Edição 28

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Aborto em caso de estupro -

Saiba quais são os direitos da mulher

Vírus Porque neutro nem sabonete, nem a Suíça

R$2 edição digital nº 28 novembro 2013

Planetário

negra é a raiz R$ 5,00

ISSN 2236-7969

Entrevista INclusiva:

Amanda Gurgel A professora, cujo discurso fez sucesso no youtube em 2011, vem incomodando como vereadora em Natal (RN) desde o início do ano

Teresina (PI)

“E no silêncio... poesia!”

Arte de rua preenche de significados espaços públicos na capital piauiense

Com conteúdo do

nº27

FAZENDO

Porque enegrecer a consciência é preciso

MEDIA

da liberdade


Em defesa do projeto dos movimentos sociais para o petróleo, com monopólio estatal, Petrobrás 100% pública e investimento em energias limpas.

organização:

Vamos barrar os leilões do petróleo! Notícias da campanha:

www.sindipetro.org.br

www.apn.org.br | www.tvpetroleira.tv


traรงo livre Por Chiquinha | Veja mais em: www.pirikart.tumblr.com

Por Adriano Kitani | Veja mais em: www.pirikart.tumblr.com


o i e rr ral o C Vi >Envie colaborações (textos, desenhos, fotos), críticas, dúvidas, sugestões, opiniões gerais e sobre nossas reportagens para

contato@virusplanetario.net Queremos sua participação!

Afinal, o que é a Vírus Planetário? Muitos não entendem o que é a Vírus Planetário, principalmente o nome. Então, fazemos essa explicação maçante, mas necessária para os virgens de Vírus Planetário: Jornalismo pela diferença, não pela desigualdade. Esse é nosso lema. Em nosso primeiro editorial, anunciamos nosso estilo; usar primeira pessoa do singular, assumir nossa parcialidade, afinal “Neutro nem sabonete, nem a Suíça.” Somos, sim, parciais, com orgulho de darmos visibilidade a pessoas excluídas, de batalharmos contra as mais diversas formas de opressão. Rimos de nossa própria desgraça e sempre que possível gozamos com a cara de alguns algozes do povo. O bom humor é necessário para enfrentarmos com alegria as mais árduas batalhas do cotidiano.

O homem é o vírus do homem e do planeta. Daí, vem o nome da revista, que faz a provocação de que mesmo a humanidade destruindo a Terra e sua própria espécie, acreditamos que com mobilização social, uma sociedade em que haja felicidade para todos e todas é possível.

Recentemente, unificamos os esforços com o jornal alternativo Fazendo Media (www.fazendomedia.com) e nos tornamos um único coletivo e uma única publicação impressa. Seguimos, assim, mais fortes na luta pela democratização da comunicação para a construção de um jornalismo pela diferença, contra a desigualdade.

Expediente: Rio de Janeiro: Alexandre Kubrusly, Ana Chagas, André Camilo, Artur Romeu, Bruna Barlach, Bruno Costa, Caio Amorim, Camille Perrisé, Catherine Lira, Chico Motta, Débora Nunes, Eduardo Sá, Joyce Abbade, Julia Campos, Julia Maria Ferreira, Livia Valle, Marcelo Araújo, Mariana Gomes, Mariana Moraes, Matheus Lara, Miguel Tiriba, Raquel Junia e Seiji Nomura | São Paulo: Ana Carolina Gomes, Duna Rodríguez, Gustavo Morais, Jamille Nunes, Jéssica Ipólito e Luka Franca | Brasília: Alina Freitas, Edemilson Paraná, Luana Luizy, Mariane Sanches e Thiago Vilela | Minas Gerais: Ana Malaco, Laura Ralola e Paulo Dias | Ceará: Iorran Aquino, Joana Vidal, Livino Neto, Lucas Moreira e Rodrigo Santaella | Piauí: Nadja Carvalho, André Café, Sarah Fontenelle, Mariana Duarte e Diego Barbosa | Bahia: Mariana Ferreira | Paraíba: Mariana Sales | Mato Grosso do Sul: Marina Duarte, Tainá Jara, Jones Mário, Fernanda Palheta, Eva Cruz e Juliane Garcez Diagramação: Caio Amorim | Foto capa: modelo: Simone Alves dos Santos / foto por: Afronaz Kauberdianuz

Conselho Editorial: Adriana Facina, Amanda Gurgel, Ana Enne, André Guimarães, Claudia Santiago, Dênis de Moraes, Eduardo Sá, Gizele Martins, Gustavo Barreto, Henrique Carneiro, João Roberto Pinto, João Tancredo, Larissa Dahmer, Leon Diniz, MC Leonardo, Marcelo Yuka, Marcos Alvito, Mauro Iasi, Michael Löwy, Miguel Baldez, Orlando Zaccone, Oswaldo Munteal, Paulo Passarinho, Repper Fiell, Sandra Quintela, Tarcisio Carvalho, Virginia Fontes, Vito Gianotti e Diretoria de Imprensa do Sindicato Estadual dos Profissionais de Edução do Rio de Janeiro (SEPE-RJ) Siga-nos: twitter.com/virusplanetario Curta nossa página! facebook.com/virusplanetario Anuncie na Vírus: contato@virusplanetario.net #Impressão:

www.virusplanetario.com.br Comunicação e Editora A Revista Vírus Planetário - ISSN 2236-7969 é uma publicação da Malungo Comunicação e Editora com sede no Rio de Janeiro. Telefone: 3164-3716


Editorial

Sumário

“Será que já raiou a liberdade ou se foi tudo ilusão”

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Mário Brum_Remoções de favelas

(100 Anos De Liberdade - Realidade Ou Ilusão? - Samba-enredo Mangueira 1988 - compositores Hélio Turco, Jurandir e Alvinho)

Novembro é mês de festa. Dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, é o dia da morte de Zumbi dos Palmares; a data está em nosso calendário para lembrar a resistência do negro à escravidão. E ela não está lá por um mero acaso. As datas comemorativas cumprem a função de lembrar, ano a ano, os dias de nossa história que são considerados importantes, mantendo viva a memória das pessoas e ideias que, no passado, lutaram para construir uma sociedade melhor. Pronto, ainda bem que eles resistiram e nos livramos desse mal desumano que era a escravidão. Agora é só comemorar. Só que não. Deixar de ser escravo, bizarramente já no século XIX (não tem nem 200 anos!), não instaurou a igualdade racial no Brasil. Não dá para, depois de séculos de escravidão, você esperar que, uma vez negros supostamente libertos, a sociedade vá se arrumar sozinha. E é por essas e outras que a Vírus Planetário vem, na edição de novembro, afirmar que Negra é a Raiz da (nossa) Liberdade, matéria na qual você pode conferir uma discussão melhor sobre os elementos que colocamos acima. Falando em direitos, fomos conferir outra festa que não existe. Depois de 25 anos de Constituição Federal, que é linda e garante um bocado de coisas para todo mundo, os povos indígenas ainda tem poucas garantias, especialmente no que diz respeito à demarcação de suas terras. A bancada ruralista do agro-negócio tenta, a cada dia, esmagar ainda mais nossos habitantes tradicionais, como você vê na seção de política aqui da Vírus. Par com ela faz a bancada evangélica com sua incidência sobre os direitos das mulheres, inclusive aqueles garantidos por lei, como o aborto em caso de estupro — o debate é matéria da seção de direitos humanos. Além disso, ainda tem Entrevista Inclusiva com a professora e vereadora de Natal pelo PSTU, Amanda Gurgel, onde ela nos fala dos incômodos que vem causando aos poderes do Rio Grande do Norte. A Bula Cultural de novembro, por sua vez, vem cheia de poesia, rebeldia e arte: é a cultura piauiense levantando o estandarte da resistência pelo direito de existir e ocupando as ruas com suas cores e sons. Boa leitura!

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Entrevista Inclusiva_Amanda Gurgel

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A luta não acabou_Polêmica suspensão da greve

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Política_Indígenas não têm nada a comemorar nos 25 anos de constituição

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Capa_Negra é a raiz da liberdade

24 Traço Livre 26 Luciane Soares_Por que falar de racismo na universidade?

28 Fazendo Media_Guerrilha artivista 31 Bula Cultural 36

Direitos Humanos_Aborto em caso de estupro


mario brum Doutor em História pela UFF e Pós Doutorando em Planejamento Urbano no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR)-UFRJ/FAPERJ

Remoções de

favelas

Um velho sonho das elites numa Década de ‘Oportunidades’ implea Ditadura Militar, foi de 1960 para 1970, sob a por tid an gar s, ela Na virada da década remoção de fav de ca áti tem sis a tas lític o afastou o fan ma mentada uma po tes. A Redemocratizaçã an ta vis a ente. nc nu são uma repres eliminando definitivam o o tema, mas não o nd a ece tem qu o , fra cia en , lên ão vio oç da rem elas, como a s cidade atribuído às fav do na me no ma ble em s pro a sse cad ere A almente, os int atu e, qu até l ia, ipa nc rec pri pa ssado o foco da remoção rea lta do tema. Se no pa vo a ca na tifi s jus ela s’ fav nto s da ‘grandes eve te, com o fim se sonha, principalmen ade era a Zona Sul, hoje função do projeto cid em e, qu ião reg , no tor en no Barra da Tijuca e investimentos públicos. Olímpica, mais recebe

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A Ditadura e a Operação Praia do Pinto Na madrugada do Dia das Mães de 1969, os moradores da Praia do Pinto, acordaram com um incêndio que acabou definitivamente com a favela. A favela era uma das mais antigas e famosas do Rio de Janeiro, surgida nas primeiras décadas do século XX no então distante subúrbio do Leblon. Ao longo das décadas seguintes, os moradores da Praia do Pinto trabalharam na cidade que crescia em volta deles e, muitas vezes, pelas suas mãos.

