num amanhã diferente, com moradia para todos, em que a vida digna de seres humanos tem mais valor do que um “esqueleto” sem alma.
*Durante o fechamento desta edição, a justiça determinou a reintegração de posse do local e deu um prazo de 48 horas para que as famílias desocupassem o prédio. Para informações em tempo real, acesse: http://tinyurl.com/novopinheirinho
ensaio fotográfico
O Rio de Janeiro mostrado nas propagandas do governo e nas lentes da grande mídia leva-nos facilmente a pensar que vivemos tempos de fartura: em uma cidade sofisticada, moderna, democrática e não excludente. Mas só quem vive na pele o peso de ter seus direitos violados, simplesmente por morar em regiões de interesse do mercado imobiliário, sabe que não há nada a ser comemorado. Foi para mostrar o outro lado dessa história, o cotidiano das comunidades, suas lutas e principalmente a força e a beleza desses moradores, que nos orga-
nizamos em um projeto coletivo de documentação o “Tem Morador”. Nosso objetivo é apoiar, divulgar e dar visibilidade, através de nossas fotos, às pessoas simples e fortes como nós: o povo. A continuação do nosso trabalho de documentação só é possível graças às inúmeras parcerias que foram se estabelecendo com o tempo, ao carinho que recebemos em todas as visitas que fazemos às comunidades, e às lições de solidariedade que tivemos de pessoas que doam suas vidas para terem seus direitos e os do próximo respeitados.
Luiz Baltar e Renan Otto, fotógrafos da agência Imagens do Povo
ensaio fotográfico O que passa pela sua cabeça quando você ouve que uma parte da comunidade do Morro da Providência está sendo removida para melhorias, revitalização e implantação de um teleférico em prol de seus moradores? É muito fácil responder positivamente sobre essa questão, quando não se tem conhecimento da causa e das circunstâncias que tais obras causam a esses moradores. A Providência tem mais de 115 anos de história social e cultural. A história do Brasil passa pelo cais do porto, pela área da Praça Mauá, além do Morro da Providência. A nossa comunidade não pode e não deve ser tratada como vem sendo pela prefeitura, com desigualdade de direitos e desrespeito para com os seus moradores. As ações arbitrárias de remoção e demolição que estão acontecendo atualmente aqui, não só afetam os imóveis, mas também toda a história da Providência. Tudo que foi construído até hoje no Morro da Providência é consequência de muito esforço, luta, lágrimas, alegrias, e sonhos, que muitos dos seus moradores dedicaram ao longo das gerações em prol da comunidade. Por causa desse projeto, estamos perdendo a nossa identidade, as nossas particularidades e características. Ao remover e demolir tais imóveis, estão removendo e demolindo também parte da história de cada um de nós, morador, que vive aqui como qualquer outro cidadão carioca vive em qualquer parte da cidade. Como podemos achar que um projeto como o Morar Carioca é para o bem da nossa comunidade, se os supostos beneficiados são os primeiros a serem removidos? Sabemos que esse projeto só tem um objetivo principal: beneficiar os turistas e os interesses econômicos do governo e seus parceiros (empreiteiras, construtoras, incorporadoras, empresários do setor imobiliário e financeiro). Não somos contra o projeto, porém achar que a construção de um teleférico e uma “maquiada” na paisagem irá resolver ou amenizar as dificuldades existentes aqui na Providência mostra que a prefeitura está totalmente desinformada das nossas reais necessidades. Quanto devemos pagar pela realização da Copa do mundo e das Olimpíadas aqui no Rio de Janeiro? O que é mais importante, as coisas ou as pessoas? Um evento de trinta dias pode valer mais que uma história de 115 anos de existência? São perguntas sem respostas. É por esse motivo, que deu início a uma luta de resistência, integrada por moradores que se negaram a sair de suas casas, apoiados e ajudados por colaboradores e voluntários, que não recebem nada por isso.
Roberto Marinho Comissão de Moradores pelo Direito a Moradia da Providência
ensaio
fotogrรกfico
ensaio
fotogrรกfico
*É isso mesmo, caro leitor, agora a Vìrus e o Fazendo Media são um veículo único!
