Edição 15 Vírus Planetário completa

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10 anos de cotas raciais -

Um balanço da UERJ, primeira a adotar o sistema

Vírus Porque neutro nem sabonete, nem a Suíça

Planetário

Economia verde? A farsa da Rio+20 contestada pela Cúpula dos povos

Entrevista INclusiva com

Victória Grabois A presidente do Tortura Nunca Mais analisa a Comissão da Verdade

Marcelo Freixo nº15

EDIÇÃO DIGITAL

Inauguramos o especial de entrevistas sobre eleições com o candidato do PSOL, que propõe outro Rio de Janeiro

Edição Digital R$ 2 edição nº 15 junho


Enquanto isso, na sala de injustiça, o

ministro de minas e energia, edison lobão já está anunciando que o próximo leilão do petróleo brasileiro está próximo de acontecer...

Aê to Gale bl oc do m era, os und te te de o! S m pr a rr pet ão ae 1 r no óle 74 ma o, n r! a

e o ss o e sileir m o C bra a... o ux pové tro

...os empresários brasileiros e estrangeiros já começam a juntar a merreca pra comprar mais poços e ganhar muito mais dinheiro

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vuuummm

Ma õõÊE ! Quem Quer pe tróleo? Entretanto, algo não esperado por lobão e seus comparsas ainda pode acontecer: O povo brasileiro tem que se mobilizar e Exigir:

“o petróleo tem que

ser nosso!”

Olha o desespero do lobão quando notar que seus planos diabólicos irão por água abaixo...

E aí??? Quer que essa história tenha um final feliz? Então, participe da campanha Em defesa do projeto dos movimentos sociais para o petróleo, com monopólio estatal, Petrobrás 100% pública e investimento em energias limpas.

NOVIDADE! Acompanhe a campanha e outras notícias pela TV Petroleira em www.tvpetroleira.tv

Notícias da campanha: www.apn.org.br Participe do abaixo-assinado: www.sindipetro.org.br

organização:


traรงo livre

Por Carlos D Medeiros | Veja mais em: facebook.com/Fucalivro


io e r r ral o C Vi

Maite Santamarta: Já peguei minha Vírus deste mês, a capa é ótima.

>Envie colaborações (textos, desenhos, fotos), críticas, dúvidas, sugestões, opiniões gerais e sobre nossas reportagens para contato@virusplanetario.net

Queremos sua participação!

Luciana Souza (comentário sobre a matéria sobre o show do Teatro Mágico com participação de MCs Junior e Leonardo em nosso site): O Teatro Mágico é demais!! Vi pessoas reclamando, dizendo que estavam decepcionadas de ter visto funk sendo cantado lá! Admiro músicas que tenham letras, e o funk deles tem isso sim! Também nao gosto de funk, no meu mp3 ou celular não tem esse ritmo tocando, mas respeito e até danço sem problemas :) Carolina Akool: Procurei a Vírus da Eduff da Reitoria, mas não encontrei. Por acaso lá ainda é ponto de venda ou há outro mais garantido de encontrar? Obrigada! NOSSA RESPOSTA: Olá Carolina, infelizmente, tivemos um problema na distribuição da edição 14. A livraria da EdUFF continua sendo ponto de venda, mas a edição 14, exclusivamente não foi posta à venda lá. As próximas edições contarão com um melhor esquema de distribuição, inclusive chegando a bancas de todo o Brasil. Muito obrigado a todos pela compreensão e apoio a essa mídia alternativa que, como um Vírus, começa a infectar pontos de venda em todo o Brasil

Afinal, o que é a Vírus Planetário? Muitos não entendem o que é a Vírus Planetário, principalmente o nome. Então, fazemos essa explicação maçante, mas necessária para os virgens de Vírus Planetário: Jornalismo pela diferença, não pela desigualdade. Esse é nosso lema. Em nosso primeiro editorial, anunciamos nosso estilo; usar primeira pessoa do singular, assumir nossa parcialidade, afinal “Neutro nem sabonete, nem a Suíça.” Somos, sim, parciais, com orgulho de darmos visibilidade a pessoas excluídas, de batalharmos contra as mais diversas formas de opressão. Rimos de nossa própria desgraça e sempre que possível gozamos com a cara de alguns algozes do povo. O bom humor é

necessário para enfrentarmos com alegria as mais árduas batalhas do cotidiano. O homem é o vírus do homem e do planeta. Daí, vem o nome da revista, que faz a provocação de que mesmo a humanidade destruindo a Terra e sua própria espécie, acreditamos que com mobilização social, uma sociedade em que haja felicidade para todos e todas é possível. Recentemente, inauguramos um Conselho Editorial (nomes ao lado) com integrantes de movimentos sociais e intelectuais que referendam e apoiam a revista. Em breve, ampliaremos os participantes do Conselho.

Expediente: Rio de Janeiro: Aline Rochedo, Artur Romeu, Caio Amorim, Felipe Salek, Fernanda Freire, Ingrid Simpson, José Roberto Medeiros, Júlia Bertolini, Maria Luiza Baldez, Mariana Gomes, Renata Melo, Rodrigo Teixeira e Seiji Nomura | Campo Grande (MS): Marina Duarte, Rafael de Abreu, Tainá Jara, Daniel Lacraia, Jones Mário e Fernanda Palheta | Brasília:

Thiago Vilela, Alina Freitas, Ana Malaco, Luana Luizy, Elis Tanajura, Tais Koshino Diagramação e projeto gráfico: Caio Amorim e Mariana Gomes Ilustrações: Rio de Janeiro: Carlos Latuff; Revisão: Bruna Barlach Colaborações: Luka Franca

Conselho Editorial: Adriana Facina, Ana Enne, André Guimarães, Carlos Latuff, Dênis de Moraes, Eduardo Sá, Gizele Martins, Gustavo Barreto, João Tancredo, Larissa Dahmer, MC Leonardo, Marcelo Yuka, Marcos Alvito, Michael Löwy, Miguel Baldez, Orlando Zaccone, Oswaldo Munteal, Paulo Passarinho, Tarcisio Carvalho, e Virginia Fontes

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Anuncie na Vírus: marketing@virusplanetario.net #Impressão: #Tiragem: 2 mil exemplares

Comunicação e Editora A Revista Vírus Planetário - ISSN 2236-7969 é uma publicação da Malungo Comunicação e Editora com sede no Rio de Janeiro


Editorial A farsa da economia verde A Rio+20 chegou e com ela vêm a farsa de uma economia pintada de verde, chefes de estado treinando discursos sobre como explorar cada vez mais a natureza e as pessoas, sem acabar com tudo de uma vez. E vão acabando com tudo aos poucos. Com a dignidade humana, com os recursos naturais e vão, aos poucos, meio teatralmente, destruindo a esperança de pessoas que acreditam que é possível pensar (e viver) em harmonia com o ambiente. Enquanto Cachoeiras transbordam em Brasília, afogando antigos paladinos da ética na política, Dilma vai tentando articular alguma coisa. “Ao menos uma cartinha tem que sair dessa Rio +20”, deve pensar a presidenta no seu íntimo. Enquanto alguns tentam salvar Deltas e Cabrais da fúria da Cachoeira, a Vírus Planetário traz à tona a Marcha das Vadias (sim, vadias!), que, contra tudo e contra todos, tentam vencer o machismo de cada dia. Quase todas as universidades federais lutam em greve enquanto os principais telejornais brasileiros preferem exibir o dia a dia das celebridades. Melhor isso que a criminalização? O melhor mesmo seria o controle social da mídia. E falando em universidades, abordamos os 10 anos da política de cotas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Desmitificamos tabus preconceituosos que relacionavam as cotas ao baixo rendimento de estudantes e à queda da qualidade do ensino. E a saúde mental do trabalhador vai mal. Enquanto muitos se preocupam com séries de TV que mostram o problema da obesidade, das alergias e o perigo do diabetes, as doenças que mais crescem estão relacionadas diretamente ao stress e à pressão no trabalho. Síndrome do pânico, depressão e transtornos de humor não são menos importantes que as doenças físicas, é o que pretendemos mostrar. Formada a Comissão da Verdade buscamos alguém que entenda a tortura e a violência como algo a ser combatido diariamente. Conversamos com Victória Grabois, comunista de nascença e atual presidente do Grupo Tortura Nunca Mais. Dilma ignora os fatos e seus aliados só pensam nas eleições municipais. No Rio de Janeiro, entrevistamos o candidato à prefeitura, Marcelo Freixo, que conta com apoio de artistas e movimentos sociais. Freixo foi o primeiro da série “Eleições 2012” que trará entrevistas com candidatos de várias cidades brasileiras.

Um outro mundo é possível! E é no clima de Cúpula dos Povos, diversidade cultural e soberania dos povos que trazemos a reflexão sobre o meio ambiente. Queremos a natureza para garantir o altíssimo nível de consumo supérfluo da atual e das próximas gerações? Ou vamos optar pelo desenvolvimento socialmente referenciado? A perspectiva dos movimentos sociais mostra a viabilidade de se construir um mundo mais humano e responsável. Sem esquecer que, num horizonte – próximo ou não – o que vemos é a mudança real do mundo, e nele o homem não será mais explorado pela sua espécie. E nem a natureza será explorada pelo homem sem fins reais de sobrevivência. Essa edição também marca a volta do varal artístico, um pouco de beleza e poesia para humanizarmo-nos em meio ao caos do mundo. Deseja expor no varal? Envie seu trabalho para contato@ virusplanetario.net

Sumário 6

Sociedade_Violência nas Universidades Federais

8 Bula Cultural_O negro rock 10 Bula Cultural 12 Feminismo_Somos todas vadias 14 CAPA: Meio ambiente_Repensar a natureza é nos repensar

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Ana Enne_O que podemos aprender e ensinar com a greve das universidades

20 Eleições 2012_Entrevista_Marcelo Freixo 24 Direitos Humanos_Quebrando o tabu das cotas racias

26 Saúde_Nos deram espelhos e vimos um mundo doente

30 Entrevista Inclusiva_Victória Grabois 33 Passatempos virais_Palavras cruzadas 34 Varal Artístico


sociedade

Trote humilhante de agronomia da UnB em 2011 Foto: Luiz Filipe Barcelos / UnB Agência

Violência nas

Universidades Federais Por Thiago Vilela e Alina Freitas No dia 26 de abril de 2007, uma estudante estava andando à noite na trilha que fica atrás do Restaurante da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A moça tentou lutar, mas nada pode fazer contra 3 rapazes. Foi encontrada por um vigia em estado de choque, deitada numa vala, com um braço quebrado. No prazo de um ano, foram registrados 4 casos de estupro só na UFSC. O trote na Universidade Federal de Ouro Preto tem características peculiares. Lá, a reitoria possui um patrimônio de 53 imóveis, cedidos aos estudantes sem nenhuma regulamentação. Os trotes acontecem no interior destas república, ao longo de um período médio que varia entre 4 a 8 meses, chamado de “batalha”. 6

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Trotes humilhantes, estupros e violência machista estão presentes nas instituições de ensino superior

O que deveria ser uma política de assistência estudantil se transformou num ritual degradante, no qual homossexuais são discriminados e não conseguem moradia; calouros tem seus objetos pessoais revirados pelos veteranos; são obrigados a correr nus pelas ruas da cidade, entre outras humilhações, de acordo com a República.