Casa destruída na Vila Recreio | Foto: Daniela Fichino

Em fins de março daquele ano, centenas de famílias começaram a ser removidas para conjuntos habitacionais da Cidade Alta, em Cordovil, distante 30 quilômetros e da Cidade de Deus, no então quase deserto bairro de Jacarepaguá. Havia forte resistência por parte dos moradores, que não aceitavam a remoção para distantes conjuntos, longe do emprego, dos serviços e da vida estabelecida. A “Operação Praia do Pinto” era a primeira remoção promovida pelo governo federal em conjunto com o governo da Guanabara. As autoridades anunciavam que seria a primeira favela a ser alvo do programa que iria definitivamente acabar com todas as favelas do Rio de Janeiro até 1976. Com prisões, desaparecimentos, incêndios e famílias sendo levadas para os conjuntos em cima de caminhões de lixo, as remoções de favelas atingiram o auge nesse período (1968-1973). Sob a Ditadura Militar, um antigo sonho das elites de uma cidade sem favelas (embora de maneira velada tenham sempre reconhecido sua utilidade como fornecedora de mão de obra e válvula de escape para a questão da moradia dos mais pobres na cidade) estava sendo realizado. Antes da meta ser cumprida, porém, o programa foi extinto em setembro de 1973, tendo removido mais de 175 mil moradores de 62 favelas (remoção

Sob a Ditadura Milita r, um antigo sonho das elites de uma ci dade sem favelas estava sendo realizad o”

total ou parcial) para conjuntos nas zonas Norte e Oeste. Nos distantes conjuntos, os removidos não se tornaram “felizes proprietários” incorporados ao sistema, como era o plano das autoridades. Distante dos empregos onde trabalhavam, com novos custos como a prestação do imóvel, taxas e transporte, a inadimplência nos conjuntos era muito alta, muitos venderam o imóvel e continuaram a buscar a favela como solução. Os removidos que ficaram no imóvel usaram diversas estratégias para continuar a ter uma moradia, com essa muitas vezes sofrendo ampliações para a família que crescia, ou se transformando num ponto comercial para auferir uma renda. Não demorou muito para que estes conjuntos fossem tratados pela imprensa, por vizinhos do entorno, pelo Estado e pela sociedade em geral, como novas ‘favelas’.

Fim da ditadura: fim das remoções? Na virada da década de 1970 para 1980, o Estado, em seus três níveis, e por diferentes partidos, adotou a urbanização de favelas como política. A abertura dos canais democráticos propiciou que os moradores de favelas se impusessem com atores políticos ativos. Ao longo da década de 1980 e 1990, esse processo é ampliado, com lideranças de favelas inserindo-se nos aparelhos de Estado e diversos projetos que

defendiam a permanência e melhorias das favelas tendo sido assimilados nas políticas públicas. Apesar da conjuntura democrática e do peso político das favelas e suas lideranças, a urbanização de favelas não se tornou algo consensual na sociedade. A questão ambiental passou a ser o mote de mobilizações para que algumas favelas não fossem urbanizadas. Essas mobilizações, tais como protestos, cartas à imprensa, ao executivo e ao legislativo, ações na justiça, entre outras, vinham, principalmente, de setores de classe média vizinhos das favelas que iriam receber as obras de urbanização. A questão ambiental se confundia com a liberação das áreas favelizadas para empreendimentos comerciais ou habitacionais de classe média, ou ao menos, liberando áreas valorizadas da ‘incômoda’ vizinhança das favelas, caso das remoções da Via Parque, localizada atrás do centro comercial Barrashopping, que deu lugar a um parque; e da Vila Marapendi, nas imediações do centro comercial Downtown. Ambas as favelas foram removidas em 1994, ainda no primeiro mandato de César Maia, com Eduardo Paes no recém-criado cargo de Subprefeito de Jacarepaguá. No decorrer da década de 1990, a violência urbana passou a ser identificada como o principal problema causado pelas favelas, essas sen-

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Atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, foi a gestão que mais removeu moradias populares na cidade do Rio, ultrapassando as gestões de Pereira Passos e de Carlos Lacerda Ilustração: Diego Novaes: www.diegonovaes.blogspot.com

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nto m comum ta e , s ta n ti is d lações Conjunturas em que as re ís a p e d to ndadas” um proje ejam aprofu s s ta s li a it p ca

do apontadas como o berço da violência derivada do tráfico que transbordava para o asfalto. Sem embargo, a violência foi se tornando um dos principais argumentos utilizados pelos defensores da remoção. O tema da remoção foi cada vez mais abertamente defendido. Primeiro pela imprensa e depois pelas autoridades. Assim, se por um lado a política para as favelas nos mandatos de César Maia se caracterizou pela via urbanizadora do Favela-Bairro, vemos uma inflexão a partir da preparação dos Jogos PanAmericanos 2007, em que preparar a cidade para os grandes eventos, em conjunto com a acusação sobre a favela ser um polo irradiador de violência, começa a ser a justificativa para as remoções. Preparação para grandes eventos; defesa do meio ambiente; risco para a vizinhança... estavam dadas as linhas de sustentação para a volta com força de uma agenda remocionista.

Remocionismo e Grandes Eventos: uma década de ‘oportunidades’ Num relatório de monitoramento das ações da Secretaria Municipal de Habitação, feito em 2009 pelo Tribunal de Contas do Município, surge de forma inequívoca a convergência dos três argumentos usados como pilares para sustentar a defesa da remoção:

“A discussão em torno das favelas vem tomando enormes pro-

porções e demandando soluções urgentes, seja pela necessidade de se restaurar áreas legalmente preservadas e degradadas por um excessivo desmatamento, seja pela crescente violência a que essas localidades estão sujeitas em razão do difícil acesso do Poder Público ou pela adequação às exigências do Plano Olímpico para as Olimpíadas de 2016.”

O fato das favelas da Baixada de Jacarepaguá serem o alvo privilegiado da atual onda remocionista parece repetir o processo verificado nas décadas de 1960/70, com o fim da tolerância às antigas favelas que haviam crescido com a expansão imobiliária das regiões centrais da cidade, quando alimentavam de mão de obra e viabilizaram a indústria da construção civil.

Assim, o poder executivo municipal, em seu Plano Plurianual 2010/2013, apresentou, em linguagem altamente técnica, o Programa 0321 – Urbanização de assentamentos precários (Incluindo como ações conjuntas o PAC – Urbanização, Urbanização de Assentamentos informais e Plano Municipal de Habitação de Interesse Social); cujo objetivo geral é:

Conjunturas distintas, em comum tanto um projeto de país em que as relações capitalistas sejam aprofundadas. Se a conjuntura ditatorial implicava em concentração de renda e redução do peso do salário na economia alcançados por uma forte repressão sobre os segmentos populares; e se hoje a ideia do ‘novo desenvolvimentismo’ prega crescimento econômico com distribuição de renda, nas duas conjunturas o peso dos grandes agentes de mercado, como as empresas de construção civil, amparados pelo Estado, parecem conduzir à incorporação dos segmentos populares, notadamente os moradores de favelas, de forma subordinada e assimétrica, ao mercado.

“(...)promover a melhoria das condições de habitabilidade nos assentamentos precários, com impacto na redução da incidência e do desordenamento dos assentamentos subnormais , por meio da urbanização, regularização urbanística e fundiária, inclusão produtiva e social e sustentabilidade ambiental.” Embora o plano não traga uma orientação clara sobre seus objetivos, as ações anunciadas lidas em conjunto com o Plano Municipal de Habitação de Interesse Social, indicam o viés de realocação de moradores, cuja meta, segundo a Secretaria Municipal de Habitação, era reduzir em 5% o total da área ocupada por favelas.

Em contraste com as grandes remoções promovidas pela Ditadura, na conjuntura atual a mobilização das favelas têm se dado em várias instâncias: através de ações no judiciário, ou questionamentos feitos a partir do Ministério Público em relação aos gastos públicos, destinação da área e mesmo a necessidade da remoção.

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Foto: Julia Campos

Entrevista INclusiva:

A juventude está aprendendo que o tamanho da vitória é proporcional ao tamanho da mobilização”

Amanda Gurgel Amanda Gurgel é um fenômeno político. A vereadora mais votada do país tem abalado as estruturas da câmara dos vereadores em Natal. De volta às páginas da Vírus Planetário (a primeira vez foi na edição 11, de agosto de 2011, um pouco depois de seu estrondoso sucesso no youtube com o vídeo de denúncia na Assembleia Legislativa do RN, assista neste link: www.tinyurl.com/videoamanda), conversamos sobre a atuação da vereadora socialista na câmara de Natal (RN). Com muita simpatia, Amanda também fala sobre o seu projeto do passe livre, e sobre as perseguições que vem sofrendo que ameaçam o seu mandato e são marcadas pelo machismo dos vereadores conservadores.

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Por Bruna Barlach e Julia Campos

O nosso mandato é um calo no sapato dos vereadores e prefei to”

Como foi idealizado o projeto do passe livre e como ele foi transformado ao longo do processo? O projeto que a gente originalmente apresentou na câmara foi elaborado com uma contribuição inicial da ANEL e depois foi incorporado pelos mandatos da esquerda socialista, o meu e os dois vereadores do PSOL que tem na câmara; foi um projeto que garantia o passe livre para os estudantes e para os desempregados. Mesmo sendo ainda uma coisa limitada, porque o que nós defendemos é a estatização do transporte público e a tarifa zero, ou seja, transporte sem tarifa, que seja universal e gratuito para os trabalhadores e para a juventude. Ainda que não fosse o ideal era uma proposta mais avançada do que a que foi aprovada. O que aconteceu é que a maioria dos vereadores, até além da bancada do prefeito, não se sentiram à vontade para votar no passe livre também para os desempregados. Levantaram questões relacionadas à logística e operacionalização disso. Quem iria emitir a certidão de desemprego, quem se enquadraria nesse perfil, como ficaria para os trabalhadores autônomos, enfim, diversas questões que não poderíamos contemplar nesse primeiro momento – porque era importante para nós contar com esse fôlego de junho. Então, em nome do passe livre para os estudantes, abrimos mão, em acordo com o movimento. Não foi uma atitude isolada, consultamos o movimento e acha-

mos que seria mais prudente esse caminho. Sem abrir mão dos desempregados, a ideia é apresentar esse outro projeto paralelamente. No final das contas, foi isso que propiciou a vitória do projeto nessa primeira instância, porque a bandeira do passe livre para os estudantes é muito mais consenso, até entre as pessoas no geral. Mesmo assim continua sendo o projeto mais progressivo dos que têm sido aprovados no país, pois atende a todos os estudantes, desde a educação infantil até o ensino superior, do ensino público e privado. Foi um processo muito rico porque a juventude compreendeu na prática que é somente com muita mobilização que a gente consegue aprovar qualquer coisa que seja do nosso interesse dentro das instituições burguesas. Isso ficou claro pra juventude, que teve um papel muito bonito, correndo atrás de cada vereador para apresentar o projeto, levando o documento para que eles assinassem, para que o projeto entrasse em regime de urgência. Foi um processo bem interessante, muito produtivo.

