2014 4102 mario gioia coordenação bruna fetter coletivo ágata galciani neves josué mattos mario gioia paulo gallina raphael fonseca curadoria
zip’up 2014
O quarto ano do projeto Zip’Up intensificou um movimento que vinha se desenhando faz algum tempo, com a quase totalidade dos projetos sendo de autoria de curadores convidados. A exceção se deu por conta da individual da paulistana Vick Garaventa, com minha curadoria. Na função de coordenador do programa, foi muito interessante ter mais um interlocutor na realização de cada individual, possibilitando uma variedade e uma intensidade de questionamentos e investigações. Isso ficou bastante concreto nas conversas abertas para o público, presentes em quase todas as exposições. Outra característica importante foi tentar contar com nomes que venham das diferentes regiões desse país continental. Assim, Rio de Janeiro (com Raphael Fonseca e Daniela Seixas), Rio Grande do Sul (Bruna Fetter e Fernanda Valadares) e Santa Catarina (Josué Mattos, que escolheu o paulista Gustavo Daré) tiveram espaço nas mostras sediadas na Sala Zip’Up, no andar superior da Zipper Galeria. A destacar ainda que nomes emergentes de outros Estados, radicados agora em São Paulo, também puderam apresentar seus trabalhos, como a cearense Galciani Neves com a conterrânea Patricia Araujo. E coletivos pela primeira vez dentro do projeto assinaram curadorias e individuais – o Ágata,
The fourth year of project Zip’Up intensified a movement that had been taking shape for some time, with almost all of the projects being authored by guest curators. The exception was the individual exhibit of the artist from São Paulo Vick Garaventa, with my curatorship. In the role of program coordinator, it was very interesting to have another party carrying out each individual exhibit, enabling a variety and an intensity of questions and investigations. This became very concrete in the talks open to the public, present in almost all of the exhibits. Another important feature was trying to group names from the different regions of this continental country. Thus, Rio de Janeiro (with Raphael Fonseca and Daniela Seixas), Rio Grande do Sul (Bruna Fetter and Fernanda Valadares) and Santa Catarina (Josué Mattos, who chose São Paulo artist Gustavo Daré) all had their space in the exhibits held at the Zip’Up room, on the upstairs floor of Zipper Gallery. It is important to mention that emerging names of other States, now settled in São Paulo, were also able to present their work, such as artists from Ceará Galciani Neves and Patrícia Araujo. And for the first time within the project, collective curatorships took place - o Ágata, formed by Camila Martins, Juliana Biscalquin and Luciana
formado por Camila Martins, Juliana Biscalquin e Luciana Dal Ri, cuidou da mostra do Garapa, constituído de Leo Caobelli, Paulo Fehlauer e Rodrigo Marcondes. Ambos os agrupamentos já eram parceiros em residência artística promovida pelo MIS-SP em 2014 e puderam aprofundar discussões sobre o fotográfico. A destacar que também na temporada o Garapa ganhou um dos principais prêmios de fotografia em âmbito nacional, o organizado pela revista Zum, ligado ao IMS (Instituto Moreira Salles). E em 2015 Fonseca terá de desempenhar importantes atribuições, sendo curador-assistente da Bienal do Mercosul, além de concorrer ao Prêmio Marcantonio Vilaça. Para a temporada 2015, haverá novidades, como o convite a artistas e curadores estrangeiros, radicados ou não no país. O projeto não poderia passar incólume pela palpável internacionalização do circuito da arte contemporânea no Brasil. Mas isso não significa que o fato de ser do exterior baste – a experimentação e o risco devem estar na pauta, como atestaram as oito individuais que passaram pelo espaço em 2014 (e que até o extrapolaram, como o site specific de Flavia Mielnik). Novamente, agradecimentos a todos aqueles que contribuem para a sua existência e manutenção. Mario Gioia
Dal Ri, oversaw the Garapa exhibit, consisting of Leo Caobelli, Paulo Fehlauer e Rodrigo Marcondes. Both groups were already partners in the artistic residency organized by MIS-SP in 2014 and were able to deepen discussions on the photographic. Also important to highlight that Garapa won a major photography award of the season at the national level, organized by Zum magazine, linked to the IMS (Instituto Moreira Salles). And in 2015 Fonseca will have to play important roles, as assistant curator of the Mercosul Biennial, as well as to run for the Marcantonio Vilaça Award. For the 2015 season, there will be some news, such as the invitation of foreign artists and curators, rooted or not in the country. The project could not go unscathed by the palpable internationalization of the contemporary art circuit in Brazil. But that does not mean that being from abroad is enough – the experimentation and the risk must be on the agenda, as seen in the eight individual exhibits held in the space in 2014 (and which even extrapolated it, such as Site Specific by Flavia Mielnik). Again, thanks to all those who contribute to its existence and maintenance. Mario Gioia
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Mario Gioia Graduado pela ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), coordena pelo quinto ano o projeto Zip’Up, na Zipper Galeria, destinado à exibição de novos artistas e projetos inéditos de curadoria. Entre 2013 e 2014, assinou por tal projeto as curadorias das individuais de Vick Garaventa, Ivan Grilo, Layla Motta, Vítor Mizael, Myriam Zini e Camila Soato. Na temporada 2014, assinou a curadoria de Decifrações (Espaço Ecco, Brasília), coletiva com Artur Barrio, Daniel Senise, Daniel Escobar, Luciana Paiva e Virgílio Neto, entre outros. Em 2013, fez as curadorias da coletiva Ao Sul, Paisagens (Bolsa de Arte de Porto Alegre) e das intervenções/ ocupações de Rodolpho Parigi e Vanderlei Lopes na praça Victor Civita/Museu da Sustentabilidade, em SP. Foi repórter e redator de artes e arquitetura no caderno Ilustrada, no jornal Folha de S.Paulo, de 2005 a 2009, e atualmente colabora para diversos veículos, como a revista Select. É coautor de Roberto Mícoli (Bei Editora), Memória Virtual – Geraldo Marcolini (Editora Apicuri) e Bettina Vaz Guimarães (Dardo Editorial, ESP). Faz parte do grupo de críticos do Paço das Artes desde 2011, instituição na qual fez o acompanhamento crítico de Black Market (2012), de Paulo Almeida, e A Riscar (2011), de Daniela Seixas. É crítico convidado desde 2014 do Programa de Exposições do CCSP (Centro Cultural São Paulo) e fez, na mesma instituição, parte do grupo de críticos do Programa de Fotografia 2012/2013.
Having completed his undergraduate studies at ECA-USP (School of Communication and Arts of the University of São Paulo), Mario coordinates, for the fifth year, project Zip’Up at Zipper Gallery, directed at the exhibition of new artists and unpublished curatorial projects. Between 2013 and 2014, under such this project, Mario curated the individual exhibits of Ivan Grilo, Layla Motta, Vítor Mizael, Myriam Zini and Camila Soato. In the 2014 season, he was the curator of Decifrações (Espaço Ecco, Brasília), a collective exhibit with Artur Barrio, Daniel Senise, Daniel Escobar, Luciana Paiva and Virgílio Neto, among others. In 2013, Mario curated the collective exhibit Ao Sul, Paisagens (Bolsa de Arte de Porto Alegre) and the interventions/ occupations by Rodolpho Parigi and Vanderlei Lopes at Praça Victor Civita/Museu da Sustentabilidade, in Sao Paulo. He was a reporter and editor of arts and architecture in the Illustrated section of the Folha de S. Paulo newspaper, from 2005 to 2009, and currently works for several media channels, such as Select magazine. He is co-author of Roberto Mícoli (Bei Editora), Memória Virtual - Geraldo Marcolini (Editora Apicuri) and Bettina Vaz Guimarães (Dardo Editorial, ESP). Mario has been part of the Paço das Artes critique group since 2011, the institution in which he participated in the critique of Black Market (2012), by Paulo Almeida, and A Riscar (2011), by Daniela Seixas. He has been a guest critic since 2014 in the Exhibit Program of CCSP (Centro Cultural São Paulo and was, at the same institution, part of the critique group of the Photography Program 2012/2013.
ficção geográfica garapa | curadoria: Ágata
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o corpo é eu Patrícia Araujo | curadoria: Galciani Neves
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dissonâncias cognitivas Vick Garaventa | curadoria: Mario Gioia
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de cara pro sol Daré | curadoria: Josué Mattos
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o sétimo continente Fernanda Valadares | curadoria: Bruna Fetter
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paisagem imaginada Camilo Meneghetti | curadoria: Paulo Gallina
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geografia de um lugar contada por ele mesmo Flavia Mielnik | curadoria: Galciani Neves
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drawing error Daniela Seixas | curadoria: Raphael Fonseca
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garapa
ficção geográfica geographic fiction
No conto Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, Jorge Luís Borges mostra como a realidade é construída, mutável e a verdade, facilmente reinventada. Na história, um único exemplar de uma enciclopédia britânica dá condições para que se ateste a existência de um país até então sem registros. Na sequência, uma enciclopédia inteira relata crenças, ideologias, o tipo de linguagem, de literatura, o sistema de contagem e outros aspectos que formam o planeta de Tlön. Os relatos sobre esse território fictício, entretanto, ganham possibilidade de existência quando deixam de se submeter a questionamentos por estarem registrados em um objeto que contém, em si, o poder legitimador do conhecimento, ganhando ainda mais credibilidade quando a história é disseminada pela imprensa. Os documentos, por fim, atrelaram realidade à ficção. Da mesma maneira que os livros carregam a chancela dos saberes, a fotografia empenha-se em sustentar, desde seu surgimento, o dogma de ser prova irrefutável da verdade. A arte, por sua vez, ajudou-a a relativizar esse status e evoca-a como um lugar de criação e reinvenção. A tensão entre o documento e a ficção está posta no trabalho apresentado pela Garapa.