Segurança Para Davi Brito, vice-coordenador do Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília, a situação é complicada, porque a equipe de segurança da universidade não tem como prioridade a proteção aos estudantes. “A segurança da UnB possui o dever de garantir a seguran-

ça patrimonial. É claro que, até por uma questão de bom senso, eles vão tentar impedir algum dano a patrimônio privado, mas o seu poder é limitado e a sua preocupação é outra”, explica. O DCE realizou uma Audiência Pública no ano passado, onde ficou definida a proposta de criação de um Batalhão Universitário, a exemplo dos já existentes Batalhões Escolar e Agrário. A proposta já foi levada à Reitoria, mas essa iniciativa só pode ser tomada pelo Congresso Nacional ou pela Presidente da República.

Violência A proposta do Batalhão Universitário, entretanto, não contempla as duas dimensões do problema. Para


Luth Laporta, estudante de Serviço Social e membro do coletivo Cia Triângulo Rosa, o problema está na impunidade do tratamento de crimes como homofobia e machismo. “O que mais se vê é a banalização de opressões de gênero e por orientação sexual. Há impunidade hoje em dia, porque a homofobia não é criminalizada e o machismo ainda não é realmente combatido pelo Estado”, explica. Muitas das mulheres vítimas de um estupro sentem-se culpadas pelo simples fato de ter andado à noite ou de ter usado uma roupa mais curta, como se a vítima tivesse tanta culpa quanto o estuprador. Segundo pesquisa realizada pelo IPEA em 2012, 79% dos brasileiros têm muito medo de serem assassinados; 18,8% pouco medo e só 10,2% da população manifestou

O que mais se vê é a banalização de opressões de gênero e por orientação sexual”

não ter nenhum medo. Em outras palavras: só um em cada dez cidadãos não tem medo de ser assassinado. Precisamos pautar cada vez mais a questão da violência em nossos espaços, garantir audiências públicas e cobrar soluções. Se não conseguirmos resolver este problema nem mesmo dentro de nossas universidades, o horizonte não será dos melhores. No dia 19 de maio de 2011 uma estudante de 19 anos aluna de enfermagem da Universidade Federal do Acre (UFAC) foi rendida por dois homens armados que a obrigaram a entrar num carro. Além do estupro, a aluna foi vítima de espancamento. E recentemente em abril de 2012 na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) a estudante participava da “Calourarte”, promovida por alunos do Instituto de Artes e Design, foi vítima de estupro durante uma festa, diante essa violência brusca abandonou o curso e voltou para casa dos pais no interior de São Paulo. Ilustração: Carlos Latuff

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algumas recomendações médico-artísticas

À esquerda, Chuck Berry, à direita, abaixo, Little Richard Ilustrações: Thierry Antoine

Bula cultural

O Negro Rock

Nossa música não tem fronteiras

Por Aline Rochedo Mesclando gêneros musicais de origem negra como o blues, na fusão entre uma vertente urbana, o “rhythm and blues”, e uma vertente rural “country and western”, o rock despontou no sul dos Estados Unidos pós Segunda Guerra Mundial. Tratava-se de um gênero que refletia e falava à juventude num período marcado pela destruição das guerras, dos preconceitos, num mundo que sinalizava a emergência de uma nova forma de vida. O rock foi adotado por uma geração que começava a questionar alguns dogmas da cultura dominante. A música que os pais não gostavam era a preferida dos filhos e houve uma divisão, uma fenda entre gerações. Assim, a resistência ao gênero era evidente: seja por sua 8

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origem, seja porque transmitia uma tendência rebelde e liberal entendida pelas autoridades como uma heresia e provocação. A música negra que os brancos escutavam só poderia ser vista “como uma forma de fazer os homens brancos e seus filhos descerem ao nível dos pretos”, assim declarou o secretário do Alabama, White Citizen Council, em rede televisiva na década de 1950. No período, a maioria dos pais de famílias brancas estadunidenses temia que seus filhos fossem influenciados pala música negra. Além disso, a imprensa e a mídia atacavam o rock e este foi banido em partes do país. Havia um sentimento de repulsa ao rock, pelo qual as instituições públicas, a igreja, a polícia e as prefeituras relutavam muito em permitir que a juventude o ouvisse.

Meu sangue tem a mesma cor do teu? No ano em que Billy Haley & His Comets gravaram “Rock Around the Clock” (1954), o juiz da Suprema Corte Earl Warren, emitiu a decisão de que tornava ilegal a segregação racial nas escolas. Muitos estados se pronunciaram contra a medida e o governo precisou enviar tropas a fim de garantir a ida das crianças negras à escola. Em 1955, outro episódio acentua o descrédito de uma parcela da nova geração americana em relação aos adultos: na cidade de Montgomery, Alabama, a senhora Rosa Parks, recusou-se a ceder seu lugar para um branco na parte do ônibus reservada aos negros. Ao lutar até o fim pelo direito de uma mulher negra se manter sentada em um


“ ônibus de uma pequena cidade no Alabama, sem precisar entregar seu lugar a um passageiro branco, o até então desconhecido Martin Luther King desafiou o estado e conseguiu uma vitória impensável em um país ainda rachado pela segregação. Foi o primeiro passo de uma histórica jornada pela liberdade, que fez de King o grande líder da comunidade negra e um ícone da batalha ideológica pelos direitos civis. Sobre esta questão no despontamento do rock, Chuck Berry, relembra: “Minha música quebrou as barreiras. Eu tocava nos lugares e tinha a plateia branca e os brancos ficavam sentados lá em cima. Os negros embaixo porque minha banda era de negros. E os brancos pulavam dos camarotes e desciam até nós. A plateia começava a se misturar porque a música não tem fronteiras raciais”. Desta forma, o processo de consolidação do rock se engajou ao movimento pelos direitos humanos e civis dos negros.

Arte apropriada não pode ser válida Embora grandes nomes da revolução musical do final dos anos 1950 fossem negros como Little Richard e Chuck Berry, o artista consagrado como Rei do Rock, foi Elvis Presley. Sua importância é percebida na ruptura que promoveu no sistema segregador, no qual os brancos não reconheciam a música negra, assim como a recusavam da sociedade. Presley, integrado à música e aos artistas negros, colaborou para aglutinar dois estilos distintos, duas

O rock se engajou no movimento pelos direitos humanos e civis dos negros.”

culturas afastadas pelo preconceito: fez com que os brancos começassem a cantar rock. Trata-se de uma questão polêmica, que ainda encontra opiniões divergentes. Infelizmente, durante praticamente os anos de 1953-1955, essa pratica de apropriação teve o efeito também de obscurecer as versões negras originais. Houve uma espécie de enfraquecimento, como se o gênero perdesse a popularidade e a força visto à pressão em recusálo, principalmente por não aceitarem a integração racial. A insistência da sociedade em recusar o rock fez com que, após a explosão, que perdurou cerca de dois ou três anos, o gênero aparentasse estar enfraquecido. Tom Petty, músico de rock estadunidense recorda alguns comentários do período: -Chuck? Na Prisão. -Buddy? Sumiu. Um “probleminha” na fronteira. -Elvis Presley? Vamos colocá-lo no exército para acalmar esse rapaz. Não há espaço nesta cidade para suas apresentações vulgares. -Jerry Lee? Noiva menor de idade... Enfim, rock era “negro” demais!

Identidade é ritmo Seguindo o caminho das gravadoras independentes, estações pequenas de áreas urbanas com grande concentração de população negra começaram a transmitir programas de rock. Os jovens brancos também ouviam tais programas e começaram a procurar pelos discos destes artistas. Alan Freed, foi o mais conhecido dos Djs brancos a propagar o gênero. Rock é som, vibração e liberdade, igualdade e ritmo. E se não há reação, não há rock. Seus idealizadores não receberam o conhecimento merecido. Mas ainda assim, as letras de Chuck Berry, a forma como Elvis dançava os gritos de Little Richard provocaram uma mudança que se estende a várias gerações. Imprimindo a mais genuína essência do ritmo, o Negro. Vírus Planetário - ABRIL 2012

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Bula cultural

algumas recomendações médico-artísticas

Indicações Contraindicações

Série documental - “Música da Resistência” O hip hop ultrapassa os limites do gueto A Música da Resistência é uma série documental de seis partes que conta as histórias de músicos que repressão lutam e cantar sobre injustiças. Elas são únicas personalidades musicais de algumas das áreas mais problemátide cas do mundo - o que os torna diferentes é a sua necessidade da comunicar suas políticas através da música. São personagens Nigéria, Moçambique, nas favelas do Brasil, Cabo Verde, o deserto do Saara Sul e do centro da cidade de Londres. Enquadrada no seu contexto histórico e as circunstâncias políens ticas atuais, The Music of Resistance vai ilustrar suas mensag copor meio de performances ao vivo, entrevistas e imagens das a Chandr Steve tador Apresen . inspirar e sobre munidades cantam em Savale é a força por trás musical Asian Dub Foundation - um Londres grupo base que há anos trouxe uma mensagem anti-racismo forte para uma audiência internacional.

Rio+20 Economia verde, sustentabilid ade, ecoempresas, capitalismo ecorresp onsável... São muitos os nomes dados para a mesma mentira. Uma economia pintada de verde, chefes de estado treinando disc ursos sobre como explorar cada vez mais a natureza e as pessoas, sem acabar com tudo de uma vez. E vão acabando com tudo aos poucos. Com a dignidade humana, com os recursos naturais e vão, aos poucos, mei o teatralmente, destruindo a esperanç a de pessoas que acreditam que é possível pensar (e viver) em harmonia com o amb iente. Os índios, os quilombolas, os pescado res, quem pode ter mais afinidade com o tema do que esses que vivem diariamente retir ando seu sustento sem depredar o patr imônio da humanidade? Chefes de estado? Basta ver exemplos anteriores.

