Caderno do Festival de Cinema de Vitória - Homenageado Nacional Gilberto Gil

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Gilberto Gil

HOMENAGEADO NACIONAL

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MinistĂŠrio do Turismo apresenta

Gilberto Gil

Homenageado Nacional VitĂłria - ES, novembro de 2020



Gilberto Gil é um dos artistas que melhor consegue reunir tradição e contemporaneidade em sua obra. Baiano, nascido no sertão do Nordeste, sua carreira começou no acordeon, ainda nos anos 50, inspirado pelo mestre Luiz Gonzaga. Levou sua musicalidade ao violão e à guitarra elétrica, pouco depois, chegando a fundar a Tropicália em 1963, ao lado de Caetano Veloso e outros grandes artistas da época. Além de deixar seu nome marcado no cenário musical brasileiro, Gil emprestou o seu talento para diversas produções audiovisuais, como o filme Eu, Tu, Eles (2000), de Andrucha Waddington, em que atua como curador musical. Fez sua primeira colaboração para o cinema ainda em 1969, no filme Brasil Ano 2000, de Walter Lima Jr., e, no ano seguinte, assinou a trilha sonora de Copacabana Mon Amour, de Rogério Sganzerla. Entre suas diversas outras participações, destacam-se, ainda, os filmes Quilombo (1984) e Um Trem Para as Estrelas (1987), ambos de Cacá Diegues, além das adaptações da obra de Jorge Amado realizadas por Nelson Pereira dos Santos: com a canção “Babá Alapalá” (1977), que abre o filme Tenda dos Milagres, e a música tema de Jubiabá (1987). Já como personagem, Gil aparece nos documentários Doces Bárbaros (1976), de Jom Tob Azulay; Tempo Rei (1996), de Andrucha Waddington, Lula Buarque e Breno Silveira; e Viva São João! (2001), de Andrucha Waddington. Neste ano, o Festival exibirá um trecho do inédito Disposições Amoráveis, de Ana de Oliveira, que traz as percepções do artista passando por Chile, Índia e Uruguai. Sem dúvidas, Gil inspirou diversas obras do cinema nacional, assim como foi inspirado por elas para criar composições e deixar registradas sua sensibilidade e genialidade em diversas trilhas sonoras. Gilberto Gil é a síntese do melhor do Brasil. Uma explosão de talento, carisma, inteligência e representatividade. É uma honra e um prazer reverenciá-lo e, desta forma, homenagear o nosso país. Lucia Caus Diretora do 27º Festival de Cinema de Vitória



Sumário Apresentação · 07 Os primeiros passos · 13 A música ganha a sensibilidade de Gil · 17 De Salvador para o mundo · 22 Festivais de música, a vitrine para grandes plateias · 27 Tropicália, a geleia geral da diversidade · 33 Back in Bahia (a volta) · 41 Tão doces, tão bárbaros · 44 A família, amores e canções para os amores · 47 Degraus do sucesso e o pé na política · 51 O do-in antropológico na cultura · 57 O Cinema e outras telas · 61 Gilberto, Beto, Gil, Giló · 75 Discografia · 81 Prêmios e indicações · 85 Depoimentos · 89



Apresentação

Gilberto, Beto, Gil, Giló Vem de longe a afinidade de Gilberto Gil com o prefixo Re. De Refazenda, Refavela e Realce, a trilogia de discos dos anos 1970 que deu o tom pós-tropicalista da sua obra e do movimento musical de 1967 e 1968. Eis-me enovelado em mais um re, o de revisitar sua carreira, reconhecer o intelectual e filósofo artístico, e restituir-lhe a glória que, convenhamos, o super-homem Gil nunca perdeu. Suas tantas faces e fases artísticas são reveladoras da potência e representatividade que o artista imprime, tatoo definitiva, no corpo da cultura brasileira. Gil é o poeta da reinvenção. O camaleão dançante, o da voz e do violão, o ministro da Cultura que, em ato inédito, incendiou o plenário da ONU com show para celebrar a paz. Ele é pop, rock, afoxé, forró, bossa-nova e deixa as cadeiras ondulantes no requebrado de um samba ou de um reggae. Se o palco lhe abre os braços, lá está ele. Se a quarentena o confina, nada como uma live pra matar a saudade que a falta do seu canto nos dá. Nessas seis décadas de carreira, Giló, como o apelidou Rita Lee em canção homônima, construiu pontes com seu público e, entre letras e melodias, teceu desenhos afetivos como os que aprendeu com as agulhas de tricô da avó na infância. Quem ouve uma canção de Gil, de alguma forma, é tocado pela delicadeza, pela reflexão ou pela alegria de sair pela pista em rodopios. A sensibilidade com que alimenta o seu ofício sustenta a nossa emoção como espectadores. Fernanda Torres observa que o contentamento de Gil com algo que lhe emocione desemboca sempre numa lágrima no canto do olho. Não à toa, Jorge Mautner dizia versos de Maiakóviski antes de Gil cantar “Só chamei porque te amo”: “comigo a anatomia ficou louca/ sou todo coração”. Sem concessões à delicadeza da vida, porque ele é não só a “semente da ilusão”, mas flor e fruto delicados no canto, nos versos, nas palavras que ondulam quando fala. Revisitar Gil ensinou-me novos prefixos e sufixos em desconcertante gramática de texturas, sons e poesia. Um passeio por funduras e

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superfícies deste artista aberto a explosões criativas, nos convidando para seus incêndios, aquele “fogo eterno pra afugentar o inferno pra outro lugar”. Na sua biografia, ele confessa que nunca quis ser um só: entre Gilberto, Beto, Gil e Giló, eu prefiro todas as versões.

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“Nasci com a predisposição para a suavidade (...) do entendimento de que nada é só uma coisa só, nada é só bom, nada é só ruim, nada é só uma cor, tudo tem matiz, tudo tem áreas de luz e sombra.”





Os primeiros passos Salvador, capital da Bahia de Todos os Santos e Orixás, não tinha 300 mil habitantes quando Gilberto Passos Gil Moreira nasceu, em 26 de junho de 1942 e, com apenas vinte dias de nascido, deixou o bairro de Tororó, na capital, para morar em Ituaçu, com não mais que 800 habitantes na época. Do mar para o sertão, o menino Beto (como sua mãe Claudina, a dona Cola, e o pai José Gil, seu Zeca, o chamavam) viveu sua primeira infância, até os nove anos, na cidade onde começou a ganhar régua e compasso baianos. A família era pequena. Além dos pais, Gil teve apenas uma irmã, Gildina, nascida um ano depois dele. A escolha do nome Gilberto foi homenagem a um amigo de infância do pai. As crianças não chegaram a conhecer os avós que foram substituídos por Lídia, irmã do pai, a tia-avó que exerceu influência decisiva na vida da família. A lembrança se mantém viva para Gil, como relata na biografia “Gilberto bem de perto”, da jornalista Regina Zappa: “Minha avó cuidava do dia a dia. Aprendi a escrever, a ler, a contar, as primeiras histórias, Monteiro Lobato, os primeiros livros. Minha mãe era a disciplinadora, no sentido de exigir atenção aos valores morais, aos horários. A avó era mais liberal, era o afeto, a coisa lúdica”. A tia-avó, professora primária conceituada em Salvador, era solteira e o costume naquele tempo era o de mulheres solteiras cuidarem da educação básica das crianças da família. Lídia cumpriu a sina e foi morar em Ituaçu para ser uma espécie de tutora de Gil e Gildina enquanto os pais trabalhavam. José era médico e Claudina professora. Gil, portanto, não frequentou a escola na primeira infância, o que iria acontecer mais tarde no Colégio Marista, em Salvador. Os primeiros aprendizados da educação em domicílio foram vitais para o futuro do menino. Junto com os estudos de tabuada, gramática, história, geografia e desenho, havia o lado lúdico da casa, com cheiros vindos da cozinha, os temperos baianos, as ervas medicinais e bichos no quintal. Isso tudo misturado ao mundo de Monteiro Lobato e o Tesouro da Juventude lidos pela avó e, mais tarde, pelas

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próprias crianças já alfabetizadas. Nesse convívio doméstico, Gil também ouvia os programas de rádio e se rendeu às prendas domésticas: “Minha avó ensinava a costurar, fazer crochê, bordado. Tinha os círculos de madeira que esticavam e prendiam o tecido, e ela bordava com as linhas de várias cores, verdes para as folhas, rosas para o corpo das flores. Eu e minha irmã aprendendo. Eu gostava de tricô. Crochê era mais difícil, eu não gostava. Eu gostava de tricotar”, revela na biografia “Gilberto bem perto”, título retirado da canção “Giló” que Rita Lee fez pra ele quando se apresentaram juntos no show Refestança, em 1977. “Minha avó nos sequestrou”, conta Gil, quando Lídia tomou para si a educação dele e da irmã. A mãe dava aulas na escola formal, e a avó, em casa. Claudina educava as crianças com disciplina, atenta aos valores morais, à ética e aos bons modos à mesa. O pai Zeca era afetuoso, dava colo e levava Beto para passeios nos lugares onde atendia seus pacientes. Gil guarda até hoje o temperamento cordato e tranquilo do menino de Ituaçu. Para os pais, fez, em 1975, a bela canção “Pai e mãe”: Eu passei muito tempo 14

Aprendendo a beijar Outros homens Como beijo o meu pai Eu passei muito tempo Pra saber que a mulher Que eu amei Que amo Que amarei Será sempre a mulher Como é minha mãe Como é, minha mãe? Como vão seus temores Meu pai, como vai?


Diga a ele que não Se aborreça comigo Quando me vir beijar Outro homem qualquer Diga a ele que eu Quando beijo um amigo Estou certo de ser Alguém como ele é Alguém com sua força Pra meu proteger Alguém com seu carinho Pra me confortar Alguém com olhos E coração bem abertos Pra me compreender. A música foi feita em 26 de junho, data no seu aniversário, e gravada no disco Refazenda, em 1975. Foi o que o compositor chamou de “manifesto da nova afetividade que se desenvolvia na época. Indiscriminada com relação a sexo”. Caetano a considera uma das músicas mais profundas sobre afetividade que sua geração produziu. Seu pai ficou encantado com a homenagem, e Gil decifra a repercussão da canção: “Por ter sido bem construída, com exemplares de homem e mulher no pai e na mãe, não rendeu distorções por conta da letra que fala de ‘aprender a beijar outros homens’. Não era sobre sexo, mas sobre afeto.” “Pai e mãe” era unanimidade no repertório dos shows da época, como se a plateia se identificasse com a ideia de transferência do amor materno e paterno para todas as relações afetivas. Mais tarde, ela foi gravada com a mesma delicadeza original nas vozes de Emílio Santiago e Ney Matogrosso.