In his short story Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, Jorge Luís Borges shows how reality is constructed, changeable and how the truth is easily reinvented. In the story, a single copy of an Encyclopaedia Britannica indicates the existence of a country previously unrecorded. Then, an entire enyclopaedia describes the beliefs, ideologies, kind of language, literature, counting system and other aspect that form the planet of Tlön. The reports of this fictitious land, however, start to assume possibilities of actual existence when they are no longer subjected to challenges for being registered in an object that contains, in itself, the legitimating power of knowledge, and gain even more credibility when the story is spread by the press. The documents end up binding reality to fiction. In the same way that books carry the stamp of knowledge, photography has striven, since its emergence, to support the dogma of being irrefutable proof of the truth. Art, in turn, has helped it to relativize this status and calls on it as a platform for creation and reinvention. This tension between document and fiction is poised in the work presented by Garapa. This collective, formed in 2008 by the journalists 9
O coletivo formado em 2008 pelos jornalistas e fotógrafos Leo Caobeli, Paulo Fehlauer e Rodrigo Marcondes, tem como ponto de partida o factual: o acontecimento histórico, as relações entre culturas e países, o arquivo particular ou público. Embora imbuídos de contextos concretos, ultrapassam os seus sentidos originais e alcançam um território onde a dúvida impera sobre as certezas irrompidas pelas imagens e textos que compõem as obras.
1. Fontcuberta, Joan. O beijo de Judas: fotografia e verdade. Tradução: Maria Alzira Brum Lemos. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2010, p.125
and photographers Leo Caobeli, Paulo Fehlauer and Rodrigo Marcondes, takes the factual as its starting point: historical events, relations between cultures and countries, private or public files. Although imbued with concrete contexts, they transcend their original meanings and reach a territory where doubts reign over the certainties unbroken by the images and texts that compose the works.
Traço ainda mais marcante e reconhecível ao se olhar os trabalhos desenvolvidos pelo coletivo no ano de 2013 e postos em diálogo aqui. A Margem, Dissonante,vago, Calma e o inédito Doble Chapa são hipóteses sobre o real que se diluem entre provas reticentes, histórias imaginadas e personagens fictícios. Evidências titubeantes, irreais, mas nem por isso falsas. Capazes de provocar o interlocutor a suspeitar saudavelmente das imagens e a confiar mais na capacidade singular da ficção expressar a realidade das coisas.
This feature is even more striking and recognizable when one considers the works developed by the group in 2013 and presented here. A Margem, Dissonante,vago, Calma and the previously unseen Doble Chapa are hypotheses about the real that are diluted among reticent proofs, imagined stories and fictitious characters. Stuttering, unreal evidence, but nonetheless not false. Capable of provoking the interlocutor into being healthily suspicious of the images and trusting more in the unique capacity of the fiction expressing the reality.
Joan Fontcuberta diz que o real se funde com a ficção e que a fotografia pode “devolver o ilusório e o prodigioso às tramas do simbólico, que costumam ser finalmente as verdadeiras caldeiras onde se cozinha a interpretação de nossa experiência, isto é, a produção de realidade1”. Ao mesmo tempo que a objetividade fotográfica perde sua força doutrinal, vive-se um mundo que, cada vez mais, se comunica por imagens. Parece ser extremamente necessário, portanto, perguntar-nos: então, que dose de confiança depositar nelas?
Joan Fontcuberta says that reality merges with fiction and that photography can “return the illusionary and prodigious to the plots of the symbolic, which usually end up being the genuine boilers where interpretation of our experience is cooked, that is, reality is produced.1” While photographic objectivity loses its doctrinal strength, we are living in a world that is increasingly communicated by images. It would, therefore, seem extremely necessary to ask ourselves: so, how much trust can we place in them?
Ao procurar problematizar o que se entende por construção de realidade em diferentes trabalhos, a Garapa desenha uma pequena geografia de sua criação. Elege trabalhos que sobrepõem camadas, dissecam uma temática e rompem fronteiras, de gênero e de linguagem, já que explorar a imagem em suas potencialidades é parte fundamental da pesquisa do coletivo. Momento oportuno, inclusive, para trazer a público o seu primeiro filme. Produzido em parceria com o coletivo uruguaio Dokumental, Doble Chapa discorre sobre a vida na fronteira entre o Brasil e o Uruguai, territórios separados por uma linha política e simbólica, mas que pouco faz sentido na vida cotidiana, na formação da identidade, nas relações entre as pessoas. Uma linha insistente que tenta apartar o que não se difere.
By seeking to question what is understood by the construction of reality in different works, Garapa outlines a small geography of its creation. It elects works of overlapping layers, that dissect a theme and break through boundaries, of genre and of language, seeing as exploring the capabilities of the image is a fundamental part of the collective’s studies. It is, thus, a timely opportunity to bring their first film to the public. Produced in partnership with the Uruguayan collective Dokumental, Doble Chapa talks about life on the border between Brazil and Uruguay, territories separated by a political and symbolic line, but that makes little sense in everyday life, in the formation of identities, in the relations between people. An insistent line that tries to set apart that which does not differ.
Ao tomar emprestado o termo de Euclides da Cunha, Ficção Geográfica questiona o caráter tangível da realidade e dos documentos, dispondoos como construções, nesse caso, artísticas.
Borrowing the term from Euclides da Cunha, Ficção Geográfica [Geographic Fiction] questions the tangible character of reality and of documents, arranging them as, in this case artistic, constructions.
Ágata
Ágata
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A MARGEM, 2013 Garapa pigmento mineral em papel de algodĂŁo [mineral pigment on cotton paper] 575 x 180 cm [226.4 x 70.9 in]
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ESCALA CROMĂ TICA, 2013 Garapa pigmento mineral em papel de algodĂŁo [mineral pigment on cotton paper] 300 x 160 cm [118.1 x 63 in]
ODE AO JOELMA, 2013 Garapa, Lana Mesic e Thomas Kuijpers pigmento mineral em papel de algodão [mineral pigment on cotton paper] 150 x 90 cm [59 x 35.4 in]
DISSONANTE, VAGO, 2013 Garapa estudo para publicação impressa [study for printed publication]
DOBLE CHAPA, 2013 Garapa e Dokumental documentário, captação digital [documentary, digital capture] 26’
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patrĂcia araujo
o corpo é eu: diários sobre a distância the body and I: diaries about distance
Uma escritura do corpo se dá na manufatura do tempo. Em invólucros não para esconder, mas para ser; no desenho do avião ou dentro de si; em vestígios que se dispersam pela casa e no desejo de se atirar ao mundo, Patrícia Araujo manuseia acontecimentos para depois revesti-los do que causa aquilo que está longe. Sua primeira mostra individual apresenta um percurso no qual a imagem é um dispositivo que equaciona e, ao mesmo tempo, se deixa atravessar por arquivos como metáfora de episódios e expressões performáticas, a partir de distintos fazeres: vasculhamento de espaços e memórias, reconstituindo-os à existência, autoconfissões estruturadas como narrativa, dinâmicas em que se coloca em risco. A poética de Patrícia Araujo direciona-se em busca do devir das ações, da maneira como os fatos são acessados e da faísca que os faz novamente despertar como presente. Seus processos incluem remanejos de tempos. Nessa tradução temporal, a artista tece ficções contornadas por uma realidade que subverte os limites tempo/espaço/sujeito. E de um corpo-morada faz transbordar os lugares por onde passou, o tempo gasto em ser, as dimensões políticas e afetivas que experimentou, evidenciando narrativas e instâncias do agora, de algo ainda acontecendo.
A deed of the body comes about in the crafting of time. In casings that are not meant to hide, but just to be; in the drawing of the aeroplane or within itself; in vestiges scattered around the house and in the desire to launch oneself into the world, Patrícia Araujo manipulates happenings to then coat them with what causes that which is afar. Her first solo exhibition brings a voyage in which the image is a device that equates to and, at the same time, is allowed to be traversed by files as a metaphor for episodes and performative expressions, based on distinct actions: sweeping spaces and memories, reconstituting them into existence, selfconfessions structured as narrative, dynamics in which one is placed at risk. Patrícia Araujo’s process is aimed at finding the becoming of actions, the way in which facts are accessed and the spark which reignites them as the present. Her processes include rearrangements of times. In this temporal translation, the artist weaves fictions surrounded by a reality that subverts the limits of time/space/ subject. And from a body-home, she causes the places she has visited to overflow, the time spent in being, the political and affective dimensions she has experienced, demonstrating narratives and instances of now, of something still occurring. 21
Assim, faz seu corpo lograr outros códigos e imprevisibilidades, deslocando-se entre o possível e o imaginário e enunciando marcas e tramas da presença do que pode precocemente esvair-se. O corpo torna-se dicionário de ações e de condutas impermanentes, cartografia de lugares. Retém rios, fendas, sertões, céus, disfarces, pedras que negam a descrição de paisagem, pois sugerem um ambiente que rompe com o mero e cronológico uso do tempo como representação da percepção do espaço, criando um instável compêndio de experiências a serem compartilhadas.
Thus, she makes her body attain other codes and instances of unpredictability, shifting between the possible and the imagined, announcing marks and meshes of the presence of that which might precociously fade away. The body becomes a dictionary of temporary actions and conducts, a map of places. It retains rivers, fissures, arid hinterlands, skies, disguises, rocks that deny the description of landscape, as they suggest an environment that breaks from the mere and chronological use of time as representation of our perception of space, creating and unstable compendium of experiences to be shared.
Como garrafas ao mar, acolhendo e deixando levar-se por fluxos, Patrícia Araujo tem o estado de migração como procedimento e matéria-prima. É nestas experiências de trânsito, de não pouso, de intenso vagar que a artista explora as bordas do registro fotográfico, da imagem que não se quer apenas índice de uma passagem. Este é o seu território de linguagem, de experimentação: o que mostra são esboços de tempos, uma suposta exterioridade e “presenticidade” da fotografia. Há nesse jogo um enunciado de fusão entre aquilo que acorda uma lembrança, objetos e gestos que (re)encenam dramas e o esforço por manter-se num exercício de vigília: retornando, re-escrevendo, dando forma às palavras, à casa, aos vazios, aos deslocamentos, ao próprio corpo mudando sempre de lugar.
