Rei Sitae - Onde a Coisa se Encontra

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REI SITAE ONDE A COISA SE ENCONTRA

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UNIVERSO HUMANO “Não importa como enxergamos a vida, como o universo humano se dispõe... Nossos conceitos, medos, mitos, amores ou ódio, O universo humano que existe dentro de cada um pode até ser único mas... Em todos, sem exceção, independente de seu criador Haverá sempre um céu repleto de estrelas, luz e mistério E uma terra de prazer e realização. É onde tudo se encontra, é Rei Sitae!” Vitor Corleone Moreira da Silva 3


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O autor Eu sou Vitor Corleone Moreira da Silva ou somente Vitor Moreira, meu nome artístico, nascido em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, em 27 de Setembro de 1984. Sempre fui um grande apaixonado pelas artes, em especial a poesia, da qual cito como autores prediletos Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo e Castro Alves do Romantismo; Olavo Bilac do Parnasianismo; Manuel Bandeira, Vinícius de Morais e Fernando Pessoa da escola Modernista. Há também outros autores que impressionam pelo talento e dedicação á arte, e dos quais não poderia esquecer de citar num momento tão importante, e são os notáveis João Cabral de Melo Neto, Clarisse Lispector, Jorge Amado, Osvald de Andrade e Augusto dos Anjos. Dentre os livros que li até hoje, jamais esqueci das obras Macunaíma, Os Sertões, Senhora, Iracema, Grandes Sertões Veredas, e o best seller O Poderoso Chefão (The Goodfather), sendo tais citações não de poesia, mas de inspiração divina para se escrever! Paulicéia Desvairada, o Cortiço, enfim, há também um livro muito especial! Infantil que li quando era criança e nunca pude recordar o nome ou o autor, só o que sei é que haviam três ou quatro crianças num sítio, em um capítulo havia um passeio de balão, no outro uma galinha chamada Cocota que tinha filhotes...não me lembro muito mais, somente sei que na época eu adorava ler esse livro! Comecei a escrever poesia no ano de 1998, quando ainda era estudante de uma escola do subúrbio de Belo Horizonte, a capital do estado de Minas Gerais. Estudei em duas escolas que foram as escolas da minha vida, sendo a Escola Estadual Padre João Maria Kooyman na qual estudei desde o antigo segundo período até a quarta série e a Escola Estadual Padre Matias onde estudei até me formar no ensino médio, ambas no bairro onde morei desde quando nasci, o bairro Nossa Senhora da Glória, ou apenas Glória, na região noroeste da cidade de Belo Horizonte. Lá eu descobri muitas coisas, vivi muitas experiências, principalmente nessas duas casas. As aulas, os passeios, a dança de quadrilha, os mitos, as amizades, o conhecimento. Aprendi as dificuldades de viver em sociedade e o aspecto da confiança, em quem podemos confiar e a quem não devemos estender as mãos nem para um aperto. Aprendi a valorizar os momentos de raiva e os momentos de felicidade. Aprendi os elementos do livre arbítrio, o conhecimento do bem e do mal e tive a oportunidade de escolher meu caminho. A estas instituições agradeço sobre tudo que pude aprender e viver, em especial aos professores Júlia, Wanderleia, Maria Helena, Fátima e à diretora Sônia da minha primeira escola, e aos professores Quinzinho, talvez o maior professor de matemática que já existiu (para nossa geração de 97 a 2002 certamente), Brasil, Rosália, América e Shirley da minha segunda escola. Aos amigos que conquistei nas duas escolas, os quais eu eternizei no livro da minha vida e de forma indireta, na fonte de inspiração para alguns dos meus melhores personagens. Maria Aparecida (Cidinha), as irmãs Pâmela e Fernanda, Tatiele, Webert e Ana Paola, Thiago, Alex, Elizete, Thais, Fernanda, Rodrigo Nonato, Luciana Valverde, Leandro, Kátia, Sônia, Marcelo já falecido, Viviane...e embora muitos eu não tenha citado mas a todos guardo nas minhas lembranças mais preciosas.

