Ensaios – 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco

Page 1

caderno de ensaios te贸ricos



Eduardo Romero Júlio Cavani Raíza Cavalcanti Sebastião Pedrosa

caderno de ensaios teóricos


Governo do Estado de Pernambuco Governador

Eduardo Campos

Presidente

Vice-governador de pernambuco

João Lyra Neto Tadeu Alencar

Diretora de Gestão

Diretor de Gestão do Funcultura

Emanuel Soares de Lima

Diretor de Gestão de Equipamentos Culturais

Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco

Célio Pontes

Secretário

Diretora de Preservação Cultural

Fernando Duarte

Célia Campos

Secretário-executivo

Diretor de Produção

Beto Silva

Fernando Augusto

Diretores-executivos

Vinícius Carvalho e Beto Rezende Diretor de Políticas Culturais

Carlos Carvalho

coordenador de artes visuais

Félix Farfan

Diretor de Articul ação Institucional

Claudemir Souza

Diretor de Formação

Félix Aureliano

Diretor de Gestão

José Mário Duarte Coelho Diretora de Pl anejamento

Amara Cunha

Gestoras de Comunicação

Michelle Assumpção e Olívia Mindêlo

apoio

Severino Pessoa Sandra Simone dos Santos Bruno

Secretário da Casa Civil

apoio institucional

Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe)

realização


Eduardo Romero Júlio Cavani Raíza Cavalcanti Sebastião Pedrosa

caderno de ensaios teóricos

Recife, 2012


C122 Caderno de ensaios teóricos/Eduardo Romero... [et al.]. – Recife: Zoludesign, 2012. 64p.: il. ISBN 978-85-60411-04-7 Inclui referências. 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco. 1. artes plásticas – brasil. 2. arte moderna – recife (pe) – aspectos culturais. 3. desenho – recife (pe) – aspectos culturais. 4. gravura em metal – recife (pe) – aspectos culturais. 5. artes e artistas – recife (pe). 6. ensaios brasileiros – pernambuco. I. Romero, Eduardo. PeR – BPE 12-036

cdd 73 cdd 730


A POSE-Rápida: cONSIDERAções sobre o desenho e CONSTRUçÃO DA IDENTIDADE CULTURAL Arte e política: paixão antiga APRESENTAçÃO LUCIANA PADILHA PáGINA 7 Muros da libertação: a história da grafitagem no Recife A POSE-Rápida: cONSIDERAções sobre o desenho e CONSTRUçÃO DA IDENTIDADE CULTURAL EDUARDO ROMERO PáGINA 12 O ensino da gravura na UFPE APRESENTAçÃO Arte e política: paixão antiga Muros da libertação: a história da grafitagem no Recife JúLIO CAVANI PáGINA 24 A POSERápida: cONSIDERAções sobre o desenho e CONSTRUçÃO DA IDENTIDADE CULTURAL Arte e política: paixão antiga RAÍZA CAVALCANTI PáGINA 34 Muros da libertação: a história da grafitagem no Recife O ensino da gravura na UFPE SEBASTIÃO PEDROSA PáGINA 46 Muros da libertação: a história da grafitagem no Recife APRESENTAçÃO A POSE-Rápida: cONSIDERAções sobre o



Apresentação luciana padilha1

O Salão de Artes Plásticas de Pernambuco instituiu sua preocupação em fomentar a pesquisa, a história e a teoria da arte ao conceder, em 2004, em sua 46ª edição, uma “bolsa de pesquisa sobre artes plásticas em Pernambuco”. No contexto de uma historiografia local rarefeita — com poucas publicações e documentos disponíveis —, o estímulo lançado pelo Governo do Estado na direção da construção dessa história tem, portanto, relevância central e, em 2008, se consolida com o programa de bolsas do 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, que, após um processo de escuta das necessidades e dos interesses do campo artístico local através de reuniões públicas, lançou nesta edição — para além da manutenção da bolsa de pesquisa instaurada em 2004 — quatro prêmios para ensaios inéditos sobre questões relativas à produção de arte desenvolvida a partir de Pernambuco. Reunidos neste Caderno de Ensaios, os textos premiados conformam mais um esforço de pensar a arte, o campo social, a história, a política, o ensino e a experiência estética, constituindo também um relevante espaço para que, através dos ensaios de Eduardo Romero, Júlio Cavani, Raíza Cavalcanti e Sebastião Pedrosa, possamos conhecer e dialogar com o pensamento sobre arte, que aqui tem crescido e se complexificado.

1  Coordenadora-geral do 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco.

O ensaio de Eduardo Romero, A Pose-rápida: Considerações sobre o Desenho e a Construção da Identidade Cultural, debruça-se sobre um dos métodos utilizados pelo Atelier Coletivo nos anos em que esteve atuante em Pernambuco, entre 1952 e 1957. Compreendendo 7


o desenho de pose-rápida — instaurado no Atelier Coletivo através de Abelardo da Hora — à luz do modernismo e, portanto, na perspectiva do pensamento regionalista conforme teorizado por Gilberto Freyre e outros, Eduardo Romero evidencia como a proposta de um desenho ágil diante de seu “motivo” estava intimamente vinculada a um projeto político desse modernismo em suas concepções identitárias e de linguagem. Abordando o interesse do Atelier Coletivo e de seus integrantes diante da “cultura popular”, o autor traz uma importante contribuição para a historiografia da arte ao argumentar que, para além de um meio de aproximação entre o “popular” e o “erudito”, “a proposta da pose-rápida [...] traz-nos a discussão da presença do artista no acontecimento, não como mero espectador, mas como agente que interage de maneira estreita com a dinâmica do cotidiano social”. Assim, para Eduardo Romero, a pose-rápida seria um meio que diminuiria “a distância entre a realidade observada e a realidade representada, aproximando-se, assim, da identidade de nossa cultura, sem idealizações ou apelos pitorescos”. A Pose-rápida: Considerações sobre o Desenho e a Construção da Identidade Cultural contribui, desse modo, para uma atualização do método proposto por Abelardo da Hora nos idos dos anos 1950, trazendo-o ao encontro de algumas das ideias recentes sobre linguagem, corpo e subjetividade. Por sua vez, Júlio Cavani, em Muros da Libertação: a História da Grafitagem no Recife, reúne, num ensaio, partes diversas de reportagens sobre grafite no Recife, publicadas entre 2003 e 2009 no Diario de Pernambuco. Simultaneamente historiografando e tecendo uma análise contemporânea e crítica do grafite, o autor caminha por entre depoimentos e memórias das primeiras experiências dos grafiteiros do Estado, ainda nos anos 1980, ao passo que também aborda a complexidade da recente questão do processo de institucionalização do grafite, o que coloca em xeque sua dimensão de (i)legalidade, suas intenções estéticas e éticas, bem como sua relação com a sociedade, a arte e a política. Cavani indica a estreita relação entre as primeiras experiências locais de grafitagem e o cinema e a cultura do hip-hop norte-americano, apontando também contradições e dissensos internos à prática 8


do grafite em Pernambuco, continuamente reinventada pelas novas gerações de grafiteiros e pichadores. O autor oferece um importante testemunho da prática do grafite neste final da primeira década do século XXI, sublinhando também como as novas gerações têm ampliado suas referências estéticas, atualmente reunindo “grande quantidade de estilos e técnicas. Há stick (pinturas sobre papel coladas na parede como adesivos), stencil (aquelas feitas com moldes), pichações em spray, assinaturas tridimensionais coloridas, figuras pinceladas, textos, detalhes em caneta aerográfica, assinaturas bidimensionais feitas com rolinhos e grandes murais com personagens gigantes”. Muros da Libertação: a História da Grafitagem no Recife — ensaio ricamente atravessado por referências a fontes primárias e depoimentos que colaboram para o preenchimento das lacunas das pesquisas sobre a arte produzida em Pernambuco — configurase, assim, também como uma análise da relação entre o grafite desenvolvido no Recife e aquele realizado noutras partes do País, colocando a produção local no seio do contexto da grafitagem brasileira (e internacional), ultrapassando dessa forma os limites de uma restrição regional que ainda habita a historiografia local. As implicações políticas das práticas artísticas são também o centro dos interesses de Raíza Cavalcanti no ensaio Arte e Política: Paixão Antiga. Elegendo a experiência do Atelier Coletivo como ponto de partida para sua análise, a autora compreende que “a história da arte pernambucana é repleta de momentos em que arte, política e contestação social se aproximam e se fundem em trabalhos críticos e experimentais ou de cunho popular, voltados para a aproximação da arte com o povo de Pernambuco”. Nos anos 1970, aponta o experimentalismo como abordagem crítica diante do contexto sociopolítico da América Latina, como presente na obra dos artistas Daniel Santiago, Marconi Notaro, Paulo Bruscky e Silvio Hansen, que teriam explorado “a ironia, o jogo de palavras, a ousadia e a extrema capacidade crítica”. Por sua vez, Raíza Cavalcanti lê os anos 1980 como resposta à abertura democrática do período de forma consensual, afirmando que “a relação entre arte e política, nessa época, passou a ser mais pacífica e, de certa forma, comportada”, como se pode entrever nas atividades das Brigadas. 9


Já os anos 1990, conforme argumenta a autora, teriam retomado o “uso de suportes variados — comuns nas décadas de 1960 e 1970 — como expressão artística. Porém, diferentemente do grupo que almejava apenas a crítica ao contexto político, os artistas dos anos 1990 queriam também o reconhecimento do sistema institucional e mercadológico da arte realizada a partir de instalações, performances e happenings”, havendo “o experimentalismo radical [dado] lugar à intensa profissionalização de uma arte baseada em princípios mercadológicos”, postura política cuja adesão aos esforços de um campo profissional em construção difeririam, para Raíza Cavalcanti, daquela dos artistas cuja obra nasce no século XXI. Para a autora, observa-se uma preocupação ampliada com a subjetividade nos trabalhos da virada do século: “grande parte da arte crítica contemporânea atua no campo da micropolítica, realizando pequenas inserções dentro do sistema social. Provocações, transgressões, intervenções urbanas que promovem o encontro, o reconhecimento e despertam o criativo [...]” num “movimento de reintegração do homem à sua subjetividade, trazendo para o seu campo a resistência”. Identificando processos de transformação da relação entre arte e política em Pernambuco, o ensaio de Raíza Cavalcanti traz sua contribuição para uma história pensada em perspectiva, contextualmente. Por último, neste Caderno de Ensaios está publicado também O Ensino da Gravura na UFPE, de Sebastião Pedrosa. Partindo da experiência do curso de Licenciatura em Educação Artística/Artes Plásticas da Universidade Federal de Pernambuco (cujo processo de inserção curricular é analisado, com especial ênfase às experiências do Prof. José de Barros), o autor indaga, contudo: “Já que o Nordeste do Brasil goza da reputação da boa gravura popular, tem nomes de destaque nacional na gravura, como Gilvan Samico, e se beneficiou da efervescência dos cursos da Oficina Guaianases nos anos 1970, por que então um número tão reduzido de artistas se dedica à prática da gravura?”. Inquieto, Pedrosa desenvolve um percurso por entre as iniciativas locais de ensino e pesquisa em gravura — como o Laboratório da Oficina Guaianases de Gravura, continuidade da Oficina Guaianases abraçada pelo Departamento de Teoria da Arte da UFPE — e atinge o problema das condições de saúde dos praticantes dessa linguagem, cuja tradição 10


tem sido revista de modo a reduzir o perigo de materiais e técnicas antigas, substituindo-as por métodos alternativos. Se, para alguns, os riscos da prática tradicional da gravura impediriam sua prática na contemporaneidade; para Sebastião Pedrosa, “quem faz gravura não pode se apropriar do sentimento de resignação ou impotência; é necessário romper limites, inventar, criar novas técnicas para melhor liberar o artista e sua arte das dificuldades que o cercam”. Havendo a história da prática da gravura, no Brasil, sido das mais ricas — o autor apresenta um breve olhar sobre a gravura brasileira ao longo do século XX —, sua relação com linguagens mais recentes da arte constitui-se, para Pedrosa, como um fértil terreno para a invenção e para a experimentação, num campo marcadamente interdisciplinar: “Não podemos ficar céticos e desesperançados porque os caminhos contemporâneos ramificam-se em muitas direções. Multiplicamse as possibilidades expressivas ao incorporar novos materiais e procedimentos. E, assim, explorando novos meios, a gravura passará a atuar no limite do processo, sempre em construção”. Desse modo, aliando história, teoria, técnica, criação e pedagogia, o ensaio de Pedrosa pensa as circunstâncias contemporâneas da gravura em Pernambuco e também propõe estratégias para seu fortalecimento, constituindo-se como um texto em muitos sentidos comprometido com o campo da arte local. Também implicado nesse comprometimento é que o Governo do Estado de Pernambuco, através do 47º Salão de Artes Plásticas, procura estimular o pensamento crítico sobre arte. Os ensaios publicados neste caderno integram o movimento de criação e gestão de políticas públicas para a cultura do Estado, no que a história da arte cumpre um papel fundamental. Fomentar o pensamento e garantir sua difusão são compromissos assumidos pelo projeto do Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, e a publicação dos ensaios de Eduardo Romero, Júlio Cavani, Raíza Cavalcanti e Sebastião Pedrosa é mais um dos passos dados no sentido da ampliação desse compromisso.