Like bottles in the sea, taking in and allowing to be taken out by currents, Patrícia Araujo uses the state of migration as both procedure and raw material. It is in these experiments with traffic, with not landing, with intense wandering that the artist explores the borders of photography, of the image that does not strive only for the index of a passage. This is her territory of language, of experimentation: what it shows are sketches of times, a supposed exteriority and “presentness” of photography. In this game there is a statement of fusion between that which arouses a memory, objects and gestures that (re)enact dramas and the effort to continue in a state of surveillance: returning, rewriting, giving form to the words, to the home, to the voids, to the shifts, to the body itself forever moving from places.
Galciani Neves
Galciani Neves
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DA SÉRIE SISTEMA DE CONDUÇÃO, 2013 Patrícia Araujo fotografia impressa em azulejo [photograph printed on tile] 15 x 15 cm [5.9 x 5.9 in]
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ABSURDO, 2011-14 Patrícia Araujo registro de ação em fotografia [photographic record of action] 50 x 75 cm [19.7 x 29.5 in]
UM/OUTRO, 2012 Patrícia Araujo vídeo performance [video performance] 2’24’’
BEIRA, 2013 Patrícia Araujo vídeo performance [video performance] 9’15’’
CONTROLE DE TRÁFEGO AÉREO, 2011 Patrícia Araujo vídeo performance [video performance] 04’10’’
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PASSAGENS, 2012 Patrícia Araujo registro de ação em fotografia [photographic record of action] 60 x 60 cm [23.6 x 23.6 in]
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vick garaventa
dissonâncias cognitivas cognitive dissonances
desarmonias
inharmonies
A exposição Dissonâncias Cognitivas, da artista paulistana Vick Garaventa, vem em um momento muito oportuno. Tempos em que olhar o outro pode ser arriscado, em que a construção de uma imagem por vezes pouco conectada com o real é almejada a fórceps, para que uma suposta insignificância pessoal seja sepultada. Um mundo em que cenas de exclusão e intolerância se sucedem – há exemplos recentes e variados, que certamente logo serão substituídos por outros, como as barcas de imigrantes africanos a naufragar em Lampedusa, os desastres da guerra química na Síria, os inúmeros flagelos humanos África adentro.
The exhibit Cognitive Dissonances, by the artist Vick Garaventa from São Paulo, comes at a very opportune moment, in a time when looking at another can be risky, and where the construction of an image – often disconnected with that which is real – is achieved by forceps, so as to bury a supposedly personal insignificance. A world in which scenes of exclusion and intolerance succeed each other – and of which various recent examples exist, certainly soon to be replaced by others, such as the sinking of barges of African immigrants in Lampedusa, the disasters of the chemical warfare in Syria, the numerous human scourges throughout Africa.
Pois bem, Garaventa constroi em sua estreia em galerias um espaço marcado pela justaposição. Fragmentos são colocados lado a lado e, por vezes, têm elos uns com os outros. Contudo, apesar da enumeração, não há um caráter de normatização e classificação exaustiva. Cada pedaço parece buscar a sua individualidade e guarda tais traços particulares. Não há um discurso unificador e totalizante que poderia remeter a práticas como a frenologia – ciência hoje esquecida mas que teve adeptos fervorosos séculos atrás, a partir da dedução de características morais a partir do formato da cabeça – e horrores como a eugenia –
On her debut in a gallery, Garaventa constructs a space marked by juxtaposition. Fragments are placed side by side, and are at times linked to each other. However, despite the enumeration, the work is not characterized by standardization and exhaustive classification. Each piece seems to seek its own individuality, thus holding its particular traits. There isn’t really one single unifying and summating discourse that could refer to practices such as phrenology – a science which, although currently forgotten, had fervent supporters centuries ago, and which deducted moral characteristics from the shape of the skull – and horrors such as eugenics, wielded by the 33
1. Mais informações no site da artista visual Isis Gasparini em: http:// isisgasparini. com.br/portfolio/ jacques-aumontna-ecole-debeaux-arts/ 1. More information on the website of visual artist Isis Gasparini, at: http:// isisgasparini. com.br/portfolio/ jacques-aumontna-ecole-debeaux-arts/
empunhada pelos nazistas como base do extermínio de ‘degenerados’ e ‘anormais’.
Nazis as the basis for the extermination of the ‘degenerate’ and ‘abnormal’.
Há elementos mais utilizados – o crânio, o esqueleto, os ossos, que evocam relevantes momentos da história da arte, como a vanitas nas naturezas-mortas dos Países Baixos e em outras correntes anteriores. Tendo mais a ver com a finitude e o lidar com a incompletude do que somente com a vaidade, vanitas, em Dissonâncias Cognitivas, guarda elos com um olhar humanista. O teórico francês Jacques Aumont discorre brilhantemente sobre a atualidade do conceito em curso semestral na École des Beaux Arts, em Paris, indo de Schiele e Munch, passando por Bergman, até desembocar em Marte Ataca! (1996), de Tim Burton1.
There are frequently used elements – skulls, skeletons, bones – which evoke relevant moments in art history, as the vanitas in the still life of the Netherlands, and in other previous genres. Being more about finiteness and about dealing with incompleteness, than about just vanity itself, vanitas, in Cognitive Dissonances, holds links to a humanistic view. The French theorist Jacques Aumont brilliantly discourses about the current relevance of the concept in a semester course at the Ecole des Beaux Arts in Paris, covering from Schiele and Munch, to Bergman, and to Mars Attacks! (1996), by Tim Burton1.
Uma saudável fluidez de linguagens e formatos domina a exposição. Há desde as pinturas que tornaram Garaventa mais conhecida em seus anos de formação na Faap, porém há espaço para o tridimensional _ com apropriações das mais relevantes, como Jack, a representar ser lendário do interior dos EUA, coletado quando a artista morou lá _ , a gravura e, em especial, o desenho. Os traços e linhas tão habilmente manipulados por Garaventa apontam para uma tendência forte entre jovens artistas mundo afora, o da produção caprichada feita com as próprias mãos, talvez uma resposta que sirva de contraposição a um mundo excessivamente desenvolvido no campo virtual.
A healthy flow of languages and formats predominates the exhibit. Ranging from the paintings for which Garaventa became known in her formative years at FAAP, to the threedimensional – with the uttermost relevant appropriations, such as Jack, representing a legendary character from the countryside of the United States, collected when the artist lived there – to engravings, and to drawings in particular. The traces and lines so skillfully manipulated by Garaventa point to a strong trend among young artists worldwide: that of elaborate handmade productions – perhaps a response that serves as contrast to a world excessively developed in the virtual realm.
Dissonâncias Cognitivas, assim, certamente deixa de lado a bizarrice e a ridicularização que poderiam permear o conjunto de imagens e ideias trabalhadas na produção da artista paulistana, como uma visada apriorística poderia concluir. Antes de tudo, a contemporaneidade da obra de Vick Garaventa quer rever os arquivos, os gabinetes e as classificações, mas entender e investigar a complexidade do humano, também destacando o malfeito, o precário e o efêmero, tão profundamente cotidianos e próximos. Mario Gioia
Cognitive Dissonances certainly leaves aside the creepiness and ridicule that could permeate the set of images and ideas in the production of the artist, as could be concluded at first glance. First and foremost, the contemporaneity of the work of Vick Garaventa aims to review the files, cabinets and classifications, and to understand and investigate the complexity of the human, also highlighting the shoddy, the precarious and the ephemeral, so deeply habitual and close. Mario Gioia
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PAINTINGS DON’T DIE, THEY JUST GO TO SLEEP, 2014 Vick Garaventa acrílica e óleo sobre tela [acrylic and oil on canvas] 220 x 140 cm [86.6 x 55 in]
ARTÍCULOS DOS APÊNDICES DE ARTÓPODES OU FALANGES, 2013 Vick Garaventa nanquim sobre papel [ink on paper] 15 x 30 cm [5.9 x 11.8 in]
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DENTES SIAMESES, 2012 Vick Garaventa nanquim e letraset sobre papel [ink on paper] 77 x 57 cm [30 x 22.4 in]
SEM Tร TULO, 2014 Vick Garaventa vertebra animal e papel [animal vertebra and paper] 10 x 10 cm [3.9 x 3.9 in]
TATTLE-TAIL, 2014 Vick Garaventa resina, ossos, madeira e aรงo [resin, bones, wood and steel] 160 x 50 x 50 cm [12.5 x 19.6 x 19.6 in]
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DESMODUS SAPIENS, 2014 Vick Garaventa nanquim sobre papel [ink on paper] 32 x 60 cm [12.5 x 23.6 in]
SEM TÍTULO, 2014 Vick Garaventa nanquim sobre papel [ink on paper] 31 x 25 cm [12.2 x 10 in]
SEM TÍTULO, 2013 Vick Garaventa acrílica sobre tela [acrylic on canvas] 6 x 9 cm [2.3 x 3.5 in]
SEM TÍTULO, 2014 Vick Garaventa nanquim e aquarela sobre madeira preparada [ink and watercollor on wood] 25 x 20 cm [9.8 x 7.8 in]
SEM TÍTULO, 2014 Vick Garaventa gravura em metal [etching] 28 x 26 cm [11.2 x 10.2in]
JACK, 2013 Vick Garaventa taxidermia e madeira [taxidermy and wood] 44 x 23 x 31 cm [17.3 x 9 x 12.2 in]
SEM TÍTULO, 2014 Vick Garaventa porcelana fria, tinta acrílica e madeira [cold porcelain acrylic paint and wood] 16 x 27 x 17 cm [6.2 x 10.6 x 6.6 in]
POR UNA CABEZA (TRIPTICO), 2012 Vick Garaventa óleo sobre tela [oil on canvas] 52 x 76 cm [20.4 x 30 in]
ÁRIA, 2011 Vick Garaventa nanquim, aquarela e pastel seco sobre papel [ink, watercollor and dry pastel on paper] 66 x 45 cm [12.5 x 17.7 in]
AQUÉM, 2014 Vick Garaventa nanquim sobre papel [ink on paper] 38 x 33 cm [15 x 13 in]
SEM TÍTULO, 2014 Vick Garaventa acrílica sobre tela [acrylic on canvas] 9 x 9cm [3.5 x 3.5 in]
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darĂŠ
de cara pro sol
retratos cifrados
encoded portraits
Diante do sol, de cara para ele, a cegueira é inevitável. É ela quem aparece em primeiro plano e, pelo menos de modo parcial, anuncia certa embriaguez, vertigem ou um simples, mas não menos estrondoso, estado de êxtase. A temporária deficiência ocular é resultado do contato de dois organismos vivos e é vista como potência por entender que a perda, a falta e o fracasso nunca chegam sem estar acompanhados de ganhos improváveis ou de possibilidades surpreendentes. O fenômeno ocorrido depois do contato do olho com os raios da estrela solar, quando traduzido como perda – neste caso da visão –, encontraria paralelos com a pele, a terra e a água. É que em sua condição ambígua, estando simultaneamente perto e longe, sendo vital, mortal e luz, o sol provoca desejo, mas também repele. E, nos últimos tempos, a necessidade de algum produto que nos proteja de seus raios acentua ainda mais este ponto. Em compensação, é ele quem toma para si a responsabilidade por extinguir a escuridão que aterroriza o homem desde que o mundo é mundo. Daí o fato de a descoberta do fogo abrir para processos socializantes, e o surgimento da eletricidade se tornar, em certo grau, marco para pensar o mundo moderno. Ambos são modos de sanar os momentos de ausência do sol em determinadas partes do globo. E se ele não está presente o tempo todo por aqui é justamente para
