Revispa 2009

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você se reunir, de SPA das Artes é a possibilid ade de e gesto ra. a cid ade.  Beth da Matta (PE), artista

o que com a rua, da arte com o público, com É fantástico! muito fantástico! Faça na rua, doido! estilista, SPA .  Paula Catarina Figuei rôa (PE), sse espaço. É isso.  Ro naldo Silv a (P E) , es tu da nt e de artes pl ás ticas .

ado ra.

Evangel ista (PE), garçonete.

Não sei... Não tenho nem noção!  Auricél ia

Pr a mim, o SPA da s Ar te s é o qu e está acontecendo at ualid ade no de mu nd o da s ar tes contemporâneas , e qu e faz com as pessoas te nh am um a vi sã o um pouco mais abrang so br e ente as co is as qu e estão acontecend o ne

Pode s e r u m a combinação de espad a com azar, não? Vale

reira (PA), arte cado r e artista .

l do

criação?  u a Ie r o n i (P E), agente segu ran ça de .

SPA é um desafi o; o qu e para mim é o, com o qu al te n ho tato pela interne t. É ervenção u rbana , coisa artista...  Josina

coletiva de ar te, eja alguma coisa relativa a uma nca participei. dências de ar tistas. Mas eu nu o (PE), arquiteto . os rd Ca io rg Sé e.  ad rd ve a r dize Posso falar que eu não sei?  Gabriela Mureb (RJ), artista.



Aurélio Velho

(Recife, setembro de 2009) O sol frita a cabeça dos transeuntes em plena Dantas Barreto. Buzinas, fumaça de galeto, laranja é um real. E lá vai ele naquele mormaço. Pátio de São Pedro, sem faca pra amolar, procura o 104 nos botões do porteiro eletrônico e… — Alô, doutor? — Pois não. — Acho que tô confuso, o senhor precisa me atender agora… — Confuso??? Mas como? — Não sei… Eu mesmo num sei, talvez, é que… — Abriu? — Abriu. … — Deite aí, meu filho. O que houve? Você parece estressado. — Pois é, doutor. Já vi de tudo um muito nesta vida. Parto de limão, mulher enrolada em fita-isolante, mulher-grama, varal no meio do rio, gato casando, homem com coração pra fora e até gente se fingindo de morta! Estava me habituando com tudo e, de repente, me vejo perdido em mim mesmo. Aonde é que eu vou parar, doutor?


— Quando isso começou, meu filho? — Anos? E nunca procurou ajuda?! — É que não é sempre não, doutor. Vem depois que a chuva passa e normalmente dura uma semana. Tenho a impressão de que uma vez demorou mais… Eu sou até aberto, sabe doutor? Frequento terapia de grupo, levo em consideração os pitacos que dão na minha vida… As pessoas viviam comentando que eu não ligava pras coisas materiais, que era desapegado, mas ultimamente ando me importando, tô até colecionando obra de arte! Mas não é isso não… Acho que não sei, talvez eu precise de outras coisas… — Dinheiro? — Também, mas o problema não é só esse… (silêncio) — E é o quê? Amigos, família…? — Tudo isso, e acho que as pessoas na cidade ainda não sabem direito quem eu sou… Até uma coisa besta, que é meu nome, tenho que repetir toda vez que me apresento… É como se o pessoal ainda não me entendesse muito bem… — Os seus amigos também? — Não, nem tanto, eles me procuram, são os que mais me procuram. Mas às vezes me sinto muito cobrado, meio sozinho… Acho que… (“DVD é um reaaaal!”) — Acho que você pode estar em crise, meu filho. — Mas eu também, doutor??? — É, todo mundo passa por isso… — Pode ser… E eu faço o quê? — Olhe, meu filho, nessas horas, o melhor que você pode fazer é assumir a crise. Desabafe. Converse com seus amigos, colegas de trabalho, seus pais. Faça novos amigos e mude a rotina. — Hum… Tô com dor de cabeça. — Vá pra casa, descanse. Tudo isso é normal. E logo mais você vai ver o quanto tem gente querendo ajudar. E quer uma sugestão? Vá passar uns dias num spa!

editorial

— Não sei bem, nos últimos anos…


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Um processo chamado SPA das Artes por Márcio Almeida

Arte urbana sem dogmas por Lourival Cuquinha Batista

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Uma parada para a autorreflexão por Olívia Mindêlo

14 Radiografia

22 Crise de formato e/ou de poética? por Wolder Wallace

28 Incorpore Recife por Camila Mello e Manuela Eichner


Descentralização e democratização do SPA das Artes Fernando Augusto, Galo de Souza, Izidorio Cavalcanti, Clarissa Diniz e Olívia Mindêlo

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Ação e reação

Do fato de estarmos conversando aqui no Skype entrevista com Martin Grossmann

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por Aslan Cabral

A um passo de por Ana Luisa Lima

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43 Sobre centros e periferias por Kiki Mazzucchelli

Da necessidade à demanda? por Clarissa Diniz

54 galeria spa 2008 por Aline Feitosa e Beto Figueirôa

72 Entre pontes (ou entre corporativismos e cooperativismos) por Krishna Passos e Maicyra Leão [Núcleo Fora do Eixo]


Beto Figueirôa

Movimentos para atravessar a multidão (Maíra Vaz Valente/SP. Intervenção urbana. SPA 2008)


Convocar os coordenadores, apresentar um conceito, discutir com a classe artística para, finalmente, esse work in progress coletivo ocupar a cidade em alguma semana do mês de setembro. O SPA foi criado por artistas de uma geração que, na década de 1980 e início de 1990, formou um circuito ainda precário de exposições e eventos curados e organizados por artistas e por Márcio Almeida, do Recife coletivos. Desde 2002, sob a responsabilidade da gestão municipal, através da Fundação de Cultura Cidade do Recife/Secretaria de Cultura do Recife, em convênio com a Sociedade de Amigos do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, o evento vem oferecendo à cidade a possibilidade de conhecer parte da produção artística contemporânea do Brasil.

Um processo chamado SPA das Artes

Porém, vimos nesses últimos anos que, mesmo um evento como o SPA, que, como já foi dito, é extremamente mutante em sua formatação, em algum momento cumpre o papel através do qual avaliaria a sua criação e estabeleceria um momento de crise. Qual seria seu rumo? Que tipo de ação inovadora enriqueceria o nosso circuito e traria novas reflexões para discutirmos com outros circuitos? O fato é que, mesmo diante de tais questionamentos, ainda nos surpreendemos com as reverberações do evento – seja pelo seu formato, seja por trabalhos cuja primeira apresentação tenha sido nas ruas do Recife e que, em alguns casos não isolados, extrapolam o segmento das artes visuais. Neste ano, mais uma vez, o Recife terá suas ruas invadidas por intervenções artísticas, criando um diálogo entre o circuito das artes visuais e a comunidade, além de promover oficinas e ciclo de debates. Por fim, o SPA é isso… Esse work in progress que se alimenta de proposições e reflexões advindas de conexões estabelecidas em suas várias edições, sempre em consonância com o Plano Municipal de Cultura, simultaneamente fazendo um diagnóstico de cada edição, para que não precisemos um dia deixar nossas paredes brancas… c Márcio Almeida (Recife, 1963) é artista, Gerente Operacional de Artes Visuais e Design da Fundação de Cultura Cidade do Recife (FCCR) e coordenador geral do SPA das Artes.

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DESDE 2007, QUANDO COORDENEI PELA PRIMEIRA VEZ O SPA DAS ARTES, evento que este ano chega à sua 8ª edição, entendi-o como um processo que se reinventa ante a instabilidade e as necessidades do circuito das artes visuais – seja este local, nacional ou mesmo internacional.


Beto Figueir么a

Poeta Mir贸 na interven莽茫o OUTubro (Paulo Bruscky/PE. SPA 2008)


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Beto Figueirôa

Exposição descentralizada (Articulador Jacaré. Espinheiro. SPA 2008)


Foi assim com o Festival de Dança do Recife e ainda é com o Abril Pro Rock (APR), por exemplo. No primeiro, a entrada de uma curadoria especializada, em 2002, redirecionou o evento, dando-lhe uma feição mais artística e madura. O festival deixou de ser uma concentração de profissionais e amadores da cidade – num só palco, numa só noite, em curtas coreografias – para ser um evento formador de público. Espetáculos inteiros, de várias partes do País e do mundo, passaram a ganhar espaço, sob um mote mais contemporâneo, digamos assim. O que não significa que o evento anterior não tenha tido importância. Pelo contrário. O festival só cresceu em detrimento dos esforços anteriores. Se hoje tem uma programação de qualidade e atrai um público além-dança, é porque soube se reinventar a partir do que existia. No caso do Abril Pro Rock, a encruzilhada vem se dando em outro sentido. O evento de música pop e alternativa pegou carona na ebulição Chico Science, na década de 1990; manteve seu pico nos vários anos seguintes; e nas últimas edições vem perdendo público e dinheiro. Para completar, a recente crise econômica mundial fez a principal patrocinadora da iniciativa retirar uma fatia bem considerável de sua participação. Independente da pendenga financeira, estresse para qualquer produtor

cultural, a crise do Abril passa por outras questões mais árduas de serem superadas. O formato-festival e a escolha das atrações talvez sejam alguns dos entraves, fato que também se reflete na própria tentativa de enxugamento da programação.

Uma parada para a autorreflexão (Peraí… Estamos em crise também?) por Olívia Mindêlo, do Recife

“Todo evento que amadurece tem que se repensar, pra não ficar anacrônico”, observa a jornalista de cultura Diana Moura Barbosa. Seria esse também o caso do SPA das Artes, realizado pela Prefeitura do Recife desde 2002? No contexto da produção contemporânea de artes visuais, daqui e do resto do Brasil, a reflexão passa por desafios semelhantes (afinal, estamos no mesmo barco). Mas eles são muito específicos também. Como não recordar a crise estrategicamente assumida pela Bienal de São Paulo, em 2008? Uma crise não só de ordem financeira, mas de ordem institucional, que veio no arrabalde da própria crise do formato contemporâneo da grande mostra – uma “bomba”, aliás, na mão de quem assume a curadoria do evento a cada dois anos. A 28ª edição da iniciativa acabou ficando conhecida como a “Bienal do vazio”, uma alusão não só à opção dos curadores de deixar propositalmente (e talvez politicamente) um dos andares do

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MANTER UM EVENTO NO CALENDÁRIO cultural não é simplesmente abrir a boca e pronunciar: “um desafio”. É saber que, mais dia, menos dia, você vai se deparar com uma encruzilhada. Falando do Recife recente, não é difícil encontrar casos de festivais ou outras empreitadas que, uma vez conseguindo se estabilizar, tiveram que repensar seus formatos…


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pavilhão estanque, a ver ecos (ou tintas…), mas ao próprio colapso institucional da Fundação Bienal.

população (maioria que gosta de arte, não da população em geral, porque essa passa ao largo de muitas outras coisas…)”.

Seria um exagero botar o SPA das Artes nessa balança. Indo para sua 8ª edição, o evento recifense nem de longe se iguala ao alcance de uma bienal, ou mesmo de um festival do porte do Abril Pro Rock. Ainda assim, parece compartilhar com ambos (e com outros) algumas questões. Não só a diminuição de recursos – fator evidente para todos –, mas outras questões, como a necessidade de atrair um público mais amplo e assíduo, e de retrabalhar o formato, nesse caso, a partir de seu edital. Assumir pontos nevrálgicos como esses já seria um passo… Mas isso, por si só, daria motivos pra o SPA das Artes ter que deitar no divã? Estaria o evento também, como o mundo inteiro, passando por uma crise?

A jornalista acrescenta ainda: “o que acontece, hoje, é que o SPA consegue ter visibilidade como um grande e importante evento, mas não consegue deixar claras as suas marcas. Muitas das obras acabam sendo efêmeras… Terminado o SPA, ele realmente acaba, fica muito pouco para a cidade e para o público. Gera-se uma ausência de reverberação social… o distanciamento da arte do seu público, embora, paradoxalmente, ela esteja (nesse caso) na rua, no meio do público, interagindo com as pessoas…”.

“Não acho que seja uma crise, isso tem a ver com o próprio conceito do SPA, que desde o início não consegue repercutir com o público mais geral da cidade, que é a sua maior interface, através da arte urbana. Se para quem frequenta exposições de arte contemporânea já é difícil reconhecê-la como arte, imagine para quem não vai nunca!”, pontua Adriana Dória, editora da Revista Continente e durante muitos anos repórter setorizada em artes plásticas, na cidade. Com trajetória semelhante, Diana Moura acha que “o SPA está em crise, sim, mas não é uma crise do evento; é uma crise da própria arte. As fórmulas são constantemente inventadas, recriadas e logo se esgotam”. No entanto, concorda com Adriana quando fala que: “a repercussão e a apropriação por parte da comunidade não artística ficam comprometidas num evento cujo formato não é claro para a maioria da

Como veremos nas páginas seguintes, é bom lembrar que o SPA das Artes – até pouco tempo atrelado ao nome de Semana de Artes Visuais do Recife – já passou por várias experimentações. Não só artísticas, mas no próprio formato. Contou com prédios para exposições e depois desistiu; convidou artistas no início e depois passou a oferecer um edital de seleção; e chegou, em 2007, a durar duas semanas – e não sete dias como de costume. “O evento tem como característica principal a capacidade de inovação e renovação, fruto de uma construção democrática com participação de grande número de pessoas que fazem a cena das artes visuais do Recife, refletindo e propondo o perfil e os formatos das edições”, define a Gerência de Artes Visuais e Design do Recife, responsável pela produção e realização do SPA. A opção da iniciativa por estar se reinventando constantemente não evitou, contudo, o percalço da encruzilhada, haja vista a decrescente participação dos


“O SPA é uma tentativa – na minha opinião, excelente – de recriar os moldes de exibição e fruição da obra de arte (já que os velhos moldes estão em crise há muito mais tempo). Acontece que depois de um certo número de experiências, o SPA cresceu demais, se diluiu, se misturou demais à cidade, perdendo um pouco o impacto como evento”, acredita Diana Moura. Para Luciana Padilha, artista plástica e gestora da área de artes visuais na Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), essa característica mutante do SPA acaba dificultando o próprio posicionamento e até mesmo a visibilidade do evento na cidade. “O SPA fica experimentando e experimentando, mas acaba não conseguindo definir, dentro dessas experimentações, o que ele é de fato e o que é importante para esse grande encontro”, afirma ela. “Mas não diria que seja uma crise, não. Ainda é cedo para falar disso”, diz Luciana. Já a produtora e gestora cultural Luciana Soares, cujo trabalho também tem se focado nas artes visuais, pensa o contrário:

“acredito que há uma crise sim, que já vem de alguns anos, mas acho que é uma crise normal, pelo próprio tempo do evento”. Mas, como Luciana Padilha, ela acredita que o fato de haver uma instituição por trás da iniciativa dificulta algumas transformações, embora também facilite outras ações. Por mais experimental e ousado que o SPA seja, há sempre o território da burocracia e dos entraves comuns a toda gestão pública. “Acho que mudanças estruturais, novas ideias, novos perfis… A própria classe artística tem outras demandas a serem preenchidas. Só o fato de encararmos essa crise, de estarmos aqui falando sobre ela, já é um ponto super positivo”, diz Luciana Soares. A ReviSPA, a coordenação, os entrevistados e os colaboradores estão todos empenhados em fazer deste SPA não só uma temporada de discussão em torno do importante tema de mercado e colecionismo – mote do evento em 2009. Acreditamos que este é um momento oportuno para fazermos também uma reflexão sobre o evento; sobre como a arte urbana, a descentralização, a qualidade dos trabalhos apresentados e o próprio processo de institucionalização da arte no Recife (e no País) podem ser reprocessados no contexto atual de nossa cidade. Fogo nos miolos e… Boa leitura! c

Olívia Mindêlo (Salvador, 1981) é baixinha, abusada, defensora da sinceridade e da autocrítica. Jornalista da espécie “diplomada-não-vale-nada” e mestranda em sociologia. Dividiu a edição da ReviSPA 2009 com a menina-prodígio Clarissa Diniz.

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artistas no edital do evento. Mesmo o SPA disponibilizando uma seleção democrática, aberta a veteranos, novatos e até “nãoartistas”, as pessoas vêm deixando de se inscrever como antes. A programação é tão flexível que chega a incluir os nãoselecionados, nas chamadas paralelas. Ainda assim, parece que só quer colocar a cara no evento quem recebe apoio do edital. Estariam os artistas mal-acostumados? Onde está a necessária espontaneidade artística, vista anteriormente na mostra? Por que essa retração?


Radiografia Depois de examinar relatórios, mapas, revistas e editais, deitamos o SPA das Artes na mesa do raio-x. Batemos uma chapa de todos os anos do evento e colocamos na luz: o resultado é um esqueleto que se movimenta a cada edição. Desde o seu nascimento, em 2002, a iniciativa vem buscando formas de manter o fôlego e se reinventar. Muito já foi feito, outro tanto desfeito e o pulso… Você sabe, ainda pulsa. O diagnóstico parece animador, mas tantos esforços em prol da saúde parecem não evitar a temível interrogação: o SPA precisa de SPA?


[1ª edição · de 8 a 13 de setembro]

Como poderia a Prefeitura do Recife atuar perante o campo da arte local?

2002

Uma das respostas possíveis a esse questionamento é o SPA, evento então chamado de Semana de Artes Visuais do Recife, idealizado e gerido por artistas. O SPA se inicia enfocando a formação do artista, bem como o estímulo às variadas formas de associativismo e o debate acerca da ampliação (e institucionalização) da cena artística brasileira. Perpassando tais temas (desenvolvidos em oficinas, nos Papos de Artista e em palestras), está o desejo de conhecer a si e aos outros, premissa do Mapa das Artes: cadastro de artistas, galerias, museus e demais espaços do Recife em forma de mapa, ação inédita na cidade. No âmbito da produção artística, sobressai o interesse em dialogar diretamente com o espaço urbano e seus trânsitos, de forma mais experimental. Cerca de 30 artistas realizam intervenções, performances e exposições de modo independente, em ações incorporadas e divulgadas pelo SPA em sua programação.


