Internações Compulsórias_O
que está em jogo com o recolhimento dos moradores de rua?
Vírus Porque neutro nem sabonete, nem a Suíça
R$5 edição nº 22 abril 2013
Planetário
para entender e derrubar o capital
Entrevista INclusiva: O geógrafo marxista inglês lança livro no Brasil e conversa sobre marxismo e megaeventos
David Harvey
Uma outra comunicação é possível!
Movimentos criam Projeto de Lei para democratizar as Comunicações no Brasil
Com conteúdo do
FAZENDO
MEDIA
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Gestão Mobilização Docente e Trabalho de Base
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Participe do abaixo-assinado: www.sindipetro.org.br organização:
Notícias da campanha: www.apn.org.br www.tvpetroleira.tv
traço livre
Por Inês Emery
Eu acredito que todas as mulheres têm o direito de se vestir como quiserem e de se comportar como bem entenderem sem serem julgadas por isso...
...Menos a Valesca Popozuda, é claro.
Ela degrada a imagem das mulheres!
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Afinal, o que é a Vírus Planetário? Muitos não entendem o que é a Vírus Planetário, principalmente o nome. Então, fazemos essa explicação maçante, mas necessária para os virgens de Vírus Planetário: Jornalismo pela diferença, não pela desigualdade. Esse é nosso lema. Em nosso primeiro editorial, anunciamos nosso estilo; usar primeira pessoa do singular, assumir nossa parcialidade, afinal “Neutro nem sabonete, nem a Suíça.” Somos, sim, parciais, com orgulho de darmos visibilidade a pessoas excluídas, de batalharmos contra as mais diversas formas de opressão. Rimos de nossa própria desgraça e sempre que possível gozamos com a cara de alguns algozes do povo. O bom humor é necessário para enfrentarmos com alegria as mais árduas batalhas do cotidiano.
O homem é o vírus do homem e do planeta. Daí, vem o nome da revista, que faz a provocação de que mesmo a humanidade destruindo a Terra e sua própria espécie, acreditamos que com mobilização social, uma sociedade em que haja felicidade para todos e todas é possível.
Recentemente, unificamos os esforços com o jornal alternativo Fazendo Media (www.fazendomedia.com) e nos tornamos um único coletivo e uma única publicação impressa. Seguimos, assim, mais fortes na luta pela democratização da comunicação para a construção de um jornalismo pela diferença, contra a desigualdade.
Expediente: Rio de Janeiro: Aline Rochedo, Ana Chagas, Artur Romeu, Beatriz Noronha, Caio Amorim, Catherine Lira, Chico Motta, Eduardo Sá, Gabriel Bernardo, Ingrid Simpson, Julia Maria Ferreira, Livia Valle, Maria Luiza Baldez, Mariana Gomes, Miguel Tiriba, Noelia Pereira, Raquel Junia, Seiji Nomura e William Alexandre | Mato Grosso do Sul: Marina Duarte, Tainá Jara, Jones Mário, Fernanda Palheta, Eva Cruz e Juliane Garcez | Brasília: Alina Freitas, Luana Luizy, Mariane Sanches e Thiago Vilela | São Paulo: Ana Carolina Gomes, Bruna Barlach , Duna Rodríguez, Jéssica Ipólito e Luka Franca | Minas Gerais: Ana Malaco, Laura Ralola e Paulo Dias Diagramação e projeto gráfico: Caio Amorim Ilustrações: Carlos Latuff (RJ), Paulo Marcelo Oz (MG) e Adriano Kitani (SP) Revisão: Bruna Barlach e Jones Mário Colaborações: Juliana Rocha Capa: Juliana Florêncio e Bruna Barlach
Conselho Editorial: Adriana Facina, Amanda Gurgel, Ana Enne, André Guimarães, Carlos Latuff, Claudia Santiago, Dênis de Moraes, Eduardo Sá, Gizele Martins, Gustavo Barreto, Henrique Carneiro, João Roberto Pinto, João Tancredo, Larissa Dahmer, Leon Diniz, MC Leonardo, Marcelo Yuka, Marcos Alvito, Mauro Iasi, Michael Löwy, Miguel Baldez, Orlando Zaccone, Oswaldo Munteal, Paulo Passarinho, Repper Fiell, Sandra Quintela, Tarcisio Carvalho, Virginia Fontes, Vito Gianotti e Diretoria de Imprensa do Sindicato Estadual dos Profissionais de Edução do Rio de Janeiro (SEPE-RJ) Siga-nos: twitter.com/virusplanetario Curta nossa página! facebook.com/virusplanetario
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Comunicação e Editora A Revista Vírus Planetário - ISSN 2236-7969 é uma publicação da Malungo Comunicação e Editora com sede no Rio de Janeiro. Telefone: 3164-3716
Editorial Ao longo de quase cinco anos de trajetória, A Vírus Planetário se envolveu com diversas lutas sociais. Passamos a nos reconhecer não apenas como revista, mas também como uma organização política engajada que reúne um conjunto de ideias progressistas. É neste tom que pedimos a sua atenção para falar de um dos temas mais importantes hoje no país: a democratização da comunicação.
