A Cor na Bauhaus- Ensino e Metodologia

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A

na

Ensino e Metodologia


Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Brasília, junho de 2018 Autora: Yasmin Rodrigues da Costa 13/0138231 Orientadora: Prof. Drª. Neusa Cavalcante Banca examinadora: Prof. Drª. Ana Paula Campos Gurgel Prof. Drª. Ana Suely Zerbini


Pesquisa referente à disciplina de Ensaio Teórico 1˚/2018 do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.


Resumo


A Bauhaus foi um símbolo de revolução na arte, design e arquitetura. E, entre todos os fatores que contribuíram para seu reconhecimento, estão a metodologia de ensino da forma e da cor, e as teorias de criação, que obtiveram destaque na Bauhaus. O método aplicado com base na experimentação conferiu uma didática de ensino, que contribuiu para desenvolver as artes das mais diversas formas. Em se tratando de cor, essa escola possuía grandes nomes, tais como: Johannes Itten, Josef Albers, Paul Klee e Wassily Kandinsky, que foram os pintores selecionados para abordagem do tema em questão. Dessa forma, este ensaio teórico buscou reunir e diferenciar as principais características didáticas utilizadas por esses quatro mestres no ensino da cor, forma e criação na Bauhaus.

Palavras-chave: Bauhaus, cor, metodologia de ensino.


ÍNDICE

00

Introdução

01

A cor

02

08

12

A origem da Bauhaus 28


03

O ensino da cor e as teorias de criação na Bauhaus 70 3.1 Johannes Itten 74 A Biografia As Obras Os Princípios metodológicos O Curso Preliminar A Teoria das cores 3.2 Josef Albers 88 A Biografia As Obras Os Princípios metodológicos O Curso Preliminar As Investigações cromáticas 3.3 Paul Klee 102 A Biografia As Obras Os Fundamentos do Processo Criativo As Teorias da criação - A Teoria das formas - A Teoria das cores

3.4 Wassily Kandinsky 114 A Biografia As Obras Os Fundamentos do Processo Criativo - As influências - O ensino A Teoria da Criação

04

Considerações finais

05

Referências

134

5.1 Imagens e tabelas

136

128


Introdução

8

A Bauhaus, fundada na Alemanha pelo arquiteto Walter Gropius, em 1919, e criada pela unificação da Academia de Belas Artes de Weimar com uma escola de artes e ofícios, foi um centro de ensino que, além de todas as reflexões teóricas, deu ênfase aos aspectos práticos e manuais das atividades artísticas. Como centro de produção cultural e intelectual, enfrentou sérios problemas políticos e ideológicos, que levaram à mudança de sede da escola, desde seu início em Weimar, seguindo para Dessau e encerrando suas atividades, em 1933, na cidade de Berlim, catorze anos após sua fundação. O programa da escola, cujos princípios pedagógicos foram estabelecidos na tentativa de sintetizar todas as formas artísticas, visava eliminar as divisões entre a arte, indústria e arquitetura. A proposta era de um estabelecimento que tivesse cooperação entre mecanização e artesanato, uma vez que o contexto histórico da Bauhaus coincidiu com o momento em que a industrialização ganhava cada vez mais força. Gropius idealizou e fundou a Bauhaus, mas teve o respaldo e o apoio de um grupo de artistas, que, muito embora com formações diversas, o ajudaram a formar o corpo docente da escola. Todos os artistas convocados, por seu reconhecimento e criatividade,


formaram um grupo heterogêneo, que colaborou com o enriquecimento da experiência dos alunos. Entre todos os mestres da Bauhaus, os pintores Itten, Kandinsky, Albers e Klee foram os que mais se dedicaram ao estudo da cor, forma e criação, tendo desenvolvido metodologias voltadas à experimentação, em que o aluno era convidado a participar, contribuindo com seus questionamentos, suas próprias percepções e tirando conclusões acerca do que estava sendo explicitado. Muitos dos avanços obtidos na área de colorimetria foram aperfeiçoados na Bauhaus, principalmente pelas teorias de cor, forma e criação, levando em conta todo o desenvolvimento histórico cromático, com as diversas descobertas e

sendo o primeiro referente a um panorama geral da cor, que apresenta os principais estudos cromáticos desenvolvidos ao longo do tempo, e que colaboraram com a formação das teorias pelos mestres na Bauhaus. No segundo capítulo, tratou-se da origem da Bauhaus, seu contexto histórico e fundamentos, até chegar ao capítulo terceiro, dedicado a um aprofundamento sobre as metodologias de ensino desenvolvidas por Itten, Albers, Klee e Kandinsky, considerados para o presente trabalho como os de maior relevância no que se refere aos temas cores e formas.

teorias já abordadas. A motivação desse ensaio foi não somente a cor, mas, principalmente, a reflexão sobre seus aspectos e propriedades a partir das metodologias abordadas na Bauhaus. Cada um desses mestres citados anteriormente partiu de aspectos e influências pessoais para compor uma didática coletiva de ensino, que encorajou o fazer artístico em suas diferentes modalidades. Dessa forma, para melhor abordar a metodologia de ensino utilizada por esses quatro mestres da cor, o ensaio foi dividido em três capítulos, 9


For the human eye there is no space without its colour; and no colour that does not create its own space. When you open your eyes the texture of the entire visual field consists of one thing: and that is colour (Lancaster, 1996).


Para o olho humano não existe espaço sem suas cores; e não existem cores que não criem seu próprio espaço. Quando você abre seus olhos a textura de todo o campo visual consiste em uma coisa: e isso é cor (Lancaster, 1996, tradução da autora).


C a p Ă­ t u l o 01 12

1.Robert Delaunay, Formes circulaires, 1930.

A COR


Desde a antiguidade, a cor é usada nos mais diversos campos. O contexto histórico em que está inserida, assim como seu uso exprimem diferentes mensagens. Às vezes é utilizada como valor simbólico de lugares e culturas, outras vezes em seu aspecto estético, ferramenta ideológica, ou ainda para exprimir sensações. A verdade é que, independente da aplicação, a cor sempre esteve presente no cotidiano da humanidade mesmo que inconscientemente, reinterpretando, em cada passo, novas facetas e significados. O período pré-histórico, em que o homem pintava na superfície das cavernas, as cores encontradas na natureza, os materiais existentes e a luz natural provavelmente influenciaram a percepção de mundo, contribuindo para as pessoas associarem à cor, certas características e significados com base em efeitos psicológicos e fisiológicos. “[…] O relâmpago e o trovão assustam, mas as cores do arco íris ou da aurora boreal nos tranquilizam e nos sublimam. O arco íris é considerado um símbolo de paz” (ITTEN,1975, p. 8). E assim, desde sempre a observação da natureza, os fenômenos naturais e suas mudanças cromáticas colaboraram com a percepção da infinita gama de cores existentes no mundo. Como símbolo, a cor foi utilizada para 13


representar classes sociais, castas ou até certas ideias mitológicas. Na China, por exemplo, o amarelo era usado somente para o imperador, representando “luz suprema”. Egípcios e Gregos utilizavam a cor para expressar alegria em suas criações; na Europa havia, desde o primeiro milênio de nossa época, a arte de mosaicos coloridos romanos e bizantinos, cuja realização exigia muito preparo, pois eram compostos de pequenas partes e variações de cores. Na Irlanda dos séculos VIII e IX, as miniaturas dos monges, com diferentes colorações, já faziam uso dos efeitos de contrastes quentes e frios. Na Idade Média, essa mesma sensibilidade encontrada nas miniaturas voltaria a aparecer na arte de artistas vidreiros. Artistas do período românico e começo do gótico começaram a empregar as cores como meio de expressão simbólica, sem a preocupação com tons de cores ou suas diferenciações (ITTEN,1975). Enfim, simbologias como essas, também influenciaram o pensamento das pessoas no que diz respeito às associações cromáticas. No período grego, Aristóteles (384-322 a.C) já apresentava uma classificação sobre as cores. Considerava a cor como propriedade dos objetos, um de seus atributos. Afirmava que eram sete as cores principais e que as demais cores viriam da mistura destas combinações – branco, amarelo,vermelho, 14

violeta, verde, azul, preto. Apesar disso, defendeu que duas dessas cores, o branco e o preto, eram as responsáveis pelo resultado de qualquer outra cor. Uma outra linha de pensamento também existente na época baseava-se na teoria de que um objeto mudaria de cor de acordo com a intensidade de luz branca incidente sobre ele, ou seja, a distinção de coloração dos objetos derivava da influência da luz branca, de seu enfraquecimento. Esse conceito influenciaria Johann Wolfgang Von Goethe no século XIX (PEDROSA, 1989). Retomando os estudos cobre cor, o renascentista Leon Battista Alberti (1404-1472) – intelectual florentino, humanista, poeta, matemático, pintor e teórico de artes visuais – realizou três grandes obras, dentre elas um tratado intitulado De Pictura (1439), que exerceu influência na utilização de técnicas, na noção de relevo e tridimensionalidade em imagens. Considerava a terceira dimensão e os estudos de perspectivas geométricas muito importantes para os pintores (PEDROSA, 1989). Alberti procurou ordenar e demonstrar os princípios do estudo da cor elaborados na Antiguidade pelo cientista e historiador Caio Plínio Segundo (23 d.C.- 79 d.C), conhecido como Plínio, o Velho (GAGE, 2012). Baseado na filosofia grega, Plínio propôs que o conjunto cromático, denominado por Aristóteles, fosse


composto apenas por três cores principais: o vermelho vivo, a ametista e o que denominou de conchífera (uma espécie de rosa perolado). Não considerava o amarelo como cor principal porque na cultura romana da época era atribuído exclusivamente às mulheres. Assim como outros filósofos da Antiguidade, Plínio considerava a cor do ar como verde (PEDROSA, 1989). Esses conceitos foram aprofundados, posteriormente, por Leonardo da Vinci. O fenômeno da refração da luz instigou os renascentistas a investigarem quantas e quais eram as cores primárias. Para Alberti, falando como pintor, só existiam quatro cores principais e verdadeiras, que eram equivalentes aos quatro elementos – fogo, terra, água e ar –, sendo que, a partir dessas, todas as outras cores encontradas na natureza poderiam ser criadas. De acordo com ele, que mais se aproximou das cores primárias definidas pela física tempos depois, o fogo representava a cor vermelha, a água o verde, o ar o azul e a terra o cinza, cor acrescentada àquelas encontradas por Plínio. Para Alberti, as sombras seriam responsáveis pelo escurecimento das cores e a luz pelo clareamento. O preto e o branco não eram cores verdadeiras, seriam então apenas alterações de outras cores (PEDROSA, 1989). Um dos maiores avanços no domínio de

representação das cores foi feito por Leonardo da Vinci (1452-1519). Contemporâneo de Alberti, Da Vinci foi um dos maiores nomes do período renascentista. Seus estudos sobre as cores foram compilados no que ficou conhecido como Tratado da Pintura e da PaisagemSombra e Luz, que reuniu postumamente seus escritos. Apesar de englobarem aspectos químicos, físicos e fisiológicos, seus estudos eram mais direcionados aos pintores.

2. Da Vinci, Demonstração de que o branco era a potência receptiva da toda cor.

Da Vinci definiu as cores primárias como cores simples que não podem ser obtidas pela mistura de outras, considerando o branco e o preto como importantes na pintura, que não poderiam ficar de fora por serem as responsáveis pela concentração de brilho e luminosidade. Levando em conta os conhecimentos até a época, classificou um conjunto de cores - vermelho, amarelo, verde e azul - que, incluindo tanto as físicas (relativas à cor luz) quanto as químicas (relativas à cor 15


pigmento), poderiam formar todas as outras existentes no universo. Das cores citadas por Alberti, ele substituiu a cor cinza pelo amarelo e acrescentou o branco e o preto das teorias de Aristóteles. Dentre suas principais contribuições, estão a demonstração experimental de que o branco era composto por todas as demais cores da natureza (fig.2); a descoberta das leis das perspectivas linear e aérea; o esfumado do claro-escuro, todas essas ligadas às proporções de luz e sombra que alteravam a beleza da cor. Como disse Da Vinci “[…] A cor entre a parte sombreada e a parte iluminada será menos bela que em plena luz, de modo que a beleza da cor se vê nos claros principais” (Apud PEDROSA, 1989, p. 46). Além disso, uma de suas maiores descobertas para as artes foi a simultaneidade dos contrastes de cor, na qual mostrava que, em cores justapostas, uma cor escura parecerá mais escura ao lado de uma clara, da mesma forma que uma cor clara terá maior luminosidade ao lado de uma cor escura. Essa descoberta seria mais tarde explorada por Goethe e Michel Eugène Chevreul. As pesquisas científicas sobre cor foram iniciadas com o físico inglês Isaac Newton (16421726) no século XVII. Ele preocupou-se sobretudo com a cor enquanto luz, ou seja, enquanto fenômeno físico, dando início às descobertas de muito do que se sabe 16

hoje sobre o assunto. Por meio de seu experimento (fig. 4 e 5), em que a luz solar penetrava por uma fenda e atingia um prisma triangular, provou que essa luz se decompunha nas sete cores do espectro: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta, ou seja, em um conjunto de cores criadas a partir da refração de um raio circular de luz branca. Dessa forma, as cores nascem das diferenças de reação à luz. Newton produziu um círculo cromático (fig. 3) para determinar a posição de cada mistura de cor. Seu círculo não era simétrico, pois suas divisões seguiam a proporção das faixas de cores encontradas em seu espectro linear. Percebendo que a mistura de duas cores opostas resultava em cinza, colocou a cor branca no centro do círculo (GAGE, 2012).

3. Sir Isaac Newton, Círculo de cores.


4. Isaac Newton, Experimentum Crucis, 1666.

5. Prismas invertidos. Ao atravessar um novo prisma, as cores do espectro recompunham a luz branca original.

Após as descobertas de Newton, muitos cientistas se dedicaram ao estudo da cor em torno das propriedades da luz e da percepção cromática. No século XVIII, podem-se destacar, entre outros, cientistas como Charles Bonnet (1720- 1793), que mencionou a existência de ressoadores de luz na retina; Georg Christoph Lichtenberg (1742- 1799), que apresentou as três cores-luzes primárias que o olho humano seria capaz de perceber: vermelho, amarelo e azul;

Thomas Young (1773-1829), que sintetizou a teoria tricromática do sistema visual humano, concluindo que diferentes comprimentos de onda correspondiam a diferentes matizes; George Palmer (1746-1826) que, em 1777, propôs a existência de três tipos de luzes que corresponderiam, respectivamente, a três tipos de partículas localizadas na retina; Gaspard Monge (1746- 1818), que, pela primeira vez, alertou para a modificação de uma cor em função da presença de sua complementar (SANTANA- FEITOSA e col. 2006). No século XIX, muitos pintores se voltaram para as características da luz e dos mecanismos de percepção visual. Esses fenômenos visuais, comumente estudados apenas em seus aspectos físicos, passaram a ser associados também à percepção humana. Em 1810, o poeta e escritor alemão Johann Wolfgang Von Goethe, ao estudar as cores a partir de um ponto de vista relacionado à percepção humana da cor, trouxe uma abordagem muito diferente das teorias de Newton. Goethe, que buscou encontrar respostas através da observação da natureza, acreditava poder desvendar os emblemas da cor através de uma combinação de observação, experiência, intuição e teoria. E a partir daí, na tentativa de entender a cor com outra perspectiva, dedicou muitos anos da sua 17


6. Goethe, Círculo Cromático.

vida ao estudo cromático. Seu livro intitulado Doutrina das Cores (1810) chamou atenção para aspectos sobre a fisiologia e o que seria conhecido mais tarde como

psicologia da cor. Para Goethe, como diz Pedrosa, “[…] a cor era considerada como um efeito que, embora dependente da luz, não era a própria luz ” (1989, p. 55). E por ir contra a física newtoniana, a obra de Goethe enfrentou certa rejeição e não foi tão divulgada. No entanto, no campo das artes sua obra exerceu muita influência. Devido ao seu pensamento à frente de sua época, seus questionamentos serviram de base para muitos artistas. Em 1839, o químico Michel Eugène Chevreul (1786- 1889), ao observar que certas cores parecem

mais claras quando justapostas a outras mais escuras, 18

estabeleceu a lei do contraste simultâneo das cores. Com isso, sua obra intitulada Le traité des couleurs: de la loi du contraste simultané des couleurs (1839) retomava o que Leonardo da Vinci e Goethe haviam apontado. O sistema de cores de Chevreul tinha como base um círculo com 72 cores distribuídas radialmente, sendo que o eixo horizontal variava na saturação da cor e o eixo vertical no brilho (fig. 7). Em 1853, Hermann Gunter Grassmann (18091877) publicou um conceito muito importante sobre a complementaridade das cores, mostrando que em cada ponto de um círculo cromático, cada cor tem seu complementar. Nesse mesmo período, Hermann von Helmholtz (1821-1894) começava a demonstrar as diferenças nas misturas de cores derivadas de luz (corluz) e de cores derivadas de pigmentos (cor-pigmento),

7. Chevreul, Círculo Cromático.


outra definição importante (SANTANA- FEITOSA e col. 2006). Como se pode perceber, o estudo cromático permeia as mais diferentes áreas, tais como a química, a psicologia, a física, a fisiologia. Essa passagem cronológica falando um pouco sobre as diversas hipóteses e descobertas, ao longo dos séculos, ajuda a criar um panorama geral a respeito da cor. Esses estudos impulsionaram inúmeros questionamentos, que contribuíram não só com o avanço do desenvolvimento de conceitos básicos sobre a visão – parte fisiológica da cor – como também abriu as portas para uma reflexão a respeito da percepção, em que o ser humano toma conhecimento de si, dos outros e do mundo à sua volta. Em meio a tantas teorias, os trabalhos de Goethe e Chevreul ganharam destaque devido à sua importância

para a pintura moderna. Nesse sentido, a partir das pesquisas existentes os artistas se sentiram encorajados a explorar diferentes possibilidades da pintura, como por exemplo, no Impressionismo, movimento que contemplava os efeitos da luz ao longo do dia e a dissolução das formas na natureza. No Neoimpressionismo, movimento seguinte, as formas e cores ganharam outro caráter. As cores eram utilizadas pelos pintores a partir da técnica de mistura ótica, que consistia em pequenos pontos de cores puras que quando justapostos resultavam em uma terceira cor. Com a técnica, chamada de pontilhismo (fig. 8), desenvolvida principalmente por Georges Pierre Seurat (1859-1891) e Paul Signac (1863-1935), a mistura das cores se dava por meio da ilusão ótica e não dos pigmentos em si. Além disso,

8. Georges-Pierre Seurat, A Sunday Afternoon on the Island of La Grande Jatte.

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9. Kandinsky, The blue rider ,1903.

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após a Revolução Industrial, os avanços tecnológicos na produção de novos pigmentos foram de grande importância para esses movimentos (PEDROSA, 1989; GAGE, 2012). A partir dos estudos de lei do contraste simultâneo, leis de complementaridade da cor e diagramas, desenvolvidos por vários pintores, entre os quais Johannes Itten e Paul Klee (que serão abordados ao longo dos seguintes capítulos), os artistas perceberam que poderiam criar uma nova técnica em que as cores seriam retiradas diretamente do tubo e as misturas seriam dadas pelas próprias pessoas ao olharem a imagem. Os contornos das figuras cedem lugar às manchas de cor. Desse modo, no século XX, percebe-se que a cor ganha maior autonomia, pois não é utilizada apenas como preenchimento, agora é ela que dá a forma. A cor agora faz parte da estrutura, obtém sua própria importância, não sendo apenas vinculada a uma imagem. A forma é constituída por meio da cor, havendo uma maior separação entre cor e forma. O desenho e a cor não são coisas distintas; à medida que se vai pintando, vai-se desenhando; quanto mais a cor se harmoniza, mais o desenho se precisa. Quando a cor atingiu sua riqueza, a forma chegou à sua plenitude (Carta de Cézanne à Émile Bernard, apud PEDROSA, 1989, p. 130).

