O ovo partiu-se e um bico saiu de lá. Os Pais Corvos ficaram espantados porque esperavam ver um bico preto como o dos outros filhos. Aquele bico tinha outra cor. - Como é que isto aconteceu? – Pensaram os Pais Corvos. Só quando os corvos bebés saíram todos dos seus ovos é que os pais ficaram sem dúvidas. Os dois irmãos mais velhos tinham o bico e as penas pretos como a noite. O último corvo a sair do ovo era diferente. O bico era cinzento e as penas cor de laranja. Era igual aos outros corvos mas tinha a cor do bico e das penas diferente.
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Ao início os Pais Corvos tentaram esconder o corvo cor de laranja sempre que alguém os visitava. Só as pinhas do pinheiro onde os corvos viviam sabiam o que tinha acontecido. As pinhas prometeram segredo. Os Pais Corvos não sabiam o que fazer para proteger o corvo cor de laranja, por isso decidiram falar com a Coruja. A Coruja era muito sábia e podia ajudar os Pais Corvos. A Coruja morava num velho Carvalho. Os animais diziam que o Carvalho sabia mais que a Coruja. Ninguém conhecia a verdade porque só a Coruja entendia o Carvalho.
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Os Pais Corvos voaram muito rápido para chegarem ao Carvalho da Coruja, do outro lado do Pinhal de Leiria. A Coruja estava a espreguiçar-se no ramo em frente à porta do Carvalho, com um ar despreocupado. - Bem-vindos – Dissera a Coruja. - Bom dia amiga Coruja – responderam aflitos os Pais Corvos. - Parecem preocupados… O que se passa? Entrem, entrem. A Coruja ouviu os Pais Corvos com atenção e pensou durante uns minutos. A Coruja pensava sempre antes de falar para não dizer nada errado. Nunca
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interrompia os outros pássaros quando piavam ou cantavam. A Coruja era muito sábia e educada, por isso todos a respeitavam. - Isso é estranho – disse a Coruja – Mas não se preocupem. Vocês disseram-me que o corvo cor de laranja está de boa saúde. Se a diferença é só a cor, não há problema. Só têm de fazer com que os outros não tenham medo dele. Já escolheram o nome? - Não, ainda não pensamos nisso. Estávamos tão preocupados que nem nos lembrámos…Mas vamos escolher ainda hoje! - Pensem bem, porque o nome é para toda a vida.
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Os Pais Corvos despediram-se da Coruja e voaram para casa. Ficaram mais descansados com o que a Coruja disse, mas sabiam que a vida do corvo cor de laranja não ia ser fácil. Os Pais Corvos prometeram que iam fazer tudo para ajudar o corvo cor de laranja a ser feliz. Era um corvo diferente mas igual aos outros. A Coruja, já sozinha, comentou na língua que só ela e o Carvalho conheciam: Parece-me que este corvo cor de laranja ainda vai ter muitas aventuras! Espero que sejam boas…
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Quando chegaram ao Pinheiro, os Pais Corvos foram logo alimentar todos os filhos. Depois de os corvos bebés adormecerem, os Pais Corvos ficaram a olhar fixamente para o pequeno corvo cor de laranja. - Temos de lhe dar um nome único, especial como ele! – Disse o Pai Corvo. - Sim, mas devia ser um nome que o ajudasse e ensinasse a viver com a diferença. Não pode ser um nome que o deixe triste! – Respondeu a Mãe Corvo. - Sim, tens razão! Pensaram e conversaram durante algum tempo. Enquanto conversavam, uma das Pinhas disse aos seus Pinhões:
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- Que belo o laranja! Nunca vi um corvo assim! Os Pais Corvos ficaram em silêncio. Pediram para a Pinha repetir o que tinha dito. Não queriam acreditar. Era simples e bonito. Só podia ser Laranja o nome para o filho mais novo. Estava decidido. O bebé mais novo passou a chamar-se Laranja. O nome Laranja ia ajudá-lo na sua vida. Os outros corvos iriam aceitar a sua diferença e não lhe dariam alcunhas ou nomes feios. O tempo foi passando. O Laranja estava cada vez mais cor de laranja. Os seus irmãos estavam cada vez maiores e mais escuros. Eram todos muito amigos. Brincavam e partilhavam tudo como iguais.