Before the sun, in his face, blindness is inevitable. And it is she who appears in the foreground and, at least partially, announces a certain intoxication, vertigo or a simple, but no less forceful, state of ecstasy. The temporary ocular deficiency results from contact between two living organisms and is seen as a power, on the understanding that any loss, lack or failure never come about without being accompanied by unlikely gains or surprising possibilities. The phenomenon that occurs after eye contact with sun beams – when translated as loss, in this case of one’s sight – could be compared to skin, land and water. It is that in its ambiguous condition, being simultaneously near and far, being vital, mortal and light, the sun provokes both desire and repulse. And, in recent times, the need for some product that protects us from its rays further accentuates this point. On the other hand, it is the sun that takes on the responsibility to extinguish the darkness that has terrorised man since he has walked the earth. Hence the fact that the discovery of fire led to socializing process and the emergence of electricity became, to a certain degree, a milestone in the modern world. Both are ways of curing the sun’s temporary absence in parts of the world at a given time. And if it is not present the whole time right here, that is precisely to attenuate its ambiguity: when excessively present, its rays 47
atenuar a sua ambiguidade: presente em demasia, os seus raios queimam, torrificam e produzem aridez; muito ausente, tudo enfraquece, mingua ou é extinto do que restar do mundo.
burn, toast and produce aridity; when too absent, everything grows weak, dwindles or is extinct from what is left in the world.
Contudo, para onde iria este texto se ousasse tão ingenuamente anunciar que, tanto quanto o calor, a luz é identidade primordial do sol? Não seria melhor reservar essa afirmação contundente para outros canais de comunicação, visto que a redundância pode acabar por reprimir o enunciado que quer tornar claro o fato de que nada e ninguém é estável neste sistema planetário. O que intende pensar em um momento hipotético, provavelmente dotado de uma temporalidade geológica, quando inclusive o sol apagaria a sua luz. Enquanto isso, evitando o devaneio que facilmente De cara para o sol propicia, parece mais cabível pensar no quanto a luz também pode ofuscar e levar ao desvario. E se é bem verdade que nada disso altera de maneira significativa o convívio com essa estrela – já que ela sempre foi ativadora de cegueira, mesmo sendo quem possibilita a visibilidade de coisas e a permanência temporal do sujeito sobre a Terra – teria provavelmente alguma relevância afirmar o quanto a sua luz em demasia faz desatinar. Mas, demasia é outra “obviedade ululante” que busca escapar ao que interessa, porque ela não convence a priori que a intenção primeira deste texto é interrogar os clichês nos quais estão envoltos princípios que regem discursos sobre a busca pelo equilíbrio na vida.
However, where would this text go next if it were to naively announce that, as much as heat, light is the primordial identity of the sun? Would it not be better to reserve this categorical assertion for other channels of communication, seeing as redundancy can end up quelling the statement that makes it clear that nothing and no-one is stable in this planetary system. What is the point of thinking of a hypothetical moment, probably furnished with a geological temporality, when even the sun will put its light out. Meanwhile, avoiding the reverie easily caused by De cara para o sol [Facing the sun], it seems more fitting to think about the extent to which light can also obscure and lead to madness. And while it is quite true that none of this changes our significant way of living with this star – as it has always been a trigger of blindness, even though it enables the visibility of things and the temporal permanence of the subject on Earth – it would probably be somewhat relevant to assert how its light in excess can drive one mad. However, excess is another “blatant obviousness” that seeks to escape what is of interest, because it does not convince a priori that the primary intention of this text is to question the clichés entangled in the principles that structure arguments about the search for balance in life.
Mas, por trás disso tudo, ouve-se uma voz que não consegue calar enquanto não manda ao
But, behind all this, a voice can be heard that will not be silenced until it has sent to hell this
inferno esse tanto de clichês que acabaram por destoar a escrita de seu centro de interesse, cegando a mim, que escrevo para buscar nesse exercício alguma proximidade com a série de pinturas de Daré, recém-encomendadas por amigos e familiares. Não obstante, algo precisa ser acordado de imediato: o clichê é uma saída para encarar De cara para o sol, evitando divagar apenas na cegueira que lhe é decorrente. É que engendrar clichês com o valor da divagação, neste caso, toca precisamente em desalinhamentos que abrem para possíveis remontagens do modo como vemos ou nos cegamos diante de tantas situações corriqueiras. E as pinturas não os escondem; elas deliberadamente assumem que é de clichê que querem tratar. Pelo menos até que algo de maior contundência possa ser dito ou percebido, já que a cegueira faz parte do negócio.
pile of clichés that, blinding me, end up distorting the script of central interest which I write to find some parallel with the series of Daré’s paintings, recently commissioned by friends and family. Nevertheless, something needs to be agreed right away: a cliché is a way out to confront De cara para o sol, avoiding just rambling around in the blindness it causes. It is that engendering clichés with the value of the rambling, in this case, touches precisely on mismatches that open up possible reassembled ways in which we see or are blinded before so many common situations. And the paintings are not hidden; they deliberately assume that it is cliché that we want to talk about. At least until something more categorical can be said or perceived, bearing in mind that blindness is involved here.
Uma chita colada sobre o contorno das figuras retratadas no quadro sugere que alguma brasilidade forçada esteja no ar. É que a luz do sol e a profusão de cores do país permanecem promessas aos crédulos e incrédulos, anunciando gozos inigualáveis durante os muitos dias de verão, riqueza do país “bonito por natureza”, repleto de incongruência no modo como convive com o simbólico já presente por aqui antes que se chegasse com tanta soberba descabida e destrutiva. Chita que desvela e desvenda mundos e fundos. Uma popularidade mantida como artifício da profusão e exuberância com a qual são propagadas as imagens do Brasil. Enquanto isso, aqui tudo é – o que data de outros carnavais – a ruína do puxadinho em perpétua reforma. Isso
A calico glued over the outline of the figures portrayed in the painting suggests some forced Brazilianess in the air. It’s that the sunlight and profusion of colours of the country remain as promises to the believing and disbelieving, announcing unparalleled delights for several summer days, the wealth of the “naturally beautiful” country, full of incongruence in the way in which it lives with the symbolic that has been around before it arrived with such uncontrolled and destructive superbia. Calico that unveils and discovers worlds and beyond. A popularity maintained as an artifice of profusion and exuberance with which images of Brazil are propagated. Meanwhile, here everything is – dating back to other carnivals 49
porque o dinheiro para o restauro não sairá, e a ideia de que permanecemos em construção já não engana mais ninguém. Há também a farra, outro modo de traduzir ao sujeito pouco familiarizado com o país uma especificidade tipicamente brasileira: a de dissimular o real espetáculo dessa região dos trópicos, onde a dita estrela brilha com maior intensidade, favorecendo a cegueira sobre o descaso que paira em diferentes instâncias. Daré mostra obras encomendadas previamente. Nada está à venda, porém tudo é possibilidade para especulações futuras. Cada obra, vendida pelo artista a amigos e familiares, é de propriedade dos retratados. Ele vive no interior. Veio à capital com o intuito de aceitar encomendas da obra De cara para o sol, série de pinturas cujo processo de trabalho pode provocar coceiras e repudiar muitos dos artistas autônomos contemporâneos, que pregam uma postura cuja praticabilidade é mantida nos arquivos de seus ateliês, favorecendo, não raro, um enredamento em sistemas de enriquecimento patrimonial de abastados que egoisticamente guardam seus tesouros longe das vistas do público. O que acaba por tornar o artista um produtor de objetos de luxo com alguma possível validação simbólica, mas, antes disso e, sobretudo, com grandes possibilidades de valoração econômica. Por isso Daré resolveu acrescentar à exposição o seu commodity artista-obra, um estudo especulativo que tem por fim a construção de uma “Câmara Reguladora para o Mercado de Arte”. Nesse contexto, o processo é simples: trata-se de equações para a efetivação de encomendas de retratos. A figura retratada respeitará a fórmula de
– the ruin of the extension in perpetual reform. This is because the money for the restoration will never materialise, and the idea that we are still being built no longer holds any weight with anyone. There is also the partying, another way of translating to anyone who is not very familiar with Brazil, a typically Brazilian peculiarity: that of disguising the real spectacle of this tropical region, where the said star shines brighter, favouring blindness over the neglect that looms over various instances. Daré shows previously commissioned works. Nothing is for sale, but anything might feature in future shows. Each work, sold by the artist to friends and family, belongs to the portrait subjects. He lives in the countryside. He came to the capital to take orders for De cara para o sol, a series of paintings based on a work process that might cause discomfort and repudiate many independent contemporary artists, who preach a posture with a practicality kept in the files of their studios, often favouring an entanglement in systems of wealth expansion of the well-off who selfishly keep their treasures out of the public view. This ends up turning the artist into a producer of luxury objects which have the potential to gain symbolic validation, but, moreover, have even more potential to appreciate economically. That is why Daré has decided to add to his exhibition his artist-work commodity, a speculative study that aims to build a “Regulatory Chamber for the Art Market”. In this context, the process is a simple one: it involves equations for making the portrait orders. The portrait subject
valor para a encomenda de uma pintura feita pelo artista, considerando informações registradas pela “Câmara Reguladora” em seu artigo único, que se estrutura com os seguintes itens: 1) o índice de massa corporal do artista; 2) a cotação diária do grama de ouro; 3) a superfície da tela onde será produzida a pintura e 4) IEF, o “índice especulativo de futuro”, com o qual é possível identificar, de acordo com a participação do artista em eventos de diferentes naturezas, um reconhecimento perene e sempre crescente no sistema mercadológico.