A partir do impressionismo, a cor passou a ter mais importância nas obras e os pintores, cada vez mais, aumentavam o emprego e os limites da cor. Dentre os grandes coloristas pós-impressionistas, grandes nomes como Auguste Renoir (1841- 1919), Vincent Van Gogh (1852-1890), Paul Cézanne (18391906) e Paul Gauguin (1848-1903) continuariam desenvolvendo o uso das cores (PEDROSA, 1989). No século XX, vários movimentos de vanguarda aconteceram na Europa, entre eles o Fauvismo, que, sem um programa estabelecido e baseado na utilização da cor pura sem misturas, em um primeiro momento, teve Henri Matisse (1869- 1954) como um de seus representantes mais significativos. Essa vanguarda sofreu influência dos movimentos Impressionista e Neoimpressionista, segundo os quais, a cor estava associada à luz. Contudo, as qualidades expressivas de evocar sensações emocionais que faziam parte dessas obras, fizeram que esse movimento tivesse certa relação também com o Expressionismo. Na mesma época em que começaram as exposições dos fauves em Paris, surgiu, consideravelmente influenciado pelos artistas pósimpressionistas, o Expressionismo alemão, cujo representante mais expressivo foi o grupo Blaue Reiter (Cavaleiro Azul), que reuniu, entre outros, 21


10. Picasso, Les Demoiselles d’Avignon,1907.

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11. CĂŠzane, Ginger jar and fruit. .

12. Vincent van gogh. Auto-retrato. .

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grandes nomes como Wassily Kandinsky (1866- 1944), Paul Klee (1879-1940) e Frans Marc (1880-1916). Prezavam pelo subjetivismo, deformação do real e manifestação espiritual enfatizando a natureza do ser humano com o uso de cores (fig. 9). O expressionismo foi um movimento que anunciou o Abstracionismo. A arte abstrata não possuía um tema específico e não representava nenhum objeto identificável, era composta unicamente de formas geométricas e manchas luminosas de cor (PEDROSA, 1989). Outro movimento importante foi o Cubismo (fig. 10), que tinha Pablo Picasso (1881-1973), Georges Braque (1882-1963) e Juan Gris (1887- 1927), como seus grandes nomes. Eles rejeitavam as características pós-impressionistas, rompiam com a estrutura dos objetos e utilizavam a forma em detrimento da cor. Uma variação dentro do Cubismo foi o chamado Orfismo (fig. 13) que, criado por Robert Delaunay (1885-1941), deu uma nova orientação aos trabalhos cubistas, estabelecendo ainda uma analogia entre a música e a pintura. Alguns dos princípios de Delaunay para o orfismo foram expostos por Guillaume Apollinaire.

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13.Robert Delaunay, Formes circulaires, 1930.


A arte de pintar novos conjuntos com elementos emprestados, não à realidade, mas inteiramente criados pelo artista e dotados por ele de uma potente realidade. As obras dos artistas órficos devem apresentar simultaneamente um prazer estético puro, uma construção que atinja os sentidos e uma significação sublime, quer dizer, o conteúdo. É a arte pura (PEDROSA, 1989. pg 132).

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Los viejos institutos artĂ­sticos no estaban en condiciones de producir esta unidad, como hubiera sido su deber, porque el arte no se puede enseĂąar. Se ha de volver de nuevo a los talleres. Este mundo de dibujantes de modelos y de decoradores, que solamente son capaces de dibujar y de pintar, ha de volver a ser por fin un mundo de gente que construye (GROPIUS, apud WINGLER, 1980, p.41).


Os velhos institutos artísticos não estavam em condições de produzir esta unidade, como tinha sido seu dever, porque a arte não se pode ensinar. Deve-se voltar às oficinas. Este mundo de cartunistas de modelos e decoradores, que só são capazes de desenhar e pintar, deve finalmente ser um mundo de pessoas que constroem (GROPIUS, apud WINGLER, 1980, p.41, tradução da autora).


C a p í t u l o 02

A ORIGEM DA 28

14. Bauhaus Dessau.


O mundo vivia as consequências da Revolução Industrial: a crescente mecanização, em detrimento dos produtos manufaturados, acarretaram mudanças na vida da população e também nas academias de arte. A partir desse momento, tudo começava a ser pensado e feito em “massa” e os trabalhos de artesãos começavam a ser substituído por uma rotina mecânica. Essa modernidade levou a população a uma série de reestruturações sociais. Esse processo de industrialização aconteceu primeiramente na Inglaterra, que se tornou líder das potências industriais e, em seguida, na Alemanha. Um dos antepassados intelectuais da Bauhaus, John Ruskin (1819-1900) – escritor e crítico da produção industrial – não via prosperidade na industrialização, uma vez que os produtos mecanizados, por serem oferecidos em massa, tinham qualidade inferior e, por não possuírem o elemento humano, não passavam de objetos “sem vida”. William Morris (1834-1896) – pintor, poeta, projetista, artesão praticante, teórico social – seguidor das ideias de John Ruskin, que também fez parte do grupo de intelectuais que influenciaram as ideologias da Bauhaus, foi o grande inovador da arte industrial no séc. XIX. Para ele, assim como ocorria na Idade Média, artistas e artesãos deveriam trabalhar em conjunto. Diante das condições inglesas e de todas as 29


15. Art Noveau.

16. Art Noveau.

transformações que aconteciam, Morris, insatisfeito com o rumo que a sociedade estava tomando e contra o sistema de mecanização do mundo moderno, fundou diversas oficinas. E, nos anos 1880, criou o movimento Arts and Crafts1, que, devido a sua influência, se tornou um estilo próprio. Por meio de suas ideias, Morris proporcionou um renascimento do interesse pelo artesanato e sugeriu que os produtos que estavam sendo produzidos fossem reinventados. Desde 1850, os ingleses vinham reformando as vias tradicionais de formação dos artesãos e das

academias de arte, instigando os alunos a serem criativos, o que contribuiu para que a Inglaterra mantivesse sua posição de líder na área artesanal. Nos anos 1890 surgiu, na Inglaterra e na Bélgica, o Art Nouveau (primeiro estilo original desde 1800), que objetivava romper com as características estilísticas tradicionais, cujo representante mais expressivo foi Henry van de Velde (1863-1957). Ele buscava mostrar a objetividade do objeto (sua função) e utilizava a linha como elemento construtivo, diferente de outros representantes desse estilo, que a usavam como elemento decorativo. Esse movimento foi importante para a reforma alemã, que, com base no modelo inglês das Guilds – associação de artesãos

1 Movimento estético e social inglês que defendia o artesanato criativo como alternativa à mecanização e à produção em massa (WICK, 1989).

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que supervisionavam a prática de seu ofício em uma área particular –, tinha por objetivo elevar a qualidade da arte industrial local por meio da “[…] noção de uma obra de arte total, concebida a partir de um conceito de uniformidade” (WICK, 1989, p. 24). Em 1896, o governo prussiano enviou Hermann Muthesius (1861-1927) à Embaixada da Alemanha em Londres, com a finalidade de estudar as casas inglesas e entender por que o modelo inglês obtinha tanto sucesso. Após seu regresso à Alemanha, recomendou a introdução de oficinas nas escolas de artes e ofícios e a convocação de artistas modernos para lecionar nas academias. Com base no modelo inglês, passou a existir uma grande quantidade de oficinas pequenas, que fabricavam utensílios domésticos, mobiliários e objetos de metal. No entanto, a maior diferença do modelo inglês para o adotado na Alemanha foi a defesa e aceite do modo de produção mecanizado. Os produtos alemães foram se modificando e, na virada do século, deixaram de ter qualquer semelhança com os ingleses. E a Alemanha, ocupando o posto da Inglaterra, tornou-se líder industrial, posição mantida até o início da Primeira Guerra (DROSTE, 2010). Ao explorar as construções inglesas inspiradas no movimento Art Nouveau (fig. 15 e 16), Muthesius percebeu sua funcionalidade. Para ele, os produtos

fabricados mecanicamente deveriam seguir o aspecto utilitário sem ornamentações e os materiais deveriam ser tratados com legitimidade para maior economia e difusão social. No entanto, ao concordar que a mecanização abriria portas para novas possibilidades estéticas e que as máquinas poderiam vir a superar os artesãos, perdeu seu cargo de diretor da escola de artes e ofícios do Departamento Estadual da Indústria de

17. Henry van del Velde.

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Berlim. Com isso, a partir da união de artistas, industriais e artesãos, fundou-se, em 1907, na cidade de Berlim, a Deutscher Werkbund (Associação de Artes e OfíciosDWB), com o intuito de promover uma cooperação entre arte, indústria e artesanato. Por trás do lema “trabalho com qualidade para garantir a posição da Alemanha como grande potência industrial” (DROSTE, 2010, p. 12), a ideia era a junção da arte pura com as

18. Walter Gropius.

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artes aplicadas, sem desprezar o processo industrial. Em 1912, o arquiteto alemão Walter Gropius (18831969) (fig. 18) tornou-se membro dessa associação. Apesar da melhora econômica, os anos antes da Primeira Guerra contaram com diversos contramovimentos na Alemanha. Por um lado, havia algumas propostas de modificação na pedagogia, com destaque para a Reformpädagogik, “[…] moderna filosofia pedagógica que fomentava a introdução do ensino baseado na atividade e em escolas unificadas” (DROSTE, 2010, p.14) e, por outro lado, aconteciam movimentos que defendiam um pensamento pedagógico mais conservador. Com o advento da guerra em 1914, o povo alemão acreditava poder provar sua superioridade mundial com a luta armada. No entanto, mesmo com poderoso armamento e exército, quando a guerra acabou a Alemanha saiu derrotada, teve que assinar o Tratado de Versalhes em 1919, que instituía muitas penalidades para o país, resultando em decadência econômica com altos índices inflacionários e cidades destruídas. A Escola de Artes e Ofícios do Grão-Ducado da Saxônia foi fundada, em 1906, em Weimar, sob a direção de Henry van de Velde (1863-1957) até 1915, que indicou, dentre outros nomes, Walter Gropius para


substituí-lo. Em oposição à rígida educação artística acadêmica ministrada na vizinha Escola Superior de Artes Plásticas do mesmo Grão-Ducado da Saxônia, o ensino nessa escola de Artes e Ofícios buscava a “[…] renovação da arte industrial com vistas a solução de problemas de configuração relevantes do ponto de vista prático, e não a produção de uma arte autônoma” (WICK, 1989, p. 20). Em 1915, essa nova escola foi encerrada, no entanto, Gropius foi chamado para dirigir a Escola Superior de Arte em Weimar, na qual o atual diretor, Fritz Mackensen, queria iniciar um curso de arquitetura. Gropius enviou ao ministério Grão-Ducado da Saxônia propostas para um estabelecimento que tivesse cooperação entre mecanização e artesanato, mas foi negado. Até que, em 1917, o corpo docente da Escola Superior de Belas-Artes exigiu a introdução de um departamento de arquitetura e artesanato. Em 1919,

Gropius assumiu o cargo de diretor e, obtendo apoio tanto do corpo docente quanto da Superintendência da Casa Real e do governo provisório do então Estado Livre da Saxônia, propôs a remodelação da Escola Superior de Artes e Ofícios. Suas ideias tinham como base a modernidade, porém sem intervenções radicais. No mesmo ano, o governo aprovou o pedido de Gropius para dirigir as duas escolas sob um único nome: Staatliches Bauhaus. Dessa forma, em 1919, da unificação da Academia de Belas Artes de Weimar (Weimar Hochschule für bildende Kunst) com uma escola de artes e ofícios (a Kunstgewerbeschule), nasceu a Bauhaus, que iria revolucionar e influenciar as áreas de arte, arquitetura e design das mais diversas formas. Foi a primeira escola de arte a retomar, depois da Primeira Guerra, sua atividade. De acordo com Gropius, o objetivo da Bauhaus, criada em um momento em

19. Instituto Superior de Belas Artes.

20. Escola de Artes Aplicadas do Grão Ducado.

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21. Bauhaus Weimar.


que a separação e distinção entre artesãos e artistas começavam a ser questionadas, era se transformar em um ambiente com espírito de trabalho comunitário ligado à indústria. No mesmo ano, Gropius publicou o Manifesto da Bauhaus, que estabelecia o programa da escola, cujos princípios pedagógicos foram estabelecidos na tentativa de juntar arte, indústria e arquitetura, incluindo o artesanato. Além disso, convocou artistas com forte reconhecimento e criatividade para fazer parte da estruturação dos cursos e compor o corpo docente da escola. Dentre eles, estava o pedagogo de arte e pintor Johannes Itten, um dos mais influentes na escola e responsável pelo Curso Preliminar2 – Vorkurs – que foi um dos pontos altos da Bauhaus (DROSTE, 2010). Muitos outros artistas vieram se juntar a Itten, como o pintor expressionista Lyonel Feininger (1871-1956), em 1918; o escultor Gerhard Marcks (1889-1981), em 1919; Paul Klee (1879-1940) e Oskar Schlemmer (1888-1943), em 1920; e Wassily Kandinsky (1866-1944), em 1922. Dessa forma, entre 1919 e 1922, Gropius conseguiu reunir artistas de diferentes movimentos vanguardistas com diversas

aptidões que viam, na Bauhaus, a oportunidade de transformar e desenvolver metodologias inovadoras. De acordo com o Manifesto dizia Gropius: Assim, eu pensei que, ainda que a arquitetura fosse o objetivo final da Bauhaus para mim, os pintores podiam realmente introduzir o começo de um novo pensamento construtivo e eles mostraram que assim aconteceu. Devemos unificar tudo, demolir as divisões entre a pintura, a escultura, a arquitetura, o desenho, etc e criar um todo coerente (GROPIUS, radio interview, 1968. Bauhaus: a face do século XX).

A Bauhaus passou por fases que, colaborando com sua modificação e evolução, vão desde sua idealização e fundação, em 1919, e sua consolidação até o seu encerramento, em 1933, mantendo sua existência por catorze anos, na Alemanha. Durante esse período, a Bauhaus esteve sob direção de três diferentes nomes, que caracterizaram três diferentes eras: era Gropius que foi de 1919 até 1928; era Hannes Meyer de 1928 até 1930; e era Mies van der Rohe de 1930 até 1933, que marcaram consideráveis transformações ideológicas. Além disso, suas fases podem ser divididas de acordo com suas sedes em três diferentes cidades: Weimar (1919-1925), Dessau (1925-1932) e Berlim (1932-19933) (WICK, 1989).

2 Parte do capítulo seguinte deste ensaio será destinado a Itten e tratará de forma mais aprofundada o seu curso.

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Bauhaus - linha cronolรณgica 1919

1920

1921

1922

1923

1924

1925

1926

WEIMAR

1927

DESSAU

WALTER GROPIUS JOHANNES ITTEN PAUL KLEE WASSILY

EXPRESSIONISTA

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FORMAL FORMAS E CORES

FUNCIONAL TRABALHO E INDร STRIA


1928

1929

1930

1931

1932

1933

SEDES

BERLIM HANNES MEYER

DIRETORES

MIES VAN DER ROHE

MESTRES

KANDINSKY JOSEF ALBERS ANALÍTICA

CONSCIÊNCIA MATERIAL, ESTÉTICA

DO

ASPECTOS

22.Fases da Bauhaus.

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O ensino da Bauhaus

23. CurrĂ­culo Bauhaus.

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No primeiro momento, o ensino da Bauhaus vivia uma fase expressionista, fortemente marcada pelo Curso Preliminar de Itten e suas ideias de expressividade individual e autoconhecimento. Além disso, era a época do pós-guerra, em que as pessoas estavam desoladas e precisavam de um meio que impulsionasse o recomeço, o renascimento. Essa foi uma fase importante pelo foco na libertação da criatividade, que influenciou as produções artesanais de utensílios, mobiliários etc. As aulas eram ministradas sempre por um artista e um artesão, nomeados na Bauhaus como “Mestre da Forma” e “Mestre Artesão”. Os alunos recebiam uma formação artesanal de desenho e pintura, e outra teórico-científica, como acontecia nas

demais escolas. A diferença era que todos deveriam contribuir por meio do artesanato e do espírito de comunidade e colaboração. O currículo da Bauhaus dividia-se em três etapas: na primeira, círculo de fora (fig. 24) – o aprendiz passava pelo Curso Preliminar ou Preparatório (Vorlehere ou Vorkurs), com duração de seis meses, no qual se estudavam as bases elementares sobre teoria da cor e forma, por meio de diversas linguagens e diferentes materiais como tecido, metal, madeira, cerâmica, pedra e vidro. Além disso, conceitos de composição e contrastes também eram inseridos em meio às aulas que, elaboradas por Itten, eram divididas em três principais áreas: estudos de objetos naturais e materiais, análise dos mestres antigos e desenho com modelos vivos.

24. Primeira etapa do currículo da Bauhaus.

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Nesse ensino preliminar, por meio dos métodos e dos exercícios ministrados por Itten, por sua vez influenciado pelas ideias do seu professor Adolf Höelzel (1853- 1934), os estudantes eram convidados a se libertarem de antigos vícios, padrões, técnicas ou até mesmo preconceitos adquiridos nas escolas primárias e nos ginásios, que muitas vezes ocultavam e dificultavam a expressividade. Dessa forma, com maior preparação intelectual, ao obter aprovação pelos mestres, eram admitidos nos ateliês. A segunda etapa do currículo (fig. 25) era a aprendizagem nos ateliês, em que a partir de um certificado de conclusão do ensino preliminar, os alunos escolhiam uma das oficinas – pedra, argila, vidro, cor, tecido, metal, madeira – para formação técnica, com duração de três anos. Nessa especialização, continuavam a figurar estudos sobre composição, cor, forma, somados à prática com materiais, ferramentas e técnicas construtivas, a partir de problemas mais complexos e mais diversificados. Com o objetivo de os estudantes terem uma formação completa com base em arte e técnica para a futura cooperação com a indústria, o estudo da forma compreendia as seguintes disciplinas: - estudo da natureza, - estudo dos materiais, 40

- estudo do espaço, - cor e composição, - estudo das estruturas e representações, - estudo de materiais e ferramentas

25. Segunda etapa do currículo da Bauhaus.

A terceira e última etapa do currículo (fig.26) era o curso de arquitetura propriamente dito, chamado estudo da construção, que envolvia observação e conhecimento de questões relacionadas às obras de casas e edifícios. Além de projetos, o processo envolvia colaboração artesanal na construção, no local da obra ou no campo de provas da Bauhaus. O estudo da forma e o artesanato continuavam a ser desenvolvidos


nesta etapa do curso, que incluía também disciplinas de história da arte, não ensinadas no primeiro ano para não influenciar o método de criação. Essa etapa não tinha uma duração pré-definida, dependia das

26. Terceira etapa do currículo da Bauhaus.

circunstâncias e do rendimento do aluno que, quando terminava o curso recebia um Diploma de Mestre pela Câmara de Artesanato. Embora o currículo apresentasse um núcleo de ensino de construção na Bauhaus, a criação de um departamento de arquitetura só foi possível em 1927, o que fez a escola ficar incompleta até a era Hannes Meyer e Mies van der Rohe, quando se passou a dar

maior ênfase à arquitetura. No dois primeiros anos da Bauhaus, foram adotados e desenvolvidos tanto pelos alunos como pelos professores; como os primeiros componentes de um contraponto aplicado às belas-artes foram utilizadas formas elementares e cores primárias de modo a formar uma base comum entre artistas e artesãos, em cujo ritmo cada um dos indivíduos deveria encontrar a sua própria identidade e o seu espaço, entrando em contato com a totalidade cósmica (DROSTE, 2010. p. 50).

