No palco com a solidão

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No palco com a solidão História de duplas sertanejas que fazem sucesso e terminam repentinamente

Viviane Fetzer

Tanto no pagode, quanto no rock ou pop, além do vocalista existem mais pessoas envolvidas e por isso se tem uma banda. Quando se fala em sertanejo, a primeira coisa que vem à cabeça são as duplas sertanejas. Ao separarem-se, as bandas dão entrevistas falando sobre os motivos e, depois de um tempo, anunciam a volta. Com as duplas sertanejas não é diferente. O impacto nos fãs e no mundo da música é ainda maior, porque no senso comum elas são as preferidas. Depois que passam pela separação é complicado fazer a escolha de parar ou continuar. Na história das duplas que você vai acompanhar, as separações foram repentinas e os companheiros de palco escolheram seguir carreira solo. O sertanejo tem uma diferença em relação aos demais segmentos musicais. Ele não precisa estar em evidência na televisão para vender discos, ao contrário de outras ondas que vem e vão, como a do pagode ou da música infantil. Isso porque representa um pedaço do Brasil que tem seus canais próprios de comunicação, independentemente de estar ou não em exposição na mídia. É o mundo das feiras de gado, dos rodeios, dos romances e das festas agrícolas. A música sertaneja constitui o veículo de afirmação desse pedaço do Brasil e ilustra também como ele se modernizou. As duplas sertanejas, Leandro e Leonardo, que conquistou fãs pelo Brasil inteiro na década de 90, e Júnior e Marcel, que fazia sucesso no interior do Rio Grande do Sul desde 2007, passaram por separações semelhantes e a convivência com a solidão no palco se tornou habitual. Por mais difícil que seja olhar para o lado no palco e não ter quem faça a segunda voz enquanto se toma água, não ter quem entretenha o público enquanto recupera o fôlego, não ter mais com quem dividir os erros e acertos do show, seguindo a carreira solo eles continuam recebendo o carinho dos fãs, o apoio da família. Tentam, com isso, superar a perda. Marcel em um dos últimos shows da dupla, aproveitando para agradecer a parceria do irmão, falou para o público para que valorizassem a família e os irmãos,


porque isso é a única coisa certa que se tem na vida. E Leonardo em seus shows durante os dois meses em que Leandro estava no hospital, passava um vídeo em que Leandro falava aos fãs para que cuidassem dele, para que ele não fizesse besteira. No final, Leonardo sempre afirmava que em breve voltariam a cantar juntos. Mal sabiam eles que essas frases teriam um efeito muito grande sobre o que viria a acontecer depois. Passando por tantos obstáculos no início da carreira, nada abalava Leandro e Leonardo. Na década de 90 conquistaram fãs pelo Brasil inteiro com a música Entre tapas e beijos que estava entre as primeiras nas paradas de sucesso. Com todo o sucesso, não podiam imaginar que uma mancha no pulmão direito de Leandro fosse acabar com a carreira e com todos os planos. O álbum Um Sonhador estava pronto quando em 1998 descobriram que Leandro tinha um tipo de câncer maligno, o raríssimo tumor de Askin. Tudo deixou de fazer sentido, os dois conversaram enquanto Leandro estava no hospital para decidirem o que fariam. Da descoberta da doença até sua morte se passaram dois meses. Todos os métodos possíveis foram usados para prolongar o tempo de vida de Leandro, mas não foram suficientes. Na madrugada do dia 23 de junho de 1998 ele deixou o irmão, por falência de múltiplos órgãos. Leonardo fazia um show na Bahia naquela noite e repetiu a mensagem de que os dois voltariam a cantar juntos. A notícia da morte do irmão só foi dada quando ele se dirigia para a cidade do próximo show. Ele desabou em lágrimas e mergulhou no silêncio. No Rio Grande do Sul o último carnaval de Júnior e Marcel realmente aconteceu em 2012. Estavam se aventurando com músicas em inglês e um álbum estava sendo produzido nas duas línguas, português e inglês. Ele estaria pronto depois do carnaval daquele ano para que Júnior pudesse viajar para Dublin, capital da Irlanda, mostrar o trabalho. Antes disso, as noites de carnaval em Santo Ângelo os esperavam. Chegaram à cidade depois das quatro horas de viagem e foram visitar os amigos, como de costume. Mais tarde se prepararam para o show. Ainda no camarim conversaram sobre Dublin, o que iam fazer de diferente no show, o que iam repetir. Júnior disse para Marcel que não queria mais aquilo, que estava cansado e só conseguia pensar no novo projeto. Marcel levantou o ânimo do irmão e os dois subiram ao palco. Animavam carnavais com a banda do pai, Banda Ghermania, desde que começaram no mundo da música. Depois de aproximadamente 30 minutos de show, o inesperado aconteceu. Marcel percebeu que o som de seu microfone estava muito alto,


prejudicando a banda e sua voz. Júnior foi tentar solucionar o problema. Deu um beijo no pai que estava ao lado do palco, o que não era habitual, e foi para a mesa de som. Ao encostar-se a ela recebeu uma descarga elétrica e caiu. Marcel viu toda a cena e pensou que Júnior só estava desmaiado. A reação de Marcel foi largar tudo e correr para socorrer o irmão. Enquanto o socorro não chegava foram feitas massagem cardíaca e respiração boca-a-boca, para tentar reanimar Júnior. Ele foi encaminhado para o hospital da cidade e Marcel acompanhou todos os procedimentos. Médicos e enfermeiros fizeram tudo o que podiam para salvar a vida de Júnior. Mas, prestando atenção em tudo o que acontecia, foi nos olhares da equipe que Marcel entendeu e saiu da sala paralisado. A respiração estava pesada e as lágrimas molhavam a camisa. Foi quando viu o pai e, sem que nenhuma palavra fosse dita, se entenderam em um único abraço. Júnior havia perdido a vida fazendo o que mais gostava na madrugada do dia 19 de fevereiro de 2012, aos 28 anos. Duas perdas repentinas que causaram sofrimento para as famílias e mais ainda para os parceiros de palco que ficaram. Leonardo voltou a cantar em carreira solo com o apoio da família e também dos fãs. Marcel, cerca de três meses depois do acontecimento, foi convidado para fazer a abertura de um evento de dança em Santa Cruz do Sul e homenagear Júnior. A música escolhida retratava a falta e a vontade de fazer Júnior voltar: “Eu quero acreditar que vou te encontrar em breve/ tá difícil, complicado, mas eu sei que a vida segue/ ‘tá’ tudo certo, só falta você/a tua falta me fez planejar, alguma forma de me aproximar/ e só estava pensando em você, queria tanto te encontrar pra te dizer/ que eu preciso de você, queria tanto ir poder te ver/ não tem como disfarçar, quando a saudade aperta/ às vezes eu pareço escutar tua voz, não tem dia que eu não pense em nós”. Só depois de dois anos Marcel voltou aos palcos com um trabalho diferente. Mas, que retrata nas letras a solidão.


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