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A música ganha a sensibilidade de Gil As feiras da pequena Ituaçu reuniam cantadores, violeiros e trovadores para encanto de Beto, que também se divertia nas festas juninas. O som sertanejo dos foles e cordas foi a primeira referência musical, junto com as músicas tocadas no rádio Philips que a família tinha em casa. Na casa de vizinhos, aonde sempre dava um jeito de ir, as vitrolas exerciam fascínio sobre ele com os discos de Bob Nelson, Carlos Galhardo e Francisco Alves, o Rei da Voz. A Rádio Nacional, a estação mais prestigiada dos anos dourados, está igualmente entre as primeiras referências que atiçaram o espírito musical do menino, dos programas de auditório com as estrelas Angela Maria, Cauby Peixoto e Dalva de Oliveira aos shows de calouros e às radionovelas. A grande influência, no entanto, viria com outro rei, o do Baião, Luiz Gonzaga: “Esse ganhou de todo mundo. Ele era muito pop, com aquela roupa, aquela sanfona. Diferente de tudo e ao mesmo tempo muito próximo”, diz o fã, que ouviu Gonzagão pela primeira vez no alto-falante da cidade, meio de comunicação comum até hoje em cidades do interior. A audição de Luiz Gonzaga provocou nele identificação imediata. A intimidade com o sertão e o modo como ele retratava a cultura nordestina eram pontos de contato com a realidade vivida por Gil. Em entrevista ao poeta Augusto de Campos e Torquato Neto, ele define: “O primeiro fenômeno musical que deixou lastro muito grande em mim foi Luiz Gonzaga. Eu fui criado no interior do sertão da Bahia, naquele tipo de cultura e ambiente que forneceu todo o trabalho dele em relação à música nordestina (...) era o primeiro porta-voz da cultura marginalizada do Nordeste. Antes dele, o baião não existia. Era um ritmo longínquo do Nordeste. Luiz Gonzaga fez com que a música nordestina, que era até então apenas folclore, coisa das feiras, dos cantadores, no nível da cultura popular não massificada, o mesmo que João Gilberto fez com o samba.” A admiração pelo ídolo o levou a aprender acordeão, aos dez anos, antes do violão, que viria a ser seu instrumento mais constante. Quando

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saiu de Ituaçu com a irmã para estudar o ginásio em Salvador, além dos estudos na escola e incentivado pela mãe, foi estudar acordeão na academia de música. Foram quatro anos de estudos para a formação como acordeonista pelas mãos do professor espanhol José Benito Colmenero. O instrumento estava na moda naquela época, e muito se deve à influência do Rei do Baião: “A grande força inovadora veio com Luiz Gonzaga, que inventou um acordeão para o Brasil, para uma música propriamente brasileira, para o baião, o xaxado e o xote”, explica. A obra de Gilberto Gil tem vários momentos de demonstração de afeto por meio das canções. No aniversário de 73 anos de Gonzagão, ele foi convidado para a festança em Exu, cidade natal do aniversariante, e o presente não poderia ser mais luxuoso. A data 13 de dezembro foi, então, a inspiração para o título da música que compôs para o ídolo: Treze de dezembro É que hoje é treze de dezembro E a treze de dezembro nasceu nosso rei O nosso rei do baião A maior voz do sertão Filho do sonho de Dom Sebastião 18

Como fruto do cometa Januário Com a estrela Sant’anna Ao romper da era do Aquário No cenário rico das terras de Exu O mensageiro nu dos orixás É desse treze de dezembro que eu me Lembrarei E sei que não me esquecerei jamais. Gonzaga foi a primeira e decisiva influência musical. Muitas outras viriam depois. João Gilberto, Dorival Caymmi e Beatles seriam alguns dos futuros ídolos, molde para o seu talento. O violão de João e a poesia litorânea de Caymmi, de formas distintas, lhe deram o


desenho preciso do artista que viria a ser. A musicalidade e o violão de Gil são considerados únicos por conceituados críticos e artistas da música brasileira e internacional. Quincy Jones, produtor e arranjador lendário de grandes nomes nos Estados Unidos, quando lhe perguntaram qual música ouviria numa ilha deserta, não titubeou: “Citar Miles Davis ou os reis do blues seria óbvio demais. Eu levaria a música de Gilberto Gil.” O antropólogo e pesquisador musical Hermano Vianna lembra de um desses elogios em Nova York, onde Gil se apresentava em concerto beneficente para o Creative Commons: “sinto a aproximação de uma pessoa emocionada que me aborda com a seguinte pergunta, na bucha: ‘Existe algum músico mais incrível que ele?’. Quem pergunta é Jon Pareles, editor de música popular do New York Times e da Encyclopedia of Rock and Roll, da Rolling Stones, um dos nomes mais poderosos na crítica musical do planeta.” Para chegar a este patamar, Gilberto Gil não contou só com o talento natural. Depois do acordeão, dona Claudina presenteou o filho com um violão, e ali começava, ainda verde, o selo gilbertiano de qualidade que amadureceria com muito trabalho, aquele afinco e determinação que os grandes possuem para lapidar o dom recebido. Mas lá pelos seus 15 anos, o violão ainda não fazia parte da sua verve musical. Com domínio do acordeão que tocava nas festas do bairro Santo Antônio, em Salvador, foi chamado para gravar um jingle na rádio. Ali conheceu Jorge Santos, dono de uma pequena agência de publicidade, que lhe abriu as portas para o ofício da música como profissão. Com a visão e os ouvidos mais aguçados, Gil fez a descoberta que mudaria os rumos da sua trajetória musical, ao ouvir João Gilberto, pelo rádio, cantando “Chega de saudade”. A voz e a batida do violão de João Gilberto excitaram a curiosidade do adolescente de 16 anos que ligou para a Rádio Bahia para saber detalhes sobre o cantor. “É um lançamento novo, um cantor novo, baiano, uma gravação da Odeon que veio do Rio de Janeiro”. Ele não perdeu tempo e foi atrás do disco que reunia, além de João, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, que fizeram música e letra da obra que

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viria ser a canção fundante da Bossa Nova, “Chega de saudade”, gravada por Elizeth Cardoso em 1958, acompanhada por João Gilberto. O violão veio como presente da mãe e, dali em diante, por conta própria, passou a estudar o instrumento tentando imitar a batida do mestre João. Vieram as primeiras canções, os sambas e bossa-nova, o despertar de novo olhar musical. “Felicidade vem depois” foi sua primeira música, aos 17 anos, bem bossa-novista, gravada mais tarde por Paulinho da Viola: Se você disser Que ainda me quer, amor Eu vou correndo lhe abraçar Seus beijos, seus carinhos Vivo a procurar Como um poeta busca inspiração Nas noites de luar. Se você disser Que ainda me quer, amor Eu vou correndo lhe apanhar 20

E unidos, bem juntinhos Partiremos só nós dois E o bom, felicidade, vem depois. Dos estúdios de gravação dos jingles, Jorge Santos começou a produzir programa próprio para a TV Itapuã e sempre convidava Gil para cantar suas músicas. Foi ali que Caetano o conheceu, já que o programa era bem popular, e de onde vem a famosa frase de dona Canô quando Gilberto Gil aparecia na tevê: “Caetano, venha ver aquele preto que você gosta”. A frase deu origem ao samba de roda “Dona Canô”, de Neguinho do Samba, gravado por Daniela Mercury: “Hoje Caetano e Gil estão juntos na tv/ outro dia dona Canô disse:/ Caetano venha ver/ aquele preto que você gosta/ aquele preto que você gosta/ está cantando na tv.”


O disco de estreia, “Gilberto Gil – sua música, sua interpretação”, com composições próprias, foi lançado em 1963, e trazia os vocais das irmãs “baianinhas”, como Vinicius de Moraes as chamava carinhosamente e que viriam formar o Quarteto em Cy. Àquela altura, Gil cursava Administração de Empresas na Universidade Federal da Bahia, num tempo em que a profissão de administrador começava a ganhar o mercado de trabalho. Assim que se formou, em 1964, foi recrutado pela Gessy Lever para trabalhar em São Paulo. Uma nova fase, com outras possibilidades, se abriria para Gil. Antes, porém, a vida seguia em Salvador, agora com círculo de amizades ampliado junto daqueles que seriam a raiz do movimento Tropicalista: Caetano Veloso, Gal Costa e Tom Zé, além de Maria Bethânia, que não faria parte do movimento. Em 1964, antes da sua ida para São Paulo, o quinteto baiano estreou o show “Nós, por exemplo”, com direção de Caetano, inaugurando o Teatro Vila Velha. No repertório do grupo, muita bossa-nova e sambas de Noel Rosa, Ismael Silva e Ataulfo Alves. O show foi um sucesso que os fez mais conhecidos entre os soteropolitanos. Pouco depois, Nara Leão, a musa bossa-novista, passa por Salvador para fazer um show e conhece a turma toda. Foi ali que, com seu faro para a novidade, descobriu a cantora que a substituiria no show Opinião, no Rio de Janeiro: Maria Bethânia. Com o mano Caetano a tiracolo (exigência dos pais), Bethânia começava, a partir daquele show, sua carreira de sucesso.

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De Salvador para o mundo Já estamos em 1965 e Gil, convocado para trabalhar na Gessy Lever, também se muda para o Sul Maravilha, já casado com Belina, a primeira mulher. O cargo na empresa foi pretexto para o objetivo principal, a música. Em São Paulo, foi conhecendo toda a turma emergente ou de sucesso da época: Chico Buarque, Edu Lobo e Baden Powell. Dali ele chegaria àquela que seria um importante trampolim para sua carreira: Elis Regina. A cantora, estrela do programa “O fino da bossa”, da TV Record, o convidou para ir em casa e quis ouvir suas músicas por sugestão dos amigos Edu, Baden e Ruy Guerra. “Elis era a Pimentinha, sempre entusiasmada e sisuda, sempre olhando a distância antes de olhar para você. Ela ficava de longe, assim, para depois se dirigir a você. Era uma figura totalmente teatral”, lembra Gil na biografia, enfatizando o gosto da cantora por descobrir novos talentos e músicas de qualidade. Foi assim com Milton Nascimento, Edu Lobo, João Bosco e Aldir Blanc, Ivan Lins e Belchior, só pra citar alguns dos seus preferidos.

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“A minha espiritualidade pende mais para o niilismo, para o lado do nada do que para o lado de todas as coisas, embora eu respeite todas as coisas tambĂŠm.â€?





Festivais de música, a vitrine para grandes plateias A efervescência cultural dos anos 1960 e a convivência com o pessoal do teatro de Arena, do Cinema Novo e da Bossa Nova estimulou Gil a deixar o cargo na Gessy Lever para embarcar de vez na viagem musical. O público só viria conhecer o seu trabalho quando começou a mostrar as músicas nos festivais, celeiro de novos talentos. Mais uma vez, Elis Regina foi quem defendeu a sua “Ensaio geral” no II Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, em 1966, quando ficou em quinto lugar. A vencedora foi “A banda” de Chico Buarque. 1967. É chegada a hora do primeiro LP, “Louvação”, lançado por uma grande gravadora, a Philips. Os depoimentos na capa do disco deram o tom das credenciais artísticas do compositor baiano naquele início de carreira. O jovem Chico Buarque dá mostras da admiração: “Sua música se desenrola tal qual uma serpentina que antes de terminar seu passeio dá um giro a mais, só pra nos surpreender”. O amigo Caetano também comparece com elogios: “Prefiro descobrir e ressaltar que a verdade mais profunda da beleza do seu trabalho está no risco que corre ao descobrir uma beleza maior: a capacidade de criar uma obra inteira, assumindo o Brasil inteiro.” Torquato Neto é definitivo: “Há várias maneiras de se cantar e fazer música brasileira. Gilberto Gil prefere todas (...) está pronto para assumir o lugar que o situa – entre Chico Buarque e Edu Lobo – como o compositor mais fértil e importante da música brasileira atual.” O ápice dos festivais para Gil foi a sua apresentação de “Domingo no parque” no III Festival de Música da TV Record, em 1967. A canção tem inspiração no universo de Caymmi, nos quadros do pintor Clovis Graciano evocando a Bahia, e a história de Juliana, João e José é contada como se assistíssemos a um filme, com cena por cena se desenrolando na nossa imaginação. Amor não correspondido, diversão e morte se misturam na canção do trio de protagonistas.

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O autor conta como nasceu a música, feita no hotel onde se hospedavam ele e Nana Caymmi, sua mulher na época, depois de encontro com Graciano e o contato com suas pinturas de barcos e paisagens marinhas que lhe trouxeram a lembrança de Dorival Caymmi: “Fiquei com aquilo tudo na cabeça, as histórias de pescadores, aquelas imagens praieiras, aqueles negros fortes. Peguei o violão e veio logo a ideia de um som de berimbau. Queria dar um toque de capoeira à música. Além disso, tinha visto a ciranda em Pernambuco e fiquei com aquilo na cabeça. Aí veio a ideia de que a cena se passava na Ribeira e na Boca do Rio, lugares importantes na Bahia. Saiu tudo de uma vez só. Nana dormindo. Amanhecendo, cinco da manhã, eu cutuquei a Nana e disse: ‘ouça aqui’. Era “Domingo no parque”. E Nana disse: ‘Você fez! Está bonito, está ótimo!’”

