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A REFORMA DO ENSINO MÉDIO: AS MUDANÇAS NA ESCOLA, NO CURRÍCULO E NA VIDA DOS ALUNOS E PROFESSORES Luana Lima Borges e Roberta Cristina Moreira Simões

A REFORMA DO ENSINO MÉDIO: as mudanças na escola, no currículo e na vida dos alunos e professores

Luana Lima Borges Roberta Cristina Moreira Simões

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Introdução

Há algum tempo a reforma do Ensino Médio é um assunto que vem sendo muito divulgado por meios de comunicação. Porém, não são todos os espectadores que sabem ou compreendem de fato as mudanças que ocorrerão no ensino com essa reforma. Por isso esse artigo tem como objetivo abordar o tema explicitando as mudanças que ocorrem no ensino médio com esta reforma e possíveis impactos causados na vida do estudante e do professor, na escola e no currículo.

Diversas são as mudanças que ocorrem no Ensino Médio com a reforma e, segundo o Ministério da Educação (MEC), uma delas é a estrutura do sistema de ensino vigente, objetivando uma melhoria na educação do país e flexibilizando a grade curricular com os chamados itinerários formativos. Nesse contexto, cada escola irá oferecer um conjunto de disciplinas que se aprofundem em uma área do conhecimento e os alunos escolherão de acordo com suas habilidades e objetivos futuros. O MEC diz ainda que o currículo terá uma parte que será comum e obrigatória a todas as escolas, chamada de Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e uma parte flexível, que são os possíveis itinerários (BRASIL, 2017a).

Além disso, os alunos ficarão mais tempo na escola, denominada escola integral, havendo um aumento de 800 para 1.000 horas anuais até 2020 e, desse total de horas parte será destinada à BNCC e o restante à parte flexível do currículo.

Os alunos

Sobre a escolha dos eixos itinerários que será realizada pelo aluno, Ruiz (2017) caracteriza essa reforma como uma farsa, onde tentam convencer os alunos que poderão de forma autônoma fazer a opção por um itinerário formativo mais conveniente ao seu futuro, quando na verdade terão que escolher apenas entre os itinerários disponibilizados pela escola, de acordo com suas condições de oferta, o que elimina a ideia de escolha e de autonomia. Em relação a isso, Ferretti (2018) reitera acerca da possível limitação de escolha pelo aluno ao optar por determinado itinerário que não seja ofertado pela escola.

Não deve ser descartada a possibilidade, em face do atual contexto econômico e político do país, de que seja limitada a referida flexibilização dos itinerários formativos pelos estados, na medida em que, de acordo com o espírito da Lei, os Conselhos Estaduais de Educação de cada ente possam ser, de certa forma, pressionados para oferecer prioritariamente, ou em maior número, itinerários formativos mais afinados com a perspectiva dos interesses econômicos, quais sejam, os referentes às áreas das Ciências Naturais, Matemática e Linguagens e Educação Profissional (FERRETTI, 2018, p. 29).

O MEC afirma que com essa mudança do Ensino Médio a escola se aproximará da realidade do aluno e o preparará para o mercado de trabalho, mas sabemos que o papel do professor é auxiliar na construção do conhecimento, a fim de que sejam formados indivíduos críticos que sejam capazes de refletir e opinar e não gerar mão de obra para as indústrias alimentadoras desse mundo capitalista cheio de desigualdades. Para Kuenzer (2000), essa atual ideia do MEC contradiz à sua proposta de 1999, onde afirmava que o Ensino Médio, ao preparar a aluno para o trabalho, não o prepara para a vida.

Segundo o MEC, esses eixos itinerantes formativos devem ser escolhidos de acordo com a carreira que o estudante deseja seguir, entretanto, levantamos a seguinte problemática: Deveria ser lançada sobre esse aluno ao iniciar o ensino médio, muitos com 14 ou 15 anos de idade, uma decisão tão importante que é a de decidir sobre qual carreira seguir? Devemos levar em consideração que muitos deles terminam o Ensino Médio sem saber qual carreira seguir e, nesse sentido, para Bodart (2016), o jovem deve passar por uma educação ampla, conhecendo todas as disciplinas minimamente.

Em uma entrevista ao Jornal El Pais (2016), a socióloga Maria Alice Setúbal afirma que esta reforma é uma reestruturação complexa, que exige um cuidado 217

especial durante o processo de implementação. É importante ressaltar que o fato desta reforma ter sido lançada por meio de medida provisória é grave porque não houve um processo de discussão mais amplo, sendo desconsideradas todas as discussões anteriores (BRASIL, 2016).