FAZENDO
MEDIA
fevereiro de 2012 | Ano 10 | Número 103 | www.fazendomedia.com | contato@fazendomedia.com
a média que a mídia faz
Agrotóxico atravessa samba Movimentos sociais elogiam samba da Vila Isabel e questionam patrocínio da Basf Desfile da Vila Isabel | Foto: RioTur / AsCom
Por Eduardo Sá Organizações, movimentos sociais e pesquisadores, que integram a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, entregaram no último dia 29 de janeiro uma carta à vice-presidente da Unidos de Vila Isabel, Elizabeth Aquino. O documento elogiava a escola pelo samba enredo “A Vila canta o Brasil celeiro do mundo – água no feijão que chegou mais um”, composto por Rosa Magalhães, Alex Varela e Martinho da Vila, que enaltece a agricultura familiar. A carta também criticou o patrocínio da empresa alemã Basf, uma das maiores fabricantes de agrotóxicos do mundo, devido à associação da imagem do grupo com a biodiversidade. Campeã do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, a Vila Isabel encantou na sapucaí, com o samba enredo que moveu as multidões em coro. Mas a que preço? Ao entregar a carta, Marcelo Durão, da direção do Movimento dos trabalhadores Sem Terra (MST), afirmou que muito do que a escola colocou é o reconhecimento da pequena agricultura. Os movimentos, nesse sentido, gostariam colocar uma faixa da campanha transmitindo solidariedade à escola. “Um agradecimento e reconhecimento da pequena agricultura que a escola está levando para avenida, mas temos um posicionamento crítico que está escrito na carta. Enquanto representante dos movimentos organizados do campo, saúdo o reconhecimento da Vila Isabel da importância do pequeno agricultor para a produção de alimentos. Vamos mandar a frase antes, a nossa ideia é
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Entrega da carta da Campanha Contra os Agrotóxicos à vice-presidente da Vila Isabel. | Foto: Eduardo Sá
valorizar o reconhecimento que a escola deu para o campesinato. Não queremos arrumar nenhum problema para escola”, destacou Durão. Reconhecendo desde o início a questão da ajuda da Basf, Elizabeth Aquino disse que não há problema mas haveria uma avaliação do conteúdo pois “não é a praia da escola tomar partido”. Ela destacou que em 2008 o enredo da Vila foi “Trabalhadores do Brasil”, e com o destaque da ala dos homens do campo desde então essa temática foi escolhida para entrar na Marquês de Sapucaí. “Já tinha essa ideia, e com a ajuda do patrocínio da Basf ficou viável. A parte da empresa que está nos ajudando é a do agronegócio mesmo, então todos nós sabemos que são usados agrotóxicos e inseticidas, que pode não fazer algum bem por um lado e por outro tem que haver. Só que nós não temos nada com isso. O carnaval é extremamente competitivo, somente com o repasse da prefeitura nenhuma agremiação faz o carnaval. É preciso buscar outros recursos. Se a Basf é prejudicial, como a Bayer e outras tantas, cabe às autoridades fechá-la. Não vai ser uma escola de samba que vai conseguir isso”, observou. Animais, espantalhos, natureza, dentre outros elementos que compõem a biodiversidade, foram retratados nas alegorias e fantasias da escola, que apresentou seu enredo na madrugada da segunda para a terça-feira, 12 de fevereiro. O homem do campo foi representado de forma lúdica, sem a imagem dos grandes agricultores e “maquinário agrícola top de linha”, complementou a vice-presidente. Segundo ela, de acordo com o regulamento da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) não é permitida a utilização de merchandisign, então não houve nenhuma menção à Basf durante o desfile. Beth, como
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O carnaval é extremamente competitivo, somente com o repasse da prefeitura nenhuma agremiação faz o carnaval.”
é chamada, não quis revelar o valor do apoio, alegando se tratar de uma prerrogativa do presidente. A empresa, por sua vez, também não informou o valor do patrocínio. Segundo a assessoria, não tiveram “a confirmação de que a Vila Isabel recebeu qualquer carta de um movimento social a respeito da parceria da Basf, por isso não temos o que afirmar a respeito”. Em nota, eles enviaram um posicionamento que destaca, entre outras coisas, que a parceria é mais uma ação que sustenta a estratégia de negócio da Basf. “Tal iniciativa é parte integrante da estratégia da Unidade de Proteção de Cultivos na América do Sul, cujo foco principal é a valorização do produtor rural e sua atividade, iniciada em 2009 com uma campanha multimídia de valorização da agricultura nacional intitulada ‘O Planeta Faminto e a Agricultura Brasileira’. Desde então, a Basf tem desenvolvido iniciativas que conscientizem a sociedade sobre a importância da agricultura e também sobre o papel do agricultor não somente para a economia do País, mas também para o dia a dia de todos”, informa a nota. Um dos autores do samba enredo e talvez o músico mais respeitado pela Unidos da Vila Isabel, Martinho da Vila, se incomodou em função da sua militância com o fato de a escola homenagear os agricultores com apoio do agronegócio, segundo sua assessora. Nesse sentido, o cantor propôs acrescentar a expressão “reforma agrária” na letra da música, mas como o tema é polêmico só consentiram em colocar a palavra “partilhar”, informou sua assessora.