Livro “Desafia nosso peito” - Adail Ivan de Lemos - Editora Consequência Em tempos de comissão da Verdade, não haveria momento mais oportuno para ser lançado um livro que traz diversas denúncias de casos de tortura praticada pela ditadura civil-militar. Um livro sem disfarces, que traz o que há de pior de todos os lados da luta política. Uma denúncia que vale a pena conferir. Conta com prefácios de Modesto da Silveira, advogado que defendeu inúmeros presos políticos. Fique ligado! Sortearemos este livro nas próximas semanas. Para concorrer, curta nossa página: facebook.com/virusplanetario

POSOLOGIA ingerir em caso de marasmo ingerir em caso de repetição cultural ingerir em caso de alienação

manter fora do alcance das crianças nocivo, ingerir apenas com acompanhamento médico extremamente nocivo, não ingerir nem com prescrição médica

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Caxias se

(re)conhece Por Aline Rochedo O projeto Caxias se(reconhece) idealizado por Luana Dias e Pedro Paulo Rosa busca para o município de Duque de Caxias (na baixada fluminense), em benefício dos seus moradores, uma real inserção no roteiro cultural do Rio de Janeiro, de modo a levar acesso a conteúdos diversificados para a população caxiense e das regiões adjacentes. A primeira atividade ocorreu no dia 25 de maio no Teatro Municipal Raul Cortez. Os cantores e amigos Micheline Cardoso e Milton Guedes abriram a temporada de intervenções em Caxias. O intuito do projeto é construir junto com os moradores, alunos e professores, uma comissão artística popular para eleger os artistas de Caxias que queiram mostrar sua arte (seja ela musical ou não) nos próximos eventos do Caxias se (re) conhece. Após o primeiro evento, Pedro Paulo Rosa se emociona: “Fiquei imensamente feliz e grato por ver a plateia recheada de alunos do Estado do Rio e de colégios municipais”. O próximo evento, que está agendado para o final do mês, contemplará o cinema nacional. Mais informações na página do projeto: www.facebook.com/Caxiassereconhece

Fotos: Divulgação

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feminismo

Feministas brasileiras vão às ruas e tem pautas de luta e reivindicação

Por Luka Franca Desde 2011 o mundo vê viu surgir, talvez, uma nova onda do feminismo mundial. Mulheres ao redor do planeta se levantando contra a violência sexual e contra o machismo. A marcha das vadias teve início em abril de 2011 em Toronto, no Canadá, após o policial canadense, Michael Sanguinetti, declarar em uma palestra sobre segurança na Osgoode Hall Law School que as mulheres não deveriam se vestir como “vagabundas” (sluts, e inglês) e assim evitariam ser vítimas de violência sexual. De lá para cá ocorreram as primeiras SlutWalks, a manifestação acontece para além do Canadá, no Marrocos, Israel, Inglaterra, Brasil e vários outros países do mundo. Todas reivindicando a mesma questão: o fim da violência sexual contra as mulheres.

No Brasil a cada 15 minutos 2 mulheres são mortas 12

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por conta de violência machista, a violência obstétrica é uma das maiores do mundo e as complicações devido o aborto ilegal e inseguro são a 4ª causa de morte materna no país. Motivos para ir às ruas as mulheres brasileiras tem de sobra, e na Marcha das Vadias diversas destas pautas se encontram, sejam as reivindicações sobre liberação sexual, sobre o direito de amamentar em público sem ser alvo de preconceito pela sociedade, a legalização do aborto e o real combate a violência sexual em nosso país.

No Brasil a cada 15 minutos 2 mulheres são mortas por conta de violência machista”

O dia 26 de maio marcou o calendário feminista do país. A Marcha das Vadias aconteceu em quase todas as principais cidades brasileiras. Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, Belém, São Paulo, São Carlos, Porto Alegre, Florianópolis, São José dos Campos e tantas outras cidades receberam por suas ruas milhares de vadias reivindicando direito ao seu corpo, respeito às vítimas de violência sexual e pelo fim do machismo em nossa sociedade.

Repercussão dentro e fora das redes sociais A repercussão da manifestação pode ser vista durante o período de divulgação dos atos, quando algumas pessoas já indagavam, como nas outras edições da marcha, o motivo do nome, questionando o fato

Marcha das Vadias no Rio de Janeiro | Foto: Thercles Silva

“Somos todas vadias”


A repórter, autora desta matéria, Luka Franca, sofreu censura do Facebook por publicar uma foto com os seios a mostra na Marcha das Vadias. Luka teve sua conta bloqueada temporiaramente e foi hostilizada severamente por machistas na rede social. A foto abaixo foi para a divulgação da matéria no blog Jezebel que relatava a censura. Para ler a matéria, acesse o link: www.abre.ai/jezebel

O preconceito foi justamente por conta da marginalização crescente que há quando o assunto é prostituição.”

das mulheres que ali estariam não se davam ao respeito. Já no dia das manifestações Brasil afora, as intervenções realizadas em várias marchas também deram o que falar: mulheres sem camisa mostrando os seios, crianças brincando em meio a marcha, cartazes reivindicando a legalização do aborto.

mas com este nome vocês não ganham o respeito de ninguém”.

A resposta a esta manifestação veio a galope. Já no domingo e na segunda pós-marcha algumas manifestantes da marcha das vadias de São Paulo e do Rio de Janeiro tiveram suas contas suspensas por postarem imagens de mulheres sem camisa em seus álbuns de fotos. O perfil da marcha das vadias de Belo Horizonte também foi suspenso durante um dia e uma das administradoras da fanpage “O machismo nosso de cada dia”, também.

Entre as principais questões pautadas pela marcha das vadias é justamente o fato de que as profissionais do sexo merecem sim respeito, pois não é pelo fato de serem trabalhadoras do sexo que estas mulheres estão disponíveis 24hrs aos desejos masculinos e aos maus-tratos. O preconceito que em duas edições das marchas das vadias se expressou foi justamente por conta da marginalização crescente que há quando o assunto é prostituição.

As críticas às participantes das marchas e a própria manifestação se limitavam a: “Só tinha mulher feia na marcha” ou “Vocês não se dão ao respeito, não?”. Em nenhum momento questionando o motivo daquelas mulheres terem ido às ruas brasileiras e, quando descobriam, a única coisa que tinham a dizer era: “Ah,

“Vocês acham que com esse nome vão conseguir alguma coisa?”

A alcunha de assassinas também foi usada para as mulheres da Marcha das Vadias por pautarem a necessidade da legalização do aborto e pela retirada da MP 557. Normalmente os opositores da manifestação reafirmavam a necessidade de uma organização social e familiar tradicional, heteronormativa e patriarcal. Vírus Planetário - ABRIL 2012

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meio ambiente

Repensar a natureza é nos repensar

Rio+20 diz repensar o ‘meio ambiente’ e Cúpula dos Povos traz à tona um novo olhar sobre a sociedade e a ecologia para além das propostas governamentais Ilustração: Ben Heine

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Entrada da Cúpula dos povos no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / ABr

Por Seiji Nomura Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, um fórum foi organizado por movimentos sociais e pela sociedade civil para propor alternativas ao debate oficial: a Cúpula dos Povos. Nesse contexto, faz-se necessário repensarmos o momento em que estamos vivendo, diante de uma crise ambiental, cultural e econômica. Entre ursos polares caindo em buracos no gelo derretido e a estátua da liberdade arrastada por ondas gigantes, o cinema procurou comover a consciência ambiental dos espectadores. A partir de imagens da morte de espécies de animais e plantas, a comoção torna-se inevitável. Com as supostas ‘reações’ desmedidas de mares, tornados e terremotos, além de vulcões destruindo cidades inteiras, Hollywood trouxe o ar de filme de terror. Mesmo produções como “Uma verdade inconveniente” propuseram novas formas de enxergar a situação do planeta. Parece que a crise ambiental é colocada como uma grande causa que a humanidade deve abraçar para salvar o mundo.

Karl Marx já observava um “metabolismo” do sistema capitalista que exigia mais da natureza do que ela poderia regenerar.”

Recursos finitos Preocupações quanto à possibilidade da relação ser humano - natureza se tornar destruidora do meio ambiente, porém, são mais antigas do que parecem. Desde o século XVIII se pensa sobre essa questão. Em 1864, o diplomata americano George Perkins Marsh publica “Homem e natureza ou geografia física como modificação pela ação humana”. Nele, procurou identificar as consequências da ação humana em um “desequilíbrio ambiental” e propõe soluções para “restauração da harmonia distribuída e do melhoramento material do lixo e de regiões exauridas”. Karl Marx, já observava um “metabolismo” - na expressão do autor alemão - do sistema capitalista, que demandava mais da natureza do que esta poderia regenerar. Para

ele, o imaginário fundador da nossa forma de produção e consumo pensava a natureza como um recurso praticamente ilimitado. Principalmente no decorrer dos anos 60, ficaram famosas outras propostas de se relacionar com a natureza, quase sempre associadas a alternativas de sociedade, como a dos Hippies, de povos Quilombolas e de indígenas. O conhecimento geral sobre essas práticas se mantém superficial e parecem nascer da nossa dificuldade em entender outras maneiras de lidar com as categorias “sociedade” e “natureza”. Há ainda o preconceito que coloca outros povos sendo “primitivos”, como se eles também não desenvolvessem tecnologias e maneiras culturais próprias. Antropólogos como Eduardo Viveiros de Castro têm contribuído para Vírus Planetário - ABRIL 2012

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Primeiros dias da Cúpula dos Povos registram diversos debates sobre outra perspectiva de preservação ambiental e reorganização social. Além da questão ambiental, a Cúpula vem trazendo à tona questões humanistas e humanitárias, como mostra a foto ao centro. À direita, o Greenpeace expõe o fogão solar, que esquenta comida como um fogão comum apenas com o calor do sol potencializado| Fotos: Aline Rochedo

nos aproximarmos de outras concepções que ajudam a superar, por exemplo, o problema de “se colocar o valor da vida não humana somente em valores culturais para os humanos”.

Nossa ideia é apontar para as falsas soluções do mercado, debater atitudes concretas como a Agroecologia, a Permacultura e a Economia solidária”

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Diante deste panorama, os debates realizados pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pelos governos centrais se mostram insuficientes. Dentro da própria ONU, a visão acerca do tema já foi muito diferente, passando pelo debate da escassez de recursos naturais e dos limites para o crescimento por volta dos anos 70. Nos anos 80, principalmente com a publicação do documento “Nosso Futuro Comum”, a ONU apontava a existência de uma crise cultural. A perspectiva atualmente predominante na organização é a de uma articulação da economia verde com a ideia de sustentabilidade. No documento “Rumo a uma economia verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a Erradicação da Pobreza”, o grande problema das últimas décadas é apontado como “um uso inadequado do capital”: “Durante as duas últimas décadas, muito dinheiro foi empregado em pobreza, combustíveis fósseis e bens financeiros estruturados com derivativos incorporados, mas, em comparação, relativamente pouco foi investido em energias renováveis, eficiência energética, proteção dos ecossistemas e biodiversidade, transporte público, agricultura sustentável e a conservação da terra e das águas. De fato, a maioria das estratégias de crescimento e desenvolvimento econômico incentivou um rápido acúmulo de capital físico, financeiro e humano, mas à custa

do esgotamento excessivo e degradação do capital natural, que inclui nossas reservas de recursos naturais e ecossistemas”. Esse trecho do documento deixa entrever a perspectiva que têm guiado as conferências da Organização, incluindo a Rio+20, é a de uma reorganização do investimento e das fontes de energia e matéria prima de maneira a alcançar um capitalismo mais ‘sustentável’.