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Lembrança especial a uma pessoa chamada Viviane que na verdade não tive a oportunidade de conversar pessoalmente, mas foi inspiração de muitos dos meus trabalhos! Linda! Uma bela jovem de cor clara, cabelos sedosos bem negros e uma mecha dourada na fronte! Onde você estiver a você é desejada toda a felicidade do mundo e que o sorriso malicioso que ostentava não se perca no tempo, pois é realmente uma fonte inesgotável de inspiração! Graças a essa pessoa tão especial em minha vida, hoje existe um poeta, alguém que faz das palavras presentes vivos para a vida de muitas pessoas. Justamente do desprezo, surgiu um bem tão precioso, e isto prova que uma semente sozinha é capaz de transformar um deserto numa floresta, que uma gota de chuva pode erguer as águas do mar e que uma borboleta ao bater as asas provoca um furacão que derruba até mesmo árvores! Outro dia revirando meus documentos acabei achando o meu histórico escolar e algumas fotografias bem antigas dos tempos da escola. Eu não acreditei em como eu estava ridículo em uma roupa de quadrilha! Maquiado como um mexicano de barba falha. Lembrei bem daquele dia, daquele momento! Eu estava me sentindo o verdadeiro “Billy The Kid”. E as notas então? Houve um ano que passei com o mínimo do mínimo em química, e em outro eu só não fechei o ano em português porque no dia em que houve um trabalho escolar valendo ponto eu matei aula pra dar uns beijinhos em uma garota atrás da quadra da escola. Dias antigos são fascinantes ao lembrarmos de tudo que aconteceu, e mesmo após vários anos os detalhes são repletos de requinte, embora arquitetados pela oportunidade do momento! Essas são as recordações mais antigas que traduzi nessa obra em inspiração poética nos tempos da escola. A minha fundamentação artística muitas vezes viaja a lugares que nem mesmo exploramos em nossas vidas como a percepção dos cheiros, do ar que respiramos, das cores das tintas naqueles momentos vagos, que vão se perdendo no passado pouco a pouco. O detalhe é sempre explorado quando falo em arte! Eu não faço simplesmente a criação, se eu não entrar dentro dessa criação e for um dos seus elementos, eu não criei absolutamente nada. Sempre possui algum tipo de envolvimento artístico desde criança, seja escrevendo, desenhando ou pintando. A arte sempre angariou vital importância em meu processo de formação, na escolha proporcionada pelo livre arbítrio que já citei e acompanhou todas as coisas que fiz em minha vida. Eu enxergo a arte em tudo, até mesmo no nascer das manhãs, na chuva que pode cair em um dia de calor intenso ou naquele exato momento em que iríamos sair de casa para ir a uma festa, na noite e nas ações das pessoas, dos animais, do tempo. Um sorriso discreto ou uma falta de educação. Nem é preciso ter todos os dentes ou estar com eles limpos, se o que sai de nós é que nos contamina, porque as palavras e os gestos vem direto do coração. Existe arte até mesmo onde não há arte, numa tela em branco é possível admirar a brancura do elemento “nada”. O nada é tão grandioso quanto o tudo, pois se não for assim não existe equilíbrio entre as coisas, e contrariando as leis da existência, Rei Sitae não poderia acontecer. Tudo se encontra no equilíbrio! Houve tempos em que eu criava coisas para substituir coisas que não havia ou que não era possível haver, mas isso é subjetivo, não é preciso comentar, afinal aqueles que me conheceram sabem de todas as coisas da transparência da minha vida, e quem chegar a mim e perguntar, contarei “Petrúcio”.