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A Comunicação é um direito humano que deve ser tratado no mesmo nível e grau de importância que os demais direitos humanos. O direito à comunicação é um dos pilares centrais de uma sociedade democrática. O direito humano à comunicação incorpora a inalienável e fundamental liberdade de expressão e o direito à informação, mas não se restringe apenas a estes princípios.
Sumário
(da edição completa)
Temos que entender esse direito no sentido mais amplo, do acesso igualitário às tecnologias da informação e condições de produção, à garantia da diversidade e pluralidade de meios e conteúdos informativos, a partir de um regime equilibrado que expresse a diversidade cultural, racial e sexual. Ainda nesse sentido, o direito à comunicação se estende à garantia da participação da sociedade na definição de políticas públicas, tais como conselhos de comunicação, conferências nacionais, regionais e locais. Na prática, isso significa não aceitar como fato consumado a atual concentração da mídia, em que apenas dez famílias controlam as grandes redes de jornais, revistas e emissoras de rádio e TV em todo o país. Enquanto esses poucos usarem as concessões públicas para fins comerciais, a população continua com o direito à comunicação cerceado. Significa também lutar para que rádios comunitárias sejam estimuladas, e não combatidas. Significa trabalhar pela construção de um sistema público de comunicação, em que haja emissoras públicas fortes, geridas e financiadas com independência tanto em relação aos governos quanto ao setor privado. Significa defender o controle público da comunicação, (o que não se confunde com censura), para garantir que as concessões públicas sejam usadas em nome do interesse público. Por isso, fique atento a campanha nacional que começa esse mês para coletar 1,3 milhões de assinaturas e pautar uma nova lei de iniciativa popular do país, agora para a comunicação. Visite o site www.paraexpressaraliberdade.org.br e informe-se. Nesta edição você vai encontrar também outras lutas, na defesa pelos direitos, à educação pública, à reforma agrária, direito à saúde pública não militarizada, e dos direitos trabalhistas. E para completar, na Entrevista Inclusiva do mês, quatro páginas com David Harvey, um dos maiores intelectuais marxista contemporâneos que nos incentiva a entender e derrubar o capital. Divirta-se e boa leitura!
Infelizmente, esta edição não conta com os Passatempos Virais, pois não obtivemos verbas para conseguir imprimir 40 páginas, e lançamos com 36 páginas. Já passou da hora dos sindicatos e entidades de luta que querem democratizar a sociedade, apoiar uma uma importante iniciativa de comunicação alternativa. Afinal, não somos poucos, em nosso facebook falamos semanalmente com milhões de pessoas alcançadas, com mais de 46 mil e 500 pessoas que curtem nossa página
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Ana Enne_Quem (não) me representa?
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Sociedade_Internações Compulsórias
12 Sociedade_Estado laico, pra quê?
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Bula Cultural_Indicações e Contraindicações
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Bula Cultural_Prática Cineclubista
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CAPA_Entrevista Inclusiva_David Harvey
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Fazendo Media - Agrocoecologia como alternativa no meio rural
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Internacional_Chile, buscando a alegria que ainda não veio
28 Minas Gerais_Abril Vermelho 30 Fazendo Media - Para expressar a liberdade!
33 Sórdidos Detalhes 34
O Sensacional Repórter Sensacionalista
Ana Enne Ana Enne é professora do departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), jornalista formada pela PUC-Rio e doutora em Antropologia pelo Museu Nacional (UFRJ).