Críticas e perspectivas da Rio+20 De acordo com o ambientalista Carlos Henrique Painel, atualmente, a ONU e os governos estão reféns das grandes corporações. “A economia verde é uma tentativa de precificar e mercantilizar a natureza. O que está sendo apresentado é tentativas de ressignificar o capitalismo, atenuando os efeitos com falsas soluções”, afirma Painel, que é representante da Alternativa Terrazul e do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais — entidades organizadoras da Cúpula dos Povos e de outros fóruns alternativos à Rio +20. O cientista social José Correa também não tem grandes esperanças de que algo positivo saia das conferências da ONU. “Há duas questões em jogo na conferência oficial. De um lado, obter-se ou não um mandato para a economia ver-


Crianças brincam com globo gigante Foto: Divulgação / Cúpula dos Povos

A economia verde é uma tentativa de mercantilizar a natureza”

de, isto é, a mercantilização de uma série de novos aspectos da natureza chamados de “serviços ambientais”, na linha dos mercados de carbono criados pelo Protocolo de Kyoto. De outro, criando uma nova agência no sistema ONU com mais poderes do que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente ou reforçando sua capacidade. Minha expectativa é que as contradições de interesses entres os grandes atores do sistema internacional, os grandes países, acabe impedindo que se caminhe em qualquer das duas direções. Isso é bom. Praticamente tudo que pode sair da Rio+20 é um retrocesso em relação à situação atual.”, explica Correa. Ele também critica a perspectiva de crescimento e progresso que pauta a ideia de economia verde. “O crescimento não é igual à melhoria social ou ao aprimoramento da qualidade de vida. Ele é essencial para acumulação de capital, não para as pessoas. Uma parte importante da população do mundo tem necessida-

de de eletricidade, água tratada e saneamento. Mas se não se produzisse mais armas, carros e não houve mais publicidade, a humanidade estaria muito melhor, embora a provável consequência disso, dentro do atual regime econômico fosse desemprego e crise. O caminho é propor e passar a guiar as atividades econômicas por outra lógica”, sugere o cientista social.

Uma outra conferência Ambos os entrevistados apresentam uma expectativa diferente em relação à Cúpula dos Povos. O evento foi organizado por uma articulação de movimentos sociais, povos indígenas e quilombolas, movimentos sindicais e entidades da sociedade civil. Entre elas, estão as organizações das quais Carlos Painel participa. “Nossa ideia é apontar para as falsas soluções do mercado, debater atitudes concretas como a Agroecologia, a Permacultura e a Economia solidária, além de nos articularmos”, aponta Painel. “Também vamos denunciar as verdadeiras causas das crises recentes. Entre os elementos mais importantes está a crise de valores. Após décadas argumentando que não havia dinheiro para acabar com a pobreza, os países centrais correm para socorrer os bancos que quebram, mas para a fome da África os recursos são escassos”, protesta. José Correa, mesmo menos otimista, apresenta expectativas. “Na presente conjuntura, o que a Cúpu-

la pode fazer é denunciar, sinalizar alternativas em alguns temas fortes (por exemplo, água, soberania alimentar etc.) e organizar, eventualmente, algumas campanhas de impacto mais geral”, observa. “Muitos veem na Cúpula essencialmente um espaço para denúncia do capitalismo. Para que alternativas cresçam, é necessário que outro modelo de sociedade se coloque no horizonte, visível para um grande número de pessoas. Mas uma grande parte da esquerda é desenvolvimentista e tem dificuldades de formular ou mesmo de lidar com um paradigma alternativo de organização da sociedade”, argumenta. Painel, por sua vez, acredita que a diversidade trazida pela Cúpula pode ser um fator positivo, “Não pensamos igual, mas procuramos a unidade na diversidade. Existem diferenças, mas em nossas resoluções nunca tivemos que recorrer à votação, passamos sempre por discussões e consenso”, defende. Segundo Painel, a Cúpula com mais de 700 atividades autogestionadas, desde debates e exposições até oficinas, traz as questões. As propostas tiradas serão levadas para plenárias de convergência, rediscutidas e, por fim, irão para a plenária dos povos. “Os governos não têm muito interesse nas nossas propostas, mas elas servem para a atuação da cúpula. As propostas serão levadas ao secretário geral da ONU Ban Ki-Moon, se ele quiser nos receber”, completa. Vírus Planetário - ABRIL 2012

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Ana Enne Ana Enne é professora do departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), jornalista formada pela PUC-Rio e doutora em Antropologia pelo Museu Nacional (UFRJ).

O que podemos aprender e ensinar

com a greve das universidades federais

Em maio de 2012, cansados de esperar que o governo do PT cumprisse o que vinha prometendo desde 2010 – negociar um plano de carreira digno para os professores federais -, docentes do ensino superior das universidades públicas deflagraram aquela que já é a maior da história do país em termos de adesões: mais de 50 instituições pararam parcial ou totalmente, com novas adesões sendo anunciadas, especialmente de funcionários e alunos. O que levou os docentes a paralisarem suas atividades? Mais imediata-

mente, a falta de diálogo de um governo que foi eleito com votos majoritários de servidores públicos do ensino, que acreditaram em suas promessas de consolidar um projeto de reformas para a educação superior pública no Brasil, incluindo fazer cumprir a contrapartida logística necessária com a implantação do REUNI e melhorar, efetivamente, a penúria salarial e a falta de definição em termos de carreira. Não foi isso que se deu, na prática. Apertando o orçamento, congelando salários, abandonando as universidades a um quadro dramático em ter-

mos de estrutura de funcionamento, não se abrindo ao diálogo com os representantes dos docentes e funcionários, o governo federal praticamente convocou a greve deflagrada contra sua inoperância. Depois, frente ao cenário criado, apresentou medidas paliativas, tentou descaracterizar a legitimidade do movimento, se negou a negociar em diversos momentos, fez propostas evasivas... No entanto, a cada ato desrespeitoso mais intenso, o movimento grevista se configurava. Para além das demandas imediatas, porém, a greve de docentes, discen-

A mídia de grande porte vem ignorando solenemente a greve das universidades. Entretanto, a mídia alternativa, especialmente com a força da internet, vem conseguindo denunciar o descaso de mídia grande e governo. A charge de Nico à esquerda, em menos de 5 horas foi compartilhada mais de 3mil vezes no facebook Ilustração: Nico

Ilustração: Diego Nov aes


Assembleia com cerca de dois mil estudantes no dia 29/5, no ginásio de Educação Física da UFRJ – desde a década de 1990 uma assembleia estudantil na UFRJ não conseguia reunir tanta gente – decide deflagrar greve em apoio à paralisação nacional dos professores. | Foto: Micael Hocherman Corrêa - via facebook ADUFRJ

tes e funcionários das universidades federais compreende uma luta de maior envergadura e amplitude. Luta-se por um projeto digno de universidade para este país. Luta-se para mostrar que a passividade favorece processos de sucateamento do potencial democrático de uma universidade pública que faça valer seu nome, o investimento suado de um país inteiro, a sua vocação. Mas luta-se, principalmente, porque também é preciso ensinar a luta. O não conformar-se. A necessidade de brigar pelo que é justo. Não há como, neste artigo, explicar com detalhes pelo que se luta em termos específicos nesta greve. No site do ANDES (http:// terra.andes.org.br/blog/capa.html), é possível acessar documentos, ver notícias, entender melhor o processo. Mas há algo que cabe neste pequeno espaço: partilhar a minha

A greve de docentes, discentes e funcionários das universidades federais compreende uma luta de maior envergadura e amplitude.”

esperança de que este movimento coletivo seja a melhor e mais bela aula que a universidade pode oferecer, uma aula dada em conjunto por docentes, discentes e funcionários, uma aula de cidadania e vontade de mudança. Uma aula sobre justiça, inconformismo, luta, coragem, respeito ao desejo do coletivo. Uma aula em que aqueles que lutam, todos, são os professores. E que, de forma nítida e cristalina, revela todos aqueles que, de fato, sabem e podem sê-lo.

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eleições 2012

Fotos: Artur Romeu

Marcelo Freixo

Com o compromisso de sempre tentamos incluir na ordem do dia assuntos não tratados pela mídia e de fazer uma outra abordagem sobre aqueles que a mídia comercial sempre comenta, iniciamos a série Eleições 2012. Através de entrevistas pretendemos mostrar as opiniões e o programa eleitoral dos candidatos que não terão minutos de sobra no horário eleitorai. Nosso primeiro entrevistado é o deputado estadual Marcelo Freixo, que já teve sua candidatura à prefeitura do Rio de Janeiro lançada pelo PSOL e apoiada por alguns artistas, intelectuais de esquerda e movimentos sociais em geral. Conversamos com Freixo, que propõe outra gestão de cidade que contemple questões técnicas, mas também seja capaz de pensar a cidade para a maioria da população excluída do processo de crescimento elitista tão alardeado pelas mídias. Marcelo fala de suas propostas concretas, mas ressalva que não há proposta sem crítica.

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A despolitização da política precisa ser enfrentada.”

Por Aline Rochedo, Artur Romeu, Caio Amorim e Rodrigo Teixeira Sua candidatura propõe uma mudança radical em relação a atual gestão da cidade. Como você pretende transformar essa postura ideológica, que é totalmente diferente ao governo do Paes, refletindo em políticas públicas concretas? Esta visão de mundo é uma concepção de cidade. As pessoas vivem na cidade. Neste debate você efetiva a sua concepção de mundo, de Estado, a relação de Estado-sociedade. Quando você pega um ônibus, paga seu aluguel, escolhe uma escola pro seu filho, precisa ir a um posto médico, se há saneamento básico ou não definido na sua cidade, todas essas lógicas urbanas perpassam a concepção da relação Estado-sociedade. Não há um debate no plano teórico, e outro na hora de ser prefeito. Porque o prefeito é um agente de decisões políticas. Por mais que alguns tentem colocar o prefeito como um síndico, um administrador - quase que se exige um curso de administração para ser prefeito, um MBA. Esta lógica está matando a política. Dizer que o debate sobre o transporte é técnico, não é verdade. É um debate em que os engenheiros devem ser ouvidos, mas passa por opções políticas. A insistência num modelo rodoviário, por exemplo, no lugar de um modelo sobre trilhos é uma decisão política. O Estado hoje está privatizado, é um balcão de negócios. A despolitização da política precisa ser enfrentada. Politizar essa eleição, no bom


sentido, é um dos papéis que nós temos.

Do ponto de vista dos investimentos que vem sendo feitos no Rio de Janeiro, como você vai lidar com as obras que estão acontecendo? Qual é a margem de governabilidade? O que fazer diante disso? Existe um governo em curso e existe uma concepção de cidade se di-

prioridade, porque não é transparente e não funciona. O Rio, numa pesquisa recente do Ministério da Saúde, foi colocado em último lugar na qualidade do atendimento público na área de saúde. É a única cidade que tem epidemia de dengue e o maior número de casos de tuberculose. A situação de saúde pública do Estado do Rio de Janeiro é um caos e a iniciativa privada já se mostrou ineficaz.