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No primeiro voo, saíram todos juntos. Os Pais Corvos ajudaram o Laranja e os irmãos a voar pela primeira vez. O primeiro voo foi muito atrapalhado, como se esperava. Mas depois de algum tempo e muito treino, os três corvos tornaram-se bons a voar. Faziam acrobacias pelo ar e entre as árvores. Davam grandes espetáculos. Era belo ver os três irmãos a voar pelo Pinhal.
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Pouco tempo depois, os jovens corvos foram para a escola. No primeiro dia de aulas, o Laranja sentiu-se diferente. Todos os corvos da sua sala eram pretos, até os professores. O Laranja achava que ia encontrar outros corvos diferentes. Ficou triste quando percebeu que era o único de outra cor. Durante o recreio, o Laranja não conseguiu parar de chorar. Foi sentar-se longe de todos os corvos, num ramo do Velho Salgueiro que era a sua escola. Os irmãos do Laranja só deram pela falta dele no final do recreio. Foram ter com ele e apresentaram-lhe os novos amigos que tinham conhecido. O Laranja sorriu. Mas houve um grupo de corvos que ficou noutro ramo, longe do Laranja. Não quiseram falar com ele.
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Com o passar do tempo, o Laranja habituou-se a ser o único corvo de cor diferente na escola. Os primeiros amigos do Laranja ficaram ainda mais amigos. Mas outros colegas corvos continuavam a não gostar dele por ser diferente. Na escola, os corvos aprendiam a fazer o que todos os corvos faziam: trazer más notícias. Havia quem dissesse que os corvos não eram os mais simpáticos mensageiros e jornalistas. O Laranja nunca percebeu porque tinham de ser os corvos levar as más notícias. O Laranja gostava de fazer outras coisas. Queria viajar para poder levar e trazer todo o tipo de notícias, principalmente as boas e alegres. Enquanto ia crescendo
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o Laranja ficava cada vez mais triste por ser o único com aquela opinião. Os outros corvos não percebiam a tristeza do Laranja e pensavam: porque é que temos de dar boas notícias?! Fomos feitos para dar más notícias e é isso que fazemos bem!!! Os Pais Corvos sentiam que tinham de fazer alguma coisa. Achavam normal e bom o futuro que se esperava para os corvos. Sem saber o que fazer foram falar novamente com à sábia coruja. Quando chegaram ao Carvalho, bateram à porta e a Coruja respondeu: - Entrem, já sei o que se passa – Disse a Coruja.
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- Consegues prever o futuro? -Não, nada disso. O futuro não se pode prever. Se conhecemos a história estamos mais preparados para o futuro. Os dois corvos entraram sem responder e só depois de estarem sentados, falaram: - Precisamos do teu conselho. O nosso Laranja anda infeliz. - Eu sei. Ele é diferente em tudo, não é? - Como sabes? – Disseram em conjunto.
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-De tempos a tempos aparece sempre alguém que muda o presente e o futuro dos outros. As coisas que hoje conhecemos nem sempre foram assim. A tradição e os hábitos mudam. No passado alguém inventou aquilo que agora é normal. As coisas nem sempre foram como são hoje. Tudo teve um início. E no início era sempre novidade. Os pais corvos ouviam sem piar. Pareciam estátuas. A Coruja continuou: - Não sei se o Laranja vai mudar a vidas dos corvos. Se calhar vai só ter uma vida diferente dos outros corvos.