Seu projeto do passe livre foi um grande avanço para o debate sobre direito à cidade. Como você vê o desfecho deste projeto, que acabou não saindo da forma que havia sido concebido. Você acredita que, mesmo assim, foi uma vitória? Desde que o debate sobre o pas-

se livre foi introduzido na Câmara Municipal de Natal, na forma de um projeto de lei, as reações do prefeito e da bancada governista foram as piores possíveis. Primeiro rechaçaram o projeto com toda veemência, afirmando que ele não passava de populismo, que era uma coisa impensável. Com a pressão do movimento, que demonstrava que aquele discurso não convencia e que o passe livre era uma exigência da juventude, foram mudando o discurso, passando a tentar convencer a população de que o projeto era ruim, que era inconstitucional, que não poderia partir da Câmara, que não havia dinheiro para bancar o benefício, que implicaria em aumento de passagem, etc. O movimento não recuou, o prefeito percebeu que aquele discurso também não convencia e então, foi obrigado a enviar um projeto substitutivo ao apresentado pelos mandatos do PSTU e do PSOL. O projeto era limitado, pois restringia o benefício apenas a alunos da Rede Municipal, e foi aprovado com algumas emendas que possibilitam a expansão para as redes estadual e federal, desde que financiado pelos respectivos governos. Nem de longe, era o passe livre que queríamos. Mas, sem dúvida, foi uma vitória do movimento porque o prefeito teve que recuar diante de uma exigência da juventude e enviar à Câmara um projeto ao qual ele sempre foi radicalmente contra. Foi uma

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eNTREVISTA iNcLUSIVA_Amanda Gurgel

de que, se O meu papel é ter a convicção estamos estou incomodando, é porque fazendo a coisa certa!”

importante experiência para todos que lutaram incansavelmente e verificaram, na prática, que quando lutamos juntos, podemos conquistar vitórias. Agora a juventude está aprendendo que o tamanho da vitória é proporcional ao tamanho da mobilização, da unidade e da resistência. E ter essa consciência no momento em que a luta pelo passe livre ainda não acabou é um grande avanço! Agora as mobilizações serão maiores para exigir dos governos a ampliação do passe livre.

Falando sobre o veto, por que o passe livre incomoda tanto? São muitos fatores. Os políticos tradicionais são adeptos da política de que os mandatos que ocupam pertencem a eles e se orgulham de dizer que decidem as coisas pela própria cabeça, que ninguém manda no voto deles, e que não tem “medo de grito”, fazendo referência ao movimento. Na verdade, legislam para os ricos e para o prefeito, e não estava nos planos do prefeito o passe livre. Aqui, todos estão empenhados em garantir o último centavo possível para a Copa do Mundo, que está sendo a responsável pelo maior divisor de águas na história do endividamento de Natal e do RN. Nesse contexto, o passe livre veio só para atrapalhar e atrasar os planos. E como se isso não bastasse, o projeto ainda garantia que a juventude prisioneira das periferias pudesse se movimentar livremente pela cidade, inclusive pelos seus cartões-postais, inclusive durante a Copa do Mundo, e aí vem a maior de todos os problemas: os filhos da periferia não cabem no cartão-postal, nem agradam aos olhos dos turistas. E esse é o maior de todos os incômodos.

Você foi a candidata a vereadora proporcionalmente mais votada do país, ao que você acredita que isso se deva? Como foi a sua campanha? Nossa campanha, como todas as campanhas do PSTU, são campanhas muito suadas e também muito aguerridas, construídas pela nossa própria militância e pessoas próximas, que acreditam no nosso projeto político, que mesmo não sendo do partido tem muita confiança. Então foi uma campanha difícil porque um dos nossos princípios é a independência de classe e, por isso, não recebemos nem R$1,00 que seja de nenhum empresário e de ninguém que pudesse vir cobrar da gente qualquer coisa que fosse contrário aos interesses dos trabalhadores. Cada centavo que entrou na nossa campanha foi dinheiro de trabalhadores, contribuição voluntária e todos aqueles que foram pra rua para entregar panfleto, pra segurar bandeira, pra fazer campanha, fizeram isso voluntariamente como militantes, porque acreditam nessa causa, porque acreditam na

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revolução ou, se não acreditam na revolução socialista, pelo menos não acreditam que é por dentro desse regime falsamente democrático que a gente tem hoje que elas serão responsáveis. O resultado da votação foi surpreendente pra todo mundo, inclusive pra gente mesmo que estava na campanha dia e noite, mas a gente depois avaliou e entendeu que esse resultado da eleição já representava um pouco dessa indignação que não foi gestada em junho, em junho ela eclodiu. Inclusive, com características muito diferentes por conta das traições que passamos com o PT, com as direções sindicais (principalmente da CUT) e estudantis (na figura da UNE) que passaram para a defesa do governo de forma muito evidente. Essa indignação, essa revolta com essa traição vinha sendo gestada e já havia se manifestado nas últimas eleições.

A sua frase “agora acabou o sossego dos políticos tradicionais” está mais atual que nunca. Como você vê a perseguição política que tem sofrido, com as tentativas de cassação de mandato? Não posso dizer que esteja surpresa... O nosso mandato é um calo no sapato dos vereadores e prefeito, que dizem exatamente isso: “cadê o sossego dessa casa?” e é até engraçado, porque esperam que eu me retrate das denúncias que faço, consideram-nas “acusações pessoais” e não políticas. E na ausência de elementos políticos pelos quais também possam me denunciar, acabam recorrendo às ameaças machistas, como foi o caso do vereador que disse que eu confio muito na Maria da Penha e que eu poderia me arrepender... Bem, tentar abrir precedentes para que o mandato seja cassado mais cedo ou mais


Arte sobre fala de Amanda Gurgel na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte em 2011 em vídeo que já tem mais de 2 milhões e 389 mil visualizações no youtube

Tenham

Assista neste link: www.tinyurl.com/videoamanda

Vergonha!

tarde é o mínimo que eles podem fazer para ter o sossego de volta. Então, o meu papel é ter a convicção de que, se estou incomodando, é porque estamos fazendo a coisa certa! Ruim seria se os vereadores estivessem super felizes com a minha presença na Câmara. Na prática, hoje estou intimada a comparecer à polícia para prestar um depoimento e estou sendo processada na comissão de ética da casa. Também realizei esses mesmos procedimentos burocráticos para documentar cada episódio. Numa perspectiva mais “introspectiva”, posso dizer que estou bem tranquila. Já sabia que ia ser assim e não sinto medo deles. O mais importante é que há uma reação das pessoas que sabem.

Você acha que esses políticos tradicionais se utilizam do machismo para atacá-la na câmara? E como você reage a esse tipo de situação? Essa é uma realidade desde os primeiros dias do mandato. No início, fiquei meio sem reação, quando um vereador disse que eu deveria entrar na “Maria da peia”. “Peia” é como se chama, aqui em Natal, uma “surra”. Deveria tê-lo denunciado ao movimento desde aquele primeiro momento, mas não o fiz. Agora, coleciono quatro ameaças explícitas de agressão física, todas com infelizes menções à Lei Maria da Penha. Na última ocasião, o Movimento Mulheres em Luta (MML), as mulheres

do PSOL, do Levante e da ANEL tomaram a iniciativa de organizar um escracho um dia depois do ataque. Nem imaginei que eu pudesse ficar tão feliz com a ideia. Sei que no movimento feminista é assim: mexeu com uma, mexeu com todas. Mas “saber” é diferente de receber essa força e essa solidariedade na prática. Sinto-me protegida pelo movimento e especialmente pelas mulheres. Esse é o sentimento justo que todas nós, trabalhadoras, exploradas e oprimidas, devemos ter em relação às nossas companheiras para que possamos dizer com toda convicção que os machistas não passarão!

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política

A luta não

acabou

A repressão da PM aos educadores em luta foi constante e brutal | Foto: Carolina Calcavecchia

Apesar da polêmica suspensão da greve, a luta dos educadores continua! Por Alexandre Kubrusly e Mariana Moraes A greve é um instrumento legítimo de luta dos trabalhadores, mas é extremamente comum que o Estado burguês tente deslegitimálo, porque faz parte da sua prática desarticular qualquer tentativa de transformação da sociedade por parte de sua parcela oprimida. Nós é que somos teimosos e, ao longo de séculos, temos travado grandes lutas contra a exploração de nossa classe, que agora nos garantem importantes direitos trabalhistas. Mas ainda há muito que se mudar e foi por isso que no dia 8 de agosto de 2013, um ano histórico para a esquerda brasileira, os profissionais da 14

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educação do Rio e Janeiro, do estado e do município, entraram em greve. Um dos pontos que marcou essa greve foi sua extensa pauta de reivindicações pedagógicas, indo muito além de um mero aumento salarial para lutar por uma nova concepção de educação pública, como foi discutido na matéria da edição 27 da Vírus. Segundo Marta Moraes, coordenadora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (SEPE-RJ), o que nós vemos hoje no Rio de Janeiro é “uma política educacional extremamente prejudicial para os alunos, que valoriza a meritocracia,

que vê a educação como gasto e não como algo fundamental e que precisa de investimento.” Outro ponto marcante nessa greve foi a grande mobilização. Na rede municipal, por exemplo, 80% da rede chegou a parar as aulas. “Foi uma greve muito particular, por mais que tenha tido uma condução da direção do sindicato, a categoria se colocou muito na luta desde o início” é o que nos diz Vinicius Neves, professor municipal. O apoio popular também teve um papel fundamental nesse processo. Desde as Jornadas de Junho, houve uma