[2ª edição · de 3 a 7 de setembro]

2003

O SPA reverbera além das expectativas e é retomado em 2003, tornando-se o carro-chefe das políticas para as artes visuais desenvolvidas pela Fundação de Cultura da Cidade do Recife. Além de manter, ao lado da edição do Mapa das Artes, a estrutura de muitas oficinas, Papos de Artista e palestras com convidados locais e de outras partes do Brasil, propiciando o intercâmbio, busca-se intensificar as trocas surgidas a partir dos encontros que já se tornavam marca do evento.

Mas como potencializar a convergência entre artistas, público, críticos, educadores, curadores, estudantes etc.? Diante dessa preocupação, o SPA 2003 configura uma série de dinâmicas de aproximação e colaboração entre artistas e outros interessados, como a Noite Performática e o Saldão, além de apoiar projetos coletivos com essa intenção, como o Circuito de Quadrinhos, o Beco em Expansão e, em especial, o Assentamento: residência/ação independente, que promove a reunião de artistas de vários estados do Nordeste, colaborando intensamente para a articulação da cena artística regional.


[3ª edição · de 30 de agosto a 3 de setembro]

2004

Como democratizar o acesso ao apoio que o SPA poderia oferecer àqueles que desejassem promover ações voltadas à produção, formação ou difusão/agenciamento da arte? Surge, então, o primeiro edital do SPA, que instaura as Semanadas de Apoio à Produção/Formação. Por meio do edital, mediante apresentação de um pequeno projeto, qualquer pessoa pode solicitar apoio para a realização de oficinas, intervenções, performances, exposições etc. Com quatro Semanadas de Formação (oficinas) e 40 Semanadas de Produção distribuídas entre proponentes de várias localidades do País, além de oficinas e intervenções convidadas pela organização do evento, o SPA muda seu foco: já não se mostra majoritariamente como semana de formação, mas de ação.

É diminuída a oferta de workshops, palestras e debates (estes últimos são retirados da programação do SPA 2004). Em compensação, brotam ações artísticas por todos os lados da cidade, sobretudo nos bairros do Centro do Recife. Evidencia-se o caráter experimental, geograficamente mais descentralizado e temporalmente cumulativo do evento. A iniciativa alcança repercussão nacional também por seu caráter democratizante: além de lançar edital, o SPA acolhe as ações independentes como parte do evento, nomeandoas de paralelas e incluindo-as no Mapa das Artes que, em sua terceira edição, conta com quase 250 indicações de ateliês, galerias, instituições etc. do Recife. O SPA, que na edição de 2004 inicia uma parceria com a Funarte/MinC, passa então a fazer parte do calendário artístico nacional.


[4ª edição · de 9 a 15 de outubro]

2005

Reconhecido nacionalmente como um evento de fomento à produção artística, como pode o SPA ampliar, então, seu alcance crítico e social? A proliferação de ações artísticas no SPA 2004, a despeito da pouca oportunidade de publicizar e debatê-las ainda durante a Semana, faz com que importantes mudanças sejam instauradas no ano seguinte. É novamente ampliada a oferta de oficinas e palestras, os Papos de Artista retornam à programação, e o SPA ganha reforços importantes: um grupo de crítica (workshop in loco visando à produção de textos críticos sobre as ações apresentadas) e uma revista, a ReviSPA, que combina as funções de memória e discussão do evento.

Para fortalecer seu intuito democratizante, além de perpetrar uma mudança no edital – que passa a incluir uma Semanada específica para ações coletivas, além daquelas individuais e de oficinas – e da manutenção do Mapa das Artes (que divulgava também as ações paralelas ), o SPA cria um polo de ações e oficinas (SPA Tamarineira) dentro do maior hospital psiquiátrico da cidade, o Hospital Ulysses Pernambucano (HUP). Artistas e oficineiros são convidados a pensar intervenções para o Hospital, modificando a vida do mesmo durante a Semana. No HUP, ocorre o Saldão do SPA 2005, um intenso momento de convivência entre usuários, artistas envolvidos no SPA, moradores da vizinhança e público em geral.


[5ª edição · de 10 a 16 de setembro]

2006

A experiência do SPA Tamarineira incentiva a descentralização geográfica e simbólica das ações do evento, intensificando um desejo antigo: o de ver mais trabalhos site specific (obras criadas para um contexto específico) e processuais acontecendo durante a Semana.

Como proporcionar, então, que os artistas participantes do SPA possam contar com uma atuação estendida no tempo e específica no espaço? E como concentrar essa atuação, de modo a torná-la mais visível ao público? Inspirado na experiência independente do Assentamento (SPA 2003), surge o Edifício Western, antigo prédio do Bairro do Recife, inteiramente ocupado pelo SPA com instalações, intervenções, performances e outras formas de uso do espaço/tempo – como Papos de Artista e, em especial, projetos de residência artística. Estas, ao lado da programação de palestras, debates, exposições e lançamentos do SPA, conquistam o interesse dos artistas e público do evento, angariando também um número expressivo de convidados internacionais. Ocupando o Ed. Western estão tanto artistas selecionados pelo edital (que neste ano conta com três tipos de Semanadas, com valores distintos), quanto aqueles que desenvolvem ações na chamada programação paralela , divulgada pela ReviSPA, em sua segunda edição. Encartado na ReviSPA está o Mapa das Artes 2006/2007 que, em versão bianual e tiragem ampliada, pretende manter-se, ao longo do biênio subsequente, como uma cartografia artística do Recife a ser distribuída continuamente em espaços culturais e afins.


[6ª edição · de 16 a 30 de setembro]

2007

A tentativa de estender espaço-temporalmente o SPA através do Ed. Western é, contudo, subaproveitada pelo caráter efêmero do evento.

Como poderia o SPA ir além de sua condição eventual? Seria possível prolongar os encontros e as reveberações, abrindo espaço para experimentações de outra natureza? Dessa forma, mantém-se a ideia de um edifício-sede – o Prédio Ocupação – e opta-se por alterar o caráter semanal do evento, que na edição de 2007 dura 15 dias. Com programação de palestras, debates, Papos de Artista, oficinas e Semanadas (cujos valores, ainda em três categorias, são acrescidos), distribuídos ao longo de duas semanas, o SPA estimula a ampliação da permanência, no Recife, de artistas de fora da cidade, oferecendo-lhes gratuitamente, no Prédio Ocupação, uma estrutura de barracas de camping e banheiros. Complementariamente às atividades selecionadas por meio do edital e àquelas que ocorrem paralelamente, de maneira independente, o SPA convida artistas e outros colaboradores a desenvolverem projetos especiais, a exemplo da revista de crítica de arte Tatuí e do acompanhamento do Portal Online 2PTOS, que buscam tecer um conjunto de reflexões críticas acerca das ações apresentadas durante os dias, num importante complemento à ação da ReviSPA, então em sua terceira edição. Em 2007, o SPA passa a se chamar apenas SPA das Artes – Recife ‘07.


edição · de 7 a 14 de setembro] [7ª

2008

A concentração das atividades em prédios-sede nas edições de 2006 e 2007 não atingiu o resultado esperado pela coordenação do SPA. O número de visitação e a ocupação dos espaços por parte dos artistas não foram satisfatórios e, assim, o projeto de uma sede para o evento é abortado. Além disso, apesar da ampliação do edital e do estímulo ao desenvolvimento de ações espalhadas pela cidade, percebe-se a diminuição, local e nacional, da penetração do SPA.

Como, então, descentralizar o evento, democratizando-o e publicizando-o, sobretudo no âmbito da cidade? Agir estrategicamente, numa descentralização geográfica e simbólica do evento, a partir de exposições organizadas por curadoresartistas de bairros das seis Regiões Político Administrativas do Recife (RPAs), foi a resposta encontrada. Em diálogo com os projetos curatoriais propostos, das mostras participam artistas dessas regiões – alguns cuja obra não havia ainda sido sequer mostrada num contexto de arte. Para incentivar a visitação às exposições descentralizadas, é instaurado o TranSPA, transporte que conduz o público num percurso entre as seis exposições. Ainda visando à democratização do evento, o Mapa das Artes é confeccionado como uma revista em papel jornal que, contendo também a programação do SPA e da Semana de Fotografia, é encartado num jornal de grande circulação no Recife, num total de 70.000 exemplares distribuídos. O edital, que passa a incluir a categoria de Semanada de Apoio à Residência Artística, é mantido apesar da diminuição da procura pelo mesmo. Outra estratégia de divulgação da produção artística do Recife se dá por meio de um portfolio/catálogo eletrônico encartado na ReviSPA deste ano. O SPA também busca legitimar internacionalmente os artistas da cidade ao trazer, para uma leitura de portfólios, uma das curadoras da edição 2009 da Bienal de Havana (Cuba). A ação resulta na participação de dois artistas neste evento, um deles, Paulo Bruscky, homenageado com uma sala especial. Além de artistas locais convocados a participar da Tarde Performática, outros convidados internacionais (artistas e críticos) participam do SPA 2008.


Hélder Tavares/OlhoNu

CONHECI O SPA DAS ARTES POR ACASO, em 2005, quando Miguel Pedrosa me convidou para participar de uma performance coletiva do re:Combo. No ano seguinte, integrei outro coletivo no encontro

Crise de formato e/ou de poética? por Wolder Wallace, do Recife

What´s Happening?. Em 2007, participei individualmente com a intervenção Curso, no Rio Capibaribe. Já em 2008, atuei de forma clandestina, no que poderia chamar de “performance invisível”. Interferi positivamente nas ações dos artistas como se fosse elemento orgânico dos seus trabalhos, assim foi com Barbara Rodrigues e Daniel Santiago, entre outros. Desde o início, senti o SPA como um evento acolhedor. Identifiquei-me de imediato com a vibração juvenil; oficinas, palestras e debates remontando a paradigmas estéticos com ideias e visões congruentes com as minhas. O fato de ser um evento patrocinado por instituições oficiais não me causou nenhum constrangimento ou desconfiança, pois me pareceu coerente com as mudanças que ocorriam no campo político partidário. Contudo, é óbvio que isso implicava uma ordem de interesses nem sempre visíveis. O SPA tem uma importância que excede a mera circulação de trabalhos artísticos e arejamento visual do cotidiano urbano. Talvez sua maior contribuição seja escoar a produção Curso (Wolder Wallace/PE. Intervenção urbana. SPA 2007)


Caso não firmasse esse aspecto intelectual como critério seletivo, vicejaria uma leva de plágios (mas plágio sem nenhum crédito de arte conceitual), ou seja, meras imitações sem nenhuma consistência de pesquisa ou preocupação substancial com as questões abordadas pelas obras. Quanto à qualidade dos trabalhos, por um lado é mais decepcionante assistir a artistas pisando em ovos enquanto realizam algo estéril do que contemplar a esterilidade das respectivas obras. Por outro lado, vemos trabalhos imaturos realizados com dedicação e esforço, e isto é pedagógico e emocionante. Apenas uma pequena parte oferece sólido conteúdo e coerência entre ação eficaz e projeto, entre valor simbólico e premência da proposta. Portanto, se há a crise do SPA das Artes, além de natural, ela perpassa antes a esfera poética dos artistas. É claro que, ao contrário da maioria, vários trabalhos merecem elogios. Esse desequilíbrio faz parte do “jogo”. Pergunto: o SPA das Artes faria falta se terminasse? A arte pode servir de passaporte democrático ou via de acesso aos espaços físicos e imaginários da sociedade, e isso pode ser explorado objetivando a convivialidade heterogênea dos elementos e fatores que integram esta cidade. Para tanto, não significa adotar uma prerrogativa pacífica ou subserviente. Significa enfrentar os

desafios sociais com coragem e generosidade contra as mazelas que entravam o conhecimento e degradam a qualidade de vida no âmbito de um regime democrático. Atuar tanto nas periferias quanto nos nichos de opulência com agudeza e audácia! Isto me parece crucial! Privilegiar um dos polos implica correr o risco de privilegiar o discurso demagógico. E essa dimensão política depende da coordenação do SPA. Por fim, deixo algumas sugestões informais: 1) alternância da sede de abertura. As festas de encerramento poderiam ficar no Pátio de São Pedro, e vice-versa; 2) eleição de poucas áreas de atuação, a fim de concentrar os efeitos e minimizar a diluição das ações, cabendo exceções; 3) encontros para reflexões e debates: todos os artistas apresentariam seus projetos; 4) manutenção das reuniões elaborativas que antecedem o edital para insistir na mobilidade do formato do evento e corrigir possíveis distorções; 5) sugestão, no edital, de assuntos que poderiam ser explorados, ou não, pelos proponentes. c

Wolder Wallace (Natal, 1962) é algo que transpira política. Usa a arte como método de vida. Apaixonado pela filosofia. Está iniciando um projeto musical (banda), após ter concluído uma série de desenhos e um livro de ficção. Vem de estudos de literatura e filosofia, agora está com psicologia. Preso a projetos de vídeo e de dança contemporânea. Envolvido com pintura, performance e teatro. Desenvolvendo uma pesquisa de intervenção em espaços públicos há mais de um ano. Venera sexo. Assim sou ele.

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intelectual que alicerça a produção material das artes visuais de Pernambuco e do Brasil (tendo em vista que um dos propósitos da arte contemporânea é produzir conhecimento). Um laboratório aberto que levanta questões e aponta soluções metafóricas para problemas concretos, de natureza tanto artística quanto de cunho “social”.


Canal 03

Varal (Lourival Cuquinha/PE. Intervenção urbana. SPA 2003)


Mas o que penso realmente é que nada disso foi referencial pra cabeça sistematicamente trololó de Maurício Castro. Ele tinha em mente coisas… Rolaram uns convites para participantes na primeira edição, que logo se transformaram em edital na terceira. Não sei se fiz o Varal na segunda ou na terceira, mas me lembro de ter sido em 2003, acho que foi na segunda (foi na segunda!). De certa forma, este trabalho me deu oportunidade de mostrar outros, até mais antigos. A abertura que consegui para fazê-lo pelo SPA, acho que só aconteceria nesse evento mesmo.

Esse negócio de arte no ambiente urbano é interessante. Democratiza o acesso, pessoas de “fora da casinha” entram em contato com os trabalhos etc. Mas, dentro de um viés de criação, não pode ser um dogma. Seria como se prender a “uma mídia”. Já

Arte urbana sem dogmas por Lourival Cuquinha Batista, de Londres.

tinha trabalhado, antes do SPA, numa peça terrorista situacionista no ambiente urbano, mas definir que a rua vai ser a mídia não é necessariamente o que penso como o melhor para uma produção criativa. Aliás, nenhuma mídia específica deveria ser a especialidade de um artista… Pensando… Tudo bem, tem artistas que se dão bem com isso. Escher (1898-1972) é um que monotonamente criou coisas lindas na mesma mídia. Mas não pode ser um compromisso, acho que a ideia, o conceito é que cria ou procura a mídia. Uma poética pode se expressar de várias maneiras. E quando está livre de uma mídia única, melhor. Um dia desses vi uma apresentação, aqui, de Bill Lundberg (1942), e ele era muito bom em vídeos na década de 1970. Instalações com vídeo em super-8 e 16 mm bem “paulera”, uma coisa de controle, metáforas de controle. Mas as últimas videoinstalações dele, que são super bem acabadas, não têm a força das primeiras. Por isso, acho que saber não lidar completamente com as mídias que o trabalho/ideia propõe é muito libertador. A proposta de saber trabalhar com várias mídias

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O SPA. O SPA COMEÇOU, NA MINHA percepção, lá no Submarino, ateliê do qual fazíamos parte – uma galera e o grande Capitão Maurício Castro. Maurício tinha ficado no lugar de Rinaldo na Prefeitura. Diretoria de Artes Visuais ou coisa parecida. Ele tinha a ideia de que não poderia ficar fazendo várias coisas pulverizadas nessa administração, mas algo que ficasse, pois Rinaldo logo voltaria e ele queria marcar sua passagem por lá. Essa coisa de ocupação do espaço urbano era bastante importante na época. Ducha tinha acabado de fazer o Cristo Vermelho, e o Atrocidades Maravilhosas era referência. Para quem não se lembra ou não conhece, esses dois trabalhos eram o seguinte: algumas gelatinas vermelhas nos holofotes que iluminam o Cristo Redentor no Rio de Janeiro deixaram ele encarnado durante alguns minutos. O trabalho foi feito sem autorização e visto de várias partes da cidade. O Atrocidades Maravilhosas, pelo que entendo, foi um conjunto de trabalhos em lambe-lambe com cartazes serigráficos, que tomaram o Rio. Eram vários artistas, cada um com uma ideia para um cartaz, e acho que todos se empenhavam na produção e colagem dos trabalhos pela cidade.


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e múltiplos tipos de “lugares” para mostrar a produção contemporânea pode ser o que o SPA esteja procurando. De certa forma, pelo que sei, já existiu isso nas últimas edições. Não quero dizer que o SPA deva se fechar pra dentro, pois é um dos únicos editais do Brasil que abrem essa possibilidade institucional da rua. E sem plaquinhas que tiram o estranhamento da obra. Me lembro que em uma das vezes em que fiz o Varal, no Ibirapuera, em São Paulo, a instituição colocou uma placa metálica bastante chamativa sobre a obra. Colocaram o nome (que eu desconhecia) do meu trabalho de Projeto-varal (o nome do trabalho é Varal, seguido do local em que foi esticado, ex.: Varal Ibirapuera ou Varal Babilônia). E na placa explicaram que fazia parte da exposição que acontecia na instituição na mesma época. Num dos seminários do evento, não foi muito bem quisto o meu comentário sobre a placa, mas vou reproduzir aqui. Estava eu no Ibirapuera, registrando o trabalho em fotos e vídeo. Aproveitava para escutar as observações do público, as quais me faziam pensar sobre as questões que o trabalho levantava ou simplesmente massageavam o ego. Vi uma daquelas bikes de cinco pessoas que eles alugam no parque se aproximando. O cara lá de trás disse: “que porra é essa??!!!” com o varal, então o da frente, que já via a placa, disse “ah, é arte!”. Os outros se conformaram com a qualidade de estranhamento que aquilo podia lhes causar por ser arte e continuaram a pedalar. Parar o passeio e conversar sobre a intervenção talvez não fosse a intenção, mesmo sem placa, mas poderia acontecer sem a explicação tão na cara. Rodrigo Braga (1976) até disse que aquilo era uma charge sobre intervenção urbana.