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A novidade da canção apresentada no festival era a liga musical buscada pelo compositor entre o primitivo/o berimbau da capoeira, o moderno/as guitarras elétricas dos Mutantes, o acústico/o violão de Gil e o erudito/instrumentos de orquestra e arranjo do maestro Rogério Duprat. A canção colheu polêmicas, vaias (dos mais puristas) e aplausos do público e ficou em segundo lugar, enquanto “Ponteio”, de Edu Lobo e Capinan, foi a vitoriosa daquele ano de 1967. “Domingo no parque” é considerada, junto com “Alegria, alegria”, de Caetano, que ficou em quarto lugar no mesmo festival, o marco inaugural da Tropicália. A mistura inusitada de elementos, a geleia geral de que falaria Torquato Neto na música composta com Gil a transformaram num hino do Tropicalismo. A carreira de Gilberto Gil subia importante degrau depois da apresentação histórica e literalmente “febril”, já que ele inventou uma febre pouco antes da apresentação por medo das reações que poderiam vir. Certamente, o vice-campeonato no festival diminuiu a temperatura e ele pôde brindar o feito.


Domingo no parque O rei da brincadeira – ê, José O rei da confusão – ê, João Um trabalhava na feira – ê, José Outro na construção – ê, João A semana passada, no fim de semana João resolveu não brigar No domingo de tarde saiu apressado E não foi pra Ribeira jogar Capoeira Não foi pra lá pra Ribeira Foi namorar O José como sempre no fim de semana Guardou a barraca e sumiu Foi fazer no domingo um passeio no parque Lá perto da Boca do Rio Foi no parque que ele avistou Juliana Foi que ele viu Juliana na roda com João Uma rosa e um sorvete na mão Juliana, seu sonho, uma ilusão Juliana e o amigo João O espinho da rosa feriu Zé E o sorvete gelou seu coração O sorvete e a rosa – ô, José A rosa e o sorvete – ô, José Oi, dançando no peito – ô, José Do José brincalhão – ô, José O sorvete e a rosa – ô, José

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A rosa e o sorvete – ô, José Oi, girando na mente – ô, José Do José brincalhão – ô, José Juliana girando – oi, girando Oi, na roda-gigante – oi, girando Oi, na roda-gigante – oi, girando O amigo João – oi, João O sorvete é morango – é vermelho Oi, girando, e a rosa – é vermelha Oi, girando, girando – é vermelha Oi, girando, girando – olha a faca! Olha no sangue na mão – ê, José Juliana no chão – ê, José Outro corpo caído – ê, José Seu amigo João – ê, José Amanhã não tem feira – ê, José Não tem mais construção – ê, João Não tem mais brincadeira – ê, José 30

Não tem mais confusão – ê, João.




Tropicália, a geleia geral da diversidade Em 1967, Gil viajou para uma série de shows em Recife e conheceu a diversidade cultural de Pernambuco. Quando ouviu a Banda de Pífanos de Caruaru, sentiu que havia, naqueles sons, um deslumbramento com os instrumentos rudimentares, as flautas toscas, o que o remeteu, com sua mente em ebulição, ao mesmo som dos Beatles: “Paul McCartney tocava um baixo de uma corda só tão tosco quanto aquelas geringonças musicais nordestinas. E soavam, ambos, como as trombetas do Apocalipse pra mim. Eram a mesma coisa”, descreve no livro “Disposições Amoráveis”, série de entrevistas/diálogos organizados por Ana de Oliveira. “As guitarras elétricas para os meninos de Liverpool eram a mesma coisa que as flautas e os tambores da Banda de Pífanos. No fundo, ambos só queriam inventar e anunciar o eterno novo com suas invenções”. Era o Velho Mundo dos garotos de Liverpool com suas modernidades, e a banda de camponeses pobres do agreste pernambucano inspirando para ele o mesmo sentimento. “Os Beatles, a narrativa, o romance da nova globalização. A Banda de Pífanos de Caruaru, o mandacaru perseverante, florescente na caatinga. Essas manifestações se expressavam para mim no plano mais modesto e suave da intuição, assim, pela lente poética”. Enquanto isso, Caetano Veloso ouvia Bob Dylan e o primeiro disco de Jimmi Hendrix, que saiu em 1967. Eram também as referências musicais de Rita Lee e Os Mutantes, de Rogério Duprat, Torquato Neto e Capinam. O estímulo fora dado para criarem algo que misturasse essas tendências na busca de um movimento arrojado como “chacoalhar os extratos convencionais misturando guitarra e berimbau”, pensou Gil alinhado a Caetano. O primeiro resultado dessa ideia foi o disco “Tropicália ou Panis et Circencis”, com a dupla mentora mais Gal Costa, Tom Zé, Capinam, Os Mutantes, representando o rock paulistano, Rogério Duprat, com sua veia rebelde de músico erudito, e Nara Leão. Muitos

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colegas torceram o nariz. Preferiam a música brasileira afixada em suas origens, abominavam as guitarras elétricas, e alguns taxaram o grupo de alienado. Gil destrincha o cerne do Tropicalismo: “No mundo inteiro, falava-se da mudança comportamental. O disco Tropicália falava disso. Era no Brasil o primeiro eco forte desse internacionalismo novo, da globalização, e preparava o terreno da internet, avant la lettre, com os visionários desempenhando o seu papel na história. Eles são puxados por aquilo. É o sentimento, a intuição.” O repertório do disco, lançado em 1968, traz canções tocadas e ouvidas até hoje pelas novas gerações, como “Baby” ou “Panis et Circencis”. Sobre o disco, o poeta concretista Augusto de Campos, incluído entre as referências estéticas do grupo, escreveu: “Em vez de fazer a revolução musical na epiderme temática, Gil, Caetano e seus companheiros estão fazendo uma revolução mais profunda, que atinge a própria linguagem da música popular. Por isso mesmo eles incomodam, mais do que os muitos protestistas ostensivos, logo assimilados pelo sistema.”

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O rompimento com as regras estéticas vigentes misturado com a ebulição cultural e comportamental de outras partes do mundo deram o impulso para a Tropicália. A liberdade sexual, o feminismo, os movimentos das minorias, a ecologia como tema de debates ou o ideal de liberdade dos hippies foram ingredientes que se somaram à nova ordem, ao pensamento moderno de uma época que revirou conceitos em tudo o que viria depois. Era a Tropicália abrindo, segundo Gil, “a pós-modernidade brasileira”. Os tropicalistas reconhecem que o movimento não surtiu efeito imediato no seu momento inaugural. Os resultados, no caso de Gilberto Gil, vieram de fato quando ele voltou do exílio em Londres, imposto pela ditadura militar a ele e Caetano, com prisão no Brasil antes de serem “convidados” a deixar o país. Os anos de chumbo não deram trégua aos artistas emergentes e demonizados como os arautos da subversão, quando, na verdade, eles foram os anunciadores de novos tempos. Chico Buarque, Geraldo Vandré e Edu Lobo eram


alguns dos nomes “subversivos” na lista do governo militar e que tiveram de procurar rumo fora do país. Londres foi uma espécie de pós-graduação artística para Gil. A escolha da Inglaterra para morar não foi ao sabor do acaso. Era a terra dos Beatles e dos Rolling Stones, referências muito fortes na sua obra, e o que se fazia musicalmente lá, tudo isso foi fundamental para estreitar a afinidade com aquele universo. “Eu comecei a ver os shows dos caras, o que os músicos estavam fazendo e cantando, as lojas de discos, eu dizia: ‘olha aqui, eu tô num ambiente gostoso, estou num lugar onde vou poder contribuir, seja pelo menos pra me sentar quieto num canto e ouvir tudo o que acontece’. E eu aprendi muito mesmo.” Na volta do exílio, lançou, entre 1975 e 1979, a trilogia Re: os álbuns Refazenda, Refavela e Realce, considerados por ele, aí sim, a síntese tropicalista do seu trabalho. Ou seja, o pós-tropicalismo nos anos 1970 é reconhecido como a maturação do movimento. O tempo e espaço, com olhar distanciado, fez Gil perceber a importância e influência da Tropicália com os trabalhos que vieram depois: “Estilo musical ali naquele momento não foi, não teve tempo de dar conta de ser (...) O trabalho d’Os Mutantes é posterior ao Tropicalismo, eles passaram a existir como grupo só depois. Gal Costa a mesma coisa. O que ela veio a fazer em “Fa-Tal”, por exemplo, era muito mais dilacerador e explosivo do que tudo o que fez enquanto participante do grupo tropicalista. O Tropicalismo é um movimento cuja maturação e cujo momento de maior riqueza se dão depois. Quando deixa de ser, a rigor, movimento. Essas coisas se dão depois do Tropicalismo. O Tropicalismo foi um bebê sufocado”. Nesse pós, ele inclui, ainda, o disco “Transa”, de Caetano, que considera “monumental, bem mais inovativo”. Os próprios trabalhos de Gil, a partir de “Expresso 2222”, ele reconhece que inspiraram muitos artistas, com influências sobre o trabalho de Ney Matogrosso e Secos & Molhados, Os Novos Baianos, Hermeto Pascoal, Naná Vasconcellos e Egberto Gismonti. É o que traduz como “dimensão inspiracional” e como se o chão estivesse pronto, com flexível trampolim para novos voos.

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“Tanta gente vai dizer: ‘que bom que temos um chão que nos sustenta e podemos fazer as estripulias todas que quisermos, podemos dar nossos pulos aqui nesse salão porque o chão tropicalista nos deu uma base’. No sentido cultural, foi uma escola de inspiração, desveladora de possibilidades, libertadora, uma escola propiciadora de meios libertários para lidar com a música. Uma última escola modernista na cultura musical brasileira”, avalia no livro “Disposições Amoráveis”.

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“É nesse tempo que se dá a arte, que posso ouvir João Gilberto cantando, que posso tocar um violão e almejar chegar perto daquela maneira tão bela de tocar. Para depois dele, João, e para depois de mim o que vai importar.”





Back in Bahia (a volta) Caetano voltou de Londres no final de 1971, e Gil chegou ao Brasil em janeiro de 1972, com a mulher Sandra e o filho Pedro, que nasceu na capital inglesa. No Rio, havia uma efervescência nos costumes, os hippies dando o tom da festa. Era o verão do desbunde, com Gal Costa no papel de musa, época em que se apresentava com o show “Gal a todo vapor”. O primeiro verão da família foi na casa de dona Canô, em Santo Amaro da Purificação, onde Gil compôs “Back in Bahia”, inspirado pelo carinho dos amigos, a alegria de todos à sua volta, o clima de festa de que sentia falta no exílio. “‘Back in Bahia’ se baseia em motivos musicais muito íntimos, nordestinos – improviso, embolada, galope, martelo – e em modos cordélicos, com rimas rítmicas, típicas do versejar nordestino e versos simétricos (quase todos de dezesseis sílabas): entre eles, o de ‘vida mais vivida dividida pra lá e pra cá’, de que eu mais gosto: poesia pura, concreta”, descreve a Carlos Rennó no livro “Todas as letras”. Back in Bahia (a música) Lá em Londres, vez em quando me sentia longe daqui Vez em quando, quando me sentia longe, dava por mim Puxando o cabelo Nervoso, querendo ouvir Celly Campelo pra não cair Naquela fossa Em que vi um camarada meu de Portobello cair Naquela falta De juízo que eu não tinha nem uma razão pra curtir Naquela ausência De calor, de cor, de sal, de sol, de coração pra sentir Tanta saudade Preservada num velho baú de prata dentro de mim Digo num baú de prata porque prata é a luz do luar Do luar que tanta falta me fazia junto com o mar

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Mar da Bahia Cujo verde vez em quando me fazia bem relembrar Tão diferente Do verde também tão lindo dos gramados campos de lá Ilha do Norte Onde não sei se por sorte ou por castigo dei de parar Por algum tempo Que afinal passou depressa, como tudo tem de passar Hoje eu me sinto Como se ter ido fosse necessário para voltar Tanto mais vivo De vida mais vivida, dividida pra lá e pra cá.