A escola

Sabemos de todas as dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas brasileiras e vemos que muitas delas atualmente estão abandonadas pelo poder público e acabam sendo sucateadas. Como vimos inicialmente, as escolas poderão aderir ao Ensino Médio integral e receberão um valor de R$ 2.000,00 anuais por aluno, valor que consideramos insuficiente para manter um aluno em outro turno dentro da escola, e, diante disso, compactuamos com as ideias de Henriques (2017) quando afirma que, não adianta aumentar a carga horária desses alunos na escola se não houver investimentos em infraestrutura e se o ambiente não for adaptado, proporcionando o acesso à equipamentos e aos recursos escolares necessários ao ensino.

E iremos além, questionando se, diante dos problemas enfrentados nos últimos anos no Brasil com a corrupção, esse dinheiro sairá do projeto? Ou até mesmo chegará nas escolas? Essas são questões que só poderão ser respondidas ao longo dos anos com a efetivação da reforma do Ensino Médio.

O Currículo

Sobre a reestruturação curricular, compactuamos com as reflexões levantadas por Ferretti (2018) em que o autor questiona se a flexibilização do currículo seria uma forma de respeitar as expectativas dos estudantes em busca de qualidade na formação escolar ou se seria apenas uma forma de reduzir o currículo. Ainda segundo o autor, é preciso considerar quem são os interessados na intervenção proposta pela reforma.

Silva (1999), ao abordar as teorias do currículo, questiona quais conhecimentos ou saberes devem ser ensinados e quem define a importância e a validade destes conhecimentos. Para o autor, o currículo está associado às questões de identidade e de subjetividade.

Ainda sobre os valores atribuídos a determinados saberes em detrimento de outros no currículo, Moreira e Candau (2007, p. 10) afirmaram: Nessa hierarquia, separam-se a razão da emoção, a teoria da prática, o conhecimento da cultura. Nessa hierarquia, legitimam-se saberes socialmente reconhecidos e estigmatizam-se saberes populares. Nessa hierarquia, silenciam-se as vozes de muitos indivíduos e grupos sociais e classificam-se seus saberes como indignos de entrarem na sala de aula e de serem ensinados e aprendidos. Nessa hierarquia, reforçam-se relações de poder favoráveis à manutenção das desigualdades e das diferenças que caracterizam nossa estrutura social.

Dessa forma, os currículos estão ligados aos interesses subjetivos onde os saberes dos grupos dominados não são valorizados, o que contribui para o fortalecimento das desigualdades sociais. Assim, Moreira e Candau (2007) questionaram a influência das relações de poder na construção dos currículos enfatizando a importância de uma participação crítica dos educadores, por meio de discussões e reflexões nos processos de elaboração de um currículo mais democrático.

As alterações propostas deixam claro que as mudanças referem-se apenas à estrutura curricular, desconsiderando diversos problemas relacionados à infraestrutura das escolas, à valorização dos professores com salários e condições adequadas de trabalho, problemas sociais, violência, desestruturação familiar e necessidade do jovem trabalhar para complementar renda familiar, entre tantos outros impedimentos que dificultam a permanência do estudante na escola ou resultam em um Ensino Médio de baixa qualidade. De acordo com Ferreti (2018, p. 27),

A Lei parece insistir na perspectiva de que o conjunto dos problemas presentes no Ensino Médio público poderá ser resolvido por meio da alteração curricular [...]. Nesse sentido a Lei parece apoiar-se numa concepção restrita de currículo que reduz a riqueza do termo à matriz curricular. A instância que busca dar conta dessa questão é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que, no entanto, não é entendida pelos seus próprios propositores como currículo.

Portanto, se as mudanças estão começando pela reestruturação curricular, as discussões deveriam envolver reflexões de todos os envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem sobre o que deve ser ensinado, sobre quais conhecimentos deveriam ser priorizados e com que objetivos esses conhecimentos

devem ser ensinados, considerando-se as desigualdades sociais existentes no país (SILVA, 1999). As mudanças sobre o currículo deveriam ser pensadas considerando-se que “o currículo escolar é, sobretudo, um desenvolvimento humano, e, portanto, uma construção social, cultural, histórica e um instrumento de poder” (MOZENA e OSTERMANN, 2016, p. 327).

Os professores

Compactuamos com as ideias de Giannazi (2017) quando diz que havendo o aumento da carga horário no ensino, consecutivamente haverá um aumento da carga horária de trabalho do professor e a reforma não menciona aumentos de salários, além de enfraquecer as licenciaturas e os concursos públicos. De acordo com Noronha, devemos destacar também nesta reforma o notório saber, que é visto como a desregulamentação da profissão do professor, tornando possível o “bico” de profissionais de outras áreas na educação básica. Nesse contexto, enfatizamos que as mudanças podem contribuir para a precarização do trabalho dos professores e diminuição do número de postos de trabalho.