11


Eduardo Romero Lopes Barbosa (PE) é graduado em licenciatura em desenho e plástica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutorando e mestre em antropologia cultural pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em história da arte e das religiões pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). É professor do Núcleo de Design da Universidade Federal de Pernambuco/Centro Acadêmico do Agreste. Coordena o Corporis – Grupo de Estudos sobre o Corpo na Contemporaneidade/UFPE. Trabalha com artes visuais desde 1996. É integrante do coletivo Branco do Olho.


A POSE-RáPIDA: CONSIDERAçÕES SOBRE O DESENHO E A CONSTRUçÃO DA IDENTIDADE CULTURAL Eduardo Romero

Introdução Os desdobramentos do modernismo na representação figurativa da cultura Torna-se redundante observar que a cultura pernambucana é reconhecidamente rica em tradições e brinquedos populares. Temos, em nosso território estadual, múltiplos folguedos que resistem ao tempo e que se ressignificam no caldeirão da pós-modernidade. É inegável a influência da cultura popular sobre as artes plásticas em Pernambuco, e, nesse caso, consideremos esse aspecto em seu sentido mais amplo, observando, por exemplo, as representações visuais da culinária, dos ciclos festivos, das relações sociais, das interpretações simbólicas de cunho religioso, etc. O aprofundamento das discussões sobre a influência das tradições populares brasileiras nas artes plásticas torna-se mais amplo após a Semana de Arte Moderna de 1922. Ao intensificar o debate nos círculos intelectuais e artísticos sobre a tensão que se estabelece entre a influência das vanguardas europeias e uma suposta identidade nacional que se personifica nas tradições populares, o modernismo inicia ampla experimentação que resultará numa renovação estética em que novos itinerários são propostos em relação ao tradicionalismo cultural evidente nos movimentos literários como o parnasianismo, o simbolismo e a arte acadêmica de influência neoclássica. Entretanto, o movimento modernista no Brasil deve ser percebido como um mosaico de múltiplas expressões que têm ressonâncias 13


particulares em cada região do País, a exemplo do Rio de Janeiro, de São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais. Na década de 1930, com a instalação do governo de Getúlio Vargas, as discussões acerca das raízes modernistas no Brasil tomam rumos diversos e, entre eles, a questão da nacionalidade e da internacionalização da cultura brasileira. Entretanto, em Pernambuco, estabelece-se o discurso regionalista, que ganhará um grande espaço entre os intelectuais e artistas plásticos. O Manifesto Regionalista (1952), redigido por Gilberto Freyre, é um contraponto ao pensamento modernista em voga a partir de 1922, e de certa maneira o regionalismo preza pela manutenção das tradições nordestinas: “Não me parece que seja mau o regionalismo ou o patriotismo regional, cuja ânsia é a defesa das tradições e dos valores locais contra o furor imitativo”1. Contudo, deve-se ressaltar que não existe uma estética regionalista, pois, associadas ao termo, temos inúmeras expressões artísticas distintas. Podemos citar o regionalismo como um conceito que norteará a produção dos artistas plásticos atentos à invasão da arte abstrata formalista estabelecida pelas bienais no eixo Rio-São Paulo no limiar da primeira e da segunda década do século XX. Evidentemente, os pernambucanos não serão os únicos para os quais o pensamento de orientação regionalista se traduzirá na busca de representar visualmente a “identidade brasileira”, pois muitos artistas plásticos do primeiro momento da arte moderna no Sudeste investiram nas representações de manifestações populares. Porém, em nosso estado, essa investigação ganha força de múltiplos feitios, como na literatura de Ariano Suassuna, na criação do Movimento de Arte Moderna do Recife e do Atelier Coletivo por Abelardo da Hora e no Movimento de Cultura Popular sob a tutela do então governador do Estado de Pernambuco Miguel Arraes.

1  FREYRE, Gilberto. Antecipações. Recife: EDUPE, 2001. p. 23.

Observando esse contexto a partir da articulação do Movimento de Arte Moderna do Recife e do Atelier Coletivo, verificamos a pouca influência da representação visual de tendências abstratas em nosso estado. Por outro lado, temos um mergulho por partes desses artistas plásticos na representação caleidoscópica da cultura popular pelo 14


viés figurativo. Assim, Abelardo da Hora propõe aos integrantes do Atelier Coletivo a técnica da pose-rápida baseada no desenho, que se configura como um meio de representação figurativa que traz instigantes elementos para a problematização dos questionamentos ligados à nossa identidade cultural. O desenho não é para a pose-rápida um mero meio técnico, mas, antes, o processo que proporciona uma relação visceral entre o artista e as manifestações populares, ou melhor, entre a representação visual e determinados subsídios de nossa identidade cultural. Podemos considerar que as propostas do Atelier Coletivo em buscar visualidades que representassem os elementos de nossa identidade cultural refazem, por outros caminhos, as discussões empreendidas pela Semana de Arte Moderna de 1922, e, nesse caso, o recurso do desenho em pose-rápida proporciona uma imersão na dinâmica das manifestações populares, que é o cerne dos questionamentos supracitados.

2  Devemos salientar a importância de Abelardo da Hora para as artes plásticas de Pernambuco, que não se restringe à sua atuação no Movimento de Arte Moderna do Recife e no Atelier Coletivo. Enquanto vanguardista, esse pernambucano de São Lourenço da Mata, além de desenhista, é pintor, gravador, ceramista e poeta. Participou do Movimento de Cultura Popular – MCP, como mentor, levando parte de sua vida aos ideais desse movimento que buscou integrar todas as artes numa prática docente aberta e gratuita, sempre atenta à denúncia do descaso do homem perante a miséria, fazendo, a partir disso, uma arte politicamente engajada.

Assim, longe de se fazer qualquer juízo de valor entre as opiniões labirínticas das chamadas cultura erudita e popular e acreditando que isso não se apresenta como um fator de maior importância nas linguagens estéticas das artes visuais contemporâneas, investigaremos como a proposta da pose-rápida, a partir do desenho, impulsionou os integrantes do Atelier Coletivo a mergulharem numa busca pela dinâmica de nossa identidade cultural pautada na representação visual figurativa. O ATELIER COLETIVO E A POSE-RÁPIDA O mergulho nas tradições populares por meio do desenho O Ateliê Coletivo (1952-1957) congregou artistas plásticos no Recife oriundos da Sociedade de Arte Moderna do Recife – SAMR, fundada pelo artista plástico pernambucano Abelardo da Hora2 na ocasião de seu retorno do Rio de Janeiro, onde trabalhava para concorrer no Salão Nacional de Artes em 1945. A Sociedade de Arte Moderna do Recife contou com nomes admiráveis de nosso Estado, tais como o escritor Aderbal Jurema, Waldemar de Oliveira, Hermilo Borba Filho, o gravador 15


Gilvan Samico, o sociólogo Gilberto Freyre, além de Francisco Brennand, Reynaldo Fonseca, Lula Cardoso Ayres, entre outros. Barbosa Lima Sobrinho — na época governador do Estado de Pernambuco — aderiu à causa de Abelardo em formar um “movimento artístico unificado”, alocando no mesmo espaço a Sociedade de Arte Moderna do Recife, o Teatro do Estudante, a Orquestra Sinfônica e outras entidades culturais. Apesar dos grandes nomes que integravam a SAMR, sua produção artística foi discreta. Os poucos encontros ocorreram em função de alguns eventos, como um Salão de Poesia, algumas conferências e exposições de fotografias. Assim, Abelardo, na tentativa de tornar a SAMR mais dinâmica, abriu cursos de desenho no Liceu de Artes e Ofícios, no qual também participavam Gilvan Samico e Ionaldo Cavalcanti, como atesta José Cláudio: Interessado desde o início em abrir cursos para que a SAMR não ficasse apenas vivendo de reuniões sociais, conseguiu Abelardo que Agripino [então diretor do Liceu de Artes e Ofícios] emprestasse o salão para um curso de desenho dado por Abelardo [...] Desta forma, nasceu o primeiro embrião do Atelier Coletivo.3

3  CLÁUDIO DA SILVA, José. Memória do Atelier Coletivo. Jaboatão: Artespaço/Nordeste Gráfica e Industrial, 1979. p. 19.

A intenção de Abelardo em fundar tanto a SAMR quanto o Atelier Coletivo residia em discutir a descaracterização que as artes plásticas brasileiras vinham sofrendo por conta da influência das vertentes do abstracionismo que invadiu as bienais e que “[...] gerava tendências opostas, o que fazia das nossas exposições amostras sem expressão e sem unidade”4, permitindo o aparecimento de pessoas sem nenhum compromisso com a estética local. A partir disso, surge o Atelier Coletivo, que funcionou de fevereiro de 1952 a outubro de 1957, tendo no cotidiano simples do nordestino sua temática essencial, evitando qualquer alusão às poéticas europeias ou norte-americanas: Interessados, todos, sem exceção, numa arte baseada como temática no homem

4  CLÁUDIO DA SILVA, José. Tratos da Arte de Pernambuco. Recife: Governo de Pernambuco, 1984. p. 44.

do povo, buscando nas feiras, nos trabalhos do campo, nos xangôs, na faina diária do homem da rua, nas festas populares, até nos acidentes do trabalho, a sua fonte de inspiração. Uma pintura épica que resultou numa expressão

5  CLÁUDIO DA SILVA, José. Memória do Atelier Coletivo. Jaboatão: Artespaço/Nordeste Gráfica e Industrial, 1979. p. 5-6.

cultural brasileira procurando contrapor-se à influência “cosmopolita” das bienais, sem “formalismo” e “individualismo”.5

16


Ainda José Cláudio: Mesmo os mais próximos da tendência francesa, interessados em formalismo, não ousavam pintar outro assunto que não fosse figuras do povo, trabalhadores, camponeses, feirantes, vaqueiros, ambulantes, estivadores, crianças pobres. Ninguém ousava pintar paisagem nem mesmo como fundo. Os quadros tinham de ser ocupados pelas figuras, como fazia Rivera6 .7

Dessa maneira, o Atelier Coletivo realiza sua primeira mostra em 1954, a qual dedica “ao povo de Pernambuco, cuja vida e espírito criador são a fonte de nossas realizações”. A pesquisa artística do Atelier Coletivo baseava-se na representação figurativa que esteticamente investe na análise não só dos festejos populares, mas também nos múltiplos aspectos da cultura popular, buscando fundar no Recife um amplo movimento cultural que mostrasse a verdadeira expressão da cultura brasileira, na aspiração de ponderar alguns erros do discurso do movimento da Semana de Arte Moderna de 1922, que, segundo os integrantes do Atelier Coletivo, ficara só na elite: 6  O pintor muralista mexicano Diego Rivera (1886–1957) se inspirava nas raízes da arte mexicana de influência asteca. Sua temática se baseia nos momentos da história de seu País, nos costumes e nos tipos populares. Teve ligações estreitas com o pensamento revolucionário socialista. 7  CLÁUDIO DA SILVA, José. Memória do Atelier Coletivo. Jaboatão: Artespaço/Nordeste Gráfica e Industrial, 1979. p. 21. 8  CLÁUDIO DA SILVA, José. Tratos da Arte de Pernambuco. Recife: Governo De Pernambuco, 1984. p. 33.