Propagandas e campanhas publicitárias têm poder e grana suficientes para estar no espaço urbano de forma inusitada; acho que, nesse sentido, a arte pode ser diferente. Pode ser menos explicada ou didática. Pode sugerir pensamentos próprios, individuais, senão é melhor empenhar-se em vender sua ideia para empresas publicitárias que geralmente pagarão melhor que instituições culturais. Já pen$ou quanto me pagariam $e eu vende-$e o Varal para a OMO? Nesse sentido, o SPA não peca, as peças não fazem propaganda do evento quando estão na rua. Claro que o evento tem um mínimo de controle sobre hora e local das ações, porém acho que existem projetos aprovados que prescindem de coordenadas. De certa forma, os impressos do SPA não atingem grande parte da população, não são uma divulgação blockbuster. Se formos pensar no quanto isto poderia tirar o estranhamento, no meio urbano, causado pelas obras, acho que é mínimo ou nem acontece. Porém, se entendermos que uma grande divulgação das obras é a intenção, e isto não acontece por falta de estrutura – ou seja, o SPA quer realmente explicar e avisar a todos o que acontece na rua durante a semana –, então acho que deve ser repensado se isso encaixa nas obras. Podemos ter obras nas quais essa divulgação não influa no significado ou na força do trabalho e outras em que seja importante uma interpretação mais livre por parte do público. Acho que isso cabe ao artista decidir, e sugeriria até que fosse colocado na ficha de inscrição como opção: “divulgar” ou “não divulgar”. Dentro do que faço, às vezes a rua é um espaço necessário. Mas a ideia é que definirá a mídia e o espaço do trabalho. Agora


mesmo, desenvolvo um trabalho literalmente em cima da rua, mas para ser apresentado em interiores. De certa forma, gosto de pensá-lo como uma intervenção urbana. Induzindo que esse pode ser o processo de vários artistas, acho que o SPA tem tentado funcionar na direção de abranger todos os tipos de expressão artística, inclusive a rua. Mas, por outro lado, o tratamento dado a obras para interiores ainda tem muito que se fortalecer. Falo isso, mas, nas duas últimas edições do SPA, eu não estava, então posso estar um pouco enganado, é uma impressão.

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Outra sugestão para o evento é que alguns projetos de residência pudessem começar um mês antes da abertura, para serem apresentados na semana de atividades. E com isso proporcionar uma maior interação da cidade com a obra, com o artista e com o evento. Abrir essas residências também para artistas de fora do País. Divulgar o edital internacionalmente. Fora os meios, penso que o fomento e os encontros gerados no SPA são muito bons e essenciais para o Recife. Muita gente nova produz, pois nunca foi muito um evento de escolha por currículo. A ideia de a cidade se abrir para criações de outros lugares também é autêntica, pelo menos nos anos em que participei. Bem, não vou ficar elogiando muito, pois não faz sentido, todos sabem o valor dessa semana de conexões. Deus tomara que continue! c

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Lourival Cuquinha Batista (Recife, 1975) vem participando de exposições nacionais e internacionais com trabalhos caracterizados pelo desafio à cultura e pela interatividade com o público e o meio urbano. Produz arte há 13 anos, nas áreas de intervenção urbana e audiovisual (fotografia, cinema e vídeo). As formações inacabadas em direito, filosofia, história e engenharia química tanto moldaram o conceito, quanto a técnica estrutural de alguns de seus trabalhos. Dedica-se hoje a três projetos: Macunaíma Colorau, Ouvidoria (junto com o Hrönir) e Jack Pound Financial Art Project. Vive e trabalha entre Olinda e Londres, Inglaterra.


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[SETEMBRO 2006]  UM ATO DE IMERSÃO na geografia da cidade, ao percorrer o espaço urbano, explorando livremente situações e fragmentos cotidianos. Nessa viagem, embarcaremos com nossa mala, caixa

Incorpore Recife por Camila Mello, do Rio de Janeiro, e Manuela Eichner, de São Paulo. Ou de lugar algum.

transportável de ação, e, como ambulantes, agregaremos impressões à nossa bagagem que, simultaneamente, serão compartilhadas em um diário online: www.corpoliquido.nafoto.net [agosto 2009]  Ela diz: Gosto de pensar na recuperação de imagens que nunca existiram, como um arqueólogo visual que caminha por muito tempo para chegar a um lugar em que identifica um breve e fulminante encontro entre ser e paisagem, entre corpo e imagem perdida, entre os sentimentos de insegurança, de ausência e de evocação que irrompem os recôncavos do tempo. Gosto de provocar os impulsos, os motivos, as secretas percepções que instam no homem a reflexão sobre as realidades pela ativação das camadas da memória, onde outros lugares se tornam aparentes em lugares que se quer encontrar.

À procura pelas mediações entre a memória da experiência realizada em setembro de 2006 no SPA e a memória material das imagens criadas durante essa experiência, encontramos imagens sensoriais de outro tempo as

quais continuam a se fazer na dinâmica do caminhar pelas ruas desconhecidas de uma cidade. Uma Recife que nos afeta de modo íntimo, direto e puro, quando transitamos através de suas veias convergentes e divergentes, para então nos misturar. Realizamos uma viagem e algo se desenhou no corpo. Desde então, adotamos a busca pelo lugar e pelo corpo no tempo da experiência de [hacer] caminhos, eixo de ações e gestos diversos que se dão conjuntamente. INCORPORE. Ao adentrar no cotidiano do lugar, uma cidade, propomonos a criar temporalidades perceptivas como corpo inventor de realidades, ativado por artifícios técnicos geradores, reprodutores e multiplicadores de imagens e sons que nos impregnam. Esse corpo, que se dispõe a abstrair do lugar uma transformação pelo ritmo do movimento, gerador de qualidades na paisagem “urbana”, é acolhido pelo desejo de unidade, sempre assumindo o caráter transitório do processo da arte e do pensamento coletivo. Nessa exploração, incorporamos a ideia de duração, percepção e atenção à vida no papel do cotidiano, enquanto artistas construtores de imaginários simultâneos ao acontecer da ação corporal. Tornando material o tempo exato da experiência para trabalhálo paralelamente às formas espaciais e sociais que surgem da paisagem, buscamos pela noção do precário e pela fragilidade de todas as construções sociais e mentais, da errância, da viagem, na qual o trabalho se apresente como percurso, tessitura de espaços e temporalidades, e não como superfície ou volume.


Aos poucos, fomos agregando outros objetos, sensações que nos encontravam no caminho, adentro da mala, nosso lugar-corpo, casa, e o sentido do nosso movimento enquanto corpos-viajantes. O ritual era repetir, repetir e repetir percursos com a mala azul todos os dias, pela cidade, com um corpo desacelerado que buscava ser corpoTEMPO ativado. Quando chegamos ao Recife, caímos no Pátio e logo conhecemos o Prédio, espaço para ocupação de artistas, ABERTO à intervenção durante a semana do SPA. Recebemos a oferta de um colchão após termos identificado um possível lugar para habitar. Fomos acolhidas rapidamente,

seres viajantes, por dois seres mágicos e flutuantes, e escoamos para a cidade universitária. CDU-Várzea. Chegamos ao Recife com o espírito b.n. – arte enquanto atitude – e uma mala. E as extensões que criamos, prolongamentos corpóreos para dar amplitude à ação, foram a base da nossa abertura artística. Agora, estar aqui, revendo a experiência e, a partir daí, estar-lá-de-novo, naquela descoberta, através das palavras dos amigos distantes que deixavam recados virtuais, da sensação de não-ter-hora para nos perceber tranquilamente no trabalho de criação e absorver as sensações intrínsecas do mundo, conectadas à natureza e ao movimento das coisas, é o que nos impulsiona a aprofundar a relação que existe quando fazemos arte sem paredes, pelas ruas de uma cidade. Pura força do empírico na vida, do respeito ao acaso e da escuta das pulsões que nos atravessam. O tempo nas mãos e a improvisação em cada movimento do corpo em sincronia com o ritmo da cidade, como jazz. Existe uma conexão às pessoas de uma cidade que é rara e espontânea. Simplesmente acontece. O momento ápice da nossa experiência foi uma tarde na lateral de uma das pontesde-liga Recife, na qual ficamos uma tarde habitando como espaço de relação, de criação. Deixamos as ações irem surgindo a partir daquilo que nos circunscrevia. Abandonamos máquinas fotográficas para viver aquilo silenciosamente. Lembro do movimento dos teus braços. Eu abria o livro para quem quisesse ler e seguia caminhando com o passante. O livro dizia: O MUNDO É GRANDE. As pessoas interagiam e assim íamos sentindo-nos presentes, tomadas pelo estar tornando-se tempo.

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Revirando cadernos e anotações lá do antes, quando tudo era escuridão de um começo, achei algumas coisas para reentrarmos no espaço da mala, lembras? Acabo de sentir aquele frescor que vem do Recife, de andar pelas pontes, de conhecer pessoas do Brasil, concentradas e comprometidas com a experimentação. Olhares atentos e corpos abertos às coisas daquele tempo em que andávamos pela cidade, nos perdendo a cada instante para perceber os sons em milhares de camadas e, com isso, absorver o impacto do urbano. Uma sensação nova de cidade, pois em tudo encontrávamos algum uso. Morar, comer, vender, ambulantes, esperteza na cara, tapiocas, casas na rua, tudo era nu e cru, e o real do Centro da cidade sempre nos excedia. Nós? O que tínhamos na mala? O que carregávamos pelas ruas? Palavras para distribuir, um sino, caixas de som que ficaram inaudíveis na Recife-ruidosa que apenas imaginávamos, giz, imagens, mapas, jornais locais, câmeras de fotografia, frutas, bobagens. Táticas para criar um corpo extracotidiano e inventar paisagens.


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Em 2008, estive novamente no Recife, e a sensação da ponte foi absurdamente linda. Reencontrar o mesmo homem com quem “dividimos” a lateral da ponte em 2006, um senhor barrigudinho que tem uma mesa e um guarda chuva onde vende coisastipo-pilhas-etc., foi uma sensação da vida inesquecível. O que faz parte de nós está em nós para nos tornarmos mais humanos? Uma ponte cravada na memória como algo sem o qual não me imagino mais sendo sem. Entendes o que estou dizendo? Quantas vezes mais vai se lembrar de uma tarde tão profundamente parte do seu ser, tanto que não dá nem para imaginar sua vida sem ela? Desde 2005, participamos de encontros de arte independente que têm como foco o trabalho de intervenção urbana ou arte como experimentação. O SPA foi uma experiência contagiante que ainda reverbera no nosso caminho artístico. Lembro-me do retorno a POA como algo extremamente conflitante. Não tínhamos certezas quanto ao vivido, nem quanto ao que realizamos como trabalho. Onde estava o trabalho? A cidade que nos esperava estava no mesmo lugar com a artebemcomportada e mega careta dos filhos de Sorbonne. Contagiadas pelas descobertas do Recife, aterrissamos com a sensação de que arte se faz no gerúndio, aceitando a necessidade de testar arte com mais espontaneidade. A partir daí, inventamos a mostra de vídeos ambulante Louva-a-deus, um filho do SPA! E, desde então, outras propostas sugiram dessa experiência-gênese, energia a que sempre nos remetemos. O tempo de convivência no Recife está impregnado no nosso corpo como sensação de movimento inquietante que nos desafia a testar as possibilidades de

fazer arte no cotidiano. Foi nesse atemporal da experiência que começamos a apostar no nosso sonho coletivo do Mergulho, de realizar o processo criativo de maneira aberta e colaborativa, com vigor e desejo relacional, para descobrir e desvendar nossa percepção como ser observador e ativador de mundos. Perceber e agir. Agir e perceber.

Camila Mello (Porto Alegre, 1976) vive e trabalha no Rio de Janeiro. Artista visual, integrante do coletivo Mergulho, bacharel em desenho (UFRGS) e pós-graduada em Poéticas Visuais (FEEVALE). Trabalhos importantes: Corpolugar_em Construção, videoexperiência no Centro do Rio de Janeiro – Subsolo Espaço Expositivo (2009); Corpolugar, experiência no lugar – Salão de Arte [desenho, fotografia e vídeo] (2008); Ação na Lacuna do Espaço do Quarto, experiência no lugar, Galeria (2007); Ação na Lacuna do Espaço da Copa, Galeria (2006), experiência no lugar [desenho e fotomontagem] (2006); Ação na Lacuna do Espaço da Casa, experiência no lugar, Galeria [desenho e fotomontagem]; Mapa de Riscos Ambientais, cartaz, espaço público, multiplicidade, Vitória-ES e EIA, São Paulo-SP; Cinco Peles, ação de desenho no corpo, 5º FSM, Porto Alegre-RS (2005). Manuela Eichner (Arroio do Tigre/RS, 1984) vive e trabalha em São Paulo. Artista visual e gráfica, integrante do coletivo Mergulho, bacharel em artes plásticas, habilitação em escultura (UFRGS). Trabalhos importantes: Gramas Urbanas, intervenção na Avenida Paulista durante o EIA, São Paulo-SP (2005); Antes da Imagem, residência artística Terra Una, Liberdade-MG (2008); Vídeo Manifestus Unanu – Museu do Trabalho, Porto Alegre-RS (2008); Arraçif, residência no SPA das Artes, Recife-PE (2008); Revista Odisséia (2009).


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Criação de momentos

Sonho de um instante

Ontem: o corpo leve – suado – deslumbrado pela sonoridade pulsante da música das pessoas de Olinda. Preto Velho – afrosenzala. Barracão de Zinco (projeto encantador). Obrigado a Salvador pelo encontro. Depois de um dia diante da paisagem intocável do mar, fomos ao pátio histórico onde uns tomam cerveja, uns comem pipoca sonora na festinha de aniversário de alguém. Pela avenida, a mulher de batom vermelho vazia dizia: levei um tiro e três facadas aqui, nesta rua. Aos 14 anos fui assassinada. Com um gesto rápido e certeiro, arranca o cigarro da mão de n.r. e segue. As camadas urbanas são visíveis no Recife.

Arquivo pessoal

Fragmentos do diário

Porto alegre [5h20] Recife [infinito]. Chegamos junto com a chuva que percorreu conosco o centro antigo do Recife. Primeiro dia. Desgaste presente no corpo e na mente. Fomos ao Pátio de São Pedro [impacto do tempo], um dos pontos de encontro e acontecimentos do SPA. Atravessamos a ponte em direção ao Prédio Western. Incrível: prédio do antigo telégrafo fechado pelos Correios. Estamos lá, onde a comunicação se dava por fios submersos na água salgada até a Europa.

Canal 03


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fotos Canal 03

A viagem de anteontem, a chegada de ontem e a ação de hoje Fomos direto ao Prédio Western com a possibilidade de ocupar o espaço como desdobramento dos nossos momentos externos – percursos pela cidade – dois ambientes. Duas salas desse antigo telégrafo abandonado. Enfim, o som transpôs o espaço da mala e circulou pelo espaço urbano. Ali, nas ruas, apareceram pessoas que não têm postura contemplativa: interagem. Aqui é diferente, isso é muito Recife! Almoçamos às 17 no Sr. Aquino, dono do Serve Bem – Recife Antigo, que nos serviu saladamacaxeira com peixe de coco. Delícia. Trocamos um CD da mala com ele e o lugar passou a ouvir gotas musicais do amigo Yanto. CDU-Várzea. Convite a ir Experiências vividas numa das extremidades de uma das pontes de travessia do centro antigo do Recife. Ao encontro de um lugar passamos por diversas pessoas que trabalham nas ruas, espaço público, atravessamos o Centro e perdidas compramos uvas verdes, jornais de dias anteriores, um livro: Amar se Aprende Amando – Carlos Drummond de Andrade. Nosso escritório, local de trabalho ou ateliê, como queiram, por algum tempo foi a beirada de uma ponte onde circulam muitas


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pessoas com distintos trajetos. Lembramos hoje: “que tipo de dança é essa? Isso é terapia?”; “ahm, vocês são do teatro… Estão experimentando cenas cotidianas…”; “o trabalho de vocês tem um pouco de psicologia social…”; “vocês estão fazendo trabalho de campo?”; “tu acha que é isso arte? Tu quer comunicar?”; “que som bonito”; “o que tem dentro da mala?”; “que mala balaqueira!”… Sem falar dos taxistas que sempre acham que estamos indo para algum lugar. O corpo sonoro Alto-falantes perambulam no Recife Antigo. Retorno sonoro do silêncio da paisagem a Recife, acolhimento e habit+ar. A viagem é um saber voltar. Um longo aprendizado para transformar o cotidiano. Todo processo de mergulho é interno. EMERGIR. c


Beto Figueirôa

Transporte disponibilizado pela Prefeitura do Recife para visitação das exposições nas RPAs (SPA 2008)


Descentralização e democratização do SPA das Artes Participantes  Fernando Augusto, Diretor de Gestão de Equipamentos Culturais da Fundação de Cultura do Recife e um dos fundadores do SPA das Artes. Galo de Souza, grafiteiro e articulador da Rede de Resistência Solidária. Izidorio Cavalcanti, artista. Clarissa Diniz, crítica de arte, curadora e editora da Revispa 2009. Olívia Mindêlo, jornalista e editora da Revispa 2009.