As ameaças de exoneração e corte de ponto foram constantes”

mudança de comportamento da população que passou a ver as ruas como espaço de luta política. Para Filipe Proença, professor do estado, “é uma greve que coloca 80 mil pessoas numa manifestação e em outra, mais de 100 mil pessoas. Essa solidariedade da população em geral com a educação foi um marco histórico.” Se por um lado, a greve teve um amplo apoio da população, por outro, a mídia grande, aliada ao Estado, empenhou-se em criminalizar a luta e manipular a opinião pública. O discurso de divisão dos manifestantes entre “ordeiros” e “vândalos”, repetido exaustivamente nos grandes meios de comunicação é desmentido por grande parte dos próprios manifestantes, como aponta Filipe “Existia uma aliança de classe. Esses jovens do Black Bloc, desses movimentos, são jovens das periferias, das favelas e muitos são nossos alunos. Eu vi em diversas manifestações, por detrás daquela face encoberta, olhos que eu já conhecia.” O Estado, por sua vez, rejeitou qualquer forma de diálogo com a categoria, deixando bem claro que o projeto de educação proposto pelos educadores é antagônico ao projeto da Prefeitura e do Estado, que governam pelo interesse do

capital. O maior exemplo disso foi a aprovação do Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR), que se deu mesmo com a categoria se manifestando claramente contra a proposta do prefeito Eduardo Paes. No dia 1º de outubro, a Polícia Militar e sua Tropa de Choque cercaram a Câmara dos Vereadores com grades de 2 metros de altura, para impedir a participação da população. O plano foi aprovado ao som das bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e tiros de balas de borracha. O terrorismo do Estado não parou por aí. As ameaças de exoneração e corte de ponto foram constantes e diversos professores chegaram a receber cartas para justificar suas faltas, desrespeitando o estado de greve deflagrado. Toda essa pressão do Estado aliado à mídia, para acabar com a greve, acarretou num processo de desmobilização da categoria, com muitos professores voltando às salas de aula. No dia 22 de outubro, foi realizada uma audiência de conciliação entre o SEPE e o Governo do Estado, presidida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux. Na ocasião, foi assinado um acordo em que o Estado se comprometia em não exonerar os professores grevistas, abonar as faltas pelo motivo de greve e não multar o sindicato e este, a suspender a greve em assembleia. O fim da greve, decidido em assembleia nos dias 24 (rede estadual) e 25 de outubro (rede municipal) gerou muita polêmica. Apesar de concordar que as reivindicações ainda não haviam sido atendidas, uma parte dos educadores entendeu que, diante das condições em que se encontravam, com as ameaças de exoneração e corte de ponto e a crescente desmobilização da categoria, o melhor era suspender a greve, enquanto outra parcela discordava e defendia a continuação da mesma. Segundo Vinícius Neves, “O equívoco sempre pode existir, eu votei pelo final da greve por que avaliava que, diante da intransigência do inimigo e do projeto de sociedade que o inimigo tem, não é pouca mobilização que vai mudar isso, é muita mobilização, e não é só passear com cartaz, são ações mais incisivas e mais concretas em oposição a essa ordem que está dada pra educação, pra cidade e pra nossa sociedade.” Para grande parte dos profissionais da educação, tanto favoráveis quanto contrários à suspensão da greve, o acordo firmado com o Governo foi visto como um tratado de rendição da categoria. Muitos

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política A greve dos educadores foi repleta de intensas passeatas | Foto: Carolina Calcavecchia

Temos clareza de que saímos da greve, mas não saímos da luta”

acreditam que, apesar da direção do SEPE ter feito parte de ações mais radicalizadas como a ocupação da Prefeitura, da Câmara Municipal e da ALERJ, sua luta continua pautada no legalismo, na pressão de parlamentares e na busca por resoluções jurídicas. E para estes, isso não será suficiente para resolver os problemas da educação no Rio de Janeiro. Filipe Proença defende que é necessário “romper com esse modelo de sindicalismo que existe hoje, que não é um problema do SEPE em específico, é um problema do sindicalismo como um todo no Brasil, que vem desde a era Vargas, com a unicidade sindical, o atrelamento dos sindicatos ao Estado e com o legalismo. Nós somos do SEPE, nós defendemos com unhas e dentes o nosso sindicato, mas queremos uma outra estrutura, mais independente.”

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A organização dos trabalhadores é essencial na luta contra seus opressores, por isso, o sindicato é muito importante enquanto ferramenta histórica de luta da classe. Porém, a crítica se faz necessária no processo de qualquer construção coletiva. É essencial que, mesmo com a suspensão da greve, a categoria continue cada vez mais mobilizada, debatendo suas pautas e desenvolvendo sua organização. Para Marta Moraes, “A greve talvez seja o maior instrumento de formação (política) do trabalhador. Temos clareza de que saímos da greve, mas não saímos da luta. 2014 será um ano de grandes lutas e se necessário faremos uma greve ainda maior que a de 2013.”


política foto: Luana Luizy

Nos 25 anos da Constituição,

indígenas não têm muito que comemorar

Ofensiva do agronegócio, mineradoras e bancada ruralista ameaça direitos dos povos tradicionais

Por Luana Luizy No dia 5 de outubro, a Constituição Federal completou 25 anos, elaborada com objetivo de garantir maior participação popular de minorias historicamente excluídas, como negros e negras e indígenas, entre outros grupos. No entanto, artigos que contemplam tais minorias, como os indígenas estão sendo ameaçados pela bancada ruralista do Congresso Nacional. Segundo o artigo 231 da Constituição Federal, “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e

os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. O parágrafo segundo desse artigo garante que aos índios lhes cabe “o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. Já o parágrafo sexto diz: “As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”. Entretanto, não é este o entendimento que os parlamentares da bancada ruralista fazem. Grande parte

são proprietários de terras e legislam de acordo com os seus interesses e tiveram suas campanhas financiadas por empresas de capital estrangeiro como a Monsanto, Cargill e Syngente, além de armas químicas e frigoríferos, segundo dados do Transparência Brasil. Contra a ofensiva do agronegócio e de outros setores historicamente privilegiados, como empreiteiras, mineradoras, indústria de turismo e o capital imobiliário, cerca de 1,5 mil indígenas e quilombolas tomaram a Esplanada dos Ministérios, em

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política foto: Luana Luizy

Grande parte são proprietários de terras e legislam de acordo com os seus interesses e tiveram suas campanhas financiadas por empresas de capital estrangeiro”

Brasília entre os dias 1° a 5 de outubro, na Semana Nacional de Mobilização Indígena. A semana teve como principal pauta a revogação de todos os dispositivos governamentais que infringem e colocam em risco os direitos indígenas e dos povos tradicionais assegurados pela Constituição Cidadã de 1988. Um dos dispositivos governamentais que os indígenas pedem é a revogação da Portaria 303, norma que estende a todas as terras indígenas do país as condicionantes definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009. A portaria também estipula que o governo intervenha em terras indígenas sempre que for de interesse nacional, tal dispositivo se torna inconstitucional, pois fere a Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho (OIT), do qual o Brasil é signatário. A convenção afirma que só é permitido que qualquer empreendimento seja aplicado em terras indígenas, com a consulta prévia dos povos afetados. “Não vamos assistir que roubem nossos territórios e ficar de braços cruzados. Deviam mudar o nome da Casa do Senado para Casa do Agronegócio”, critica Sônia Guajajara da Articulação Nacional dos Povos Indígenas (Apib). Além da Portaria, indígenas e quilombolas também pedem a revogação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 que transfere a competência de demarcação das terras tradicionais do poder Executivo para o

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Congresso Nacional. Tal medida pretende esvaziar a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) e Instituto do Meio Ambiente (ICMbio) além de paralisar as demarcações, expropriar os territórios já demarcados dos indígenas, quilombolas e populações tradicionais e unidades de conservação. A mobilização também reivindica a revogação do Projeto de Lei Complementar ao artigo 231 da Constituição Federal, o PLP 227 que quer ditar as atividades que compõe o relevante interesse público da União, para legitimar a expropriação dos territórios indígenas, quilombolas e das populações tradicionais através da implantação de hidrelétricas, rodovias, mineração e atividades de agronegócio. “Pedimos o arquivamento de todas as medidas, pois são anti-indígenas, impedem a demarcação”, reitera Sonia Guajajara. O Brasil atualmente vive sob a proteção de uma economia agroexportadora e primária. A soja hoje é o setor que tem mais influência no agronegócio nacional e nas exportações. “Todo mundo escuta que o Mato Grosso é campeão de plantação de soja, mas dentro do estado há 42 povos indígenas. Aquela linda área verde chamada Amazônia está sendo desmatada. Nós, povos indí-


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A omissão do governo federal se reflete no número de acampamentos indígenas espalhados pelo país”

Assine a Vírus, compre edições impressas e digitais, livros, camisas, CDs! genas viemos em 1988 construir a Constituição Cidadã e voltamos agora após 25 anos, pois a nossa presidenta Dilma não está cumprindo seu papel, mas sim sendo omissa e covarde”, afirma Jurandir Xavante. O governo de Dilma Rousseff tem sido o que menos tem homologado terras indígenas- a homologação é uma das etapas do processo de demarcação. Ao todo neste mandato de Dilma foram 10; posto que no governo de José Sarney, 67; Fernando Collor de Mello 112; Fernando Henrique Cardoso, 145 e Luiz Inácio Lula da Silva, 79. Segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O que reflete a conivência de Dilma ao agronegócio, especialmente a bancada ruralista no Congresso Nacional, que pouco fez no que diz respeito à regularização. A omissão do governo federal se reflete no número de acampamentos indígenas espalhados pelo país, onde crianças e adultos estão sujeitas a atropelamentos. Situação alarmante também no Mato Grosso do Sul, um dos maiores produtores de canade-açúcar e soja, onde a política desenvolvimentista reflete o descaso com os povos tradicionais e no acirramento de conflitos territoriais. Só neste estado foram 37 assassinatos contra povos indígenas registrados pelo Cimi, em 2012. Grande maioria contra o povo Guarani Kaiowá. “Penso que nós e o homem branco devemos viver em paz. E deixar esse negócio de guerra entre a gente para o passado, mas estou preocupado com o comportamento que o homem branco está tendo em cima da gente. Como vão viver nossas próximas gerações?”, questiona o cacique Raony Kayapó.