Quem (não) me
representa? Março de 2013 reservou-nos uma ingrata surpresa. O pastor Marcos Feliciano, deputado federal pelo PSCSP, foi indicado para assumir a importantíssima e estratégica presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal. Feliciano é pródigo em declarações polêmicas, de cunho homofóbico, sexista, racista e de perseguição religiosa, se tornando nacionalmente conhecido por frases como: “Africanos descendem de ancestral amaldiçoado de Noé. Isso é fato”; “A podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam ao ódio, ao crime, a rejeição” (sic); “É a última vez que eu falo. Samuel de Souza doou o cartão, mas não doou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir o milagre para Deus e Deus não vai dar”; “Eu queria estar lá no dia que descobriram o corpo dele. Ia tirar o pano de cima e dizer: ‘Me perdoe John, mas esse primeiro tiro é em nome do Pai, esse é em nome do Filho e esse em nome do Espírito Santo’” (sobre a morte de John Lennon); dentre outras pérolas. Convenhamos, é tanto aviltamento, disparate, preconceito, afirmação criminosa (porque, sim, racismo é crime no Brasil, inafiançável), que custamos mesmo a acreditar que a entrega da presidência da Comissão de Direitos Humanos a uma pessoa desse calibre não seria só uma espécie de “pegadinha”. Mas não é. Para lidar com o choque por essa indicação ofensiva e inacreditável, parte significativa dos brasileiros, através dos mais diversos movimentos e ações sociais, individuais Valesca em ensaio fotográfico em defesa da luta pela saúde da mulher | Foto: Reprodução fonte: http://www.revistatudoeetc.com/2012/08/o-falso-moralismo-do-lelele.html
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Vírus Planetário - abril 2013
Ilustração: Carlos Latuff
ou coletivas, criou uma forma de manifestação pública, batizada de “Feliciano não me representa”, indicando, através de múltiplas formas de expressão, sua não identificação com os valores e práticas do pastor Feliciano. Sabemos que representar é tornar presente, através de uso de significantes, um ausente. No caso da representação instituída, em que alguém a quem delegamos um papel fala por nós, como, por exemplo, um político eleito, acreditamos que ele irá cumprir essa delegação porque o colocamos ali por que ele nos sintetiza, é capaz de falar por nós porque nos identificamos com seus valores e práticas, porque confiamos em seu lugar moral, reconhecemos sua autoridade e sua legitimidade de falar por nós, mesmo sabendo que será impossível que o representante fale por todos, consiga agradar e sintetizar todas as visões de mundo, seja sempre retilíneo e não contraditório. Quando parte significativa de um país adere a um movimento que acusa o pastor Marcos Feliciano de não representação, o que esse brado está dizendo é: não reconhecemos seu lugar moral, sua autoridade e sua legitimidade para falar por nós; não nos identificamos com seus valores e visões de mundo; não aceitamos a sua instituição para nos substituir. Ao mesmo tempo, participei, recentemente, de episódio também muito interessante de confli-
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Não tenho dúvidas entre quem escolheria, em termos de valores, para me representar, se Feliciano ou Valesca.”