Saúde e biodiversidade não combinam com agrotóxico Em destaque aos casos de câncer causados pelo consumo e manejo de agrotóxicos apontados por diversas pesquisas, Sueli Couto, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), lembrou que 40% dos cânceres
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MEDIA Desfile da Vila Isabel | Foto: RioTur / AsCom
o agrotóxico não combina com a biodiversidade. Óbvio que os patrocinadores vão tirar proveito disso”, criticou. Não tem nada com mais visibilidade que o carnaval, uma festa grandiosa internacional, reconheceu a vice presidente da escola. Principalmente após conseguir o título de campeã do carnaval de 2013. Ela reforçou, no entanto, que há uma liberdade poética do artista para o tema em sua representação e a Vila não fez apologia à empresa. Ressaltou ainda outros trabalhos oferecidos pela Unidos
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Toda a escola virá representando a biodiversidade, só que o agrotóxico não combina com a biodiversidade”
são passíveis de prevenção. Em sua opinião, é necessário promover a alimentação saudável, que vem da agricultura familiar, responsável pela produção de 70% dos alimentos que chegam às mesas dos brasileiros, de acordo com os dados do Censo Agropecuário do IBGE de 2006. “Precisamos usar mais esses canais para promover coisas saudáveis. As pessoas precisam entender que os alimentos não vêm do supermercado, porque principalmente as crianças acham que o alimento está empacotado. Precisamos valorizar esse homem que não tem feriado, e de sol a sol ele vai colocar nossa comida na mesa. Os urbanos não reconhecem isso. E é importante que a população possa ter uma alimentação segura”, alertou. Para contextualizar o que a Basf representa em termos de saúde pública, André Burino, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV-Fiocruz), explicou que o que une os movimentos na entrega dessa carta é a Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida, pois o Brasil é o maior consumidor de “venenos agrícolas” desde 2008. “Seis grandes multinacionais do planeta dominam o mercado mundial de agrotóxicos e sementes transgênicas, e a Basf é uma delas. Reconhecemos o samba com a maior sinceridade, porque a gente vê muito pouco espaço na mídia para reconhecer esse agricultor. Entendemos as necessidades do que se tornou algo muito competitivo entre as escolas, mas a empresa vai querer tirar seu proveito para tentar criar uma imagem indireta de que a Basf combina com biodiversidade. Porque toda a escola virá representando a biodiversidade, só que
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de Vila Isabel à comunidade local na área social, cultural, odontológica, dentre outras, graças a outros patrocínios, como o da Petrobras e o do supermercado Extra. A carta entregue pelos três integrantes da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida ressalta, dentre outras observações, que: “... a Vila Isabel está sendo usada pelo agronegócio brasileiro para promover sua imagem, manchada pelo veneno, pelo trabalho escravo, pelo desmatamento, pela contaminação das águas do país e por tantos outros problemas. O agronegócio, que não pinga uma “gota de suor na enxada”, nem “partilha, nem protege e muito menos abençoa a terra”, quer se apropriar da imagem dos camponeses e da agricultura familiar, retratada no samba enredo de 2013, para continuar lucrando às custas do envenenamento do povo brasileiro”.
Entrevista:
João Martins
Uma das promessas cariocas do samba de raiz
Foto: Alfredo Alves
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Acho que o meu trabalho é movimentar um cenário que se não renovar vai morrer.”
Por Eduardo Sá A nova geração do samba carioca está gerando bons frutos, e um dos nomes da linha de frente é João Martins. Com composições próprias, ele joga nas onze numa roda de bamba. Agora vem se destacando também como cantor, mas seu forte é o cavaquinho, que lhe tornou referência no domínio do instrumento. Já tocou com grandes personalidades da velha guarda, recentemente cartazes do seu show com Monarco da Portela estavam espalhados por toda a cidade, e tem ocupado os lugares mais tradicionais do samba de raiz. Em entrevista ao Fazendo Media ele conta sua trajetória, como tudo começou há 10 anos e os projetos que estão em curso. Fala também sobre o que a música representa em sua vida, além de analisar a conjuntura política do país. Assim como utiliza elementos folclóricos em suas letras, defende o funk como patrimônio da cultura popular carioca. Em relação ao samba, para ele muita gente boa está fazendo sua renovação e continuidade, após muitos anos de paralisação cultural e ausência de referências.
Você se meteu no samba através do seu pai, né? Meu pai [Wanderson Mantins] também é músico de formação, toca com o Martinho da Vila há 25 anos, tocou com a Beth Carvalho, Roberto Ribeiro, Dona Ivone Lara, viajou o mundo todo, tocou com o Paulo Moura. Então, desde pequeno em casa estive próximo de produção. Vi dentro da minha casa que era possível. Sempre brinquei em casa com instrumento e depois adolescente comecei a me interessar. Eu toco toda percussão, mas profissionalmente é cavaquinho e banjo. Agora me chamam também para cantar e eu vou sem instrumento. Canto as minhas músicas e as pessoas estão gostando, já é um reconhecimento.
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FAZENDO
MEDIA
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Não devo nada a ninguém, nenhuma gravadora, as minhas músicas não são editadas.”