Para isso era preciso promover o ensino democratizado, pesquisar toda a criação popular e suas manifestações, os costumes, os tipos, as reações, os hábitos, a maneira de ser, enfim, que caracteriza a gente brasileira, para desse intercâmbio surgir uma cultura eminentemente brasileira.8

Com essa proposta de trabalho e poética definida, os integrantes do Atelier Coletivo partem para representar ícones de temática regional. Nesse momento, Abelardo propõe ao grupo a técnica da pose-rápida, que consiste na representação de cenas do cotidiano popular de maneira instantânea, intensa, buscando conservar apenas os traços essenciais do acontecimento. Desenhos feitos em minutos, com o objetivo de captar toda a carga simbólica do momento em questão: [...] visitamos os locais de trabalho, as festas populares com os autos populares, entrosamos com os cantadores e a literatura de cordel e visitamos os bairros para

9  CLÁUDIO DA SILVA, José. Tratos da Arte de Pernambuco. Recife: Governo de Pernambuco, 1984. p. 34.

entrar em contato com a vida da gente simples — ver seus tipos, seus afazeres, seu jeito, sua vida enfim.9 17


É importante observarmos que a pose-rápida remete a outras questões: O método da pose-rápida que Abelardo nos propunha no Atelier Coletivo, além de nos dar a destreza de mão e o olhar certeiro, estabelecia uma ligação muito forte com o assunto, virtude principal. O tempo determinado para poses paradas, variando de dois para um e até meio minuto, no fundo pretendia que não gastássemos tempo algum na execução do desenho [...] essa empatia, essa capacidade de sentir com a coisa, tinha o poder de nos livrar de nossas inibições, obrigando-nos a vomitar o desenho sem nenhum tempo, recomendando-nos ele que o tempo gasto devia ser mais para olhar, e não para riscar. Ao passarmos para figuras em movimento, numa feira, num xangô, o fato de desenharmos no local, no vozeiro dos feirantes, o ruge-ruge de gente, descobrindo detalhes, ou no aperto de mucambo numa sessão de xangô, ouvindo o toque, os desenhos iam sendo feitos sem que na verdade soubéssemos o que estávamos fazendo, dançando ou praticando um ato sexual.10

Nesse ponto, a proposta da pose-rápida de Abelardo traz-nos a discussão da presença do artista no acontecimento, não como mero espectador, mas como agente que interage de maneira estreita com a dinâmica do cotidiano social. Os desenhos feitos pelos integrantes do Atelier Coletivo em pose-rápida não são imagens idealizadas, mas, antes, registros de um espaço/tempo em que o artista, imerso nele, interatua. Além do fato de que os desenhos feitos na técnica de pose-rápida não são rascunhos que posteriormente serão levados para o ateliê do artista para serem retrabalhados, mas, sim, a obra pronta que oferece uma prova irrefutável da presença do artista no acontecimento. Aqui percebemos a contribuição que o processo da pose-rápida proporciona aos artistas: o exercício da observação e representação visual direta das tradições populares em sua dinâmica, seus protagonistas e todo o universo simbólico que legitima essas intensas trocas sociais. 10  CLÁUDIO DA SILVA, José. Memória do Atelier Coletivo. Jaboatão: Artespaço/Nordeste Gráfica e Industrial, 1979. p. 23.

A pose-rápida mostra-se eficaz e, por vezes, impensável se não fosse operacionalizada a partir do desenho. Nesse caso, o desenho proporciona uma representação imediata e plasticamente expressiva que permite ao artista traçar, de maneira visceral, 18


o que se desenrola diante de seus olhos. A preocupação do grupo Atelier Coletivo em representar a dinâmica das tradições populares de nosso estado encontra na pose-rápida um meio que diminui a distância entre a realidade observada e a realidade representada, aproximando-se, assim, da identidade de nossa cultura, sem idealizações ou apelos pitorescos. O desenho, nesse caso, é mais que uma técnica operacional; é, sim, um meio de mediação que problematiza e evidencia os aspectos de nossa identidade cultural a partir da representação visual figurativa. DESENHO E IDENTIDADE Processos de mediação A construção das identidades individuais ou coletivas não obedece a um sentido linear. Trata-se de um processo ininterrupto de trocas e negociação de valores que redefinem de maneira dinâmica as relações sociais. A base desse sistema de trocas e negociações é a linguagem, seja ela verbal, corporal, visual, etc. Nesse sentido, a decodificação da linguagem visual está ligada à singularidade da experiência de vida e, do mesmo modo, o processo de construção da imagem pressupõe uma vivência singular. Logo, a feitura e a apreensão da linguagem visual é também um processo de construção de identidade, pois as representações visuais não revelam apenas uma identidade preexistente, mas tornam visíveis as mudanças pelas quais as tradições arraigadas na cultura se reinventam. Aqui, a imagem figurativa exerce um papel de comunicação imediata que o artista estabelece com o apreciador/espectador que se consolida numa visualidade estática, porém ativa, onde o fluxo representado através dos símbolos nos desenhos reconstrói nosso imaginário. Esse imaginário que toma corpo coletivo nas trocas sociais estabelece as bases de nossa identidade cultural, que está em constante reinvenção. A linguagem gráfica do desenho acompanha a humanidade desde a sua aurora e se configura como um processo de aquisição de signos essencial para a construção cognitiva do indivíduo. O desenho enquanto linguagem visual é expressão sólida do nosso imaginário. 19


A imagem que o desenho revela é uma apropriação dos códigos socioculturais que são filtrados pelo fluxo perceptivo e imagético do artista em tensão com a sociedade e cultura de seu tempo. O supracitado mergulho que a pose-rápida proporciona é uma estreita apropriação dos códigos socioculturais no momento em que o artista, a partir do desenho, capta, em contato direto com o acontecimento, as peculiaridades das trocas culturais que estabelecem nossa identidade. O desenho em sua singeleza técnica se mostra um complexo processo de mediação entre a identidade individual e a identidade coletiva. Ao representar visualmente os códigos socioculturais, reconhecemos, identificamos e construímos sentidos de maneira contextualizada. O desenho legitima a pose-rápida, pois sua simplicidade técnica permite que o artista, de posse do lápis e papel, exercite a fruição de seu olhar na representação dos objetos culturais, como nos diz Pierre Francastel: “Os objetos de civilização, as imagens, a obra figurativa são o testemunho não de um real, mas de uma vontade de organização do campo socializado da percepção”11. Ao lançar mão da pose-rápida, os integrantes do Atelier Coletivo se utilizam do desenho para uma representação figurativa que materializa a dinâmica da cultura popular em seu cotidiano. A preponderância do desenho da figura humana nos temas dos artistas do Atelier Coletivo estabelece vínculos de identidade através da necessidade de expressar a nós mesmos. Trata-se de um exercício de alteridade. Assim, o processo de valorização da identidade cultural a partir da linguagem visual figurativa nos mostra a cadeia de símbolos de nossa sociedade, que, no caso da pose-rápida, faz do desenho o meio instantâneo da apreensão das filigranas das relações sociais.

11  FRANCASTEL, Pierre. A Realidade Figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1973.

Contudo, devemos considerar que a pose-rápida se baseia no contato direto com os acontecimentos e, sendo assim, o desenho é mais do que a mera representação do que se vê, mas o que se conhece e o que se sente. Ou melhor, desenhar mais do que se vê e somar a isso a sensação de sentir o mundo através da apreensão caleidoscópica das tradições populares. Legitima-se o exercício da alteridade como processo 20


de reconhecimento do Outro e de suas diferenças, em que se diminuem as possibilidades de uma representação visual idealizada ou pitoresca das manifestações culturais populares. Ao tentar apreender pelo desenho o todo das relações sociais, naturalmente surge a necessidade de representar seus detalhes. No caso da pose-rápida, a caracterização do particular na representação é a própria temática: como foi dito anteriormente, a poética dos integrantes do Atelier Coletivo é a cultura popular. Logo, percebemos a peculiaridade de elementos de nossa cultura, ou seja, de nossa identidade cultural. Tais peculiaridades emergem no contato direto entre artistadesenho-dinâmica social que se eterniza na técnica da pose-rápida, concretizando, em parte, a busca pela representação do que caracteriza nossa identidade cultural. EPÍLOGO Metáforas do desenho Desenhar é um ato/solução para a organização das vivências cognitivas do indivíduo. Desenhar figuras humanas é uma maneira de recrudescer e interpretar nossa existência no mundo. Desenhar o mundo que nos rodeia é uma forma de nos situar espacialmente. Desenhar o espaço cultural com que interagimos é o desafio de nos reconhecermos como atores sociais ativos. Representar aspectos da cultura através da singeleza do desenho é questionar quem somos. A tensão dos traçados do desenho no papel revela a tensão das diversas identidades individuais e coletivas de nossa cultura.

21


Referências bibliográficas CLÁUDIO DA SILVA, José. Memória do Atelier Coletivo. Jaboatão: Artespaço/ Nordeste Gráfica e Industrial, 1979. _______. Tratos da Arte de Pernambuco. Recife: Gov. de Pernambuco, 1984. DERDYK, Edith. O Desenho da Figura Humana. São Paulo: Scipione, 1990. FRANCASTEL, Pierre. A Realidade Figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1973. FREYRE, Gilberto. Antecipações. Recife: EDUPE, 2001. GUIMARÃES, Suzana. Pinceladas de um Baú Iconográfico: Arte-naturezaidentidade. Revista História, Imagem e Narrativas N. 5, ano 3, setembro de 2007. LEAL, Weydson Barros. Ensaio com Abelardo da Hora. Recife: Instituto Abelardo da Hora, 2005. REINHEIMER, Patrícia. Arte e Identidade: Estratégias do jogo social. Rio de Janeiro: Revista Campos N. 7, 2006.

22


23


Júlio Cavani (PE) é jornalista do Diario de Pernambuco, atuante principalmente nas áreas de artes plásticas, cinema e música, com experiência em coberturas nacionais e internacionais. Colaborou também para as revistas Das Artes, Billboard, Noize, Continente e Coquetel Molotov. Desenvolveu textos críticos (publicados em livros ou catálogos de exposições) para os artistas Christina Machado, Roberto Ploeg, Juliana Calheiros, Diogo de Moraes, Fábio Tremonte, Rafael Campos Rocha, Anja Gerecke e Stefan Rummel. Participa também de projetos para cinema como diretor, roteirista e produtor. Integrou diversas comissões julgadoras de festivais, prêmios e editais.


MUROS DA LIBERTAçÃO: A HISTÓRIA DA GRAFITAGEM NO RECIFE Júlio Cavani

Este ensaio é resultado de uma compilação de reportagens do autor, publicadas no Diario de Pernambuco entre os anos de 2003 e 2009, e que juntas formam um panorama histórico inédito da arte da grafitagem em Pernambuco em seus primeiros 25 anos, de 1984 a 2009. Para este ensaio, as matérias foram reunidas em um texto único, sem separações entre elas. A pesquisa foi feita a partir de entrevistas com artistas e visitas aos locais onde eles fizeram seus trabalhos e, por causa dessa opção de investigação direta, não foi necessário relacionar uma bibliografia.

Sábado, 19 de junho de 2004. Um protesto social ilegal feito por um trio de artistas plásticos por pouco não foi confundido com um ato de vandalismo gratuito. Os grafiteiros Galo de Souza, Anêmico e Evil foram presos em flagrante enquanto pichavam no alto do Edifício Juscelino Kubitschek uma frase que criticava o abandono do prédio mais alto do centro do Recife, desativado há mais de três anos, sem poder ser usado como habitação. Ao lado da pintura, eles colocaram a assinatura do grupo Êxito d’Rua, liderado e idealizado por Galo, que é o principal grafiteiro em atividade no Recife e que já prestou serviços para o Governo do Estado, participou do Salão de Artes Plásticas de Pernambuco e tem quadros seus em coleções particulares de formadores de opinião e políticos. Naquele momento, a cineasta Cecília Araújo estava filmando um documentário sobre o Êxito, produzido com apoio das leis de incentivo à cultura estadual e municipal. A equipe de filmagem pagou a fiança para liberar os manifestantes presos. O fato estimula 25


uma reflexão sobre o papel que a arte da grafitagem representa para o Recife, seja ela ilegal ou não. Não adianta reprimir, deslegitimar ou fechar os olhos. Os muros da cidade nunca estiveram tão cobertos de grafitagem. Não porque essas pinturas de rua venham se acumulando nas paredes ao longo dos anos, mas porque os artistas estão se multiplicando em progressão geométrica, seja nas oficinas oferecidas por ONGs e governos ou por influência de talentos que surgem todos os dias. Antes de formar opinião sobre o assunto, é preciso que primeiro se compreenda que essa linguagem artística pode se manifestar de várias maneiras. A princípio, existem os trabalhos institucionalizados e os independentes. Os primeiros, principalmente feitos por encomenda, com função mais decorativa, podem estar em bares, boates, restaurantes, lojas, camisetas, prédios públicos e até em carros e motos. Os independentes, mais autorais e praticamente clandestinos, guardam em si a essência da grafitagem — a batalha pela liberdade de expressão — e são feitos sem autorização nos muros da cidade. “Sempre procuramos escolher muros abandonados, com a pintura desgastada, pois não queremos incomodar ninguém”, explicou Galo em entrevista publicada no Diario de Pernambuco. Segundo ele, até mesmo a textura dessas paredes é mais interessante para se alcançarem alguns efeitos. Muros preenchidos com propaganda política de eleições passadas também são sempre procurados pelos artistas. Vale lembrar que pichar o muro pode ser um ato tão criminoso quanto o de usá-lo como propaganda eleitoral. Hoje em dia, por outro lado, órgãos do governo contratam grafiteiros para pintarem seus muros e, assim, protegê-los contra a ação de pichadores. O graffiti, nesses casos, tem seu papel original invertido. É importante também que sejam distinguidas as diferenças entre a grafitagem e a pichação, que não é necessariamente artística e está mais associada ao vandalismo, apesar de, por enquanto, não haver essa diferenciação na lei (embora exista um projeto em tramitação no Congresso Nacional). Pintar um muro sem autorização é um ato classificado como dano ao patrimônio particular quando for numa 26