to representacional. Sou professora do curso de Estudos de Mídia, da Universidade Federal Fluminense/UFF. Em abril de 2013, uma turma de sete alunos me fez o feliz convite para ser paraninfa em sua formatura, e escolheram para patronesse a funkeira Valesca Popozuda. Adorei a ideia da turma. Em primeiro lugar, porque externaliza a vocação e a coragem do curso de Estudos de Mídia, de não se conformar com os paradigmas, de quebrar com as regras, de nos lembrar aquilo que Oswald de Andrade afirmou: “só há determinismo onde não há mistério”. É preciso, então, abrir janelas, forjar outros olhares, confundir, hibridizar, blasfemar, para quebrar os determinismos, o senso comum, as verdades cristalizadas. E isso fizeram esses sete alunos: ousaram blasfemar, homenageando não só uma personalidade não acadêmica, mas do reino do pop, do estigmatizado universo do funk; uma cantora que para alguns “banaliza o corpo feminino e contribui para a exploração da mulher”, enquanto para outros tematiza a questão da sexualidade feminina e coloca em cena discussões importantes para o feminismo; uma artista que para muitos representa o mundo da alienação, enquanto para outros tem se mostrado cidadã consciente apoiando causas de minorias, em especial a luta anti-homofobia. Ou seja, uma personagem não retilínea, contraditória, complexa, assim como a vida. Palmas para meus ousados alunos, que não se curvaram ao óbvio e se atreveram a homenagear alguém cujo comportamento e estilo artístico são
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geando Esses alunos ousaram,homena vezes uma personalidade do muitas vilipendiado universo do funk”
alvos constantes do preconceito e da distinção de classe. No entanto, não se toma uma atitude assim sem correr os riscos de suas consequências. Associarse em um projeto de identidade a quem carrega as marcas do estigma, como os funkeiros, mesmo que aparentemente protegido pelas unções do sagrado (no caso, a marca do diploma acadêmico), muitas vezes faz com que as marcas do preconceito contaminem também o defensor. E isso, a meu ver, torna a luta ainda mais necessária, mais justa, mais bonita: não temer a associação com as marcas do perigo, não se apegar às cômodas vestes da pureza. Dito e feito! A homenagem causou espanto, virou matéria em muitos jornais, recebeu levas de comentários negativos dos leitores cínicos dos portais de notícias, como o Globo, que têm a cara de pau de acusar de “baixa cultura”, “falta de cultura”, ou qualquer um desses termos preconceituosos e ignorantes acerca da diversidade e polissemia da ideia de cultura, aquele que professa um gosto diferente do seu, se esquecendo, inclusive, que para boa parte da elite intelectual que lhe serve de referência para a aplicação do rótulo preconceituoso contra o funkeiro, também ele, leitor de O Globo, num passa de um alienado, um inculto, uma grande de uma besta. Dando um tiro no próprio pé, os comentaristas dos portais apontaram suas armas contra Valesca, o funk, os formandos, a universidade, os professores, o curso e, pasmem!, Lula e a política de cotas.
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Tudo isso me fez pensar em representação, na configuração do jogo presente x ausente, no reconhecimento do lugar moral daquele que, instituído, fala por mim, fala por você, fala por nós. Não tenho dúvidas entre quem escolheria, em termos de valores, para me representar, se Feliciano ou Valesca. Por isso, não tenho qualquer hesitação em afirmar, neste artigo, que Feliciano não me representa, os preconceituosos não me representam, os comentaristas dos portais com suas visões de mundo estreita e suas ridículas necessidades de distinção (sendo leitores de O Globo!, mas que grandes de umas bestas!, diria a inteligência ainda mais distinta!) também não me representam. Valesca Popozuda, o funk, as formas de resistência da cultura popular, seus embates, contradições,
suas lutas e questões, sim, me representam. Mas me representam ainda mais os meus valorosos e corajosos alunos, que arriscam, não temem associar seus nomes ao lugar do preconceito, que sambam na cara da sociedade quando dizem que não se curvam aos dogmas e aos sacralizados, que estão aí pra fazer pensar e não para se submeter, que colocam pra dialogar o que aprendem em sala com o que vivenciam no mundo. Esses alunos, os formandos e todos aqueles que depois compraram a briga por eles, esses não só me representam, como me enchem de orgulho. Tamo junto e misturado, sempre! Confira em nosso site a resposta da mestranda e jornalista da Vírus, Mariana Gomes, à apresentadora Rachel Sherazade sobre seu projeto de mestrado sobre funk e mulheres: www.tinyurl.com/respostafunk
Campanha contra homofobia feita por Valesca Popozuda
sociedade
Internações
Compulsórias O que está
em jogo? Velho higienismo é atualizado por um contraditório discurso da proteção durante internações compulsórias de moradores de rua, usuários de droga ou não.