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Basta saber que eu sempre inspirei muitas das minhas ações na arte que eu conheci, nas imagens que vi, nos textos, nos autores que já citei, nas melodias que sempre admirei como mestre Cartola; mestre Jamelão; Chico Buarque; Caetano Veloso; Clara Nunes; Alcione; Beth Carvalho; Almir Guineto; Zeca Pagodinho; Jovelina Pérola Negra; Martinho da Vila; Agepê; Bezerra da Silva; ao som dos tambores do Olodum; Péricles e ao maravilhoso grupo Raça Negra! Minha vida se divide em duas metades, pois eu sou a imagem perfeita do equilíbrio e certamente a arte de todos os magníficos autores nos quais sempre me inspirei faz parte da metade que não é má, vingativa, rancorosa ou infeliz. Além de escrever poesia, também escrevi um romance chamado Amor de Veraneio, que remete justamente à minha antiga escola Padre Matias, a qual foi o palco de todos os acontecimentos da obra literária. Retratei o cotidiano e procurei explorar ao máximo o ambiente da escola naquele ano de 2001 quando eu cursava o segundo ano do ensino médio. Na obra a explosão do universo adolescente conduziu a escolhas difíceis, um turbilhão de sentimentos, traição e amor, perigos e crimes, houve juras e paixão, promessas levadas pelo tempo cuja intenção artística foi mantê-las ecoando ainda na mente dos personagens do romance. Há uma riqueza de detalhes que se eu não os tivesse vivido ou presenciado não seria possível imaginar para a obra, mas eu estive presente até mesmo aos diálogos e isso se tornou importante na concepção da obra literária! Houve também um conto chamado O Papagaio Petrúcio, no qual o sofrimento da natureza se revela em vingança, paixão e saudade. A privação do lar entre as verdes matas pela satisfação em se ter um animal de adorno, porém sem a bondade necessária para se ver o que realmente importa, que é justamente a realização do próprio ser, ao qual se tenta inutilmente agradar com o supérfluo, quando é justamente a liberdade o que importa. Petrúcio demonstra sabedoria e esperança! O desejo de viver e retornar ao ambiente mágico e sereno do interior da mata se transforma em obsessão de tal maneira que rompe as barreiras da aceitação, se transformando na plenitude de milagres, embora a maioria desses milagres tenha cunho vingativo e rancoroso na devolução da dor. No fim, entretanto, a vida revela a beleza da esperança e eu pude conceder pessoalmente ao Petrúcio o dom da vida, adentrando em minha própria obra para mudar o rumo das coisas. Eu sou personagem de tudo que escrevo na verdade. Fico tão ansioso e tão empolgado quando estou escrevendo que não resisto e invado minha própria obra para caminhar junto com minhas criações. Na verdade o conto é uma lição de vida justamente para quem acredita não haver esperança, acreditando ser frágeis diante dos problemas da vida. Petrúcio ensina que não há limites quando existe o foco em uma coisa que desejamos muito e que depende exclusivamente de nós a luta pelo objetivo, e que sem luta, sem disposição em enfrentar as adversidades não se chega a lugar algum. Houve também um livro de crônicas chamado Carnaval em Raul Soares que foi escrito após o carnaval de 2011, na verdade uma espiritualidade e carinho enormes, pintados em papel com bebida e purpurina, manchados em tira-gosto e comidas gordurosas porém deliciosas que acompanham a bebida! A festa, as pessoas, a cidade, os parentes todos e até mesmo aquilo que não podemos modificar. O que conto no livro se traduz na mais pura realidade do ambiente carnavalesco que encontrei naquela cidade em 2011, numa riqueza de detalhes impressionante! Foi tudo muito bonito, muito especial! Também componho músicas desde 2001, sendo que as músicas são inevitavelmente partes da minha vida e de muitas pessoas que conheci, momentos, lugares, fantasias tão melodiosas que se traduziram em artes musicais. E desenho desde 1992. Sou calígrafo desde 2003 quando desenvolvi caligrafia artística em um curso de caligrafia de uma extinta escola de caligrafia dirigida por um casal de italianos em Belo Horizonte e desde então venho aperfeiçoando o meu estilo. Procuro uma