propriedade privada e dano ao patrimônio público quando num prédio institucional, não importando se o local está bem-conservado ou não. Rebelde assumido, Galo tem plena consciência da ilegalidade de sua arte. De acordo com ele, “qualquer pessoa que quiser conhecer nosso trabalho vai ver que não há nada de mal nele. Quando é feito por encomenda ou com autorização, o clima é outro e o resultado fica diferente, pois na rua o desenho vai surgindo na hora, sem rascunho”. Pedir autorização, segundo ele, também é complicado, porque, na maioria das vezes, os grafiteiros preferem pintar à noite e gostam de escolher o muro na hora da ação. O ato subversivo ainda seduz os artistas. “Já chegamos a receber intimação, e fui obrigado a apagar um graffiti no Recife Antigo. Hoje em dia, o policial passa e não fala nada”, compara Moacir Lago, do extinto grupo Subgraf, mostrando que realmente já existe um certo respeito, mesmo nos casos ilegais. A história da grafitagem no Recife tem dois momentos distintos: uma fase mais clandestina entre os anos 1980 e 1990, e uma explosão na virada do século que se encontra desenfreada nos dias de hoje. O primeiro grafiteiro recifense de que se tem notícia é conhecido como Olho, que continua em atividade. Depois dele, surgiram nomes como Guerreiro, Wlad e Russo, que também se restringiam a pintar em seus bairros e começaram no início da década de 1980, influenciados pelo sucesso do filme Beat Street, exibido no Cine Ritz em 1984, que retratava o movimento hip-hop norte-americano. “Sou grafiteiro desde criança, mas na época não sabia. Quando ajudava meu tio a fazer letreiros, na verdade, eu estava aprendendo a grafitar”, explica Olho, que começou a se assumir e a expandir seu trabalho depois do filme. “Cada relato é a reconstrução de uma trilha, entrecortada de cruzamentos, bifurcações e confluências”, relata a socióloga Silvia Paes Barreto, autora da dissertação Hip-hop na Região Metropolitana do Recife. Como constatou a pesquisadora, a história desses artistas é contada a partir de testemunhos verbais e versões que nem sempre coincidem entre si. Os nomes de Olho e Guerreiro, entretanto, parecem ser unanimidade em relação ao pioneirismo da grafitagem nas ruas do Recife na década de 1980. 27


A dupla resolveu mergulhar no graffiti justamente quando viu Beat Street em 1984. Os dois já sabiam que gostavam de desenhar, mas ainda não tinham encontrado uma forma de expressão com a qual se identificassem até assistirem ao filme. Antes, Olho ajudava um tio a pintar letreiros e Guerreiro imitava as figuras técnicas que um irmão fazia em seu trabalho de torneiro mecânico. Wlad e Russo também estiveram entre os que experimentaram os sprays há mais de 20 anos, assim como o cantor Spider e Jorge du Peixe, hoje vocalista da Nação Zumbi. Olho e Guerreiro, que escolheram os muros da Estrada dos Remédios como alvo preferido, preferiram ficar no anonimato durante quase 10 anos, até 1993. Na época, ainda havia preconceito e seus murais (geralmente com duas assinaturas e, no máximo, três cores) eram confundidos com pichações. “A gente tentava imitar os caras do filme, tanto nas figuras quanto no modo de agir. Um ficava pintando e o outro vigiando, em revezamento”, descreve Guerreiro. Seus sprays eram simples, sem os bicos adaptados usados pelos grafiteiros de hoje, que também já adotaram largamente os rolinhos. “Pra comprar a tinta, vendíamos camisas na Avenida Dantas Barreto.” “Se eu voltar pra rua hoje, vou pintar um retrato de Obama”, promete Guerreiro, que parou de grafitar porque se incomodou com as novas formas como a grafitagem vem sendo conduzida pelos jovens artistas do Recife. “Eles não conhecem a essência de Beat Street e Afrika Bambaataa.” Guerreiro se sentiu excluído porque gosta de manter seu estilo original, enquanto os novos nomes, em sua opinião, deturpam o verdadeiro espírito do hip-hop. “Eles cobram barato e não sobrevivem disso. Estabeleceram preços excludentes. Fazem por diversão, pra tirar onda ou para ficarem com seus nomes conhecidos. Construí minha casa com o dinheiro que ganhei no graffiti, mas hoje estou desempregado”, assume o artista, que agora quer trabalhar com pintura comum de carros ou casas. Já chegaram a existir mais de quinze grupos de grafitagem em atividade simultânea no Recife, cada um com um estilo próprio e identificável e muitos deles espalhados pelos bairros da periferia. Os muros da cidade ficaram carimbados pelas assinaturas de integrantes 28


do Liberdade de Expressão, Pró-Rua, Seres, M.A.F.I.A., Atitude de Rua, Get Crew e outros, além dos artistas que trabalham de forma independente. Os mais famosos, que lideraram diversas oficinas do Governo e da Prefeitura, foram o Subgraf e o Êxito d’Rua. Entre os que têm sua assinatura pessoal, alguns imprimiram um estilo próprio, como Derlon (figuras inspiradas na literatura de cordel), Arbos (criaturas fantásticas pintadas como se fossem xilogravuras), Guga (personagens tridimensionais), Elaine (identidades femininas) e o próprio Galo (temáticas político-sociais). “Começamos na periferia porque, no início, tínhamos medo de fazer graffiti no centro”, conta Moacir Lago, membro-fundador do Subgraf. O grupo iniciou suas experimentações com a linguagem em 1995 e começou a ficar famoso grafitando os muros do abandonado Recife Antigo e sendo chamado para trabalhos comerciais, encomendados por lojas e bares. “Além de tirar uma grana, eu queria começar a conscientizar a galera sobre isso que estava surgindo”, relembra o artista, que considera essa primeira abertura fundamental para a divulgação da prática, influenciando novos talentos. Com o tempo, o Subgraf passou a ser reconhecido também oficialmente, tornando-se o primeiro grupo a dar aulas de grafitagem em projetos sociais e sendo convidado pela Prefeitura para pintar o viaduto da Avenida Norte sobre a Agamenon Magalhães. Sobre o trabalho, Moacir lembra que “foi estranho grafitar com escolta policial”. Idealizado por Galo no ano 2000, o Êxito d’Rua trabalha com os três pilares do movimento hip-hop: o rap (música), o break (dança) e a grafitagem. A transmissão de mensagens de paz e justiça social é o principal objetivo do grupo, que se diz influenciado pelas ideias de Gandhi, Malcom X e do muralista mexicano Diego Rivera. O Êxito, que dá aulas contratado pelo Estado e por ONGs, já levou seus trabalhos a várias cidades brasileiras e participou de festivais de graffiti na Suécia e Dinamarca. Da Boa Vista aos arredores do porto, o centro do Recife é a região da cidade que concentra o maior número de grafitagens por metros de muro. Além da oferta de paredes abandonadas, a condição de ponto de encontro para jovens em grandes shows e nas festas semanais 29


impulsiona o interesse dos grafiteiros pelo local. Além disso, a área é mais neutra em comparação com os bairros dos subúrbios, que costumam ser mais vigiados tanto pelos moradores quanto por galeras. Por enquanto, contudo, essa proliferação do graffiti no Bairro do Recife é um fenômeno mais de quantidade do que de qualidade. A produção ainda é muito irregular, e alguns resultados chegam a ficar feios. Muitos são melhores de longe do que de perto. Há ruas inteiras que se transformam em corredores de cores, como galerias de arte a céu aberto. Existe experimentação, mas os melhores se destacam mesmo pelos desenhos em si, independentemente da técnica. A diversidade chama a atenção, pois os muros reúnem uma grande quantidade de estilos e técnicas. Há stick (pinturas sobre papel coladas na parede como adesivos), stencil (aquelas feitas com moldes), pichações em spray, assinaturas tridimensionais coloridas, figuras pinceladas, textos, detalhes em caneta aerográfica, assinaturas bidimensionais feitas com rolinhos e grandes murais com personagens gigantes. Temas femininos (muitos são assinados por mulheres e demonstram isso nas cores e personagens), traços de mangá, iconografia do hip-hop, citações bíblicas e mensagens sociais convivem no mesmo espaço. No Bairro do Recife, a maioria das grafitagens é independente, mas algumas já conseguem autorização dos empresários e das instituições. O Porto Digital, por exemplo, contratou grafiteiros para ilustrarem os tapumes de uma obra localizada na Rua da Guia. Na esquina da Travessa Tuiuiu com a Rua Mariz e Barros, o dono de um bar que funciona como garagem durante o dia autorizou os artistas a preencherem suas paredes internas e externas. Segundo ele, a presença dos graffitis impede que sejam colados cartazes publicitários e desestimula os pichadores. Em alguns lugares, como em um muro em frente ao Terminal Marítimo, pinturas feitas por artistas diferentes dialogam entre si. Nesse local específico, o grafiteiro Guga desenhou um monstro atacando uma menininha que vivia tranquilamente na parede. Outro clássico do graffiti no Recife Antigo é a decoração feita por Galo dentro do bar Novo Pina, que retrata a fauna humana que frequenta o bairro. 30


O Bairro do Recife se destaca pela concentração de pinturas em pouco espaço, mas a Boa Vista continua com maior quantidade, só que mais espalhada em uma área maior. No Bairro do Recife, essa ocupação do graffiti também tem relação com a situação da região, que nunca foi devidamente revitalizada e está cheia de prédios em ruínas. A remoção de barracos e fiteiros das calçadas de um estacionamento, por exemplo, impulsionou o preenchimento de todos os muros de um quarteirão próximo a um posto de gasolina. Os tapumes de obras como a da Igreja Madre Deus e a do Edifício Chanteclair também viraram alvo fácil para artistas que acabam expondo a situação do patrimônio. Três grafiteiros da Alemanha, quatro de São Paulo e um de Pernambuco pintaram a lateral de todos os vagões de metrôs do Recife. Eles participaram do projeto Wholetrain 2007 Nordeste Tour, criado pelos artistas paulistas Ise e Osgemeos e que também aconteceu em outras capitais da Região. No Recife, dois metrôs e um trem foram pintados. O grafiteiro pernambucano Galo, o paulista Coyo e os alemães Loomit, Peter Michalski e Robert são os outros artistas convidados. O projeto tem apoio da CBTU, patrocínio da Proartecontemporânea (uma cooperativa de colecionadores) e produção local da Astronave Iniciativas Culturais (responsável pela organização do festival Abril pro Rock). Na Região Metropolitana, o sistema ferroviário atualmente atende a 190 mil pessoas por dia, que então passaram a conviver com as obras de arte no cotidiano. No primeiro metrô que começou a ser coberto de tinta spray, cada vagão foi pintado com um estilo diferente. Em um deles, Osgemeos (os mais famosos de São Paulo, irmãos gêmeos) e Ise fizeram uma homenagem à xilogravura de J. Borges, com o folclore nordestino como tema. Outro ficou mais fiel ao estilo da dupla de artistas, que retrata a multidão de cabeças que entra e sai dos trens diariamente. Peter Michalski criou uma composição abstrata, formada por traços ágeis, curtos e enérgicos. Coyo atingiu expressividade ao ampliar um detalhe da bandeira de Pernambuco e desenhou ao lado um garoto pescando caranguejo. 31


Para Otávio e Gustavo Pandolfo (Osgemeos), o Wholetrain, além da importância social, representa um encontro entre três diferentes escolas de graffiti: a de São Paulo, a do Nordeste e a da Alemanha. Eles mesmos já alcançaram a consagração internacional e chegaram ao mercado de galerias de arte de Nova York, pois seu trabalho não se concentra apenas nas ruas, mas também em telas e quadros. Loomit (especialista em efeitos 3D) e Michalski, em atividade desde a década de 1980, também estão entre os principais nomes da Alemanha e já levaram suas obras para muros de países como Rússia, França, Inglaterra e Iugoslávia. Osgemeos também foram ao município de Nazaré da Mata fazer pinturas para as gravações do DVD de Siba e a Fuloresta. Nos metrôs recifenses, a ideia era fazer as pessoas se sentirem dentro de uma obra de arte, como em uma instalação. As imagens são feitas para serem vistas de perto, em detalhes, e também de longe, pois querem aproveitar as características dos metrôs da cidade, que circulam na superfície e podem ser vistos ao ar livre de diversas distâncias. As cores do graffiti também foram transportadas por um trem que todos os dias vai do Recife até o Cabo de Santo Agostinho, passando por paisagens urbanas e rurais. Depois de pintarem os metrôs, os artistas da Alemanha e de São Paulo, participantes do projeto Wholetrain, grafitaram ainda uma locomotiva movida a diesel. Loomit, que é de Munique, foi pioneiro do graffiti na Alemanha e começou a trabalhar com a técnica em 1983, influenciado pelo filme americano Style Wars, um antecessor de Beat Street que também retratava os primórdios da cultura hip-hop. Antes disso, só havia entrado em contato com a linguagem uma vez, por meio de um amigo que morou nos Estados Unidos. Também participou o alemão Robert, conhecido como Content Provider, que transformou um dos vagões do trem em uma embalagem de chiclete. O grafiteiro Nunca, de São Paulo, homenageou em sua pintura as capas dos discos pernambucanos de rock psicodélico da década de 1970, de músicos como Marconi Notaro, Lula Côrtes e Flaviola. Os grafiteiros fizeram a pintura na estação Santo Inácio, 32


no Cabo. A locomotiva começou a ser pintada no domingo e já estava toda coberta de imagens coloridas na terça, quando voltou a percorrer seus trilhos. Apenas em Pernambuco, mais de 2 mil latas de spray foram usadas pelo grupo. Grandes grafiteiros de outros estados e países fizeram estadias em Pernambuco por iniciativa independente, sem patrocínios ou apoios oficiais. K-Boco, de Goiás, espalhou seus desenhos pelos muros do Recife antes de se mudar para São Paulo, onde consolidou sua carreira (em 2006, chegou a expor pinturas em uma galeria de Nova York). O francês Orcke também deixou sua marca em diversos pontos da cidade, como a Ponte do Pina e a pista de skate da Avenida Boa Viagem.