shall respect the value formula for the order of a painting by the artist, considering information registered by the “Regulatory Chamber” in its single article, which is structured by the following items: 1) the artist’s body mass index; 2) the daily gold price per gram; 3) the surface of the canvas on which the painting will be produced and 4) IEF, the “speculative future index”, with which one can identify, according to the artist’s participation in different kinds of events, a lasting and evergrowing form of recognition in the market system.
Como se o IEF e os outros itens da “Câmara Reguladora” não bastassem para ironizar a condição de todo artista – no que concerne à íntima ou remota relação com circuitos mercadológicos – como visto, em De cara para o sol os retratos são voluntariamente aliados às condições indiligentes do sujeito em relação à paisagem. Mas também interessa pensar as distâncias e proximidades deste com a estrela solar, assim como as implicações nem tanto especulativas sobre a demasia vista como base para um regime relacional comprometedor. E, o fato de os retratos serem produzidos com fotografias em que o retratado olha para o sol por algum instante até ficar minimamente cego, lacrimejar ou entrar em algum estado de gozo, ativa com a experiência em si outras cifras que qualificam o conjunto de obras realizadas e por vir.
As if the IEF and other items of the “Regulatory Chamber” were not enough to satirise every artist’s condition – in terms of his intimate or remote relationship with the market – as is evident in De cara para o sol the portraits are voluntarily associated to the nonchalant conditions of the subject in relation to the landscape. But, it is also interesting to consider the distance and proximity between the subject and the sun, as well as the not so speculative implications on the excess seen as a base for a compromising relational regime. And, the fact that the portraits are produced with photographs in which the subject looks to the sun until momentarily blinded, watery-eyed or entering some state of enjoyment, this engages, with the actual experience, other codes that qualify the set of works made and yet to come.
Josué Mattos
Josué Mattos
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DE CARA PRO SOL: ENY, 2014 Daré tecido, acrílica, óleo e alquídica sobre tela [fabric, acrylic, oil and alkyd on canvas] 120 x 80 cm [47.2 x 31.5 in]
DE CARA PRO SOL: RAFAEL E CARLA, 2014 Daré tecido, acrílica, óleo e alquídica sobre linho [fabric, acrylic, oil and alkyd on linen] 150 x 100 cm [59 x 39.4 in]
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DE CARA PRO SOL: CÉLIA, 2014 Daré tecido, acrílica, óleo e alquídica sobre tela [fabric, acrylic, oil and alkyd on canvas] 90 x 70 cm [35.4 x 27.5 in]
DE CARA PRO SOL: JOÃO CARLOS, 2014 Daré tecido, acrílica, óleo e alquídica sobre tela [fabric, acrylic, oil and alkyd on canvas] 150 x 100 cm [59 x 39.4 in]
DE CARA PRO SOL: JOSÉ, 2014 Daré tecido, acrílica, óleo e alquídica sobre tela [fabric, acrylic, oil and alkyd on canvas] 120 x 90 cm [47.2 x 35.4 in]
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DE CARA PRO SOL: ADRIANA E COSTI, 2014 Daré tecido, acrílica, óleo e alquídica sobre tela [fabric, acrylic, oil and alkyd on canvas] 120 x 100 cm (em andamento) [47.2 x 39.4 in (in progress)]
DE CARA PRO SOL: LOLÔ, MAURÍCIO E PIPOCA, 2014 Daré tecido, acrílica, óleo e alquídica sobre tela [fabric, acrylic, oil and alkyd on canvas] 90 x 80 cm [35.4 x 31.5 in]
ARTISTA COMMODITY, 2014 Daré plataforma de relacionamento comercial a ser aplicada pelo artista durante a execução da série De Cara pro Sol [commercial relationthip platform to be applied by the artist during the execution of the series De Cara pro Sol / Facing the Sun]
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fernanda valadares
o sĂŠtimo continente the seventh continent
O mundo contemporâneo está pautado por uma constante aceleração. As tecnologias de comunicação possibilitam a circulação de um volume de informações a uma velocidade nunca antes vista. Novas escalas de mensuração do tempo são criadas para tentar apreender numericamente aquilo que a percepção humana não alcança. Nanossegundos e picossegundos fazem parte de um vocabulário técnico que se dissemina em nosso cotidiano. E que, de tão abstratos, passam a ser compreendidos como metáfora da rapidez da vida, da passagem dos minutos, horas, dias1.
1. Virilio, Paul. Negative Horizon: An Essay in Dromoscopy. Continuum Publishing, 2006, 227 p.
The contemporary world is marked by a constant acceleration. Communication technologies enable a voluminous flow of information at speeds never before seen. New scales of time measurement are created so as to allow for a numerical comprehension of that which human perception cannot visually grasp. Nanoseconds and picoseconds are part of a technical vocabulary which is disseminated in our daily lives, and are so abstract as to become a metaphor for pace of life, and for the passing of minutes, hours, days1.
Fernanda Valadares nos oferece o oposto a tudo isso. Sua obra pede tempo. Pede que o olho se sensibilize, que o corpo todo pare. Seja partindo de amplos horizontes ou de planos construídos, a artista nos convida a desacelerar, escutar o silêncio e tentar compreender por que a noção de sublime parece não mais fazer sentido hoje. Apenas parece.
Fernanda Valadares offers us the exact opposite of this. Her work requires time. It requires a sensitized eye, and the whole body to stop. Whether starting from broad horizons or constructed planes, the artist invites us to slow down our pace, to listen to the silence, and to try to understand why the notion of sublime no longer seems to make sense today. It only seems that way.
Na série Himalayas percorremos cordilheiras em um continente inventado. Nessa geografia particular, realidade e ficção se transpassam, plenitude e imensidão se encontram. Na obra de Fernanda, já não importa saber a que lugar a monumentalidade daquela paisagem corresponde. São os detalhes que tornam suas montanhas uma montanha qualquer e ao mesmo
In the series Himalayas, we travel through mountain ranges in a made-up continent. In this particular geography, reality and fiction transpose each other, and fullness and vastness meet. In the work of Fernanda, it is unimportant to know the exact location of such monumental landscapes. The details render its mountains both familiar and unique. It is a place which 63
2. Latour, Bruno. Reagregando o Social. Uma Introdução a Teoria do AtorRede. Salvador: Edufba, 2012; Bauru, Sao Paulo: Edusc, 2012. 400 p.
tempo única. Um lugar que existe para a artista e para aqueles que se permitem o momento da percepção. Onde toda a virtualização do hoje se materializa. E que em sua materialidade aciona memórias de uma arquitetura natural existente. Um espaço absoluto e sublime.
exists for the artist and for those who indulge in the moment of perception, a place where all the virtualization of today materializes itself, and where its materiality triggers memories of an existing natural architecture – an absolute and sublime space.
Desse sétimo continente, estado mental, emergem outras possibilidades. Nele o silêncio fala e a comunicação ocorre por infralinguagem2. Aqui os significados não são fixos, mas se deslocam de uma referência a outra, deixando as imagens falarem por si, permitindo que as trocas se estabeleçam a cada encontro. Como Fernanda, que nos mostra espaço para falar de tempo. E falando de tempo nos faz vivenciá-lo, pois somente assim podemos experienciar sua obra.
From this seventh continent, from this mental state, other possibilities emerge. The silence herein speaks, and communication occurs through infralanguage2. Meanings are not fixed but moving from one reference to another, letting the images speak for themselves, allowing for exchanges at each meeting. Much like Fernanda, who shows us space in order to talk about time. And by speaking of time she makes us experience it, for only this way can we experience her work.
Mesmo quando a artista representa espaços internos, como em 23°35’17S 46°38’13”W e 23°34’15”S 46°42’18”W, lacunas preponderam e o que não está presente aparece. O grande formato e a ausência de cores deixam espaço para a contemplação e reflexão. Para Fernanda, vazio não é o mesmo que nada. Ele abstrai ruídos e configura possibilidades para o visível.