Como você vê o samba de raiz hoje? O foco do meu trabalho na verdade não seria um samba de raiz, porque raiz é uma coisa profunda e conota os antigos e as coisas antigas. Claro que durante muito tempo eu pesquisei os antigos para buscar inspiração. Ouvi muito Nelson Cavaquinho, Cartola, a velha guarda do Império Serrano, Dona Ivone Lara, velha guarda da Portela, Candeia. Mas hoje em dia o meu trabalho não é reprodução desses grandes mestres: é a criação. Então tem toda uma responsabilidade poética, melódica e temática. Estou em lugares com tradição de ser berço da cultura mostrando uma coisa nova. Acho que o meu trabalho é movimentar um cenário que se não renovar vai morrer.
tranquila, de crescimento, então o samba vai acompanhar isso. A partir do momento que a galera se indignar com certas coisas e reclamar, vai tomar outro rumo, porque essa calmaria política não vai se estender por muito tempo. Tomara, porque eu acho que necessita de revolução das coisas, sempre melhorar ao invés de achar que está tudo bom. Tem muita coisa a se questionar ainda. O Brasil ainda vive um momento de esperança, não é um momento de indignação e opressão, talvez por isso atualmente as coisas que eu faço não tenham esse cunho político.
Conta um pouco a história de fazer carreira solo e ter uma banda.
Como você, como artista, vê a relação da arte com a política? O Candeia antigamente era muito engajado, por exemplo.
Estamos procurando um nome pra banda, se tiver um aí... Eu já fiz parte de alguns grupos, como o Batuque na Cozinha, o Galocantô, além de grupinhos de pagode com a galera da escola. Grupo é muito complicado, são de 5 a 10 cabeças pensando e acaba com algumas pessoas fazendo esforço demais. Segui carreira sozinho porque sou compositor, foi opção seguir carreira solo. Mas independente disso a gente sempre toca em grupo. O Pedrinho [Ferreira] que toca comigo, por exemplo, conheço desde os 10 anos de idade. A gente brincava tocando na Praça do Russel, todo mundo aprendendo. Outras pessoas eu conheci depois, são espalhadas, mas a coluna vertebral continua a mesma.
O Brasil está numa outra realidade. Muita coisa a gente não concorda, mas politicamente é uma época
Como você lida com a parte comercial, a grana, sua relação com
O que te inspira nas suas letras? Eu vi que tem um pouco de folclore, cultura popular...? As minhas músicas são crônicas das coisas que a gente vive, de sentimentos. Mas os temas são variadíssimos, e o principal da música é o tema. O tema chave para começar uma música é o mais difícil, quando já tem, escrever o resto é fácil. Ruim é buscar o tema e achar que ele vale a pena ser desenvolvido.
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as gravadoras e a produção? O meu primeiro disco foi lançado com muito apoio, não teve dinheiro. Estúdio, músicos, as pessoas gravaram na amizade, me deram uma força porque gostam de mim e do meu pai. No segundo disco a gente correu atrás e apareceu no caminho amigos que acreditaram no trabalho e botaram um dinheiro, pessoas independentes. Colocaram eu e meu pai como gerentes do dinheiro investido no negócio. Passa por nós desde a composição até a prensagem do disco, acompanhei todas as etapas e tinha autonomia para decidir tudo. Não devo nada a ninguém, nenhuma gravadora, as minhas músicas não são editadas.
Mas como você vê essa relação das gravadoras com os músicos? Eu não condeno porque não sei como é que funciona, talvez entrar no esquema seria bonzão para mim. Mas do jeito que estou fazendo tenho autonomia, e as pessoas estão ouvindo o disco e gostando. Muitas vezes o disco precisa de um selo para ser visto por alguma mídia, mas acho que tudo tem um tempo. Não adianta, um dia vão ouvir o meu disco e vão gostar ou não. O negócio é estar no lugar certo na hora certa. Música é isso, tem que fazer o seu lance, acreditar com verdade, que uma hora ou não as pessoas vão gostar.
Quando falamos de samba lembramos sempre do pessoal da antiga, tipo Cartola, Nelson, Candeia etc, mas essa galera veio 50 anos
antes de vocês. E as novas referências no samba? O Renato Milagres faz um samba no Renascença, o Moyseis Marques, Inácio Rios, Renato da Rocinha, o Mingo, a Marcelle Motta, Juninho Thybau... Estou sentindo muita falta de cantoras, estão muito parecidinhas, a Marcelle do Samba Urbano é a única que difere um pouco das meninas. Além dela tem a Luiza Dionísio, Ana Costa, que é uma geração uma pouco mais velha. Mas daqui a 30 anos não vai dá para você discernir, será uma geração só pelos olhos da história.
O samba não depende dessas culturas, ele se mistura temporariamente mas nunca vai perder sua essência. Eu sou o maior defensor do funk, acho do caralho, não gosto muito do funk novo mas um charme, um volt mix, uma montagem do proibidão, eu adoro. Eu vejo gente falar que o funk é anticultura, anticultura é o caralho, funk é foda: tem personalidades, histórias maravilhosas, bailes, deslocamento de pessoas, de gente que morreu por aquilo, é uma coisa muito presente na nossa cultura e na nossa vida.
O que é a música para você? A música na minha vida é uma
coisa que fica até chato de falar, porque as vezes parece que eu sou mercenário, mas não, é porque todo o dinheiro que eu ganho na minha vida devo à música. É a minha fonte de renda. Sou casado com a música e deixo ela às vezes de férias, porque tem uma hora que você não aguenta mais. É orgânico, é do corpo, ela fica sempre na cabeça do músico. É algo que está em mim, mas eu dependo dela porque não sou eu. Ela foge de mim para os ouvidos dos outros e foge dos outros para os meus ouvidos. É um casamento infindável, impossível de separar.