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consciência negra

Negra é a raiz

da liberdade Movimento negro tenta se reinventar na luta contra o racismo ainda gritante no Brasil Por Julia Campos, Nadja Carvalho e André Café Desde a década de 1960, o dia 20 de novembro é o dia da Consciência Negra. Aniversário de morte de Zumbi dos Palmares, um dos grandes símbolos de resistência do povo negro escravizado contra seus senhores no período de Brasil Colonial, a data permite ao movimento negro problematizar a atualidade e, em tempos de grandes violações de direitos e extermínio da juventude negra nas periferias, reafirmar a necessidade da luta por igualdade e democracia racial. Por tratar-se de data bastante relevante, o dia 20 de novembro é considerado feriado em mais de mil cidades brasileiras há quase 20 anos, através de lei municipal. Cidades importantes como Rio de Janeiro e São Paulo também reservam a data como feriado em seu calendário, demonstrando que, apesar de a luta por direitos da população negra ser algo permanente e cotidiano, a reflexão trazida neste dia merece destaque. Esse ano, Curitiba teria seu primeiro feriado no dia da Consciência Negra. No entanto, a Associação Comercial do Paraná acionou a justiça contra a decretação do feriado, alegando, entre outros motivos, que o feriado traria grandes prejuízos à economia local e estadual, da ordem de R$ 160 milhões em um dia paralisado. A ACP diz que não é contra a existência de uma data que lembre a Consciência Negra, mas acha o feriado desnecessário. A Justiça Estadual deferiu liminar a favor dos comerciantes, suspendendo o feriado. Em reação a esse absurdo, dezenas de entidades do movimento negro e dos movimentos sociais e sindicais da cidade se articularam para construir um Comitê em defesa do feriado de 20 de novembro, que recebeu o nome de Zumbi dos Palmares. O Comitê tem como objetivo organizar atividades e mobilizações que deem visibilidade à tentativa da ACP de diminuir a importância da data. A Câmara de Vereadores de Curitiba também promete recorrer desta decisão.


Foto: Afronaz Kauberdianuz | Modelo: Simone Alves dos Santos

A população negra da(s) cidad e(s) é invisibilizada cotidianamente”

Para o sociólogo Bernardo Pilotto, que compõe o Comitê, “essa data será muito importante para a cidade de Curitiba. Primeiramente, porque a população negra da cidade é invisibilizada cotidianamente, para fortalecer o mito de cidade-modelo e europeia. (...), o feriado do dia 20 de novembro será um marco na afirmação de que há negros na cidade de Curitiba e que estes foram (e são) fundamentais para a construção cidade. É uma grande hipocrisia o argumento da ACP (...), entidade patronal, formada por uma elite que nunca sofreu na pele qualquer tipo de preconceito e que se aproveita do racismo para aumentar sua lucratividade, vir a público posar de defensora da necessidade de reflexão sobre o preconceito racial. É uma provocação!” O dia 12 de novembro foi marcado por um ato em frente ao Tribunal de Justiça do Paraná, articulado pelo Comitê Zumbi dos Palmares, que prevê continuar as mobilizações em defesa do feriado.

O mito da democracia racial e a questão de classe Segundo o professor Julinho Condaque, que faz parte do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe, coletivo criado em 2007, tanto o cenário mundial quanto o nacional mostram que há uma “ideologia do mito da democracia racial”. Ou seja, “se todos somos iguais perante a lei, então não se precisa fazer uma ação afirmativa, uma reparação social desses negros que construíram o país em processo do trabalho, aonde o Estado brasileiro acumulou muita riqueza”. No entanto, a partir de um debate sobre ações afirmativas e políticas públicas contra desigualdades raciais, ele afirma que “é possível sim construir o fim desse mito, por um processo de luta aonde a gente pode chegar a conquistar algumas reivindicações do movimento negro, mas por uma via mais de luta direta e não por uma via democrática do parlamento”. A existência de leis é progressista, mas não garante a sua implementação. Um grande exemplo disso é a lei 10369 em que, teoricamente, o Estado deveria garantir disciplinas desde a educação básica à universidade o estudo sobre os negros brasileiros, a África, os processos de resistência e revoltas negras entre outros temas. No entanto, a sua inviabilização é bastante conveniente, pois admitir a existência e o reconhecimento histórico de várias revoltas negras que houve, é admitir que “os negros têm sim um processo de cultura de resistência, de ressignificação enquanto trabalhadores, enquanto descendentes afro-brasileiros”, como diz o professor.


consciência negra

as no nível cultural, deixando de lado a questão da exploração de suas mãos-de-obra.

e todas as instâncias, O racismo ta aí em ia para que ele seja toda data é necessár combatido”

Por isso, não se pode aceitar o processo de gueto ou tratamento que o governo dá aos negros/as, que é o não reconhecimento como parte da classe trabalhadora e, portanto, acabam sendo reservados às políticas de assistência (ou melhor, assistencialistas). O que está em questão, segundo Condaque, é que “não queremos um assistencialismo que não dá dignidade, queremos que as pessoas trabalhem, constituem uma vida digna”. Nesse sentido, as políticas de ação afirmativas são necessárias para que exista a possibilidade de organização dos/as trabalhadores/as negros/as. Para Julinho, a burguesia tem um projeto definido: a existência de uma elite negra, burgueses/as negros/as que sirvam de exemplo para os outros milhares que se encontram no nível mais abaixo da pirâmide econômica e social. Não seria novidade, pois o modo de produção capitalista consegue admitir de forma oportunista que uma minoria dos setores da população oprimida possa existir dentro como classe dominante, intelectualizada, exploradora.

Um movimento negro dividido A fragmentação da esquerda brasileira também é uma realidade para o movimento negro. Julinho indica que, por conta disso, veio a necessidade de discutir e construir um “novo” movimento negro. Para esse movimento, iniciado a partir de um encontro nacional que contou com 670 delegados oriundos de 17 estados brasileiros, a avaliação é de que houve uma “descaracterização de acúmulos de muitas lutas”. Para Julinho, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial conseguiu com que personagens e referências do movimento negro sofressem um processo de burocratização, refreando a luta direta por direitos. Esse processo acabou por fragmentar o movimento negro e é marcado pelo foco que se dá a contribuição dos/as negros/ 22

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Carmen Kemolly, militante do movimento negro e da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social, relata que em Teresina a fragmentação do movimento também é uma realidade. “Ano passado mesmo, eu presenciei uma cena absurda, onde um grupo fazia uma atividade na praça rumo à Igreja São Benedito e o outro organizava uma festa na mesma praça, mas não se juntaram .(...). Tanto se lutou pelo ‘empoderamento’ negro, mas (...) quais são nossas possibilidades de empoderamento real dentro de um sistema de governo que não mudou? Não precisamos apenas de negras/negros nessas instâncias, precisamos de um compromisso de classe, e esse com certeza não está nas instâncias governamentais.”

O movimento negro resiste! Apesar de todas as dificuldades, o movimento negro se reinventa, demonstrando que há necessidade de apontar saídas para os novos (e velhos) problemas. No olhar de Kemolly, ex-correspondente do Portal “Correio Nagô”, “as discussões têm perpassado bastante pelo extermínio da juventude negra e na organização das mulheres negras. Nas comunidades, é o primeiro que, além de dialogar mais, é sentido na pele por todos nós de periferia. Um extermínio que vai além, não nos dando o direito de expressar publicamente nossa cul-


Valeu, Zumbi! Zumbi foi líder do Quilombo dos Palmares, localizado na atual região de União dos Palmares, interior da Zona da Mata, no estado de Alagoas. Tendo sido líder do Quilombo aos 25 anos de idade, em 1680, sob sua liderança, o quilombo cresceu, chegando a ter mais de 30 mil habitantes, a maioria escravos fugitivos, com várias vitórias contra as tropas de soldados portugueses. Símbolo da resistência negra, Zumbi ainda é alvo de racistas e fascistas mesmo hoje, mais de 300 anos depois de morrer degolado durante ataque do bandeirante Domingos Jorge Velho ao Quilombo. As diversas estátuas em sua homenagem no Brasil são frequentemente atacadas e pichadas. A do Rio de Janeiro, na Avenida Presidente Vargas (mais importante da cidade), foi atacada mais de 23 vezes em 2003. Neste ano foi pichada 6 vezes ao longo do ano, uma delas no dia 18 de novembro, dois dias antes do dia da Consciência Negra.

Representação de Zumbi dos Palmares Fonte ilustração: cenpah.wordpress.com

tura e nossa história porque isso nos torna alvo. (...) E, nesse contexto, são as mulheres negras que tem se levantado, dentro do movimento negro já bastante cooptado para rearticulá-lo. (...) que vêm conseguindo, com suas pautas de identidade e estética negra, uma inserção na academia, condições em que estão inseridas no mundo do trabalho, questões específicas ligadas à nossa saúde e afetividade também, porque é ela, a mulher negra e pobre quem está sentindo essas pautas na realidade”. A defesa de um dia para lembrar a Consciência Negra é urgente e necessária. Depois de mais de uma centena de anos de assinatura da Lei Áurea, negras/os seguem sofrendo por sua classe e sua cor. É necessário pintar as ruas de negro. Carmen enfatiza: “vivemos em uma época em que ser racista é feio, e até ilegal, mas que o racismo ainda não acabou, ele tá aí, escondido, maquiado, alisado, nos tratando com indiferença nos hospitais, na rua, ou onde quer que o negro esteja e ainda é visto como atrevido por entrar. Escuto muita gente ai blefando, dizendo que continuar a comemorar essa data é continuar a perpetuar o racismo e lutar para que ele nunca acabe. Como se ele tivesse acabado pras mulheres negras que continuam a escoltar o filho das brancas (...) [e] que tem perdido seus filhos (...), nas periferias de Teresina, porque a polícia chega e acha feio ter um negro na rua fora de hora. O racismo tá aí em todas as instâncias (...) [e] muito ainda tem que ser conquistado (...). São essas datas que colocam nossas lutas em evidência.”

