Paulo Marcel
“Coisa”
“É a mim que caberá impedir-me de dar nome à coisa. O nome é um acréscimo, e impede o contato com a coisa. O nome da coisa é um intervalo para a coisa. A vontade do acréscimo é grande — porque a coisa nua é tão tediosa. Falar com as coisas, é mudo. Falar com Deus é o que de mais mudo existe. Ainda estou viciada pelo condimento da palavra. E é por isso que a mudez me está doendo como uma destruição. Ah, mas para se chegar à mudez, que grande esforço de voz. Minha voz é o modo como vou buscar a realidade; a realidade, antes de minha linguagem, existe como um pensamento que não se pensa. A realidade antecede a voz que a procura, mas como a terra antecede a árvore, mas como o mundo antecede o homem, mas como o mar antecede a visão do mar, a vida antecede o amor, a matéria do corpo antecede o corpo, e por sua vez a linguagem um dia terá antecedido a posse do silêncio. Eu tenho à medida que designo — e este é o esplendor de se ter uma linguagem. Mas eu tenho muito mais à medida que não consigo designar. E é inútil procurar encurtar o caminho e querer começar, já sabendo que a voz diz pouco. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crúcis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela. A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio”. Clarice Lispector.
Fotos de Paulo Marcel Coelho AragĂŁo Editor Paulo Emman BelĂŠm/Curitiba 2015