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Foi um retorno com muito trabalho no Brasil. Lançou os discos “Expresso 2222” (1972), “Cidade de Salvador” (1973) e “Temporada de Verão”, gravado ao vivo em show, na Bahia, em 1974, com Caetano e Gal (em companhia desta, havia feito antes o show “Até 73”, no Rio). Juntou-se a Jorge Ben em outro espetáculo, em 1975, “Gil Jorge Ogum Xangô”. Nesse mesmo ano, lançaria o disco considerado a síntese de tudo o que havia feito até aquele momento, “Refazenda”. Gil relembra: “No álbum ‘Refazenda’, eu já trago a experiência com o violão ovation, com as novas tecnologias e com os novos pedais, para tocar coisas mais ligadas ao original nordestino. E o acordeon de Dominguinhos serve para manter presente o espírito do baião. Eu vinha de uma aproximação muito grande, mas dei marcha à ré e me afastei dessa ponta de seta, voltando lá pro fundo da história. Não estava necessariamente solitário nisso, pois todo o pessoal que estava começando, como Alceu Valença e Geraldinho Azevedo, estava, de uma certa forma, com um compromisso com a música regional.” O disco trazia canções que se transformaram em clássicos. Além da faixa título, “Tenho sede”, “Retiros espirituais”, “Lamento sertanejo”, “O rouxinol” e a já citada “Pai e mãe” eram algumas das músicas


que faziam sucesso nas rádios e nos shows do cantor. Na trilogia, viriam, na sequência, “Refavela”, o olhar mais urbano voltado para as periferias, a questão da negritude, com as favelas em contraponto ao sabor rural de “Refazenda”, e “Realce”, fase assumidamente pop que encerraria o estágio pós-tropicalista. O que muitos não sabem é que há uma referência cinematográfica na trilogia Re. Gil tinha a lembrança forte da trilogia do cineasta italiano Michelangelo Antonioni com os filmes “A aventura”, “O eclipse” e “A noite”, o que o inspirou a ter sua própria trinca de discos. Em entrevista ao músico Charles Gavin, no Canal Brasil, Gil faz a síntese dessa fase Re: “O Re (dos três discos) tem a ver com retornar lá atrás, revisitar a formação musical anterior, uma espécie de marcha à ré. Eles me deram o assentamento definitivo nos gêneros que mais tinham os elementos da minha formação básica musical: da infância, adolescência e maturidade pós-exílio”, define.

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Tão doces, tão bárbaros O ano era 1976 quando os quatro baianos, que estrearam juntos, fariam dez anos de carreira. Partiu de Caetano a ideia de juntar-se a Gal, Bethânia e Gil para um show comemorativo. “Doces Bárbaros” foi o nome sugerido por Caetano, a partir de conversa com Jorge Mautner, para o grupo que faria uma série de shows pelo Brasil e com repertório criado para a comemoração. Gil reforça na biografia “Gilberto bem de perto” o espírito agregador de Caetano: “É sempre ele quem puxa o farrancho, como se diz na Bahia, ele é o porta-bandeira, está sempre propondo as coisas porque tem esse senso, ele é o herói na noção mais profunda do significado de herói. Ele disse: ‘vamos falar com Gal e Bethânia’. Então, pensamos em criar um repertório. Eu estava fazendo o show “Refazenda” e todo dia voltava do show e fazia uma música. Foram saindo várias. ‘Esotérico’ foi assim. Durante sete dias seguidos fazia o show e uma canção inteira. Caetano também foi fazendo, trocando ideias e saiu o repertório”.

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A turnê percorreu dez cidades com enorme sucesso. No Canecão, Rio, os “Doces Bárbaros” permaneceram em temporada com lotação esgotada durante dois meses de apresentações. O show se transformou em disco gravado ao vivo, que Gil e Caetano, por motivos técnicos, queriam que fosse gravado em estúdio, mas Gal e Bethânia foram contrárias à ideia. A repercussão dos “Doces Bárbaros” foi enorme e os quatro baianos se juntaram novamente 26 anos depois, em 2002, em shows para multidões ao ar livre na praia de Copacabana, Rio, e no parque do Ibirapuera, São Paulo. “Esotérico” foi uma das canções compostas especialmente para o espetáculo e é sucesso até hoje no repertório de Gil, que destrincha o seu significado no livro “Todas as letras”: “Uma tentativa de transpor a ideia do mistério divino, místico-religioso, para o campo do amor terreno; de desmistificar e humanizar a categoria do esotérico como algo inatingível, colocando-o como inerente à nossa natureza, à complexidade do nosso afeto”:


Esotérico Não adianta nem me abandonar Porque mistério sempre há de pintar por aí Pessoas até muito mais vão lhe amar Até muito mais difíceis que eu pra você Que eu, que dois, que dez, que dez milhões Todos iguais Até que nem tanto esotérico assim Se eu sou algo incompreensível Meu Deus é mais Mistério sempre há de pintar por aí Não adianta nem me abandonar Nem ficar tão apaixonada, que nada! Que não sabe nadar Que morre afogada por mim.

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A família, amores e canções para os amores Gil casou-se muito jovem com Belina, a primeira mulher, em 1965, aos 23 anos, em Salvador. Em seguida, o casal mudou-se para São Paulo, onde ele começaria seu trabalho na Gessy Lever. No ano seguinte, nasceria Nara, a filha primogênita para quem é dedicada “Toda menina baiana”, e em 1967 era a vez de nascer Marília, a segunda filha. Separado de Belina, ele foi viver com Nana Caymmi, filha do ídolo Dorival, mas não teve filhos com ela. O namoro com Sandra Gadelha começou em 1968, no aniversário de Caetano, embora eles já se conhecessem de Salvador. Ela era amiga de Gal Costa e irmã de Dedé, a primeira mulher de Caetano, e foi a companheira de exílio em Londres, onde nasceu o filho Pedro, morto em acidente de carro em 1990. Na volta ao Brasil, eles tiveram as filhas Maria e Preta Gil. Quando se separaram, Gil compôs mais uma de suas canções-homenagens: “Drão”, agora para a ex-mulher e falando sobre o momento delicado da separação. Drão era o apelido de Sandra e os versos da música são de uma beleza capaz de despertar memórias emotivas em qualquer casal que viveu a separação. “Drão, os meninos são todos sãos/ os pecados são todos meus/ Deus sabe a minha confissão/ não há o que perdoar/ por isso mesmo é que há de haver mais compaixão/ quem poderá fazer aquele amor morrer/ se o amor é como um grão!/ morrenasce trigo/ vivemorre pão.” Caetano é fã declarado da canção. A paixão de Gil e Flora começou no calor do verão de Salvador em 1979. Ela recebeu o que ele chama de cantada literal, pois pouco depois de tê-la conhecido mostrou-lhe a canção homônima. “Cantei Flora na canção e com a canção. É minha única canção-cantada; que bom que tenha ficado suficiente em beleza e elegância. O que cantava não era só uma pessoa, mas toda uma vida com ela”. Elis Regina definiu: “Nunca uma mulher teve de um homem uma música dessa”. Nos versos de “Flora”, Gil anuncia o desejo de longevidade para o

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casal: “Imagino-te idosa/ frondosa toda a folhagem/ multiplicada a ramagem/ de agora (...)/ imagino-te futura/ ainda mais linda, madura/ pura no sabor de amor e de amora”. A relação dura até hoje, 41 anos depois, com Flora, empresária e produtora, cuidando dos projetos da sua carreira e colocando em prática, na vida e nos palcos, os desejos artísticos de Gil. Da árvore frondosa da relação, nasceram Bem, Isabela (a Bela) e José. A musa Flora foi homenageada em outras canções de sucesso. “Deixar você”, “Vamos fugir”, “Nossa”, “Seu olhar”, “A faca e o queijo” e “A linha e o linho”, esta um dos mais admiráveis exemplares entre as canções de amor da MPB. “Flora tinha acabado de adormecer; ainda a acariciei um pouco e já estava entrando em estado de torpor, quando me chegaram as primeiras frases. Havia a maciez da pele dela, a do tecido do lençol e os bordados na colcha – minha sensação era de leveza, paixão e afeto (...). No final, ainda me lembrei de minha mãe e minha avó bordando no pano os motivos que cito. Dias depois, fiz a música.” “A linha e o linho” foi gravada em 1983, no disco “Extra”: A linha e o linho É a sua vida que eu quero bordar na minha Como se eu fosse o pano e você fosse a linha 48

E a agulha do real nas mãos da fantasia Fosse bordando, ponto a ponto, nosso dia a dia E fosse aparecendo aos poucos nosso amor Os nossos sentimentos loucos, nosso amor O zigue-zague do tormento, as cores da alegria A curva generosa da compreensão Formando a pétala da rosa da paixão A sua vida, o meu caminho, nosso amor Você a linha, e eu o linho, nosso amor Nossa colcha de cama, nossa toalha de mesa Reproduzidos no bordado a casa, a estrada, a correnteza O Sol, a ave, a árvore, o ninho da beleza.


Com a palavra, a homenageada Flora fala sobre o companheiro com quem vive há quatro décadas: “É uma pessoa generosa. No palco, deixa os outros aparecerem. É diplomático. Gil facilita, com ele é fácil, é do temperamento dele. Mas também só faz o que quer. Só faz o show que quer, canta o que quer. Sempre foi assim. Acho incrível, por outro lado, a generosidade dele. Essa coisa de ficar mais quieto, também é assim com a família. Não é aquele pai que liga todos os dias para os filhos pra saber se está tudo bem. Quando me casei, ele já tinha cinco filhos, Nara, Marília, Pedro, Preta e Maria. No começo, eu ficava ligando pra eles e ele achava aquilo ótimo. Gil gosta de trazer os filhos para perto, mas não faz o movimento. Eu gosto de casa cheia, de todo mundo junto. Ele não gosta de briga, de confusão, longe disso. Mas não é do tipo ‘não me perturbe, sou um gênio, estou criando’. Pode estar criando vendo uma novela.”

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Degraus do sucesso e o pé na política A carreira de Gilberto Gil seguia com sucesso e reconhecimento tanto no Brasil quanto no exterior. Milhares de discos vendidos, shows com lotação esgotada, o artista dividindo o palco com lendas como Stevie Wonder e Jimmy Cliff, premiações e trilhas para filmes. Até 1987, já tinha lançado os álbuns “A gente precisa ver o luar”, “Brasil”, com João Gilberto e Caetano, “Um banda um”, “Extra”, “Raça humana” e “Dia Dorim noite neon”. A turnê de “A gente precisa ver o luar”, em 1981, transformou-se no documentário com sabor de comédia musical “Corações a mil”, com Regina Casé e o capixaba Joel Barcellos, dirigido por Jom Tob Azulay, o mesmo diretor da turnê dos “Doces Bárbaros”. Foi o primeiro filme brasileiro gravado em dolby stereo, sistema de aúdio com ótima qualidade de som e ainda inédito no cinema brasileiro àquela altura. Os personagens de Casé e Barcellos seguem atrás de Gil em turnê, ela como tiete e ele no papel de comunicólogo, para descobrir a fórmula de sucesso do ídolo. No meio de tanto frêmito criativo, nos anos 1980, a política brasileira vivia momentos de transformação com o fim do regime militar, as primeiras eleições indiretas com Tancredo Neves presidente, que faleceu antes de tomar posse dando lugar ao vice José Sarney, a elaboração do texto da Constituição de 1988, vigente até hoje, e finalmente as eleições diretas para presidente da República, em 1989. O contexto político e seus novos ares democráticos levaram Gil a aceitar o convite para presidir a Fundação Gregório de Mattos, em Salvador, em 1987. O convite partiu do prefeito Mário Kertész, até então alinhado ao influente governador Antônio Carlos Magalhães. Kertész já havia ocupado um mandato biônico, poucos anos antes e por indicação de Magalhães, quando políticos eram indicados aos cargos e não eleitos pelo voto popular, regra estabelecida pelo regime militar do presidente e general Ernesto Geisel. Tempo em que as mãos de chumbo da ditadura impunham seus métodos nada democráticos à política brasileira.