33


Raíza Ribeiro Cavalcanti (PE), jornalista e cientista social, é graduada em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap, 2007) e em ciências sociais pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, 2008). Especialista em história da arte pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj, 2009) e mestre em sociologia da arte pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, 2011), é pesquisadora integrante do Grupo P.I.A. – Pesquisas e Interações Artísticas. Desde 2007, atua no campo da arte, trabalhando em instituições como o Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam, 2007 2008) e o Museu da Cidade do Recife. Junto ao Grupo P.I.A., foi cocuradora de Eflúvios Artificiais de Mulheres Abstratas, projeto do artista Daniel Santiago (Mamam, 2011). Atua na pesquisa e produção intelectual nas áreas das artes visuais e da sociologia da arte.


ARTE E POLÍTICA: PAIXÃO ANTIGA

Um breve regresso à história desse relacionamento no contexto de Pernambuco (de 1952 a 2008) Raíza Cavalcanti

Introdução Desde quando existe uma relação entre a política e a arte em Pernambuco? Esta foi a pergunta que me fiz quando iniciei meu processo de investigação do relacionamento entre arte e política no cenário do Recife do século XXI. Mas essa questão me parecia bastante polêmica e complicada de ser respondida, considerando que esse casamento é algo de difícil delimitação e definição. E essa dificuldade advém, em primeiro lugar, do fato de a política, em si, já ser uma questão de extrema complexidade que envolve diversos autores, teorias e discussões na tentativa de defini-la. Por outro lado, a arte também é um campo historicamente estabelecido, possuindo suas regras e particularidades estéticas, as quais também exigem um entendimento particular e atento. Sendo assim, pensar esses dois mundos complexos e a relação entre eles sem provocar reduções é um desafio que parecia impossível de se alcançar.

1  ADORNO, Theodor (1970). Teoria Estética. Lisboa, Arte&Comunicação.

Entretanto, no caminho para desvendar os nós dessa questão, encontrei alguns teóricos e pensadores da arte que, aproximandose da afirmação adorniana, concordam que a arte é subversiva e revolucionária por si mesma, não precisando abordar nenhuma temática evidentemente política para ser definida como tal1. Porém, alguns deles, ao contrário do teórico da Escola de Frankfurt, pensam nessa possibilidade subversiva da arte como a dimensão estética da sua política. Ampliam o pensamento adorniano, reinscrevendo a possibilidade emancipadora da arte em uma dimensão do social, 35


da sua existência na vida cotidiana, na esfera pública e até no interior do mercado. Partindo desse ponto de vista, percebi que, sim, é possível estudar a relação entre arte e política na história da arte pernambucana. Então, parti para a observação dos momentos em que arte e política se encontraram, se encontram e ainda se encontrarão na história da arte de Pernambuco. Esse primeiro passo foi fundamental para marcar o início do processo de análise de como se dão, aqui, as relações entre arte e política, pensadas a partir do contexto da arte contemporânea e do século XXI, o qual fui ampliando aos poucos. Este ensaio é, então, uma fotografia das trilhas que percorri no intuito de desvendar a relação entre arte e política na arte pernambucana. Aqui, realizo um breve resumo de momentos decisivos em que esse encontro ocorreu na história da arte do Estado. Nesse momento de reflexão inicial, marcado pelo esforço de desbravar a história da arte pernambucana, tento encontrar nela vestígios de encontros entre arte e política que promoveram importantes mudanças em cada uma dessas esferas. Arte, política e Pernambuco: amigos de longa data Para começar a empreender uma análise do contexto da arte política atual, foi necessário reportar-me ao passado dessa relação no Estado. E a história da arte pernambucana é repleta de momentos em que arte, política e contestação social se aproximam e se fundem em trabalhos críticos e experimentais ou de cunho popular, voltados para a aproximação da arte com o povo de Pernambuco.

2  AMARAL, Aracy (1984). Arte Para Quê? A Preocupação Social na Arte Brasileira 1930-1970. São Paulo, Nobel.

Um dos primeiros e mais marcantes momentos da relação da arte pernambucana com a política foi o Atelier Coletivo, um dos coletivos de artistas pioneiros da história da arte de Pernambuco, fundado pelo escultor Abelardo da Hora. Dele fizeram parte nomes importantes, como Gilvan Samico, José Cláudio, Guita Charifker e Ionaldo Cavalcanti. Surgido em 1952, o Atelier Coletivo foi resultado de uma grande movimentação nacional para a criação de clubes de gravura, iniciado no Rio Grande do Sul por Carlos Scliar2. 36


A arte comprometida, nessa época, era, essencialmente, conteudística. Isso era resultado da forte influência, naquele momento, da Revolução Russa e dos ideais comunistas ainda não frustrados. O realismo soviético, o muralismo mexicano e o expressionismo alemão de Käthe Kollwitz, por exemplo, eram considerados as armas de combate artístico às injustiças e desigualdades sociais promovidas pelo capitalismo. A gravura, então, era considerada a técnica, por excelência, da arte comprometida e engajada. A preferência pela gravura provinha do fato de ela ser facilmente reprodutível, tendo a possibilidade de ser, assim, amplamente popularizada, e também por acreditar-se que ela era mais rapidamente codificada e compreendida pelas classes populares que as pinturas abstratas ou as cubistas ou qualquer outra tendência ligada ao modernismo3. Nesse momento, a gravura pernambucana primava por temas que retratassem os trabalhadores rurais e as temáticas populares. O Atelier Coletivo recebeu muita influência da arte muralista mexicana, sendo Diego Rivera uma das referências principais. O cenário pernambucano ficou tão impregnado com a questão social na arte que, segundo afirma José Cláudio (ex-integrante do Atelier), mesmo aqueles que eram mais simpáticos à tendência francesa (modernista) não ousavam pintar outro assunto que não fossem as figuras do povo, trabalhadores, camponeses, feirantes, vaqueiros, crianças pobres, entre outros4. Em entrevista, Abelardo da Hora enfatiza o caráter inovador do Atelier para o cenário artístico daquele momento: Minha preocupação ao fundar a Sociedade de Arte Moderna do Recife e o Atelier Coletivo e, posteriormente, o Movimento de Cultura Popular era não só de dar uma entidade de arte aos artistas, como democratizar o ensino da arte e realizar um amplo movimento de integração de artistas, intelectuais, Governo e povo, no intuito de fixar uma característica eminentemente brasileira em todos os setores das artes5 . 3  Idem. 4  Idem. 5  CLÁUDIO, José (1964). Memória do Atelier Coletivo (Recife 1952–1957). Recife, Artespaço.

37


Anos 1970: a década da ruptura Mas todo esse cenário voltado para a pintura, as técnicas tradicionais e uma constante alusão ao popular abrigou, na década de 1970, a ruptura, trazida por correntes artísticas mais voltadas ao experimentalismo e que dialogavam com as vanguardas surgidas na Europa e nos Estados Unidos a partir dos anos 1960. Ruptura esta que radicalizou, de maneira inédita, a inserção da questão política dentro dos temas e objetivos artísticos. Artistas como Paulo Bruscky, Daniel Santiago, Silvio Hansen e Marconi Notaro pregavam (e realizavam) uma arte para além da pintura e da escultura tradicionais, da mesma forma que movimentos como o dadaísmo e a arte conceitual o faziam. A ironia, o jogo de palavras, a ousadia e a extrema capacidade crítica desses artistas no uso dos mais variados suportes para fazer arte foram pioneiros no Estado. Para esses artistas, fazer arte implicava criticar, subverter a ordem político-artístico-social daquele período — marcado por truculentas ditaduras na América Latina e em alguns países europeus. O totalitarismo desses regimes políticos, o cerceamento de liberdades e a perseguição eram o alvo que deveria ser combatido em busca de uma sociedade democrática, de livre expressão e pensamento. Nesse sentido, as obras assumiam tons eminentemente irônicos e combativos, contestando, diretamente, esse contexto hostil. Trabalhos de Paulo Bruscky, como Aos Mortos e Desaparecidos, de 1978 (exposto recentemente), apresentam negativos de retratos lambelambe em que aparecem apenas as testas e os queixos das pessoas fotografadas. O anonimato dos rostos, totalmente não identificáveis, apresenta uma crítica aos mortos e desaparecidos durante o regime militar, dos quais muitos jamais foram encontrados. Questiona também o fato de outras muitas pessoas ignorarem a ditadura e preferirem calar diante de desaparecimentos, torturas e outros abusos cometidos pelo regime naqueles anos. Essa arte altamente experimental e que incorpora, fortemente, à sua poética a questão política foi a marca da década de 1970 em Pernambuco, cujo expoente mais reconhecido atualmente é o artista Paulo Bruscky.

38


A pintura e a política nos anos 1980 Atitudes explícitas de crítica numa época de AI-5 eram extremamente ousadas e transgressoras; por isso, muitas vezes, foram feitas sob a capa protetora do anonimato. Os artistas de então pareciam não ter muitas ambições de frequentar museus e galerias, de vender suas obras, apesar de, muitas vezes, estarem dentro dessas instituições. A arte estava em um momento de expansão no qual o combate à ditadura e a expressão de uma luta pela democracia e liberdade se tornavam artísticos. Porém, após a abertura política, o País viveu um retorno à pintura e a ampliação de um sistema de mercado. A década de 1980 marcou a ascensão da figura do curador como o agenciador de obras de arte para o mercado. Inserida na lógica de compra e venda de objetos artísticos, a arte perdeu muito do sentido combativo das décadas anteriores para reinscrever-se em uma condição de produto, comercializado pela classe média em ascensão da época. No Recife, com o início da arte contemporânea se dando, mais notadamente, a partir da década de 1990, os anos 1980 se tornaram um período de transição importante para a arte local. Ao mesmo tempo que predominavam as temáticas populares e as técnicas tradicionais no interesse dos artistas pernambucanos, a política, em sua recente restauração democrática, fez as pazes com a sociedade, levando artistas a se engajarem em campanhas nas famosas Brigadas Artísticas. A relação entre arte e política, nessa época, passou a ser mais pacífica e, de certa forma, comportada. Sem o caráter de combate dos anos anteriores, a arte serviu como forma de difusão de ideias de partidos políticos e tornou-se um veículo de campanha para os candidatos da época. Os artistas, então, dividiam-se entre as brigadas Henfil e Portinari. As ações das brigadas remetiam ao muralismo mexicano, mas as pinturas murais tinham como objetivo maior a propaganda dos candidatos e partidos políticos ligados a elas. O engajamento dos artistas, nesse momento, se dava em nível partidário. Ou seja, defendiam bandeiras ideológicas, geralmente da esquerda, através de partidos e candidatos que haviam sido perseguidos durante a ditadura 39


ou que emergiram após os anos de repressão, defendendo ideias opostas às da direita recém-integrada à ideologia neoliberal. Muitos artistas hoje importantes no cenário recifense iniciaram sua trajetória participando das brigadas, como Márcio Almeida. O nascimento da arte contemporânea em Pernambuco A partir dos anos 1990, começou a configurar-se dentro do campo das artes visuais, no Brasil e também no Recife, o que hoje se conhece por arte contemporânea. Artistas insatisfeitos com o sistema mercadológico baseado na arte figurativa passaram a reivindicar a volta do uso de suportes variados — comuns nas décadas de 1960 e 1970 — como expressão artística. Porém, diferentemente do grupo que almejava apenas a crítica ao contexto político, os artistas dos anos 1990 queriam também o reconhecimento do sistema institucional e mercadológico da arte realizada a partir de instalações, performances e happenings. No cenário artístico do Recife, a década de 1990 abrigou um processo de mudança no qual o experimentalismo radical passou a dar lugar à intensa profissionalização de uma arte baseada em princípios mercadológicos, mas inspirada pela expansão dos suportes e das possibilidades artísticas das décadas de 1960 e 1970. Nesse período, foram criadas instituições que hoje têm importância cardeal para a arte contemporânea local, como o Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam) e o Instituto de Arte Contemporânea (IAC), vinculado à Universidade Federal de Pernambuco. Dentre as instituições culturais já existentes, a Fundação Joaquim Nabuco foi a que mais contribuiu para a profissionalização e para a formação artística daquele período, promovendo, a partir de 1995, cursos de história da arte ministrados por profissionais renomados na área. Nesse período, o conflito entre arte produzida em suportes diferenciados e mercado de arte parece haver ocupado mais a preocupação dos artistas, afastando a questão política da pauta dos trabalhos e objetivos artísticos. Mas, por situar-se em um chamado campo expandido, que abrange diferentes disciplinas e questões, além de diversas técnicas e linguagens, a própria arte 40