OLÍVIA  O SPA, DESDE O INÍCIO, SE preocupou com essa questão de focar esforços em ações descentralizadas e descentralizadoras. O mutirão de grafite, a primeira edição no Alto José do Pinho, depois a própria Tamarineira, enfim, o Mapa das Artes, a própria rua, que sempre foi usada como um palco das ações. Só que, no ano passado, as exposições nas RPAs pareceram uma ação mais contundente nesse sentido de descentralização. A gente queria saber de vocês como buscaram viabilizar essa estratégia através dessas exposições. Galo  No meu caso, eu fiz uma exposição em Peixinhos, mas eu não morava lá. Foi um lugar que era bom pra mim e pro SPA… Clarissa  Por que era bom lá? Galo  Porque eu conheço o pessoal de Peixinhos, porque o Nascedouro é um espaço muito legal para fazer uma exposição. Lá tem uma biblioteca massa, um movimento legal. E aí também já era uma estrutura do próprio governo. Sobre a exposição, em si, foi muita correria de minha parte, porque, no mesmo dia, inventei de fazer o lance na Caxangá também, no viaduto, que envolveu muita gente. Teve grafiteiro que veio da Paraíba e ficou sabendo e quis participar por conta própria. Então envolveu outras pessoas e eu botei na mesma semana do SPA. Olívia  Por que a Caxangá?

Galo  Muita gente passa por ali, muitos pichadores da cidade começaram a pichar na Caxangá. Pra mim, era uma coisa simbólica pintar o viaduto. Tinha acabado de acontecer uma reforma lá, fizeram os pisos, fizeram umas esculturas, porque tava meio que abandonado. As colunas todas pintadas, cheias de papel colado, tava tudo sujo. Pronto, aí a gente tirou uns fragmentos da exposição de lá da Caxangá e levou para Peixinhos um pedaço de cada pintura que foi feita. A do SPA aconteceu e durou a semana que tinha que durar, e a Caxangá tá até hoje, foi uma coisa que ficou pós-SPA. Clarissa  E a escolha da galera que participou do Nascedouro, como aconteceu? Galo  Da minha parte foi tudo livre, eu tinha a escolha de chamar quem eu quisesse. Pensei em chamar um monte de gente que não era só da área do grafite, mas acabou que preferi botar a galera toda do grafite mesmo, trabalhando com outra superfície. Tipo, em casa, eles pintam móveis, objetos… Aí fiz uma exposição com esses objetos. Então, tinha torradeira de pão, guitarra, um material que o pessoal pintou e levou pra expor. E aí preferi potencializar a galera que já estava grafitando há mais tempo, que já tinha um trabalho legal, pra ver outros materiais também. Clarissa  E das pessoas que moram em Peixinhos, os grafiteiros de lá? Foi alguém?

revispa 2009

Recife, 14 de julho de 2009, no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam)

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Galo  Não, a galera de Peixinhos participou como monitor, participou sacando os trabalhos. Olívia  O grafite é uma linguagem estratégica para a descentralização, para pensar a arte fora das questões centrais do circuito? Galo  Com certeza. Se você for estudar, vai ver que tinha 15 grafiteiros há uns dez anos e, se pegar hoje, vai ver que tem 1.500. Então, se não for descentralizador, está tudo morando no mesmo prédio. A galera está espalhada em todo lugar, “véi”. Está a cada dia ficando mais popular. Muita gente antes que pintava só com spray, hoje em dia, está pintando com pincel, tinta. Então, essa linguagem da exposição está, cada vez mais, sendo vista com bons olhos por quem faz grafite, pra quem vem dessa coisa da pichação. Olívia  E tu, Izidorio, que trabalhou com outras linguagens, quais foram as tuas estratégias na exposição? Izidorio  Eu fiquei com a RPA 4, porque moro ali próximo, na Torre. A proposta de colocar pessoas para fazer uma intervenção dentro de um campo de futebol foi baseada na trajetória do SPA, que sempre teve trabalhos na rua. Remete a uma certa ironia, à questão do jogo, onde existem políticas… Então, na hora de convidar os artistas, comecei a classificar o consagrado, o promissor, o emergente, aquele que nunca participou de uma exposição, aquele que tem um trabalho, mas nunca teve a oportunidade de mostrar. Foi muito difícil conseguir um campo de futebol e interditálo durante uma semana. A experiência pra mim foi o diálogo entre aquela comunidade, pessoas que muitas vezes perguntam o que é a arte, o que é artes plásticas. Passei uns dias em contato com a comunidade e o pessoal ficou, assim, super feliz, porque de repente

tinha um artista da comunidade fazendo parte de um evento como o SPA, nacional e também internacional. Então, percebi que eu estava contribuindo para a autoestima dessas pessoas. Olívia  Pode falar sobre os trabalhos? Izidorio  Cada um tinha uma comunicação, ou seja, um dizer. Uma das crianças perguntou se os artistas estavam jogando uns contra os outros, já que estavam num campo de futebol, numa posição de jogo. Eu pensei nessa forma. Quando convidei os meninos para participar, fiz assim: “Olha, tem a questão do SPA, fui convidado para ser o artista descentralizador e vocês têm um campo de futebol para preencher”. Aí o pessoal comentou: “mas um campo de futebol, Izidorio? Não acha muito exagerado, não?”. Aí eu disse que não, que eles levassem a obra maior possível que pudessem, porque tinha um campo todinho pra preencher. A comunidade toda foi envolvida na montagem da exposição. Pra eles, foi tão importante que eles mesmos conseguiram policial durante os cinco dias. Galo  Eles levaram a arte a sério, valorizaram, cuidando pra ninguém danificar… Izidorio  É, a gente vê que a comunidade se envolveu pra também receber, porque eles nunca tinham ouvido falar no SPA, nunca tinham ouvido falar nos artistas da exposição. Clarissa  Você acha que pra essa identificação ter acontecido foi fundamental a participação de um artista da comunidade na exposição? Izidorio  Sim, sim. Clarissa  Sem esse artista participando, você acha que a identificação seria menor? Izidorio  Seria, porque geralmente existe a


Clarissa  Galo, e o fato de nenhum artista de Peixinhos ter participado da exposição pode ter prejudicado de alguma forma? Galo  Acho que sim. Todas as ações que a gente faz na comunidade quem organiza é a comunidade. No caso do SPA, foi muita correria, não teve como eu contatar. E o pessoal de Peixinhos, que trabalha com grafite, não tá produzindo o grafite como uma peça de arte, digamos assim. Eles produzem mais demanda de serviço, mais comercial. Eu até queria convidar, mas não consegui. Olívia  Então, como você avalia as consequências desse trabalho corrido? Galo  As consequências foram positivas, porque a gente já tem ações lá em Peixinhos. O mutirão de grafite já rolou lá umas quatro vezes. Se tivesse alguém de Peixinhos ia ser muito melhor, mas infelizmente teve essa dificuldade.

sabe onde vai fazer a comida, onde vai ter energia. É toda uma continuidade. E de ser um processo coletivo também. Desde 2005, o mutirão nasceu com o objetivo de integrar os grupos, que vêm de bairros diferentes. A Rede [de Resistência Solidária] nasceu junto com o próprio mutirão, que passou também a fazer com que os grupos fossem reconhecidos dentro de suas próprias comunidades. Depois do mutirão, os grupos passam a ser bem vistos pela família, pelo bairro. Serviço passa a ter também. Porque do nada o grupo organiza um mutirão que vai ter 50, 60, 80 pessoas, que pintam um monte de casas, fazem a ação o dia todinho sem envolver estrutura nenhuma financeira. Fica tudo meio que sustentado por todo mundo que tá participando e é uma coisa que já tem um calendário, uma dinâmica. Olívia  Como você vê essa questão da descentralização, Fernando, falando do ponto de vista da Prefeitura? Fernando  Essa coisa da descentralização é um processo. Acho que foram várias tentativas de descentralizar. Na verdade, além do mote da política cultural da cidade, de Exposição descentralizada (Articulador Izidorio Cavalcanti. Torre. SPA 2008)

Clarissa  E que diferenças você percebe na forma como funcionou a exposição descentralizada do SPA para a forma como funciona, por exemplo, o mutirão? Galo  No mutirão, o objetivo é outro, diferente do SPA. Por exemplo, se tivesse mais tempo, a gente poderia ter envolvido o pessoal de Peixinhos e a coisa da Caxangá. O mutirão acontece todo último domingo do mês, então, três meses antes, já está fechado. O grupo daquela comunidade já Beto Figueirôa

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questão da comparação. Tem um lá que faz artesanato e queria colocar… No caso de Zequinha, dos aviõezinhos, ele lapida resto de madeira. Então, poxa, pode ser exagero meu, mas remeteram aos trabalhos de Efrain Almeida… Não é artesanato. Zequinha trata da infância dele.


descentralizar todos os grandes eventos e tal, a gente queria que o SPA sempre caminhasse meio na contramão do que está aí instituído, legitimado. Então, era uma coisa de tentar incluir o máximo de pessoas possível. Depois você acaba caindo num modelo de edital que não existia nas primeiras edições do SPA e começa a ter uma coisa meio instituída. Você passa por uma curadoria, uma seleção. Mesmo que você diga que todo mundo da cidade está convidado a participar do SPA, seja recebendo uma bolsa, um estímulo, ou participando por iniciativa própria, a arte está cada dia mais institucionalizada. E os artistas mais novos, que mais frequentam o SPA, têm uma identidade muito forte com esse tipo de sistema. Então, as pessoas já pensam nessa coisa de “onde eu vou fazer?”, “onde eu vou participar?”, “onde tem um edital?”. Acho que, com o tempo, cada vez mais essa política do edital no SPA foi…

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Olívia  Na contramão da descentralização?

Beto Figueirôa

Fernando  É. Se você for fazer uma estatística, no primeiro SPA a gente tinha 30 bolsas, mas participaram 90 pessoas, digamos. Hoje tem 30 bolsas e participam

mais 20 pessoas. Sei lá. As pessoas querem participar, mas só se ganhar bolsa. Então, pouca gente hoje está estimulada, você vai vendo que as pessoas vão entrando num modelo mesmo. É como se gostassem de um modelo. Acho que o bacana do SPA é tentar perceber o que é melhor naquele momento para a cidade. Então, o que é melhor para a cidade, já que a gente fez várias tentativas de descentralizar? Até as pessoas que vinham para fazer as ações e que eram selecionadas, nas primeiras versões do evento, vinham só pro Centro do Recife. A coisa acontecia no máximo na Boa Vista, São José, Marco Zero… Depois expandiu um pouquinho pra outro bairro e tal. Mas nunca conseguia sair. E isso tem um problema. É bacana, por um lado, porque você descentraliza, mas cria problemas para as pessoas circularem. Olívia  Você fala, por exemplo, dessas exposições no ano passado? Fernando  É, as pessoas não conseguiam circular. Nessas do ano passado, a gente tinha um carro que saía do Pátio de São Pedro para circular pelas exposições. Mas isso é pouco. Até hoje a gente não conseguiu encontrar uma equação aí que… Galo  Pudesse criar um resultado, né? Fernando  Criar uma dinâmica mesmo, e não é fácil. Não conseguiu, porque não é fácil, não é uma coisa simples, não! Izidorio  Mas, Fernando, o importante foi que as pessoas daquela comunidade tiveram acesso a essas coisas. Olívia  Vocês não acham que, geralmente, vindo essas políticas de descentralização Exposição descentralizada (Articulador Galo de Souza Cavalcanti. Nascedouro de Peixinhos. SPA 2008)


espaço. Eu também tô conectado na internet, tô pintando em outras cidades, não só aqui. Eu vejo tudo como uma coisa fundamental, porque é aqui que eu vivo e é aqui que eu quero ver essas barreiras quebradas.

Izidorio  Não acho que seria nenhuma hipocrisia, não. Nesse momento, nesse século, as pessoas estão se informando mais, lendo mais, estão tendo mais um pouco de pensamento sociológico, antropológico, alguma coisa assim parecida. Porque essas pessoas passaram um bom tempo sem ter acesso a isso. Nunca foram ao museu, não sabem o que são as artes plásticas… O que acontece é que, se você chegar a uma comunidade o mais periférica possível, vai descobrir que quem faz arte é das artes cênicas ou cantor, e agora tem a grafitagem, que é um processo muito mais próximo à comunidade. Às vezes ela migra pra grafitagem, mas talvez gostasse de migrar para outra expressão das artes visuais. Basta ter o contato. É como se você tivesse o primeiro contato com o mar…

Clarissa  Vocês acham que há diferença entre descentralização e democratização?

Galo  Acho que sempre as coisas podem melhorar. Por exemplo, o projeto Estética da Periferia trouxe a gente pro Mamam. E a gente só viria pra cá se estivesse morto, porque aqui só entram pessoas que estão há muito tempo. Eu vejo que, pra mim, que sou grafiteiro, foi fundamental pra poder expandir a minha arte. Anos atrás, a gente não podia andar com uma lata de spray na rua, tinha que andar com ela escondida. Daqui a pouco, eu já posso andar com a lata. Não podia pintar, e agora posso pintar. Posso pintar só aquela parede, mas eu quero pintar aquelas outras, então eu vou invadindo os lugares para pintar. Então, por exemplo, vim pintar dentro do Mamam, pintar dentro de outro

Izidorio  Eu acredito que não. A democratização é a descentralização. Tem um cara que fica na Rua Nova, faça chuva, faça sol, e o cara fica lá, pintando, fazendo a arte dele lá, e a comunidade que fica ao redor dele leva o retrato do pai, da mãe, e pede: “reproduz isso pra mim?”. Ele faz e as pessoas dizem: “puxa! Isso que é arte!”. Acho que isso é um fator extremamente comprometedor para uma pessoa que quer fazer arte. Clarissa  Mas, então, você não acredita na democratização da arte? Izidorio  Porque não é uma questão de democratização da arte. Na realidade, o que ele tá fazendo ali não é democratização. Se chama pirataria o que ele tá fazendo. Porque ele tá copiando o trabalho das pessoas e tratando isso como arte. Clarissa  É bem questionável isso… Izidorio  Sim, mas ele está informando uma arte do tempo do Renascimento. Ele não tá informando uma arte do tempo de agora… Clarissa  É um tipo de arte. Izidorio  É um exercício de arte. Clarissa  Enxergo muita ambiguidade na forma como você pensa essa questão, Izidorio. Você disse que o aviãozinho de Zequinha da Torre não era visto como arte, e que foi bom pra ele estar lá na exposição, que essa proximidade com a ideia de arte, com

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de pessoas que já estão incluídas, de classe média, enfim, não seria um pouco hipócrita, arrogante e um tanto ingênuo da parte da gente achar que é bom pra periferia o que a gente defina que seja?


Exposição descentralizada (Articulador Neílton Carvalho. Sítio da Trindade. SPA 2008)

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Clarissa  Mas isso que você está falando é pra chegar à conclusão de que o que Zequinha faz é mais arte do que o que faz o artista da Rua Nova? É isso?

Beto Figueirôa

Izidorio  Sim, porque ele está compondo. Ele está criando do nada. É como se eu estivesse quebrando uma pedra, esculpindo…

o circuito da arte, foi positiva. Por outro lado, quando você falou do cara da Rua Nova, você disse que o fato de ele fazer arte dizendo que é arte, e que os clientes vão lá e compram, e gostam, e dizem que é arte, é negativo. Então, você enxergou a aproximação à ideia de arte com Zequinha da Torre de uma forma bacana; mas, com o cara da Rua Nova, você não gostou. A minha leitura é a seguinte: no cara da Torre, era você quem estava indo lá “ofertar” a ideia de arte, então você o incluiu no seu sistema; no cara da Rua Nova, é ele quem está desafiando o seu sistema porque ele também está fazendo arte, vivendo de arte, num sistema que é paralelo ao seu, e que compete com o seu. Será que essa leitura do que é bom como inclusão na arte, como democratização da arte, não tá muito vinculada ao que é bom pra você? Izidorio  Não… Zequinha também copia. Ele tá copiando um barquinho, um avião, mas ele tá tratando de outra natureza, outra leitura. Ele tá lapidando um pedaço de madeira até chegar lá.