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traço livre

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Por Gustavo Morais | Veja mais em: www.gusmorais.com

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luciane soares Luciane Soares da Silva é do Núcleo de Estudos de Exclusão e da Violência -NEEV, professora associada Universidade Estadual Darcy Ribeiro

consciência

negra

Ou aquilo que você não

entende, mas incomoda

Por que falar de racismo na universidade? Nas discussões sobre ação afirmativa, alguns estudiosos afirmam que a “questão das cotas” criaria um problema que não existe no Brasil, um problema “importado” pelo Movimento Negro e uma meia dúzia de intelectuais. Quando em 2003 estas discussões tiveram maior espaço na Universidade, alunos contrários as cotas discursavam aos berros que o sistema era “meritocrático”. Que cada um deveria ter sua vaga alcançada por esforço. No Capão Redondo alguém riu as duas da manhã, antes de sair para o trabalho! O problema é importado, eles diziam na sala de convenções. As cotas iriam “baixar o nível dos alunos”, teria dito um reitor. Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, alguns grupos se formavam, apontando os cotistas, esperando que se espatifassem graduação abaixo. Mas o problema era importado. Não havia problema nos 90% dos professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro pertencendo a um único grupo

étnico-racial. Seria estranho trancar todos estes defensores do problema “importado” em uma sala e iniciar uma conversa sobre nação e diáspora? Seria estranho apresentar os números sobre tráfico negreiro nas Américas? Ou os números sobre encarceramento nos Estados Unidos e no Brasil? De que povo brasileiro estávamos falando? De Gilberto Freyre, suas usinas em Pernambuco e suas mulatas sensuais? Dos apadrinhados da Casa Grande? Que problema era este, importado que batia á porta da Universidade Brasileira? Era tarde demais para retroceder, então era preciso dizer, berrar, que raças não existem, que era preciso investir no ensino fundamental. Em uma reunião com pesquisadores portugueses, houve até choro e confissões de amor pelos negros brasileiros, pelos estudantes de periferia, a afirmação de que não somos racistas. Mas era tarde demais para retroceder. A questão das ações afirmativas já estava cra-

vada no coração das Universidades brasileiras e a cada rodada revelava o fundo do poço. Em um muro da João Pessoa, em Porto Alegre, uma pichação : Negros só na cozinha do R.U. De fato, durante toda a graduação em Ciências Sociais, este era mesmo o lugar onde eu os via diariamente. Na cozinha dos restaurantes universitários. Qual era a ameaça dos 20%? O que assustava tanto em tornar um lugar como o Campus do Vale, menos homogêneo racialmente? Talvez, uma verdade muito incômoda, ouvida durante a graduação por muitos dos que estão lendo este texto. As formas de racismo institucional praticadas diariamente quando se está em uma turma de 40 ou mesmo na pós graduação, em uma turma de 10 pessoas. Tanto faz se estamos em Porto Alegre, Rio de Janeiro ou Salvador. Em certos níveis da educação e certas Faculdades, a distribuição é a mesma, basta ver os formandos de Medicina na Bahia no ano de 2012. Qual futuro tem o negro na sociedade? Ilustração: Laíssa Gamaro

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Democracia racial: uma fábula a serviço de quem? Isso vai ser pro nosso próprio bem...

Pô, colabora, me levanta mais um pouco

oof

Hey!! Pô, cara! Sai de Cima!

Não parece!

Ufa! Consegui!

Sinto muito ter sido racista, agora eu sei bem o que foi a escravidão!

Sai de cima de mim!

Tá, agora, me dá a mão!

De jeito nenhum isso seria racismo!

Já Chega! Eu vou ficar de

pé!

O que levou um professor de agronomia a pagar multa civil por ato de racismo em 2000? No primeiro dia de aula, o nobre docente proferiu as seguintes frases: “os negrinhos da favela só tinha os dentes brancos porque a água que bebiam possuía flúor”, e depois, arrematou “soja é que nem negro, uma vez que nasce, é difícil de matar”. Quando Pierre Bourdieu faz sua crítica avassaladora sobre a instituição escolar, muitos franceses torceram o nariz: como ele ousava atacar logo esta instituição? Como ousava desconstruir o mito da escola como formadora de cidadania? Não há engano, o que vemos hoje não tem relação com posturas científicas ou argumentos isentos de ideologia. As razões apresentadas para acreditar que as ações afirmativas são “ruins” para o Brasil são pífias, não se sustentam, revelam mais da alma do que muitos dos que as atacam gostariam de revelar. É certo que não resolveremos o problema da educação no Brasil com reservas de vagas. Não devemos reservar vagas, devemos garan-

Se eu subi aqui, por que você não consegue?

As razões apresentadas para acreditar que as ações afirmativas são “ruins” para o Brasil são pífias”

tir acesso universal ao ensino superior. Mas não é esta bandeira dos críticos às cotas. Estão simplesmente em pânico. Como aceitar linguagens de outro tipo? Como lidar com alunos que ouvem rap e trabalham, têm filhos e dormem pouco? E mesmo que não seja esta a realidade de boa parte dos cotistas, o simples fato da existência de diferença em sala de aula, perturba tão profundamente alguns professores! É como se alguém tivesse colocado câmeras pelos corredores. É como se tivessem de tratar como iguais aqueles a quem habitualmente dão ordens. Que segredos foram ocultados? Ah, lembrei: o profundo desprezo que nutrem por alunos que desviam de seus padrões de reprodução teórica, de sua visão de mundo. A pergunta de corredor feita pelo professor de sociologia rural ao aluno negro: mas por que, para que o mestrado? A graduação já não está de bom tamanho? O mesmo professor que bocejou durante sua defesa de tese. E que o classificou em quinto lugar em um concurso público sem critérios. Por que falar de racismo na Universidade afinal? Como diziam os moradores de Santa Rosa, em uma cidade majoritariamente branca do sul: “o problema da criminalidade é esse pessoal que foge do Rio, esse pessoal moreno que vem para cá”. É isto, o problema da Universidade, para alguns professores, é este pessoal que foge às estatísticas, este pessoal moreno, negro, pardo, nordestino, que vem para cá, para a sala de aula.

Vírus Planetário - novembro 2013

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FAZENDO

MEDIA

Novembro de 2013 | Ano 10 | Número 111 | www.fazendomedia.com | contato@fazendomedia.com

a média que a mídia faz

Guerrilha

artivista Intervenção do Coletivo Projetação na cúpula da 9ª Delegacia Policial, no Catete (Rio de Janeiro), local para onde foram levados diversos presos políticos ao longo das manifestações, desde junho Foto: Coletivo Projetação

28Vírus Planetário / fazendo media - novembro 2013

Arte como forma não violenta de militância política e social. Batalha entre a manipulação da mídia corporativa e as novas mídias populares


Artivismo é a utilização da arte como forma de militância política e social”

Por André Camilo Dentre os quase 200 métodos não violentos de protesto e persuasão descritos pelo estudioso americano Gene Sharp, grande parte envolve ações relacionadas à arte. Seja através de atuação teatral, pintura, canções, cinema, colagens. Não importa. É através da arte que as ideias dissidentes são levadas ao senso comum e provocam uma contraofensiva à paz velada imposta pelo Estado opressor. Artivismo é a utilização da arte como forma de militância política e social. Por conseguirem se enxergar como escravos de um sistema injusto, artivistas utilizam ferramentas lúdicas para compartilhar e demonstrar a realidade que a sociedade está inserida sob seu ponto de vista. Esse tipo de manifestação pacífica gera reflexão através de impacto sensorial. Artivistas ocupam os espaços urbanos e a internet para demonstrar um olhar à frente da sociedade que estão inseridos. Esse tipo de ocupação dos espaços, além de manifestar, gerar consciência crítica, educação e mobilização, pode ser considerado uma nova mídia.

Manipulação do Estado Com as manifestações de junho deste ano no Brasil, os ativistas perceberam o quanto a máquina do Estado é articulada junto às grandes corporações de

Intervenção do FotoprotestoSP nos muros do cemitério do Araçá

mídia na desconstrução de lutas por mais democracia e justiça. A saída encontrada pelo poder popular para embate com as mídias tradicionais é a criação de mídias alternativas e intervenções que impactem sem violência o maior número de pessoas no momento ou, posteriormente ao ato, online. Um grande acervo de lutas foi construído pela mídia alternativa, que ampliou o espaço de exposição de ideias. A expansão está chegando às ruas e a guerra da informação para chacoalhar uma população planejadamente alienada é intensa. No momento, ninguém sabe qual caminho seguir. Não existe uma fórmula. O que todos têm certeza é da necessidade de manter as pessoas nas ruas, forma mais eficaz de questionar.

Memes Uma espécie de grito silencioso tem sido importante arma utilizada nas manifestações em todo o mundo, que dão indícios de que o sistema que prioriza o acúmulo de capital está em vias de ruína. A internet tem sido muito importante nesse aspecto já que, mesmo sob ataque, ainda é um espaço onde existe alguma liberdade de manifestação e troca de informação. Sendo assim, a criatividade é

Vírus Planetário / fazendo media - novembro 2013 29


FAZENDO

MEDIA

Intervenção do Coletivo Projetação na escadaria da ALERJ Foto: Coletivo Projetação

ampliada e sátiras, críticas são lançadas e viralizadas constantemente. Para furar o bloqueio já existente na internet, memes são uma das saídas. A censura já faz parte do cotidiano da internet. As redes sociais e páginas são constantemente atacadas. Na China, por exemplo, no dia 4 de junho é lembrado o massacre da Praça Tianamen, heroica resistência do povo local contra a retaliação do governo. Para apagar ou tentar deixar mais distante o orgulho da resistência, a palavra “hoje” ou “4 de junho” são bloqueadas pelas buscas. É ai que Memes entram em ação furando esses bloqueios.

Rua - internet - rua - internet Em São Paulo, um grupo de 26 fotógrafos independentes se uniu para levar a fotografia das ruas para

30Vírus Planetário / fazendo media - novembro 2013

as ruas. O Foto Protesto SP é um grupo aberto em que todos são convidados a participar, desde que tenham fotografado os protestos de junho e estejam de acordo com um manifesto. O intuito é manter a chama da reivindicação popular acesa, fortalecendo a atenção às movimentações políticas com o objetivo de exigir mudanças. Primeiro, os fotógrafos se reúnem e decidem a temática. Cada um apresenta suas imagens e definem em seguida a narrativa final que desejam passar ao público. A escolha do local é feita priorizando o fluxo de pessoas. A aplicação das fotos dura cerca de meia hora. Eles já realizaram duas exposições ao ar livre. Na primeira, 20 fotos fo-

A censura já faz parte do cotidiano da internet”

ram coladas nas paredes externas do cemitério do Araça. Permaneceram no local por 72 horas, tempo necessário para garantir a reflexão do público e o reconhecimento da mídia internacional, já que o material foi publicado no New York Times. Durante a segunda intervenção, na região da Cracolândia, próximo à Estação da Luz, foram reprimidos pela Guarda Civil Metropolitana sob a acusação de falta de documentação, que poderia culminar em crime ambiental. No mesmo local, o Estado permite que pessoas vivam em condições sub-humanas, mas não permite a ocupação cultural de um muro público.


Bula cultural

algumas recomendações médico-artísticas

Indicações O Mordomo da Casa Branca Inspirado em fatos reais, o filme conta a dramática história de um homem negro que vive sua vida servindo desde muito pequeno e vê sua vida mudar ao se tornar mordomo da Casa Branca. Como mordomo, Cecil Gaines não pode se envolver com política, e deve ser cego surdo e mudo. Enquanto o filme se desenvolve sob o contexto da luta pelos direitos civis dos negros americanos, Gaines assiste aos bastidores da Casa Branca..