Em 1922, a chegada de Paul Klee e Wassily Kandinsky, assim como as diversas visitas de Theo van Doesburg (1883- 1931) do grupo neoplasticista holandês De Stijl3, contribuíram para a substituição da Bauhaus expressionista por uma escola com soluções coletivas, ao mesmo tempo em que surgiram diversas teorias de criação, cujo objetivo era a construção de uma nova linguagem, com maior ênfase nas cores e formas. Embora tenha criticado a liberdade da Bauhaus, pela falta de uma configuração uniforme no ensino ou na arte, Doesburg, reconhecendo o potencial da escola, mudou-se para Weimar, em 1921, na esperança de ser contratado como professor. 3 Fundado em 1917 por Theo van Doesburg e Piet Mondrian, em que a arte devia reconciliar as grandes polaridades da vida: Natureza e intelecto (DROSTE, 2010).

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Em fevereiro de 1922, anunciou um novo curso De Stijl na Bauhaus, observando-se, nesse momento, a grande diferença entre as abordagens e pensamentos propostos por Itten e por Doesburg. relo, ver As ideias de Doesburg contribuíram com o desenvolvimento da Bauhaus, uma vez que Gropius passou a repensar um novo caráter para as atividades nas oficinas, que, até então, só serviam para aplicar os conhecimentos adquiridos no Vorkurs, além de um novo caminho para a Bauhaus. O ano 1922, começou com um novo slogan “Arte e técnica, uma nova unidade” (DROSTE, 2010, p.58) e, com isso, a fase expressionista e individualizada da Bauhaus, muito voltada para o artesanato, foi substituída por uma fase de abertura ao mundo comercial e à indústria. Gropius acreditava na mescla do artesanato, que dava o caráter humano, com a técnica, vez que, por meio de métodos industrializados, seria possível aumentar o ritmo de produção. Além disso, o orçamento da Bauhaus, apenas com produção individualizada, não conseguiria se sustentar. A decisão de uma maior abertura fez Itten pedir demissão, em 1923, por não concordar com essa produção voltada às exigências industriais. O conflito entre Itten e Gropius provinha de dois conceitos de vida diferentes, que culminaram em 42

ideias contrárias: por um lado, Itten, que defendia a arte autônoma e por outro, Gropius, cujo objetivo era criação com comprometimento social. Com a saída de Itten, uma nova filosofia foi adotada, centrada na criação de produtos para responder às exigências industriais. Para substituir Itten, foi escolhido o húngaro László Moholy- Nagy (1895-1946), que apoiava a decisão de Gropius em relação à abertura industrial e foi o nomeado diretor do Vorkurs. Em seu curso, “[…] os estudantes trabalhavam com objetos tridimensionais e exercícios em harmonia espacial baseados num equilíbrio assimétrico de vidro, plexiglas, madeira ou metal” (DROSTE, 2010, p. 60). Nas alterações de Gropius, Josef Albers (1888-1976) – aluno da Bauhaus – passou a ministrar o curso de materiais, um preparatório para o trabalho no ateliê que obteve muita importância. Em 1928, quando Moholy-Nagy deixou a Bauhaus, Albers assumiu o Vorkurs, mantendo muitos dos princípios básicos de Itten, mas não o caráter de desenvolvimento individual, ao qual ele tinha tanto apreço. Gropius alterou o Curso Preliminar, que, passando a se chamar ensino básico, foi subdividido em: ensino básico de oficina e ensino básico de forma, sendo que as aulas de Klee e Kandinsky passaram a fazer parte da formação básica. O conteúdo de ambos


era precisamente estabelecido: I- Ensino básico de oficina: Manejo de diferentes materiais e ferramentas; invenção e construção de objetos de uso comum na oficina especialmente destinada ao curso básico. - Elaboração de projetos próprios, sendo o aluno responsável pelo material, pela economia na execução e pela técnica empregada. - Discussão conjunta dos planos - Execução autônoma dos projetos - Avaliação conjunta do trabalho pronto no que se refere à expressão, à função e à relação de tensão; discussão conjunta das possibilidades de aperfeiçoamento no que diz respeito à forma (dimensão, matéria, cor), material (quantidade, valor), economia (gasto, resultado), técnica (construção, fabricação) - Execução por oficinas e empresas O desenho industrial e de projetos é a introdução ao desenho técnico do curso principal. II- Ensino básico da forma: Teoria e exercícios práticos: - Análise dos elementos formais (orientação, designação, terminologia) - Relações orgânicas e funcionais (lei, construção, composição)

27. Bauhaus Dessau.

- Introdução à abstração (aparência, natureza, esquema). Aplicação primária e secundária, elementar e mista dos meios de criação. Exercícios de criação: desenhar, pintar, construir (WINGLER,1980 p. 131).

Apesar de Gropius ter conseguido permissão para a fundação da Bauhaus, com sua expansão e desenvolvimento e devido aos confrontos políticos, os alunos e mestres foram tachados de socialistas, o que culminou no fechamento da escola pelo governo nazista. Sobre a dissolução da Bauhaus de Weimar, em 1925, assim se manifestou Droste “[…] era uma escola estatal e por conseguinte, dependente não só financeira como também politicamente do governo no poder […]” (2010, p. 46). No mesmo ano, por iniciativa do prefeito de Dessau, um social-democrata, a escola encontrou um novo abrigo. A partir de um projeto de Gropius, a Bauhaus Dessau, construída com técnicas avançadas,

28. Bauhaus Dessau.

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29. Bauhaus Dessau.


foi marcada por seus materiais modernos como vidro, concreto e metal. Todas as atividades ficavam juntas no mesmo prédio, e isso refletia também o amplo funcionalismo desse momento da história da Bauhaus. O artesanato dava lugar à produção industrial, a madeira dava lugar ao metal, e os parafusos, colas e encaixes foram substituídos pelas soldas. A Bauhaus Dessau foi inaugurada, em dezembro de 1926, com exposições, acontecimentos musicais, apresentações teatrais e mobiliários, tudo criado nos ateliês da escola. A partir de 1925, ficou ainda mais clara a inclusão tanto da técnica quanto da indústria na

30. Mestres na Bauhaus Berlim.

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determinação dos objetivos da Bauhaus. Gropius continuou as alterações no programa da escola que havia iniciado em Weimar para um ensino mais formalizado, e modificou o ensino principal de três anos, em que reduziu as oficinas de sete para cinco: madeira, metal, cor, tecido e impressão tipográfica e artística. Foram excluídas as oficinas em que predominavam o meio de produção artesanal como

31. Cronograma semestral da Bauhaus de Dessau, 1927.

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– argila, pedra, vidro – deixando apenas as oficinas em que o princípio de reprodução era feito por meios técnicos. O estudo da construção foi mantido, assim como as demais disciplinas, que permaneceram praticamente inalteradas nos primeiros anos de Dessau e o teatro foi reintroduzido (WICK, 1989). No momento em que a Bauhaus passou a ser considerada academia de arte convencional ao invés


de escola municipal, as nomenclaturas de mestre e artesão foram deixadas e passaram a ser nomeados como estudantes e professores. Em 1927, Gropius nomeou Hans Meyer (18891954) para ser o seu sucessor na direção da escola e, em 1928, já após a mudança de sede da escola, anunciou, surpreendendo a todos, sua demissão dizendo que iria se dedicar à arquitetura. Meyer alterou muito os princípios para o qual a Bauhaus foi criada e, devido a esse fato e à demissão de Gropius, vários mestres foram deixando a escola. Meyer marcou o que Rainer Wick – historiador de arte alemão – chamou da fase de desintegração, quando a Bauhaus como escola de arte dava lugar à função somente utilitária e social (WICK, 1989). Primeiramente, Meyer tinha sido encarregado do recém construído departamento de arquitetura, e as aulas eram dadas com base no seu conhecimento sobre construção, uma vez que ele também era arquiteto. Ele via a arquitetura como um processo que “[…] refletia necessidades biológicas, intelectuais, espirituais e físicas […] ou seja, o objetivo da arquitetura era o bemestar das pessoas” (DROSTE, 2010, p. 190). As reformas na estrutura do programa começaram logo com a entrada de Meyer, que implantou cinco normativas:

1- Alargamento da formação básica, com aumento das horas aula do curso de Albers (Vorkurs), Klee e Kandinsky, e a inserção de Caligrafia, Representação e Norma; 2- Divisão das aulas nos ateliês em duas frentes: ciências e arte; 3- Divisão do departamento de arquitetura em duas partes: teoria da arquitetura e construção prática; 4- Reorganização das atividades internas para garantir maior produtividade; 5- Abertura da escola mesmo para os alunos que não tinham talento, o que fez os ateliês ficarem sobrecarregados e passarem ao limite de 150 alunos (DROSTE, 2010, p. 171).

Além disso, os ateliês destinados às áreas de artes – metal, madeira e pintura mural – foram fundidos e transformados em ateliê de design de interiores, enquanto os ateliês de publicidade, tipografia, exposições e fotografia formavam o design plástico. Com isso, houve um enfraquecimento da influência dos pintores e, como consequência, uma perda da qualidade artística da Bauhaus (BARROS, 2009; DROSTE, 2010). Apesar de ter muitos outros planos para a reestruturação da Bauhaus, Meyer foi despedido, após três anos de direção (1927-1930), por suas crenças políticas, sua inclinação para o comunismo e sua possível influência sobre os alunos. O último diretor da Bauhaus foi o arquiteto 47


Ludwing Mies van der Rohe (1886-1969), que também alterou a estrutura interna da Bauhaus, criando um novo estatuto que permitia ao diretor tomar as decisões finais. A escola de artes perdeu espaços, entre os quais ateliês, e a importância da arquitetura foi ainda mais fortalecida nessa direção, tendo sido proibida qualquer atividade política. Nessa fase, Klee e Kandinsky tiveram suas teorias das cores limitadas às classes livres de pintura. Em 1932, Mies apresentou um novo programa, em que os estudos foram reduzidos a seis semestres e a Bauhaus passou a ser uma escola de arquitetura. O Curso Preliminar (Vorkurs), antes obrigatório para todos, já não era mais, e os estudantes que tinham mais conhecimento podiam ir direto para o curso de arquitetura. Além disso, todos os ateliês passaram a produzir somente modelos industriais e foram inseridas também algumas modificações na distribuição da carga horária discente. A parte mais voltada à técnica, com os ateliês de construção e práticas, colaborou para a criação de bons profissionais, mas deixou de lado o elemento artístico e criativo que havia sido incluído por Gropius quando da fundação da Bauhaus. Sobre as mudanças no currículo da Bauhaus por Mies, assim se manifestou Droste: 48

Mies continuou com os cursos do plano de 1927: os ateliês relativos à <<estrutura>> foram ainda mais aproximados da arquitetura. A parte geral do currículo era dominada pelas ciências técnicas, desempenhando o <<design>> artístico um papel inferior. Para além da estrutura e <<design>> de interiores, havia departamento para a tecelagem, publicidade, fotografia e belasartes. Por sua vez estes também se concentravam principalmente no conhecimento e prática técnicos (2010, p. 208).

Entre 1930 e 1931, Klee, assim como Itten, deixou a escola, com a justificativa de se dedicar à sua própria arte. Apenas permaneceram até o fim da Bauhaus, Kandinsky e Josef Albers, aluno de Itten que passou a lecionar na Bauhaus em 1925, quando concluiu seu curso. Apesar de alguns cortes feitos por Mies, a situação financeira da Bauhaus estava precária. E, além disso, as questões políticas da época e o confronto de diferentes frentes partidárias culminaram no fechamento da Bauhaus Dessau, em 1932. Os nazistas tomaram o controle do município e fecharam aquilo que consideravam um foco de ideias comunistas. Os materiais modernos como o aço e as soldas, assim como as ideias avançadas, desenvolvidas pelos alunos e mestres na Bauhaus, eram vistas com maus olhos pelos nazistas e por boa parte da população.


Em 1932, a Bauhaus foi transferida para Berlim, e sediada em uma fábrica, como uma escola privada. Mies reformulou mais uma vez o programa, no qual os cursos passaram a ter a duração de sete semestres. Conseguiu subsídios para manter os gastos da escola com “[…] taxas das licenças de produtos no valor de cerca de 30.000 marcos e os salários dos professores que Dessau aceitou pagar até 1935” (DROSTE, 2010, p. 233). No entanto, quando os nazistas tomaram o poder, a Bauhaus foi investigada e os ideais da escola foram considerados antipatriotas, pelo novo partido. Um ano depois, sob pressão nazista, a escola

teve suas atividades definitivamente encerradas, e vários de seus mestres e aprendizes se espalharam pelo mundo, disseminando muito do que vivenciaram. O maior legado da Bauhaus ficou concentrado principalmente nos Estados Unidos: Gropius passou a lecionar arquitetura em Harvard; Mies, em Chicago; e Albers, no Black Mountain College. A metodologia de ensino e a reforma pedagógica da Bauhaus foram adotadas em muitos currículos de Escolas Superiores de Arte e Forma, continuando ainda hoje a ter influência na área de design em que a Bauhaus foi considerada pioneira (DROSTE, 2010).

32. Estudantes na Bauhaus Berlim,outubro de 1932.

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33. Estudantes na Bauhaus Berlim,outubro de 1932.

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35. Mies van der Rohe.

34. Hannes Meyer.

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Bauhaus: CURSOS AteliĂŞs Oficinas


De Stijl

37. Gerrit Rietveldt, Cadeira vermelha e azul, 1923.

Com base no grupo neoplasticista, fundado por Doesburg e Piet Mondrian em 1917, esse curso teve duração de quatro meses, de março a julho de 1922, e foi dividido em duas partes: teoria e prática, com duração de duas horas por dia. Foi criado com vistas ao afastamento da arte tradicional e o desenvolvimento de uma arte abstrata, que tivesse como base os princípios elementares das composições plásticas, tais como: horizontal/vertical, grande/pequeno e claro/escuro; e uma gama de cores universais: amarelo, vermelho, azul + tons de branco, cinzento e preto (DROSTE, 2006).

36.Designer desconhecido, cadeira TI206.

38. Marcel Breuer, cadeira.

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tecelagem O primeiro ‘programa de Ensino para a formação artesanal nas técnicas têxteis’, foi publicado em 1921 pela antiga professora de artesanato Helene Börner, tendo, com isso, se transformado de classe têxtil para um ateliê de tecelagem, embora poucas estudantes dominassem a técnica. O ateliê de Tecelagem, uma espécie de gueto feminino, sofria com os preconceitos, inclusive dos pintores envolvidos na Bauhaus, que achavam a tecelagem uma arte menor e que as mulheres eram incapazes de trabalhar em áreas mais exigentes. Muito

da arte produzida nesse ateliê pelas mulheres era qualificada pelos homens como artesanato. Primeiramente, o ateliê ficou sob comando de Itten e, em 1920, foi assumido pelo pintor e arquiteto Georg Munche (1895- 1987) na qualidade de mestre da forma, que orientava as estudantes sobre os modelos a executar, deixando, no entanto, uma grande liberdade de composição. Apesar das propostas de reforma no ateliê, inclusive econômicas, feitas por ele em 1923, muitas vezes faltava material e mão-de-obra, o que levava as estudantes a se especializarem fora. As integrantes Gunta Stölzl (1897- 1983) e 54

Benita Koch- Otte (1892- 1976), contribuíram com a grande variedade de produtos de tecelagem e macramê vista nos anos da Bauhaus Weimar. Até 1921, o curso de Itten e seus ensinamentos sobre as formas foram grandes inspirações para as composições têxteis; e, no segundo momento, os ensinamentos de Klee, MoholyNagy e Kandinsky influenciaram as artes de papéis de parede e tapetes com imagens não concretas. Casada com o mestre da Bauhaus Josef Albers, Anni Albers (1899-1994) tornou-se, em 1931, chefe do ateliê de tecelagem e, aceitando os desafios técnicos e estéticos do ofício, revolucionou ambos os aspectos por meio da experimentação e de seu moderno design. O ateliê de tecelagem trabalhava em conjunto com o de carpintaria, e o ensino era complementado por um ateliê de produção. Além disso, os trabalhos eram documentados por meio de artigos individuais e fotos.

39.Anni Albers, Blanket/ wall, 1926.


40.Ida Kerkovius: Feltro aplicado,1921.

42.Otti Berger, Telas de uso comum, 1928.

41.Gunda Stolzl, 1920-1922.

43.Gunta Stolzl, Telas de uso comum, 1925.

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metal Nesse ateliê, os trabalhos só foram iniciados, em 1920, ficando sob o comando de Itten até sua saída da Bauhaus. Sob sua direção, o ateliê produziu principalmente artigos de uso diário: bules, samovares (utilizado para aquecer água e servir chá), candelabros, chaleiras, caixas, latas, etc. Alguns dos artigos produzidos tinham como base círculos e esferas, outros tinham formas suaves e orgânicas. Em 1923, Moholy-Nagy, que substituiu Itten, encorajou os estudantes a experimentarem novos materiais como vidros e plexiglas (acrílico), mesmo que diferentes do metal, e até mesmo combinações de metais originais e metais mais econômicos, como a alpaca. Nesse período, houve a criação do famoso candeeiro da Bauhaus (fig. 47), que não tinha uma autoria própria, pois os produtos eram desenvolvidos por meio de discussões coletivas. Os objetos produzidos nessa primeira fase tinham a aparência externa de peças metálicas fabricadas à máquina, sendo que um dos nomes mais expressivos dessa produção foi Marianne Brandt (18931983). As formas elementares e as cores primárias 56

continuaram a servir de base para a produção na Bauhaus até 1928, resultando em objetos com o estilo da escola. Os estudantes passaram a questionar sobre a forma apropriada à função, que apareciam nos serviços de chá e café por exemplo, até que, em 1924, aconteceram as medidas de racionalização dos produtos.

44.Marianne Brandt: Pequeno Bule de essência de chá, 1924.

45.Marianne Brandt, chá em prata, 1924.


46. Josef Albers, fruteira (vidro, metal, madeira pintada), 1924.

47.Candeeiro de mesa e metal.

48.Marianne Brandt, Serviço de chá e café MT50-55a.

49.Otto Rittwegger, Tea- ball stand,1924/1925.

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Ateliê de mobiliário Dirigido por Gropius, em 1921, foi um dos primeiros ateliês a aceitar a necessidade de uma padronização. Uma das primeiras peças a ser produzidas em série foi a cadeira projetada pelo aluno Marcel Breuer, em 1922, desenvolvida a partir de uma análise funcional, principalmente, de assento confortável e design simples. Esse ateliê colaborou para a nova estética atraente de mobiliário na Bauhaus, com parte de sua inspiração vinda do grupo Stijl, apresentada, desde 1924, como decorrente de uma análise da função. Como disse Droste, “[…] a rejeição total da arte, como explicação para a forma, refletia a ideologia da Bauhaus da altura, em que a arte devia ser absorvida pelo artesanato e pela técnica” (2006, p.84). Depois de novembro de 1923, o trabalho concentrou-se na produção comercial, assim como nas demais oficinas.

50. Peter Keler, Berço, 1922.

51. Peter Keler, design para uma cama de homem, cama de mulher e berço, 1923.

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52.Marcel Breuer, cadeira presidente.

54.Marcel Breuer, madeira com contraplacado leve, 1924.

53.Marcel Breuer, cadeira e mesa pintada, 1923.