Even when the artist represents internal spaces, such as 23°35’17S 46°38’13”W and 23°34’15”S 46°42’18”W, gaps prevail and that which is not present emerges. The large format and the absence of color leave room for reflection and contemplation. For Fernanda, emptiness is not the same as nothingness. She abstracts noises and configures possibilities in that which is visible.
Nesse continente imaginário, os segundos se alargam. E em seu mapa mental – em que o tempo é a principal dimensão –, o onírico permite que transcendamos da forma e da técnica para questões que beiram a metafísica e (por que não?) a política. Que da imersão física no trabalho e pensamento poético da artista se possa compreender uma outra forma de lidar
In this imaginary continent, the seconds widen. And in its mental map – in which time is the main dimension – the oneiric allows us to transcend form and technique, into matters bordering metaphysics and (why not?) politics. So that through the physical immersion in the work and in the poetic thought of the artist, one can understand another way of dealing with
3. Calvino, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. tradução Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
com a realidade contemporânea, buscando um estar no mundo que extrapole a escala comprimida dos nanos e picos em direção a uma existência mais simples e afetiva. Que esse fluxo constante de imagens desacelere até termos a possibilidade de momentos de parada. E que, mesmo confrontados com o peso dessa quantidade de informações – visuais ou não –, possamos respirar com maior leveza. Porque é a partir dessa noção de leveza que conseguimos, por contraste3, compreender o peso de cada objeto, ação, pensamento, átomo.
contemporary reality, seeking a way of living in this world which goes beyond the compressed Nanoseconds and picoseconds, towards a simpler and more affectionate existence. And so that this constant stream of images can decelerate until we are able to stop in time. And so that, even when faced with the weight of this mass of information – visual or otherwise – one can breathe with greater lightness. Because it is from this sense of lightness that we can, by contrast3, understand the weight of each object, action, thought, atom.
Pensar nesse peso é fundamental para Fernanda, alguém que continuamente se debruça sobre a matéria para fundir camadas de cera. Mesmo que ela se veja como pintora e faça da encáustica seu principal meio e suporte, essa mostra nos possibilita uma imersão num universo muito mais amplo. Madeira e papel em sua condição de matéria adquirem carga simbólica e nos mostram uma artista de reflexão poética e expressiva complexa. Aqui também há camadas a serem desveladas. Nesse sétimo continente, sutilmente delineado na ponta do grafite, não há limites ou fronteiras. Tudo são possibilidades.
Thinking about that weight is critical to Fernanda, someone who is continuously arched into the matter to melt layers of wax. Even though she may see herself as a painter, and may have encaustic as her primary means of support, this exhibition provides an immersion into a much larger universe. Wood and paper in their condition of matter acquire a symbolic load, showing us an artist of complex and expressive poetic reflection. Here there are layers to be uncovered. In this seventh continent, subtly delineated on the tip of graphite, there are no limits or boundaries. All are possibilities.
Bruna Fetter
Bruna Fetter
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HIMALAYAS, 2014 Fernanda Valadares compensado naval recortado [cut marine plywood] 9 x 50 x 50 cm (mĂşltiplo) [19.7 x 19.7 x 2.8 in (multiple)]
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O SÉTIMO CONTINENTE, 2014 Fernanda Valadares grafite sobre papel de arroz [graphite on rice paper] 65 x 210 cm [25.6 x 82.7 in]
URQU, 2014 Fernanda Valadares impressĂŁo fotogrĂĄfica sobre papel de algodĂŁo e grafite sobre papel de arroz [photographic print and graphite on rice paper] 110 x 110 cm e 65 x 96 cm [43.3 x 43.3 and 25.9 x 37.8 in]
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23°34’15S 46°42’18”W, 2014 Fernanda Valadares encáustica sobre compensado naval [encaustic on marine plywood] 160 x 125 cm [63 x 49.2 in]
23°35’17S 46°38’13”W, 2014 Fernanda Valadares encáustica sobre compensado naval [encaustic on marine plywood] 160 x 180 cm [63 x 70.9 in]
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camilo meneghetti
paisagem imaginada imagined landscape
O primeiro movimento do olhar é absorver os desenhos de Camilo Meneghetti em sua totalidade, para, a seguir, reconstruí-lo por suas partes. De cara avista-se uma paisagem selvagem, indômita e talvez intocada pelo homem. O detalhamento que constrói a imagem cria pequenos oásis onde seu caráter de nãoimagem ganha força. Fica para o observador a impressão de que nesses espaços, onde o mundo não está replicado, cheiros, sabores e toques são tomados como signos visuais. E então as coisas começam a mudar. Onde se viam florestas a impressão de caos urbano se impõe, onde estavam as paisagens agora surgem representações sinestésicas do mundo. Só então se percebe que nenhuma imagem imita o mundo, há apenas o papel e o depósito de materiais sobre ele. O artista parece chamar a atenção para os materiais de seus desenhos, retirando assim o observador da representação fiel do mundo para jogá-lo no universo sensível compartilhado por artista e público. Esses desenhos são mais do que retratos ou paisagens, são reflexos de um universo transposto para o papel em por um movimento quase escultórico. Dos detalhes paulatinamente apresentados pelo artista notam-
The first movement of the eyes is to absorb the drawings by Camilo Meneghetti in its entirety, to then rebuild it part by part. A wild and indomitable landscape – and perhaps untouched by man – can quickly be seen. The details that build the image create small oases where its non-image character gains strength. The observer gets a sense that in these spaces, where the world is not replicated, smells, tastes and touches are taken as visual signs. And then things begin to change. Where once forests could be seen, the impression of urban chaos now looms, and landscapes are replaced by kinesthetic representations of the world. Only then does one realize that no image imitates the world – there is only paper and material deposited upon it. The artist seems to draw attention to the materials of his drawings, thereby extracting the observer from the faithful representation of the world, and instead throwing this observer into the sensitive universe shared by artist and audience. These drawings are more than portraits or landscapes: they are reflections of a universe transposed onto the paper by a nearly sculptural movement. From the details gradually presented by the artist, indicators can be noted on his 77
se índices sobre sua fatura, e mais: índices sobre a harmonia desencontrada do mundo.
work – indicators on the staggered harmony in the world.
Camilo ataca o papel criando uma massa, um volume negro que se desfaz diante do olho e gera a sensação de se estar diante de uma paisagem. Uma que só pode ser vista pela imaginação de quem olha. O artista está desbastando o desenho, como fazem os escultores. Retirando camadas de matéria (grafite) e implantando imagens, sensações, sabores, cheiros etc. É um processo escultórico do desenho que se faz entender no desencontro dos códigos visuais para expandir o olhar para todos os sentidos humanos.
Camilo attacks the paper by creating a mass, a black volume which falls apart in front of one’s eyes and creates the feeling of standing before a landscape – one that can be seen only through the imagination of the beholder. The artist is chipping away at the drawing, as do sculptors, removing layers of material (graphite) and embedding images, sensations, tastes, smells etc. It is a sculptural process of the drawing, which is understood upon the mismatch of visual codes, so as to expand sight to all human senses.
Paulo Gallina
Paulo Gallina
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SEM TÍTULO, 2014 Camilo Meneghetti carvão sobre papel [charcoal on paper] 150 x 135 cm [59 x 53.1 in]
SEM TÍTULO, 2014 Camilo Meneghetti carvão sobre papel [charcoal on paper] 150 x 240 cm [59 x 94.5 in]
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SEM TÍTULO, 2014 Camilo Meneghetti carvão e pastel seco sobre papel queimado [charcoal and dry pastel on burnt paper] 63 x 70 cm [24.8 x 27.5 in]
SEM TÍTULO, 2014 Camilo Meneghetti carvão sobre papel [charcoal on paper] 66 x 96 cm [26 x 37.8 in]
SEM TÍTULO, 2014 Camilo Meneghetti carvão, giz e pastel seco sobre papel queimado [charcoal, chalk and dry pastel on burnt paper] 79 x 109 cm [31.1 x 42.9 in]
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SEM TÍTULO, 2014 Camilo Meneghetti carvão sobre papel [charcoal on paper] 100 x 70 cm [39.4 x 27.5 in]
SEM TÍTULO, 2014 Camilo Meneghetti carvão e pastel seco sobre papel [charcoal and dry pastel on paper] 300 x 150 cm [118.1 x 59 in]
SEM TÍTULO, 2013 Camilo Meneghetti carvão sobre papel [charcoal on paper] 22 x 30 cm [[8.7 x 11.8 in]
SEM TÍTULO, 2013 Camilo Meneghetti carvão sobre papel [charcoal on paper] 21 x 29 cm [8.3 x 11.4 in]
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flavia mielnik
geografia de um lugar contada por ele mesmo geography of a place told by the place itself
Ainda é espantoso que o tempo seja algo irrecuperável, o que parece revelar-se como a própria sensação de tempo: na insistência em subtraí-lo do empenho factível do dia a dia ou no preenchimento de lacunas do desconhecido com seus vestígios, como que numa tentativa de romper os receios do experienciável ainda por vir. O homem divide o espaço em regiões, e tais secções estão ao alcance da fala, do ver e das tarefas do corpo. Assim, o horizonte é estável, as coisas têm geometrias, há lugares que acontecem como utilidade – lugar da ação, do habitar, da lógica, do trabalho, das passagens – e que, de tão certos, estes lugares, diante das ferramentas que neles se organizam, quase desaparecem na regularidade de seus usos. Tempo e espaço são parâmetros (ilusões) para medir as mudanças, os apelos; são modos de afirmar as extensões que convivem no mundo, transformadas em hábito: “se ninguém viu (...), se toda a vida complexa de muita gente se desenrola inconscientemente, então é como se esta vida não tivesse sido” (trecho do diário de Leon Tolstoi, 1897). A vida desaparece, faz-se em nada e engolidos são os sujeitos, seus objetos, suas mobílias e até o “medo da guerra”. Daí, o que se poderia pensar das ilhas de ausência convenientemente situadas