A concepção sobre o papel do centro da cidade não pode só atender ao interesse imobiliário. Precisamos de uma outra lógica.”

luindo. Nós estamos na metade deste curso. Alguns desvios podem ser feitos, algumas retomadas podem ser feitas, outras coisas não. A hora em que se destruir a Perimetral, não há como construir a Perimetral de novo. Mas se não destruir a Perimetral até a eleição, podemos dizer que não vai destruir a Perimetral, porque é um absurdo fazer isso. Vamos ver qual é o calendário até lá. O Porto Maravilha precisa ser debatido. A concepção sobre o papel do centro da cidade não pode só atender ao interesse imobiliário. Precisamos de uma outra lógica. Sobre as Trans, a TransBrasil, por exemplo, sequer começou. É diferente da TransOeste, que já está avançada. Então, não há como saber o que fazer com as Trans. Depende, isso vai depender de caso a caso. O modelo de privatização da saúde já começou e está a pleno vapor. Precisamos de um processo de transparência na saúde e de revigoração do servidor público, de retomada do papel do Estado. A lógica das Organizações Sociais (OSs), evidentemente, não é nossa

Outro capitulo importante diz respeito ao enfrentamento a alguns crimes que tem, nos braços econômico, uma importância grande, que passa pela prefeitura. É o caso das milícias. A milícia tem como principal fonte de financiamento o domínio do transporte alternativo. E isso passa fundamentalmente pela prefeitura, que é quem regulamenta o transporte de maneira geral. A partir do momento em que a prefeitura está na mão da Fetranspor e não faz o transporte público ter o funcionamento que deveria, abre espaço para o transporte alternativo, que é muito maior do que deveria ser. E, por outro lado, dá as autorizações através de cooperativas. A milícia tem hoje, na sua relação com a prefeitura, a garantia de principal financiamento econômico de sua existência. Das vans, das cooperativas, todas autorizadas pela prefeitura. Então, a prefeitura, no que diz respeito à agenda de segurança pública, tem muito o que fazer.

Há possibilidade de se modificar o atual panorama da segurança pública através do município?

É recorrente que na repercussão de suas entrevistas a mídia evidencie sua postura crítica em relação ao atual sistema, mas não as propostas concretas

O município tem um papel específico na segurança pública. São papéis distintos: a polícia é estadual, a segurança pública, não. As polícias são instrumentos da segurança pública, mas não resumem o debate em si. O que estamos defendendo é ter um plano de gerenciamento integrado. Um grupo executivo, que pensa segurança pública do município, articulado com secretarias decisivas - como as secretarias de saúde e de educação -, no sentido da garantia de direitos e de atendimento da população vítima da violência. O número de jovens mortos por armas de fogo no Rio é de genocídio, é assustador, principalmente de negros. O poder público municipal tem um papel decisivo nessa história, que é brigar pela vida deles. Isso passa pelas escolas, pela cultura, saúde, rearticulação das famílias. Ou seja, uma série de políticas públicas que devem existir não só nas áreas de UPP.

Não existe proposta sem crítica, se não você cai na lógica da gestão e do prefeito síndico. Esta fala traz uma visão despolitizada. Temos propostas com um norte político, porque o que está sendo disputado é o Estado. Não estou fazendo um concurso público junto com o Eduardo, disputando uma vaga. Temos vários grupos de trabalho atuando. O programa está sendo feito coletivamente. Há grupos na área de transportes, saúde, educação, meio ambiente, elaborando e apresentando propostas. Os grupos são formados por pessoas que vivem a realidade do Rio de Janeiro. Já acumulamos algumas [propostas]. Sobre transporte é fundamental tentar mudar o eixo rodoviário para o eixo sobre trilhos. Por exemplo, municipalizar os bondes. Pensar no bonde como uma alternativa de transporte no centro da cidade é algo viável, tem que ser estudado, é uma proposta a ser estudada. Vírus Planetário - ABRIL 2012

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eleições 2012 - Marcelo Freixo

O programa do PSOL está sendo feito pelos militantes e pela sociedade coletivamente. Quem quiser participar, participa.”

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As licitações dos ônibus precisam ser revistas para revermos os preços dos ônibus. As BRSs podem ser mantidas, mas o preço da passagem deve diminuir, porque o custo do ônibus diminuiu muito. O número de pontos de ônibus foi reduzido e isto não foi discutido com ninguém. De um lado há o choque de ordem da guarda municipal, que não será presidida por um policial militar, como tem sido até hoje. Nós desmilitarizaremos a guarda municipal, repensaremos sua função e discutiremos com ela própria esse processo. No lugar do choque de ordem nós propomos o choque de democracia, transparência e participação. As pessoas gostam de viver no Rio de Janeiro, mas aqui não há nenhum mecanismo de participação. É uma cidade com natureza autoritária. Nesse sentido, é necessário criar canais de participação. A transparência é essencial e deve ser absoluta, desde o orçamento até a gestão.

E o que você pensa sobre a obra do metrô? O metrô é estadual, mas o silêncio da prefeitura diante da decisão de fazer da linha 4 um prolongamento da linha 1 é criminoso. Isso inviabilizará de vez o metrô da cidade. Ele tem 42km de duas linhas sobrepostas para uma população de 6 milhões e 300 mil . Paris tem 275 km para 3 milhões de habitantes. São Paulo tem um metrô infinitamente melhor. O prefeito não pode silenciar diante disso. E sobre a relação entre os governos estadual, municipal e federal, acho que o governo municipal deve se preocupar em manter uma boa relação com a população. Com o governo do estado ele nem quer ter uma relação tão boa assim, porque o governador está mais sujo que pau de galinheiro. E, se você analisar a trajetória política do Eduardo Paes, não consigo

acreditar que o PT tenha uma relação melhor com ele do que com a gente. Na CPI dos Correios, por exemplo, Eduardo Paes propôs o impeachment do Lula, xingou sua família. Por isso, quem quer que o governo federal tenha uma boa relação com o governo municipal, deve votar na gente.

O discurso religioso acaba sendo parte de uma visão de retirada de direito. Como enfrentar esse tema? O Estado não pode cair nestas armadilhas porque é laico. A defesa de um Estado laico é o nosso papel. Não cabe ao prefeito ficar debatendo, enquanto candidato a prefeito, temas que dizem respeito às suas crenças ou não. Isso eu acho lamentável e contribui para a despolitização da política. A defesa do estado laico, aquele que respeita todas as religiões e o espaço delas, e o que separa as funções públicas disso, para mim, é algo fundamental para a democracia hoje. O ensino religioso é lei federal, nós vamos cumprir. Mas ele pode ser um instrumento muito democrático de olhar sobre todas as religiões. Não necessariamente o ensino religioso é algo ruim. Os professores precisam lecionar o ensino religioso e não trabalhar com a lógica da fé. Mas o currículo deve ser debatido. E eu não vou cair nessa de disputar o voto pela lógica religiosa. A Marina Silva, por exemplo, se vier a nos apoiar, eu não vou recusar ou aceitar por ela ser evangélica.


Estamos entrando pra ganhar essa eleição”

Leonardo Boff e Frei Beto me apoiam, mas isso não é importante porque são cristãos, e sim por compartilharem as mesmas ideias e concepção de cidade que nós temos.

Como você observa a vinculação dos projetos educacionais, oriundos de parcerias público-privadas, nas escolas públicas do Rio de Janeiro? Estes projetos são de cima para baixo. A fundação Roberto Marinho, a Ayrton Senna, são projetos que ninguém conhece a fundo, quanto custa, quanto se paga, porque não há transparência e todos eles são impostos pela secretaria para serem cumpridos na escola. O projeto Acelera, que é da Fundação Ayrton Senna, retira das salas os alunos com maiores dificuldades e alunos com defasagem de idade, coloca todos numa turma com um só professor que vai utilizar o modelo telecurso para aqueles alunos ganharem mais velocidade. Este projeto não foi debatido com ninguém da rede e é extremamente polêmico. Um professor tem que dar conta de tudo através do sistema telecurso. Não sei qual é a validade pedagógica disso. Mas enfim, tem que ser debatido com um corpo de professores. A proposta é transparência e participação.

Uma parte da esquerda tem sido muito crítica às suas conversas com Gabeira...

Vamos esclarecer uma coisa: o PV tem candidato, é a Aspásia Camargo. Agora, conversar sobre a cidade do Rio com o Gabeira, é claro que eu vou. E se eu estiver no segundo turno e o Gabeira quiser apoiar, é muito bemvindo. A gente não vai disputar uma prefeitura pra falar apenas com a esquerda. Temos responsabilidade com a vida das pessoas que estão massacradas no Rio de Janeiro. Podemos não ganhar, mas estamos entrando na campanha pra ganhar a eleição.

Mas esse jogo pode ser perigoso, de política de aliança, em termos de concessão. Você acha que a associação ao Gabeira pode ser prejudicial? O programa do PSOL está sendo feito pelos militantes e pela sociedade coletivamente. O sindicato de engenharia está debatendo transporte. O pessoal da Cúpula dos Povos está fazendo nosso programa para o meio ambiente. É um programa de esquerda. Quem quiser participar, participa. Nossa única aliança no primeiro turno vai ser com o PCB. Se nós chegarmos ao segundo turno, será com ampla participação. A nossa grande aliança é com a sociedade civil: professores, médicos, juventude, moradores da zona norte, com quem resiste às milícias zona oeste. Se Gabeira disser “eu vou votar no Marcelo Freixo”, ótimo! O que vocês querem que eu diga? “Não, Gabeira, vota no Eduardo”? Isso não

implica em mudança de programa, e não tem nenhum cargo sendo negociado. Temos apoio dos artistas e acho ótimo. Quem está apoiando é pelo programa que estamos apresentando e não porque vai ter cargo. É uma outra lógica política. Por essa razão, tenho apoio do Chico Buarque, Wagner Moura, Leonardo Boff, Frei Beto, Osmar Prado, da Dira Paes... Temos que fazer a disputa real. Não se pode nem ter vereador, nem deputado, porque o parlamento é burguês? Eu passei dessa idade.

Qual a participação do Luiz Eduardo Soares no seu programa? Há quem diga que ele é fascista porque foi secretário do governo Garotinho... Isso é uma visão absurda. O Luiz Eduardo Soares foi secretário do Garotinho pelo PT, na época. Ele foi mandado embora por implementar uma política que todos nós defendíamos no início. O João Duboc Pinaud também foi, aí você vai rech açar o Pinaud? Isso sim é fascista.