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Ateliê de vitrais e pintura mural Inicialmente criou-se dois ateliês separados, um de pintura mural e um de vidro, mas, em 1924, o ateliê de vitrais foi transformado em uma subdivisão do ateliê de pintura mural devido à baixa produtividade. Os artigos mais bonitos e importantes que vieram desse ateliê foram sobre a supervisão de Albers, em 1923. O primeiro Mestre da Forma do ateliê de pintura mural foi Oskar Schlemmer (1888-1943) que, após assumir o ateliê de teatro em 1922, foi substituído por Kandinsky. As atividades dirigidas nesse ateliê tinham como base três funções principais, de acordo com

Droste: “[…] execução de encomendas para outros ateliês, trabalho simples de pinturas ou planos de cores para edifícios, design livre de paredes” (2006, p. 86). Kandinsky, que apresentava interesse por “[…] uma pintura monumental abstrata, para a qual de fato quase não havia possibilidades de realização” (WICK, 1989, p. 53), permaneceu na direção, até 1925, quando Hinnerk Scheper (1897-1957) assumiu o comando em Dessau, e passou a dar maior destaque às questões de decoração de interiores e da construção com cores. 60

55.Oskar Schlemmer, plano geral do mural do edifício de ateliês da Bauhaus Weimar, 1923.

56.Herbert Bayer, projeto para ‘designs’ dos murais da caixa das escadas traseiras do edifício da Bauhaus em Weimar, 1923.

57.Imagem da direita: Albers, Vidros coloridos.


61


Ateliê de escultura em madeira e em pedra

Foram dirigidos pelo Mestre Artesão Josef Hartwig (1880-1955), que também participava artisticamente, com a participação, entre 1922 a 1925, de Oskar Schlemmer no cargo de Mestre Artístico de ambos os ateliês. Os dois ateliês tinham como tarefa servir de apoio à Bauhaus, realizando produções, tais como: modelos arquitetônicos em gesso, para Gropius; e trabalhos para o setor teatral, por exemplo, máscaras e marionetes, a pedido de Itten e Schlemmer. Além disso, os estudantes produziram castiçais, esculturas de gesso e pedra, máscaras, baús, lápides etc. Os brinquedos pedagógicos infantis, desenvolvidos por Eberhard Schrammen e por Alma Buscher (fig. 58), e pintados com as cores primárias e branco, obtiveram muito sucesso. Outro artigo que recebeu muita aceitação foi o jogo de xadrez (fig. 62) desenvolvido pelo mestre artesão Josef Hartwing. No entanto, como esses ateliês não recebiam muitas encomendas nem internas, nem de fora, não eram muito rentáveis e, por essa razão, em Dessau foram constituídos como um ateliê de escultura. 62

58. Jogo de blocos de construção de Alma Buscher, 1924.

59. Fotógrafo desconhecido, vista da Bauhaus Weimar escultura em pedra, 1923.


61. Conjunto de blocos de madeira pintados de cores vivas, 1924.

60. Josef Hartwing (tornearia) e Oskar Schlemmer (pintura), boneco articulado,1923.

62. Josef Hartwing, jogo de xadrez, 1922.

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Ateliê de encadernação Esse ateliê, relativo a uma das disciplinas mais tradicionais das escolas de artes e ofícios, foi dirigido por Otto Dorfner (1885-1955), encadernador e um dos melhores mestres artesãos, que aceitava em suas aulas inclusive alunos que não eram ligados à Bauhaus. Após 1921, Klee tornou-se mestre artístico do ateliê de encadernação, o que causou, após algumas desavenças, o desligamento de Dorfner. Com sua saída, esse ateliê foi encerrado por não oferecer condições para modernização. 64. Lyonel Feininger, capa da coleção ‘Artistas Italianos e Russos’ na série ‘Neue Europaische Graphik, 1924.

63. Gerhard Marcks: Am Ofchen (família), 1923.

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65. Wassily Kandinsky, Alegre Ascensão, litografia a cor da Coleção Mestres da Bauhaus, 1923.


Tipografia Foi dirigida, em Weimar, por Lyonel Feininger (1871-1956), na qualidade de mestre artístico, e por Carl Zaubitzer (?-1955), como mestre artesão. Nesse curso os alunos aprendiam sobre a técnica de esculpir a madeira e gravar em cobre, sendo que, em 1922, o ateliê de tipografia passou a treinar membros de todas as áreas da Bauhaus, produzindo o que fosse solicitado. Coleções gráficas para Feininger, Kandinsky, Schlemmer, por exemplo, foram feitas nesse ateliê, que passou a ter uma editora, em 1923. Com a mudança para Dessau, o pintor e artista Herbert Bayer (19001985), assumiu a direção até 1928, com o objetivo de promover uma racionalização da escrita, tendo sido sucedido pelo pintor e tipógrafo Joost Schmidt (18931948).

66. Impressão Carl Zaubitzer, Staatliches Bauhaus, Weimar, desenho Oskar Schlemmer, Três cabeças.

67. Herbert Bayer. Alfabeto Bauhaus.

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Teatro na Bauhaus de Weimar Assumido pelo pintor Lothar Schreyer (1886-1966) em 1921, o teatro foi uma das maiores inovações em uma escola de artes e ofícios, não sendo previsto no programa inicial. Em 1923, após o desligamento de Schreyer, o pintor Oskar Schlemmer assumiu oficialmente o cargo. A primeira apresentação importante ocorreu na semana da Bauhaus, em 1923, com a peça intitulada Ballet Triádico, composta por uma combinação de dança, vestuário, pantomina e música, fazendo muito sucesso. Sob a direção de Schlemmer, foram encenadas outras peças, tais como: Ballet Mecânico e Teatro de Variedades Mecânico, que confrontavam o homem e a máquina. Enquanto os objetivos artísticos de Schlemmer eram sempre metafísicos, seus alunos davam mais ênfase à mecanização e automatização. Nas aulas, os alunos também eram encorajados à criação de espetáculos com o uso de marionetes, como forma de representar o exagero padronizado do ser humano.

68. Xanti Schawinsky, Circus, 1924.

69. Kurt Schmidt, O homem no Painel de Controlo, 1924.

70. Fotografia por Ruth Hollós,Box game, 1926.

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71. Fotografia por Ernst Schneider, Ballet Triรกdico, 1926.

73. Oskar Schlemmer, diagrama de figuras para o Ballet Triรกdico, 1927.

72. Eberhard Schrammen, Glove puppet designs, 1923.

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Necessitamos voltar nossa atenção para os momentos iluminados da história do ensino das artes, revivendo metodologias didáticas transformadoras, para resgatar práticas eficazes que ficaram perdidas no tempo, mas que, nem por isso, se tornaram obsoletas aos propósitos de uma escola atual (BARROS, 2009, p. 17;18).


CAP ÍTU LO 3

O ensino da cor e as teorias da criação na Bauhaus


Como visto no Capítulo 2, o programa de ensino da Bauhaus era composto por dois pontos principais: a síntese estética e síntese a social. A primeira referia-se à integração de todos os gêneros artísticos e artesanais sob a supremacia da arquitetura; e a segunda, tinha como princípio a tentativa de uma produção que atendesse uma maior quantidade de pessoas, ou seja, a síntese de todas as camadas sociais. A concretização desses objetivos exigiu novas concepções de ensino, e alterações na formação dos artistas. No entanto, a Bauhaus não podia ser entendida como algo isolado, pois estava inserida no amplo contexto da reforma das escolas de arte entre 1900 e 1933, cujas reflexões surgiram no fim da Primeira Guerra e nos primeiros anos do pós-guerra. Para melhor compreender a ideologia proposta na criação da Bauhaus foi preciso voltar um pouco na história e recordar o pensamento das corporações medievais, as ideias reformistas do arquiteto alemão Gottfried Semper (1803-1879) e o movimento das escolas de artes e ofícios do século XIX, por exemplo (WICK, 1989). Observando-se as ideias reformistas medievais, Wick afirmou que “[…] as regras das corporações restringiam severamente a liberdade de movimento dos mestres, e o pensamento tradicionalista 71


deixava pouco espaço para inovações estéticas” (1989, p. 65). Contudo, após uma maior emancipação do indivíduos em relação às ideias sociais e espirituais da Idade Média, iniciou-se, por volta de 1500, uma revolução referente à formação artística, o que levou a uma ruptura da unidade medieval entre prática e aprendizagem. As escolas de artes e ofícios deram origem, na segunda metade do século XIX, a uma reforma na formação artística, surgida pela necessidade de elevação do artesanato, para reconquistar as faixas de mercado, que foram perdendo posto com o advento da mecanização. Preocupado com o rápido retrocesso do trabalho artesanal de qualidade, Semper sugeriu a organização de galerias (mais tarde os Museu de Artes e Ofícios) “[…] para a realização de eventos pedagógicos complementares sobre ‘Arte e Indústria’, em especial sobre as áreas de cerâmica, têxtil, madeira e pedra, bem como sobre arquitetura comparada” (WICK, 1989, p. 65). Devido a falta de sucesso das academias de belas-artes, os apologistas da reforma das escolas de arte chegaram à ideia de fundir a formação artística ao artesanato, e em estreita relação com essa demanda de fusão, estava o princípio de formação em oficinas, em parte, já praticado pelas escolas de artes e ofícios. Com 72

isso, as ideias dos reformadores das escolas de belasartes culminaram na noção da escola de arte unificada, guardando certa afinidade com o pensamento da Bauhaus, que remetia à ideia de Gropius: “[…] Devemos unificar tudo, demolir as divisões entre a pintura, a escultura, a arquitetura, o desenho, etc e criar um todo coerente” (Walter Gropius, radio interview, 1968, in Bauhaus - a face do século XX). Com isso, essa escola engajada num movimento de transformação social, foi uma das instituições que soube colocar em prática as ideias reformadoras desse período. O ensino artesanal, que era um componente essencial, constituía uma categoria pedagógica fundamental e representava a forma como o indivíduo aprendia, por meio do uso das mãos e do manejo técnico dos objetos. Isto, de certa forma, estabeleceu certos vínculos entre a pedagogia da Bauhaus e o ativismo na educação. Nomes como John Locke (1632-1704), August Hermann Francke (1663-1727), Jean- Jacques Rousseau (1717-1778), Pestalozzi (1776-1827), Friedrich Fröbel (1782-1852), dentre outros, apontam que o fazer artesanal, enquanto motivação pedagógica, também tinha tradição na história da educação (WICK, 1989). A forma como a Bauhaus foi criada e sua nova ideologia permitiram aos mestres dessa escola, uma


maior liberdade para explorar diferentes concepções e processos didáticos, o que influenciou nos métodos pedagógicos por eles desenvolvidos. Além disso, a colaboração entre artistas e artesãos abriu maiores possibilidades para os estudantes adquirirem uma formação completa, ampliando os horizontes por meio dos ensinamentos e reflexões propostas. Os exercícios estimulavam não só as habilidades dos estudantes, como também seu senso crítico e ativo, fazendo-os pensar sobre o que estava sendo exposto e levando-os a adotar uma postura diferente, de solucionar e questionar. Somado a isso, havia ainda o fator da conjugação entre teoria e prática, que contribuiu para que os estudantes pudessem aplicar o conhecimento teórico adquirido. Esse capítulo foi destinado a uma abordagem mais aprofundada sobre quatro dos mestres da Bauhaus – Johannes Itten, Josef Albers, Paul Klee e Wassily Kandinsky, respectivamente –, considerados no âmbito do presente trabalho como os de maior relevância no que diz respeito ao tema cores e formas. Esse capítulo foi elaborado por meio de uma correlação com os capítulos anteriores, retomando assuntos já mencionados para melhor entendimento, como por exemplo, o Curso Preliminar de Itten e o de Albers, assim como as teorias da criação de Klee e Kandinsky.

Além disso, contou com uma breve biografia, pontos importantes sobre a carreira artística, princípios gerais de ensino, influências e características que contribuíram com os ideais adotados, metodologias utilizadas e as teorias de cor, criação e forma.

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74. Johannes Itten.

JOHANNES ITTEN (1888-1967)

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A Biografia Nascido na cidade de Süderen-Linden, em 1888, localizada na Suíça, Johannes Itten se dedicou ao curso de formação, em Berna, para se tornar professor de ensino elementar no período compreendido entre 1904 a 1908. Já em suas primeiras experiências como professor, Itten começou a notar como as crianças se comportavam e reagiam diante de críticas e elogios e, mesmo depois, lecionando em outras escolas de arte, sempre seguiu ensinamentos sobre a pedagogia reformista que teve contato em seu curso de formação em Berna (WICK, 1989, p. 123). Em 1909, iniciou seus estudos na Escola Superior de Belas-Artes em Genebra, porém seus métodos pedagógicos se diferenciavam muito dos aprendidos naquela escola, o que fez com que Itten voltasse a Berna e, entre 1910 e 1912, se formasse em professor do segundo grau. No entanto, após influências do grupo Blauer Reiter, com o qual teve contato em suas viagens à Alemanha, Holanda e França, Itten decidiu seguir a carreira de pintor. Em 1913, começou seus estudos de pintura na Academia de Arte em Stuttgart, onde foi aluno de Adolf Hölzel, um dos que exerceram maior influência sobre

seus métodos artísticos e pedagógicos e, três anos depois, realizou sua primeira exposição individual na galeria berlinense Der Sturm, com “[…] composições puramente abstratas e ritmicamente articuladas” (WICK, 1989, p. 132). Com base em seus estudos com Hölzel na Academia de Arte em Stuttgart, Itten montou e dirigiu sua escola particular de arte em Viena, em 1918, unindo muitos dos princípios pedagógicos adquiridos com seu próprio “fazer artístico” (WICK, 1989, p. 125). Esse momento foi importante para a consolidação dos métodos pedagógicos que, com base na expressão individual e artística, proporcionaram a aplicação e maior aprofundamento no Curso Preliminar da Bauhaus. Em 1919, após ter sido convidado por Gropius para fazer parte do corpo docente da Bauhaus, mudou-se para Weimar, onde passou a dirigir o Curso Preliminar – Vorkurs –, que ficou sobre seu comando até 1923, data em que deixou a escola. Inicialmente dividiu a direção de vários ateliês com o pintor Georg Munche e, após 1921, passou a ser responsável apenas pelos cursos de pintura mural, metal e vitrais. Após sua estadia na Bauhaus, Itten seguiu para Berlim, onde, entre 1926 a 1934, dirigiu novamente sua própria escola. Em 1938, retornou à Suíça para 75


dirigir a Escola de Artes e Ofícios e o Museu da Escola Têxtil de Zurique, onde permaneceu até sua morte em 1967.

e mesma coisa. […] As formas geométricas, as cores do espectro, são os meios mais simples e sensíveis, e portanto mais fortes e delicados, de representação de uma obra formal expressiva (ITTEN, apud WICK, 1989, p. 131).

AS Obras

Se antes do período de estudos na Academia de Arte Stuttgart as obras de Itten tinham tendências figurativas, a partir de sua formação nessa escola, suas obras assumiram um caráter geométrico-abstrato, com fortes colorações, inspiradas nas teorias das cores. Entre essas, estão Horizontal-vertical (1915) (fig.75) e O encontro (1916) (fig. 76), que marcaram bem suas características nesse período. Os trabalhos de Itten, na primeira e última fase, demonstravam a intensa preocupação do artista com as formas geométricas básicas, as cores e suas associações, enquanto na fase intermediária de sua carreira artística, os temas eram paisagens e objetos, representados por meio de um cubismo colorido e expressivo, demonstrados em obras como O cantor de Bach (1915) (fig. 77), A torre vermelha (1918) e A última ronda (1918). A forma é também cor. Sem cor não há forma, sem forma não há cor. Forma e cor são uma única

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75. Itten, Horizontal - vertical,1915.


Essa temática de estilização do objeto, a partir de pinceladas rápidas e soltas, apareceu na série de obras que ele realizou para dar prosseguimento à exposição de Berlim, sendo que os trabalhos de Itten,

no período de 1915 a 1920, tinham em comum a relação entre forma e movimento, apresentando forte dinâmica e aspecto emocional. Os contrastes diagonais e espirais de forma e cor estavam sempre presentes tanto em quadros e desenhos, como nas esculturas, transparecendo a visão conjunta de corpo, alma e espírito. Tudo o que é vivo revela-se ao homem através do movimento. Tudo o que é vivo revela-se em formas. Assim, toda forma é movimento e todo movimento se manifesta em formas (ITTEN, apud WICK, 1989, p. 134).

76. Itten, O encontro ,1916.

77. Itten, O cantor de Bach, 1915.

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OS Princípios metodológicos A base metodológica de ensino de Itten tem estreita relação com sua vida acadêmica e pessoal, no sentido que os caminhos traçados culminaram com sua formação e influências adquiridas ao longo dos anos. Tanto na Bauhaus como nas demais escolas em que Itten lecionou, os princípios básicos utilizados eram os mesmos e procuravam uma forma de arte autêntica, sem vícios ou soluções usuais. Os ensinamentos do curso de formação em Berna tinham como princípio a tradição do movimento reformista pedagógico liberal, o que fez com que Itten, desde suas primeiras aulas, já utilizasse muitos desses conceitos. Os representantes mais expressivos desse movimento, Jean-Jacques Rosseau, Johann Heinrich Pestalozzi, Friedrich Wilhelm August Frobel e Maria Montessori, acreditavam na escola como um meio de desenvolver habilidades já existentes em cada indivíduo, com isso o ensino seria moldado para que crianças e jovens fossem desafiados a se descobrirem de forma mais independente. A abordagem não seguia as formas tradicionais em que o professor dava todas as respostas. Com isso, o aluno era convidado a participar, 78

contribuindo com seus questionamentos e suas próprias percepções (WICK, 1989, p. 154). De acordo com Droste, O objetivo […] consistia em se assenhorar da capacidade de criação artística através “da vivência subjetiva e da experimentação objetiva”. A vivência subjetiva e a experimentação objetiva representavam para Itten uma relação condicional indissolúvel. Só assim se podia constituir a “totalidade”, alcançar o objetivo do “homem total” ( 2010, p. 163).

Na metodologia de Itten, principalmente aquela voltada à infância, devia-se deixar a imaginação tomar de conta sem influências externas ou críticas, para que a criação fosse feita de uma forma livre e pudesse expressar de fato o que a criança sentia. Dessa forma, os exercícios serviam como um meio de autoconhecimento e ensinavam as ferramentas necessárias para ajudar os alunos a se expressarem. Outro ponto importante era a realização de deveres de casa, pois ele acreditava ser necessário um tempo de concentração para repensar e analisar os exercícios. Sobre a educação do artista, Itten aponta: De um lado, precisamos ter por objetivo formar cada um dos jovens de sorte que se desenvolva de forma original, própria, para que possa continuar sendo criativo; de outro, temos de ajudá-lo a dominar todas as leis dos meios de representação artística, a fim de ele poder dar forma às suas


ideias originais e inéditas (ITTEN, apud WICK, 1989, p. 155).

A formação como pintor, os anos que passou estudando na Academia de Arte em Stuttgart e principalmente seu contato com Hölzel constituíram o embasamento pedagógico e teórico que Itten utilizou para construir sua metodologia. A maior contribuição foi reunir diferentes tendências e transformar em um conjunto coerente aplicado à educação artística, sendo que muitas das atividades propostas na Bauhaus tiveram origem na forma didática de Hölzel, como menciona Wick:

1- Com Hölzel, Itten estudou intensivamente as Teorias das Cores de Goethe, Bezold, Chevreul e do próprio Hölzel, bem como os círculos cromáticos desenvolvidos por eles; 2- Maior influência tiveram as pesquisas de Hölzel sobre a problemática do claro-escuro, bem como suas Análises dos Antigos Mestres, que tinham por objetivo levar os estudantes a conhecer a estrutura construtivo-regular das obras de arte mais antigas; 3- No período compreendido entre 1913 e 1916 […] surgiram colagens abstratas feitas de papel rasgado e de retalhos de tecido, que estimularam Itten a realizar experimentos semelhantes; 4- Igualmente influentes parecem ter sido os exercícios de ginástica, que Hölzel praticava regularmente e que Itten introduziu na Bauhaus para o relaxamento do alunos […] Outro aspecto a salientar era o estímulo que partia de Hölzel para o desenho automático (WICK, 1989, p. 124).