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Junto com grupo de amigos, incluindo o escritor Antonio Risério, autor do livro “Gilberto Gil: Expresso 2222”, a função de Gilberto Gil era criar uma política cultural para Salvador. A Fundação Gregório de Mattos recebeu status de secretaria, e ali ele pôde realizar o projeto de recuperação do centro histórico, elaborado pelos conceituados arquitetos Lina Bo Bardi e João Filgueiras, além de restabelecer relações culturais da Bahia com a África. “Ele criou uma estrutura de sustentação do candomblé e da vida cultural negra de Salvador, inaugurou o Teatro Gregório de Mattos e criou o projeto Boca de Brasa, apresentações teatrais utilizando os palcos móveis em áreas carentes das cidades. A ideia era valorizar, preservar e resgatar as artes em Salvador”, conta Regina Zappa na biografia do artista. O desejo de se enveredar pelo universo político já se insinuava para ele, era um projeto natural de vida com a atitude gerencial que possuía desde os tempos da faculdade de Administração. Gil queria tornar-se visível para as áreas política e cultural, como declarou ao Jornal do Brasil em janeiro de 1987:

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“Os políticos têm de se preparar para aceitar essa aproximação com a cultura, aceitar que a cultura lhe lega uma dimensão que está faltando em seu mundo. O mundo cultural, por sua vez, precisa sujar um pouco as mãos, sair dessa coisa aristocrática, dessa preguiça, desse medo de encarar o trabalho social, desse receio de degradação. Alguém tem de entender que, de repente, é preciso que a política e a cultura se misturem.” Em 1988, candidatou-se a vereador em Salvador e foi eleito com o maior número de votos entre os candidatos, com mais de 11 mil votos. Além da questão cultural, dedicou-se com grande empenho, durante o mandato, à causa ecológica, preocupação presente em muitas de suas músicas. A experiência política daqueles anos o levou, 15 anos depois, a desafio ainda maior ao ser convidado pelo presidente Lula para assumir o Ministério da Cultura em seu primeiro mandato e, em período menor, na reeleição do petista. Gil ocupou o cargo de 2003 a 2008.


“Educação é importante, convencimento, esclarecimento. Mas também ter comprometimento com o futuro. Fazer o ser humano compreender que o seu significado está no seu futuro.”



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O do-in antropológico na cultura A primeira orientação do presidente Lula ao novo ministro foi a de democratizar a cultura, no sentido de abrir o leque de acesso dos mais vulneráveis à criação artística. O discurso de posse no ministério deu o tom da política cultural pretendida por Gil, a de promover a inclusão dos que estavam à margem da vida cultural brasileira, e isso incluía o diálogo com povos indígenas, os movimentos negros e com todos os grupos e vertentes culturais. Alguns trechos do discurso: “Assumo, como uma das minhas tarefas centrais, aqui, tirar o Ministério da Cultura da distância em que ele se encontra, hoje, do dia a dia dos brasileiros (...) Quero o Ministério presente em todos os cantos e recantos do nosso país. Que esta aqui seja a casa de todos os que pensam e fazem o Brasil. Que seja, realmente, a casa da cultura brasileira. E o que entendo por cultura vai muito além do âmbito restritivo das concepções acadêmicas, ou dos ritos e da liturgia de uma suposta ‘classe artística e intelectual’.“ “(...) para fazer uma espécie de ‘do-in’ antropológico, massageando pontos vitais, mas momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país. Enfim, para avivar o velho e atiçar o novo. Porque a cultura brasileira não pode ser pensada fora desse jogo, dessa dialética permanente entre a tradição e a invenção, numa encruzilhada de matrizes milenares e informações de tecnologia de ponta.” E pontua sua definição de cultura: “Cultura como tudo aquilo que, no uso de qualquer coisa, se manifesta para além do mero valor de uso. Cultura como aquilo que, em cada objeto que produzimos, transcende o meramente técnico. Cultura como usina de símbolos de um povo. Cultura como conjunto de signos de cada comunidade e de toda a nação. Cultura como o sentido de nossos atos, a soma de nossos gestos, o senso de nossos jeitos (...) O Ministério deve ser como uma luz que revela, no passado e no presente, as coisas e os signos que fizeram e fazem do Brasil, o Brasil. Assim, o selo da cultura, será colocado em todos os aspectos que a revelem e a expressem, para que possamos tecer o fio que os unem”. O discurso segue nessa linha de compreensão do Brasil profundo e suas funduras e superfícies culturais. As realizações foram inúmeras.

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Uma das mais importantes realizações da sua gestão foram os Pontos de Cultura, uma aposta de potencialização das produções culturais dos grupos e comunidades, desde escolas de samba a grupos de rap, dança, teatro passando por aldeias indígenas e quilombolas, associações de moradores ou assentamentos rurais. A gestão do Ponto era realizada pelos membros daquelas comunidades. Regina Zappa explica, em “Gilberto bem de perto”, o funcionamento dos Pontos: “A ideia do projeto era aproveitar, e não construir, espaços que já funcionavam com atividades culturais – fosse um barco no Amazonas, um terreiro de candomblé na Bahia, um centro cultural ou a garagem de alguma casa – e ampliar o seu potencial de incentivar a produção cultural local (...) O incentivo financeiro deveria ser destinado (no primeiro momento) à compra de equipamentos multimídia, usando software livre oferecido pela coordenação, composto por microcomputador, miniestúdio de gravação de cd’s, câmera digital e ilha de edição.”

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Até 2010, havia mais de 3 mil Pontos de Cultura por todo o país. Como lembra a produtora cultural Eliane Costa, em conversa com Gil para o livro “Disposições Amoráveis”, dali surgiram filmes, programas de televisão e rádio, músicas, sites. “Todo o tipo de produção cultural em mídia digital criado por brasileiros cujas vozes, sotaques e pontos de vista não costumam ter espaço na mídia de massa, nem na própria internet.” Apesar de o projeto ter perdido fôlego quando Gil deixou o Minc, a ideia gerou frutos em países como Argentina, Colômbia, Itália, Alemanha, França e Tunísia. A inclusão em várias extensões foi feita naquele momento, inclusão educacional, econômica, técnico-científica e artístico-cultural, reconhece o ex-ministro. “Pusemos um trem em movimento, em trilhos, com a bitola certa, certinho, com a possibilidade de que o trem ande para a frente. A expansão do projeto além da fronteira brasileira é sinal de que estávamos plugados na questão global, mundial.” Sobre a inclusão pretendida pelos Pontos de Cultura, Gil sabe que ali existia a semente, a possibilidade de ampliação e abertura para populações que não tinham esse acesso e poderiam, então, dar a sua contribuição. “Não há inclusão total e definitiva. A inclusão é um


processo permanente, o Ponto de Cultura chama atenção para isso. É preciso dar ferramentas, colocar esses setores no jogo para que sejam contemplados com pequenas vitórias.” À frente do Minc, Gil abriu fronteiras para discussões em fóruns internacionais, implantou um sistema nacional de comunicação entre o governo federal, estados e municípios em termos culturais e criou o plano de desenvolvimento de dez anos para a cultura. Lançou, ainda, a política nacional de integração dos museus públicos e privados do país, e conseguiu aumentos, pequenos, mas expressivos, no orçamento da pasta. Discussões sobre os meios digitais, propriedade intelectual, economia criativa e diversidade cultural foram encampadas na sua gestão. Como conselheiro informal da ONU, Gilberto Gil foi convidado para show, em 2003, que se tornaria histórico. O convite partiu do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, que se surpreendeu na plateia ao ser chamado por Gil para tocarem juntos “Toda menina baiana”. Annan assumiu o atabaque e a plateia foi ao delírio. O russo Serguei Vastolovk, da assessoria de imprensa da ONU, deu o tom da apresentação do artista, até então inédita naquele plenário: “Magia, pura magia. A política externa tem que ter magia. Gil é mago.” “Ter cantado nas Nações Unidas, juntamente com Kofi Annan, foi um ato espontâneo. Simplesmente porque a oportunidade se ofereceu. Estava num lugar muito sério. E ali me foi permitido fazer música por uma, duas horas. Uma oportunidade de misturar as esferas. Citei como exemplo o poeta brasileiro Vinicius de Moraes. Um poeta que era ao mesmo tempo diplomata e escreveu algumas das mais conhecidas canções do Brasil”, declarou ao jornal alemão Die Zeit, em 2005, dando mostras da sua atuação expressiva, fazendo a política cultural brasileira amplificar-se para o mundo.

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O cinema e outras telas Na TV com Divino Maravilhoso A presença de Gilberto Gil nas telas se deu como artista ainda na Bahia, na TV Itapuã, onde se apresentava mostrando suas primeiras composições. Mais tarde, já em São Paulo, vieram os festivais da Record e programas como O Fino da Bossa, com Elis Regina e Jair Rodrigues, e sua participação era sempre como convidado nos programas da Pimentinha, que o adorava, e como concorrente, no caso dos festivais. Era uma época em que cantores tinham seus próprios programas na televisão (os citados Elis e Jair, além de Roberto Carlos, Erasmo e Wanderléia, que apresentavam o “Jovens Tardes”, ambos na TV Record). O protagonismo de Gil viria com o programa “Divino Maravilhoso”, em 1968, na TV Tupi de São Paulo, em que dividia a apresentação com Caetano Veloso, Gal Costa e participação de Os Mutantes, Jorge Ben, Rogério Duprat e Tom Zé. A estética provocadora do Tropicalismo ganhava o horário nobre da tevê e polêmicas não faltaram. Numa das apresentações, eles apareciam presos em gaiolas enquanto Caetano cantava “Um leão está solto nas ruas”, de Roberto Carlos, e, em seguida, convocava os “presos” a se libertarem quebrando as grades das gaiolas, feitas de madeira fina. Cena que levava a plateia à loucura com crítica aberta às prisões em plena ditadura militar. Gil e Caetano seriam levados para a prisão pouco tempo depois da promulgação do AI-5, em dezembro de 1968. A cena considerada a mais chocante de “Divino Maravilhoso” se deu quatro dias antes da prisão da dupla e dois dias antes do Natal. Com um revólver apontado para a cabeça e para o público, Caetano interpretou “Boas festas”, de Assis Valente. A cena despertou a ira de setores católicos conservadores e a Tupi recebeu uma enxurrada de cartas de protesto. Mesmo assim, o programa fazia muito sucesso, mas os ditadores de plantão não quiseram sua permanência no ar. O programa antecedia o famoso telejornal Repórter Esso e era dirigido por Fernando Faro e Antonio Abujamra, nomes fundamentais na história da formação

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da tevê brasileira. Não existem mais os videotapes dos programas porque o próprio Faro se encarregou de apagá-los por receio de que os militares os usassem contra os artistas. Mais recentemente, em 2018, Gil apresentou o programa “Amigos, sons e palavras”, no Canal Brasil. Com duas temporadas até agora, Gil recebe convidados e cada episódio abre com uma canção cantada por ele no formato voz e violão. “É um pretexto pra eu estar ali. A música legitima a conversa”, explicou o artista no lançamento da segunda temporada em 2019. Na primeira temporada, Caetano foi recebido com a música “Ok Ok Ok”; Fernanda Torres, com “Super-homem”; Dráuzio Varella, com “Não tenho medo da morte”; e para Fernando Henrique Cardoso, ele cantou “Tempo rei”. É Gil na tevê se revelando excelente entrevistador e proseador.