Vocês estão participando da Cúpula dos Povos? Estamos direto na Cúpula dos Povos. Eu, ontem, entrei com uma ação direta de inconstitucionalidade sobre as isenções fiscais da CSA, articulada com a Cúpula dos Povos. Temos chance de ganhar, inclusive. Vírus Planetário - ABRIL 2012

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direitos humanos

Ilustração: Carlos Latuff

Cotas Raciais:

quebrando o tabu

Por José Roberto Medeiros Às vésperas de completarem uma década de existência na UERJ, as cotas raciais ainda estão longe de ser um consenso. Setores conservadores ainda atacam o programa, usando argumentos que vão desde a qualidade do ensino até a taxação do programa como sendo racista. Mas, pensando a fundo, qual o real impacto das cotas dentro das universidades? O que mudou na UERJ desde a implementação do programa? De acordo com Sérgio Verani, professor da faculdade de Direito da UERJ e Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a universidade mudou após a implementação das cotas raciais. “Eu acho que a UERJ melhorou depois das cotas em consequência da democratização racial que elas possibilitaram”, justifica. 24

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Um balanço às vésperas do sistema completar uma década na Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Verani, que atuou no julgamento do recurso do Deputado Estadual Flávio Bolsonaro (PP), que tentava impugnar o sistema de cotas nas universidades sob alegação de inconstitucionalidade, refuta com veemência o argumento de que as cotas podem ser vistas como uma medida racista. Para o desembargador, o Brasil ainda vive a sombra de um passado escravista que ainda não se encerrou. O argumento de Sérgio Verani segue na linha dos mesmos defendidos durante o julgamento da constitucionalidade do sistema de cotas, realizado em abril. O Ministro do Superior Tribunal Federal (STF), Luís Fux, afirma que a medida não tem teor

racista, pois “visa fins sociais louváveis”. Para Fux, as cotas são necessárias em um país que ainda vive um regime de escravidão. “A opressão racial dos anos da sociedade escravocrata brasileira deixou cicatrizas que se refletem, sobretudo, no campo da escolaridade, revelando graus alarmantes de diferenciação entre alunos brancos e afrodescendentes que, de escravos de um senhor, esses últimos passaram a ser escravos de um sistema”, defende o Ministro. Ao serem implementadas na UERJ, o projeto das cotas sofreu muita resistência, inclusive de algumas parcelas do corpo docente. Segundo Verani, alguns professores se posiciona-


ram de forma discriminatória com relação aos estudantes que iriam ingressar através do sistema. “Antes da implantação das cotas, alguns professores comentaram que a faculdade de Direito, por exemplo, entraria em decadência, porque entrariam alunos despreparados. Um comentário que revela o próprio preconceito do professor ao taxar o aluno mais pobre de despreparado”, narra o acadêmico. O desembargador, entretanto, garantiu que os argumentos que se sustentavam na queda da qualidade do ensino prestado pela universidade cairiam foram refutados. Ele afirma, ainda, que os desempenhos dos estudantes cotistas dentro da UERJ são “iguais ou superiores ao desempenho dos alunos que prestaram o vestibular normal”. Verani conta também que as cotas raciais não cumprem apenas o papel de democratizar o acesso da população afrodescendente ao ensino superior, mas serviram para democratizar a UERJ como um todo. “O sistema de Cotas Raciais democratizou a universidade e também o aluno branco, que passou a entrar em contato com os alunos negros. Antes das

Os desempenhos dos cotistas dentro da UERJ são iguais ou superiores ao dos outros alunos.”

cotas não havia negros nas salas de aula da UERJ. Hoje, a chegada dos alunos vindos pelas cotas tornou mais ampla e ensinou os estudantes a fazerem uma troca de cultura, de experiência, que é muito saudável”, explica. No julgamento das cotas no STF, o Ministro Joaquim Barbosa lembrou a importância de se superar as desigualdades históricas para que o Brasil possa ser visto como uma nação desenvolvida e digna de respeito no cenário internacional. Para Barbosa, as cotas são necessárias para corrigir uma necessidade histórica, democratizando o país e capacitando-o para os demais avanços. “Não se pode perder de vista o fato de que a história universal não registra, na era contemporânea, nenhum exemplo de nação que tenha se erguido de nação periférica à condição de potência econômica e política, digna de respeito na cena internacional, mantendo no plano doméstico uma política de exclusão”, finaliza. Sem queda na qualidade do ensino e, democratizando a universidade, as cotas raciais cada vez mais se consolidam como uma realidade no Brasil. Depois da aprovação no STF, a medida tende a ganhar cada vez mais espaço no Brasil, seguindo a linha do Estatuto da Igualdade Racial, aprovado em 2010. Este reconhece a necessidade de se corrigir a desigualdade histórica que há no país entre a população branca e a população negra. A intolerância de grupos de ódio na Uerj pode ser comparada, guardada as proporções, com a humilhação que Dorothy Counts, primeira estudante negra admitida numa universidade pública americana (de brancos). As fotos abaixo retratam seu primeiro dia de aula na Universidade de Harry Harding, na Carolina do Norte (EUA), em 1957. Foram 4 dias de perseguições e insultos. Jogavam lixo durante a sua refeição e seu armário era saqueado. Depois surgiram ameaças telefônicas. Por fim, os seus pais consideraram que a sua vida poderia estar em risco e optaram por tirá-la da escola. | Fotos: Reprodução

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saúde

Nos deram espelhos e vimos um mundo doente A saúde mental na atualidade: porque as pessoas não podem ser vistas como mercadoria.

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Por Aline Rochedo, Ingrid Simpson e Maria Luiza Baldez Muitas vezes, se dá a uma palavra uma definição equivocada, espalhando-se por entre a sociedade significados que não correspondem exatamente à realidade. Este é o caso da saúde mental. Frequentemente, compreende-se o termo como sendo a ausência de doenças crônicas ou distúrbios mentais. Porém, a sua concepção é mais ampla. Para Marta Peres, professora adjunta da UFRJ, com pós-doutorado em Antropologia, doutorado em Sociologia e mestrado em Ciências da Saúde, o conceito pode ser explicado a partir da definição da Organização Mundial de Saúde (OMS): “A saúde não é apenas a ausência de doenças, mas é um bem-estar físico, psíquico, é a alegria, o sentir prazer. Um contraponto a esse significado é a definição meramente popular da saúde mental de ser a ausência de transtornos mentais”. Contudo, ainda não se contempla uma definição total sobre a temática, uma vez que se trata de uma situação corrente e os estudos estão em processo. A antropóloga Clarice Rios, pós-doutoranda no Instituto de Medicina Social da UERJ, explica que “um mesmo problema ligado à saúde mental pode ser considerado a partir de sua historicidade, ou do conjunto de valores e significados num determinado contexto cultural, ou talvez das práticas sociais que direta ou indiretamente contribuem para a configuração desse problema, sejam elas médicas, escolares, jurídicas, etc.”

Existe um crescente de doenças mentais provocadas ou estimuladas na esfera do trabalho”

Para ela, o termo “saúde mental” pode ter um significado bem diferente para um grupo de psiquiatras, um grupo de budistas ou um grupo de idosos. Vê-se então a complexidade. O desequilíbrio nas relações entre o homem e o seu meio são evidenciados num ritmo tenso e acelerado de vida, no qual o trabalho ocupa, quase que por completo, a preocupação das pessoas. Tal desequilíbrio afeta nitidamente o trabalhador urbano e é perceptível tanto nos que gozam de uma situação econômica estável quanto os sujeitos que estão em situação marginalizada. A globalização, associada às novas tecnologias, colabora para a precarização nas relações de trabalho. Assim, ademais às cobranças já conhecidas por todos, os trabalhadores enfrentam situações que provocam desequilíbrio emocional e físico, es-

tando marginalizados em relação aos seus direitos primários. Existe um crescente de doenças mentais provocadas ou estimuladas na esfera do trabalho - o ambiente não é saudável, as metas propostas inatingíveis, há agressões psicológicas e assédio moral, sobra competição e falta humanidade entre os colegas. Todos possuem um aparato psíquico que permite cada um dar conta da sua vida, das obrigações, trabalho, estudo e o próprio prazer. A questão não é somente não estar doente, mas é estar ativo, é ter capacidade psíquica de tomar decisões. “O trabalho é um ponto fundamental da saúde, pois vivemos em um sistema que é competitivo e excludente. Em qualquer momento, você pode ser demitido, principalmente se tratando de empresa privada. Há uma extrema cobrança Vírus Planetário - ABRIL 2012

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Para Jovan Ferreira, a arte é a forma de liberdade e equilibrio Foto: Aline Rochedo

por produtividade e muitas vezes ela é maior do que a pessoa consegue lidar. Isso gera insegurança, que pode repercutir em ansiedade e em outros sintomas ligados aos aspectos psíquicos por conta da vida que a maioria leva”, esclarece Marta Peres.

A pessoa sente angústia, ansiedade, síndrome do pânico, tudo ao mesmo tempo. O trabalhador é pressionado de todo lado”

A rotina é puxada para Patrícia dos Santos Silva, 37 anos. Moradora da Pavuna, Patrícia trabalha na Zona Sul do Rio de Janeiro. Leva cerca de duas horas e meia para chegar ao trabalho e ali permanece durante oito horas, de domingo a domingo. “Isso no papel, porque na verdade eu não tenho horário para sair e meu patrão nem assina a minha carteira”, diz a atendente, que continua: “Os trabalhos que tive sempre foram muito estressantes. A gente vive num mundo de “salve-se quem puder”. São as contas chegando e o problema no dia a dia. É pressão do chefe, assédio moral... você se sente muito humilhado e as pessoas enlouquecem. Ninguém tem estrutura para suportar isso tudo. A pessoa sente angústia, ansiedade, síndrome do pânico, tudo ao mesmo tempo. O trabalhador é pressionado de todo lado”. Olhando em volta, Patrícia comenta: “Veja só, hoje num horário desses, seis e pouco, domingo e esse metrô lotado de gente voltando do trabalho. E o trabalhador vai ficando saturado. Vive para o trabalho, se estiver em casa dorme porque o cansaço não deixa fazer outras coisas. Só trabalha, trabalha... Com isso, sinto muita ansiedade, palpitações, dores. Meus pés sempre ficam inchados”.

Como lidar Uma das maneiras para a melhora do bem-estar é a arte e a cultura, pois são transformadoras e favorecem a autonomia. “A pessoa saber que é capaz de realizar, criar, 28

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seja um gesto, uma pintura, tocar uma música, é um recurso muito importante”, diz Marta Peres. O fato se comprova na história de Jovan. Morador de Campo Grande, Jovan Ferreira da Silva tem 25 anos, é estudante de desenho gráfico e trabalha em uma indústria farmacêutica como supervisor da área de mídia. “Lidar com pessoas é delicado, exige sensibilidade e flexibilidade e gera uma carga grande de estresse que eu recebo e tenho que administrar”, conta Jovan. Para superar o estresse, Jovan anda com um caderno de desenho na mochila: “Em qualquer momento do dia eu pego o caderno e desenho algo que estou pensando e isso já é um alívio. Aqui, eu tenho minha total liberdade. A arte é minha válvula de escape”. O tratamento para o estresse é embasado na compreensão dos casos de forma peculiar, mapeando-se as diversas experiências pessoais que cada um suscita ao longo da vida. Clarice Rios expõe que, no momento atual, “com o advento das neurociências e do uso maciço de antidepressivos, tais experiências passam a ser cada vez mais medicalizadas e ancoradas no corpo físico”. Para a psicóloga Andrea de Moraes Bastos, do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), a questão tinge a todas as classes, no entanto: “o tratamento para as classes mais baixas é muito difícil,


pois não há psiquiatras e psicólogos à disposição, não existe remédio com fácil acesso, preços populares para qualquer um que necessite do mesmo. A classe baixa não pode largar o trabalho para seguir tratamento”. “Até uma cardiologista é difícil de ter nos postos o que se dirá sobre psicólogo! Você não tem infraestrutura, você não tem um governo por você, que importe em te apoiar”, reclama a atendente Patrícia Silva. Ela conta que teve uma doença psicossomática, que na época não obteve diagnóstico: “Eu tive um estresse pós-parto. Hoje em dia é considerado como doença, mas há um tempo não era e todo mundo era rotulado como maluco”.