Essa metodologia refletiu-se no ensino das

cores: a partir do desenvolvimento das habilidades de percepção visual e dos estudos com base nas teorias já existentes, já explicitadas no Capítulo 1 desse trabalho, Itten mostrava as potencialidades da cor como ferramenta criativa, por meio de exercícios, utilizando ainda as preferências de cores dos alunos e suas escolhas por materiais para diagnosticar a personalidade de cada um. Muito do comportamento do próprio Itten podia ser atribuído à filosofia oriental chamada masdeísmo, à qual ele aderiu em 1920, sendo seguido por muitos estudantes da Bauhaus. Essa doutrina que, “[…] tinha por objetivo retirar do desespero o europeu que se encontrava diante de uma ordem irrecuperavelmente destruída, prometendo-lhe uma paz interior” (1989, p. 158) e foi difundida sobretudo logo após a Primeira Guerra, pregava hábitos como jejum, vegetarianismo, meditação e exercícios respiratórios, para um maior equilíbrio entre corpo e mente, sendo muito influente na postura de Itten. Dessa forma, a metodologia de ensino de Itten, na Bauhaus e nas demais escolas na qual ele lecionou, foi fundamentada em ideias e conceitos pré-existentes, que contribuíram de forma significativa com todo o seu desenvolvimento acadêmico e artístico mesmo após sua estadia na Bauhaus. 79


O Curso Preliminar – Vorkurs O Curso Preliminar de Itten foi um dos primeiros a ser instituído na Bauhaus, seis meses

78.Estudos de teoria da composição- reconstrução.

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após sua fundação, colaborando com a estruturação pedagógica da escola recém-criada. Atraído pela possibilidade de criar algo novo e contemporâneo, Itten assumiu o curso permitindo que todos aqueles que tivessem algum interesse em arte, pudessem ser admitidos e, após seis meses, que correspondia à duração do Vorkurs, seriam avaliados. A primeira turma foi formada, em parte, por alguns de seus alunos da escola de Viena, que o seguiram até Weimar, e por alunos de escolas comuns e outras academias muito diferentes entre si, formando um ambiente bastante heterogêneo. Itten foi um dos primeiros a ser nomeado para lecionar na Bauhaus, e não só dirigiu o Curso Preliminar, mas também ficou encarregado de várias oficinas como mestre da forma. Além disso, sua formação, com base em concepções educativas e como artista, colaborou muito para o caráter singular que o Vorkurs assumiu diante das demais escolas de arte. O programa do curso tinha como base identificar aptidões dos alunos e orientar sobre possíveis vocações para o período de especialização nas oficinas, além de ser o preparatório para as próximas etapas do currículo da Bauhaus. As aulas eram iniciadas com exercícios respiratórios e de relaxamento para que os estudantes pudessem conectar corpo e mente e se


concentrar mais nas aulas. Em seguida havia exercícios de harmonização, para treinar a coordenação motora e libertar a criatividade. Nesse curso, desenvolviam-se conceitos relacionados à criação, por meio do manuseio tanto de objetos naturais como também de materiais como madeira, vidro, metal, pedra, argila ou tecido que dariam maior entendimento aos alunos. Por meio de construções realizadas com diferentes materiais encontrados, aprimoravam seu senso criativo e de observação para, a partir daí, desenvolverem maior sensibilidade artística e conhecimento. Em alguns dos exercícios propostos, os alunos faziam construções reutilizando materiais que encontravam como vidro, tubos de fornos, arames, artigos soltos etc., que passavam por um processo de estudos bi e tridimensionais, sendo depois desenhados com

os acabamentos de contrastes e movimento (figs. 79,80,81). Ademais, análises dos mestres antigos e desenhos com modelos vivos, também faziam parte das áreas abordadas no curso. Os modelos vivos não tinham a intenção de aprofundamentos em relação à anatomia, e sim como meio de expressão rítmica, com exercícios que envolviam música e davam a sensação de movimento. Por outro lado, as análises dos antigos mestres eram as mais importantes e tinham como base muito dos ensinamentos de Hölzel, em que os alunos entravam em contato com produções anteriores e, por meio de um caráter mais sensitivo e simbólico, podiam observar quais os aspectos mais relevantes de cada obra, estimulando assim a parte sensorial e intuitiva. Paralelamente aos exercícios, Itten ensinava teorias de contraste, formas e cores, sendo os contrastes

79,80,81. Estudos de contraste- reconstrução.

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responsáveis pela percepção dos opostos. Incluíam, por exemplo, claro-escuro, texturas áspero-suave, pontiagudo-rombo, duro-mole, grande-pequeno, topo-fundo, leve-pesado, redondo-quadrado, que eram utilizados nas composições como meio mais expressivo da individualidade de cada um. Na Bauhaus eu tive que alongar as fileiras cromáticas de material real para o julgamento táctil de diferentes texturas. Os estudantes tinham que sentir estas texturas com suas pontas dos dedos, com os olhos fechados. Após um curto tempo o sentido do toque melhorou a um grau surpreendente. Eu então pedia aos estudante que fizessem uma montagem com textura de materiais contrastantes. O efeito destas criações fantásticas foi inteiramente novo para aquele tempo ( ITTEN, 1966, p.45).

82. Johannes Itten, “Torre de Fogo”,1922. Modelo em madeira e vidro colorido.

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Itten utilizava formas geométricas elementares de círculos, quadrados e triângulos relacionando-as com características como “fluente e central, calmo e diagonal”, respectivamente (DROSTE,2010, p. 28). Esses conceitos já haviam sido mencionados por Kandinsky, em 1912, na sua obra Sobre o Espiritual na Arte. A metodologia de Itten na Bauhaus caracterizou a primeira fase da escola como expressionista, centrada nos valores individuais e de autoconhecimento que não tinha como intuito apenas a transmissão de ideias


e habilidades básicas de desenho, mas também uma preparação do indivíduo como um todo, o qual ia se conhecendo e desenvolvendo seus próprios métodos artísticos.

84.Rodolf Lutz: Relevo em gesso com caracteres de forma quadrangulares e retangulares,1920-21.

83.Composição de cubos por Else Mogelin,1921. Experimentação de formas geométricas primárias.

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A Teoria das cores A formulação da teoria das cores de Itten foi resultado de um extenso estudo que, influenciado pelas teorias cromáticas existentes e conhecidas por ele desde Sttugart, consistia em analisá-las do ponto de vista artístico, expressivo e intuitivo. As diferentes características cromáticas foram demonstradas por meio de uma série de conceitos surgidos de investigações acerca do “efeito estético” das cores, como disse Itten. No entanto, não é intuito desse ensaio o aprofundamento de todos os aspectos cromáticos desenvolvidos, e sim construir um panorama geral de aspectos que tiveram mais influência na metodologia pedagógica por ele adotada. Em seus estudos, Itten chamou a atenção para os contrastes óticos, em que uma cor, quando justaposta a outra, é percebida de maneira diferente, o que ele denominou como contraste simultâneo (fig. 85) e explicou a partir de exemplos: Já se sabe que um quadrado branco sobre fundo preto parece maior que um quadrado preto de idênticas dimensões sobre o fundo branco. O branco se estende e transborda os limites enquanto o preto diminui. […] Coloquemos um quadrado cinza sobre fundo azul e logo sobre fundo laranjado. O quadrado cinza sobre fundo azul parece vermelho-alaranjado

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enquanto parece azulado sobre o fundo laranja (ITTEN, 1975, p. 18, tradução da autora)

85. Contraste simultâneo laranja- azul.

Entender esses contrastes que acontecem com as cores era uma forma de aprimorar a sensibilidade cromática e melhorar o uso de cores nas composições, e por isso, na metodologia de Itten, muitos dos exercícios envolviam a prática dos contrastes cromáticos, inspirados nas aulas de Hölzel, que eram divididas em sete: cores puras, claro-escuro, quente-frio, complementar, simultâneo, de saturação (qualitativo) e de quantidade, incentivando à exploração das qualidades expressivas da cor, constatando seus efeitos. Como disse Itten: Tudo o que podemos captar com nossos sentidos se fundamenta em uma relação comparativa. Uma linha nos parece mais longa quando junto a ela se encontra uma linha menor (ITTEN, 1975, p. 33, tradução da autora).

Outro aspecto muito importante de suas teorias era conhecer o resultado das misturas de


86. Cores complementares - completam-se para resultar nas cores primárias.

87.Primeira parte da construção do círculo. Cores primárias.

88.Segunda parte da construção do círculo. Cores secundárias.

pigmento, conceito que resultou em seu tão conhecido círculo cromático (fig. 89), construído com base nas cores primárias – amarelo, magenta e azul –, da qual resultariam todas as demais cores. A disposição das cores em seu círculo obedecia ao princípio de complementaridade da cor (fig. 86), ou seja, cores que juntas resultavam no cinza neutro. O fisiólogo Ewald Hering demonstrou que o olho e o cérebro exigem o cinza neutro, e que quando falta essa cor, o olho se esforça em restabelecer o estado de concordância. Se olharmos durante certo tempo para um quadrado verde, e então fecharmos os olhos, veremos, como pós-imagem, um quadrado vermelho. O olho possui a cor complementar. Ele procura restaurar o equilíbrio em si mesmo. Esse fenômeno se refere ao contraste sucessivo (ITTEN, 1975, p. 23, tradução da autora).

89.Formação do círculo cromático em três etapas.

Diante disso, “[…] toda composição de cores cuja mistura produza a anulação de seus matizes, alcançando um cinza médio”, possui harmonia e desse conceito derivou-se também as combinações harmônicas (BARROS, 2009, p. 91). O conceito de harmonia, para Itten, não tinha a ver com combinação de cores por um processo de gosto individual e sim, por um estado de equilíbrio perfeito (fig. 90). A divisão do círculo em 12 partes se deu 85


90. Combinações harmônicas.

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pela mistura dos pigmentos e foi montado, em três níveis, de dentro para fora: na primeira parte (fig. 87), próximo ao centro, estão as cores primárias (amarelo, azul e vermelho); na segunda (fig. 88), misturou-se as primárias para obter como resultado as secundárias (laranja, roxo e verde); e a terceira foi composta pela mistura das secundárias com as primárias adjacentes, produzindo as cores terciárias. Muitos dos exercícios envolviam a escolha de cores para representar diversos temas como “tempestade” e “crepúsculo”, a partir desses exercícios, ele percebeu que mesmo que não fossem as cores preferidas dos alunos, a paleta de cores utilizada para representar cada cena era diferente. A partir dessas atividades, concluiu que as escolhas revelavam muito das características de cada pessoa e deu a esse fator o nome de “timbre subjetivo”, reconhecendo que cada estudante precisaria de sugestões diferentes de temas e materiais que se aproximassem mais de sua personalidade. Outro elemento que recebeu muita atenção de Itten foram as formas fundamentais: quadrado, triângulo e círculo, que, assim como as cores, também teriam seu valor sensível e moral, e das quais derivariam as demais formas. De acordo com Itten o quadrado, com seu ângulo reto, era o “símbolo da matéria, do

peso e das bordas fixas” e seu peso e forma estática caracterizavam a opacidade do vermelho; o triângulo, por sua vez, era originado de três diagonais, cujos ângulos agudos representavam “aspecto agressivo e combativo” e a sua cor correspondente era o amarelo claro; e por último o círculo, que “nasce quando um ponto se move mantendo uma distância constante de outro ponto” e com isso, dando a sensação de movimento contínuo era representado pela cor azul transparente (ITTEN, 1975). Diante disso, Itten estabeleceu relações entre as cores e as formas, procedimento esse que foi objeto, principalmente, dos estudos de Kandinsky. Assim como as cores, as formas também eram vistas como subjetivas, logo, cada indivíduo teria mais afinidade com a forma que expressasse sua personalidade.

91. Itten, Estrela cromática.

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92. Josef Albers.

JOSEF ALBERS (1888-1976) 88


A Biografia Nascido em 1888, em Bottrop, Alemanha, Albers iniciou sua carreira como professor do ensino primário de 1905 até 1915, lecionando por oito anos após sua formação. Em 1913, começou a estudar arte na Real Escola de Arte de Berlim, onde adquiriu seu certificado de professor dois anos depois e, em 1916, voltou a sua cidade natal, onde exercia o magistério ao mesmo tempo em que frequentava cursos na Escola de Artes e Ofícios de Essen. Em 1919, entrou para a Academia de Munique, com o objetivo de estudar pintura, tendo sido aluno de Franz von Stuck, que também havia sido professor de Kandinsky e Klee. No entanto, considerou que aquela escola não era suficiente para ele e, em 1920, saiu de Munique para começar a estudar na recém-criada Bauhaus, onde participou do Curso Preliminar de Itten e, em seguida, trabalhou em seu próprio ateliê de vidro. Além do vidro, Albers trabalhou com diversos materiais, o que fez dele um artista eclético, com habilidade para lidar com várias matérias-primas diferentes. Essa habilidade o levou a ministrar, em 1923, na Bauhaus, o famoso curso de materiais do

Vorkurs, assumindo oficialmente, após sua formação, em 1928, também o ateliê de carpintaria, na Bauhaus Dessau. Ao sair da Bauhaus após seu encerramento, lecionou em escolas dos Estados Unidos, tais como: Black Mountain College, em 1949 e Yale University, de 1950 a 1959, atuando como professor convidado e difundindo suas ideias em vários lugares da América e da Europa. A partir dos anos 1940, dedicou-se ao ensino e à pintura, preocupando-se, principalmente, com os efeitos óticos da cor, o que inspirou, em meados de 1960-1970, o vanguardismo americano da Op Art – movimento que exploraria as percepções visuais com base na ilusão de ótica. Um destaque em sua carreira artística deuse, a partir de 1950, com a série Homage to the Square (Homenagem ao quadrado), que explorava variações no esquema básico de composição de três ou quatro quadrados colocados um dentro do outro, por meio de arranjos feitos a partir da borda inferior. Em 1963, publicou o livro Interaction of Color, em que apresentou estudos dos sistemas de cores governadas por uma lógica interna e ilusória e, em 1973, tornou-se membro da Academia Americana de Artes e Ciências, onde continuou seu programa de pintura até o seu falecimento, em 1976. 89


As Obras

No começo de sua carreira observou-se nas tendências artísticas, a influência, principalmente, do cubismo e do expressionismo, esse último, expresso de uma forma mais contida. Seus trabalhos na Bauhaus obtiveram destaque em muitas áreas, uma delas foi no ateliê de vidro (fig. 94) levando-o, entre 1922 e 1923, a se dedicar à uma série de murais com base geometricamente rígida. Em 1925, inovou ao produzir os chamados quadros de lâminas de vidro (fig. 95), feitos com sobreposição de lâminas, que eliminava o caráter translúcido e o substituía por um efeito opaco. Dentre os trabalhos com vidro, criou uma fruteira e copos de chá, que se tornaram muitos conhecidos na Bauhaus, e logo foram industrializados em série. No âmbito do design, esse artista também recebeu destaque, como, por exemplo, na confecção da cadeira de braços, desmontável e funcional, além de uma série de móveis feitos para a sala de espera da direção da Bauhaus. Esses objetos foram derivados de suas aulas no ateliê de carpintaria, a partir de 1928, assim como muitos outros objetos que contribuíram para uma nova concepção de mobiliário. Ainda na 90

Bauhaus, Albers interessou-se também pela tipografia, tendo realizado composições experimentais com caracteres e criando a escrita padrão (fig. 93), que fazia referência às formas elementares do círculo, triângulo e quadrado.

93. Albers, Escrita Padrão.

94. Albers, Vidros coloridos. 95.Imagem da direita: Albers, Quadro de grelhas, 1922. Composição de vidro.


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Apenas nos anos 1960, Albers alcançou reconhecimento internacional como artista, diferente de muitos dos grandes mestres de sua geração. Sua mais famosa obra foi a famosa série Homage to the Square, no período compreendido entre 1950 a 1970, que tratava de quadrados à base de quadrados, em que Albers representou a variedade das relações de cor. O grupo de obras das Constelações estruturais e dos Quadros com dois centros, assim como as séries Biconjugate, Vice Versa, ou Variation, surgidas nos Estados Unidos a partir dos anos 40, receberam grande destaque.

Os Princípios metodológicos

A metodologia de Albers tinha como base a pedagogia reformista, contrária ao autoritarismo, à distância entre o professor e o aluno, à quantidade de conhecimentos superficiais e à excessiva orientação histórica da educação, que se distanciava do presente e das possíveis novas formas de abordagens. Diferente de Itten, Albers defendia uma didática voltada à interação do indivíduo com a sociedade, em que a ênfase ao desenvolvimento individual não cabia à escola, sendo alcançado por meio do trabalho. Como aponta Wick, 92

O surgimento do movimento de educação artística no âmbito da pedagogia reformista correspondia à ideia de que era necessária uma “educação criativa” para fazer frente ao ensino cognitivo unilateral e à recepção mecânica de conteúdos e métodos tradicionalmente transmitidos (1989, p. 236).

Esse pensamento levou Albers a formular seu conceito pedagógico com base na experimentação, e na defesa do trabalho como meio de crescimento do artista. A tentativa e erro, o fazer de forma amadora, a partir da experimentação dos materiais, era, para ele, o melhor caminho metodológico a ser seguido. Dessa forma, como diz Wick, sua didática remonta aos “[…] ideias educativos progressistas do movimento de reforma pedagógica dos anos anteriores e posteriores a 1900” (1989, p. 237), foi fortemente influenciado pelo pensamento do inglês John Dewey, que acreditava que a escola devia ser um preparatório para a vida e que só o conhecimento teórico não dava uma base adequada às pessoas. Apesar dessa influência, Albers discordava de Dewey que defendia o artesanato como habilidade manual como o meio para a atuação e descoberta artística. Ele não via como o centro de sua metodologia o artesanato, e sim a dimensão criativa gerada a partir da experiência. Não chamava seu método de ensino, e sim,


classe de aprendizagem porque os alunos, por meio do reconhecimento das características intrínsecas dos diversos materiais construtivos, aprofundariam suas composições criativas e suas soluções econômicas de como manusear cada material. Aprender é melhor, pois é mais intenso, do que ensinar; quanto mais se ensina, menos se pode aprender. Sabemos que nas classes de aprendizagem percorrem-se caminhos mais longos, às vezes há desvios e extravios. Mas nenhum começo segue uma linha reta. E os erros reconhecidos incentivam o progresso. Atalhos conscientes e extravios controlados aguçam a crítica; por intermédio do dano conduzem ao mais sensato, despertam o desejo de se obter o mais correto e o melhor ( ALBERS, apud WICK, 1989, p.236).