Outro ponto a ser considerado é a exclusão das disciplinas de Sociologia, Filosofia, Educação Física e Artes, que de acordo com a Lei 13.415/17 (BRASIL, 2017b), estarão presentes apenas por meio dos “estudos e práticas”, não como componente curricular, mas como conhecimentos a serem ensinados dentro de uma disciplina específica ou projeto interdisciplinar. Além disso, professores formados em áreas não contempladas pelos itinerários formativos oferecidos pelas escolas perderão oportunidades de trabalho (FERRETTI, 2018).

Considerações

No atual contexto político e diante do modo como a reforma do Ensino Médio vem sendo realizada, há dúvidas se as mudanças propostas realmente objetivam contribuir para um ensino de qualidade ou se as mudanças são apenas formas de atender aos interesses de determinadas instituições, com a intenção de reduzir as possibilidades de ampliação dos conhecimentos dos estudantes para o pleno exercício da cidadania e atuação crítica na sociedade.

Se a Lei busca garantir a oferta de educação de qualidade aos jovens, aproximando a escola da realidade dos alunos, é necessário que a reforma também repense a realidade do estudante por meio de programas sociais, facilitando o acesso e a permanência do aluno em uma escola que realmente faça a diferença em sua vida.

A reforma deve abranger não somente o currículo, as disciplinas a serem ofertadas, a quantidade de horas que o aluno permanecerá na escola, mas deve proporcionar ao aluno um ambiente acolhedor de aprendizagem e desenvolvimento. Sendo assim, a mudança deve considerar o contexto social desse aluno, contemplando a estrutura das instituições escolares, a formação continuada e a valorização dos educadores.

Diante disso, o ensino deve ser repensado e reestruturado a partir da colaboração de todos os envolvidos no processo e não somente por meio da imposição da Lei elaborada a partir de interesses de grupos dominantes da sociedade. Por fim, afirmamos que, como professores devemos orientar os nossos alunos a refletirem sobre essa reforma e, de alguma maneira, já que a mesma é inevitável, também pensar sobre suas escolhas a fim de que as mesmas sejam favoráveis a sua vida após a escola, seja como profissional, seja como cidadão.

Referências

BRASIL. Medida Provisória MPV 746/2016. Brasília, 22 set. 2016a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Mpv/mpv746.htm

BRASIL. Lei 13.415. Diário Oficial da União, 17.2.2017a, Seção 1, p.1. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm

BODART, C. N. Blog Café com sociologia.Disponível em https://cafecomsociologia. com/por-que-ser-contrario-medida-provisoria-que-reforma-o-ensino-medio/

FERRETTI, C. J. A reforma do Ensino Médio e sua questionável concepção de qualidade da educação. Estud. av., São Paulo , v. 32, n. 93, p. 25-42, Aug. 2018.

GIANNAZI, C. Ato público contra reforma do ensino médio. Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, 2017.

HENRIQUES, R. Estadão jornal digital. Disponível em: http://www.estadao.com.br

JORNAL EL PAIS “Plano de reforma do ensino pode aumentar desigualdades. Apresentá-lo por MP é grave.” Disponível em https://brasil.elpais.com/

brasil/2016/09/24

KUENZER, A. Z. O Ensino Médio agora é para a vida: Entre o pretendido, o dito e o feito. Educação & Sociedade, ano XXI, n. 70, p. 15-39, 2000. MOREIRA, A. F. B.; CANDAU , V. M. Currículo, conhecimento e cultura. Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. 17-44. MOZENA, E. R., OSTERMANN, F. Editorial Sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Ensino de Física. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 33, n. 2, p. 327-332, ago. 2016. RUIZ, A. I. A reforma do Ensino médio, 2017. Disponível em http://www.sinprodf. org.br/artigo-a-reforma-do-ensino-medio/ Acessado em: 06 de Janeiro de 2019. SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

A palavra amor se tornou maldita entre os educadores. Envergonham-se de que a educação seja coisa do amor – piegas. Mas o amor – Platão, Nietzsche e Freud o sabiam – nada tem de piegas. O amor marca o impreciso e forte círculo de prazer que liga o corpo aos objetos. Sem o amor, tudo nos seria diferente – indigno de ser aprendido, inclusive a ciência. Não teríamos sentido de direção ou não teríamos prioridades.

Rubem Alves

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