It is still astonishing that time is something unrecoverable, which seems to be revealed as the very sense of time: in the insistence on removing it from the achievable efforts of daily life, or in the filling in the gaps of the unknown with its residues, as if in an attempt to break the fears of the experience yet to come. Man divides space into regions, with such sections being in the range of speech, of sight, and of the tasks of the body. The horizon is thus stable, things have geometries, there are places which happen as utility – the place of action, of inhabiting, of logic, of work, of passages – places so certain that they nearly disappear amidst regularity of the use of the tools organized within them. Time/space are parameters (illusions) to measure changes, appeals; they are ways of stating the extensions that live side by side in the world, have been transformed into habit: “If, however, no one was looking (...), if the whole complex lives of many people go on unconsciously, then such lives are as if they had never been” (extract from the diary Leo Tolstoy, 1897). Life disappears, becomes nothing, and subjects are swallowed, as are its objects, its furnishings and even their “fear of war.” Hence, what might one think of the islands of absence conveniently situated amongst us as space and as sense of temporality? 91
entre nós como espaço e como sensação de temporalidade? Flavia Mielnik formula designações para pensar o espaço. A palavra que nomeia seus argumentos surge como dimensão poética inicial de seu processo: parede escada, parede rua, parede sala que não se conhece, parede galeria. A artista opera nos arredores do tempo e do espaço e em suas filigranas para lhes acrescentar outras percepções. E efetua um deslocamento para a linguagem que simultaneamente está inserido em suas dinâmicas mais elementares. Decanta, permuta, observa em deriva. Para se enxergar parede e escada: um desenho de concentração. E então parede escada retornam como cognatos de si próprios, etimologicamente semelhantes, como se seus lugares de partida fossem os mesmos, mas, no percurso, suas geografias se alteram e rompem seus confinamentos. Flavia Mielnik afirma o espaço a partir da construção de vínculos – entre suas conjunturas e entre seus deambuladores, sem hierarquia ou formulações estáveis. Propõe que o espaço siga coexistindo, por assim dizer, em processos de contaminação, não à exceção de tudo. O que significam formulação arquitetural e disposição delimitada? Em certa medida, estas palavras parecem indicar uma intenção calculadora e de premeditação de uma capacidade de desenhar algo necessariamente simples e sem exigência complexa,
Flavia Mielnik formulates denominations for thinking of space. The word naming her arguments arises as initial poetic dimension of the process: stairs wall, street wall, room wall which is not known, gallery wall. The artist works on the outskirts of time and space and on its filigrees, so as to add to them other perceptions. And performs a shift to language which is simultaneously inserted into its more elementary dynamics. It decants, it barters, it observes while drifting. To be able to see wall and stairs: a concentration drawing. Thus so, stairs wall return as cognates of themselves, etymologically similar, as if their starting places were the same, but, in the journey, their geographies were shifted and their confinements broken. Flavia Mielnik affirms space from the construction of links – among its conjunctures and its wanderers, without hierarchy or stable formulations. She proposes that space continues to coexist, so to speak, in contamination processes, not as an exception to everything. What is the meaning of architectural formulation and delimited layout? To some extent, these words seem to indicate a calculating intention, and a forethought of an ability to draw something necessarily simple and without complex requirements, arguing for a program to be somewhere which is projected. The artist enters these assertions, perceives the unstable and, by leading it to the line, the strap, the trace, builds the world from both the inside and the outside.
argumentando um programa para ser e estar em algum lugar projetado. A artista adentra essas assertivas, percebe o instável e, levando-o à linha, à cinta, ao traço, constrói o mundo pelo lado de dentro e pelo lado de fora. É preciso pontuar: não se trata de representação, nem tampouco de um desenho hermeticamente composto, que se espelha e, assim, se apresenta para ser observado como algo que varia sobre si mesmo. Paredes, brechas, cantos, reentrâncias expandem-se e ao mesmo tempo tracionam-se como espaço, sustentando-se como um todo. Nesse sentido, é possível que o desenho seja algo como uma linha em tensão, tramitando variável para onde ela vai (?), gesticulando uma provável circunscrição. Como esforço de narrativa, como cortes e enlaces dos assuntos do espaço. Assim, forçando as coisas e os espaços, despejando (des)limites, diminuindo e criando distâncias e fricções entre tudo que estava disposto, a artista intercepta o dentrofora do espaço expositivo. É quando abole polaridades. O que resulta dizer que parede rua é um hic et nunc impermanente de paisagem, arquitetura, plano, linha, rua e sujeito. É aí também que a artista sugere intervalos a perderse entre ordens de realidades heterogêneas, sobre as quais, no entanto, pode-se montar um espaço, para/em cada um de seus habitantes. Parece que nesse processo de experimentação de Flavia Mielnik nada disso poderia ser diferente. Há um entendimento lúcido acerca
It is necessary to point out: this is neither a representation nor a hermetically composed design, which is reflected, and thus to be seen as something that varies upon itself. Walls, gaps, corners, bumps expand while also exerting traction as space, supporting itself as a whole. In this sense it is possible that the drawing is something like a voltage cable, variably transacting wherever it goes (?), gesturing a probable constituency. As a narrative effort, as cuts and links of the subjects of space. Thus forcing things and spaces, pouring (de)limits, reducing and creating distances and frictions between everything that was disposed, the artist intersects the inside-outside of the exhibition space. It abolishes polarities. Thus street wall is an impermanent hic et nunc landscape, architecture, background, line, street and subject. It is also the place where the artist suggests intervals to be lost, among orders of heterogeneous realities, in which, however, space can be created for/in each of its inhabitants. It seems that in this experimental process by Flavia Mielnik none of it could be different. There is a lucid understanding about her drawings set in ruins, in abandoned places, such as interventions in the urban fabric of the city. They linger there. To bring them to the exhibition space only as photographic records would be almost like forging them, like putting them inside a quiet and restrained frame. But yes, documentation exists and is important. It is just that the artist sees it as less of an appendage to the interventions, but 93
de seus desenhos que acontecem em ruínas, em lugares abandonados, como intervenções na trama urbana da cidade. Eles perduram por lá. Trazê-los apenas como registros fotográficos para o espaço expositivo seria quase forjá-los, colocá-los numa moldura quieta e contida. Sim, mas a documentação existe e é importante. É que a artista a encara menos como dispositivo colado às intervenções e mais como desdobramento visual das vivências nos lugares onde se dão.
more as the visual unfolding of the experiences where they take place.
Ocorre a partir deste esclarecimento um impasse fértil. Flavia Mielnik reinventa seu processo e potencializa a discussão acerca do gesto artístico, que, em uma medida generalizada e facilmente revisitável na história da arte, pode ser entendido como uma formulação de pontes entre a vida e o ambiente específico da arte: o artista pinça o fora e o traz para dentro, como arte.
The artist chooses the crossings and circulations between these instances. For such, not only taking advantage of the elements of the exhibition, like a musical score, but combining them as fictional elements: stone, post, stairs. All of these components work together with their surroundings in a space narrative composed within itself, causing the audience to shift as much as from the whole as from all of its fragments.
A artista opta pelos atravessamentos e circulações entre essas instâncias. Para tanto, não apenas se valendo dos elementos do espaço expositivo, como uma partitura, mas os conjugando como elementos ficcionais: pedra, poste, escada. Todos esses componentes, juntamente com seus entornos, atuam em uma narrativa no espaço e nele mesmo se constituem, fazendo com que o público se desloque tanto a partir do todo como de seus fragmentos. Parede galeria não é certeza, nem luz branca acontecendo em cubo branco, ainda que uma ou outra estrutura tenham algo de maquinal,
From this elucidation a fertile impasse occurs. Flavin Milena reinvents her process and enhances the discussion on artistic gesture which, in a generalized manner – and easily revisited in the history of art – can be understood as a formulation of bridges between life and the specific environment of the art: the artist pinches the outside and brings it inside, as art.
Gallery wall is not certain, nor white light in white cube, even if one structure or another has something mechanical, a feature sometimes noticeable when a slight lag in relation to its occupation occurs. Flavia Mielnik intercepts these structures with a kind of film of events that can take place there, these are the links. It is in this “in-between” that the artist tracks and permeates the nullity of void, and plants deviations in the look of those who walk by there, those who experience and live there.
característica por vezes perceptível quando uma ligeira defasagem em relação à sua ocupação se dá. Flavia Mielnik intercepta estas estruturas com uma espécie de película de acontecimentos que ali podem se dar, são os vínculos. E é neste “entre-” que a artista rastreia e permeia a nulidade do vazio e planta desvios no olhar de quem por ali caminha, experimenta, vive. Tempo é matéria, espaço é matéria e expirar estes dois é tradução de matéria. Não é um simples usufruir do espaço. É ocupá-lo, no plural, como prática inventora de microcampos híbridos, adensando ainda mais suas bordas. É a tarefa de colocar a todos em relação dissonante, sob a ordem do risco, situação tempo/espaço em que espaço e sujeito se atraem por suas conversações e entornos.
Time is matter, space is matter, and expiring these two is the translation of matter. It is not a simple use of space. It is to occupy it, in the plural, as a practice of inventing hybrid micro fields, further thickening its edges. It is the task of putting everyone in dissonant relation, under the order of risk, situation time/space in which space and subject are attracted by its conversations and environments. Galciani Neves
Galciani Neves
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GEOGRAFIA DE UM LUGAR CONTADA POR ELE MESMO, 2014 Flavia Mielnik cinta de carga, catraca, adesivo, mármore branco, acrilico fosco [cargo belts, clamps, vynil stickers, marble, acrylic paint] instalação site specific [site-specific installation]
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PAREDE RUA, PAREDE ESCADA, PAREDE GALERIA, PAREDE SALA QUE NÃO SE CONHECE, 2014 Flavia Mielnik guache sobre papel [gouache on paper] 21 x 90 cm [8.3 x 35.4 in]
PAREDE RUA, 2014 Flavia Mielnik grafite sobre papel [graphite on paper] 21 x 29,7 cm [8.3 x 11.7 in.]