O Curso Preliminar de Albers Albers começou sua carreira de professor na Bauhaus, de maneira informal, no período de 1923 a 1925, ministrando o curso de materiais, uma das partes do Curso Preliminar. Tendo iniciado seu Curso Preliminar oficialmente em 1928, o artista obteve muito sucesso com seus exercícios, que revelavam as potencialidade estruturais. No curso de materiais,

no período da Bauhaus de Weimar, Albers orientavase pelos ofícios artesãos, com o intuito de preparar os estudantes para a próxima parte do currículo, que eram as oficinas. Diante disso, seus exercícios eram voltados aos entendimentos de materiais simples como madeira, metal, vidro, pedra, tecido e cor, despertando a curiosidade dos alunos em descobrir as peculiaridades de cada um deles. Realizava visitas à oficinas de artesanato e fábricas para aprender sobre as possibilidades de usos e assim, melhorar as composições. Contudo, o período que melhor marcou a estadia de Albers na Bauhaus, foi seu Curso Preliminar em Dessau, cujos princípios adotados tinham como base dois pontos: os exercícios com a matéria e os exercícios com materiais. Os exercícios com matéria tinham o objetivo de reconhecer a superfície dos materiais utilizando a visão ou o tato, ou seja, a parte externa, atribuindo relações como afinidade ou contraste, por exemplo. As formas de uma superfície eram classificadas de acordo com sua textura, estrutura ou execução e tinham uma função mais visual que construtiva. Por sua vez, os exercícios com materiais tinham o intuito de desvendar os aspectos inerentes ao material, tais como “[…] estabilidade, resistência, consistência, capacidade etc” (WICK, 1989, p. 243). Albers utilizou elementos 93


dos cursos preliminares de Itten e Moholy- Nagy, como, por exemplo, a diferenciação entre estrutura e textura de Moholy, porém com uma definição diferente e, a teoria geral dos contrastes de Itten, que com Albers, eram desenvolvidos a partir de materiais industriais, e não reutilizados. A partir de 1927, alterando a dinâmica do curso, os alunos tinham materiais específicos para trabalhar em cada mês, sendo que, no primeiro mês, era o vidro; no segundo, o papel; no terceiro, podiam escolher entre dois materiais relacionados; e só a partir

96. Aulas do curso preliminar de Albers.

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do quarto mês ficavam livres para escolher o material que quisessem. Dessa forma, tinham uma noção sobre cada um dos materiais e suas associações, levando sempre em conta soluções construtivas favoráveis à economia, sem desperdiçar material. Nas aulas de Albers, os estudantes eram impedidos de utilizar muitas ferramentas, mesmo que essas estivessem disponíveis. Propunha-se que, sem elas, as soluções fossem tomadas a partir de reflexões e raciocínios para criar algo novo, segundo o material estudado. O mais importante era a experiência


adquirida na tentativa de criar, mesmo que não resultasse em uma obra, mas o processo e os estudos seriam guardados para, em outro momento, serem aprimorados. Isso também acontecia quando todos os alunos se juntavam para ver as soluções adotadas uns pelos outros, examinando e assimilando outros métodos. Em uma conferência em Praga, em 1928, Albers falou sobre sua metodologia e os objetivos do ensino técnico em seu Curso Preliminar na Bauhaus. Sobre o uso de materiais, apontou:

atividade fundamental para criação na obra de Albers, acabou se refletindo em sua metodologia desenvolvida para o ensino das cores.

Um exemplo: fora da Bauhaus, isto é, na indústria e no artesanato o papel é utilizado, em geral, em posição plana e horizontal, e em colagem. Portanto, um lado do papel geralmente perde sua expressão. A borda não se usa quase nunca. Isso nos induz a usar o papel verticalmente, não liso, plasticamente removido, em ambos os lados, acentuando-se a função da margem. Em vez de colá-lo, vamos prendê-lo, inserir uma folha em outra, costurá-la, fixá-la com botões, com pregos, ou seja, de maneiras diferentes. Vamos investigar suas propriedades, submetendo-a a tensões de tração e pressão (WINGLER, 1980, p. 173, tradução da autora).

Os exercícios de materiais de Albers (figs.97, 98, 99) foram muito reconhecidos na Bauhaus e em toda a Alemanha, sendo depois difundidos também nos Estados Unidos. O foco na experimentação, como

97.Exercício com papel na aula de Albers.

95


As Investigações cromáticas

98.Escultura em alumínio, 1927-1928, feita aluno Alphons Frieling.

99.Exercícios com papel,1927.

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Em 1950, quando começou a dirigir o departamento de design na Yale University, Albers iniciou suas pesquisas sobre interações cromáticas, da qual deu origem à série Homage to the Square e seu livro Interaction of Color, o qual contribuiu para expandir os limites da maneira de usar e perceber as cores na arte, na arquitetura, no design etc. Embora suas investigações estivessem focadas nos efeitos óticos das cores, não há em sua obra propriamente uma teoria das cores, que pudesse orientar os estudantes, o que existe é uma demonstração de que as cores devem ser entendidas a partir de interações cromáticas, que causam diferentes efeitos. Sua metodologia com as cores desenvolveuse, principalmente, a partir da didática indutiva e da prática, e sua opção pela experimentação fazia com que os estudantes fossem capazes de resolver os desafios propostos a partir de uma série de casos particulares. Os trabalhos eram feitos com papel colorido em substituição à tinta, pois trazia vantagens, tais como: repetir o mesmo tom com maior facilidade,


usar um menor número de ferramentas, livrar-se da textura indesejada das pinceladas e, como aponta Albers, poder “[…] escolher entre uma extensa coleção de tons e comparar constantemente cores próximas e contrastantes” (ALBERS, 2010, p. 21). As descobertas óticas acerca das cores são mostradas, por Albers, em muitas divisões e exercícios que, nesse ensaio, serão abordada de forma resumida e ilustrada.

Relatividade da cor: as duas classes principais que mais influenciam esse conceito são: luminosidade e tonalidade, fazendo uma única cor parecer duas diferentes, comparadas sob fundo de cor diferente e condições idênticas de tamanho e forma. Esse contraste entre figura e fundo acontecia por meio de exercícios como colocar dois pequenos retângulos da mesma cor sobre grandes fundos de cores bem diferentes, mostrando que a percepção de uma cor podia ser influenciada pela cor vizinha (figs. 100, 101);

100. Albers, Relatividade da cor. Os quadrados ocres do centro são da mesma cor, mas não parecem devido ao fundo.

101. Albers, Relatividade da cor. Fundos azul e amarelo e figura verde.

97


Cor mais clara ou mais escura: intensidade de luz, luminosidade: quando se analisava a capacidade dos alunos de distinguirem tons muito parecidos, percebeu-se que a maioria das pessoas tinham dificuldades. Com isso, Albers propôs a tarefa de colocar os dois tons, um ao lado do outro, sendo uma pequena parte sobreposta e em seguida: Mantenha a vista fixa, por mais tempo que resulte cômodo para o olho, sobre a quina sobreposta (B) do papel de cima, e depois retire este rapidamente. Se a zona (C) aparece agora mais clara que a zona (A), é porque o papel de cima é mais escuro, e vice-versa (ALBERS, 2010, p. 28, tradução da autora).

A

A

B

C

102. Exemplo para diferenciar tons parecidos.

98

Fundos invertidos: com esse conceito, pretendia-se demonstrar a partir de exemplos que quanto mais escuro for o fundo sobre o qual observamos determinada cor, mais clara ela nos parecerá, e viceversa, sendo que apenas o cinza médio interferia na percepção, por conferir aos olhos equilíbrio. Para que a figura tivesse sua cor intensificada ao máximo, o fundo deveria ser a cor complementar. Uma das maiores ilusões cromáticas seria dada quando a cor da figura fosse intermediária às cores do fundo, pois visualmente, a cor da figura seria vista como as cores dos fundos adjacentes (figs. 103, 104);

B

103. Albers, Fundos invertidos.O ponto central da lateral esquerda comprova que a figura possuía a mesma cor e apenas o fundo mudava.


Subtração de cor: de acordo com Albers, acontecia quando, escolhendo cores análogas (próximas no círculo cromático) para as figuras, a cor do fundo fosse a mesma cor que uma delas. Com isso, a claridade do fundo subtraía a claridade do recorte, resultando em apenas duas cores (figs. 105, 106);

104. Albers, Fundos invertidos.Sobre fundo marrom e violeta, os quadrados centrais apareciam como os fundos trocados, mas eram da mesma cor. A verdadeira cor dos dois quadrados centrais se torna irreconhecível.

105. Albers, Subtração de cor.Os retângulos do centro pareciam iguais. Para comparar de forma simultânea não devia-se olhar de um centro ao outro, e sim, focar em um ponto no meio dos dois.

99


Subtração de cor:

106. Albers, Subtração de cor. Quando comparadas as diagonais, simultâneamente, pareciam a mesma cor, mas são exatamento as cores das faixas horizontais, muito distintas.

100

Ilusão de transparência: dada a partir de recortes de papel, quando se escolhia, por exemplo, três pedaços em que a cor de um deles correspondia à mistura das duas outras, percebia-se a cor intermediária como a transparência;

107. Albers, Ilusão de transparência.


Misturas aditivas e subtrativas:

Transparência e ilusão espacial:

1- quando misturamos duas cores (pigmentos), a resultante nunca será mais clara ou mais escura do que as duas originais. Da mesma maneira, a mistura não será mais vibrante ou mais acinzentada do que as cores que a compõem; 2- uma mistura depende das proporções nas quais as cores são misturadas, o que indica a possível predominância de uma das cores envolvidas; 3-quando uma cor nos parece estar mais na frente ou mais atrás de uma outra, nos estudos de transparência, percebemos uma terceira alteração: a ilusão do espaço ( BARROS, 2009, p. 242).

108. Albers, Mescla aditiva e substrativa.

109.Albers, Transparência e ilusão espacial.

101


Paul Klee (1879-1940)

110.Paul Klee.

102


A Biografia Nascido nos arredores de Berna, na Suíça, em 1879, Klee, devido ao talento musical, herdado de seus pais também músicos, tornou-se membro da Orquestra de Música de Câmera de Berna. Sua carreira como artista plástico começou, de fato, em 1900, quando passou a estudar pintura na Academia de Munique, sob a direção de Franz von Stuck. Em 1906, mudou-se definitivamente para Munique, devido aos laços construídos no período da Academia e por ser um lugar com muitos artistas e artesãos, que oferecia importantes perspectivas artísticas. No entanto, sem perder contato com a cidade de sua infância, em 1910, realizou sua primeira exposição individual em Berna, com 56 obras, que já então atraíram algumas atenções. Passou a fazer parte do grupo expressionista alemão Blaue Reiter, tendo participado, em 1912, da segunda exposição do grupo. Sua apreciação pelas cores e maior interesse pela representação do espaço, movimento e tempo a partir de efeitos cromáticos, se deu em um viagem à Tunísia, por volta de 1914. Sua história na Bauhaus começou em 1919, quando recebeu um convite de Gropius para fazer parte do corpo docente, assumindo as atividades como

mestre, em 1921. Em 1924, escreveu Pedagogical Sketchbook, no qual fazia suas anotações sobre os exercícios e ideias que desenvolvia em suas classes na Bauhaus. Passou por diversos ateliês, tendo iniciado sua trajetória no ateliê de encadernação, onde ficou até 1922; entre 1922 e 1924, integrou o de vitrais; e a partir de outubro de 1923, passou a ensinar Design Elementar do Plano e nu artístico aos estudantes do segundo semestre. Em 1927, deu aulas de pintura livre e, no fim do ano, Teoria de Design para o ateliê de tecelagem. Dois anos antes do encerramento da Bauhaus, Klee saiu da escola e começou a dirigir uma classe de pintura na Academia de Dusseldorf, onde permaneceu até 1933, quando o governo nazista o obrigou a se retirar do cargo. Com isso, voltou à Berna, onde ficou até seu falecimento, em 1940.

As Obras Fazendo um apanhado geral sobre as obras de Klee, tratando do seu desenvolvimento artístico antes da Bauhaus, pode-se dizer que em: 1905, fez experimentos com desenhos de riscos brancos em placas de vidro pretas; 1906, produziu trabalhos 103


com influência impressionista; 1908, buscou um equilíbrio entre as artes naturalistas (influenciados pelos impressionistas franceses) e as improvisações psíquicas; 1913, seguiu um caminho de estudos de linha e da cor, com um grau crescente de abstração, compreendida no sentido de libertar as relações plásticas formais de sua ligação com a realidade visível; 1914, obteve maior confiança com o uso da cores; 1921, assumiu classes na Bauhaus que posteriormente seriam publicadas como contribuições para o ensino plástico formal (ZAHAR, 2001). Klee deixou uma produção muito extensa, com o uso de diferentes materiais, como tinta óleo, aquarela, nanquim etc., muitas vezes na mesma obra.

111.Klee, O mensageiro do outono, 1922/69, aquarela. Quadro do período da Bauhaus.

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Tanto os elementos artísticos quanto os pedagógicos foram se desenvolvendo, concomitantemente durante o período em que esteve na Bauhaus. Desenhista nato e autodidata, Klee aprendeu e aprimorou muito do seu talento por meio de experimentos, principalmente, sobre cores, tonalidades e formas, a partir de uma grande variedade de paletas desde o monocromático até o policromático. Sua obras passaram por diversas fases, sendo que sobre seu início artístico assim se manifestou o artista: Um mérito, porém, deve ser mencionado: em mim já havia o desejo da autenticidade. Caso contrário, teria me dado por satisfeito, como um sofrível desenhista de nus, a produzir composições retratando Caim e Abel. Mas para isso eu era cético demais. […] Queria reproduzir coisas que pudessem ser controladas, e atinhame única e exclusivamente ao meu interior. Com o passar do tempo, quanto mais complicado se tornava o meu interior, mais loucas eram as composições. A perplexidade sexual deu à luz monstros da perversão. Simpósios de amazonas e outras coisas horrendas. Um ciclo em três partes: Carmen – Gretchen – Isolda. O ciclo Nana, Théâtre dês femmes. A náusea: uma mulher tem o tronco debruçado sobre uma mesa e despeja de um recipiente o seu conteúdo composto de coisas nojentas (KLEE, 1990, p. 74).

Klee buscava uma analogia entre arte e música, utilizando, para isso, gradações de cores, com


a técnica de veladura; símbolos, como a seta; formas geométricas, como o quadrado; além de letras e números. Ele teve influências de muitos movimentos como o expressionismo, cubismo, futurismo, surrealismo, e abstracionismo.

112.Klee, Dois homens se conhecendo,1903/5.

113. Klee, Senecio, 1922, óleo sobre tela.

Os Fundamentos do processo criativo Para Klee, a arte adquiria forma mais espiritual, não servindo para representar o mundo com ele é, e sim, como uma maneira de se aproximar de Deus. Ele via na arte um modo de se elevar, chegar mais perto da perfeita criação e fugir da realidade cotidiana. Como definiu Wick, A obra de Klee leva em conta a arte como uma forma “cósmico- transcendental”, que parte da ideia do artista feito à imagem e semelhança de Deus, que não se deriva apenas da força de criação do artista, mas se expressa também em seu alheamento cósmico, em seu distanciamento do elemento telúrico, da história e da sociedade (1989, p. 316).

Esse conceito no qual se espelha Klee, que foge de uma realidade histórica buscando uma “cura através do espírito” (WICK, 1989, p. 318), também era observada em outros integrantes da Bauhaus como Itten e Kandinsky, por exemplo. A arte e o ensino de Klee tinham como base três aspectos: natureza, movimento e razão/intuição no processo artístico, questões essas que fundamentaram o pensamento do artista. A natureza representava o gênese da forma, 105


sendo que as regularidades e particularidades podiam ser entendidas por meio das formações elementares. Com isso, a partir da contemplação e observação da natureza, permitia-se chegar à livre configuração de imagens abstratas. Uma vez entendido o aspecto numérico no conceito “organismo”, o estudo da natureza desenvolve-se com maior facilidade e acuidade. É óbvio que a riqueza da natureza é muito maior e mais gratificante graças à sua infinita complexidade […] A perplexidade inicial frente à natureza explica-se pelo fato de a princípio percebermos apenas as ramificações mais externas, ao invés de procurarmos os galhos mais grossos e chegarmos ao tronco. Mas, ao perceber isso, podemos reconhecer na menor e mais externa das folhas uma repetição da lei global, fazendo, assim, um bom uso dela (KLEE, 1990, p. 175).

Dessa forma, a inspiração na natureza não tinha o objetivo da reprodução exata e sim, de reconhecer que homem e natureza possuíam uma relação, e que os princípios estruturais da natureza, em toda a sua complexidade, podiam cooperar com a criação artística. O segundo fundamento de seu pensamento era o movimento, ou seja, as forças formadoras, pois, para Klee, era mais interessante a construção das formas do que o resultado propriamente dito. Tal movimento podia ser obtido por meio de diferentes tipos de linha, gradações cromáticas ou símbolos, características essas 106

que serão abordadas com maior profundidade nesse trabalho quando se tratar da Teoria da Forma de Klee. Assim como as leis da natureza e o movimento, a intuição e o intelecto também possuíam grande influência em seus conceitos, porque apesar da parte intelectual ser importante, nem todas as respostas seriam dadas pela razão, sendo que, muitas delas viriam por meio de intuição, aspecto subjetivo e intelectual. Diferentes dos outros dois artistas apresentados até agora, Klee, assim como Kandinsky, se dedicou muito mais às teorias de criação, com estudos sobre forma e cor, do que propriamente à metodologia de ensino. Nas palavras de Wick,

A contribuição de Klee para a pedagogia da Bauhaus, não consiste da introdução ou do desenvolvimento de novos métodos de ensino. Como o de Kandinsky, seu método de ensino era tradicional: conferências, alternadas com com aulas expositoras e exercícios práticos. Significativa é a sua contribuição para a Didática, entendido o termo em sentido estrito, ou seja, como referente apenas ao conteúdo, e estando excluídos os métodos de ensino e aprendizagem (1989, p. 333).


As Teorias da criação A Teoria das formas Após a saída de Itten, Klee e Schlemmer assumiram o curso de modelo vivo na Bauhaus, revezando a cada semestre. No entanto, poucos meses após o início das aulas, Klee transformou seu curso em teoria da forma, dirigindo-o no período de 1921 a 1931, além disso, devido sua timidez e a falta de experiência em lecionar, compôs um diário com todas as suas anotações e aulas programadas para facilitar sua didática. Começava suas aulas com o estudo das formas e cores elementares, assim como Itten e Kandinsky, os quais ele obteve influências. Sobre as formas, Klee, enfatizou: Somos artistas, homens práticos, de ação, razão pela qual atuamos, por natureza, em um âmbito preferencialmente formal. Sem esquecer de que antes do início formal, ou mais simplesmente, antes do primeiro traço, existe toda uma história precedente, e não apenas o anseio, o prazer do homem em se expressar; […] Faço questão de frisar isso, para que não se produza o malentendido de que uma obra se compõe apenas de forma (Apud WICK, 1989, p. 335).

Em seu Pedagogical Sketchbook (1953), Klee partindo de sua visão indutiva e da importância dos três aspectos base (natureza, movimento e razão/ intuição), falou sobre o fato do objeto natural não ser construído bidimensionamente, e sim, relacionado ao espaço físico e intelectual. Para melhor explicar esse pensamento, Klee dividiu essas abordagens, principalmente, em quatro partes, ou lições: 1- Linha e Estrutura proporcionais, 2- Dimensão e Equilíbrio, 3Curva Gravitacional, sendo a quarta parte seu estudo cromático, que será abordado em sua Teoria das cores. 1 - Linha e Estrutura proporcionais Klee iniciou suas considerações pela transformação do ponto estático em dinâmica linear, não com ênfase no elemento em si, mas em sua capacidade de transformar-se por meio do movimento, tanto em linha quanto em plano e espaço. O que importava para Klee eram os estágios de formação, o que ele denominou como gênese. A linha foi diferenciada em três tipos: ativa, medial e passiva. A ativa era definida como aquela que percorria um caminho livre, sem demarcações (linha ondulada) ou podia se mover entre pontos determinados (linha angulosa); já a medial era 107


delimitada por pontos, mas causava um efeito de formas planas, perdendo seu caráter de mobilidade, se tornando passiva quando utilizada como contorno de uma superfície de cor. A linha na concepção de Klee era vista como a medida de toda a proporção estrutural, sendo que sua grande influência e gosto pela música, o fez usar partituras, para medir o ritmo da linha, por exemplo. Linhas ativas: caminhos livres: - sem demarcações = linhas onduladas - com pontos específicos = linhas angulosas

Linhas mediais: traçada por meio de pontos, resultando em forma plana.