Clarissa  Mas você não pode falar isso depois de Duchamp! Isso não é exatamente um critério para dizer o que é arte ou o que não é arte… Não me convenceu. Ainda estou mais de acordo com a minha primeira hipótese, de que a forma como você está encarando a democratização está dependendo muito da sua posição diante daquilo. Que a primeira tá bacana porque é você que tá sendo o onipotente, é você quem está incluindo. E que a segunda lhe incomoda porque você está sendo enfrentado, afrontado por outro sistema que sobrevive independentemente de você. Será, então, que a melhor forma de incluir é não incluindo? É deixar que a coisa funcione por si mesma e ganhe força a ponto de ela poder se sustentar… Porque, por exemplo, esse cara da Rua Nova não foi incluído no sistema da arte contemporânea. E por não ter sido incluído, ele se virou para continuar fazendo arte, vivendo, ficando “famoso” e até construindo seu próprio sistema ao ponto de incomodar você, que foi incluído nesse campo da arte contemporânea. Galo  Não tem como dizer que não é arte. Eu acho que descentralizar a arte é você dizer que essas pessoas fazem arte também. Porque ou você exclui, ou você agrega. Você só tem duas escolhas. Ou a gente faz uma guerra e começa


Clarissa  Eu acho que tem uma terceira escolha. Que é você não agregar, mas não excluir. Você saber que a pessoa existe, avaliar a diferença, mas não querer que ela seja igual a você. Galo  Não acho que é agregar… É o cara ter a liberdade de entrar onde quiser. É, por exemplo, participar das coisas sem necessariamente pedir pra participar das coisas. Ser reconhecido pela sociedade com sua obra, falando e pintando uma merda no quadro. Não é uma guerra, não é agregar tudo, mas é ter a liberdade de fazer a arte dele. Olívia  Então, voltando à questão do SPA… Por que vocês acham que o SPA resolveu dar atenção a essa coisa da descentralização? Foi uma questão de demanda do circuito, uma questão de moda ou realmente uma questão de se filiar a uma bandeira política que vinha a reboque da questão do PT na gestão? Fernando  Acho que democratização e descentralização são duas coisas diferentes. A forma mais radical que o SPA conseguiu descentralizar não foi em nenhuma ação, exposição, mas no Mapa das Artes, porque conseguiu dar visibilidade a um universo que ninguém conhecia. O resto é tentativa, coisa de território, essa coisa geográfica. Eu acho que o grande risco dessa coisa de incluir, ou não, é assim: o artista tem que ter uma visão de não ser dragado pelo sistema, porque esse é o grande mal. Ele tem que estar no sistema, mas tem que ter uma autocrítica como Galo já disse, de dizer “não, isso não me interessa. É muita visibilidade, é muito bacana, mas

não me interessa e eu não vou participar”. Se você não tiver essa autocrítica, acho que o artista corre um risco muito grande de ser uma coisa efêmera, de ser incluído por alguns em alguns momentos, mas depois ele não se sustenta. Ele tem que saber muito bem diferenciar o que ele quer do que não quer. O sistema não pode pautar a arte dele, porque senão ele está ferrado. E eu acho que democratizar a arte é muito mais do que fazer a arte circular. Acho que democratizar passa por outras coisas, do sistema mesmo. De você ter muito clara a coisa de como é que você pode ou não acessar o museu, o sistema, aquele espaço… A palavra democracia tem mais a ver com essa coisa de acesso, e não de circulação. Circulação tem mais a ver com descentralização mesmo, e os dois se complementam, não é? Você não pode ser democrático se não descentralizar, enfim… Mas são distintas. Galo  Independente de controlar a arte, acho que é, no mínimo, um desejo do Estado o de contribuir para que o movimento da arte não vá se degradar… A cada dia tem mais gente pintando, mais gente criando. E você vai dizer que vai escolher só cinco na sua mão? Você tá falando com muita gente, velho! Muita gente! É uma população gigantesca que tem que ter espaço. E se já se vai arrumando espaço no mercado, melhor ainda… Agora, não é discutir isso como conceito de arte. Porque arte vai muito além de um trabalho ou de vender uma tela. Descentralizar eu acho que é isso. É ver pessoas que estão criando estéticas diferentes, que ninguém nem imaginava, e isso vai sendo acolhido… Acho que isso é democratizar. Abrir espaço e respeitar as diferenças. Respeitar as diferenças. c

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a bombardear a cidade, tipo botar pra F nos órgãos públicos, ou pichar tudo, achar que é a revolta, ou a gente pega e diz “peraí, melhor agregar!”. Só tem duas escolhas.


Beto Figueirôa

Sonhos Mutantes (Daniela Aguilar/ AL. Intervenção urbana. SPA 2008)


Sobre centros e periferias por Kiki Mazzucchelli, de Londres.

ilustram posições distintas em relação às noções de centro e periferia. O tema é relevante para esta publicação na medida em que, assim como o Brasil ocupa uma posição periférica em relação ao circuito artístico internacional, o Recife ocupa uma posição periférica em relação ao circuito dominante de São Paulo e do Rio de Janeiro. Assim, talvez esses dois episódios ajudem a levantar questões sobre o circuito recifense e sua relação com o Brasil e o mundo. Em sua edição de julho de 2009, a revista holandesa Metropolis M publicou, entre outros artigos sobre arte brasileira, uma espécie de relato supostamente crítico das experiências e impressões de Jonas Ohlsson, artista sueco que participou de residências no Capacete, no Rio de Janeiro, em 2007 e 2008. O texto de Ohlsson1, intitulado We Love Rio, é um documento um tanto assustador, carregado de preconceitos contra a arte produzida fora do eixo hegemônico Europa-Estados Unidos, locais aos quais ele se refere como “terras-de-ninguém periféricas do mundo das artes”. O tom agressivo e 1  Disponível em inglês no endereço eletrônico http://www. metropolism.com/magazine/2009-no3/we-love-rio/

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COMO NUNCA TIVE A OPORTUNIDADE de presenciar uma edição do SPA das Artes, decidi aproveitar o convite de colaboração com a Revispa 2009 para comentar brevemente dois episódios recentes que


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pretensamente engraçadinho (ininteligíveis piadas suecas, talvez?) permeia toda a narrativa. Nem mesmo os judeus americanos – que até então eu acreditava serem pilares do hegemonismo cultural moderno e contemporâneo – escapam: o autor dispara o infeliz trocadilho “Jew York” logo no início do texto… O argumento de Ohlssen, acreditem, é que não é possível produzir arte contemporânea de qualidade fora desse eixo hegemônico, pois ali faltam museus, cursos para curadores, incentivos financeiros para a produção artística, ou seja, um circuito com uma forte base institucional. Ecoando o divisionismo característico da tendência conservadora que vem crescendo na Europa na última década, ele afirma que: os Hottentots2 são bons em MILHÕES de outras coisas em que nós NÃO somos. Os brasileiros são REALMENTE bons no samba e os indonésios são EXCELENTES na música gamelan e no teatro de sombras. Você não ouve os europeus reclamarem o tempo todo de sua pouca visibilidade no mundo do teatro de sombras internacional?

Discorre, ainda, com similar desdém e superficialidade, sobre como considera entediantes as discussões acerca da pouca visibilidade da arte nigeriana ou do papel da arte brasileira no modernismo.

e relativamente recente interesse dos americanos e europeus pela arte dos países emergentes – assunto que, de fato, abre espaço para muitas críticas – mas acabou por reafirmar uma posição colonialista que hoje em dia já está largamente ultrapassada. O que Ohlssen dá a entender é que arte moderna e contemporânea são assuntos exclusivos do chamado “Ocidente”, e que o modernismo que se desenvolveu nas ex-colônias foi apenas um equívoco, uma versão piorada do verdadeiro modernismo europeu. Assim como seus colegas do BNP3 e afins, padece de um nacionalismo pífio e é incapaz de perceber as dinâmicas culturais, econômicas e sociais que permeiam as diferentes nações. Cabe mencionar aqui outro episódio, que desta vez ilustra uma posição oposta, ou seja, de completa dissolução das noções de centro e periferia. Logo após assumir o posto de curador de arte latino-americana do Blanton Museum (Universidade do Texas, Austin), previamente ocupado por Mari Carmen Ramírez por 12 anos, o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, atual diretor da Coleção Patricia Phelps de Cisneros, resolveu integrar a coleção latino-americana à coleção de arte americana moderna e contemporânea.

São inúmeras objeções a serem feitas ao texto, mas o que interessa aqui é especificamente a maneira como ele expõe uma visão extremista sobre a relação entre centro e periferia. Parece-me que o autor ensaiou uma tentativa de criticar o flutuante

Ramírez é porto-riquenha, pertence a uma geração anterior a de Barreiro e tornou-se a primeira curadora de arte latino-americana nos Estados Unidos ao assumir seu posto no Blanton, onde se concentrou em produzir exposições inovadoras e em desafiar as visões estereotipadas da arte latino-americana, tendo exercido grande influência sobre os acadêmicos e curadores mais jovens desse

2  Termo originalmente utilizado para designar os povos nativos da África do Sul; hoje considerado ofensivo.

3  British National Party, partido de extrema direita britânico.


Curiosamente, Ramírez reagiu com extremo desprezo ao significativo gesto de PérezBarreiro, sugerindo que sua decisão de integrar a arte latino-americana no contexto mais amplo da arte ocidental foi prematura e intelectualmente desonesta4. Objetou: As pessoas ainda não sabem quem são esses artistas, não sabem a diferença entre o México, o Brasil e o Peru. Eles pensam que tudo que fica ao sul da fronteira é Frida Kahlo. Até que esta arte seja validada ao nível intelectual, não adianta falar sobre o delírio da

a arte brasileira atravessa um novo período que suscitará novos desafios. A fórmula Oiticica-Clark – hoje totalmente incorporada ao mainstream internacional – já não serve mais para justificar todas as manifestações contemporâneas da nossa arte. Jovens artistas como Renata Lucas, Carla Zaccagnini, Marcius Galan, para citar apenas alguns, não se adequam ao novo estereótipo de brasilidade cultural forjado nas últimas décadas. Assim como muitos artistas que hoje trabalham no Recife não se adequam a uma leitura formulaica e preguiçosa que tem a combinação do regional e do global, característica do Mangue Beat, como referência imediata. c

especificidade deste campo. Não se trata de apenas mais uma expressão de tudo que aconteceu nos Estados Unidos ou na Europa. Tem sua especificidade própria.

Eu diria que se trata de uma posição válida, mas que, se a arte latino-americana continuar a ser mostrada nos museus e interpretada como algo à parte da arte ocidental, é assim que continuará a ser entendida pelo público. O problema é que a curadora acaba por levar um debate de extrema relevância e interesse para o lado pessoal, dizendo que PérezBarreiro pretendeu com isso assumir uma posição contrária à dela para poder se afirmar como curador. Minha impressão, a partir da observação do circuito e das curadorias específicas recentes que incluem artistas brasileiros, bem como em conversas informais com curadores de outras nacionalidades, é que

Kiki Mazzucchelli (São Paulo, 1972) vive e trabalha entre Londres e São Paulo e é curadora independente e crítica de arte. Projetos curatoriais recentes incluem a exposição sonora OIDARADIO, com co-curadoria de Nick Graham-Smith (Paço das Artes, São Paulo, 2008), e Ressaca Tropical, individual de Jonathas de Andrade (Instituto Cultural Banco Real, Recife, 2009). Projetos a serem realizados ainda em 2009 incluem uma residência em Bogotá com bolsa da Fundacíon Gilberto Alzate Avendaño, em que realizará pesquisa sobre modernismos

4  New York Times magazine article, After Frida, por ARTHUR LUBOW. Publicado em 23 de março de 2008. Disponível online em inglês no endereço eletrônico: http:// www.nytimes.com/2008/03/23/magazine/23ramirez-t. html?pagewanted=all

alternativos, e a exposição coletiva Restraint (OBORO and Maison de la Culture Marie-Uguay, Montreal), reunindo artistas brasileiros e peruanos, com cocuradoria de Julie Bélisle e Miguel Zegarra.

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campo. Assim, é uma das figuras mais importantes no movimento de leitura da arte latino-americana como parte do “Ocidente”.


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PROFESSOR TITULAR DA ESCOLA DE Comunicação e Artes da USP (ECA-USP) e diretor do Centro Cultural São Paulo (CCSP), Martin Grossmann foi responsável por idealizar o Fórum Permanente de Museus

Do fato de estarmos conversando aqui no Skype entrevista com Martin Grossmann

(www.forumpermanente.org). Criado em 2004, como plataforma virtual para debater o papel das instituições e dos museus de arte contemporâneos, o Fórum se transformou num centro de referência sobre o assunto. Ao instaurar, por meio de sua página na internet, uma prática de transmissão em tempo real de seminários, palestras e outras discussões que acontecem em diversos locais do Brasil e, sobretudo, em São Paulo, o Fórum se tornou um exemplo de como se propor políticas de democratização e descentralização cultural. Abaixo, Grossmann conversa sobre como pensa estratégias de acesso, novas formas de trabalho em rede e o processo de institucionalização da arte.

(MinC). Por que isso tem se intensificado, na sua opinião, e como você enxerga essa frente, pensando como uma pessoa que está em um centro econômico e cultural do Brasil, ou seja, em São Paulo? Martin  Penso isso de uma maneira bem contextual e até existencial. Bem como por analogia. Quando pensamos hoje na situação da cultura, pensamos não só no Brasil, mas numa esfera conectada, numa relação muito mais global. Quando falo do global, falo desde a modernidade, de um deslocamento e de um princípio iluminista, o de se padronizar as ações culturais a partir de uma fonte unificadora: um universalismo cultural associado à Europa, a um eurocentrismo que controlou não só processos culturais, mas econômicos e sociais. Claro, processos de dominação de outras culturas, próprios do Colonialismo. Nós nos distanciamos deste centro, mas ainda há uma forte influência desta hegemonia. O processo de estruturação cultural no Brasil se diferencia dos nossos vizinhos, por exemplo. A nossa formação cultural é distinta. E isso é importante para pensarmos hoje por que políticas culturais estão tomando esse rumo que a pergunta coloca. As nossas referências culturais têm uma grande relação com a Europa, sim, mas desde o início foram desvirtuadas por um multiculturalismo contextual, brasileiro. Por outro lado, fomos sempre bastante críticos com isso. Esse deslocamento único na história mundial de um rei vir a permanecer

ReviSPA  De uns anos para cá, vemos uma ênfase grande na questão da descentralização da cultura. Virou uma bandeira «O processo de estruturação cultural no Brasil não só da Prefeitura do se diferencia dos nossos vizinhos, a nossa formação Recife, por exemplo, cultural é distinta.» mas principalmente do Ministério da Cultura


ReviSPA  Por isso mesmo temos que pensar não só nos centros, não é? Martin  Isso. E é isso que é o interessante da tecnologia, da aproximação, mesmo, e da possibilidade de não só ter mais informações desses outros lugares, mas também poder até vivenciá-los. Por isso, por exemplo, hoje vemos como instituições e mesmo organizações públicas e privadas têm buscado trabalhar a residência. As residências aproximam, fazem com que os sujeitos se desloquem do seu lugar de trabalho e produzam nessa excentricidade. ReviSPA  A residência seria também uma das formas de descentralização? Martin  Ah, sim, com certeza. Temos que buscar novas formas de trabalho. Até pouco tempo, como você conhecia o processo cultural ou a produção cultural de outro

diferente, com diferentes backgrounds. A ideia dos projetos coletivos promete. Não é só na geopolítica que isso vem acontecendo, a descentralização e a democratização do acesso à arte. É no próprio processo de pensamento e da formação de políticas culturais. E aí eu posso citar o exemplo do Centro Cultural São Paulo (CCSP). Nós temos essa mesma dificuldade. Como eu, que estou inserido no contexto da produção paulistana, me aproximo da produção pernambucana, ou mesmo da de Bélem do Pará ou do Rio Grande do Sul? É incrível pensar que por analogia isso também ocorre, de uma certa maneira, aqui dentro do Centro Cultural – com seus 50 mil m², distanciamentos semelhantes e, assim, desafios de aproximação se apresentam. ReviSPA  E como é que essa questão é “resolvida” dentro do Centro (CCSP)? Que estratégias são utilizadas?

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numa colônia e gerir o «A ideia da descentralização é interessante, porque seu Império do ponto de pensa ações culturais ou processos de políticas vista deslocado, do outro… culturais que não só vão incluir produtos culturais Isto tem uma grande mais tradicionais, mas também vão permitir o importância para nós. Então, desenvolvimento de outras possibilidades.» seria interessante ver como esse fato está relacionado lugar? Através de formatos muito iluministas. também a esse novo quadro que temos hoje, A exposição, por exemplo. Eu vejo o que aqui, em nosso campo cultural. Esse exercício é produzido em tal localidade no mundo é super importante para pensarmos que os através de uma mostra que chega ao meu centros ainda existem, apesar de estarmos País ou à minha localidade, mas não tenho conectados. Ter a consciência dessa estrutura, contato com a experiência, só com o produto desses centros, como isso influencia a cultural final. A ideia da descentralização é formação cultural ou mesmo a produção interessante, porque pensa ações culturais cultural de outras áreas é muito importante ou processos de políticas culturais que para quem pensa a cultura e atua dentro dela. não só vão incluir produtos culturais mais E hoje estamos muito mais próximos… O tradicionais, como também vão permitir o fato de estarmos conversando aqui no Skype, desenvolvimento de outras possibilidades, por exemplo. como a de agrupar pessoas que pensem


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Martin  Em situações «Então, qual a estratégia? Em minha opinião, micro, essas estratégias nem é trabalhar a mediação cultural. A mediação de sempre podem ser adequadas que falo é uma mediação crítica e criativa.» para situações macro – às políticas, por exemplo, de um Cultural, trabalhamos algumas frentes em Governo Federal ou a políticas regionais. relação a esse tipo de mediação. Trouxemos O Centro Cultural é multidisciplinar e princípios de curadoria contemporânea, bastante distinto de outros, porque possui que são muito importantes para nós hoje. quatro acervos e uma biblioteca de 10 mil Não a curadoria só especializada, como foi m²… Mas é interessante ver que nessa tratada nas artes visuais, mas uma curadoria situação, numa arquitetura maravilhosa, cujo princípio seja também a relação de fundada em princípios democráticos de lidar com a programação e com a produção transparência, de fluidez, de abertura, as contemporânea voltada ao seu uso, à sua pessoas ainda operavam os processos de apropriação pelo público. Além disso, é forma extremamente segmentada. Cada um necessário criar e recriar pontes entre a tratando os seus assuntos dentro das suas produção contemporânea e os acervos centralidades. E aí você vê como é difícil, para que possuímos… Reforço, assim, a figura todos, abrirem mão de seus referenciais, de do curador como um mediador crítico e suas especialidades. Então, qual a estratégia? propositivo… Criador de situações dialógicas: Em minha opinião, é trabalhar a mediação o curador precisa pensar, simultânea e cultural. Não a mediação sob o ponto de integralmente, na instituição e no público… vista genérico dos curadores, historiadores ReviSPA  Embora isso não aconteça ou de pessoas que ainda lidam com a tanto na prática, não é? Pelo menos na cultura dentro das suas especialidades, que arte contemporânea… entendem a mediação como um processo puro e simplesmente de transferência de informação de um emissor para um receptor. A mediação de que falo é uma mediação crítica e criativa. Sempre citei o Marcel Duchamp (1887-1968). Para mim, é um excelente exemplo de artista mediador. Ou mesmo o Velásquez (1599-1660), com sua pintura As Meninas (1656). São artistas que tiveram uma preocupação não só com seus produtos, seja uma pintura ou uma escultura, um objeto… Foram seres políticos, seres formadores, preocupados com a ação crítica de suas obras no contexto cultural. Então, há aí exemplos claros da mediação de que falo, criativa e crítica. Isso é fundamental para qualquer política cultural. No caso do Centro

Martin  Mas aí há uma grande dificuldade, se pensarmos numa arte específica, na arte contemporânea de museus, galerias e feiras de arte. A prática é uma e o discurso é outro. Veja o caso da estética relacional ou mesmo de artistas cujo trabalho procura criar sentido social. Existem. Mas na hora de produzir para contextos expandidos, e até mesmo no processo de institucionalização, esse tipo de prática encontra muitas dificuldades. Há grandes desafios para quem atua hoje com arte, cultura e sociedade. ReviSPA  Falando agora do Fórum Permanente de Museus, dando voz a ele. Qual seria a sua estratégia, como uma


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Divulgação CCSP

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Apresentação musical no Centro Cultural São Paulo.

na história, há formatos muito fechados: a pintura, o desenho, o papel, a escultura, o museu, a biblioteca, o arquivo, cada um tem Martin  De certa maneira, também o seu campo delineado de atuação e ação. No conceituo o Fórum como uma plataforma caso do ferramental hoje das novas mídias, de mediação, uma vez que foi idealizado principalmente da telemática, sobretudo como um dispositivo dialógico a ser operado a ferramenta disponível no protocolo do principalmente na esfera da cultura na HTML, existe um universo de possibilidades. virtualidade. O Fórum Permanente (FP) é Chegou a um momento em que comecei híbrido por natureza. Nessa liquidez dos a ficar muito crítico de estar na ponta da meios digitais, você não tem um formato tecnologia. Para mim, é um pensamento único, ou seja, o formato também pode muito modernista. Por exemplo, pensando ser modelado. Num momento anterior, no Picasso (1881-1973) como um artista que sempre vai acompanhar a sua atualidade, a inovação «Conceituo o Fórum como uma plataforma das coisas. Eu sou mais de mediação; foi idealizado como um dispositivo duchampiano neste caso, dialógico a ser operado principalmente na esfera ou seja, preso mais ao da cultura na virtualidade.» plataforma de reflexão mesmo, no sentido da descentralização?