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- A vida do Laranja pode ser difícil e triste! Não podemos fazer nada? - Claro que podem! Podem ajudar, podem apoiar naquilo que fizer o Laranja feliz e a seguir o seu caminho com responsabilidade. - Já tínhamos falado sobre isso... Ouvir as tuas palavras Coruja ajudou a perceber melhor. Os Pais corvos voaram até casa. Precisavam de apanhar o ar mais fresco do fim de tarde. Fizeram a viagem calados porque já sabiam o que fazer. Os dias foram passando. Sempre que o Laranja vinha triste da escola, os Pais Corvos diziam-lhe que havia muito mais para aprender. Depois da Escola, podia
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ir à biblioteca e falar com outros sábios. Ter gostos diferentes não era desculpa para não aprender o que os outros corvos ensinavam. Só podia saber mais do que os outros corvos quando soubesse o mesmo que eles.
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No início o Laranja não percebia porque que tinha de se esforçar tanto. Só nos útimos anos de escola percebeu que os conselhos dos Pais Corvos eram bons. Agora, o Laranja sabia que queria sair pelo mundo e trazer boas notícias. Ele ia aprender com os professores e com os colegas corvos a dar novidades, mas queria também usar outros saberes para mudar a maneira como davam as notícias. Mesmo que as notícias fossem más, ele queria ajudar a criar e fazer boas notícias. Os anos passaram e o Laranja tornou-se um corvo adulto. Era quase igual aos outros, menos na cor. Tinha sido muito bom aluno na escola, o local onde lhe
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ensinaram tudo o que um corvo precisava de saber. Aprendeu tudo e ainda mais. Aprendeu o que faziam os outros pássaros. Sempre que podia, o Laranja falava com a Coruja que lhe ensinava outras coisas que não se aprendiam na escola dos corvos. Os professores do Laranja queriam ajudar mas só conseguiam ensinar o que sabiam. A Coruja foi quem mais ajudou o Laranja, sempre com o apoio dos Pais Corvos. O Laranja era mesmo diferente dos outros corvos, principalmente porque queria conhecer coisas diferentes. Quando se tornou adulto, o Laranja começou a trabalhar e a viajar para levar notícias. Esperava-se que trouxesse e levasse más notícias, pois todos sabiam
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que era mau sinal quando um corvo chegava. Todos associavam os corvos ao fim das coisas e à morte. O Laranja fez os seus primeiros trabalhos, tal como lhe ensinaram na escola e andou de terra em terra a deixar más notícias. O trabalho foi deixando-o cada vez mais triste e até as pensas lhe começaram a cair. O pobre Laranja andou infeliz durante meses. Tão infeliz que não reparava na alegria que dava aos outros pássaros. As suas penas claras traziam mais alegria ao olhar e o Laranja, sem fazer de propósito, dizia as notícias de um modo mais simpático e suave, mesmo as piores de todas.
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Num certo dia o Laranja passou por uma nova terra e viu como os Cucos faziam os seus ninhos de forma diferente. Ficou espantado porque eles faziam casas muito muito bonitas e resistentes. Eram verdadeiros artistas, verdadeiros mestres. No mesmo dia, quando o Laranja chegou a uma terra vizinha, depois de dar as mĂĄs notĂcias, contou aos habitantes locais de como eram os cucos faziam belas casas.
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A plateia que ouvia o Laranja era maior do que o normal. Muitos habitantes da zona estavam lá porque ouviram dizer que um corvo laranja ia dar as notícias. Há algum tempo, um corvo preto tinha-lhes contado que tinha nascido um corvo estranho no Pinhal de Leiria. Estavam muito curiosos. Foi a notícia que espantou a plateia. Eles ficaram tão curiosos com a notícia dos cucos que queriam saber mais e pedir aos cucos para lhes fazerem casas. O Laranja disse-lhes como podiam encontrar os Cucos. A plateia estava muito animada. Entre a agitação, alguém disse:
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- O Laranja é mesmo diferente. Não sabíamos que os corvos também davam boas notícias! O Laranja agradeceu e disse: - Muito obrigado! Agora tenho de voar para outro lugar! Tenho de dar mais notícias! Adeussss!! Só quando estava já a voar bem alto é que pensou no que tinha acontecido. Ninguém pensava que os corvos também davam boas notícias. O Laranja não tinha planeado contar a história das casas dos cucos, mas todos gostaram de ouvir aquela notícia, e o Laranja também gostou de a contar. O Laranja sempre
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achou que era mais divertido dar boas notícias do que más porque as boas notícias eram muito mais uteis. A vida do Laranja mudou naquele dia. O Laranja queria ser diferente e por isso tentou não dar muitas más notícias. Quando chegava a uma nova terra contava sempre o máximo de boas histórias que conhecia. Assim fazia o trabalho dos corvos e fazia algo que deixava muito feliz todos os pássaros.