Perspectiva A organização Mundial de Saúde prevê que ainda neste século a depressão será a principal doença a acometer os trabalhadores. Não sendo o tratamento acessível à maioria, cada qual lida com seus traumas e suas questões como pode. Criando seu próprio meio de defesa e, por que não dizer, de sobrevivência. Precisamos reivindicar o direito à vida saudável, questão primordial do ser humano, onde as potencialidades e possibilidades de se viver, em relação ao trabalho, ao acesso à educação e ao lazer sejam respeitadas. É nossa emergência. Não é questão para sermos imparciais, pois uma sociedade saudável, pensa, se articula e caminha num todo, sem privilégios de uns sobre os outros. O conceito de trabalho decente, formalizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), é relevante e urgente quando aponta a necessidade da melhoria da qualidade de emprego, com remuneração justa e amparada pelas leis trabalhistas, que permita uma vida saudável e digna. O trabalho deve garantir as necessidades básicas, tendo a finalidade de se trabalhar para viver. E que realmente se viva.

Diga não ao

SAERJ!

O SAERJ

26 e 27 de junho

e a Escola Pública: Nos dias 26 e 27 de junho, os alunos das escolas estaduais farão o SAERJ. Mas o que essa prova significa? Ela irá trazer algum benefício para as escolas e para os profissionais da educação? A resposta é: infelizmente NÃO! Mas os professores não são obrigados a aplicar essa prova. Ela será utilizada como instrumento do Plano de Metas somente em 2013. E o que o governo não está dizendo é que o tal 14º salário somente será pago às escolas que atingirem TODOS os itens do Plano de Metas. Todos os ganhos que recebemos foi graças a nossa luta e mobilização! Com a nossa greve de 2011 garantimos o Plano de Carreira para os funcionários e Professores de 40h, enquadramento por formação, incorporação do Nova Escolas e etc. Só a nossa luta tem garantido vitórias. Os professores NÃO têm medo de avaliação. Mas uma avaliação que não leva em conta a realidade da comunidade escolar, que não foi realizada a partir de um projeto formulado pela categoria é, no mínimo, autoritária. Além disso, é uma tentativa de mascarar o resultado do Rio de Janeiro no Ideb nacional Professor, não use essa prova como avaliação de sua disciplina! Não permita que seu aluno seja prejudicado!

35 anos

Vamos juntos, pais, alunos e profissionais da educação, lutar por uma verdadeira Escola Pública de

Qualidade!

Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro

www.seperj.org.br


O STF é a única corte do mundo que considera que a Lei da Anistia é para os dois lados.”

Entrevista INclusiva: Por Seiji Nomura e Maria Luiza Baldez

Foto: Maria Luiza Baldez

Victória Grabois

Filha de pai e mãe comunistas, Victória Grabois já nasceu na clandestinidade. Sendo hoje a Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM/RJ), fundado em 1985, garante a continuidade da luta da família, assumindo o compromisso da defesa dos direitos humanos.

A reunião durou até o ano do golpe militar, em 1964, quando a família foi obrigada a se separar e voltar à clandestinidade, para evitarem as perseguições. Victória foi expulsa da UFRJ pelos militares.

Passou por períodos complicados durante a infância e a adolescência. O pai, Maurício Grabois, era deputado constituinte pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e teve o mandato cassado quando o partido foi considerado ilegal, em 1948. Para permitir que Victória e seu irmão mais novo André continuassem os estudos, Maurício e Alzira deixaram-nos na casa de uma tia, na Lagoa. Eles estavam apenas no Jardim de Infância.

Casa-se com Gilberto Olímpio Maria, companheiro de militância. Quando engravida é afastada do combate. Dos 20 aos 36 anos, viveu em São Paulo com um nome falso. Maurício, André e Gilberto participavam ativamente das ações do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), dissidência do PCB. A Guerrilha do Araguaia teve uma importância pessoal em sua trajetória. Seu pai, irmão e marido são desaparecidos políticos deste episódio da história. Os corpos nunca foram encontrados.

Mudou de apartamentos diversas vezes e os espaços eram apertados. A família raramente morava sob o mesmo teto. Foi apenas quando Maurício retornou de dois anos de estudo da União Soviética, em 1959, que foram morar juntos em Niterói.

Victória Grabois conversa com a Vírus sobre a Comissão da Verdade, levantando os ideais sempre difundidos pelo Grupo Tortura Nunca Mais: esclarecimento dos fatos da ditadura e amparo às famílias de presos e desaparecidos políticos.

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Você deve ter o direito de lutar pela democracia. Se alguém escolheu a luta armada, é um ato legal.”

Como você avalia a Comissão da Verdade? Eu acho que a Comissão da Verdade só vai poder ter um trabalho sério se os arquivos da ditadura militar forem abertos. Se não, a história da Comissão vai ser pífia. Os acusados não falam. Já foram chamados para depor o Major Curió e o Tenente-Coronel Lício Maciel. E, perante o tribunal, eles afirmam não saber de nada. O grande problema da Comissão da Verdade é que já vem tardiamente, depois de 27 anos do fim da ditadura. E não é a comissão que nós queríamos – a Comissão da Verdade, Memória e Justiça.

porque a Lei da Anistia foi feita para os dois lados e, como passaram vinte anos, o crime está prescrito. Mas crimes contra a humanidade não são crimes comuns: são imprescritíveis, como assim os considera a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O Cláudio Guerra fala como se ele tivesse sido absolvido e que nada pode acontecer com ele. A impunidade é revoltante. Só agora, o Brasil toma uma atitude capenga, uma atitude do “possível”. Eu não quero o “possível”, eu quero a verdade. E quero a verdade do lado de quem cometeu os crimes. Porque a nossa verdade já é contada.

A Comissão da Verdade está sendo apontada como “revanchista” por alguns setores da sociedade?

Por que no resto da América Latina o “possível” a ser feito é mais amplo do que no Brasil?

A gente entende que o que está se espalhando é que nós somos revanchistas e que queremos que a Comissão da Verdade julgue. Temos clareza que a Comissão não pode julgar, mas tem que produzir relatórios. E, se esta entender que agentes públicos ou privados cometeram crime de lesahumanidade, encaminhar estes relatórios para a Justiça. Recentemente, o ex-delegado do Esquadrão da Morte, Cláudio Guerra, deu uma entrevista para dois jornalistas, Marcelo Netto e Rogério Medeiros, que escreveram o livro “Memórias de uma guerra suja”. E, no livro, ele descreve que os cadáveres de dez militantes políticos foram incinerados no forno de uma usina de açúcar. Ele teve a ousadia de dizer que revela

Porque a sociedade brasileira é ultra-conservadora. Nos outros países a população é mais politizada, eles têm uma outra compreensão. A desculpa é que morreram mais pessoas nos outros países: 30 mil na Argentina, 9 mil no Chile e 3mil no Uruguai. No Brasil, dizem que são 500 e pouco. Mas não é só isso. Espero que, com a Comissão da Verdade, apareça um número maior.

E quando dizem que foram cometidos crimes dos dois lados e que estes devem ser tratados igualmente? Esta opinião é furada. O Brasil vivia em uma democracia. Os militares deram o golpe e tiraram do poder o presidente eleito pelo povo. Você tem um regime de exceção, em que se passa

por cima das leis, se fecha o Congresso Nacional e termina com o pluripartidarismo. A imprensa foi censurada e a União Nacional dos Estudantes (UNE) foi fechada. Pela Convenção de Genebra, você tem o direito de lutar pela democracia. Se alguém escolheu a luta armada, é um ato legal. O STF é a única corte do mundo, e não da América Latina, que considera que a Lei da Anistia é tanto para os opositores do regime militar quanto para aqueles que cometeram crimes de lesa-humanidade.

Como foi o processo da Comissão da Verdade nos outros países da América Latina? Nos outros países, assim que acabou a ditadura, as pessoas já começaram a se organizar. Você passa do regime ditatorial para a democracia. E no Brasil, não. Aqui, a gente tem como marco final da ditadura, em 1985, a eleição indireta de Tancredo Neves para Presidente da República. A Lei da Anistia no Uruguai foi revogada. Na Argentina, a anistia vinha com duas questões: a Lei do Ponto Final, para maiores de 80 anos, e a Lei da Obediência Devida, para militares de baixa patente. Porém, o movimento lá foi tão grande que derrubou estas duas leis, abrindo caminho para que se sentassem no banco dos réus centenas de agentes públicos e privados.

Qual a importância para a história presente de revelar o passado? Todas as gerações precisam conhecer a sua história. Fui professora

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eNTREVISTA iNcLUSIVA_Victória Grabois

À frente: Escultura “Arco da Maldade” de Oscar Niemeyer, símbolo do Tortura Nunca Mais | Foto: Maria Luiza Baldez

da UFRJ e a maioria dos estudantes que vinham das camadas mais populares só foram ter conhecimento do período da ditadura no Brasil depois de terem entrado na faculdade. A censura era tão forte que quem não tinha participação política, nem sabia que o Brasil estava sob regime militar. A história não pode ser camuflada para que não se repita. Que nunca mais o Brasil passe por um sistema de terror como nós passamos de 1964 a 1985.

Como foi a sua infância e adolescência estando tão próxima à militância?

Espero que, com a Comissão da Verdade, descubrase um número maior de desaparecidos políticos. ”

Era muito difícil ser filha de comunista. Meu pai era deputado federal constituinte e entregava todo o salário que recebia ao partido, por uma questão ideológica. Quem sustentava a casa era a minha mãe, que era advogada. A gente morava mal pra burro, tínhamos um apartamento no Leblon, mas era do zelador, que alugava para a gente. O nosso quintal era o depósito de lixo do prédio. Quando fomos morar em Niterói, era um quarto e sala. Eu e André dormíamos na sala e eu tinha horror àquilo.