Linhas passivas : forma plana preenchida com cor

114.Tabela resumo.

115.Klee, As três linhas, 1968.

108

O conceito de estrutura para Klee assumia um caráter plástico e existia fundamentalmente quando um elemento do quadro era repetido com uma frequência rítmica. A alternação de medida (um elemento comprido e outro curto) e peso (um elemento claro e outro escuro), produziam as estruturas de nível superior formando uma malha semelhante ao tabuleiro de xadrez, que por sua vez, constituía o ritmo estrutural de outro nível. Para Klee, os ritmos estruturais podiam ser divisíveis sem prejudicar a estrutura, no entanto, as divisões estruturais não permitiam qualquer intervenção. Para melhor compreensão, Klee exemplificou esse conceito da seguinte forma: A pouca importância individual dos ritmos estruturais…tem uma grande vantagem: eles podem ser facilmente classificados em um conjunto orgânico, individual, sustentando o vir-a-ser do organismo. Sem se oporem a ele de alguma forma (KLEE, apud WICK, 1989, p. 340).

De acordo com Droste, para Klee, “[…] a estrutura (dividual) e a divisão (individual) de forma alguma se excluem” (2006, p. 340), conforme demonstra o exemplo: Um exemplo de divisão individual é a cruz formada por cinco quadrados: se dela tiramos


um único quadrado, ela imediatamente deixa de ser uma cruz. […] Outro exemplo: o peixe. Não faz diferença acrescentar algumas escamas (estrutura); em contrapartida, se do peixe eliminarmos a cabeça como característica de divisão individual, o peixe deixa de ser peixe (Apud WICK, 1989, p. 340).

escuro, “a sobrecarga de energia preta” do prato da direita deve ser equilibrada através da adição de um pequeno campo negro no lado esquerdo, ou ainda, diminuir a superfície da direita (WICK, 1989, p. 338).

2- Dimensão e Equilíbrio A segunda parte foi destinada às dimensões, partindo da observação de duas linhas paralelas que, quando vistas por um ângulo defletido, convergiam à um ponto, dando a noção de perspectiva e tridimensionalidade (fig. 116). Com isso, Klee mostrou “[…] o poder subjetivo do olho humano de se mover livremente e criar espaços para suas próprias aventuras óticas “ (KLEE, 1968, p. 10, tradução da autora). O equilíbrio estava relacionado, no sentido que, estabelecia a relação fundamental para a perspectiva central entre horizontais e verticais, levando em conta a orientação do homem no espaço por força da gravidade. O símbolo do equilíbrio, para Klee, era a balança, que representava a harmonia plástica, a simetria da composição, que era balanceado por meio de cor, peso e dimensão, por exemplo. Se sobre os pratos da balança se encontrarem, por exemplo, dois quadrados de mesmo tamanho, o da esquerda cinza claro, e o da direita cinza

116. Perspectiva, ponto de fuga.

3- Curva Gravitacional Nessa terceira parte, Klee, discutiu problemas referentes ao movimento do cosmos e à força gravitacional, em que todos os corpos ao sofrer ação da gravidade, eram puxados ao centro da terra. No entanto, Há regiões com leis diferentes e novos símbolos, significando movimento mais livre e posição dinâmica. Com este mero indício da existência do dinamismo puramente espiritual, que substitui o mundo fenomenal em seu destino terrestre, Klee define seu Naturalismo como um simbolismo

109


de grande profundidade (SIBYL MOHOLY-NAGY, apud KLEE, 1968, p. 10).

Klee utilizou símbolos como o pião, o pêndulo, a espiral e a flecha para ilustrar, de maneira clara, o fenômeno do movimento. Uma balança, quando desprovida de suporte material e reduzida a um ponto de contato, tombaria, a menos que a rotação horizontal a salvasse, esse era o princípio do pião. O pêndulo representava o equilíbrio do movimento, que era decisivo para a criação, mas aumentando ou diminuindo a longitude do raio do pêndulo circular, obtinha-se a espiral. Para Klee, a espiral era um fenômeno de vida e morte, movimento finito, que seria definido por meio da direção da flecha. Em suas investigações, chegou a conclusão que a espiral era formada por uma energia cinética centrípeta, mais fraca na parte exterior, e cada vez mais forte no interior (KLEE, 1968). A flecha por sua vez, largamente utilizada por Klee em suas composições, significava uma metáfora da divisão da existência humana entre espírito e matéria e foi considerada por ele, significado de toda a tragédia humana. Usando a espiral, Klee determinou que quanto mais perto do centro, haveria mais fechas e cada vez mais escuras, devido a maior energia cinética. Destacando-se do fundo branco, todas essas setas, eram vistas como uma só, chamada de flecha negra. 110

Por meio da direção da seta, Klee expôs o movimento das cores – das frias às quentes –, que podia representar aquecimento ou resfriamento, essa transição de um plano físico para um pictórico, incitou uma visão artística que também influenciou em suas considerações sobre as cores (KLEE, 1968). Pião

117. Klee, Pião.

Pêndulo

118. Klee, Pêndulo.


Espiral

119. Klee, Espiral.

Flecha preta

120. Klee,Flecha preta.

A Teoria das Cores A teoria de Klee foi influenciada por alguns estudos já desenvolvidos no campo da cor, como por exemplo, a noção de movimento e a interpretação da sinestesia cor-som, em Kandisnky, assim como, a integração das cores puras do círculo cromático com branco e preto, adotada por Itten; e ainda, a influência da Teorias das cores de Goethe. Para iniciar suas investigações, Klee partiu do fenômeno natural do arco-íris, devido sua ordenação cromática bem fundamentada, no qual podia-se perceber sete cores: violeta avermelhado, vermelho, alaranjado, amarelo, verde, azul e violeta azulado. Para superar a limitação do movimento terrestre pendular, Klee colocou essas cores na noção de movimento infinito, não levando em conta a força da gravidade, assim, o movimento oscilatório do pêndulo, se transformou no movimento giratório cósmico do pião, o que deu origem ao círculo cromático de Klee, sobretudo de uma forma diferente do usual. O círculo cromático de Klee foi dividido em seis partes muito mais expressivas que a faixa do arco-íris, onde definiu dois movimentos: o periférico (movimento infinito das cores na periferia do círculo) e o diametral (movimento das cores segundo o diâmetro do círculo). 111


Esses movimentos diametrais foram divididos em três, que mostravam não só a cor complementar (pares de cores autênticos), mas também os movimentos cromáticos que iam diminuindo sua tonalidade até o centro do círculo, que era cinza.

em um cinza neutro, e sim, em um cinza com coloração (fig. 122). Por exemplo: a mistura de verde com laranja resultava em um cinza-amarelado, pois como ambas as cores possuíam amarelo em sua composição, esta seria a cor em excesso.

121.A sete cores do arco-íris transformaram-se em seis.

Para demonstrar essas formas complementares, Klee utilizou um modo de visualização que se baseava em dois triângulos acutângulos, dispostos de maneira contrária, um ao outro. Para Klee, a combinação de cores não precisava se restringir apenas às complementares, podia-se encontrar Tantos diâmetros quantos se desejar, e que não diferem dos já mencionados até agora por sua precisão, mas por sua importância fundamental. O menor giro do diâmetro ao redor do ponto cinza fixo determina um novo par de cores igualmente válido, ainda que menos importante (WICK, 1989, p. 347).

Com isso, quando combinações com cores não-complementares fossem feitas, não resultariam 112

122.A mistura dos falsos pares de cor tinham como resultado uma cor acizentada,mas nunca um cinza neutro.

Em seguida, Klee definiu o movimento cromático que tem lugar no perímetro do círculo, denominado periférico, como infinito, ao contrário do movimento diametral pendular, visto como finito. Utilizando esse movimento pendular, Klee, fez referência a Kandinsky e Goethe, não atribuindo caráter às cores, mas utilizando uma ampliação criativa para questionar o alcance das cores (fig. 123) partindo das três cores primárias (amarelo, vermelho e azul), e concluindo que: Cada cor tem início em seu próprio nada, no ponto culminante da cor vizinha, a princípio sem


qualquer ressonância, e vai crescendo até atingir seu ponto culminante, para dali novamente extinguir-se, lentamente, em seu próprio nada, no ponto culminante da cor vizinha (KLEE, apud WICK, 1989, p. 349).

Outra possibilidade de representar as relações e os movimentos cromáticos era a partir de triângulos equiláteros, sendo os vértices, pontos de cores primárias. Diversas relações foram formadas, no entanto, mesmo diante de triângulos e círculos cromáticos, não havia a possibilidade de representar as relações claro-escuro, o que levou Klee à criação de uma estrela totalizante dos níveis cromáticos.

123. Releitura Barros. Círculo cromático de Klee levando em conta os alcances.

Com isso, Klee percebeu que, apenas quando as cores estavam em sua máxima intensidade, denominada por ele de ponto culminante ou pico, permaneciam livres da influência de outras cores.

125.Releitura feita por Barros da obra de Klee, Estrela totalizante. 124. À esquerda: Extensão da influência das cores primárias no círculo.

113


Wassily Kandinsky (1866-1944)

114

126. Wassily Kandinsky.


A Biografia Nascido em Moscou, em 1866, foi criado por sua tia Elisabeth Ticheeva, que o colocou em suas primeiras aulas de desenho e música, despertando em Kandinsky, o amor pela arte. No período compreendido entre 1886 a 1892, iniciou seus estudos de Direito e Economia Política, na Universidade de Moscou, tornando-se depois assistente dessa mesma instituição. Em 1896, com trinta anos de idade, mudou-se para Munique para estudar pintura, a princípio, na escola particular de arte Anton Azbé, e posteriormente na Academia de Arte, sob direção de Franz von Stuck. Diante de participações nas exposições de Moscou e Paris, e das diversas atividades culturais em Munique, Kandinsky elaborou, em 1910, sua primeira obra teórica: Do espiritual na arte. Nesse mesmo ano, produziu suas primeiras composições abstratas, que com base em um espírito analítico, o levou a investigar a problemática das artes plásticas por um ponto de vista racional e teórico. Fundado nessa mesma época, o movimento artístico Blaue Reiter, já explicitado no Capítulo 1 desse trabalho, iniciou o chamado expressionismo abstrato. Após o princípio da Primeira Guerra, Kandinsky

regressou à Rússia, onde, em 1920, tornou-se cofundador do Instituto de Cultura Artística – INCHUK –, para o qual elaborou um programa didático, que tinha como ponto de partida a reação psicológica do artista e o ensino das cores por meio de diferentes pontos de vista, direções e métodos. No entanto, suas aspirações artísticas começaram a entrar em conflito com as concepções construtivistas russas, e, em 1921, regressou à Alemanha. Em 1922, foi convidado a integrar o corpo docente da Bauhaus, em uma época em que a escola estava deixando a fase expressionista pela maior sistematização dos fundamentos da criação. Iniciou sua trajetória como chefe no ateliê de pintura mural, onde ficou até 1925, e depois, foi responsável pelo cursos de Desenho Analítico e Elementos de Forma Abstrata para estudantes do primeiro semestre. Suas teorias da cor e forma ministradas na escola influenciaram também o design, em meados de 1923. Em seu período na Bauhaus concebeu sua segunda obra teórica: Ponto, linha, plano, que era destinando à essência de seus primeiros anos como professor na Bauhaus, publicado, em 1926. Em 1927, já em Dessau, ministrou aulas de pintura livre, que se tornaram uma das maiores atrações da fase posterior da Bauhaus, no entanto, após a pressão nazista e o 115


encerramento da escola, mudou-se para Paris, em 1933, com sua esposa Nina, onde permaneceu até o seu falecimento, em 1944.

As Obras Segundo Kandinsky, suas obras eram classificadas em três classes diferentes: impressões (fig. 127), improvisações (fig. 128) e composições (fig. 129). As impressões tratavam da natureza exterior, em que representava através de pinturas e desenhos uma impressão direta da cena; as improvisações, eram provenientes de sensações do artista, que podiam ser intuições ou pensamentos, ou seja, eram caracterizadas como a natureza interior; e por último, as composições, que também partiam de um caráter interior do artista, mas se diferenciavam porque eram elaboradas mais cuidadosamente, em um maior processo de análise até chegar em uma composição ideal (KANDINSKY, 1996b). No período de 1910 a 1914, os aspectos figurativos nas improvisações e composições de Kandinsky foram sendo eliminados, na busca do artista por uma forma de expressão, que demonstrasse a grande espiritualidade em que ele se encontrava na 116

época. Essa manifestação foi vista em suas obras por meio do uso de formas e cores puras, isto é, libertas da obrigação de representar objetos. Além disso, nessa mesma época, associações entre cor e música nas obras de Kandinsky, podem ser observadas, por exemplo, em uma série de xilogravuras surgidas em 1913, nomeadas como Klänge (Acordes) e em sua composição Der gelbe Klang (O acorde amarelo) publicada, em 1912, no Almanaque Der Blaue Reiter, feita para o teatro ( WICK, 1989). Nesse momento houve uma maior aproximação de Kandinsky à arte abstrata, influenciadas também pelas formas dos ornamentos do Art Nouveau; da arte islâmica, que o artista conheceu durante uma viagem à Tunísia, realizada em 1904-1905; e de obras teosóficas que ele teve contato. Dessa forma, notou-se que o estilo presente em seus quadros da época anterior a Primeira Guerra, dotados de um forte caráter expressivo, com dramaticidade, deram lugar às composições frias, precisas e geometricamente construídas dos anos 1920.


Impressão

Composição

127. Kandinsky, Trem,1909.

129.Kandinsky, No Azul,1925.

Improvisação

Os Fundamentos processo criativo

do

As influências

128. Kandinsky, Improvisação 26, 1912.

Kandinsky possuía manifestações eidéticas, ou seja, tinha uma grande capacidade de memória fotográfica, o que fazia com que pudesse representar desenhos vistos em qualquer outro lugar; e manifestações com caráter sinestésico que permitia a capacidade de viver experiências duplas de associações 117


entre cor e som. Essas características sensoriais presentes em Kandinsky foram muito relevantes para a composição das obras e das teorias artísticas desse pintor. Outro conceito muito influente e importante para Kandinsky foi a ideologia teosófica, cujo alguns dos representantes eram Helena Blawatzky, Annie Wood Besant, Charles Webster Leadbeater, Rudolf Steiner, que acreditavam que o aspecto interior era o responsável por mostrar a essência do homem, logo, não poderia ser representado a partir do figurativismo, que era focado somente na realidade exterior. A proposta dessa ideologia era propor um novo entendimento do mundo, ligada a uma nova religião, ao misticismo e universalismo, assim como o expressionismo alemão. Kandinsky era contra o pensamento materialista e positivista decorrente da rápida industrialização do século XIX, justamente pelo fato desse movimento tirar o caráter essencialmente voltado ao interior. Muito dessa base teosófica contribuiu com a concepção de síntese para Kandinsky, onde, como disse Wick, ele […] vê tendências de uma nova ‘arte sintética’, na qual estariam na iminência de serem demolidos os muros que dividem as artes por gêneros, por exemplo na atuação conjunta de música e pintura (1989, p. 259).

118

Dessa forma, a orientação espiritual de Kandinsky, assim como suas manifestações de caráter sensorial foram muito influentes em sua carreira, aproximando-o de uma nova corrente filosófica, na forma de olhar para o mundo negando a objetividade absoluta pretendida pelo positivismo.

O Ensino para Kandinsky As maiores contribuições de Kandinsky foram referentes ao aspecto do conteúdo e não tanto da metodologia de ensino, pois assim como Klee, se preocupou com um estabelecimento para uma “linguagem elementar” vista sob o aspecto plástico. Nas obras de Kandinsky, a parte teórica abria caminho para o melhor entendimento, ou seja, a teoria e a prática eram concebidas em conjunto, sendo o objetivo do ensino, o desenvolvimento da capacidade de conciliar e ordenar análise e síntese.

Análise e síntese = forma e conteúdo (nesse contexto) Forma = cor, forma gráfica e forma no espaço 130. Resumo com base em KANDINSKY, 1996a, p. 1.


Kandinsky utilizava o conceito da palavra “forma” com dois entendimentos diferentes, um amplo e um estrito. O amplo englobaria também as cores, pois como as cores estão sempre ligadas às formas, para Kandinsky a cor se incluía dentre os elementos formais. Por outro lado, a forma em sentido estrito partia de sua conformação, por exemplo a linha, o ponto etc. O ensino para Kandinsky tinha como base o caráter analítico e sintético, que se refletiu também em suas concepções de criação. Com isso, partindo desse princípio e das associações estabelecidas em sua teoria da criação, Kandinsky se distanciou muito das abordagens de Itten, se aproximando muito mais ao método racional. Sobre a defesa do método analítico, disse Kandinsky: De fato, até agora não existiu um modo de pensar sistemático e analítico em questões referentes à arte; e poder pensar analiticamente significa poder pensar logicamente…Até mesmo a arte “pura” carece hoje de uma base cientifica coerente, mais exata. A ênfase unilateral ao elemento intuitivo e a “inutilidade” da arte a ela relacionada, frequentemente têm conduzido o jovem artista a conclusões desacertadas, que se desviam da arte (Apud WICK, 1989, p. 269).

A Teoria da criação Seus cursos de teoria avançadas foram realizados a partir de 1928 e, apesar do curso ter como base dois fundamentos: introdução aos “elementos formais abstratos” e curso de “desenho analítico” (KANDINSKY, 1996a, p. 3), o primeiro deles, era o ponto central do ensino de Kandinsky, uma vez que representava de fato a sua teoria da criação. Em suas aulas, primeiramente, havia uma parte teórica centrada no professor e depois, ministravase exercícios para colocar em prática artisticamente toda a teoria aprendida. Apesar das tarefas dadas por Kandinsky serem muito específicas e rigidamente formuladas, ainda sim era possível buscar soluções individualmente diferentes. A estrutura básica do curso – utilizada aqui a exposta no catálogo para o Congresso Internacional de Professores de Arte, Praga, 1982 (WINGLER, 1980) – se dividia em quatro principais partes: teoria das cores (cor isolada); teoria das formas (forma isolada); teoria das cores e das formas (relação cor-forma); e planos básicos, e eram aprendidas por meio de palestras, discussões e trabalhos.

119


A Teoria das Cores As cores sempre foram objetos de estudo de Kandinsky, representando para ele um caráter espiritual que tinha uma grande força, capaz de agir sobre o corpo influenciando diretamente na alma. Seu intuito era compreender a cor como um caráter subjetivo e não a partir de uma teoria instrumental e prática. Ao falar da cor como um caráter expressivo, Kandinsky associava a cor à música, exprimindo sua experiência sinestésica a partir dos efeitos que as cores exerciam, estabelecendo relações universais descritas em seu livro Do espiritual na arte e na pintura em particular, cuja tentativa foi analisar a cor. As cores eram o ponto de partida de análise, primeiramente eram estudadas separadamente, de forma isolada, em cada um dos seus efeitos psíquicos – o que remetia a Goethe –, pois Kandinsky acreditava que a partir das cores era possível entender o valor interior dos elementos. Para Kandinsky, as cores possuíam duas grandes divisões: “[…] o calor ou frieza do tom colorido e a claridade ou obscuridade desse tom”, do qual resultavam quatro tons principais: quente-clara, quente-escura, fria-clara ou fria-escura. “[…] entendiase por calor ou frieza de uma cor, sua tendência geral para o amarelo ou para azul” (KANDINSKY, 1996b, 120

p.88).