Assistente social corre atrás de morador de rua Foto original: Adriana Lorete
Por Lívia Valle e Miguel Tiriba O estômago retorcido. A cidade vazia, repleta de desconfiança. Ela range como as máquinas da fábrica, grita como os tiroteios ouvidos na noite passada, é dolorida como a sutil humilhação do olhar de um passante qualquer. Ela vem de novo, pra dizer que estou vivo. A fome. Menino magrinho percorre as ruas escuras, eis uma figura monstruosa, assustadora: uma criança pobre. Foi dormir, em vez de acender a pedra. Já era a décima vez seguida que conseguia isso. Enquanto seus amigos de rua faziam fumaça ao lado, ele procurava se aquecer apenas com o cobertor, tendo a companhia de seu bicho de pelúcia puído. Achou por acaso num lixo, era alguma coisa quando o futuro só existe na possibilidade de uma próxima dor de estômago. As pálpebras iam pesando, e pesaram até o dia seguinte. O sol amanhece na cidade asséptica. Alguém tira seu cobertor e o pega pelo braço. Na confusão, tentam convencê-lo, e ele tenta convencê-los, “estou sem usar há dias”, e quando percebe que seus amigos não estavam mais lá, provavelmente levados para lugares aos quais jamais chegaria, dispara. Um policial se aproxima, portando um fuzil. O menino está fraco, mas tenta. É agarrado e levado pelo outro moço de crachá, quando constata, ao fecharem a van, que seu brinquedo ficou na rua. Bate na janela, mas ignoram. Do vidro, vê seu brinquedo jogado, desimportante.
Confira a reportagem na edição completa digital ou impressa
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Entrevista INclusiva:
David Harvey
Geógrafo e marxista mundialmente conhecido, David Harvey veio ao Brasil para o lançamento de seu novo livro “Para entender o Capital” (Editora Boitempo, R$49) e nos concedeu uma grata entrevista em São Paulo na sede da Boitempo, que o presenteara com um bonequinho de Karl Marx.
Com tradicional pontualidade britânica, vestindo uma camiseta vermelha com o desenho do filósofo fundador da teoria comunista, Harvey nos recebeu com muita simpatia, tirou fotos conos10
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co e mostrou-se favorável à imprensa alternativa. Na entrevista que segue, conversamos com o geógrafo sobre tópicos propriamente referentes ao seu novo livro, que ele numa expressão feliz chamou de “guia de viagem” d’O Capital, principal obra de Marx e também sobre questões atuais do Brasil, como o advento dos megaeventos e a espoliação urbana, temas a respeito dos quais Harvey muito tem a contribuir a partir de seus estudos sobre geografia urbana. Que comece a viagem – como dissemos na capa desta edição – para entender e derrubar o capital.
Fotos: Bruna Barlach e Caio Amorim
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Não podemos usar apenas ciência para nos ditar quem queremos ser e qual o tipo de sociedade gostaríamos de construir”
o que outros cientistas pensam sobre o livro. É muito difícil quebrar essa opinião pré-concebida. Assim como o é ler o livro de fato, como algo novo, sobre o qual nada se sabe. É necessário se desfazer de suas leituras prévias. Não que estejam erradas, mas é necessário ultrapassá-las para uma boa leitura. Isso leva tempo. Certamente você formará uma opinião. Também tenho a minha, mas tento não impor minha leitura ao mostrar que essa é apenas ‘minha’ forma de ler. É necessário fazer sua ‘própria’ leitura. Assim, sou uma companhia e os convido a ler comigo.
Como o pensamento marxista pode explicar a crise mundial do capitalismo na qual estamos inseridos desde 2007? Sinto uma a diferença ao ensinar Marx hoje. Na década de 1970, quando comecei, era difícil ler o volume I do Capital e relacionálo com o que ocorria na sociedade. Naquela época havia Estados de bem-estar social nos EUA e na Inglaterra. Salários estavam subindo, a classe trabalhadora forte, os partidos na Europa eram social-democratas de esquerda ou mesmo comunistas. O mundo não se parecia com o mundo que Marx descrevia. Mas, após 30, 40 anos de políticas neoliberais, - destruindo a classe trabalhadora e suas instituições, e os devolvendo às condições de trabalho que eram descritas no Capital - é impressionante ver como o que foi dito do capitalismo é o que vimos acontecendo.