contemporânea cobrou-se a volta do olhar para o contexto histórico, político e social em que se insere. Século XXI: novas reivindicações, novas inserções políticas na arte Mundialmente, a arte tem desenvolvido novas formas de inserir a política em seu contexto. Essas novas relações abrangem desde transgressões e atos subversivos (às vezes até criminosos) até ações ativistas, socialmente combativas, passando por abordagens políticas mais sutis (ou menos evidentes). Em comum, os trabalhos políticos apresentam um forte teor crítico à sociedade atual, tomada como desarraigadora e fragmentadora da dimensão criativa e subjetiva do indivíduo. A arte se conecta às críticas contemporâneas, como os questionamentos contra o processo de globalização, por exemplo, e se aproxima de movimentos de reintegração do homem à sua subjetividade, trazendo para o seu campo a resistência. Nesse sentido, a arte contemporânea incorpora a dimensão política na medida em que critica a constituição social em que se vê inserida e combate, através de ações autônomas ou coletivas, a atual configuração do sistema capitalista. Considerando isso, observa-se que grande parte da arte crítica contemporânea atua no campo da micropolítica, realizando pequenas inserções dentro do sistema social. Provocações, transgressões, intervenções urbanas que promovem o encontro, o reconhecimento e despertam o criativo são pequenas amostras de ações artísticas que se aliam a ações políticas na crítica da sociedade contemporânea. A arte pernambucana se alia a esse movimento mundial e traz para o seu campo artístico todas as atuais formas de questionamento político. Durante a análise do contexto socioartístico atual, pudemos verificar que a arte produzida no Recife abriga as tendências de arte crítica (da maneira como a define o pesquisador Miguel Chaia), além de trabalhos que englobam a transgressão, a provocação e também o arte ativismo. A tendência transgressora e provocativa pode ser observada na figura de artistas como Lourival Cuquinha. A dimensão transgressora de Cuquinha 41


ficou evidente no trabalho em que produziu colares de haxixe (droga derivada da Cannabis sativa), denominados de Collier du Mozambique, acompanhados de um manual de instruções que ensinava a fumá-los. O projeto foi se ampliando e foram sendo incorporados ao trabalho fotos e um vídeo mostrando o artista a circular por aeroportos, atravessar fronteiras de carro e viajar de avião portando a droga. Ao levar o trabalho para ser exposto em outros países, o artista comete o crime de tráfico internacional de drogas. O trabalho criminoso de Cuquinha foi exposto na França, no Brasil (Rio de Janeiro) e também na Alemanha, onde o artista vendia cada colar a dez euros. Porém, uma das tendências mais fortes e presentes da arte política de Pernambuco é a que o pesquisador Miguel Chaia define como arte crítica: [...] a situação da arte crítica acontece a partir da relação básica entre arte e política. Parte da aguçada consciência crítica do artista, que cria obras baseadas na sensibilidade social, no gozo da liberdade e nos esforços e pesquisas para o avanço ou revolução da linguagem artística. Nesse caso, a questão social fundese aos aspectos formais da obra, criando uma arte com grande potencial de radicalidade que abriga formas de conhecimento e investigação6 .

De acordo com essa definição, encontramos os trabalhos de Paulo Bruscky, que sempre primaram pela revolução da linguagem artística em conjunto com o alto teor crítico dos questionamentos suscitados pelas obras. Muitos dos trabalhos do artista Márcio Almeida também podem ser enquadrados nessa tendência. No trabalho Entre o Novo e o Nada, por exemplo, Márcio negocia a troca de uma casa por um barraco e o leva ao Museu de Arte Contemporânea, como projeto para o 46° Salão de Artes Plásticas de Pernambuco. Esse trabalho chama a atenção pela forma inteligente e polêmica com que aborda questões como moradia, pobreza, relações de poder e ética.

6  CHAIA, Miguel (2007). Arte e Política: Situações. In: CHAIA, Miguel (org.). Arte e Política. Rio de Janeiro, Azougue.

Também encontramos, no Recife, artistas integrantes de grupos que promovem ações fortemente ativistas e de caráter coletivista — sem autoralidade individual definida. É o caso dos participantes do CélulaMATER, grupo recém-formado e um dos poucos a apresentar essa característica ativista dentro do cenário artístico do Recife. Eles se articulam com grandes organizações sociais da cidade, como 42


a Rede de Resistência Solidária, composta por cerca de sessenta grupos com forte proposta de engajamento social e cuja expressão artística mais expressiva reside no graffiti. Além desses artistas e grupos observados, há vários outros que promovem trabalhos pontuais que tocam essas questões e se enquadram em algumas dessas tendências. Esses projetos são realizados, geralmente, em eventos como o SPA das Artes. O trabalho de Marcos Costa para o SPA de 2004, intitulado Vende-se Este Rio, por exemplo, é um dos poucos produzidos por esse artista com uma característica eminentemente crítica. Primeiras conclusões Depois de tudo o que foi citado, resta-me constatar que essa pesquisa ainda está no começo. O que foi observado até o momento serviu não para esgotar o tema, mas para encher-me de esperanças com relação a essa análise, pois mostrou-me o quanto ela é rica em material, trabalhos e questões. Essas informações preliminares provam que a investigação sobre o relacionamento entre arte e política em Pernambuco não só é pertinente, como muito necessária para se formar um quadro compreensivo da arte pernambucana. Dentro dessa realidade rica em material de observação, é necessário desenvolver o olhar crítico e trazer a colaboração de autores em que a questão da estética em relação com a política seja tratada de forma a ultrapassar os reducionismos tão perigosos. É possível pensar, como Adorno, que a arte possui um caráter intrinsecamente político e subversivo, no qual o tema não só torna-se desnecessário, como até maculador da obra. Mas considerar a estética em sua dimensão política não deve ser algo eliminador da condição social das obras artísticas. E é tarefa do pesquisador não ignorar realidades em prol da defesa de teorias as mais refinadas, mas encontrar um ponto de encontro entre estética, política e pensamento social na abordagem dessa questão. É por isso que acredito que até Adorno, caso estivesse vivo neste nosso século XXI, já teria atentado para esse fato e ampliado um pouco suas ideias. 43


Referências bibliográficas ADORNO, Theodor (1970). Teoria Estética. Lisboa, Arte&Comunicação. AMARAL, Aracy (1984). Arte Para Quê? A Preocupação Social na Arte Brasileira 19301970. São Paulo, Nobel. CHAIA, Miguel (2007). Arte e Política: Situações. In: CHAIA, Miguel (org.). Arte e Política. Rio de Janeiro, Azougue. CLÁUDIO, José (1964). Memória do Atelier Coletivo (Recife 1952–1957). Recife, Artespaço. FREIRE, Cristina (2007). Paulo Bruscky: Arte, Arquivo e Utopia. Recife, Cepe. MONACHESI, Juliana. A Explosão do A(r)tivismo. Folha de São Paulo, São Paulo. Publicado em abril de 2003, Seção Folha Ilustrada. SEGURADO, Rosemary (2007). Por uma Estética da Reexistência na Relação Entre Arte e Política. In: CHAIA, Miguel (org.). Arte e Política. Rio de Janeiro, Azougue.

44



Sebastião Pedrosa (PE), arte-educador e artista plástico, é doutor em arte pelo Programa de Pós-graduação em Arte da University of Central England em Birmingham (1993), na Inglaterra. É professor associado, vinculado ao Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e sócio da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap). Participou de várias exposições de arte no Brasil e na Europa. Tem se dedicado à produção de arte e à pesquisa na área de arte-educação e processos criativos.


O ENSINO DA GRAVURA NA UFPE Sebastião Pedrosa

Introdução A gravura tem sua história e evolução como técnica e como possibilidades estéticas. Partindo desse pressuposto, este ensaio procura evidenciar questões que se tornam presentes no dia a dia nas disciplinas de gravura como componente curricular do Curso de Licenciatura em Educação Artística – Artes Plásticas, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Trata inicialmente de contextualizar historicamente como vem se processando esse ensino, para, em seguida, apontar alguns riscos possíveis para a saúde, decorrentes da manipulação de materiais tóxicos no ambiente do ateliê, e sugerindo a substituição desses materiais por polímeros acrílicos, como uma inovação técnica da gravura em metal. Considerando que o ensino da gravura não pode nem deve isolar-se do universo apenas do tratamento técnico dos materiais, o texto sugere que o espaço do ateliê de gravura deve orientar a consciência, a percepção e a reação do aluno em direção à construção de poéticas visuais próprias, condizentes com o fazer artístico na atualidade. Considerações históricas O ensino da gravura na UFPE, aqui abordado, está diretamente ligado à implantação do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, criado em decorrência da aplicação do Plano de Reestruturação da Universidade Federal de Pernambuco (1974), originado da reformulação dos preexistentes departamentos de Desenho, Pintura e Escultura, 47


do Departamento de História das Artes e do Departamento de Música, ligados então à Escola de Belas Artes da UFPE. Para um estudo mais abrangente, seria necessário investigar os programas de ensino da gravura que antecederam a criação do referido departamento, isto é, quando o ensino da arte nessa universidade era gerido pela administração acadêmica da Escola de Belas Artes. No campus universitário da UFPE, a gravura tem seu espaço como disciplina no curso de formação de professores de arte, a partir de 1977, quando foi criado o Curso de Licenciatura em Educação Artística. Duas disciplinas, com um total de 210 horas-aula, cuidam de todos os aspectos referentes à prática da gravura. Por serem disciplinas obrigatórias, centenas de alunos, ao longo desses 31 anos, foram iniciados nesse fazer artístico. No entanto, podemos indicar nominalmente as pessoas que tomaram a gravura como possibilidade de expressão estética. Desde o início desse curso de graduação, o Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística investiu em cursos de extensão em gravura sob a orientação do professor e artista plástico José de Barros, o qual deixou essa função em volta de 1993 por motivo grave de saúde, levando-o à morte. Sendo José de Barros, ele mesmo, excelente gravador, atraía ao ateliê da UFPE jovens artistas talentosos, alguns dos quais se destacam no cenário das artes visuais no âmbito local e nacional — muito embora, nem sempre consagrados pela expressão através da gravura. Tanto os programas de cursos na graduação como na extensão ofereciam noções básicas das técnicas de xilogravura, cologravura e gravura em metal. As condições físicas limitadas do ateliê de gravura e a inexistência de um técnico impressor que aliviasse o trabalho do professor nunca permitiram que os alunos nesses cursos tivessem sua produção selecionada para exposições. Talvez as escusas mencionadas acima não sejam os maiores fatores para a inexistência de exposições, muito embora o Prof. José de Barros envolvesse os alunos em provocantes mostras de arte, mas quase nunca tomando a gravura como meio de expressão. A razão para isso seja talvez decorrente do enfoque dado ao ateliê: espaço experimental e de iniciação às técnicas de gravura, tendo os cursos, de certa forma, uma breve duração, nunca havendo tempo suficiente para o amadurecimento dos recursos da técnica associados à proposta estética do aluno. 48


O acervo proveniente da Oficina Guaianases1 sugere como alguns dos alunos dos ateliês de gravura da UFPE, não tendo chances de dar continuidade ao estudo da gravura, buscavam outro espaço para fazer litogravura. Talvez porque a litogravura só fosse praticada na Guaianases.

1  A Oficina Guaianases de Gravura, hoje localizada no Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, dispõe de um acervo de litogravuras depositado na Biblioteca Joaquim Cardozo, no Centro de Artes e Comunicação da UFPE. O acervo guarda gravuras não apenas de José de Barros, mas de muitos de seus ex-alunos, como Alexandre Nóbrega, José Patrício, Maurício Silva e outros.