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Passado um ano o Laranja aproveitou as férias e foi visitar os Pais Corvos, os irmãos, os amigos e a Coruja. Os Pais Corvos, que já tinham penas brancas, ficaram muito felizes por ver o Laranja. O corvo estava tão laranja que quase brilhava! Os Pais Corvos perceberam que ele estava muito feliz. Passaram horas a conversar. O Laranja contou aos Pais Corvos as aventuras e viagens que teve. Também contou que dava as notícias de uma maneira diferente da dos outros corvos. Os Pais Corvos não perceberam por que razão o Laranja queria espalhar boas notícias. Os corvos sempre deram más notícias. Os irmãos do Laranja também não perceberam. Os irmãos e os Pais Corvos do Laranja acharam
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estranho, mas como o Laranja estava tão feliz, eles também ficaram felizes por ele. No dia seguinte depois de ter voltado ao Pinhal de Leiria, o Laranja foi visitar a Coruja. Quando chegou ao Velho Carvalho onde a Coruja morava, a porta estava aberta. A Coruja estava à espera do Laranja lá dentro. - Bom dia! Pensava que me vinhas visitar ontem! - Podia ter vindo…
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- Estava a brincar. A família está primeiro. Venham daí essas penas!!! – A Coruja e o Laranja abraçaram-se durante algum tempo. - Estás cada vez mais Laranja! Encontraste a felicidade nos teus voos. Não foi? - Foi sim! És mesmo a mais sábia de Leiria! - Não sei se sou a mais sábia… mas sempre suspeitei que tu eras diferente dos outros corvos. Não só por seres Laranja, mas também pela tua personalidade. És mesmo diferente. O que te deixou tão feliz e radiante? O Laranja contou tudo à Coruja, até como as penas lhe caiam por estar infeliz. Também contou a história dos cucos e como a partir daí começou a dar boas
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notícias. Por cada boa notícia que dava, o Laranja ficava feliz. Ficava ainda mais feliz com a alegria de quem recebia as boas notícias. A Coruja ficou contagiada pela história e os seus olhos ficaram maiores e a brilhar. O Laranja ficou em Leiria durante alguns dias para rever os amigos e espalhar as boas notícias. Mesmo os colegas da escola que não gostavam dele, agora admiravam o seu sucesso.
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Quando as férias acabaram voltou a viajar para longe. Viajou por Portugal, Castela e as terras dos Mouros. O Laranja levava notícias das guerras e também notícias de coisas boas. A Coruja, já muito velha, decidiu escrever a longa história do Laranja, cheia de aventuras e de boas notícias. Muito tempo depois, alguém encontrou no grande e Velho Carvalho, o livro das histórias do Laranja. Quem lia ficava surpreendido porque nunca tinham ouvido falar de um corvo Laranja. No livro estavam também algumas explicações com a origem das histórias boas que existiam em Leiria.
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Uma das histórias contava que tinha sido o Laranja a trazer de longe a ideia de construir moinhos de águas no rio Lis. Hoje já ninguém se lembra do Laranja porque não se sabe se existiu mesmo. Os moinhos continuam no Rio Lis, em Leiria. São a prova que alguém teve a boa ideia de aproveitar a força da água para mover o moinho. O moinho era utilizado para moer cereais e fazer a pasta de papel. Naquele tempo foi uma boa notícia e ainda hoje é uma ideia tão boa que continua a ser utilizada para produzir outras coisas!
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FIM!
2013