Kandinsky, acerca da diferença entre o amarelo e o azul e suas diferentes características, apontou:

131. Oposição entre amarelo e azul.

Com isso, o frio (azul) seria mais contido nele mesmo, se distanciando do observador, enquanto o quente (amarelo) representava excentricidade, tinha o efeito de tudo que é mais intenso. Esse primeiro par de cor, azul e amarelo, caracterizavam o que Kandinsky chamou de primeiro grande contraste (fig. 132). O segundo grande contraste (fig.132), tratava da claridade e obscuridade, ou seja, o par branco e preto, sendo o branco caracterizado como interiormente quente, por isso mais próximo ao amarelo; e o preto, interiormente frio, mais próximo ao


azul. Para Kandinsky, que comparava o branco com as pausas da música, como um silêncio que interrompe sem dar acabamento definitivo, o branco simbolizava o nascimento e o preto a morte.

esperança. O cinza também podia ser encontrado da mistura do vermelho com o verde, a esse par, Kandinsky nomeou terceiro grande contraste (fig. 133). O verde foi definido como o equilíbrio perfeito entre o amarelo e o azul, sendo considerada a mais calma de todas as cores, em que os movimentos se anulam e tudo repousa. Kandinsky caracterizando o verde, apontou: Não se faz acompanhar nem de alegria nem de tristeza, nem de paixão. Nada pede, não lança qualquer apelo. Essa imobilidade é uma qualidade preciosa e sua ação é benéfica sobre os homens e sobre almas que aspiram ao repouso. Mas esse repouso, por fim, corre o risco de tornarse enfadonho. […] Eu seria tentado a comparar o verde absoluto com os sons amplos e calmos, de uma gravidade média, do violino (KANDINSKY, 1996b, p.93 e 95).

132. Primeiro e Segundo contraste.

O cinza médio foi descrito como sem sonoridade ou movimento, seria a cor em repouso, no entanto quando mais escuro maior era seu caráter sombrio, e quanto mais claro maior a chance de

O vermelho apresentava uma vibração intensa e agitada, porém sem se propagar, com isso, chamada de movimento em si. Kandinsky abordou também as cores secundárias, explicando que “[…] Quando o vermelho é atraído na direção do homem, o laranja aparece, da mesma maneira que se forma o violeta, cuja tendência é se distanciar do homem, quando o vermelho é absorvido pelo azul” (KANDINSKY, 1996b, p.99), com isso, essas duas cores, laranja e violeta, formavam o quarto grande contraste (fig. 133). 121


no círculo levou a um problema, pois mesmo que os contrastes se tornem visíveis, o mesmo não ocorreria com a relação interna das cores. Kandinsky descreveu seu círculo da seguinte forma: As seis cores que, por pares, formam três grandes contrastes, apresentam-se a nós como um imenso círculo, como uma serpente que morde sua própria cauda (símbolo do infinito e da eternidade). À direita e à esquerda, as duas grandes fontes de silêncio da morte e do nascimento (KANDINSKY, 1996b, p.100)

133. Terceiro e Quarto contraste.

A partir dos contrastes apresentados, Kandinsky desenvolveu seu círculo cromático, colocando os contrastes frente a frente no círculo (amarelo-azul, vermelho-verde, laranjado-violeta), e as cores branca e azul ficaram localizadas uma em cada lado do círculo, simbolizando começo e fim. No entanto, essa posição em que as cores foram colocadas 122

Como esse círculo foi feito em um período anterior à Bauhaus, Wick aponta que os manuscritos dessa escola mostravam algumas diferenças de conceitos, o que sugere que Kandinsky fez alterações em seu círculo, considerando por exemplo, que a cor média entre o amarelo e o azul, era o vermelho. No entanto, todas essas diferenças que seguiram após a consolidação de seu círculo cromático, não serão aprofundados no presente trabalho.

A Teoria das Formas A partir da forma, tratada aqui em seu caráter estrito, Kandinsky procurou chegar a um glossário dos elementos da criação, uma espécie de gramática,


em que elementos como o ponto, linha, plano, cor, movimento e sons musicais estabeleciam entre si relações universais. A ideia da teoria das formas estava no fato, principalmente, de analisar os elementos não a partir do exterior, mas procurando o contato direto com o interior, pois era inato de todo elemento, uma ressonância interior que lhes era própria e que se manifestava em função de certos princípios. Os estudos de Kandinsky derivavam de elementos mais simples, sem os quais não seria possível a pintura: o ponto e a linha. Primeiramente, o ponto era examinado enquanto elemento abstrato e geométrico, a partir do qual se derivava todas as outras formas, representava “a união última entre o silêncio e a palavra”. Na linguagem, por exemplo, o ponto sempre foi usado como símbolo de interrupção, ou seja, na escrita esse é seu significado interior. Visto sob o ponto de vista plástico, o ponto era o “resultado do primeiro contato da ferramenta com a superfície material, com o plano”, esse contato entre ferramenta e plano significava que o ponto adquiria maior grandeza através de sua materialização (KANDINSKY, 1970, p. 35). O ponto era visto como a menor forma possível, que, no entanto, podia assumir infinitas

formas maiores. Possuía para Kandinsky a característica de ser conciso, introvertido e sem qualquer tendência ao movimento, sendo a composição mais simples quando o ponto se encontrava no centro de um plano quadrado, pois as tensões entre o plano e o ponto estariam em perfeito equilíbrio (fig. 134).

134. Tensões em equilíbrio.

A linha, segundo elemento analisado por Kandinsky, tinha origem a partir da movimentação do ponto, sendo resultado da ação de uma ou mais forças. A ação de apenas uma força dava origem às linhas retas, que poderiam ser encontradas de três formas: horizontal, vertical ou diagonal, sendo a linha reta considerada por Kandinsky como “ […] a forma mais concisa da infinidade de movimentos“ (KANDINSKY, 1970, p. 61). A linha horizontal, representava superfície, uma base de sustentação, por isso, era considerada fria; a linha vertical, em que o plano foi substituído pela altura, apresentava um caráter quente; e por último a linha diagonal que devido a sua confluência uniforme, 123


possuía ambas as características, o quente e frio. As demais linhas do tipo diagonal eram chamadas de retas livres ou retas sem equilíbrio (chamadas assim, pois não chegariam nunca a um equilíbrio entre calor e frio). Quando a linha sofre o efeito de mais de uma força, elas podem ser de dois tipos diferentes: a primeira, se as forças forem com efeitos alternados, resultava em linhas quebradas; e a segunda, se os efeitos aplicados forem simultâneos, o resultado era a curva, ou linhas ondulantes. As linhas quebradas eram subdividas em três, segundo a amplitude do ângulo: as de ângulo agudo (45˚), ângulo reto (90˚) e ângulo obtuso (135˚).

1. Ação de uma força : linhas horizontais - fria - linhas verticais - quente - linhas diagonais - fria-quente 2. Ação de duas forças: A. Efeito alternado de duas forças, única ou repetida: Linhas quebradas = quente-fria/ fria-quente Divididas em: ângulo agudo 45˚ ângulo reto 90˚ ângulo obtuso 135˚ fora desses ângulos : linha quebrada livre B- Efeito simultâneo de duas forças - curvas ou linhas ondulantes 136. Resumo das forças.

A Teoria das Cores e das Formas Essa parte tinha como intuito descobrir correspondências entre formas e cores, buscando, por meio da síntese, um jeito mais eficiente de comunicação. O conceito central tido como base por

135. Esquerda: retas centrais, direita: retas acentrais.

124

Kandinsky, foi o de temperatura – tópico que desde Goethe, era comum à história da teoria das cores –, pois a partir daí ele fez suas associações de cores e sensações. Apesar desses tópicos de associação entre


cor e temperatura já terem sido abordadas na pintura, o modo como Kandinsky estabeleceu suas relações foi inédito (WICK, 1989). Para se chegar à associação de cores e formas, Kandinsky partiu de suas concepções das cores isoladas e formas isoladas, para em seguida conseguir conciliar de uma maneira mais coerente possível as três cores e as três formas básicas. A linha de pensamento que fez com que Kandinsky chegasse a sua “fórmula” tão conhecida partiu de princípios descritos em suas duas obras teóricas, citadas anteriormente nesse trabalho. Para demonstrar a solução encontrada por Kandinsky serão explicitados a seguir alguns fragmentos escolhidos de seu livro que sequenciaram seu raciocínio, para fornecer uma compreensão mais facilitada. As linhas retas [livres] sem centro comum são as primeiras retas que possuem uma capacidade específica – uma capacidade que as assemelha às cores “vivas”e as distingue do Preto e Branco. Amarelo e azul, nomeadamente, possuem diferentes tensões - de avançar ou recuar. […] Em todo o caso, existe um certo parentesco entre as tensões das linhas retas sem centro comum e as cores vivas (1970, p.66). Se examinarmos as linhas retas esquemáticas – especialmente as linhas vertical e horizontal – quanto às propriedades coloridas, impõese a comparação com preto e branco. […] Se considerarmos a temperatura do preto e do branco, é sobretudo o branco que aparece quente

e o preto absoluto que é interiormente frio (1970, p. 67).

Logo: Forma gráfica linhas retas correspondem horizontal vertical diagonal linha reta livre

Forma pictural cores primárias preto branco vermelho amarelo ou azul

137. Correspondências entre forma gráfica e pictural.

No entanto: O paralelismo Diagonal- Vermelho […] ultrapassam o tema deste livro. […] O vermelho se distingue do amarelo e do azul através de sua propriedade de estar solidamente ligado ao plano; pela sua agitação interior e tensão intrínseca distingue-se do preto e do branco (KANDINSKY, 1970, p. 68).

Esse vermelho referia-se ao que resulta em um cinza neutro.

125


Com isso, concluiu que:

O frio-quente do quadrado e sua natureza francamente plana tendem imediatamente para o vermelho que é intermediário entre o amarelo e o azul, transportando em si características do frio-quente. […] É deste modo que se justifica o paralelismo ângulos retos e cor vermelha (KANDINSKY, 1970, p. 74).

Entre as linhas quebradas, é preciso sublinhar especialmente o ângulo que se encontra entre os ângulos reto e agudo- o de 60˚ ( ângulo reto 30˚, angulo agudo + 15˚). Se aproximarmos dois destes ângulos de modo a formarem um triângulo com os lados iguais - três ângulos pontiagudos e ativos - eles tendem para o amarelo. Assim, o ângulo agudo é interiormente de cor amarela (KANDINSKY, 1970, p. 74).

O ângulo obtuso perde cada vez mais força agressiva e penetrante e o seu calor parecese vagamente, por este fato, com a linha sem ângulos. […] O lado passivo do ângulo obtuso e a tensão quase ausente do seu vértice, dão a este ângulo a sua cor azul (KANDINSKY, 1970, p. 74).

138. Quadrado, triângulo, círculo. Correspondências entre forma e cor.

126

Nas aulas de Kandinsky, as associações não eram feitas apenas com cores primárias, havia correspondências entre as cores secundárias e formas combinadas (fig. 139). Como apontou Wick, em alguns estudos de alunos da Bauhaus, encontram-se combinações como “[…] alaranjado-pentágono, verdesemicírculo com meio hexágono, violeta-semicírculo com meio quadrado, por exemplo” (1989, p. 297).

139. Relações entre as cores e os outros elementos da composição: formas geométricas, ângulos e cores.

O Plano Básico O plano básico era a superfície do material destinada a receber o conteúdo do trabalho, segundo Kandinsky, onde abordava-se a questão das tensões construtivas e dinâmicas, ponto focal, translação dos objetos etc., além das relações com os meios plásticos


elementares. O plano possuía a limitação dos quatro lados, duas limitações horizontais e duas verticais que formavam um quadrado, sendo que os comprimentos das linhas horizontais ou verticais determinavam a forma e tamanho do quadrado. O plano foi dividido em quatro partes, denominados campos de força: superior, inferior, direita e esquerda. As características do lado esquerdo do plano correspondiam à leveza, libertação, por sua vez o lado direito estava mais próximo do “campo inferior”, e produzia o efeito oposto, gravidade e peso, por exemplo. Dessa forma, e após constatar que para cada parte do plano, dentro desse limite, haviam diferentes tensões e resistências, Kandinsky montou o seguinte esquema de distribuição de peso:

140. Plano básico.

127


Considerações

128

A partir dos conceitos apresentados ficou claro que Itten, Albers, Klee e Kandinsky deram uma enorme contribuição à educação artística, por meio de métodos de ensino com caráter diferenciado; e teorias de criação, forma e cores que, intrinsecamente relacionadas, construíram um amplo legado de conceitos, técnicas e reflexões, culminando em uma maior sensibilidade artística para os estudantes. Itten e Albers, devido à sua formação pedagógica, tiveram maior preocupação com a metodologia de ensino propriamente dita, o que foi importante para a abordagem de novos métodos. Concluiu-se que a metodologia de Itten fundamentouse na expressão individual, incitando nos alunos a capacidade de criação artística, por meio da “vivência subjetiva” e da “experimentação objetiva”, que constituíam a totalidade do homem. De acordo com Itten, a primeira deveria ser aplicada, principalmente, nos anos de ensino primário, para a imaginação tomar de conta, sem influências externas ou críticas; e a segunda, nos últimos anos da infância e ao longo da juventude, para uma educação voltada à forma plástica, sem perder o princípio de totalidade. Itten se preocupou em investigar o “efeito estético” das cores, ou seja, o efeito expressivo, chamando a atenção para os contrastes óticos, em que uma cor, quando


justaposta à outra, era percebida de maneira diferente. Albers centrou-se em uma metodologia de ensino voltada à experimentação de materiais, com base na tentativa e erro, no fazer de forma amadora, e no aprendizado por meio da prática. Sua metodologia seguiu um caráter de ensino técnico, em que os exercícios abordavam o pensamento construtivo, relacionado a matérias, que eram responsáveis pelo reconhecimento da superfície externa (textura, estrutura, execução); e materiais, que tinham como intuito desvendar seus aspectos inerentes, por exemplo: estabilidade e resistência. Além disso, em sua metodologia didática, preocupou-se em conscientizar os alunos acerca da relatividade e interatividade das cores entre si, utilizando, para tal, exercícios com métodos indutivos. Embora não acreditassem totalmente nos mesmos princípios pedagógicos, tanto Itten quanto Albers empenharam-se em desenvolver novas formas de ensino, fundamentadas em conceitos, que elevaram tanto a arte, quanto os métodos. Itten era adepto das descobertas por meio do autoconhecimento, ou seja, o individualismo da criança ou do jovem era o caminho para o desenvolvimento artístico. Por outro lado, Albers, que também tinha como base a pedagogia reformista, defendia uma didática voltada à interação do indivíduo

na sociedade, com maior adaptação ao contexto social e comunitário, sendo que, para ele, a ênfase ao desenvolvimento individual não cabia à escola e sim ao trabalho. O que ambos tinham em comum era o fato de acreditarem que a metodologia de ensino não deveria seguir as regras tradicionais, em que os alunos se comportavam mais como ouvintes do que de fato como aprendizes ativos. Klee e Kandinsky foram os responsáveis pelas teorias de criação na Bauhaus, que englobaram tanto aspectos cromáticos quanto as formas. Ambos buscavam um maior entendimento sobre a energia espiritual da matéria, bem como a relação entre música e cor enquanto manifestação da alma. Diferentes dos outros dois artistas apresentados até agora, Klee e Kandinsky dedicaram-se muito mais às teorias de criação, com estudos sobre forma e cor, do que propriamente à metodologia de ensino. Klee entendia a arte como uma metáfora da criação, voltava seu pensamento para uma região que estava além da realidade cotidiana, no equilíbrio cósmico, encontrando na arte a possibilidade de se elevar, e participar dessa esfera transcendental livre das imperfeições da realidade terrestre. A arte e o ensino de Klee tinham como base três aspectos: natureza, movimento e razão-intuição no processo artístico, 129


questões essas, que fundamentaram o pensamento do artista. Para Klee, as relações universais da natureza, em toda a sua complexidade, podiam cooperar com a criação artística; assim como o movimento, que era mais importante pelas forças formadoras do que o resultado propriamente dito. A síntese e a análise foram utilizadas como ponto central na teoria de Klee, que comunicava suas experiências de desenho e pintura por meio da apresentação de suas próprias obras (síntese), dividindo-as em suas partes essenciais (análise). Desse modo, ele se afastava do método de Itten, que propunha uma iniciação individual para a criação artística. Enquanto Klee associou a síntese com o quadro individual, Kandinsky aliou a síntese à noção de uma obra total, combinada com os vários aspectos das artes, logo, o objetivo do ensino, para Kandinsky, era o desenvolvimento da capacidade de conciliar e ordenar teoria e prática. Com isso, partindo desse princípio e das associações estabelecidas em sua teoria da criação, Kandinsky se aproximou muito mais ao método racional, do que das abordagens expressivas e idealistas. O ensino de Kandinsky possuía dois fundamentos: introdução aos “elementos formais abstratos”, que representavam de fato a sua teoria da criação, e abordavam questões referentes às cores e 130

formas individualmente para, em seguida, analisar a associação entre ambas; e ainda, o curso de “desenho analítico”, o qual os estudantes tinham que copiar as tensões e linhas essenciais de uma natureza-morta em vários passos, buscando um resultado abstrato e harmonioso internamente. As cores sempre foram objetos de estudo de Kandinsky, pois representavam um caráter espiritual ligado diretamente à alma, o que o levou a busca pela compreensão da cor com um caráter subjetivo. Partindo das cores elementares: vermelho, amarelo e azul, e das formas básicas: quadrado, triângulo e círculo, Kandinsky chegou a sua associação mais conhecida: o quadrado vermelho, o triângulo amarelo e o círculo azul. A partir de conhecimentos e influências pessoais, esses quatro mestres ligaram o aspecto pedagógico ao artístico, contribuindo com o desenvolvimento de teorias sobre cores e formas que foram aplicadas não só na Bauhaus, como serviram de amplo legado para a arte das mais diversas formas. Além disso, com as metodologias didáticas desses mestres da cor, a proximidade dos estudantes em relação aos fenômenos cromáticos e criativos, permitiam um entendimento mais eficaz.


Curso

Itten

Albers

Klee

- Vorkurs

- Curso preliminar (materiais)

Influências

Metodologia

Cores

- Pegagogia reformista liberal; - Masdeísmo; - Russeau, Pestalozzi, Frobel, Montessori

- Vivência subjetiva e experimentação objetiva; - Expressão individual; - Partir do interior; - Impulso original

- Efeito estético das cores; - Contrastes óticos; - Efeito expressivo das cores

- Pedagogia reformista contrária ao autoritarismo e contra conhecimentos superficiais; - Interação do indivíduo com a sociedade ; - Dewey - só o conhecimento teórico não da base

- Experimentação; - Tentativa e erro; - Uso de diversos materiais e suas características; - Trabalho mais importante que teoria; - Didática indutiva e prática

- Ótica das cores trabalhando com papel; - Não desenvolve uma teoria das cores

- Música; - Síntese e análise - Teoria das Formas - Grupo Blaue Reiter; - Natureza, movimento, razão/intuição

-Manifestações eidéticas e Kandinsky - Aulas de pintura livre sinestésicas; - Teosofia; - Expressionismo; alemão

- Síntese e análise (forma e conteúdo)

- Inicialmente perspectiva teórica

- Caráter expressivo e subjetivo

141. Tabela resumo.

131


132


133


ALBERS, J. Interacción del color. Madrid: Alianza Editorial, S. A., 2010. (Edición revisada y ampliada.) BARROS. L. R. M. A Cor no processo criativo - Um estudo sobre a Bauhaus e a teoria de Goethe. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 3ª ed revisitada: 2009. BAUHAUS : The face of 20th century. Direção : Frank Whitford. Produtor: Janice Hadlou. Irlanda. Produção: Warwick gee, 1994. Disponível em <https:// www.youtube.com/watch?v=H4tB3ZqM1uA > Acesso em : 26 mar. 2018. DONDIS, D. A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997.

REFERÊncias

DROSTE,Magdalena.Bauhaus.Editora TASCHEN,2006. ______ . Magdalena. TASCHEN,2010.

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