*Leia a íntegra no site do Fazendo Media (www.fazendomedia.com)
Por Carlos Latuff | Veja mais emlatuffcartoons.wordpress.com
traço livre
Tivemos a ascensão do funk, do rap, veio a geração rave, e o samba
agoniza mas não morre?
Assentamento Milton Santos está ameaçado de remoção pela milionária família Abdala - Assine a petição em defesa ao assentamento e entenda mais sobre o caso em : http://www.peticaopublica.com.br/?pi=AMS2012
Entrevista INclusiva:
OcupeaCidade
Coletivo
O coletivo OCUPEACIDADE surgiu na cidade de São Paulo, em meados do ano de 2006, como uma proposta de unir pessoas interessadas em produzir coletivamente ações artísticas nos diversos espaços da cidade, de maneira a criar novas relações com o território vivido cotidianamente pelos habitantes da nossa metrópole – sejam eles artistas ou não. Desde então vem atuando como um grupo aberto, de livre participação, propondo ações onde o processo de produção coletiva constitui o método de trabalho, e o principal objetivo é a participação ativa dos sujeitos na vida da cidade.
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Algumas pessoas colaboraram com o grupo e foram realizadas intervenções urbanas, murais, ações em parceria com outros coletivos, exposições e oficinas – além da produção de trabalhos como cadernos, posters, vídeos, gravuras e painéis. Da mesma maneira que tem como proposta a participação aberta, existe também uma abertura para a utilização de linguagens artísticas inéditas na trajetória do grupo, propiciando assim um processo contínuo de construção de situações coletivas onde a heterogeneidade e a diversidade de olhares constituem o material fundamental.
O coletivo em reunião em seu ateliê. Foto: divulgação
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Vivemos numa lógica de mercantilização do espaço urbano, onde tudo se transforma em mercadoria”
ria. grande parte das pessoas sonha em ter um carro blindado, viver em um condomínio fechado, ter lazer apenas em espaços como shopping centers etc. As ruas, os parques, as praças, os espaços públicos em geral perderam sua função de coletivização e de vida comunitária. Neste contexto de privatização e segregação da vida, fazer uma festa na rua, sair com os amigos para colar cartazes ou pintar um muro, ou simplesmente caminhar por lugares que nunca imaginamos conhecer, são atos de resistência.
Por Bruna Barlach Como surgiu o nome do coletivo? Tião: Poderia contar a história desse nome de algumas formas distintas. Acho até que nem todos que participam ou que já participaram do grupo sabem como é que surgiu esse nome. Um nome é só um nome, não é o mais importante. Talvez tenha a ver com ideia de ocupar os espaços (não só físicos) da vida de um modo criativo, buscando estabelecer sempre novas formas de relação com a cidade em que vivemos, tornando-a um pouco menos entediante.
Como vocês veem a forma que o espaço urbano é ocupado atualmente?? Tião: Vivemos numa lógica de mercantilização e segregação do espaço urbano, onde tudo se transforma em mercado-
Serejo: Acredito que nos anos 2000 houve uma ampliação na apropriação do espaço urbano, tivemos uma avalanche de ações espalhadas pela cidade, por um lado isso é positivo pois levanta uma questão em relação aos espaços já cristalizados da arte como galerias etc. entretanto carregamos a reboque ações também na rua pensadas e executadas por agentes publicitários e escritórios de marketing, creio que essa utilização deu uma banalizada de maneira geral. Mas ao mesmo tempo o chefes de estado da nossa cidade conseguiram caretear cada vez mas a cidade, com medidas que impedem uma circulação e utilização mais apropriada do espaço publico, haja visto a lei cidade limpa, o fechamento dos bares a noite, lei seca, festivais de ruas cancelados e a criação de um único dia de “festa” (virada cultural). Enfim, essas medidas na verdade acabaram virando um estimulante também.
Vocês sabem que, de acordo com o estatuto da cidade, os imóveis devem seguir uma função social, de que maneira vocês veem essa questão da função social do imóvel? Serejo: Na minha opinião essa função não existe. Penso que algo parecido com essa ideia para nas construções modernista onde havia prédios com galerias, lojas ou simplesmente passagens que ajudavam no deslocamento dos pedestres. o que temos hoje é simplesmente prédios murados com todos os “serviços” no próprio condomínio, impedindo que os moradores estabeleçam qualquer relação social com outras pessoas ou com o território em questão. Tião: É um absurdo termos na cidade de são paulo um número maior de imóveis vazios do que o déficit habitacional. Nenhuma pessoa deveria estar vivendo nas ruas por uma questão apenas de vulnerabilidade socioeconômica, pois também existem pessoas que escolhem viver assim por outras razões. mas o que vale aqui não é a função social dos imóveis e o valor de uso da cidade e sim o uso dos imóveis para especulação imobiliária, trans-
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eNTREVISTA iNcLUSIVA_OcupeaCidade Preparação de placas para intervenção. | Foto: divulgação
ca, passamos a olhar para a própria Casa das Caldeiras como uma memória residual de um grande parque industrial que foi abandonado e posteriormente reocupado por shopping centers, imensas torres comercias e prédios residenciais de luxo. Ou seja, esse processo de desvalorização e posterior supervalorização de algum modo nos levou a pensar na ideia de fazermos placas de uma imobiliária fictícia para vender o que sobrou do bairro.
formando a cidade somente em mercadoria. Dentro desse quadro, tanto movimentos sociais como movimentos artístico-culturais têm surgido na última década em São Paulo e outras cidades do Brasil como reação a essa situação.