O Capital

As crises aumentaram consideravelmente o interesse mundial nas obras de Karl Marx. O filme é um exemplo com do questionamento crescente da viabilidade de um sistema ir um único objetivo, o lucro máximo. Seu grande mérito é consegu leve, e da humora em linguag uma atingir um publico amplo com demonstra de forma radical e clara, a loucura do sistema baseado na especulação, vítima de mentiras e lobbies.

Contraindicações Danilo Gentili Sempre procurando uma nova forma de “fazer humor” opressor e agressivo, o machista de carteirinha e humorista amador Danilo Gentilli se superou ao usar como tema de suas “piadas” uma mulher que sustenta praticamente sozinha o banco de leite de sua região. Ofensas absurdas que comparavam a mulher a animais ou a atores de filme pornô não faltaram. Como se dar de mamar pro seu filho e ainda abastecer o banco de leite fosse motivo de piada e não de mais absoluta honraria. Chocada com a situação a moça não conseguiu mais oferecer seu leite, já que seu corpo respondeu aos ataques diminuindo a produção do alimento que salva a vida das crianças. Felizmente dessa vez Gentilli não saiu impune, processado pela dona das divinas tetas, o “humorista” e a sua emissora vão ter que pagar multa enquanto o vídeo tiver no ar.

POSOLOGIA ingerir em caso de marasmo ingerir em caso de repetição cultural ingerir em caso de alienação manter fora do alcance das crianças nocivo, ingerir apenas com acompanhamento médico extremamente nocivo, não ingerir nem com prescrição médica

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Bula cultural

algumas recomendações médico-artísticas

Poesia, rebeldia e arte...

Silêncio por favor...

Por André Café, Sarah Fontenelle e Diego Barbosa Um soluço que ressoa no ambiente. Muitos silêncios e silenciados. E agora, cultura piauiense? Espaços de circulação e produção cultural de juventude: este é o tema que teme não ser lembrado. Uma volta por regiões como o centro de Teresina e já dá pra perceber o cenário do quase vazio incrustado em estacionamentos e pequenas áreas sobreviventes. Se o caminho é mais distante ainda, o quase nada se torna esquecimento mesmo. Apesar da falta das estruturas físicas e simbólicas, não se fala aqui da falta de produção. Ela efervesce. Mas o que fazer quando não há como escoar de uma forma mais fácil? Procuramos saber por alguns olhares. O Educador Social, Cantor de Hip-hop e Reggae da zona sul de Teresina, Xudunga Ragamuffin, fala que não há um interesse do poder público nessa relação de investimento em cultura e comunidades. “Assim como acontece com a educação, a cultura não é algo que 32

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Não-lugares legalizados. As vozes que resistem ao esvaziamento ordenado dos espaços de produção cultural de juventude interesse aos governos do Brasil. A preocupação maior é manter o povo alienado, aceitando tudo e alheio aos desmandos praticados por essa corja”. E continua: “a cultura não é vista como fonte de votos, além do fato que a autoestima gera o desejo de mudança, despertando a consciência crítica. Sendo assim, todos esses fatores tornam o investimento nesta área inviável para os porcos corruptos que dizem nos representar”. A juventude teresinense, em movimento rebelde por uma arte teimosa, demonstra que mesmo que “uns” não queiram, a cultural marginal será forjada. Uma arte que nunca calou, é ela que representa os sentimentos e as angústias provocadas pela ausência de perspectivas culturais que contemplam seus modos de ser. Enquanto conversamos com as artistas Rafaela Fontenele e Alinie Moura no Parque Potycabana, na

zona leste (área nobre) de Teresina, nossos sentidos se voltam a questionar por que estes espaços não são comuns a todos. Mas também serviu de exemplo para as atrizes de rua, do Teatro Sinos, falarem de como a própria cidade não é pensada física e geograficamente para a expansão da criatividade cultural popular. “Nosso teatro é na rua. Nos apaixonamos desde a primeira vez que assistimos um espetáculo de rua, mas apesar desta paixão, é difícil realizar nossas atividades quando chegamos nas ruas e não encontramos o mínimo de aparato, como ponto de luz e outras necessidades estruturais”, pontuam as atrizes. “Aquele espaço ali, por exemplo”, diz Alinie apontando para um local central e no Parque, “poderia muito bem ser um local de apresentação, mas não é possível porque existe


Intervenção do Grupo Sinos de Teatro Foto: Rafaela Fontenele

uma árvore”, afirma. A jovem coloca que não existe um olhar para pensar a arquitetura de modo a privilegiar a produção artística de rua. Desde 2008 quando resolveram extrapolar os muros da universidade e criar o grupo de teatro de rua, é comum ouvirem de pessoas próximas a expectativa de que subam em um luxuoso palco. “As pessoas acham que estar na rua é um estágio, mas não, teatro de rua é para ser assim, a gente não espera subir em palco”. Do mesmo modo, Fleibert Rodrigues de Sousa, produtor cultural da Banda Reação do Gueto, conta que não existe fetiche para estar em espaços como teatro, cinema ou afins se estes padronizam e sufocam a cultura que vêm da periferia. “As vezes a gente pode

Quando o Estado nega cultura e lazer, não nega só isso, mas conden a a própria juventude à morte”

até ter acesso a estes meios, mas do que adianta se não foi feito para a gente? Se a gente não se sentir confortável, nem representado? Aí perguntamos o que é cultura? O que fazemos na periferia também não é cultura?”, desabafa, deixando claro que a questão não é a negação destes espaços, mas uma resistência de padronização de sua produção aos modos de mercantilização da indústria cultural. Permanecer nas ruas tem sido a própria arte de resistência de uma juventude que não se enxerga na indústria do consumo e na constante tentativa de padronização da reprodução social em escala mundial. A cultura de resistência vem marcando o espaço urbano de modo insurgente, mesmo que os donos do poder não queiram (o poder público aliado a uma cultura empresarial mercantilista.) Nos muros da ci-

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Bula cultural

algumas recomendações médico-artísticas

Intervenção do Grupo Sinos de Teatro | Foto: Rafaela Fontenele

dade, através de pichações, se escreve o que não pode ser dito quando o Estado nos cala; nos sinais, os malabaristas tem sinal verde enquanto a indústria cultural mercantilista lhes dão sinal vermelho. Resistem. Não sem empecilhos. O caso do grupo de Teatro de Rua Sinos é exemplar. O espetáculo na Praça da Bandeira, centro de Teresina, foi barrado por fiscais da Superintendência de Desenvolvimento Urbano (SDU). A justificativa é uma Lei Municipal de 2007 que cobra uma taxa de R$ 0,03 por metro quadrado utilizado. “Então, temos que pagar pelo círculo da praça que utilizamos?” perguntou a atriz ao superintendente. “Não”, ele respondeu. “Você terá que pagar também pelo espaço que o público vai utilizar. Então vocês tem que apresentar um projeto trazendo essa projeção”, completou ele surpreendendo ainda mais o grupo. As atrizes reclamam que hoje as praças são deterioradas, são mortas, são sujas “não representam nem locais de passagem”. Além disso, as praças são gradeadas e trancadas depois das 22h, é o caso da Praça da Bandeira. Isso torna ainda mais difícil a ocupação destes locais por parte da população. Para Rafaela, está claro que o Estado sabe muito bem o poder da arte de rua e o que ela questiona. “Não entendíamos bem quando pessoas de outros Estados falavam que eram proibidos de fazer arte na rua, mas agora na própria pele entendemos”. Elas não se furtam do poder desta arte e parecem não abrir mão. “Todo teatro é político, este é o fundamento dele, agora resta saber a que política ele está se prestando”. 34

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A cultura não é algo que interesse aos governos do Brasil “

Para elas a arte é uma arma ideológica e está sendo impedida justamente por isso. “Não acreditamos em uma arte acomodada, na arte pela arte, nem na arte feita para si mesmo”. Para o grupo, a razão de estar nas ruas é essa. “A conjuntura do país (levantes populares) nos mostra ainda mais que a rua não é só lugar de passagem, mas sim de expressão e convivência. É onde nos colocamos enquanto pessoas na cidade. É lugar de expressão de direitos e manifestação”, afirmam atrizes. A prefeitura de Teresina também demonstra retrocesso quando tenta retirar da comunidade da Santa Maria da Codipi o Centro de Produção Cultural, sob a justificativa da construção de um posto do corpo de bombeiros no local. “Nós entendemos que o posto do corpo de bombeiros é uma necessidade do bairro, mas existem diversos locais onde ele poderia


ser construído”, afirma Fleibert. Para os artistas locais essa postura da Prefeitura é uma clara tentativa de inviabilizar a produção artística local que incomoda por ser uma produção que vem despertando a comunidade para questionar e pensar criticamente. “O Estado tem se colocado contra o desenvolvimento dessa arte, chega na comunidade com projetos culturais que acabam sendo esvaziados, pois a comunidade não se identifica com tais projetos”, pontua Fleibert.

A Santa Maria da Codipi é um bairro com mais de 100 mil habitantes onde existe uma efervescência cultural muito forte. “Se hoje você chega na Santa Maria, você encontra vários grupos artísticos produzindo cultura, em busca de seus espaços. Além disso, existe uma produção genuína como o Boi típico Piauiense, a cultura da extração do coco babaçu, muitos terreiros de umbanda que tem também uma produção artística”, avalia Fleibert. Frente a isto tudo, Fleibert fala de modo emocionado que o Estado vira as costas. “Quando o Esta-

do nega cultura e lazer, não nega só isso, mas condena a própria juventude à morte”, diz trazendo à memória os diversos colegas que morrem todos os dias vítimas da militarização da sociedade que se higieniza matando os pobres e empurrando-os para as valas, sarjetas, locais sombrios, desprovidos de humanidade e das condições de produzir-se e reproduzir-se socialmente com dignidade. “A arte tem que servir para transformar tudo isso”, conclui Fleibert. As cortinas permanecem fechadas, para um show de nadas, recorde de bilheteria.