Por Ana Carolina Gomes, Bruna Barlach e Caio Amorim Qual a dificuldade de ler “O Capital” nos dias de hoje? Começamos por ser um livro complicado. Sua linguagem é muito particular, é necessário se acostumar a ela e ao senso de humor de Marx. Até para saber quando está sendo irônico e quando não está. A dificuldade está em conseguir uma imersão no livro. Também há dificuldade no fato de que todos tem uma opinião sobre o que Marx disse, mesmo sem nunca tê-lo lido. Todos já ouviram
Na década de 1990, eu trazia relatórios do processo neoliberal nas Filipinas e no México e comparava com o que foi escrito n’O Capital e era impossível diferenciar o que pertencia ao livro ou à realidade. É fácil hoje ver mais sentido entre o que disse Marx e o que está acontecendo. Depois, veio a crise. Em 1990 tínhamos certeza que o capital havia triunfado, com o final da guerra fria. ‘O marxismo está morto, tudo está perdido, fim da história’ dizíamos. ‘Tudo vai bem’, é o que nos diziam.
Confira a entrevista na edição completa digital ou impressa Vírus Planetário - abril 2013
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FAZENDO
*É isso mesmo, caro leitor, agora a Vìrus e o Fazendo Media são um veículo único!
MEDIA Abril de 2013 | Ano 10 | Número 105 | www.fazendomedia.com | contato@fazendomedia.com
a média que a mídia faz
A agroecologia como alternativa no meio rural
Por Eduardo Sá O final da década de 80 foi marcado pela ascensão do modelo neoliberal, que no meio rural se traduziu na chamada “revolução verde”. No Brasil isso representou, com a ausência do Estado, a entrada de grandes empresas de insumos agroindustriais, transgênicos e outros elementos propagados pela “modernização do campo”. A reforma agrária, no entanto, avançou muito pouco.
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Vírus Planetário / fazendo media - ABRIL 2013
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FAZENDO
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Ilustração: Carlos Latuff
Para expressar
a liberdade! Por Artur Romeu “Penso que nós não devemos ter monopólios de mídia no Brasil, onde poucas famílias mandam no setor. Isso é contra a democracia”. A declaração é do ex-presidente Lula, feita durante um debate realizado em Montevidéu pela Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA), no dia 5 de abril. A posição contrasta com os esforços tímidos do governo do PT nos últimos dez anos para avan-
Movimentos criam Projeto de Lei de Iniciativa Popular para democratizar as Comunicações no Brasil çar com a regulamentação do setor no país e, em especial, com as recentes afirmações do atual Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, ele disse que não estava disposto a bancar a regulamentação da mídia, considerando-a desnecessária. O posicionamento do ministro foi considerado pelos movi-
mentos que defendem a democratização da comunicação como uma ruptura do diálogo que havia sido minimamente aberto pelo antecessor Franklin Martins.
Para expressar a liberdade Nesse contexto, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que reúne diver-
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FAZENDO
MEDIA “
Dez grandes grupos de mídia, dirigidos por famílias, controlam o mercado de comunicação de massa no país”
“A constituição determina que a produção para rádio e televisão deve ser regionalizada, ou seja, deve haver espaço para a produção regional, e isso não acontece na grande maioria do país. A Constituição determina que não pode haver monopólio ou oligopólio de forma direta ou indireta. E é absolutamente claro que existe um oligopólio das comunicações no Brasil”, explica Dantas.
sos movimentos da sociedade civil organizados pela maior diversidade da mídia brasileira, vai lançar esse mês um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que dispõe sobre a comunicação social eletrônica no país. Para ser debatido no Congresso, a campanha (www.paraexpressaraliberdade.org.br) deve coletar um mínimo de 1% de assinaturas do eleitorado. A lei atual, que data de 1962, é considerada ultrapassada do ponto de vista da tecnologia e da democracia. Por se utilizar de um espectro eletromagnético limitado, a radiodifusão (rádio e televisão) é cedida mediante concessão pública. A legislação define que quem explora esse setor deve respeitar uma série de princípios e finalidades de natureza cultural, educativa e ética. Diretor do Capítulo Brasil da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC–Brasil), o professor da UFRJ Marcos Dantas participou do Grupo de Trabalho de Formulação do Projeto de Lei de Inciativa Popular. Ele afirma que a prática do setor das comunicações no Brasil é inconstitucional.