Uma questão que vocês sempre colocam nos seus trabalhos é a especulação imobiliária. Como vocês entendem essa dinâmica de especulação imobiliária que tem ocorrido em São Paulo? Luana: Então, um parênteses sobre a primeira afirmação: na verdade este é um de nossos projetos, nem sempre falamos sobre isso. Mas a questão da especulação está muito presente na cidade, então quando pensamos na ocupação de espaços públicos, na dinâmica da cidade, que são assuntos recorrentes em nossos encontros e trabalhos, acabamos esbarrando nela, e a especulação tem se tornado muito presente em nossas vidas (e creio que na de qualquer um que habita os espaços urbanos!) mais até do que em nossos trabalhos! Deixo a questão para alguém do grupo explanar...
De onde surgiu a ideia da “sonho meu imóveis”? Luana: Quando estávamos em residência artística na Casa das Caldeiras* fizemos algumas saídas pelo bairro da Barra Funda, para descobrir e investigar a área ao redor da casa. Nosso projeto era sobre resíduos, materiais e imateriais e por isso queríamos encontrar alguns resíduos do bairro. Nessas andanças e pesquisas a questão da especulação imobiliária nos chamou atenção diversas vezes. Todo o movimento do bairro atualmente parece girar em torno disso. A própria Casa das Caldeiras “perdeu” a casa do eletricista (patrimônio histórico, tombado) para um empreendimento imobiliário de alto luxo, novo vizinho da casa. São inúmeros os exemplos na verdade. Descobrimos até situações em que patrimônios foram “destombados” para que determinada área fosse vendida. Nossa ideia era buscar um pouco da memória das vilas de operários, e acabamos encontrando muito mais shoppings, condomínios, e até uma rua que deixou de ser pública (!!!). (*projeto Obras em Construção 2011) Tião: nosso projeto de residência na Casa das Caldeiras tinha como um dos eixos de trabalho os processos de ocupação e desocupação de espaços urbanos. ao nos depararmos com a história do bairro da Água Bran-
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Luana: Acho importante falar um pouco mais sobre a Sonho Meu Imóveis: este projeto surgiu lá na Casa das Caldeiras, a principio com a confecção de placas objetivas e um número de telefone, espalhadas pelo bairro. Em um segundo momento, dentro do projeto Na Borda (http://naborda.com.br/), retomamos este projeto e decidimos ampliar os serviços da imobiliária. Criamos uma estrutura portátil e montamos em alguns espaços da cidade, identificados com crachá, um questionário e algumas propagandas e conversamos com as pessoas da rua sobre o que gostariam de negociar na cidade, como e quanto queriam pagar por isso. A partir disso realizamos novas placas. Que levavam em conta estes desejos e as moedas de troca sugeridas. Tinha de tudo, inclusive gente que queria desocupar a cidade! Ou usar igrejas como espaço de moradia popular, e usar como moeda dois sucos de laranja!
As pessoas que entram em contato pela linha telefônica da “sonho meu”, elas realmente acreditam que essa é uma imobiliária? Que tipo de ligações vocês já receberam? Tião: Algumas pessoas que entraram em contato realmente pareciam achar que alguns dos imóveis estavam à venda ou para locação. mas acho que isso só aconteceu em imóveis que tinham outras placas e nos quais acrescentamos a nossa.
Preparação de lambe-lambes para intervenção. | Foto: divulgação
Serejo: Na primeira ação que fizemos no bairro da Barra Funda e Água Branca isso aconteceu. Recebemos algumas mensagens de pessoas interessadas em negociar o imóvel, nas outras ações posteriores o clima cínico das placas afastaram um pouco as pessoas para deixar mensagem de voz na nossa caixa postal, porém aumentamos a participação dos interessados dando a possibilidade do diálogo direto ou por escritos nos nossos questionários. Luana: Mas nós recebemos também uma mensagem de texto, sobre uma placa em que uma árvore seria alugada para fins comerciais, entenderam a brincadeira e responderam no mesmo tom! Já na nossa imobiliária portátil, alguns sacavam a ironia, e outros perguntavam se a gente era de alguma ONG! E em momento algum nós entramos na questão da arte. (E não fez falta!)