Você chegou a ter participação no movimento estudantil? Só quando eu pisei na faculdade. Ou eu iria ser uma reacionária ou iria participar da vida estudantil. E era um ano de efervescência. Em 1963, você vivia pensando na democracia. Fizemos uma campanha para tirar um professor de História e fomos expulsos por conta disso. Quinze estudantes foram suspensos por tempo indeterminado e eu fui uma deles. Nós fomos ao Palácio das Laranjeiras para pedir que o então presidente João Goulart revogasse a nossa suspensão. E o Jango revogou. Contudo, logo depois veio golpe e os quinze alunos e mais outros quatro foram expulsos da faculdade. Eu fui expulsa no dia 10 de abril de 1964. Então, tive que fazer supletivo, passei no vestibular, fiz faculdade particular e comecei a trabalhar no governo como professora.

Como tem sido a sua atuação dentro do Grupo Tortura Nunca Mais? Eu frequento o grupo desde 85, mas não era uma atividade constante. Passei a frequentar

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todo dia e participar da diretoria a partir de 95. A minha atuação é denunciar e lutar pela memória, pela verdade e pela justiça. Somos um grupo pequeno, mas temos uma grande voz e participamos de vários eventos, além de produzir um jornal, que publicamos a cada três meses.

Quais conquistas do Tortura Nunca Mais você considera como as mais relevantes? A principal conquista foi a Lei nº 9.140, reconhecendo que os desaparecidos políticos haviam sido mortos. Expandimos uma luta do GTNM de reparação aos familiares dos desaparecidos. Foi uma conquista de aquisição de direito civil – eu, por exemplo, era casada com o regime de comunhão de bens e não era amparada porque não tinha a certidão de casamento. Hoje, eu tenho o atestado de óbito. Em 1995, nós entramos com um processo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para julgar o ocorrido na Guerrilha do Araguaia. Aqui no Brasil, o processo foi aberto em 1982, transitado e julgado em 2007 e, ainda agora em 2012, está em fase de conclusão. São 30 anos de espera. A corte do CIDH foi célebre. No final do ano de 2010, deu uma sentença favorável aos familiares contra o Estado Brasileiro. O grupo também tem um projeto clínico que atende as pessoas vítimas da época da ditadura militar, familiares de mortos e desaparecidos, expresos políticos e também as vítimas de hoje, principalmente, as mães que tiveram os seus filhos mortos pela Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Como se dá a questão da tortura hoje? Neste momento em que estamos falando, presos estão sendo torturados na delegacia. São resquícios da ditadura militar. Por isto, é preciso resgatar esta memória, para que isto não mais aconteça. Porque aquela violência que, à época da ditadura militar, era dirigida aos opositores ideológicos, hoje é dirigida aos negros, aos favelados e aos pobres da periferia.


passatempos virais PALAVRAS CRUZADAS 1

Por Felipe Salek C

RESPOSTAS:

1- Sérgio Cabral / 2- Marconi Perillo / 3- Claudia Sampaio / 4- Agnelo Queiroz / 5- Fernando Collor / 6- Roberto Gurgel / 7- Candido Vaccarezza / 8- Fernando Cavendish / 9- Odair Cunha / 10- Tourinho Neto / 11 - Demóstenes Torres / 12- Gilmar Mendes / 13- Policarpo Junior / 14- José Serra / 15- Revista Veja

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1 – Apesar de estreitas relações de amizade com o dono da construtora Delta, ele vem sendo, (pelo menos por enquanto) poupado pela Comissão. Ah, e por acaso, é o atual Governador do Rio. 2 – Governador do Estado de Goiás pelo PSDB, está com as águas da Cachoeira até o pescoço. Ele ainda tem esperanças de que continue dando pé. Improvável. Grande risco de afogamento. 3 – Subprocuradora Geral da República, esposa do Procurador Geral da República, que, após receber as denúncias das obscuras ligações entre o Senador Demóstenes Torres e bicheiro Carlinhos Cachoeira, foi suficientemente ágil para demorar um ano inteiro para iniciar as investigações. 4 – Governador do Distrito Federal pelo PT, também se encontra em grande risco de afogamento nas águas da Cachoeira. E assim, se perder o mandato junto com o colega mencionado no número 2 desta lista, o jogo fica empatado entre Governo e Oposição. 5 – Este, que em tempos remotos sofreu um impeachment do cargo de Presidente da República, vem se destacando com sua postura combativa para apurar os escândalos de corrupção que emergem ao longo das investigações da CPMI. Ou seja: surpreendentemente há piores. 6 – Procurador Geral da República, vem sendo acusado pelo número 5 desta lista de prevaricação, improbidade administrativa e crime de responsabilidade. Se considerarmos o número 5 como um expert no assunto, estas acusações são provavelmente verídicas. 7 – Deputado Federal pelo PT de São Paulo, foi flagrado se declarando para o Governador do Rio de Janeiro através de uma fofa SMS, dizendo: “Você é nosso e nós somos teu (sic)”. Muito fofo. 8 – Com sobrenome de uma grife famosa, é o dono da construtora Delta, através da qual se supõe que Carlinhos Cachoeira fazia negociatas.

9 – Deputado Federal pelo PT de Minas Gerais, é o relator da CPMI que apura as irregularidades de Carlinhos Cachoeira e suas relações com políticos e empresários. Sua excessiva serenidade vem sendo apreciada pelos investigados. 10 – Desembargador de invejável histórico de decisões a favor de Cachoeira, resolveu agir novamente, inclinado a desconsiderar as escutas telefônicas que incriminariam todos os envolvidos na Operação Monte Carlo, alegando que não se pode fazer grampo em cima de “meros indícios”. 11 – Senador, outrora tido por alguns interessados como guardião da ética na política, acabou sendo desmascarado quando suas relações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira foram reveladas. 12 – Ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado por Fernando Henrique Cardoso, encontra-se em apuros por aparecer cada vez mais nas investigações da CPMI. Adotou a técnica de atirar para todos os lados para tentar se salvar. 13 – Não. Ele não é filho de Policarpo Quaresma. Aliás, nada têm de parecidos além do nome. Editor de uma revista de grande tiragem, este jornalista tem, aparentemente, contato muito próximo como o centro das investigações da CPMI. Confessamos que se sua carreira tiver um fim, não será tão triste quanto o fim do personagem de Lima Barreto. 14 – Apesar de ter renunciado prematuramente ao mandato de prefeito de São Paulo, teve tempo suficiente para inserir a construtora Delta nos contratos firmados pela prefeitura. Quando foi governador, os contratos do estado de São Paulo com a construtora cresceram. Um recordista no quesito escândalos. 15 – Periódico de grande circulação que emprega o número 13 desta lista. Provavelmente pelo excelente funcionário que o mesmo vem se mostrando ser. Aliás, cabe a ressalva de que nem tudo que tem grande circulação é de boa qualidade. Fisiologicamente falando, nosso sistema excretor requer uma grande capacidade de circulação e VEJA só o produto final deste processo...


varal artístico A garota humana anhou o desperm para que ela se levantasse. Estr lhe pareceu Foram os raios de sol que insistira que rço cabeceira da cama. Com um esfo as cortihor tador anormalmente quieto na mel ar fech a manhã, esticou o braço par de sono. a teri fenomenal para aquela hora da a aind po tem nto ador para saber qua idiria dec se nas. Relutante, buscou o despert dia, a do sava das oito. Se não fosse a prov ecab prio pró Não tinha. Já há muito se pas seu de iu s pelo espelho do banheiro e sorr ze quin nas pelas cobertas. Correu os olho ape Com tar. bas que apontar. Um lenço teria lo, indeciso para qual direção saísse de pijamas. A e, sentiria-se satisfeita se não ldad facu à minutos para chegar o bolo de cenoura com a longa, sabendo que escolheria passagem pela cozinha não seri ia do fim de semana. pra na . Por um instante pensou itou Hes te. cola cho de ra ertu cob com prazer o pedaço. próprios pensamentos e mordeu Ah! Deu de ombros aos seus ido para combinar com o atos vermelhos que havia eleg Ao sair à rua, percebeu os sap da sua idade, que não tas sou em tantas outras garo vestido verde. E o lenço azul. Pen , com os cabelos lisos veis ecá imp ma manhã. Sairiam cometeriam tantos erros na mes do biquíni, aproveicom granola e satisfeitas dentro e penteados, restritas ao iogurte ta para si àquecare a las de moda pessoais. Fez um tando as ruas como suas passare o seu caminho, ou tinu con e s a os sapatos vermelho par iu Sorr o. âne ant inst ejo des le vam com obviedade. curiosos transeuntes que a fita divertindo-se com os olhares dos

Maria Luiza Baldez

Querer entender Às vezes buscamos definir o que não tem definição, Entender o que não tem explicação, Sentir o que não tem emoção , E amar quem não tem coração. Às vezes queremos o que não se pode querer, Pedimos o que se não pode ter, Ouvimos quem não pode falar, E acreditamos naquele que nunca pode julgar. Às vezes podemos agir, Podemos prosseguir, Podemos seguir.

Por Jovan Ferreira

Às vezes podemos entender Que nem tudo se entende, Mas se entende com o querer.

Ingrid Simpson *Quer expor aqui? Envie seu trabalho para contato@virusplanetario.net


Utopia Acredito na Utopia porque é minha realidade E se há razões para não crer E se são tempos difíceis para os sonhadores, E se o mundo se tornou cético Ainda assim, é ela minha opção. Porque... O que resta do homem sem seus sonhos? O que seria de mim sem esse ardor que me move? Que músicas estariam me acompanhando agora? Que cores ensaiariam um desenho na pele? Se a harmonia do caos é incompreendida Eu a compreendo numa sonoridade perfeita A esperança no Sonho é meu gesto de sobrevivência Vivo antes, durante e amanhã..

Aline Rochedo

Por Jovan Ferreira

Por Thercles Silva


Educação não é

Mercadoria!

em defesa dos triênios! Governador: tire as mãos do nosso triênio! Categoria não vai se deixar enganar. Em maio, o governador Cabral entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 4782), pedindo uma liminar para suspender os efeitos da Constituição Estadual, que garante aos servidores civis do estado a gratificação por tempo de serviço (triênios) sobre o valor dos vencimentos. Caso a ADIN seja aceita pelo STF, Cabral poderá cortar um direito que é uma conquista histórica do funcionalismo do estado. Desde o anúncio de que o governador havia entrado no STF com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra as gratificações do funcionalismo estadual por tempo de serviço os servidores estão se mobilizando, realizando assembleias e atividades contra mais um ataque de Cabral contra o serviço público em nosso estado. Nossa luta é justa! Não à ação de Cabral no STF que pede o fim dos triênios! Por um reajuste salarial aos professores em 2012 – não ao reajuste zero! Pela regularização da profissão dos animadores culturais! Pelo enquadramento por formação dos funcionários!

ir nse em e, à e p m e N ris pra Pa o v o com n de cabar a , a s e franc ênios! os tri

Vamos à luta em defesa dos triênios e do plano de carreirad@s educadores!

35 anos

Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro

www.seperj.org.br


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