Nas trilhas do cinema “O cinema, para mim, quando era garoto, adolescente, era diversão. Foi depois, e um pouco por influência de Caetano, que me interessei pela estética, descobri os autores, a linguagem.” 62

As influências do cinema permearam de forma marcante o movimento tropicalista. Caetano Veloso tinha mais afinidade com a Sétima Arte, já que, em Salvador, escrevia sobre cinema e era antenado com o que fazia Jean Luc Godard, na França, e o cinema marginal de Julio Bressane e Rogério Sganzerla, no Brasil. Essa era a turma do Cinema Marginal ou “Udigrúdi”, apelido irônico baseado no underground americano, inventado por Glauber Rocha. O Tropicalismo tinha afinidade com o cinema feito por Glauber e outros cineastas, mas só em 1993 é que Gil e Caetano compuseram “Cinema Novo”, samba-homenagem a cineastas e filmes brasileiros. Canções como “Tropicália” e “Domingo no parque” namoram com o efeito cinematográfico, em letras que estimulam a imaginação do ouvinte para o desenrolar das cenas musicais. A primeira experiência de Gil em trilhas sonoras para cinema viria com “Copacabana Mon Amour”, de Rogério Sganzerla, no início dos


anos 1970, quando estavam no exílio em Londres. A intensidade intelectual e política do diretor e seu temperamento suave e tranquilo os aproximaram: “A trilha de ‘Copacabana Mon Amour’ é uma encomenda feita pelos meninos que estavam lá. Havia uma proximidade grande com Rogério Sganzerla e Julio Bressane, que eram exilados também. Vinham os músicos amadores, os não músicos e os independentes que circulavam no nosso meio: Péricles Cavalcanti começando a tocar violão e a compor; David Linger, um hippie americano que tocava flauta mas não era músico profissional. A trilha sonora do filme foi feita com aqueles meninos. Eram produções da sala de estar da nossa casa, produção bem amadora. Gravador na mão, para usar uma expressão do cinema. Câmera na mão para o cinema, gravador na mão para aquele tipo de produção musical”, conta Gil a Ana de Oliveira em “Disposições Amoráveis”, o livro. Antes, ele já havia participado com algumas canções da trilha de “Brasil ano 2000”, filme alegórico de Walter Lima Jr, de 1968, e que muitos consideram uma obra tropicalista. A direção musical era de Rogério Duprat, companheiro da Tropicália. Ainda no exílio, Jorge Mautner filmou “O Demiurgo”, de 1971, com Gil e Caetano no elenco, e que Mautner definiu como uma farsa, uma fábula: “Nunca vi filme mais irônico que esse, e ao mesmo tempo com um élan de tragédia musical. Como os meus livros, o filme nada tem a ver com situações dramáticas, relacionamentos psicológicos dos personagens (...) O filme é a fusão de quatro influências: expressionismo alemão, Godard, Glauber, pop americana. E um quinto elemento tropicalmente brasileiro de chanchada”, escreveu Mautner em artigo enviado de Londres para “O Pasquim”, jornal de resistência à ditadura. Sobre a participação de Gil e Caetano, o diretor se derrama: “Para além da incrível criatividade do nosso trabalho em conjunto, foi através desses dois iluminados baianos que eu conheci pela primeira vez um Brasil desconhecido para mim, um Brasil misterioso, doce, dengoso, cheio de riquezas míticas e humanas sem fim.” A relação com Gilberto Gil, que conheceu pessoalmente só em Londres,

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foi especialmente carinhosa: “Gil possui uma serenidade, uma tranquilidade de quem realmente está em relação desalienada com o seu trabalho. Caminha para um ascetismo de dedicação integral para com a música, eu diria que o seu ser poético, todo seu sistema nervoso, tudo nele, se encaminha para um contínuo processo de desalienação na simplicidade reencontrada”, escreve no artigo. “O Demiurgo” foi censurado no Brasil, mas Jorge Mautner, na volta ao país, o exibia para a plateia ao término dos seus shows. Glauber Rocha, àquela altura, figura central do Cinema Novo, considerou o filme o melhor já feito sobre e do exílio. No elenco, havia ainda Jards Macalé, Dedé Gadelha e Leilah Assumpção. Entre os anos 1980 e 2000, as trilhas de “Jubiabá”, de Nelson Pereira dos Santos, “Quilombo” e “Um trem para as estrelas”, de Cacá Diegues, “Eu tu eles”, de Andrucha Waddington, que virou disco, também compõem sua lavra para o cinema. Documentários sobre a carreira, suas canções e registro das turnês mostraram as muitas faces de Gilberto Gil.

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Para celebrar os trinta anos de carreira, foi produzido o documentário “Tempo rei”, de 1996, dirigido por Breno Silveira, Lula Buarque de Holanda e Andrucha Waddington. As lembranças começam com Gil retornando à cidade da infância, Ituaçu, e se estendem desfiando sua carreira e canções, conversas com Jorge Amado, Mãe Stella de Oxóssi, Pierre Verger, Caetano Veloso e Zélia Gattai. Dona Claudina, a mãe, em cena de acender a memória afetiva da família, causa comoção cantando “Touradas de Madri” e a já citada “Pai e mãe”, composta para ela e seu Zeca. A parceria com a turma da produtora Conspiração Filmes é contínua até hoje. Fizeram juntos a filmagem da turnê de Gil pelas festas juninas do Nordeste, em 2001, que deu origem ao documentário “Viva São João”, direção de Andrucha Waddington. O documentário mostra a história e a importância cultural das festas juninas, com disco lançado por Gil posteriormente. “Filhos de Gandhy”, em 2000, e “Gilberto Gil antologia nº 1”, de Lula Buarque, em 2019, são igualmente documentos cinematográficos importantes.


O primeiro remonta a origem e histórias do bloco de carnaval de Salvador para o qual Gil tem importância fundamental no seu ressurgimento desde que passou a desfilar no “Filhos de Gandhy”, em 1973. O segundo traz o compositor comentando vinte canções feitas entre os anos 1968 e 1987, revisitando o contexto em que foram feitas: “A telona dá essa capacidade de amplificação do elemento histórico. No caso de um filme como esse, que é um rosário construído com as pontas da história, é magnífico. Encantado. Agora, ele também entra na história de Gilberto Gil. Tem as músicas todas e agora este filme”, declarou o artista no lançamento do documentário. Lula Buarque de Holanda, a quem Gil devota completa confiança pelos vários trabalhos realizados juntos, revelou, na época, sua intenção com a obra: “Queria fazer um Gil filosófico, com ele só falando, sem música. Ele é como uma enciclopédia com muitos volumes (...) Os jovens não têm ideia de quem é Gil e por isso achei importante trazê-lo na potência máxima, como uma forma de estimular sentimentos, dando uma sensação de mistério e provocando curiosidade.” Lula também dirigiu o documentário “Pierre Fatumbi Verger, mensageiro de dois mundos”, em 1998, no qual Gil é o narrador e apresenta a vida e obra do fotógrafo e etnógrafo francês. Pierre Verger chegou em Salvador em 1946 e, encantado com a Bahia, lá se radicou, interessado em estudar as influências culturais mútuas entre a Bahia de Todos os Santos com o Golfo do Benin, na África, além das pesquisas sobre o candomblé. O diretor Andrucha Waddintgton, outro dos diretores com quem Gil tem afinidade, o define: “é uma pessoa muito na terra, de fácil entendimento, a gente sempre se entendeu por música, trabalhando, tipo ‘eu faço a minha parte tocando e você faz a sua’, e a gente se entende muito bem.” O sucesso da parceria com a Conspiração Filmes ganhou prestígio internacional com a indicação ao Emmy 2020 do documentário “Refavela 40”, direção de Mini Kerti, na categoria programa de arte. O documentário revisita o clássico disco de Gil, “Refavela”, lançado em 1977.

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Ali começava a se ampliar com mais clareza o olhar do artista sobre a exclusão dos negros nas periferias. “Ele é muito claro em relação a tudo o que significava aquele período para mim e para o movimento negro. Uma via de expressão, a consolidação de um gênero que mais tarde viria ser o axé, por exemplo”, explicou Gil ao jornal Estadão. A diretora Mini Kerti, fã declarada de Gil, conta: “Bem Gil e Andrea Franco montaram, com vários artistas, o show Refavela40, celebrando o vinil Refavela, de 1977. E me chamaram para fazer o documentário Refavela40, com toda a sua poesia e a sua fraqueza — com toda a força que tem a fraqueza da poesia, como bem disse o Gil. Chamei os compositores e músicos que trabalharam no álbum ou os que foram com ele para a Nigéria — Robertinho Silva, Djalma Corrêa, Rubão Sabino, Paulinho Camafeu e o produtor Roberto Santana. Chamei também Hermano Vianna, Dom Filó, Vovô do Ilê e o Babalorixá Obarayí. E lá fui eu, bailar, feliz da vida, entre a África e o Brasil, desvendando os segredos das canções “Babá abapalá”, “Balafon”, “Era nova”, “Norte da saudade”, “Sandra”, a minha preferida, e muitas mais. Na capa do álbum, a foto linda do Gil com uma touca de renda branca. Na contracapa, o poema que revela, fala, vê — refavela. Um disco negro para todas as cores.” 66

O filme é conduzido pelo próprio Gil e pelo filho Bem Gil atuando como entrevistador, além do antropólogo Hermano Vianna. A música “Refavela” é da fase pós-tropicalista e, segundo o compositor, foi sua forma de resgatar a cultura e a natureza dos negros com as disparidades enfrentadas por eles: Refavela AIaiá, kiriê Kiriê, iaiá A refavela Revela aquela Que desce o morro e vem transar O ambiente Efervescente De uma cidade a cintilar


A refavela Revela o salto Que o preto pobre tenta dar Quando se arranca Do seu barraco Prum bloco do BNH A refavela, a refavela, ó Como é tão bela, como é tão bela, ó A refavela Revela a escola De samba paradoxal Brasileirinho Pelo sotaque Mas de língua internacional A refavela Revela o passo Com que caminha a geração Do black jovem Do black-Rio Da nova dança no salão Iaiá, kiriê Kiriê, iaiá A refavela Revela o choque Entre a favela-inferno e o céu Baby-blue-rock Sobre a cabeça De um povo-chocolate-e-mel A refavela Revela o sonho De minha alma, meu coração De minha gente Minha semente Preta Maria, Zé, João

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A refavela, a refavela, ó Como é tão bela, como é tão bela, ó A refavela Alegoria Elegia, alegria e dor Rico brinquedo De samba-enredo Sobre medo, segredo e amor A refavela Batuque puro De samba duro de marfim Marfim da costa De uma Nigéria Miséria, roupa de cetim Iaiá, kiriê Kiriê, iáiá.

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O samba “Cinema Novo” é a canção em que mais explicitamente Gilberto Gil e Caetano Veloso alinhavam sua ligação com o cinema. Composta para o disco “Tropicália 2”, em 1993, na comemoração dos 25 anos do lançamento do disco inaugural do movimento, “Tropicália ou Panis et Circencis”, a letra, com citações de filmes brasileiros e seus personagens, fala por si: Cinema Novo O filme quis dizer “Eu sou o samba” A voz do morro rasgou a tela do cinema E começaram a se configurar Visões das coisas grandes e pequenas Que nos formaram e estão a nos formar Todas e muitas: Deus e o diabo, Vidas secas, Os fuzis Os cafajestes, O padre e a moça, A grande feira, O desafio Outras conversas, outras conversas sobre os jeitos do Brasil Outras conversas sobre os jeitos do Brasil A Bossa Nova passou na prova


Nos salvou na dimensão da eternidade Porém aqui embaixo “A vida mera metade de nada” Nem morria nem enfrentava o problema Pedia soluções e explicações E foi por isso que as imagens do país desse cinema Entraram nas palavras das canções Entraram nas palavras das canções Primeiro foram aquelas que explicavam E a música parava pra pensar Mas era tão bonito que parece Que a gente nem queria reclamar Depois foram as imagens que assombravam E outras palavras já queriam se cantar De ordem e desordem de loucura De alma a meia-noite e de indústria E a Terra entrou em transe E no sertão de Ipanema Em transe é, no mar de Monte Santo E a luz do nosso canto e as vozes do poema Necessitaram transformar-se tanto Que o samba quis dizer O samba quis dizer: eu sou cinema O samba quis dizer: eu sou cinema Aí o anjo nasceu, veio o bandido meterorango Hitler terceiro mundo, sem essa aranha, fome de amor E o filme disse: Eu quero ser poema Ou mais: Quero ser filme e filme-filme Acossado no limite da garganta do diabo Voltar a Atlântida e ultrapassar o eclipse Matar o ovo e ver a Vera Cruz E o samba agora diz: Eu sou a luz Da lira do delírio, da alforria de Xica De toda a nudez de Índia

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De flor de Macabéia, de Asa branca Meu nome é Stelinha, é Inocência Meu nome é Orson Antonio Vieira Conselheiro de Pixote Superoutro Quero ser velho de novo eterno, quero ser novo de novo Quero ser Ganga bruta e clara gema Eu sou o samba viva o cinema Viva o Cinema Novo!