Ainda que vocês estejam discutindo questões relacionadas com a cidade, vocês são um coletivo, artístico. Qual a visão de vocês sobre a relação entre a arte e a política, a arte e mobilização social? Luana: Cada vez mais eu penso que toda obra de arte carrega em si uma visão/ação política. Seja diretamente ou não. Penso nisso especialmente pela sua capacidade de transformação, de ideias, de olhares. A arte pressupõe a troca entre algo e alguém, e nessa relação existe política. Mas isso tudo que estou falando
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Toda obra de arte carrega em si uma visão/ação política”
é muito genérico. Claro que existem artistas que são engajados politicamente, e outros em que isso não é uma questão para seu trabalho. Mas como educadora, eu não consigo ignorar a potência política de cada obra de arte. Na verdade existem muitas formas de responder essa questão! Vários caminhos de discussões que podemos seguir para pensarmos estas relações! Tião: nosso trabalho não tem um conteúdo explicitamente político ou ativista. No caso da Sonho Meu Imóveis ou do Projeto Kombi algumas questões do cotidiano da cidade em que vivemos são colocadas mais claramente, seja o problema da mobilidade urbana ou o processo de especulação imobiliária. Mas em ambos os trabalhos apresentamos situações lúdicas em relação a essas questões, buscando abrir a discussão através de uma linguagem muito mais poética que politicamente ativista. É sempre delicada e tensa essa relação entre arte e política, podendo haver apropriações indevidas e cooptações de ambos os lados. Um trabalho artístico muito panfletário e/ou político-partidário pode perder
sua potência criativa e poética. Mas, por outro lado, o hibridismo que é produzido no encontro desses campos distintos (arte/política) tem uma força de produção de símbolos que pode transformar o olhar que temos sobre nossas relações com a vida cotidiana, os espaços públicos, o lugar em que vivemos etc. Luana: Isso é interessante, que o Tião falou. realmente esta nunca foi uma questão pra gente, nenhum tipo de ativismo. Muito embora algumas pessoas encontrem relações, e creio que elas existem. Por exemplo no Projeto Kombi, nosso trabalho apareceu em um site de ativismo ambiental. O próprio nome do grupo carrega uma mensagem bem literal sobre a ocupação da cidade. Mas não temos essa preocupação. Alguns assuntos nos tocam e movem para agir, poeticamente. E temos muito prazer no que fazemos. É realmente divertido estar na rua ou propondo ações colaborativas, oficinas, pintando, conversando, criando...! Por mais que alguns assuntos nos movam pelo conflito e não porque achamos “legal”.
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*Improvável, mas não impossível.
Troll de Internet apanha na lapa (RJ) após perceber que não estava no Facebook Reconstituição em ilustração da cena do crime
Por André Dahmer - www.malvados.com.br
Acreditando que estava comentando no Facebook, o conservador Carlos Daniel de 42 anos foi agredido no bar Melhor Cachaça, no bairro da Lapa, Rio de Janeiro, logo após chamar de macaco-comunista Danilo Murici, negro de 22 anos. O agressor, garçom do local, havia se recusado a atender Carlos Daniel, afirmando ter sido destratado pelo mesmo. A atitude do garçom insubordinado gerou revolta no “politicamente incorreto” Carlos, que sem perceber que não estava protegido pelo anonimato da internet, começou a fazer piadas ironizando e xingando o garçom, principalmente referindo-se ao seu tom de pele. Danilo, demostrando total falta de senso de humor e levando a sério comentários inofensivos, não se conteve e partiu para a ignorância. “Violento e covarde, é o que pode-se dizer desse rapaz, não se fazem mais negros submissos como antigamente”, afirmou o gerente do bar.
Acionada, a PM demorou uma hora para chegar e não encontrou o comuno-fascista no local. De acordo com transeuntes, após ser separada a briga, o delinquente teria sido demitido e ido embora de cabeça baixa como “um
bom negrinho”, nas palavras de uma senhora do movimento de mulheres pelo retorno a moral e os bons costumes. “O Conservadorismo reacionário, homofóbico e racista tem sido perseguido doentemente por esses comunistas comedores de criancinha atualmente. Não deixam mais dizermos que negros são fedorentos, que homossexualismo é doença, que justiça social é coisa de vagabundo. O mundo está de cabeça para baixo.” acrescentou Olavo Pondé, sociólogo e filósofo que escreve para nossa coluna aos domingos.
Ao final da noite, mais de duas mil pessoas haviam sido presas para averiguações como suspeitas da agressão despropositada. Grupos de direitos humanos (defensores de vagabundos) consideraram racista a operação que só prendeu pessoas negras. Em resposta o Comandante da PM foi incisivo: “A descrição feita do meliante era de um rapaz negro, nada mais natural que se indique a abordagem de todos os negros do bairro. Não há nenhum problema em tal seletividade”, explicou. Pondé considera preocupante o tratamento diferenciado que certos se-
“Liberdade
de expressão é coisa do passado”
tores vem querendo dar às minorias: “Ninguém reclamaria se fossem presos somente brancos. Todos querem proteger negros, mulheres e gays hoje em dia. Mal podemos falar sobre a superioridade do homem branco que corremos o risco de sermos espancados na rua”, ressaltou. De acordo com ele, o preconceito contra racistas e homofóbicos no brasil tem atingido números alarmantes: “É uma situação preocupante, culpa da política bolchevo-stalinista que tem sido implementada. A cultura da intolerância e do politicamente correto imperam. Liberdade de expressão é coisa do passado” concluiu Olavo.