Divulgação CCSP

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Área de estudos do Centro Cultural São Paulo.

processo, ao estabelecimento de interfaces entre os vários produtores do sistema da arte; entre eles e o próprio público: o sujeito e a multidão. Foi assim, em busca de uma infraestrutura mínima que possibilitasse a democratização e o acesso descentralizado da informação gerada pelo sistema da arte, que encontramos o ferramental básico que utilizamos hoje. A facilidade de uso de uma plataforma CMS (Content Management System) mais os recursos de webcast permitem a operação do Fórum Permanente. Produzimos, incentivamos encontros em lugares específicos (centros culturais, museus, galerias), mas os registros desses encontros estão todos disponibilizados no site do Fórum Permanente, acessíveis a qualquer hora para qualquer um. ReviSPA  Uma coisa antivanguarda? Ou antimoderna? Martin  É meio por aí. A vanguarda está associada à ideia de você estar diante do tempo. Mas prefiro voltar para a comparação entre a produção do Picasso e a produção do Duchamp, que está baseada no livro de Octávio Paz: Marcel Duchamp, ou o Castelo da Pureza. O Picasso de fato inovou na plástica,

nas linguagens da pintura, da escultura, mas ainda trabalhou dentro dos formatos existentes. O Duchamp foi um artista de fato muito mais questionador do suporte. Por isso é que ele criou não só os ready mades como o Grande Vidro (1915-1923), que ele denominou como algo além da pintura. Claro que há uma relação com os outros meios existentes. Com o ready made é a mesma coisa. É um dispositivo que permite uma nova ação no campo da arte, mas muito mais voltada para o processo, para a interação com o receptor. É por isso que entendo o Fórum Permanente como um processo indiferente no sentido que o Duchamp falava do objeto indiferente (em particular o caso dos ready mades). É uma plataforma que precisa ser questionadora, que opera também como uma espécie de espelho do sistema da arte. E não posso dizer que é ela apolítica; ela é política, é crítica, mas ela não tende a definir um posicionamento. Não é ideológica. Inspirada no ready made, no Grande Vidro. Quem no fundo interage com o objeto ready made é aquele receptor inquieto com aquela indiferença do objeto. O objeto no fundo é quase que um não símbolo, um não objeto. Acho que a plataforma criada e mantida pelo Fórum Permanente faz isso.


Permite que as pessoas se inquietem com a informação que recebem.

Martin  Há uma intenção clara nisso. Nesse sentido, não tem como eu não fazer uma referência à minha experiência institucional. A «Acho que a plataforma criada e mantida pelo minha primeira experiência Fórum Permanente faz isso. Permite que as pessoas institucional foi com a se inquietem com a informação que recebem.» Bienal de São Paulo, como monitor e assistente de curadoria do professor Walter Zanini, em ao museu de arte com as novas mídias e 1983. A experiência da bienal é para mim com a virtualidade, desenvolvido de forma uma experiência democrática, só que é um sistemática durante um longo período evento. Há, ali, a possibilidade do convívio de pesquisa e elaboração de produção com o que se apresenta como sendo o acadêmica, mestrado e doutorado, que mais atual na produção contemporânea, somados perfazem oito anos (1985-1993). disponível não só para especialistas, mas para O Fórum Permanente é, assim, resultante o público de uma grande cidade. Produção desse processo e, em teoria, é um híbrido essa acompanhada de seminários, palestras e de museu, arquivo, centro de referência, pela própria presença de alguns dos artistas de documentação. Com os ferramentais e de pensadores contemporâneos. Mas o disponíveis hoje na internet é possível criar que ficou muito claro para mim naquele e disponibilizar acesso imediato a processos momento, e depois no MAC-USP (trabalhei como os que descrevi. Ou seja, ficou mais no Museu de Arte Contemporânea de 1985 fácil não só fazer pesquisa aplicada, como a 1987), quando fui convidado pela Aracy também criar utilidade pública quase que Amaral a implementar o serviço educativo instantânea a produções acadêmicas. do museu, era que, muitas vezes, o que ReviSPA  Por isso a internet seria um fazíamos – encontros e palestras, vinham caminho possível? especialistas de fora etc. – tudo aquilo, tinha Martin  A internet já é isso. É claro que ainda pouca reverberação. O que nos demandava não é totalmente acessível. Para o FP ser o um grande esforço ficava para aquele que é hoje, ele construiu uma rede mantida público que estava ali… geralmente, muito por vários parceiros. A ideia de trabalhar em minguado; ou seja, era difícil, o museu não parceria é fundamental. Quando digo parceria, tinha dinheiro para pagar correio, poucas é parceria mesmo, é comprometimento. O pessoas podiam ver e vir, enfim. E São Paulo,

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ReviSPA  Você falou na mediação como um ponto fundamental nessa questão do acesso e mesmo da descentralização. Em que medida o Fórum foi pensado dentro dessa estratégia?

com essa centralidade cultural, tem uma condição privilegiada, porque atrai pessoas das mais diferentes regiões… Então como isso ficaria registrado, como ampliaríamos esse universo? Por que as instituições não davam conta de trabalhar a memória dessas atividades complementares, mas de grande importância? Tendo como contexto essa experiência anterior, surge a partir de 1989 um pensamento crítico em relação


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Fórum não tem muitos recursos. Praticamente não temos dinheiro. Se não fosse o apoio de um centro de computação eletrônica da USP, por exemplo, que tem uma IPTV desde o início fazendo a transmissão dos principais eventos online, em tempo real, e abrigando em seus servidores todos esses registros, não estaríamos hoje sendo considerados como um centro de referência para o sistema da arte. ReviSPA  Então aqueles dois anos limites para o Fórum, citados no seu texto de apresentação do site, era só um medo que deixou de existir? Martin  É um texto que tem que ser atualizado. Estamos num novo momento, o Fórum está virando uma associação cultural. Precisamos dar um pulo, porque hoje ele é um patrimônio público. Existe uma preocupação nossa de institucionalizar esta empreitada. Não podemos viver na informalidade. O site depende, sim, de uma organização e precisamos garantir que esse patrimônio informacional não se perca. Estamos trabalhando no sentido de institucionalizar o FP de maneira positiva, construtiva. ReviSPA  Vai existir um espaço físico para a associação? Martin  Não, nesse momento não estamos pensando num espaço, porque ainda estamos muito atrelados à origem do Fórum, que é o projeto de pesquisa que eu desenvolvo na USP. Mas quando adquirirmos essa independência como associação, vamos ter que buscar, sim, um espaço. Nesse momento não há recursos nem necessidade para tanto. ReviSPA  Qual o custo para manter o Fórum?

Martin  Hoje o Fórum possui um formato que tem garantido a continuidade do trabalho que fazemos. A equipe é pequena, nós somos quatro. Mas para que consigamos dar conta de fazer o registro dos eventos, nós temos que ter uma certa rede de colaboradores. Quando fazemos a cobertura de um evento, precisamos de uma pessoa que opere a câmera, uma pessoa que dê conta também tecnicamente da transmissão, uma pessoa que faça os subsites dos eventos etc. Também convidamos jovens escritores de arte para fazerem relatos críticos sobre os eventos produzidos. Isso tem um custo. Cada situação/ evento custa minimamente por volta de R$ 2 mil para ser transmitida e registrada dentro desses moldes. É bom lembrar que a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo vem desde 2005, através de convênio, contribuindo para a edição do site. Estas são as únicas fontes de renda no momento. ReviSPA  Você falou que quer que o Fórum se institucionalize de maneira positiva e também falou um pouco, quando criou o próprio Fórum, da necessidade do fortalecimento da institucionalização da arte no Brasil. Defende a institucionalização da arte? Martin  Vou ser bem objetivo aqui: defendo. É claro que uma institucionalização dentro de um regime democrático. Geralmente, existe um preconceito quando se fala de institucionalização, porque se pensa aquela forma que é feita de cima para baixo, de forma autoritária. A genealogia, principalmente das instituições de arte, está inevitavelmente atrelada ao poder. Sabemos muito bem disso, acho que não precisamos entrar aqui na teoria, falar do Foucault, da crítica institucional que critica


Divulgação CCSP

55 revispa 2009 Apresentação teatral no pátio do Centro Cultural São Paulo.

esses processos orquestrados pelo poder… O FP se inspira obviamente no legado da crítica institucional. Só que não podemos esquecer que a crítica institucional europeia e a americana se deram num momento em que havia uma estrutura institucional muito bem montada no eixo cultural do Hemisfério Norte. Por outro lado, a crítica institucional do Brasil sempre foi operada dentro de uma precariedade institucional e, quando olhamos hoje a nossa estrutura cultural, vemos que finalmente há mudanças, transformações positivas. Temos problemas? Temos muitos problemas, mas veja os processos de descentralização. Como no Recife, por exemplo, com o Mamam, a partir de um pensamento pautado pelo Moacir dos Anjos para a constituição mesmo de uma instituição museológica numa cidade

que é um dos centros culturais do Nordeste. Hoje o Mamam participa até de políticas globais nas artes visuais. Quando falo da institucionalização, penso mesmo como é importante que tenhamos, no nosso contexto cultural, instituições. Por exemplo, em São Paulo. Da Bienal, eu defendo a manutenção, a sobrevivência e a recuperação da instituição, porque ela é fundamental, sempre foi, não só para São Paulo como para o Brasil e até para a América do Sul. É uma instituição que está na base da construção de um contexto cultural das artes plásticas no Brasil e no mundo. Agora, precisamos só das instituições? Não. O Fórum para mim já se institucionalizou na sua permanência, mas temos que ver que a instituição hoje também tem outros modelos. c


Galeria spa 2008 Fotos Aline Feitosa e Beto Figueirôa

As noivas de Dom Gatão (Daniel Santiago/PE)

Obra limpa III – Recife Revelada (Rodrigo Paglieri/DF)


57 revispa 2009

Sobreposição (Celina Portela e Elisa Pessoa/RJ)

Via de mãos dadas, nº1 (Tiago Rivaldo/RJ)

Festa-instalação no Iraq


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Tapete Mágico (Bruna Rafaella/PE)

Obra de exposição descentralizada (Articulador Izidorio Cavalcanti. Torre)

Vista de exposição descentralizada (Articulador Jacaré. Centro Cultural Cafundó)

Exposição Clube VIZI (Museu Murillo La Greca)

Valet Park (Bruno Faria/MG)


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Edificação e Queda dos Corpos (Coletivo Xepa/MG)

Movimentos para Atravessar a Multidão (Maíra Vaz Valente/SP)

OUTubro (Paulo Bruscky/PE)

Vista de exposição descentralizada (Articulador Edson Fly. Centro Social Urbano da Imbiribeira)


Vitrines (Marina Rocha/DF)

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Vista de workshop do SPA 2008

Obra de exposição descentralizada (Articulador Izidorio Cavalcanti. Torre)

Vista de exposição descentralizada (Articulador Neílton Carvalho. Sítio da Trindade)


61 revispa 2009 Abertura de exposição descentralizada (Articulador Moa Lago. Santo Amaro)

Corpoemlixo (Coletivo Eu Não Somo/SP)


Beto Figueirôa

Mostra Quase Cinema (Fundação Joaquim Nabuco)


A um passo de por Ana Luisa Lima, do Recife.

público. Algumas escolhas – como o uso ou não de um prédio como “quartel general” – podem não ter contribuído para um resultado estético de exposição satisfatório para trabalhos escolhidos em algumas de suas edições, mas nem por isso deixaram de promover ricas experiências políticas e sociais, como também trocas simbólicas e de afetos na dimensão dos encontros interpessoais. A mim, só é possível pensar o SPA como fenômeno e, por ser acontecimento que me é contemporâneo, não há distância (nem de tempo, nem espacial) suficiente para investigá-lo em todas as suas nuanças. Assim, minha conversa sobre o assunto é de quem está envolvida nesse processo de construção da própria identidade deste, os argumentos e pontos de vista que por ora compartilho encontram alicerces em impressões – nada mais que isso posso oferecer. Imagino que os primeiros modernistas se ririam ao se deparar com um evento artístico que, patrocinado e produzido por iniciativa pública (Prefeitura da Cidade do Recife), tem a capacidade de mobilizar nada mais do que pequenos fluxos de pessoas em poucos lugares da cidade por, pelo menos, uma

63 revispa 2009

SERÁ QUE É MUITO CEDO PARA TENTAR pensar em grandes desdobramentos para o SPA das Artes? Desde sua invenção, em 2002, ano após ano o evento ainda procura seu modus de apresentação ao grande


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semana. Não era o programa moderno um grito de emancipação da arte (e do povo) nos centros urbanos? E que destino mais controverso é esse que fomos arranjar? Embora ainda não tão assentados os parâmetros, os discursos, as (de)limitações de uma pós-modernidade, é certo que a autonomia (hoje entendida como interdependência) continua na pauta de reivindicações da arte. No Brasil, a Nova Objetividade, diferente da ideia de autonomia moderna, reclamou uma arte que deveria se esgueirar entre as pessoas promovendo relações em rede, de modo que, assim, acreditava numa proposição experimental e coletiva que produz liberdade – mais notadamente, livre do engessamento institucional. Nesse sentido, o SPA das Artes parece não ter compromisso: nem com aquelas aspirações modernistas, tampouco com as reclamações do que poderíamos chamar de programa estético contemporâneo. Tal paradoxo melhor se manifesta na forma de distribuição de bolsas para produção artística, que segue a lógica das demais instituições nacionais: os artistas são escolhidos através de uma comissão que julga os projetos dos trabalhos, que devem estar formatados no modelo de um edital. Tendo eu feito parte de uma das comissões de seleção do SPA, confesso a sensação de esquisitice não só de a priori emitir um juízo de gosto sobre uma obra antes mesmo de sua realização – enquanto tudo em mim leva a crer que a arte só é possível ser julgada ante sua fruição – como também de saber que estava, inevitavelmente, já “confinada” dentro de parâmetros institucionais (quesitos que deveriam ser levados em conta na

escolha dos trabalhos) com os quais deveria exercer meu julgar. Ei, cadê a autonomia? De onde virá a emancipação? De maneira inacreditável, e de modo a ir na contramão de todas essas realidades mencionadas, o SPA consegue, ao longo dos anos, juntar grupos, lugares, mundos, e colocá-los em interlocução. Desses pequenos encontros acontecem as articulações que promovem o nascimento e/ou fortalecimento de grupos sociais autônomos – e interdependentes. São esses grupos os coletivos diversos: de artistas, de pesquisadores, de críticos; ou um misto destes. A confluência de tais grupos faz surgir manifestações artísticas, eventos, tais como o brasiliense Fora do Eixo. Vale deixar claro que uma autonomia não prescinde de ajudas, sejam estas financeiras, para produção de obras, ou divulgação, ou abertura de espaço para exposição, tampouco sejam de iniciativas públicas ou privadas. A questão da autonomia recai naquela linha limítrofe em que se constata que qualquer uma dessas ajudas implica direta ou indiretamente a atuação dos agentes culturais (artistas, críticos, curadores, produtores…) e a produção estética. Embora não acredite, no primeiro momento, ser necessariamente danosa a presença institucional nos eventos artísticos, é certo que a admissão dessa participação tem seu preço. Se por um lado as instituições facilitam financiamento e visibilidade, por outro estacam o pensamento criativo e espontaneidade. Quando o segmento artístico resolve andar de mãos dadas com a instituição, quase sempre o resultado é uma arte institucionalizada – coisa que hoje nos leva a negar não só o legado


Por acompanhar de perto, sobretudo nas últimas três edições do SPA, me é possível ver o esforço de coordenadores, produtores e demais colaboradores na busca de tornar o evento cada vez mais democrático e acessível tanto no sentido da forma de distribuição de bolsas de incentivo para a produção de obras, quanto no que diz respeito à recepção destas para o público diverso. A despeito disso, penso que há uma espécie de lei social de que quanto mais as ações são institucionalizadas, ainda que seja na procura de processos entrópicos, menos movimento acontece. Sobretudo na arte, as micro-organizações sociais precisam se adiantar e tomar as rédeas que permitem a possibilidade das manifestações espontâneas, porque, no final das contas, são essas que darão forma aos programas estéticos e seus públicos. Não acredito na formação eficaz de um público muito posterior à produção das obras, mormente na arte contemporânea, em que este é menos espectador e mais expectador. Ora, a arte permanece naquele caminho formal do campo estendido (da bidimensionalidade para o espaço) e parece querer atingir cada vez mais um espaço

imaterial. Desse modo, a obra de arte (ainda que permaneçam a escultura e a pintura como formas atuais) passa a ser menos um objeto para ser visto, mais proposição a ser esperada – expectada. Nesse sentido, o aparato institucional do SPA ajuda a criar a expectação durante aquela semana, mas não é capaz de uma permanência desse estado para outros eventos e lugares no diariamente da cidade. Voltando ao que comecei dizendo inicialmente, se há grandes desdobramentos para o SPA, prefiro creditar esperanças na efervescência que pode acontecer a partir daquelas mencionadas articulações de pessoas e grupos que formarão uma rede social capaz de trazer uma emancipação do pensamento criativo e da espontaneidade. Nessa direção, é preciso ver o atual perfil do evento como meio, e não fim. Que saibamos aproveitar hoje esse lugar de interlocução como um passo para. c

Ana Luisa Lima (Recife, 1978) é pesquisadora e crítica de arte por anelo; diletante por vocação.