Poderíamos, portanto, nos perguntar: por que um número tão limitado de artistas na cidade do Recife tem se dedicado à prática da gravura? Já que o Nordeste do Brasil goza da reputação da boa gravura popular, tem nomes de destaque nacional, como Gilvan Samico, e se beneficiou da efervescência dos cursos da Oficina Guaianases nos anos 1970, por que então um número tão reduzido de artistas se dedica à sua prática? Vários pontos podem elucidar essa questão. Primeiramente, poderíamos sugerir que o momento atual da arte reflete a superação dos limites de uma linguagem artística exclusiva para se construir múltipla e híbrida, sem ortodoxias. O profissional das artes visuais hoje não se vê exclusivamente gravador, mas artista que faz gravura e, ainda mais, artista que faz da gravura não uma ilustração de ideias, mas uma poética visual na qual ela é consequência de uma proposta estética. Um outro aspecto a se considerar é a complexidade dos materiais e equipamentos para se montar um ateliê de gravura com as técnicas tradicionais: a exigência de espaço permanente e adequado, a inexistência de instrumentos e materiais no comércio e o descaso às obras tendo o papel como suporte (mesmo que a gravura contemporânea possa prescindir dos suportes tradicionais) são alguns fatores que explicam a questão. Possivelmente existem outros fatores a serem considerados.

2  Em sua história de 21 anos (1974–1995), a Guaianases ganhou reconhecimento nacional e muito colaborou com artistas residindo no Grande Recife. Depois de um ano de recesso por dificuldades de naturezas diversas, inclusive aquelas decorrentes da falta de incentivo cultural na região, em janeiro de 1995 foi decidida, em assembleia geral, a transferência do acervo da Guaianases para a UFPE.

Com o falecimento do Prof. José de Barros em 1993, as disciplinas de gravura no Curso de Licenciatura em Educação Artística (Oficina de Gravura I e Oficina de Gravura II) foram assumidas pela Profª. Tereza Carmen Diniz e pelo Prof. Sebastião Gomes Pedrosa. Cursos de Extensão em Gravura na UFPE ficaram suspensos até 1995, quando o acervo da Oficina Guaianases de Gravura foi transferido para a UFPE2. Em fevereiro de 1995, o Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística assumiu a responsabilidade de adotar a oficina e transformá-la no Laboratório Oficina Guaianases de Gravura (Logg), 49


na Lisboa, Residência A Artística no Projeto Logg – Laboratório Oficina Guaianases de Gravura, 2010-2011 Sem-título , xilogravura de Cynthia Rocha, 2005, enquanto aluna de Gravura 1



preservando parte do seu nome original. Em sua nova instalação, a oficina se ampliou, adaptando-se à estrutura acadêmica universitária, mas sem perder seu caráter experimental e de abertura às diversas manifestações e tendências estéticas, sem perder de vista os apelos da contemporaneidade. Os programas do Logg foram implementados em níveis de cursos de graduação, cursos de extensão, projetos especiais e atividades de pesquisa. Nessa ampliação de áreas de atuação, buscavam-se também a experimentação e o aprofundamento de outras categorias de gravura, além da litogravura, enfaticamente explorada na antiga Guaianases, como é explícito no texto de um de seus catálogos escrito por Paulo Azevedo Chaves: “A motivação profunda era a pesquisa litográfica, o desafio da pedra”. A partir de então, assumem equivalente importância a xilogravura, a cologravura, a gravura em metal em suas diversas técnicas, a serigrafia, a monotipia e a perspectiva para se explorar as possibilidades da gravura digital. A intenção de incentivar a prática dessas diversas categorias era promover aos alunos a liberdade estilística e técnica, requisitos fundamentais para a gravura contemporânea. Hoje, o artista gravador tende a fazer misturas e fusões ecléticas de estilos históricos e técnicas em suas gravuras. Independentemente da técnica ou fusão de técnicas utilizadas em seu trabalho, como diz Bachelard3, O gravador reencontra a pré-história da mão. Desde o primeiro traço sobre a pedra das cavernas ao mundo gravado sobre o cobre, nós o sentimos verídico e profeta. Seu ofício é verdadeiro porque enérgico, porque em contato com a matéria real e forte. Na ponta do buril nascem, ao mesmo tempo, consciência e vontade

(elementos indispensáveis para se chegar a um estágio de maturação e fazer da gravura uma linguagem artística, com dimensão maior, poética, como possibilidade de articular vivências). 3  BACHELARD, Gaston. O Direito de Sonhar. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p. 74.

Ao cabo de um ano de permanência do Logg no Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, foi realizada uma exposição coletiva no hall do Centro de Artes e Comunicação (CAC) de todos 52


os alunos que frequentavam os ateliês de gravura, tanto os da graduação como os do ateliê livre de gravura. A exposição se justificava pela consciência da Coordenação do Logg de que o ato de expor exige de quem expõe uma tomada de consciência e um julgamento crítico de seu trabalho não apenas em nível técnico, mas também em qualidade estética. Uma exposição pode dar o impulso para a construção de novas etapas. Diante da existência do Logg no referido departamento, alguns artistas operaram em regime de programa do tipo “artista residente”. José Patrício, Renato Valle e Ana Lisboa foram artistas que marcaram uma maior presença às oficinas do Logg. José Patrício, que vem dedicando sua carreira de artista à pesquisa do papel como media e expressão plástica, produziu quatro litogravuras policromadas, com vigorosa simplificação da forma e força poética. A presença de Renato Valle, através do Projeto Dumaresq, foi estimulante e significativa para o desenvolvimento da gravura na UFPE. Diariamente, com sua presença silenciosa e a disciplina de um iluminista, Renato desenhava suas pedras com a marca da reconstrução pós-moderna da serialidade, influenciando e ensinando a todos que circulavam pelo ateliê a tratar a gravura com maior entusiasmo. Ana Lisboa, atualmente ensinando gravura na Licenciatura em Educação Artística juntamente com Sebastião Pedrosa, foi a primeira monitora em gravura que o Departamento de Teoria da Arte conquistou. Desde seus primeiros contatos com a gravura, como aluna da graduação, Ana Lisboa demonstrou sua vocação. Ela tem realizado algumas exposições e ganho prêmios em salões internacionais e continua investigando as várias categorias de gravura sob um prisma pós-moderno, explorando “sinais arcaicos, traços da infância, tatuagem da memória”.

4  A mostra Territórios de Papel apresentava gravura de Frederic Amat, José Hernandez, Luis Gordillo e Rafael Canogar.

A dinâmica do Ateliê de Gravura é complementada pelas visitas a ateliês de artistas, como o ateliê de Gilvan Samico; pelas visitas a lugares de interesse, como o sítio arqueológico da Pedra do Ingá; e pelas visitas a exposições de gravuras que surgem na cidade. Em agosto de 1998, foi inaugurada no CAC a Galeria de Arte Capibaribe com a mostra Territórios de Papel, de quatro artistas contemporâneos espanhóis4. Desde então, pelo menos uma vez ao ano é realizada nessa 53


galeria uma exposição das gravuras dos alunos da graduação. Isto é uma indicação da qualidade da produção dos alunos. Porém nem todas as turmas têm exposto, já que o objetivo da disciplina não é produzir exposição, e sim estimular o aluno a iniciar-se no universo da gravura e, se possível, incorporar esse meio de expressão na sua linguagem pessoal. Dessa maneira, a busca pessoal é indispensável; a procura incessante da técnica, forma e conteúdo, do significado e significante se faz necessária. Nessa busca, o processo de impressão não pode ficar à margem. O impressor e/ou artista-impressor devem trabalhar juntos. Como parte integrante do gravar, os processos de imprimir, sempre específicos a cada tipo de gravura, possuem suas próprias viabilidades formais, oferecendo novas possibilidades a ampliar e enriquecer a linguagem gráfica. Por isso, em cada técnica (monotipia, cologravura, xilogravura e calcogravura), o graduando é encorajado a imprimir sua própria gravura. É importante afirmar que o Logg atingirá a sua maturidade quando seus artistas estiverem livres das fronteiras tradicionais da mera impressão de imagens e puderem evidenciar seus processos individuais através da expressão de ideias e de um nível de execução tecnicamente avançado. Só o trabalho e a pesquisa sistemáticos permitirão isso. A necessidade de inovação dos procedimentos da gravura em metal

5  Ver: RESENDE, Ricardo. Os desdobramentos da gravura contemporânea. In: Gravura – Arte Brasileira do Século XX. São Paulo: Cosac & Naify/ Itaú Cultural, 2000. ISBN 85.7503.0345; pp. 226-253. Ver também: Catálogo da XI Mostra de Gravura da Cidade de Curitiba. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1995; e WYE, Deborah (org). Thinking Print: Books to Bill, 1980-95. Nova Iorque: The Museum of Modern Art of New York, 1996.

Um dos desafios para quem se propõe a fazer arte hoje é a superação dos limites da linguagem artística, independentemente de qual seja a media ou a técnica utilizada. Entre os artistas gravadores, esse desafio também é foco de atenção. Basta folhear alguns catálogos de exposição de gravura contemporânea para perceber que ela rompe seus limites e inaugura um novo pensamento visual5. Essa superação de limites na gravura diz respeito também às técnicas utilizadas, quase sempre danosas à saúde do artista gravador. Lidando com a gravura como artista plástico e como professor, me interessa pesquisar os novos rumos na gravura artística, seja do ponto de vista de seu desdobramento como possibilidade estética, seja quanto aos novos dispositivos técnicos. Neste último aspecto, interessa-me particularmente pesquisar sobre os materiais de gravura 54


sem danos para a saúde do gravador e do meio ambiente. Em outro ensaio, apresento alguns aspectos técnicos na gravura em metal como resultado de uma pesquisa que investiga as possibilidades e a adequação, no Brasil, de materiais adotados na Oficina de Gravura de Edimburgo, notadamente os polímeros acrílicos, como substitutos de componentes químicos tóxicos comumente utilizados nas técnicas tradicionais de gravura em metal. A gravura em metal: o perigo dos materiais tradicionais e a conquista de materiais salubres Recentes preocupações com as condições de saúde nos ateliês de gravura têm impulsionado os artistas gravadores, em vários países, a examinar sua prática e reavaliar os métodos de trabalho com relação à gravura em metal. Minha vivência pessoal com o ensino da gravura na UFPE, nos últimos dez anos, tem também me mostrado a dificuldade de alguns alunos lidarem com produtos insalubres devido a reações alérgicas causadas por manipulação ou contato com ácidos, solventes e tintas.

6  Edimburgo, capital da Escócia, goza da reputação de abrigar o Edinburgh Printmakers Workshop (EPW), um dos poucos locais na Europa em que a gravura é ecologicamente melhor tratada. Ver: Printmaking Today, Vol. 6. Nº 3, London: 1997. 7  Por iniciativa própria, fiz um estágio intensivo no EPW, na Escócia, no período de 20 a 27 de julho de 2001. 8  BYATAUTAS, Affons. Acrylic Resist Etching; The Reasons for Change. Edinburgh Printmakers, 2001.

Com base na informação veiculada em Printmaking Today6 sobre a “experiência de Edimburgo”, que inova as técnicas tradicionais pela substituição dos materiais tóxicos por polímeros acrílicos, decidi investigar pessoalmente naquela instituição os novos procedimentos7. Por questões de prevenção de danos à saúde do artista e ao ambiente natural, todas as técnicas de gravura (metal, xilogravura, silkscreen, litogravura, cologravura) desenvolvidas no Ateliê de Edimburgo passaram a ser tratadas, desde 1994, com materiais menos poluidores e agressivos8. Num outro ensaio, eu abordo as inovações na calcogravura, com base na pesquisa desenvolvida naquela instituição. Diante da periculosidade dos materiais, muitos podem se sentir desestimulados à prática da gravura ou simplesmente limitarem-se às “técnicas secas”, que dispensam agentes como os vernizes e mordentes. No entanto, as conquistas de conhecimento adquiridas por pesquisadores e artistas gravadores garantem na prática da gravura um campo de possibilidades de significação estética duradoura 55


ou mesmo infindável, utilizando-se de recursos equivalentes às técnicas tradicionais, porém não poluentes ou danosos à saúde e ao ambiente. Os livros sobre gravura quase sempre afirmam que as técnicas de gravura em metal chegaram ao auge da perfeição e da maturidade ao longo do século XVII. Foi nesse período que se aperfeiçoou o verniz duro, o que veio possibilitar o uso da água-forte, técnica mantida até os dias de hoje, apesar dos efeitos nocivos à saúde do artista. Felizmente, o nosso tempo é cada vez mais tolerante às experimentações e às pesquisas que investigam possibilidades presentes e futuras. Nesse sentido, quem faz gravura não pode se apropriar do sentimento de resignação ou impotência; é necessário romper limites, inventar, criar novas técnicas para melhor liberar o artista e sua arte das dificuldades que o cercam. A gravura e sua relação com a arte contemporânea