*ATENÇÃO: Essa seção é fictícia. Não levem a mensagem a sério. Mas vai que você cruza com um desses...
Eu, o coronel em mim Mando e desmando. Faço e desfaço
Está cada vez mais difícil manter uma aparência de que sou um homem democrático. Não sou assim, e, no fundo, todos vocês sabem disso. Eu mando e desmando. Faço e desfaço. Tudo de acordo com minha vontade. Não admito ser contrariado no meu querer. Sou inteligente, autoritário e vingativo. E daí? No entanto, por conta de uma democracia de fachada, sou obrigado a manter também uma fachada do que não sou. Não suporto cheiro de povo, reivindicações e nem com versa de direitos. Por isso, agora, vocês estão sabendo o porquê apareço na mídia, às vezes, com cara meio enfezada: é essa tal obrigação de parecer democrático.
Minha fazenda cresceu demais. Deixou os limites da capital e ganhou o estado. Chegou muita gente e o controle fica mais difícil. Por isso, preciso manter minha autoridade. Sou eu quem tem o dinheiro, apesar de alguns pensarem que o dinheiro é público. Sou eu o patrão maior. Sou eu quem nomeia, quem demite. Sou eu quem contrata bajuladores, capangas, serviçais de todos os níveis e bobos da corte para todos os gostos. Apesar desse poder divino sou obrigado a me submeter à eleições, um absurdo. Mas é outra fachada. Com tanto poder, com tanto dinheiro, com a mídia em minhas mãos e com meia dúzia de palavras modernas e bem arranjadas sobre democracia, não tem para ninguém. É só esperar o dia e esse povo todo contente e feliz vota em mim. Vota em que eu mando. Ô povo ignorante! Dia desses fui contrariado porque alguns fizeram greve e invadiram uma parte da cozinha de uma das Casas Grande. Dizem que greve faz parte da democracia e eu te-
ria que aceitar. Aceitar coisa nenhuma. Chamei um jagunço das leis, não por coincidência marido de minha irmã, e dei um pé na bunda desse povo. Na polícia, mandei os cabras tirar de circulação pobres, pretos e gente que fala demais em direitos. Só quem tem direito sou eu. Então, é para apertar mais. É na chibata. Pode matar que eu garanto. O povo gosta. Na educação, quanto pior melhor. Para quê povo sabido? Na saúde...se morrer “é porque Deus quis”. Às vezes sinto que alguns poucos escravos livres até pensam em me contrariar. Uma afronta. Ameaçam, fazem meninice, mas o medo é maior. Logo esquecem a raiva e as chibatadas. No fundo, eles sabem que eu tenho o poder e que faço o quero. Tenho nas mãos a lei, a justiça, a polícia e um bando cada vez maior de puxa-sacos. O coronel de outros tempos ainda mora em mim e está mais vivo que nunca. Esse ser coronel que sou e que sempre fui é alimentado por esse povo contente e feliz que festeja na senzala a minha necessária existência .
Ganâncio, por Diogo Salles - © 2010 - Jornal da Tarde/ Diogo Salles: diogosalles.com.br
35 anos
Educação Estadual
na luta!
Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro
Remoção de funcionários das escolas estaduais:
Quem tem q ue sair é o Cabral e o Risolia!
Os serventes, inspetores de alunos e as merendeiras das escolas estaduais (os funcionários administrativos), muitos com mais de duas décadas de trabalho em escolas espalhadas pelo estado inteiro, estão sendo removidos, compulsoriamente, de suas unidades de origem. Em seus lugares, o governo do Estado vem colocando pessoal de empresas privadas, em um processo de terceirização dos nossos serviços públicos, que já conhecemos onde vai dar: corrupção e superfaturamento. Este ataque atinge mais de cinco mil funcionários estatutários, concursados e que já haviam definido as suas vidas pessoais e profissionais em função das escolas onde trabalhavam. O governo alegou que a medida era uma determinação do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Mas em audiência acompanhada pelo Sepe e pela Comissão de Educação da Alerj, o próprio presidente do Tribunal negou que existisse um parecer, determinando a remoção dos concursados das escolas para dar lugar a terceirizados. Quem tem que pedir para sair é o secretário Risolia e o governador Cabral, que promovem a destruição da escola pública. Os funcionários reagiram ao arbítrio do governo, com várias manifestações realizadas na sede da Secretaria de Educação, como mostra a foto. Não aceitaremos a remoção dos funcionários administrativos!
Calendário da Rede Estadual: 23 de fevereiro (sábado): assembleia da rede estadual de educação, às 14h, na ABI (Rua Araújo Porto Alegre 71/9º andar).
www.seperj.org.br
COMPAREÇA!!