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cultural modernista, como o pensamento contemporâneo 60/70. Como já mencionei, pela ausência de distância espaço-temporal, não me é possível verificar a produção de uma arte-institucional. Mas é possível perceber, sim, uma reincidência exacerbada de discursos que justificam opções estéticoformais, também repetitivas, nos projetos enviados para seleção – penso que tal fenômeno decorra da necessidade de querer preencher perfeitamente as exigências dos editais –, que pode ser sintoma desse mal do instituído.


Beto Figueirôa

Índigo (Barbara Rodrigues/PE. Intervenção urbana. SPA 2008)


Da necessidade à demanda? Questionamentos de uma juventude institucionalizada. por Clarissa Diniz, do Recife.

É comum ouvir-se, inclusive nacionalmente, que o final dos anos 1990 representou, na cidade, o momento de flexibilização do suposto pensamento provinciano da cultura local. Esse discurso, no contexto das artes visuais, indica o Movimento Mangue, o surgimento de grupos de artistas (como o Molusco-Lama e o Camelo) e, principalmente, a criação e o estabelecimento de políticas de formação e exibição nas instituições locais de arte (Instituto de Arte Contemporânea, Fundação Joaquim Nabuco, Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães) como as causas sinérgicas dessa transformação, que se faria evidente na circulação de razoável número de jovens artistas e curadores locais pelo Brasil. Narra-se, portanto, a história recente da arte em Pernambuco como uma espécie de ruptura de cunho globalizatório. A despeito de suas verdades, é preciso criticamente indagar: a quem serve esse discurso? Da institucionalização do campo da arte local e, em especial, desse discurso lugarcomum que busca explicar as transformações ocorridas, surgem, infelizmente, alguns

efeitos colaterais. Três deles me parecem, contudo, bastante relevantes: o desinteresse histórico que surge em consequência ao “discurso desertificador” da história da arte local; a onipresença isomórfica dos preceitos da arte contemporânea no aparato institucional da cidade e a criação de uma relação de dependência institucional, sobretudo da parte dos jovens artistas. Desertificação da história como efeito colateral Diante de um discurso que aponta os anos 1990 quase como exclusivo momento “de lucidez” da arte de Pernambuco, às novas gerações – bem como àqueles de fora do Recife – termina por ser transmitida a imagem de um passado artístico desértico e conservador, do qual Paulo Bruscky surgiria como uma heroica exceção. Nossa profunda ignorância a respeito da história da arte local, causada mormente pelo restrito número de pesquisadores e publicações sobre o assunto (tanto histórica como contemporaneamente), vê-se confortada diante dessa narrativa. Tem sido mais fácil atribuir ao passado a prévia imagem de um “breu” do que lançar luz sobre ele. Ao mesmo tempo, mantê-lo nesse “breu” torna-se forma de legitimação daqueles que se entendem como “iluminados”, abrindo espaço, por exemplo, para a recente heroificação da obra de Bruscky, à sombra da qual, colateral e preguiçosamente, se escondem vários de seus contemporâneos, inúmeros deles colaboradores e interlocutores em projetos diversos. Urge que, mantendo em mente o questionamento sobre a quem serve esse discurso, debrucemo-nos cautelosamente sobre a história da arte local, buscando, assim, outros modelos narrativos que não aquele da “exceção” – que, superficial e midiaticamente,

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O RECENTE E ENFÁTICO MOVIMENTO de institucionalização do campo da arte do Recife tem sido apontado, ao longo dos últimos anos, como um dos fatores centrais de transformação da produção artística local.


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transforma “marginalidades” em “heroísmos” –, calcado, acredito, em dinâmicas de adaptação das especificidades da arte local às perspectivas estéticas que ainda hoje herdamos dos centros hegemônicos como método mais propício para entender nossa realidade. É preciso pensar diferente. Isomorfismo e onipotência Foi criado o MoMA (Nova York). Isomorficamente, surgiram o MAM-RJ, MAM-SP, MAM-BA e, no Recife, o Mamam, que, admiravelmente, manteve em seu nome um fator espaço-temporalmente contextualizante: a referência a Aloisio Magalhães (Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães). À presença do Mamam na Rua da Aurora também isomorficamente corresponderam as alterações de perfis (e modos de atuação) de outras instituições de arte da cidade. Para além da saudável e necessária adequação das práticas museológicas – sobretudo de exibição e guarda de acervos – pelo Mamam influenciadas, outra forma de adequação foi se tornando evidente ao longo dos últimos anos. Trata-se da reconfiguração dos perfis das instituições do Recife na direção dos modelos estéticos da chamada arte contemporânea, que, felizmente para uns e infelizmente para outros, hoje encontra espaço na maior parte dessas instituições. Colateralmente, contudo, tem-se delineado uma espécie de onipotência (sobretudo institucional) da arte contemporânea. Artistas cujos trabalhos, por razões diversas, não se adequam a esse modelo, têm enorme dificuldade de encontrar espaços de visibilidade e legitimação de suas obras. Gerações inteiras (vivas ou não), bem como outros tipos de produção artística, têm

sido sucateadas pela homogeneização dos perfis institucionais da cidade que, como “sinal de contemporaneidade”, cada vez mais privilegiam o jovem artista, deixando de cumprir outras importantes funções – das quais se destaca a exibição e a análise crítica da obra dos artistas que conformam a história da arte local. Como afirmarmos, então, um território seguro para a arte contemporânea sem incorrer numa “ditadura” (estética, social, política etc.) da dita contemporaneidade? Como não converter a suposta “exceção” e “marginalidade” de outrora numa prática de cunho onipotente no presente? Dependência e crítica institucional para interiores Na fala de vários profissionais da arte local, evidencia-se a condição historicamente privilegiada dos jovens artistas que começaram a trabalhar no Recife após os anos 2000, chegando a exercer sobre eles um juízo simplista, que os define como “mimados”. Contando com um circuito claramente mais estruturado, dominando os mecanismos de solicitação do financiamento público e encontrando espaço na grande maioria das instituições da cidade, essa geração, na qual me incluo, “não teria do que reclamar”. O argumento do “mimo” me parece desconsiderar, a priori, a validade das possíveis críticas que, como esta, tentam se estabelecer inclusive como posicionamento geracional, enfatizando, por outro lado, a condição de intensa dependência institucional que, ao que me parece, acomete a maior parte da jovem produção artística brasileira. “Mimados”, nossa crítica institucional não passa de uma versão “para interiores”. Para o interior das próprias instituições.


Beto Figueirôa

Íbis Hernandez, curadora da edição 2009 da Bienal de Havana (Cuba), conversa com o artista João Manoel Feliciano em sessão de leitura de portfolios.

Mudar o sistema de dentro do sistema De modo geral, justificamos nossa dificuldade (geracional?) de projetar arquiteturas por uma consciência de que só é possível “mudar o sistema de dentro dele”. Diante da falência das utopias e revoluções, seria necessário agir entropicamente, no interior do próprio sistema, como forma de transformá-lo. Desse raciocínio – ao qual me filio, ainda que em permanente dúvida –, frutifica-se uma frondosa safra de críticas institucionais para interiores, que mais decoram do que “entropizam” as instituições. Crescentemente, e a despeito da recente “febre” de coletivos no Brasil, encontramos mais dificuldade em agir alternativamente às instituições (mais ou menos tradicionais), cultivando um vínculo que, em última instância, precocemente sobrepuja, com demandas, as necessidades.

Ainda que não seja possível separar drasticamente as duas instâncias, que claramente se “interproduzem”, talvez seja possível, contudo, didaticamente indagarmonos se nossas obras, textos, curadorias – nossos projetos em geral – têm surgido eminentemente por necessidade, ou sob demanda. Pensamos por necessidade? Ou temos pensado sob demanda? É preciso adubar as necessidades, os desejos. Sobretudo por meio deles, em todo o seu caráter contextual, cultivaremos as diferenças – o “pensar diferente” que habitualmente não surge sob demanda. E é por isso que, agora, sentindo a fome do início do dia, encerro este texto e vou tomar café da manhã. c Clarissa Diniz (Recife, 1985) ainda acredita na importância da crítica de arte, por isso se esforça para desenvolver uma.


Revista TatuĂ­

Goodbye World (Aslan Cabral. Performance. SPA 2006)


Lembro-me de amigos sendo convidados pelo telefone, pois no comecinho não tinha edital. Lembro-me de uns encontros no Mamam e na Fundaj. Lembro-me de Fernando Peres tirando a roupa no Forte das Cinco Pontas e do pedido de demissão de Lourival Cuquinha quando, durante um dos debates, “caiu a ficha” para ele de que artista plástico era a sua profissão oficial e que ele não trabalharia mais como advogado. Lembro também a ocupação na casa 11 do Pátio de São Pedro com Adriana Aranha no comando, Amanda Melo sendo captada pelas lentes de Fernando Peres enquanto realizava a sua performance Isolante (2003) pelas ruas do Centro do Recife… Tudo isso intercalado com momentos deliciosos de confraternização entre os artistas. Isso me faz lembrar do clima que eu vivia na escola quando era dia de feira de ciências (hauahuahuah). Era aquela agitação maravilhosa, onde cada um apresentava uma maneira de introduzir, abordar um assunto para o maior número de pessoas

possível. Daí, mesmo tendo o seu trabalho para apresentar, você quer muito ver a barraquinha dos outros amigos, e tudo isso sempre no ritmo, no fluxo das ruas do Recife. Você termina o dia cansado e

Ação e reação por Aslan Cabral, do Recife

com a cabecinha cheeeia de novas ideias e sensações sobre o mundo. Agora o SPA completa oito anos e eu já trabalho com arte há cinco, e ambos temos orgulhos e focos que merecem a nossa atenção geral. Inclusive a sua. Desde a primeira edição até hoje, a organização do SPA tem mostrado interesse em discutir os seus formatos (pois a cada ano surgem mudanças) com a classe artística através de reuniões abertas. Referindo-me ao caráter mais político dessa semana de arte, eu sugiro um tipo de “expansão” de suas frentes de atuação. Sempre me interessou contribuir pensando estratégias de formação de público que pudessem ser abarcadas pelo SPA, e desse interesse erroneamente me peguei tendo ideias mais referentes à propaganda, à publicidade desse evento do que realmente ações de democratização do mesmo. Como um evento que usa verba pública destinada para toda a cidade, é realmente triste perceber que somos poucos os que acompanham, presenciam a contribuição cultural que o SPA das Artes tem para o Recife. E diante dessa constatação, acredito

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A CADA ANO, SEMPRE QUE FICO SABENDO das reuniões do SPA, fico de “orelhas em pé” e pego a minha agenda e começo a anotar ideias e sugestões que pensei no intervalo entre uma edição e outra. Pois, mesmo não fazendo parte da equipe oficial, bato carteirinha nas reuniões abertas, coisa que acontece de maneira muito natural e quase familiar. Esse interesse em sugerir renovações me lembra, de primeira, a relação afetiva criada desde o comecinho do SPA. Foi nessa mesma época que eu começava a assimilar a contemporaneidade da arte e, sem sombra de dúvida, acompanhar a trajetória do evento nesses quase oito anos me deu a oportunidade de compreender vários pontos básicos do fazer e produzir arte no Recife.


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que não devemos poupar esforços em criar estratégias para divulgar melhor o evento. Mas, paralelamente, criar outras frentes, possibilidades de cumprir com as funções ligadas à esfera pública, democrática, à qual o SPA está atrelado. Por isso, pensei num gatilho de atuação artística que possa expandir as noções de participação e co-responsabilidade institucional em contextos que desconhecem e são negligenciados pelo fluxo cultural proporcionado pelo SPA. Então, pensei o seguinte conceito: Ao aplicar para concorrer a uma semanada, os candidatos se comprometeriam a participar do Programa Expansão. Ou seja, o artista selecionado, além de apresentar sua ação, performance, intervenção… também teria como desafio artístico expandir a sua área de atuação, criando uma aula de artes com duração de 1h15, que seria ministrada por ele mesmo, em uma escola pública municipal. Essa aula poderia ser tão contemporânea quanto a arte e não precisaria ter nenhuma técnica, suporte ou tema específico, a não ser a relação de arte e vida já sugerida nesses oito anos de SPA. Para isso, seria necessária a criação de uma equipe que faria a mediação entre a Prefeitura, a Secretaria de Educação e os artistas envolvidos, a fim de sintonizá-los para que certos desgastes de produção não colocassem em xeque o aproveitamento dessa ação artístico-social. O artista deveria sentir-se livre para sugerir uma faixa etária para qual a sua aula seria direcionada e receberia um relatório sobre a comunidade. Esse programa que proponho é algo que considero bastante eficaz, tanto para os

alunos das escolas municipais – que geralmente não vivenciam momentos de liberdade e subjetividade artística – quanto para a integração da produção contemporânea nacional (pois grandes nomes desse contexto vêm marcando presença no SPA), como para questões relacionadas à arte-sociedade, fluxo urbano. Incentivaria, assim, o uso da arte de maneira mais efetiva e transformadora no nosso contexto social/público. Retorno e co-responsabilidade Outra sugestão pessoal importante, em relação aos artistas, é nos incentivarmos a reconhecer a nossa co-responsabilidade no sucesso ou fracasso de alguns aspectos do SPA. Escutar, integrar ideias, melhorar! É uma das premissas da organização, por isso devemos aproveitar essa abertura para participar mais ativamente do constante processo de renovação do mesmo. Digo isso porque os artistas, na maioria das vezes, quando percebem algum erro ou vacilo por parte da organização, ficam reclamando em conversas informais que tratam justamente das questões que a organização do evento tem o desejo de ficar a par. Se o SPA tem oito anos de história, isso deve acontecer principalmente pela sua flexibilidade, busca e exercício constante para a criação de momentos anuais que incentivem e mostrem nossa produção artística. Agradáveis ou não, as sugestões e reclamações devem ser feitas de maneira formal, direta, clara e objetiva aos que mais precisam desse retorno. Ou seja, os coordenadores, os produtores…


Marcelo Lyra/OlhoNu

Search (Aslan Cabral. Performance. SPA 2007)

Discutir entre os parceiros artistas é válido, claro! Inclusive pelo fato de essas conversas servirem como bons ensaios para a elaboração de uma reclamação/sugestão formal que pode esclarecer certos aspectos importantes para a organização do evento. Como diria Bob Marley: “Get up, stand up!” (“Levante-se, posicione-se!”), ou melhor, puxando uma referência nacional, tomo as palavras de Edson Gomes como exemplo: “Vamos, amigo, ajuuude, senão a gente acaba perdendo o que já conquistou, êa!” c

Aslan Cabral (Recife, 1980). Seu principal interesse em fazer arte é clarear, sugerir novos olhares sobre coisas e costumes já existentes, ao invés de criar novos enigmas ou códigos que só podem ser decifrados a partir de um compromisso e devoção à arte contemporânea. Com cinco anos de produção, atua em três diferentes vertentes artísticas: pintura, performance e proposição para trabalhos em rede. Também faz curadoria e integra comissão de exposições independentes. Links: www.arteatual.blogspot.com e www.arteaberta.blogspot.com.