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daniela seixas
drawing error
Desenhar é um exercício de se colocar entre o controle e o erro deliberado, entre o esboço para um projeto posterior (o desenho como projeto mental) e o espaço de experimentação dado a partir do encontro entre instrumento e superfície. No meio do processo de atualização da versão de 2011 de seu portfolio, Daniela Seixas recebe um aviso de erro do software que utilizava – “a drawing error occurred”. Entre a surpresa e o estímulo que essa mensagem traz à sua pesquisa como artista, resolveu salvar a tela de seu computador do modo como estava. Passado algum tempo, novamente a trabalhar nessa árdua tarefa de organizar sua própria produção em um arquivo digital, outro programa se comunica e diz a ela: “out of memory”. Mais um Print screen é realizado e agora os erros da informática se converteram em um díptico.
Drawing is an exercise of putting yourself between the control and the deliberate error, between the sketch for a later project (the drawing as mental project) and the space of experimentation where tools meet surface. Halfway through the process of updating the 2011 version of her portfolio, Daniela Seixas receives an error message from the software she was using – “a drawing error occurred”. Between the surprise and the stimulus that this message brings to her research as an artist, she decides to save the print screen of her computer just as it was. After some time, while again working on this arduous task of organizing her own production in digital files, another program communicates and tells her “out of memory”. Another print screen is carried out and now the errors of computing have become a diptych.
Quando um computador nos avisa que houve um erro de desenho no que diz respeito à organização de um arquivo, poderíamos dizer que se trata de uma notificação que tem toda a razão – errar e desenhar são verbos que caminham juntos e, talvez, possam ser considerados sinônimos. Dado o interesse da artista pela linguagem do desenho desde os tempos da graduação em Artes Visuais na
When a computer tells us that there was a drawing error with regard to the organization of a file, we could say that this is an absolutely accurate notification – drawing and error go hand in hand and, perhaps, may be considered synonymous. Given the interest of the artist in the language of drawing since her undergraduate studies in Visual Arts at UERJ, machine notifications seem more than appropriate. 107
UERJ, as notificações das máquinas parecem mais que apropriadas. Daniela opta, na verdade, por um tríptico quando insere um outro elemento nesta série de trabalhos, o “Acerca do branco” – about:blank –, a página em branco que muitas vezes recebe o usuário dentro de um dos navegadores de internet e que, coincidentemente, foi a primeira mensagem escrita pelo computador registrada por suas mãos. Nesse sentido, temos a folha em branco, o erro de desenho e a falta de memória a ocupar o espaço expositivo tal como uma cruz. Ao contextualizar o lugar desses erros, ou seja, circunscrevê-los aos quatro lados virtuais que tentavam alterar e melhor organizar o seu próprio cartão de visitas artístico, o portfolio, a palavra “erro” me parece ainda mais potente, em vista do caráter sempre falacioso de qualquer ordenação de páginas que visa a ser uma amostra da pesquisa de um artista. Todo PDF é um erro, toda seleção de imagens que pretende possibilitar que os profissionais das artes visuais acompanhem de modo expresso uma trajetória é uma curadoria insuficiente – como distinguir os trabalhos que merecem ali estar (os “acertos”) daqueles que não dialogam com o todo ou que vemos como desvios em uma trajetória? Em “De cor (gravar de coração)”, a artista parece tocar nessa questão quando compartilha com o público as tentativas de impressão das páginas de sua dissertação de mestrado. Devido a uma
Daniela opts in fact for a triptych, as she inserts another element in this series of works, “About the Blank” – about: blank – a blank page that often greets the user in internet browsers, and which coincidentally was the first computer generated message that she recorded with her own hands. In this sense, we have the blank sheet, the drawing error, and the shortage of memory occupying the exhibition space in a cross-shaped fashion. By contextualizing where these errors take place, in other words, by circumscribing them within the four virtual sides of that which she tried to alter while attempting to better organize her own artistic business card – her portfolio – the word “error” seems even more potent due to the ever fallacious character inherent to any ordering of pages aiming to be a sample of the research of an artist. Every PDF is an error; every selection of images aiming at expediently aligning a professional of the visual arts with a specific trajectory is insufficient curation – how to distinguish the works that deserve to be there (the “hits”) from those which do not dialogue with the whole, or those which are seen as deviations from that trajectory? In “Of color (recording with the heart),” the artist seems to touch upon this issue when sharing with the public her attempts to print the pages of her Master’s dissertation. Due to a failure in the encounter between the inks, the words vanish and the letters turn into patches of color. From this perspective, drawing is
falha do encontro entre as tintas, as palavras se esvaem e as letras se transformam em manchas de cor. O desenho, nessa perspectiva, se coloca como parente próximo da pintura e contraponto do registro certeiro, em preto, de frases precisas. A partir desse embate entre indivíduo e página se dá um dos elementos da exposição, a ação “duelo/dueto”. A ideia de um desenho errado é algo que também permeia nossa infância e experiências em sala de aula, onde geralmente aqueles que desenham de modo realista são tachados de bons desenhistas. Através, portanto, de um espelho mágico, brinquedo comum às nossas infâncias e que permitia que se copiasse de modo supostamente fidedigno uma imagem, artista e curador se colocarão frente a frente no centro da galeria e tentarão também errar, desenhando. Trata-se de uma parceria que extravasa a atuação profissional no sistema das artes visuais – do mesmo modo que a vida de um trabalho artístico está para além das paredes do cubo branco e das folhas de um PDF. Mais do que amigos, são irmãos por vontade própria há dez anos – ou, como melhor diria o filósofo chinês Mêncio, “a amizade é uma só mente em dois corpos”. Desenhos da infância, textos da adolescência, rascunhos do mestrado, publicações, trabalhos da graduação, experimentações mais recentes... diversos objetos que são frutos de um pensamento de desenho serão copiados pelo outro desta relação, perante os olhos do público.
placed as a close relative of painting and as a counterpoint to the accurate recording, in black, of precise sentences. From this clash between the individual and the page, one of the main elements of the exhibit comes forth, the action “duel / duet”. The idea of a wrong drawing is also something which permeates our childhood and classroom experiences, where often those who draw realistically are regarded as talented. Therefore, by means of a magic mirror, a common toy in our childhoods, permitting one to loyally copy an image, artist and curator will stand face-toface at the center of the gallery and will also try to error while drawing. It is a partnership that goes beyond the professional performance in the visual arts system – the same way that the life of an artistic work is beyond the walls of the white cube and the sheets of a PDF. More than friends, they are brothers, willingly so, for the past ten years – or, as the Chinese philosopher Mencius would better put it, “Friendship is one mind in two bodies”. Drawings from childhood, adolescence texts, drafts from the master’s degree, publications, works from under graduation, more recent experimentations...many objects which are the result of a drawing mindset will be copied by each other in this relationship, right in front of the public. That which is of my authorship will be shared and appropriated by Daniela and vice-versa, always 109
O que é de minha autoria será compartilhado e apropriado por Daniela e vice-versa, sempre sobre a mesma base de papel. Mais do que uma exposição sobre as diversas possibilidades que o desenho pode trazer para a produção contemporânea – seja literalmente, digitalmente ou no campo da performance –, este evento se configura como uma celebração da troca de cumplicidades entre dois amigos. A única certeza no que diz respeito a esse ritual de desenho espelhado é o erro; a única esperança que tenho é de que nossa amizade siga na difícil trilha do amor eterno. Raphael Fonseca
on the same paper base. More than an exhibition about the many possibilities that drawing can bring to contemporary production – be it literally, digitally, or in the field of performance – this event is configured as a celebration of the exchange of complicity between two friends. The only certainty with regard to this ritual of mirrored drawing is the error; the only hope I have is that our friendship will continue on the difficult path of eternal love. Raphael Fonseca
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DRAWING ERROR (DUETO/DUELO), 2014 Daniela Seixas performance e instalação [performance and installation] dimensões variáveis [dimensions variable]
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ACERCA DO BRANCO (TRÍPTICO) – DA SÉRIE DRAWING ERROR, 2014 Daniela Seixas hahnemühle studio enhanced [inkjet print on hahnemühle studio enhanced paper] 22 x 30 cm [8.6 x 11.8 in]
ERRO DE DESENHO (TRÍPTICO) – DA SÉRIE DRAWING ERROR, 2014 Daniela Seixas hahnemühle studio enhanced [inkjet print on hahnemühle studio enhanced paper] 23 x 29 cm [9.1 x 11.4 in]
FORA DA MEMÓRIA (TRÍPTICO) – DA SÉRIE DRAWING ERROR, 2014 Daniela Seixas impressão a jato de tinta sobre papel hahnemühle studio enhanced [inkjet print on hahnemühle studio enhanced paper] 21 x 30 cm [8.3 x 11.8 in]
DE COR (GRAVAR DE CORAÇÃO) - DA SÉRIE DRAWING ERROR, 2014 Daniela Seixas impressão a jato de tinta sobre papel hahnemühle studio enhanced [print on hahnemühle studio enhanced paper] 21 x 29.7 cm cada [8.3 x 11.8 in each]
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coordenação Mario Gioia Zipper Galeria Rua Estados Unidos, 1494 CEP 01427 001 São Paulo – SP – Brasil +55 [11] 4306 4306 www.zippergaleria.com.br diretores [directors] Fabio Cimino Lucas Cimino chefe editorial [editor-in-chief] Pedro Lemme equipe [staff] Andréa Lourenço Gabriela Martini Borges Lucila Mantovani Rafael Freire
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traduções [translations] Rafael Martins Ben Kohn
impressão [print by] Gráfica e Editora Mattavelli
revisão [proofreading] Luiz Gustavo da Cunha Soares
catálogo elaborado e impresso no verão de 2015
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