Disposições Amoráveis, o filme A partir do livro homônimo, de Gilberto Gil e Ana de Oliveira, “Disposições Amoráveis” reúne uma série de diálogos do artista com personalidades da arte, política, meio ambiente e tecnologia que ajudam a desvendar o pensamento de Gil. Mas a dupla resolveu ir além, realizando o filme com a interação fluida que a narrativa cinematográfica possibilita.

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Com direção de Ana, os dois viajam por países como Chile, Uruguai e Índia, e o resultado inicial (o filme está em fase de produção) é uma série de imagens e diálogos tocantes. Ana de Oliveira dá pistas sobre o tom da obra: “Este é um filme sobre a arte do encontro, sobre o amor como forma de resistência e sua intrinsecabilidade com o futuro da existência humana. Enfim, um filme sobre as disposições amoráveis que precisamos cultivar no mundo em tempos de dualismos e posicionamentos extremos”, diz Ana. “Gil praticamente gerou um sistema que repensa a questão da fala biográfica: ele faz reflexões sobre a vertigem da tarefa de viver, de compor, de ser alegre, de ser triste, de falar do passado, do futuro, do fim de tudo, de sua obra musical, da era da internet, de movimentos sociais e da não morte”. O público poderá se deleitar com as primeiras imagens no teaser do filme que será apresentado no 27º Festival de Cinema de Vitória como parte da homenagem a Gilberto Gil, que compôs canção especialmente para “Disposições Amoráveis”.


“Vamos prover o mundo das carĂŞncias materiais e espirituais. Vamos prover com a profunda certeza de que a arte precisa fazer o melhor pela vida, pelo ser humano.â€?



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Gilberto, Beto, Gil, Giló A música, companheira do exílio “Não dava para ficar sem música, sem meu violão. Música sempre, desde pequeno, a canção popular, a canção para comunicar visões compartilhadas sobre as coisas, sobre o amor, sobre a vida. Enfim, tocar, compor, cantar, escrever canções, isso tudo é o que faço e provavelmente o que farei até o fim da vida. E naquele momento estava na primavera da vida, aos 27, 28 anos, ainda começando a mexer com a guitarra elétrica (...) a transpor modos brasileiros e nordestinos para a guitarra. Ao mesmo tempo era admirador do rock’n’roll e da grande empresa que era o pop internacional. Era isso: não tinha outra coisa a fazer.”

Cultura e Estado “Continuo achando que ainda cabem ao Estado responsabilidades muito grandes no financiamento cultural, onde esse financiamento de vida cultural não venha espontaneamente. O interesse corporativo e comercial na vida cultural é um interesse parcial: está associado à questão da promoção das marcas, à agregação de valor simbólico aos patrocinadores. Portanto, existem áreas de cultura em que é preciso fomento. Desenvolvimento, investimento e que não são interessantes ao setor privado. Penso que continuamos carentes de um orçamento governamental (federal, estadual e municipal) digno e à altura das necessidades da gestão cultural no Brasil.”

Olhar diverso para as diferenças “A superação dos resíduos da escravidão no Brasil, por exemplo, o problema da desigualdade no caso dos negros, no caso das mulheres, dos homossexuais, etc. Enfim, o bom governo é o que está disposto a fazer os atendimentos diferenciados, a olhar as diferenças como estão estabelecidas e a agir em função dessas diferenças. Agir diferentemente em relação aos diferentes.”

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O papel da arte “Os artistas em si, os corações dos artistas, as mentes dos artistas, as vontade básicas de todos aqueles que se dedicam artisticamente a processar ideias, fatos e visões são sempre no sentido de contribuir para a complementaridade, para a complementação das faltas (...) Vamos prover o mundo das carências materiais e espirituais. Vamos prover com a profunda certeza de que a arte precisa fazer o melhor pela vida, pelo ser humano. Esse é um papel irrecusável que a arte teve na história da humanidade.”

Amor e morte “O amor é mais difícil do que a morte, porque a morte – apesar da extraordinária descarga de anulação, de ameaça ao desaparecimento do ente humano a partir da sua individualidade –, ela é inexorável, e não há mediações razoáveis que possam ser feitas em relação a isso. Quando a morte chega, chega e acabou (…) O amor é ato permanente do ente humano individualizado, é escolha permanente. O amor e tudo o que se insere no campo dos afetos positivos, como o perdão e a tolerância, são trabalho permanente.” 76

Viver bem “Viver bem é construção permanente, uma permanente afirmação do que já corresponde ao que você espera do bem e do bom e uma permanente rejeição daquilo que você considera distante do bom, do bem e do belo. Estou falando daquilo que diz respeito a mim mesmo; sou eu na minha exígua condição individual. Agora isso se amplia de modo evidente. Como quero viver bem, quero que todos vivam bem.”

Mediação entre meio ambiente e ciência “Temos excesso de cientificismo, de produtivismo, de desenvolvimentismo que ignoram e passam por cima das noções sedimentadas sobre a relação com a natureza, as relações com a terra, as relações


entre os homens. Precisamos de ambientalismo mais efetivo, mais combativo. E, ao mesmo tempo, precisamos não fazer disso uma ideologia manipuladora. O ambientalismo hoje exige uma navegação cuidadosa, especialmente com as novas possibilidades técnicas extraordinárias (...) O cuidado que precisamos ter com a aplicação das novas descobertas científicas, cuidado também no sentido de não obstruir, de não fechar a porta para que entrem e dialoguem com a nossa visão de passado, presente e futuro.”

O erro generoso “Outra expressão de Oswald de Andrade: ‘a contribuição milionária de todos os erros’. Confiar no erro. Não se policiar demasiadamente sem se permitir o erro generoso, o erro que provém da sua mais profunda generosidade, da sua mais profunda confiança, do seu mais profundo senso de solidariedade. É não ter medo de errar (...) Importante também não ter medo das identificações. Não ter medo de chamar para si mesmo aquilo que você acredita ser o mais interessante naquele momento.”

Religião e mistério “Há um caminho que, no fundo, veio adotado de todas as religiões, vou pegando os aspectos, digamos, mais poéticos, mas interessantes esteticamente. Vejo religião como cultura, como estética, que é por onde eu sempre caminhei na minha relação com a divindade (...) Sempre me atraiu nas religiões os seus aspectos mais filosóficos, aquilo em que elas se aproximavam mais do homem, da maneira do homem ler o mistério, porque com Deus o mistério está entregue. Basta eu ter o nome de Deus e eu tenho o mistério.”

Caminho do meio “Ulisses e as Sereias. Como se não fosse interessante tapar os dois ouvidos ao canto da sereia. Manter um ouvido nas sereias e o outro fechado ao canto delas. O caminho do meio, a metade das coisas.

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Buda falava disso: o importante é o caminho do meio. É onde as coisas se equilibram. O ponto das convergências é mais importante que o ponto das divergências. Divergências são importantes, mas tem de buscar o convergir, porque assim se mantém o ciclo, o movimento, fecha e abre, fecha e abre, fecha e abre.”

Mora na filosofia “Eu me considero um filósofo ambulante. Sou uma pessoa que extrai filosofia dos fatos iluminados da vida. Não sou um filósofo no sentido acadêmico, clássico, mas artístico. E que essas coisas não soem como presunçosas.”

O mano “Caetas” Caetano

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“Caetano é o irmão que não tive. A vida me deu ele de presente. Se não fosse por ele, eu provavelmente não teria tido as responsabilidades que tive em relação à música (...) Admiro-o não só pelo talento e sensibilidade, mas pela pessoa verdadeira que eu conheci nos anos 1960. Caetano é político, é leão, tem essa vocação para a compreensão plena da encarnação como sendo una. Caetano é um, eu sou dois. Eu sou, no mínimo, dois. Eu nunca fui um, não quero ser, não tenho vocação para isso.”

Tropicalismo vivo Caetano chama isso de linha evolutiva. As mãos de uns se tornando pés de outros. Os pés tropicalistas se assentavam sobre as mãos modernistas. Os pés do pop atual se assentam sobre as mãos tropicalistas. E assim por diante, como pirâmides circenses. As pirâmides culturais são assim também. O Tropicalismo é pedra dessa pirâmide. Não importa em que nível está. Mas se você tira essa pedra, toda a pirâmide cai. Também não importa se ela está na base ou no cume. Aí é querer interromper a história. As camadas vão continuar enquanto durar a humanidade, as nações, e, entre elas, o Brasil como configuração particular de um povo. Não gosto de ficar apontando tropicalistas. O que há são tropicalismos trans-


figurados em outras fantasias. Novos corpos com a mesma velha alma tropicalista.”

Brasil e Gil rimam na ONU “Deixem a paz reinar sobre o céu tropical do Brasil. Deixem a paz governar as Américas. Deixem a paz dominar o planeta. O Brasil espera que essa organização possa genuinamente continuar a reunir as Nações Unidas, que é o espaço do respeito mútuo, da tolerância, irmandade e solidariedade. Só isso justifica sua existência. Não faz sentido pensar em segurança sem pensar em justiça. Não faz sentido se pensar em segurança sem pensar em respeito ao outro. Essas coisas estão intrinsecamente relacionadas. Como disse o poeta Yeats: ‘Você não pode separar o dançarino da dança’. Ou disse Ezra Pound: ‘A usura é um câncer no azul’. O que nós temos a dizer ao mundo hoje é que o Brasil está limpo. O Brasil é claro. O Brasil é afiado. O Brasil é inteiro. O Brasil é todo pela paz. E viva Luiz Gonzaga, o Rei do Baião!” (fala de abertura do show de Gilberto Gil no plenário da ONU)

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Pesquisa e referências bibliográficas: “Gilberto bem de perto”, Regina Zappa e Gilberto Gil “Disposições amoráveis”, Ana de Oliveira e Gilberto Gil “Gilberto Gil – Encontros”, organização de Sergio Cohn “Gilberto Gil, a poética e a política do corpo”, Cássia Lopes “Todas as letras”, organização de Carlos Rennó Site www.tropicalia.com.br, de Ana de Oliveira


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Discografia

ÁLBUNS DE ESTÚDIO 1967 Louvação 1968 Tropicalia ou Panis et Circencis (com Caetano Veloso, Gal Costa, Os Mutantes, Torquato Neto, Tom Zé, Nara Leão e Rogério Duprat) 1968 Gilberto Gil 1969 Gilberto Gil 1970 Copacabana Mon Amour (trilha sonora) 1971 Gilberto Gil 1972 Expresso 2222 1974 Cidade do Salvador 1975 Refazenda 1975 Gil & Jorge: Ogum, Xangô (com Jorge Ben) 1977 Refavela 1979 Nightingale 1979 Realce 1981 Brasil (com Maria Bethânia, Caetano Veloso e João Gilberto) 1981 Luar (A Gente Precisa Ver o Luar) 1982 Um Banda Um 1983 Extra 1984 Quilombo (trilha sonora) 1984 Raça Humana 1985 Dia Dorim Noite Neon 1987 Um Trem para as Estrelas (trilha sonora) 1989 O Eterno Deus Mu Dança 1991 Parabolicamará