9  BACHELARD, Gaston. O Direito de Sonhar. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. pp. 74-95.

A experiência de ateliê de gravura com diferentes alunos a cada ano acadêmico revela diferentes reações. Há o estudante que a vê como técnica obsoleta e de pouca repercussão no cenário das grandes mostras e salões. Há o estudante que é atraído pelo simples fato de manipular materiais e experimentar técnicas inusitadas para si. São poucos os alunos que percebem a gravura como uma forma de construir e veicular imagens autorais, subjetivas e em sintonia com o pensamento visual da atualidade ou, parafraseando Bachelard9, como uma “intervenção essencial do homem no mundo”. Esta última tendência não descarta o conhecimento e apropriação das técnicas específicas. E é por isso que, ao entrar no ateliê, os alunos são iniciados à instrumentalização básica. Porém, o direcionamento é motivar o aluno, desde o início, a engajar-se na feitura de uma gravura autoral, com suas marcas e seus interesses próprios. Os vídeos apresentados, os textos sugeridos, as imagens mostradas são para despertar a consciência dos alunos sobre uma gravura em sintonia com a contemporaneidade, a exemplo dos artistas gravadores localizados em polos culturais diversos do País, pois, como afirma Chiarelli:

56


A gravura paulista mais nova continua investindo na imagem autoral, na subjetividade, nos procedimentos centenários dos vários modos de gravar uma matriz e, na produção de alguns gravadores [...], na negação do próprio caráter de reprodução da imagem gravada, tido como inerente à gravura que eles tanto prezam.10

10  CHIARELLI, Tadeu. A Arte Internacional Brasileira. São Paulo: Lemos, 1999. p. 128.

A produção mundial de gravura mostra o interesse renovado nessa atividade dentro de um período de cerca de meio século. Desde a Segunda Guerra Mundial, universidades e departamentos de arte investiram em seus ateliês de gravura, principalmente em países europeus e nos Estados Unidos da América. Nos anos 1950 e 1960, houve um florescimento dessa atividade nos EUA, haja vista a criação da Oficina Litográfica Tamarind, na Universidade do Novo México, na Califórnia, e na França com o Ateliê 17, em Paris, que tanto têm contribuído para a formação de artistas gravadores, inclusive brasileiros. Os anos 1970 e o início dos anos 1980 foram caracterizados não apenas pela produção contínua de gravura por artistas associados com a Arte Pop e o minimalismo, mas por um redirecionamento que toma as velhas técnicas e os temas como referenciais reformulados pelo mundo contemporâneo. No Brasil, os anos 1950 foram férteis para a gravura devido à criação de clubes de gravura. Iniciativas como as da criação de oficinas especializadas na Europa e nos EUA ajudaram a criar uma comunidade internacional com interesse em gravura. A prova disso é a multiplicidade de salões, bienais e trienais, tais como: a Bienal Internacional de Gravura Contemporânea de Liège, na Bélgica; a Bienal Internacional de Gravura Contemporânea de Trois Rivi, em Québec, no Canadá; a Bienal Europeia de Artes Gráficas de Heidelberg, na Alemanha; a Bienal Internacional de Artes Gráficas de Ljubljana, na Eslovênia; a Trienal Europeia de Artes Gráficas de Vaasan, na Finlândia; o Salão Internacional Britânico de Minigravuras, na Inglaterra; o Salão Internacional Livre de Gravura Eletrônica da Universidade de Brighton, na Inglaterra; o Prêmio Internacional de Gravura em Metal de Biella, na Itália; o Salão Internacional Independente de Gravura de Kanagawa, no Japão; a Trienal de Gravura de Osaka, no Japão; a Bienal Internacional de Gravura de Seul, na Coreia; a Bienal de Gravura Latino-Americana e do Caribe, de San Juan, em Porto Rico; a Trienal de Gravura de 57


eminário de S lançamento dos álbuns de Litogravuras do Logg, Setembro de 2011 ebastião Pedrosa, S Residência Artística no Logg, 2010-2011



Cracóvia, na Polônia; o Salão Internacional de Minigravuras de Cadaqués, na Espanha; a Trienal Internacional Xylon de Gravura em Relevo de Winterthur, na Suíça. Enquanto as iniciativas internacionais têm seus impactos na produção de artistas, mas também seus altos e baixos, no Brasil não é diferente. Os impactos ocorrem, mas também a instabilidade é quase uma constante. Porém o esforço de iniciativas como a criação do Clube de Gravuras do Rio Grande do Sul, o Ateliê de Gravura do MAM, do Rio de Janeiro; o Ateliê de Gravura do Ingá, em Niterói; o Museu da Gravura, em Curitiba; a Oficina Guaianases de Gravura, em Pernambuco; os ateliês de gravuras de várias universidades, juntamente com iniciativas como a Mostra da Gravura de Curitiba, o Rio Mostra Gravura (mesmo sendo esta uma mostra de evento único), sempre repercute positivamente sobre a produção atual da gravura. No Rio de Janeiro, o Ateliê do MAM foi espaço de experimentação, com expansão de um abstracionismo dito informal. Esse momento, conforme Teixeira Leite11, é dividido em duas tendências básicas: Hayter e Friedlander, que ensinaram no MAM. Hayter, de expressão mais lírica, marcou artistas como Fayga Ostrower, enquanto Friedlander, mais matérico, influenciou Edith Behring. Em São Paulo, a contribuição de Lívio Abramo se deu pela sua visão de projeto estético tendo como base o fazer técnico associado aos princípios da ética e preocupação com o social. Artistas como Maria Bonomi e Gilvan Samico foram diretamente influenciados por ele. Da tradição construtivista, temos Lygia Pape com suas xilogravuras intituladas de Tecelares, em que a artista vislumbra novas possibilidades para além dos limites da matriz. As referências apontadas acima estão diretamente relacionadas com o momento modernista da arte. Quando queremos fazer a relação da gravura com a arte contemporânea, quais os exemplos a que devemos nos reportar? É necessário, antes de tudo, estabelecer o que pode caracterizar a arte da atualidade. Nara Beatriz e Tatiana dos Santos sugerem que: 11  LEITE, José Roberto Teixeira. A Gravura Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1966.

60


A busca constante do novo criou um vetor onde confluiu o desejo moderno de tornar a experiência estética como um fim em si mesma, autônoma de qualquer influência do Estado ou da religião. A arte contemporânea, por sua vez, nasce em resposta a aridez desta atitude autista, que, ao encerrar-se em si mesma, criou um vácuo com o mundo. Fala-se que o artista contemporâneo nunca esteve tão livre dos “ismos” e tão propenso a experimentações de toda espécie, desde o retorno à questões figurativas de fundo político e mitológico até o florescimento de expressões totalmente híbridas que misturam disciplinas e procedimentos rompendo definitivamente com categorias fixas.12

Quais, portanto, seriam os artistas que ajudariam aos alunos perceberem a gravura impregnada de uma estética contemporânea? Nomes como Evandro Carlos Jardim, Claudio Mubarac, Marco Buti, Feres Khoury, Andréia Las, Louise Weiss, Ana Bella Geiger, Bernadette Panek, Beatriz Milhazes, Laerte Ramos, Rosângela Rennó, Ernesto Neto, Uiara Bartira e tantos outros assinalam uma produção de gravura, trazendo à tona um modo singular de reflexão sobre os impasses da arte nos dias atuais. Não podemos esquecer os nomes de Laurita Salles e Alberto Martins. Por serem tão originais em suas pesquisas, acabam rompendo com os limites da gravura para assumirem deliberadamente um tratamento híbrido entre as expressões bi e tridimensional de suas gravuras. Considerações Finais

12  Nara Beatriz Milioli Tutida e Tatiana dos Santos Baltar apresentam o texto intitulado Passagens da Gravura Contemporânea. Elas são respectivamente Mestra e bolsista do Pibic no Departamento de Artes Plásticas do Centro de Artes da Udesc.

Numa entrevista da artista gravadora e professora Anna Letycia Fialho a André de Miranda, também artista e membro do Núcleo de Gravura do Rio Grande do Sul, sendo ela entusiasta e batalhadora pelas condições do aprendizado e da divulgação da gravura, mostrouse desesperançada quanto ao futuro da gravura no Brasil e ironizou sobre a atitude experimentalista dos novos artistas que tentam se expressar através desta. Mesmo assim, Anna Letycia sugere que é necessário persistir na gravura porque, para quem quer fazer arte, a “gravura é essencial” porque tem um método próprio e leva o artista a uma autodisciplina. Ela sugere também que o jovem artista não deve eleger apenas uma linguagem e se isolar das muitas outras possibilidades da arte, o que, inadvertidamente, 61


talvez, tenha proposto justamente o novo pensamento no fazer gravura: a imigração e apropriação de outras categorias, pois se a obra de arte não pode mais ser pensada em sua autonomia, nem a história pensada enquanto linear e universal, a atenção analítica às obras exige definir as mediações entre suas estratégias formais, relações com o mundo e o seu contexto histórico e o trânsito entre as disciplinas. Nesse sentido, é preciso estar com o olho atento para o novo. Sendo assim, não podemos ficar pensando nostalgicamente apenas o que foi a Oficina Guaianases dos anos 1970 no Recife; é preciso repensar uma nova oficina, com as possibilidades das condições atuais e o apelo da estética atual. Não podemos ficar sempre lamentando as condições precárias do ateliê de gravura. É preciso redirecionar sempre o ensino no ateliê de gravura da UFPE, repensar urgentemente a substituição dos materiais tóxicos por outros mais salubres, repensar o melhoramento do equipamento, repensar o intercâmbio da produção entre as instituições, sejam elas de natureza pública ou privada, local ou regional. Não podemos ficar céticos e desesperançados, porque os caminhos contemporâneos ramificam-se em muitas direções. Multiplicam-se as possibilidades expressivas ao incorporar novos materiais e procedimentos. E assim, explorando novos meios, a gravura passará a atuar no limite do processo, sempre em construção.

62


Referências bibliográficas ADAM, Robert. Non-toxic Printmaking. What does it mean in practice? In: Printmaking Today; Vol. 6; Nº 3, 1997; pp. 22-25. BACHELARD, Gaston. O Direito de Sonhar. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p.74. BYTAUTAS, Affons. Acrylic-Resist Etching: The Reason for Change. Edinburgh Printmakers, 2001. http://www.edinburgh-printmakers.co.uk CHIARELLI, Tadeu. A Arte Internacional Brasileira. São Paulo: Lemos, 1999. p. 128. HOWARD, Keith. Non-Toxic Intaglio Printmaking. Alberta, Canada: Printmaking Resources, 1998. ISBN 0-9683541-0-6. KIEKEBEN, Friedhard. The Edinburgh Etch: a breakthrough in non-toxic mordants. In: Printmaking Today; Vol. 6; Nº 3, 1997. LEITE, José Roberto Teixeira. A Gravura Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1966. REEVES, P. Langford. Raising the standard. In: Printmaking today, Vol. 9; Nº 4, 2000. ROSSOL, Monona. Health and Safety in Printmaking. In: HOWARD, Keith. Non-Toxic Intaglio Printmaking. Alberta, Canada: Printmaking Resources, 1998. pp. 230-232. Vários autores. Catálogo da XI Mostra de Gravura da Cidade de Curitiba. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1995. Vários Autores. Gravura – Arte Brasileira do Século XX. São Paulo: Cosac & Naify/ Itaú Cultural, 2000. ISBN 85.7503.034 WYE, Deborah (org). Thinking Print: Books to Bill, 1980-95. Nova Iorque: The Museum of Modern Art of New York, 1996.

63


47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco Coordenadora-geral

Luciana Padilha

Coordenadora-executiva

Rosa Melo

Coordenação dos bolsistas

etapa I – Bebel Kastrup etapa II – Clarice Hoffmann Equipe de produção

Adah Lisboa Janaisa Cardoso Gustavo Neves

Produção-executiva

Cláudia Moraes (Página21) Assistente de produção-executiva

Leonardo Bouças

Coordenação editorial

Clarissa Diniz e Lorena Taulla Revisão de texto

Consultexto

Design de montagem e gráfico

Luciana Calheiros e Aurélio Velho (Zoludesign) Fotografias das exposições

Paulo Melo Jr.

Imagens complementares Caderno de Ensaios

Sebastião Pedrosa

Vídeodocumentarista

Lia Letícia

Pl anejamento de comunicação

Dani Acioli (Aponte Comunicação) Coordenação da ação de intercambistas de arte-educação

Lucia Cardoso

Educador núcleo de mediação

Niedja Santos

Impressão publicações

MXM Gráfica e Editora

comissão de premiação Ensaios teóricos e projeto de pesquisa sobre artes visuais

Marco Polo Paulo Marcondes Soares

premiados 47º sal ão de Artes Pl ásticas de Pernambuco Ensaios teóricos sobre a produção pernambucana de artes visuais

Eduardo Romero | A pose-rápida: considerações sobre o desenho e a construção da identidade cultural Júlio Cavani | Muros da libertação: a história da grafitagem no Recife Raíza Cavalcanti | Arte e política: paixão antiga

Sebastião Pedrosa | O ensino da gravura na UFPE


capa modulação feita a partir de elemento extraído de desenho de Jairo Arcoverde.


apoio institucional

apoio

realização


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.