Viagem DiVina
por Carlos Marcondes
O VulcãO e
Os V inhOs
Mais que uma cultura milenar fascinante e belíssimas paisagens, a Sicília oferece aos seus visitantes os vinhos vulcânicos produzidos aos pés do Etna.
diVino 49
Viagem DiVina
A vinícola Terrazze dell’Etna, com o vulcão ao fundo
“temperos” do terroir para gerar cepas de muita personalidade. É por esse canto nordeste da ilha – que é a maior do Mediterrâneo – que começamos nossa viagem divina, em busca de históricas regiões produtoras, acolhidos por um povo que adora brasileiros. É nos pés do imponente Etna que são produzidos alguns dos melhores vinhos do país. Para visitar a região, é preciso voar do continente até a cidade de Catania, segunda maior da ilha, de onde é possível avistar o enorme vulcão de 3.340 metros, o mais alto da Europa e que, nos últimos meses, complicou a vida dos viajantes ao entrar em atividade, pois as cinzas expelidas causaram o cancelamento de diversos voos. Para os mais aventureiros, há diversos passeios que levam até o cume do vulcão, sejam caminhadas, teleféricos ou helicópteros. Já quem quer saber o que o vinho do Etna tem de bom precisa provar vinhos feitos com a uva Nerello Mascalese, típica dessa parte da ilha e que é a base para a Denominação de Origem Controlada – DOC Etna Rosso, cuja legislação permite adicionar até 20% da também cepa tinta Nerello Capuccio.
Os vinhos vulcânicos
E
la foi um dos berços da máfia italiana, assim como a Calábria e a região napolitana, mas esse estereótipo que ainda permeia a mente de turistas faz parte do passado desta bela ilha. Quem visita a terra da temida Cosa Nostra quase nada verá sobre esse sistema de extorsão que dominou a região e que foi – e ainda é – tema de sucesso no cinema. Ao perguntar nas vilas sicilianas se ainda há resquícios do crime organizado, todos afirmam convictos que a máfia moderna hoje se integrou aos políticos corruptos, como em todo lugar do mundo. Mas, se a máfia morreu, o Etna não. Pelo contrário, é o maior vulcão em atividade do continente e um dos responsáveis por gerar as melhores uvas da ilha. O solo arenoso e de origem vulcânica, em partes da Sicília, é um dos
Um dos melhores exemplos dos grandes vinhos “vulcânicos” vem das mãos de Federico Curtaz, um talentoso enólogo piemontês que trabalhou por 15 anos na célebre vinícola Gaia e que hoje faz rótulos no norte do país e em 10 hectares de vinhas na região de Messina, bem ao lado do Etna. Em sua propriedade, chamada Tenute di Fessina, Federico mostra orgulhoso videiras plantadas no sistema péfranco, ou seja, totalmente originais com mais de 90 anos de idade, da uva Nerello Capuccio, uma raridade na Itália. O especialista explica que o solo vulcânico contém baixo calcário e basta tocar nas pedras de terra para que elas se desfaçam em pó. Graças ao fato de a região ser fria, com forte amplitude térmica, e de os vinhedos estarem em altitudes em torno de 650 metros acima do nível do mar, é possível obter vinhos de boa acidez e taninos macios. “Este terroir já é um dos mais valorizados do país e estou certo de que a fama do Etna Rosso deverá ampliar seu status nos próximos anos”, prevê Curtaz. Um pouco mais acima, literalmente aos pés do vulcão, está a bela propriedade da Terrazze dell’Etna. Sua proximidade é tanta que não há como não imaginar um certo receio de viver na vinícola. São cerca de 30 hectares cultivados para fazer apenas três rótulos: o tinto Cirneco, de Nerello Mascalese, e os espumantes rosé e brut, de Chardonnay e Pinot Noir. A cantina aceita visitas, desde que
A uva nativa Grillo é plantada num sistema de condução milenar e muito raro nos dias de hoje
Viagem DiVina
agendadas com antecedência, durante as quais é possível provar os vinhos, entre os vinhedos, tendo o cume do Etna emoldurando um cenário selvagem.
Sicília grega
Cruza-se a ilha de carro em três horas, deixando o lado oriental rumo ao canto ocidental, pequena cidade turística chamada Agrigento. É ali que se encontram as ruínas do Valle dei Templi, ou Vale dos Templos, conjunto de monumentos históricos com mais de 2.000 anos, datados da época em que o sul da Itália era dominado pelos gregos. Por sua importância cultural e arqueológica, o local, com belíssima vista para o mar, tornou-se Patrimônio Mundial da Humanidade, com a chancela da Unesco. A visita é imperdível, assim como experimentar um jantar no restaurante Akropolis, que prima por uma cozinha que mescla influências gregas com a rica gastronomia marítima siciliana. Além de apresentar uma bela carta de vinhos regionais, o lugar esbanja charme com uma vista panorâmica das ruínas iluminadas durante toda a noite. Não muito longe dali, já na estrada rumo a Palermo, capital
Na pequena Agrigento estão as ruínas do Vale dos Templos
A maior ilha do Mediterrâneo tem mais de 5 milhões de habitantes. Seu caráter fascinante pode ser explicado pelas influências dos diversos povos que por ali passaram. Estudos apontam que a ocupação começou cerca de oito séculos antes de Cristo, com a chegada de fenícios e gregos. Logo vieram romanos, árabes e vândalos, culturas fortes que deixaram suas marcas, ajudando a construir a identidade do siciliano. Suas praias, paredões rochosos, vulcões e monumentos arqueológicos a transformam em um dos principais destinos turísticos italianos. A gastronomia também é rica e bem distinta da de outras partes do país. A influência dos pescados predomina, com peixes típicos do Mediterrâneo e uma excepcional oferta de frutos do mar. Outra especialidade ícone é a caponata siciliana, um dos antepastos mais famosos do mundo. Trata-se de um prato vegetariano à base de berinjela, tomate, vinagre, alcaparras e outros legumes. A origem parece ser espanhola, da região da Catalunha, mas a fama, sem dúvida, é dos sicilianos.