Intervenção do Grupo Sinos de Teatro | Foto: Rafaela Fontenele

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direitos humanos

Aborto em caso de estupro:

um direito da

mulher

Médicos do sus têm que garantir direito ao aborto em caso de violência sexual Por Ticiane Figueiredo e Jéssica Ipólito Segundo a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres da Presidência da República, estimase que a cada 12 segundos uma mulher é estuprada no Brasil. Recentemente a ONU apresentou um estudo cuja autoria é de Emma Fulu, onde aponta que o “estupro é um problema global” agravado principalmente pela desigualdade entre os sexos, o machismo e naturalização da prática deste crime, a qual as feministas denominam de “cultura do estupro”. No Direito Penal pátrio, o estupro encontra-se previsto entre os “Crimes contra a liberdade sexual” e tem o seguinte conceito jurídico: “Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.” Quando falamos que o estupro configura um crime contra a liberdade sexual, pretende-se dizer que não se tutela pura e simplesmente a integridade física da vítima, mas também o seu direito de dispor sexualmente do seu corpo. Isto porque o estupro configura uma séria violação à dignidade da pessoa humana e aos direitos 36

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Manifestante na Marcha das Vadias no Rio de Janeiro no dia 27 de julho Foto: Luiz Baltar


Ilustração: Diego Novaes / diegonovaes.blogspot.com

sexuais e reprodutivos, pois além de toda a violência física, sexual e psicológica que a mulher vítima deste tipo de crime vivencia, dele ainda podem resultar uma gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis (DST), traumas físicos, infecção pelo vírus do HIV, dentre outras consequências. O artigo 234-A do Código Penal prevê um aumento de metade da pena, se o crime contra a dignidade sexual resultar em gravidez. Desta forma, fica claro que o legislador entendeu que a gravidez indesejada no caso de estupro é um fator agravante do crime pelas consequências danosas que gera à vítima. Foi neste mesmo sentido que o próprio código Penal previu, em seu artigo 128, II, licitude do Aborto quando a gravidez é resultado de um estupro: “Art. 128 - Não se pune o Aborto praticado por médico: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o Aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”

A interrupção da gravidez em caso de violência sexual é um direit o da Mulher”

A interrupção da gravidez em caso de violência sexual é um direito da Mulher garantido não só pela Constituição Federal, mas também por Normas e Tratados Internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário. Desta forma, cabe aos profissionais da saúde garantir este atendimento, pois é dever do Estado dar assistência à mulher nestas condições e caso isso não ocorra, estaríamos diante de uma segunda violência contra a mulher, desta vez, institucional. Assim sendo, a mulher que procura os serviços de saúde a fim de realizar o aborto legal, além de ser orientada dos seus direitos, deve ter uma atenção humanizada livre de preconceitos e acima de tudo livre de convicções religiosas. Isto porque, apesar de ser direito da (o) medica (o) alegar a Objeção de Consciência, ou seja, não realizar o aborto legal por questões relacionadas às suas convicções pessoais, é sua obrigação garantir à mulher a realização do abortamento por outra (o) profissional. Caso a(o) médica(o) ou qualquer outro profissional da saúde se negue a atender a mulher em qualquer caso de abortamento, responderá este por negligência, omissão de socorro, dentre outros crimes. Da mesma forma, a(o) médica(o) não terá o direito de alegar a Objeção da Consciência nos seguintes casos: 1) risco de morte para a mulher; 2) em qualquer situação de abortamento juridicamente permitido, na ausência de outra (o) profissional que o faça; 3) quando a mulher puder

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direitos humanos

Você não é obrigada a registrar um boletim de ocorrência para que o aborto seja realizado”

Em outras palavras… Toda mulher que for vítima de sexo não consentido resultante em gravidez, pode pedir a realização do aborto em hospital público. Ninguém além de você mesma, que sofreu um estupro, pode denunciar a violência. Mulher, você não é obrigada a registrar um boletim de ocorrência para que o aborto seja realizado, isso não é obrigatório! Pode ser que profissionais do hospital em que você chegar, se neguem a te atender sem o B.O. Isso já é uma violência porque a lei é bem objetiva quando descreve que não é necessário que haja um registro na Delegacia. Mas fique firme! Seus direitos estão garantidos por Lei! Caso seja necessário, imprima estas leis e leve até a unidade de saúde. Se os profissionais da saúde se negarem, saiba que eles estão cometendo um brutal descaso no atendimento. Você tem o direito garantido por lei, de abortar em condições adequadas sem riscos à sua vida. Faça valer esse direito!

sofrer danos ou agravos à saúde em razão da omissão do profissional; 4) no atendimento de complicações derivadas do abortamento inseguro, por se tratarem de casos de urgência. Deve-se destacar ainda que devido ao sigilo profissional da (o) medica (o) ou de qualquer outra (o) profissional da área da saúde, não cabe a este comunicar a ocorrência do aborto a qualquer autoridade policial, judicial ou Ministério Público a não ser que tenha consentimento da mulher para tanto. Este entendimento se extrai não só do Código de Ética Médico, como do art. 38

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Manifestante na Marcha das Vadias no Rio de Janeiro no dia 27 de julho | Foto: Luiz Baltar

154 do código penal e art. 5º, X da Constituição Federal, onde se prevê a responsabilização criminal civil e ético-profissional da(o) profissional da saúde conforme as Cartilhas “Aspectos Jurídicos do Atendimento às Vítimas de Violência Sexual” (tinyurl.com/atendimento-vitimas) e a Norma Técnica “Atenção Humanizada ao Abortamento” (tinyurl. com/atencao-humanizada), ambas elaboradas pelo Ministério da Saúde e embasadas juridicamente no Código Penal brasileiro. Alguns esclarecimentos sobre o aborto previsto em Lei segundo a Norma Técnica do Ministério da Saúde sobre a “Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes” (tinyurl.com/violencia-sexual ):

1. A mulher não é obrigada a lavrar o Boletim de Ocorrência (B.O). Além do mais, o crime de estupro é uma Ação Penal Pública condicionada à representação da vítima o que significa que depende necessariamente da manifestação da vontade da mulher. 2. Não é preciso de autorização judicial, pois a própria Lei não exige; 3. O Laudo do Exame de Corpo de Delito e Conjunção Carnal do Instituto Médico Legal (IML) não é obrigatório, pois a realização do aborto não se condiciona à apresentação de nenhum documento; 4. A palavra de mulher goza de presunção de veracidade; 5. Segundo a previsão expressa do Código Penal, não se exige nenhum documento para a prática do aborto legal, com exceção do consentimento da mulher que foi vítima do crime.


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Educação Estadual

anos

na luta!

Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro

Educação municipal do Rio de Janeiro realiza uma das maiores greves da sua história A greve da rede municipal do Rio de Janeiro em 2013 foi uma greve histórica. Sobretudo pela qualidade da sua luta, pelo envolvimento, pela paixão e pela disposição de todos os profissionais da educação e também pelo apoio da comunidade escolar e de amplos setores da sociedade carioca.

Assembleia das escolas municipais, realizada na Tijuca, no Clube Municipa l, dia 15 de outubro, Dia do Professor – nessa assembleia, a categoria decidiu pela continuação da greve e depois participou de uma passeata, no Centro do Rio, em defesa da educação pública

Esta greve é histórica porque colocou na agenda da sociedade carioca, e podemos afirmar com mais ousadia: na agenda política do país, o debate sobre a educação pública e de qualidade e sobre a valorização do profissional da educação. Assim, a população percebeu que a greve ia além da pauta salarial. Ela discutia o não investimento devido das verbas existentes na educação. Ela debatia, principalmente, o tipo de educação que estava sendo oferecido aos filhos das classes populares e trabalhadoras da cidade por esta prefeitura.

Categoria sempre se mostrou aberta para o diálogo A greve protagonizou uma verdadeira onda de lutas neste segundo semestre com passeatas grandiosas e atos que aconteciam praticamente todos os dias pelos bairros. Quando foi necessário, a categoria ousou. E radicalizou. Ocupou a câmara dos vereadores. Não teve medo da repressão, e enfrentou o horrendo espetáculo de arbitrariedade e de ilegalidade promovido pelos governos estadual e municipal através da polícia militar. Desta forma, a greve colocou em xeque a gestão do prefeito Eduardo Paes e da secretária Claudia Costin na Educação, desmascarando as campanhas publicitárias, nas quais a educação no Rio era um paraíso de eficiência e de qualidade. Também conseguimos mostrar os males que a política da meritocracia causa na educação municipal.

Mesmo assim, a greve realizada pelos professores e funcionários do município do Rio buscou a negociação com a prefeitura em todos os momentos; a greve também utilizou, sempre que foi necessário, o sistema judicial para a defesa dos profissionais dos ataques do Executivo. Inclusive, o nosso movimento foi tão importante e massivo que, pela primeira vez, uma greve do serviço público municipal foi discutida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – discussão esta que ocorreu, temos que lembrar, a partir da iniciativa do Sepe. No dia 25 de outubro de 2013, a greve foi suspensa. E retomamos o Estado de Greve para apontar, de forma inequívoca, que a luta agora continua.

www.seperj.org.br


36 anos

Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro

Greve na rede estadual barrou o projeto da Certificação

Educação Estadual

na luta!

A greve da rede estadual durante os meses de agosto, setembro e outubro mobilizou os profissionais de educação em diversas assembleias, atos e passeatas, que conquistaram o apoio da população na defesa da escola pública e na valorização do profissional. Muitas das manifestações foram reprimidas pela violência desproporcional do aparato policial do governo Cabral que, na incapacidade do diálogo, optou pela linguagem das bombas de efeito moral e do gás lacrimogêneo. Se conseguiram blindar o Palácio Guanabara com grades, tapumes e a tropa de choque, também conseguiram fortalecer a categoria, que encontrou na sociedade a parceira ideal na luta pela conquista de suas reivindicações. A greve conseguiu barrar a aplicação do projeto da Certificação, principal ponto do Plano de Metas da Secretaria de Educação (Seeduc), e obrigou o governo a negociar, inclusive com a pressão do STF. Isso porque o governo, ao invés de negociar com o sindicato, preferiu ir ao Tribunal de Justiça do Rio, onde conseguiu a permissão para o corte de ponto dos servidores. Para evitar o corte do ponto da categoria e a cobrança de uma multa diária e milionária contra o Sepe, o sindicato entrou com uma Reclamação no STF. Com isso, o ministro Luiz Fux aceitou nosso pedido de liminar e suspendeu os efeitos da decisão do TJ/RJ. Em seguida, Fux convocou uma audiência, em Brasília, entre o Sepe, governo estadual e também a prefeitura. Na audiência, o governo e a prefeitura se comprometeram a abonar os dias de greve e reabrir as negociações. No dia 24 de outubro, os profissionais da rede estadual votaram pela suspensão da greve, em assembleia no Clube Municipal. Mas a mobilização da categoria continua – dia 30 de novembro ocorrerá uma assembleia unificada com a rede municipal.


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