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A organização não governamental Repórter Sem Fronteiras, fundada na França em 1995 e internacionalmente respeitada por sua atuação na defesa da liberdade de expressão, publicou no começo desse ano um relatório intitulado “Brasil, o país dos trinta Berlusconis” (em referência ao ex-primeiro ministro italiano, conhecido como um grande magnata das comunicações). O relatório afirma que “o modelo de concentração de propriedade da mídia no Brasil afeta diretamente o fluxo de informação e freia a diversidade. Dez grandes grupos de mídia, dirigidos por famílias, ainda controlam o mercado de comunicação de massa no país.” Em outro trecho, o relatório segue afirmando que “a concentração de propriedade (da comunicação), a nível nacional e regional, e formas de censura, através de pressão econômica e política, em escala local, são as características de um sistema de mídia que não foi efetivamente democratizado desde o fim da ditadura militar. Os generais se foram, mas os coronéis persistem.” O termo coronel eletrônico é utilizado no relatório em referência ao histórico de coronelismo no país, com grandes proprietários de terra usando o poder econômico para instrumentalizar a política. Nas recomendações finais, o relatório defende uma reforma urgente na lei que possa garantir limites de propriedades no setor, democratizar o acesso às concessões públicas e regular o financiamento estatal através do gasto de propaganda do governo para apoiar setores sociais diversos. Em 2009, o governo brasileiro gastou cerca de R$ 1,5 bilhões em anúncios publicitários destinados somente para organizações de mídia com fim comercial. Representante da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC Brasil), o jornalista Arthur William defende que a democratização da comunicação é na verdade um meio de se atingir um direito humano garantindo pelas Nações Unidas. Ele argumenta que é necessário que existam leis e políticas públicas que garantam esse direito para pessoas que não têm o poder econômico. “O tratamento que se dá para rádios e canais comunitários é muito severo. A única ação do poder público é fechar, os meios comunitários não recebem nenhum tipo de facilidade. O interesse econômico predomina sobre os meios sem fins comerciais voltados para o interesse público. A desregulamentação total do setor confunde liberdade de expressão, com liberdade de empresa. Quem perde é o cidadão”, critica Arthur.
Também jornalista e integrante do Coletivo Intervozes no Rio de Janeiro, Daniel Fonsêca afirma que são poucos os países considerados como democracias mais avançadas que não possuem uma regulação da mídia. Segundo ele, um dos grandes desafios para o Brasil é abordar o tema de maneira mais afirmativa do ponto de vista do direito humano à comunicação, não apenas do ponto de vista da crítica ao oligopólio. “Temos que ter a capacidade de dialogar com a população para dizer que a comunicação é um direito constituído. Devemos pensar estratégias como fundos públicos destinados ao apoio da produção alternativa, comunitária ou local para dar viabilidade a canais de comunicação sem fins comerciais, e que esses conteúdos possam ter um canal próprio para serem veiculados. O problema é que o atual objetivo da imprensa é interditar esse debate”, afirma Fônseca.