52 diVino
FOTos: duvulgação
Um pouco mais da Sicília
Viagem DiVina
da ilha, é possível hospedar-se em um dos famosos “Agriturismo” da Itália, pousadas rústicas muitas vezes ligadas à produção de vinhos. Na região da DOC Menfi, a poucos quilômetros de Agrigento, a cantina Lanzara possui uma linda e rústica pousada, uma opção para quem busca relaxar em um lugar charmoso, no meio de vinhedos e bem afastado das cidades. Os vinhos são simples, mas prová-los durante o jantar no local onde são elaborados, é sempre uma experiência interessante. A pouco menos de uma hora dali fica a cidade de Palermo, a quinta maior da Itália. Ao andar pelas ruas da simpática capital, é possível sentir o mesmo bom astral percebido nas pequenas e pitorescas vilas do interior da ilha, a marcante impressão de um povo acolhedor e alegre. Entre os italianos, é quase unânime ouvir que as pessoas do sul são as mais simpáticas do país, talvez pelo clima mais quente,
Aos pés do vulcão, a Terrazze dell’Etna cultiva 30 hectares para produzir apenas três rótulos
talvez pela cultura ou por serem menos abonadas que as do norte. Em Palermo, essa teoria se torna constatação: o ambiente é leve e as pessoas são convictas de que ser siciliano é um privilégio.
Palermo e arredores
De Palermo é possível chegar às regiões vinícolas de Marsala e Trapani, responsáveis por quase 60% dos vinhedos da ilha e onde é feita boa parte dos vinhos da famosa uva tinta autóctone Nero D’Avola. Em Trapani a produção é de larga escala, bem diferente do perfil das cantinas do Etna, embora também seja possível encontrar bons exemplares de tintos. Na vizinha Marsala, o enoturista terá dois motivos bem interessantes para desbravar esse canto ocidental da Sicília. O primeiro é a visita à histórica ilha de Mozia, na
Viagem DiVina
região fundada pelos fenícios oito séculos antes de Cristo. Para chegar até a ilhota principal, pega-se um barco em um porto cercado por salinas, onde o visitante encontrará um pequeno museu que abriga artefatos milenares das ruínas da cidade original. Para os apaixonados por história e vinho, em Mozia também há videiras da uva branca nativa chamada Grillo, plantada no sistema de condução milenar conhecido como Alberello, de podas severas e que obriga a videira a ficar bem próxima ao solo, algo raríssimo nos dias de hoje. O parreiral de Mozia pertence atualmente à vinícola siciliana Tasca D’Almerita, uma das mais renomadas da Itália. O segundo atrativo é conhecer o terroir onde são elaborados os mundialmente famosos Marsala, vinhos fortificados produzidos apenas nessa parte da Sicília. Há quem diga que, assim como os Jerez espanhóis, esses rótulos de ape-
Vinhas e mais vinhas A cultura de vinhos na ilha é intensa. Não é para menos, afinal são mais de 115 mil hectares plantados, o que é similar, por exemplo, ao plantio praticado em todo o Chile e duas vezes o que há na Toscana e no Piemonte. Desse total, 64% são brancas e 36% são tintas, com um perfil de vinhos únicos, já que 85% das vinhas são destinadas às regionais brancas Inzollia, Catarrato, Grillo e Grecanico e às tintas Nero d’Avola e Frapatto. Ao todo, são plantadas cerca de 35 diferentes cepas, e uma das mais renomadas é a indígena Nerello Mascalese. Foram engarrafados em 2008 cerca de 6,2 hectolitros de vinhos por 710 produtores com cantinas próprias e 55 cooperativas. A Catarrato Bianco é a mais plantada, com 28% do total, seguida da famosa Nero d’Avola com 16% e da Inzolia, com 6%. A Sicília possui 22 DOC e apenas 1 DOCG (Denominação de Origem Controlada e Garantida), a Cerasuolo di Vittoria. Para quem quiser desbravar a região, a ilha possui uma oferta enoturística bem montada com 12 das chamadas Stradas del Vino. São rotas estruturadas para receber os visitantes que abrangem praticamente todas as 17 macrorregiões produtoras. O site tem mais informações: www.stradeviniesaporisicilia.it.
56 diVino
ritivos devem sofrer com uma redução global no consumo. Não é essa a opinião de Giuseppe Barraco, responsável pela exportação dos vinhos da tradicional cantina Pellegrino, também presente no Brasil. O executivo conta que, embora tenham sobrado apenas cerca de dez produtores na região, o Marsala sempre terá um nicho especial. “Somos responsáveis por 80% da produção dele no mundo e temos a certeza de que sempre haverá mercado para bebidas repletas de personalidade”, explica. Bem próxima a Pellegrino está a Caruso & Minini, cantina que possui 200 hectares de videiras direcionadas para vinhos tranquilos, mas que também elabora um rótulo de Marsala. “É preciso manter a tradição”, justifica o sorridente Stefano Caruso, proprietário da vinícola, enquanto mostra a adega e fala de seus vinhos.
Vindima na vinícola Tola Sicilia