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1997 Quanta 1998 Quanta Gente Veio Ver 1998 O Sol de Oslo 2000 As Canções de Eu, Tu, Eles (trilha sonora) 2000 Gil & Milton (com Milton Nascimento) 2002 Kaya N’Gan Daya 2002 Z: 300 Anos de Zumbi (trilha sonora) 2006 Gil Luminoso 2008 Banda Larga Cordel 2010 Fé na Festa 2014 Gilbertos Samba 2018 OK OK OK 2019 Gil (Trilha sonora), espetáculo do grupo Corpo ÁLBUNS AO VIVO 82

1972 Barra 69: Caetano e Gil ao Vivo na Bahia (com Caetano Veloso) 1974 Temporada de Verão: Ao Vivo na Bahia (com Caetano Veloso e Gal Costa) 1974 Gilberto Gil: Ao Vivo 1976 O Viramundo 1978 Ao Vivo em Montreux 1977 Refestança (com Rita Lee & Tutti Frutti) 1987 Em Concerto 1988 Ao Vivo em Tóquio 1994 Acústico MTV


1995 Esotérico: Live in USA 1994 1995 Oriente: Live in Tokyo 1996 Em Concerto 1998 Ao Vivo em Tóquio (Live in Tokyo) 2001 São João Vivo 2002 Quanta Live 2004 Eletrácustico 2005 Ao Vivo 2006 Gil Luminoso – voz e violão 2009 BandaDois 2010 Fé na Festa: Ao Vivo 2011 Gil + 10: Gilberto Gil Convida ao Vivo 2012 Concerto de Cordas e Máquinas de Ritmo 2012 Ivete, Gil e Caetano (com Ivete Sangalo e Caetano Veloso) 2014 Live in London ‘71 (com Gal Costa) 2014 Gilbertos Samba Ao Vivo 2015 Dois Amigos, Um Século de Música (com Caetano Veloso) 2018 Trinca de Ases (com Gal Costa e Nando Reis) COLETÂNEAS 1998 Ensaio Geral (caixa com gravações de 1967 a 1977) 2005 The Very Best of Gilberto Gil - The Soul of Brazil 2006 Rhythms of Bahia



Prêmios e indicações

1981 Medalha Anchieta Câmara Municipal de São Paulo 1986 Golfinho de Ouro Governo do Estado do Rio de Janeiro 1990 Ordre des Arts et des Lettres Ministério da Cultura de França 1990 Comendador da Ordem de Rio Branco 1997 Ordem Nacional do Mérito 1998 Quanta Live Grammy - Melhor álbum de world music 1999 Ordem do Mérito Cultural Ministério da Cultura 1999 Artista pela Paz da UNESCO ONU 2001 Eu Tu Eles Cinema Brazil Grand Prize—Best Music (Indicado) 2001 As Canções De Eu, Tu, Eles Grammy Latino— Melhor álbum de música regional 2001 Gil e Milton Grammy Award – Melhor álbum de world music 2001 Esperando na janela Grammy Latino – Melhor canção brasileira 2001 Embaixador da Boa Vontade da UNESCO Food and Agriculture Organization 2002 Viva São João! Passista Trophy—Long Documentary - Best Score 2002 São João Vivo Grammy Latino—Melhor album regional 2003 Grã-Cruz Ordem do Infante D. Henrique de Portugal 2003 Personalidade do Ano Grammy Latino - Miami

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2005 Eletracústico Grammy Award—Melhor álbum contemporâneo de World Music 2005 Polar Music Prize Rei Carlos XVI Gustavo da Suécia 2005 Légion D’Honneur Grand Officier Ordre National de la Légion d’Honneur 2006 Doutor Honoris Causa Universidade de Aveiro 2007 Gil Luminoso Grammy Award – Melhor álbum contemporâneo de world music 2008 Banda larga cordel Grammy Award – Melhor álbum contemporâneo de world music 2008 Doutor Honoris Causa em Museologia Universidade Lusófona, em Lisboa 2010 BandaDois Grammy Latino - Melhor Álbum de Música Popular Brasileira 2010 Fé na festa Grammy Latino - Melhor Álbum de Músicas de Raízes Brasileiras 2012 Especial Ivete, Gil e Caetano Grammy Latino – Melhor álbum de Música Popular Brasileira 86

2015 Gilberto Sambas ao Vivo (DVD) 26º Prêmio da Música Brasileira - Melhor DVD Especial 2015 Gilbertos Samba ao vivo Grammy Award – Melhor álbum de world music 2016 Dois Amigos, um Século de Música (com Caetano Veloso) 27º Prêmio da Música Brasileira - Melhor Álbum de MPB 2016 Dois Amigos, um Século de Música (com Caetano Veloso) Grammy Award – Melhor álbum de world music 2019 Chamber Prize 2019 Dinamarca, São Paulo (SP) 2019 Ok Ok Ok Grammy Latino – Melhor álbum de Música Popular Brasileira 2020 Refavela 40 (documentário) Emmy Internacional – Melhor programa de arte


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Depoimentos

Gilberto Gil é um cronista sofisticado das transformações e urgências de seu tempo, um criador de exímio talento, capaz de sincronizar ciência, tecnologia, territórios midiáticos, etnografia e teoria quântica no mesmo espaço poético-musical. Sua obra constela todas essas dimensões e saberes. Ele também é afeito a matrizes de outra vertigem, encantatória, irremediavelmente ligada aos afetos e à mística da Bahia, centro gravitacional que norteia suas navegações pelo mundo. Reparemos nessa narrativa ligeira: Ao regressar do exílio, no início dos anos 1970, Gil reencontrou o afoxé Filhos de Gandhy, que conhecera quando menino. O bloco estava em franco declínio – chegou a ser despejado de sua sede –, com pouquíssimos integrantes e sem recursos para sair no carnaval. Buscando fortalecer o bloco e ajudá-lo a livrar-se daquela penúria, Gil se associou à agremiação e lhe compôs uma canção-homenagem: “Filhos de Gandhi”. A música é uma férvida oração em ritmo ijexá, cuja origem é nigeriana, mas a evocação “manda descer pra ver Filhos de Gandhi”, presente na letra, soa como um mantra hinduísta. E sua repetição cíclica remete à circularidade do tempo patente nas concepções ancestrais indiana e africana. Omolu, Ogum, Oxum, Oxumaré, Iansã, Iemanjá, Xangô, Oxóssi também. Uma corrente vinda de misteriosas alturas, no fluxo de um tempo sincrônico, em que todos os orixás descem para socorrer o afoxé da ameaça de um perecimento prematuro. Àxe! O bloco se reergueu e nunca mais parou de desfilar, cobrindo a cidade com o magistral azul e branco de sua indumentária, formando o imenso “tapete de paz” que se estende pelas ruas e avenidas durante o carnaval. Evoco agora um fato análogo, ocorrido durante as gravações do filme “Disposições Amoráveis”, protagonizado por Gil (o filme já estaria pronto, não fossem os embargos do atual governo federal à produção audiovisual brasileira): Estávamos em um ashram, em Kerala, na Índia. A locação específica era um templo, onde naturalmente se cultuam as grandes deidades do hinduísmo como Krishna, Kali, Vishnu, Brahma, Shiva, Ganesha. O auditório estava repleto, com centenas de devotos e aspirantes espirituais de todas as partes

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do mundo. O figurino da cena era simples, em tons suaves de azul e branco, com sutis referências aos elegantes estilos afro e indiano. Combinamos um repertório curtinho, apenas para cobrir as cenas previstas no roteiro, sendo que a última música do setlist era justamente “Filhos de Gandhi”. Pois bem, vestindo as cores do afoxé baiano, Gil cantou seu ijexá convocatório dos deuses africanos num templo hindu, bem ali, na terra do profeta da não violência, Mahatma Gandhi, que inspirou a formação do nosso bloco afro. Pense! Com a alma de um real pacifista sincretista, Gil ia desfilando os nomes dos deuses do panteão iorubá – Omolu, Ogum, Oxum, Oxumaré, Iansã, Iemanjá, Xangô, Oxóssi também – de forma resoluta e, ao mesmo tempo, enternecida. Naquele ambiente de congraçamento e fé, seu canto parecia cumprir o ideal ecumênico e ecológico de ser a paz que se quer ver nesse aiyê. Ana de Oliveira

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A primeira imagem de Gilberto Gil que tenho guardada na memória é ele tocando sanfona no Colégio Marista de Salvador da Bahia, onde estudávamos, em meados dos anos 1950. Tocava e dançava, comandando um grupo de meninos que festejava alguma coisa. No decorrer do tempo me dei conta que, além do imensurável artista que é, que sabe festejar e sofrer a vida, lutar e pacificar, também é uma alma iluminada. Conhece os caminhos do divino, sabe falar com ele. Orlando Senna

Gilberto Gil, autor de Drão, quem conhece sua música, sua poesia, vira fã. Quem convive, conviveu, se apaixona. Saudades. Maria Gladys


Gilberto Gil é gigante e se espraia. Aconteceu para mim, ainda na infância, junto com o meu gosto pela nossa música e num ainda esboço do amor pela cultura do nosso país. Gil está sempre perto, significando e ressignificando as cores, as caras e os nossos deuses. Perto porque faz parte do que me constitui. Não sei muito bem onde Gil começa, deve ser onde a gente mesmo começa. É bom que Gil venha mesmo desde sempre, porque assim a gente aprende a sentir o que sente e ser quem a gente é. Fabrício Noronha Secretário de Estado da Cultura do Espírito Santo

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CADERNO DO FESTIVAL DE CINEMA DE VITÓRIA HOMENAGEADO NACIONAL / 19ª Edição Projeto Editorial - Lucia Caus e Paulo Gois Bastos Texto e Pesquisa - Jace Theodoro Projeto Gráfico - Paulo Prot Diagramação - Gustavo Binda Revisão de Texto - Patricia Galetto Edição e Revisão final - Lucia Caus Fotos - Arquivo Público Nacional (págs. 02, 06, 16, 92 e 94) Acervo Pessoal (págs. 11, 12, 26, 31, 32, 39, 40, 46, 50, 56, 80, 87, 88, 93, 95, e 96) Gérard Giaume (capa, págs. 04, 25 e 97) Gustavo Henrique (pág. 84) Arlete Soares (pág. 55) Candice Carvalho (págs. 60 e 74) Mário Thompson (pág. 73) Especificações Gráficas Tipografia - Gandhi Serif (opensource) Papéis - Offset 180 g/m² para miolo e Supreme 250g/m² para a capa Impresso em Vitória|ES O Caderno do Festival de Cinema de Vitória - Homenageado Nacional é uma publicação do 27º Festival de Cinema de Vitória, evento realizado de 24 a 29 de novembro de 2020 em Vitória-ES. O Festival é uma realização da Galpão Produções e do Instituto Brasil de Cultura e Arte. Nosso endereço e contatos: Rua Professora Maria Candida da Silva, nº 115-A - Bairro República - Vitória/ES, CEP 29.070-210 Tel: +55 27 3327 2751 / producaofcv@ibcavix.org.br www.festivaldecinemadevitoria.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Caderno do festival de cinema de Vitória : Gilberto GIl / texto Jace Theodoro. -19. ed. -- Vitória, ES : Galpão Produções Artísticas e Culturais, 2020. -(Caderno do Festival de Cinema de Vitória - Homenageado Nacional ; 19) “Gilberto Gil Homenageado Nacional Vitória - ES, novembro de 2020”. ISBN 978-65-992666-0-7 1. Cinema - Festivais 2. Documentário (Cinema) 3. Festivais de cinema - Brasil 4. Festivais de cinema - Vitória (ES) 5. Festival Nacional de Cinema 6. Gil, Gilberto, 1942- I. Theodoro, Jace. II. Série. 20-46932 CDD-791.4309 Índices para catálogo sistemático: 1. Festivais de cinema : História 791.4309 Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964


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