A mudança já sonda a América Latina Na Argentina, a recente Lei dos Meios causou grandes embates nacionalmente e também nos vizinhos latino-americanos. A imprensa brasileira vociferou contra Cristina Kirchner, acusando a presidenta de estar tentando calar o Grupo Clarín (maior grupo isolado de comunicação na Argentina) já que a nova lei obrigaria o império de mídia no país a fazer um forte desinvestimento. O que pouco se disse foi que a lei era resultado de uma intensa mobilização da sociedade acolhida pela governo que incorporou as demandas existentes, dando os primeiros passos para acabar com um monopólio e fortalecer outros atores. A Lei dos Meios divide o espectro de frequência equitativamente em três segmentos, o público, o privado não comercial e o privado comercial. De acordo com diversos especialistas na área da comunicação, a legislação trás uma série de avanços ao fazer, entre outras regulamentações, a redistribuição de concessões públicas – favorecendo o surgimento de novos atores na mídia e fortalecendo meios comunitários e regionais, em especial as rádios. O Uruguai também decidiu colocar um freio nos monopólios de comunicação do país. A Secretaria de Comunicação da Presidência do governo de José Mujica editou um decreto em janeiro e limitou a quan-
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O governo não está disposto a bancar a regulamentação da mídia, considerando-a desnecessária”
tidade de afiliadas que podem ter as empresas privadas de televisão. O relatório do Repórter Sem Fronteiras cita a legislação argentina e uruguaia como exemplos para o Brasil. O professor Marcos Dantas aponta que a diversidade da comunicação está diretamente associado à proliferação de meios locais e regionalizados. Ele cita o Conjunto de Favelas da Maré, no Rio de Janeiro, afirmando que os seus moradores devem ter acesso à produção e consumo de informação que deem conta dos seus problemas a partir do ponto vista da Maré, para fazer um contraponto aos preconceitos de rádios de grande alcance, como a CBN. Além de aumentar o espaço para esses meios comunitários, o Estado pode fortalecer a diversidade fazendo melhor a redistribuição de verbas públicas. A Secretaria de Comunicação da Presidência da República é responsável por alocar a publicidade governamental – mas, segundo Dantas, os critérios burocráticos utilizados favorecem grandes grupos de comunicação com larga audiência. Ao prever critérios democráticos, e não somente técnicos, o governo pode viabilizar e fortalecer a diversidade na comunicação. “O mais importante disso tudo é o seguinte: que a sociedade, na sua diversidade, se veja projetada no seu som e na sua imagem. Se eu sou índio e pego uma televisão globo e o índio não existe, então eu não existo. Vivemos numa sociedade mediatizada, na qual boa parte do papo gira entorno do que você leu, viu ou ouviu no jornal. Precisamos ampliar esse processo para aqueles que não estão mediatizados, que não vão entrar pelo viés comercial – monetizável. Queremos criar mais alternativas de visão de mundo”, afirma o professor Marcos Dantas.
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Educação Estadual
anos
na luta!
Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro
Vitória da luta dos animadores culturais das escolas estaduais do Rio:
TJ impede a extinção do cargo Os animadores culturais das escolas estaduais conquistaram uma grande vitória: em abril, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acatou a apelação do Sepe contra uma ação movida pelo Ministério Público Estadual (MP), que pede a extinção da categoria no quadro da Secretaria Estadual de Educação (SEEDUC), prejudicando centenas de profissionais. Com isso, o julgamento da ação do MP volta à vara de origem, com a exigência de que todos os 476 animadores sejam ouvidos e exerçam o seu direito de defesa – o que dará mais tempo para que a categoria conquiste a regularização de sua situação junto ao governo do estado e Assembleia Legislativa.
nal de Animadores culturais em frente ao Tribu
Justiça
A decisão do Tribunal representa uma grande vitória para a luta dos animadores culturais das escolas estaduais que há 30 anos lutam para terem sua situação regularizada junto à SEEDUC e ver seus direitos trabalhistas garantidos. Agora, é seguir a luta pela regulamentação e todos os demais direitos.
>>Direitos não reconhecidos Os profissionais da animação cultural existem nas escolas estaduais desde 1983, quando foram criados os CIEPS. A profissão tem como objetivo oferecer um instrumento educacional e cultural para a comunidade escolar. O animador exerce o papel de motivador; interagindo com os alunos, no sentido de conduzi-los à prática cultural. No entanto, a animação cultural foi colocada como função gratificada. Com isso, esses profissionais ficaram num limbo funcional, que se agravou quando, por decisão do Supremo Tribunal Federal, teve seu recolhimento previdenciário passado para o INSS. Isso fez com que os onze anos recolhidos para a Previdência do estado não fossem repassado para o INSS.
Por conta de toda essa situação e pelo reconhecimento do trabalho dos animadores, bem como para se fazer justiça, em 2010 a Alerj aprovou a emenda constitucional nº 44, que inclui a Animação Cultural na Constituição do estado, sinalizando para o governo estadual que ele poderia regulamentar a situação funcional desses profissionais. Em 2011 o Ministério Público “descobriu” que esses profissionais existem. Mas, ao invés de o MP reconhecer os direitos trabalhistas do segmento, pediu a extinção do cargo e a consequente demissão de todos os 476 animadores que ainda trabalham nas escolas. A apelação ganha pelo Sepe no TJ, no entanto, barrou essa demissão.
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