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Entre pontes (ou entre corporativismos e cooperativismos) por Krishna Passos e Maicyra Leão [Núcleo Fora do Eixo], de Brasília. PARTINDO DE UMA CONTRADIÇÃO ENTRE sua localização geográfica e política central e, ao mesmo tempo, uma situação à margem de qualquer mercado ou circuito artístico com visibilidade nacional, surge o Projeto Fora do Eixo, realizado em Brasília – DF. Emerge, em 2005, não só a partir de demandas especificamente regionais, mas de inúmeros fatores inter-relacionados e de uma configuração onde se cruzam desde circunstâncias locais a nacionais, pessoais a institucionais. Origina-se também em uma realidade de tensão nas relações entre as instâncias de poder do Estado. Não só as demandas sociais e humanas, mas as demandas próprias das atividades artísticas e, principalmente, das práticas que, devido a seus aspectos experimentalistas e/ou efêmeros, testam os limites da própria linguagem, não sendo absorvidas por modelos mercantilistas ou por financiamento privado que contribuam ou possibilitem a dedicação intelectual e braçal a esse fazer. Desde 2002, Krishna Passos e Leopoldo Wolf, dois artistas-produtores de Brasília, participavam de uma incipiente rede de eventos, grupos e iniciativas da cidade como, por exemplo, o * (Asterisco), o 0.17 e o A.COM.TE.CIMENTO. Já discutiam e experimentavam alternativas para processos colaborativos e associativistas em arte, que possibilitassem não só a prática e a pesquisa,

mas também a circulação de ideias e obras que não se enquadravam em parâmetros tradicionalmente instituídos. Krishna visitava o Recife desde 2001, procurando conhecer grupos e ateliês como o N.A.V.E e os extintos Submarino e Aleph. Além de ouvir constantemente comentários sobre o SPA das Artes, por essa época intensificaram-se afinidades artísticas, pessoais, além de se aproximar de um arsenal de estratégias aplicadas para a concretização desse potencial latente. Levando em conta a condição geográfica e política privilegiada de Brasília e de sua concepção, pensada como um espaço para uma nova relação entre arte, cidade e sociedade, após a participação de Krishna no SPA de 2005, evidenciou-se a necessidade e a viabilidade prática da criação de um espaço, uma alternativa que possibilitasse, no Distrito Federal, a circulação, o intercâmbio de ideias e as práticas artísticas, fomentando não só reflexões sobre os lugares e papéis da arte na sociedade, mas também sobre as relações desta com seus habitantes e seu espaço urbano. No mesmo ano, Leopoldo e Krishna passaram a se reunir semanalmente para a criação do Projeto Fora do Eixo, discutindo seu perfil, estabelecendo contatos e parcerias institucionais, contatando artistas de outros estados e buscando viabilidade financeira para sua realização por meio da participação em editais.


Divulgação/Fora do Eixo

Curso (Wolder Wallace/PE. Fora do Eixo 2008)

Com o tempo, concluiu-se que, diante de tão ampla proposta, havia necessidade de se ampliar o grupo de trabalho para a efetivação do projeto e, para isso, foi criado o Núcleo Fora do Eixo: um grupo rotativo de artistasprodutores autônomos, alunos e ex-alunos (artes plásticas, cênicas e arquitetura) da graduação e pós-graduação da Universidade de Brasília (UnB), convidados, reunidos e afinados com o propósito de realizar o projeto e cuidar de seus frutos, incluindo abacaxis. Fortalecendo a proximidade com o Recife e o SPA, assim revigorando as afinidades, a necessidade e a viabilidade do Fora do Eixo em Brasília, Krishna participa novamente do SPA em 2006, juntamente com Maicyra Leão, artista que morava na época em Brasília e juntou-se ao grupo enriquecendo o Núcleo. Em 2006, o Núcleo Fora do Eixo se fortaleceu e, devido às dificuldades de verbas das políticas públicas para artes na cidade, traçaram-se, então, duas possibilidades de realização do evento: o plano “A”, grandioso e com recursos; e o plano “B”, com poucos recursos, autoprodução dos próprios participantes e apoios institucionais a exemplo da parceria firmada com a UnB,

Com essa perspectiva, o Núcleo encontrou um meio termo ao conquistar, em 2007, verbas do Programa Conexões Visuais (Funarte), que possibilitaram um melhor suporte para o projeto e pró-labores simbólicos para contribuir com a vinda dos participantes a Brasília. Devido ao atraso na liberação desse financiamento, fomos levados a adiar a primeira edição do evento para 2008. Isso permitiu ao Núcleo trabalhar com mais tempo. Além da articulação de diversas parcerias institucionais, realizamos a Galeria Cohab, uma residência artística aberta de uma semana, dentro da galeria do Espaço Piloto, e uma exposição com a participação de 37 artistas, incluindo dois de Recife, um de Fortaleza e um do Rio Grande do Sul. A experiência da Galeria Cohab viabilizou um ambiente de integração e criação que antecipava algumas características do que viria a ser o Fora do Eixo. Mesmo com apoio financeiro federal, este ainda era insuficiente para a empreitada. Continuamos investindo, então, no artista como produtor independente, favorecendo um intercâmbio mais horizontal no sentido de estimular uma colaboração mútua para a concretização do Fora do Eixo, fortalecendo, assim, as relações e redes, expandindo-se para além-evento. A primeira edição do Projeto Fora do Eixo, em maio de 2008, contou com exposições em galerias, intervenções urbanas, performances, oficinas, debates e palestras, além de lançamentos de livros, catálogos, vídeos, revistas e festividades reunindo, durante uma semana, cerca de 100 artistas,

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garantindo-nos acomodações para os participantes de outros estados, material gráfico e pauta na galeria Espaço Piloto-UnB.


Divulgação/Fora do Eixo

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Exposição Fora do Eixo 2008


Detectamos aí que a integração e conexão de uma rede de eventos, em nível nacional, focados na relação entre arte e cidade, mesmo que ainda não estruturada oficialmente, é maior do que imaginávamos, encontrando similaridades e peculiaridades com os demais eventos promovidos de forma independente por artistas-produtores. Apesar da contradição e conflito próprios ao termo independente – pois sabemos que não há independência total livre de correntes e suportes – foi possível vislumbrar em termos de escala as potências de autonomia imbricadas no fazer artístico auto-organizado em redes. Surpreendentemente, além disso, ficou evidente um retorno, acolhimento e entusiasmo muito mais caloroso dos participantes que não são de Brasília. Ao contrário do SPA, que se tornou uma iniciativa de Estado com o total suporte da prefeitura local, nunca tivemos apoio do governo daqui e somos um núcleo de artistas-articuladores promovendo um evento que se estabelece independentemente em sua concepção e perfil, apropriando-se de aporte financeiro externo que garanta a sua autonomia e não contrarie seus princípios. Tal autonomia, por um lado, garante a realização de ações em que, de fato, podemos decidir o que queremos em termos de produção e reflexão crítica em artes visuais, criando um espaço onde nos propomos a discutir formas de ação, produção, circulação e inserção sem um direcionamento

institucionalizado que determine o fazer de artistas e pesquisadores. Insatisfeitos, rompemos o monopólio das instituições, não só comprovando que os sistemas estabelecidos são insuficientes, mas também apontando para novas formas de se pensar e propor ações artísticas numa área em constante transformação. Uma das vantagens é que não é necessário esperar para fazer. Dada a redução do poder corporativo envolvido, podemos ser menos burocratizados, mais objetivos e arriscados, uma vez que somos os responsáveis pela ação. Não há agência reguladora. Para isso é preciso muito diálogo, bom senso e posicionamento crítico, ético, estético. Por outro lado, a independência e versatilidade de parcerias do projeto tornam-se seu próprio tendão de Aquiles, uma vez que ganhou uma dimensão que não se sustenta sem apoio financeiro e, portanto, está à mercê de seleção em editais públicos, deixando sempre incerta sua constância e sua manutenção. É como se sempre fosse sua primeira edição. E mais, sistemas “independentes” ou “autônomos” por vezes encontram entraves no tocante à formação de público e ampliação a seu acesso, encontrando nesse aspecto, no caso do Fora do Eixo, uma das principais tendências negativas. O novo, e até então incomum, necessita abrir caminhos e conquistar espaço aos poucos, familiarizando o público a tais formas artísticas e conquistando a flexibilização das instituições para que se aproximem dos artistas, das linguagens que transitam em outros lugares e suportes, e do público, seja ele qual for, esteja ele onde estiver.

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produtores e pesquisadores, dentre os quais aproximadamente 40 oriundos de outros estados – principalmente de Pernambuco, o que evidenciou e reforçou mais uma vez a afinidade com o SPA e o Recife.


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Em setembro de 2008, o Núcleo formado então por Krishna Passos, Maicyra Leão e Gisel Carriconde foi contemplado no Projeto Amplificadores (curadoria), participando do SPA com a exposição Clube VIZI, no Museu Murillo La Greca. Mesmo se imbricando mais ainda Brasília e Recife, Fora do Eixo e SPA, o Núcleo percebeu então, sem saber se para melhor ou pior, que o SPA não era mais o mesmo e estava mudando. Retornando às preocupações aqui no Planalto Central, que passam longe de Lula, Sarney e cia., a crise era: para que e para quem fazer o Fora do Eixo? Na tentativa de responder a tal indagação e buscar soluções estratégicas para a ampliação da sua área de alcance, propomo-nos a uma edição intermediária, voltada para o seu próprio questionamento. Assim, em dezembro do ano passado, em parceria com a pós-graduação em Arte da UnB e com a conquista de verbas no Programa Rede Nacional de Arte [Funarte], realizamos o Fora do Eixo – Precipitações. Mais uma vez, a representação recifense esteve em maior número. Nessa edição, talvez devido à rapidez dessa empreitada ou ao fim de ano (período de evasão dos brasilienses rumo ao litoral), presenciamos a dificuldade de conquistar interesse do público, tanto leigo como especializado, convivendo com o problema da falta de repercussão em grande escala. Ainda somos um nicho, mas ao mesmo tempo esse é nosso grande desafio: como romper sem se corromper? Como conseguir verba sem se envolver com interferências, corporativismos e desvirtuamento de ideais? Como atrair o público para a vivência íntima com a arte fora de seus espaços tradicionais? Como ampliar a escala de atuação sem

distorcer as finalidades, mantendo a espontaneidade? São perguntas ainda sem respostas. Almejamos contribuir para apontar saídas, assim como o SPA já nos apontou muitas. Clamemos: vida longa ao SPA e ao Fora do Eixo, pois, mesmo sem equacionarmos tais questões, em momentos como esse, de CRISE, o melhor talvez seja usar a criatividade, e retirar o “S”: CRISE – S = CRIE. c

Krishna Passos (Barra Mansa, 1976) é mestre em arte e tecnologia e bacharel em artes plásticas pela Universidade de Brasília (UnB). Transita, desde 1991, entre música, cinema e vídeo, artes visuais e, ultimamente, arte sonora e música experimental. Trabalha com produção cultural desde 1997 e sua produção poética varia de objetos, instalações e intervenções urbanas a multimídia, videoarte, ambientações sonoras e música com os pseudônimos K-Torrent e Krixnah Torrent. Maicyra Leão (Aracaju, 1982) é mestre em arte contemporânea e bacharel em artes cênicas pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente, é docente do Núcleo de Teatro da Universidade Federal de Sergipe. Pesquisa linguagens artísticas interdisciplinares, dedicando-se à criação de alternativas poéticas focadas no processo enquanto método interativo, ético e estético. Núcleo Fora do Eixo é atualmente formado por Krishna Passos, Maicyra Leão, Adriana Vignoli e Luciana Paiva. Além de trabalhar para viabilizar mais uma edição, prepara, atualmente, uma publicação com compilação de textos produzidos a partir de debates, reflexões e mais os registros das intervenções, performances, exposições, ações e oficinas das duas edições do projeto.


Divulgação/Fora do Eixo

EcoAR (Janderson Nobre/PE, Fora do Eixo 2008)


PREFEITURA DO RECIFE

CLIPPING

Prefeito  João

da Costa Vice-Prefeito  Milton Coelho

Raíza Cavalcanti

SECRETARIA DE GESTÃO ESTRATÉGICA E COMUNICAÇÃO

Cláudia Freire

Secretária  Ruth

REGISTRO FOTOGRÁFICO

REVISÃO DE TEXTO

Helena Vieira

Diretora de Propaganda e Criação  Kássia Diretora de Jornalismo  Ida

Araújo

Comber

REGISTRO EM VÍDEO

Center Multimídia

SECRETARIA DE CULTURA Secretário  Renato

Núcleo de Produção Oi Kabum! Recife

L

Assessoria Executiva  Fernando

Duarte

Diretora de Captação de Recursos e Marketing Cultural  Jucy Monteiro FUNDAÇÃO DE CULTURA Presidente  Luciana

FUNARTE Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ PARCEIROS INTERNOS

Félix

Diretor de Desenvolvimento e Descentralização Cultural  Dida Maia Diretor de Gestão de Equipamentos Culturais  Beto Rezende Gerente Operacional de Artes Visuais e Design  Márcio Almeida

COORDENAÇÃO GERAL DO SPA Gerente Operacional de Artes Visuais e Design  Márcio Almeida COORDENAÇÃO Assessor de Formação  André

PARCEIROS

Aquino

Diretora do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães  Beth da Matta Gerente de Serviços do Museu Murillo La Greca  Bitu Cassundé Gerente de Serviços de Fotografia  Mateus Gerente de Serviços de Design  Raul

Sá Kawamura

Gerente de Serviços de Formação em Artes Visuais  Regina Buccini COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO

Regina Buccini

Casa do Carnaval Centro de Design do Recife Centro de Formação de Artes Visuais – CFAV Memorial Chico Science Memorial Luiz Gonzaga Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães – MAMAM Museu de Arte Popular Museu Murillo la Greca Núcleo de Cultura Afro Programa Multicultural Sociedade de Amigos do MAMAM APOIO

Aponte Comunicação Center Multimídia Centro Cultural dos Correios Coquetel Molotov Gráfica Brascolor Oi Kabum! Recife Programa Muticultural SESC

EQUIPE DE PRODUÇÃO

Bebel Kastrup, Juliana Notari e Verônica Fernandes EQUIPE DE APOIO

Ricardo Santos, Roberto Bruscky, Cássia Olímpia, Rildo Patrício e Lia Menezes ASSESSORIA DE IMPRENSA

Dani Acioli | Aponte Comunicação

www.artesvisuaisrecife.org/spa spadasartes2009@gmail.com


Revispa 2009 Edição e Redação de textos

Clarissa Diniz e Olívia Mindêlo Colaboradores

Wolder Wallace, Lourival Cuquinha, Camila Mello e Manuela Eichner, Kiki Mazzuchelli, Ana Luisa Lima, Aslan Cabral, Krishna Passos e Maicyra Leão (Núcleo Fora do Eixo/Brasília). E mais: Martin Grossmann, Fernando Augusto, Izidorio Cavalcanti e Galo de Souza. Edição de Imagens

Clarissa Diniz, Olívia Mindêlo, Rodrigo Braga e Zoludesign Fotografia

Aline Feitosa, Aurélio Velho, Beto Figueirôa, Canal 03, Hélder Tavares, Marcelo Lyra e Revista Tatuí. Divulgação: Centro Cultural São Paulo, Coletivo Mergulho e Núcleo Fora do Eixo. PROJETO GRÁFICO

Zoludesign | www.zoludesign.com.br Agradecimentos

Aos colaboradores e entrevistados, à crise, à equipe do SPA 2009, a Rodrigo Braga, a Zé Cafofinho, aos gatos Milena e Claúdia Cristine, à vira-lata Billie Holliday e a todos que contribuíram, de alguma forma, para essa realização. A Márcio Almeida, um agradecimento especial, por nos conceder sua "liberdade assistida".

Esta revista foi produzida em julho e agosto de 2009. A Zoludesign utilizou no projeto gráfico a humanista ParisineClair (2008) de Jean François Porchez; a grotesca FF Bau (2004) do Christian Schwartz, comissionada pela Fontfont e a grunge FF Graffio (1995) do Alessio Leonardi, também comissionada pela Fontfont. A pré-impressão, a impressão, a encadernação e o acabamento foram realizados na Gráfica Brascolor, com tiragem de 2.000 exemplares, impressos sobre papel offset 90 g/m 2 para o miolo e cartão Duo design, 300 g/m 2 para a capa.


le ( PE), r.

esig ne

), Eduardo (PE o rientado r social .

do r. arte-educa

Nunc a me lá.  le v a r Dani am el d

u Pelo o qu e e , escutei, assim os , mais ou men nd e é um local o s ocorrem vária exposições de s. artes plástica É um espaço e alternativo, m o parece qu e n e Recife.  Jo rg

tecendo ao n o c a a is o c Muit a ocê ficando v e o p m e t mesmo orrer atr ás c o d n a t n e t exau sto, quino (PE), A é r d n A   ! do prejuízo Como? N ã o se i o q ue é isso. Pode ser q u alq u er coisa... Um a fr ut a! Per aí, eu entendi o ut r a coisa. Ach o que é v ocê melhor ar o q u e tem na ar te... Um a melhor a da ar te, sei lá , u ma c oisa diferente.. .

Fernan da

estu dante

Patrícia

Passos (P E), de geo g rafia .

grinho, É um lugar onde você fica ma de um lugar magrinho...!  Lulu (PE), dona s. especial , co m muitas mo ça


agora... São vários artist as, co an br um u de Me .. ai. Ai, ai, do junto. Só isso.  Ricardo José con em lho ba tra um do zen Fa ril lo La Greca . funcionário do Museu Mu

r É um lugaca pe rd e a s G cognição.  E) P Tenó rio (

sou orqu e eu não ja ar te. Talvez se frut ar diversos o e ar te.   Paul PE), doméstica .

equenas... Alguma

nte. Matta (PE), estu da

Costa (PE), a

cupacional .

u rbana, É uma intervenção dia-a-dia do influ encia muito no m ar te. Eu pessoal qu e mexe co rad a massa, acho qu e é uma pa a ru a, para qu e leva ar te para eios de mais gente, mais m e possibilita circu lação. Acho qu ar nesse a mais pessoas entr rt ante para meio, o qu e é impo o mundo. o dia-a-dia de tod isa muito Acho qu e é uma co e qu e tem import ante mesmo, o vai ao muit a gente qu e nã o SPA vai encontro, mas qu e ssoas, ao encontro d as pe mundo facilit ando de todo r da estar no meio.  Artu

Nossa, qu e pe SPA das Ar te

pessoas par a discutir arte!  Mônica Martins Uchôa (PE), já pintei, fiz gastronomia... só. Acho que significa repouso, repouso par a encontros... Ent ão, encontro de

Não conheço... Um espaço em que se pode ter acesso à arte em


www.artesvisuaisrecife.org/spa


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