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essência latina nas partes componentes das letras, em seus talhos e filetes. Na verdade caligrafia é o meu único hooby, todo o resto é parte da minha própria existência. Sem a arte eu estaria incompleto, para mim arte é algo como respirar ou amar. Comecei a escrever poesia no ano 1998, como eu já havia falado antes. Na época eu estudava. Cursava o primeiro ano do ensino médio lá na Escola Padre Matias, famosa no bairro Glória por ser o local de formação da quase totalidade dos moradores mais velhos. Antigamente não era comum as pessoas terem dinheiro para se dar ao luxo de estudar num local longe de casa e tomar o ônibus. Eu me identificava muito com literatura! Várias vezes eu pegava livros de poesia na biblioteca para ler, chegando a ler quatro livros por semana. Era bom! Interessante e me deixava muito mais vivo! Era uma aventura cada poesia, românticas, parnasianas, modernas...eu viajava por cada escola e vivia a época de cada autor em suas palavras. Sempre senti na leitura das obras o ecoar das vozes no tempo a que pertenceu a inspiração do autor. Quando me formei, passei a frequentar bastante a Biblioteca Pública para conhecer obras que não eram disponíveis em minha antiga escola. Acredito na leitura como uma forma de salvar o mundo, tudo depende de quantos estão lendo, conhecendo, melhorando a si mesmos. Queria aprender, desenvolver um estilo de poesia que não fosse puramente a cópia das artes que eu lia ou então algo parecido com estas artes. Então de tudo que eu aprendia sobre arte, guardava os fundamentos que mais apreciava. Assim foi sendo desenvolvido o Universo Humano, de uma explosão inicial que logo foi gerando todo o resto. É o meu modo de ser e de criar a arte! Universo Humano é minha teoria artística de equiparação do interior de cada ser humano na sua subjetividade mais plena possível! Em outras palavras, não importa o que pensamos ou como agimos, se somos cretinos, vulgares e cobertos de pecados, vícios ou essencialmente virtuosos, em algum lugar dentro de nós há um universo parecido. Há um ponto de equilíbrio e de encontro chamado Rei Sitae! Eu escrevi três cadernos de poesia. Era legal porque as garotas achavam interessante saber escrever poesia! Conquistei algumas namoradas justamente com a magia das palavras. Isso era bom! De alguma forma me tornava especial, atraente! Para um adolescente é a glória! Ser popular no ambiente escolar. Nessa época, de colégio, é importante aos garotos possuir alguma coisa que vá servir de atrativo ao sexo oposto, no meu caso eu desenhava e sabia fazer poesia para as garotas. Isso foi entre 1998 e 2002, deixo bem claro, afinal a nossa época será sempre ultrapassada e nossos conceitos antiquados. Só agora eu compreendo a magia dos anos vividos por meus pais e avós. Entendo o sentimento saudoso quando falam das coisas que vivenciaram. Entretanto eu tive uma infância notável! Eu pude presenciar a falta de um brinquedo que eu sempre quis ter e pude me encantar com os antigos programas, seriados e desenhos! Eu tive um super-herói que quando estava na televisão me fazia desafiar o resto da casa contra a novela. Em 1989 eu passei uma noite inteira num antigo bar chamado Savassinuca, e fui escondido com meu pai, pois ele trabalhava lá. Eu brinquei de “roubar-bandeira”, já machuquei o dedão do pé jogando bola no asfalto, já brinquei de “esconde-esconde”, de “caí no poço”. Mais que isso, pude presenciar o processo de amadurecimento político do povo brasileiro após o martírio ditatorial e acompanhei talvez a última copa do mundo em que o futebol era mais importante que os interesses de marketing. Isso foi em 1994.

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Meu primeiro livro foi Quarenta Passos Até o Campo. Na obra eu coloquei as poesias mais interessantes que escrevi naquele tempo. Era 2001 e na época eu não tinha um computador ou máquina de escrever, o que é uma pena! Com os recursos existentes hoje, com as fontes de pesquisa eu teria sido muito mais feliz! Mas ao mesmo tempo eu pude aprender e desenvolver como os mais antigos escritores, justamente do tempo que eu mais aprecio! Eu escrevia em cadernos ou folha de papel ofício e depois encadernava. Mas mesmo assim eu ainda agradeço por eu ter a oportunidade de ficar um bom tempo olhando a gramática manualmente para fazer alguma correção, pude inclusive folhear páginas cheirosas, que conservavam o aroma de livro velho, sujas páginas já se tornaram amarelas pela ação do tempo. Criei o meu estilo de arte que denominei de Universo Humano, tendo me inspirado na concepção desse universo imaginário onde todas as coisas são dispostas à maneira do criador, havendo em cada indivíduo um universo diferente, tanto na disposição dos planetas e estrelas, quanto na forma de alcance do bel-prazer, entretanto em todos há semelhanças, como um céu repleto de estrelas, luz e mistério e a terra repleta de prazer e realização, independente da maneira que se dá essa realização, inclusive na dor e na solidão. Isso é “onde a coisa se encontra”! Nada é tão ruim que não possa ser pelo menos aceitável, do mesmo modo nada é tão bom que não possa ser apenas aceitável. Explorei bastante os sonetos em Soneto, Convite Para Sonhar. É a poesia que mais aprecio independente da escola literária, da ausência ou não de rimas, e do tema. Procurei manter um padrão de poesia que não extravasasse o meu modo de entender a arte e de criar meus próprios trabalhos artísticos. O Coração Não Nega é um fruto que surgiu no momento mais maduro da minha adolescência! Eu desenvolvi algumas poesias baseadas na luta pela vida, na privação da saúde. O coração é o elemento principal, mas o sentimento não é tão evidente nessa obra, e sim a saúde carnal e espiritual. Procurei demonstrar que não podemos ser se não pudermos estar. Eu sentia muitas dores no coração nessa época! Passei a pesquisar muito sobre isso, mas não cheguei a ir a hospitais ou comentar com ninguém, e quando às vezes as dores surgiam só mesmo se alguém percebesse minha expressão de dor eu comentava que foi apenas uma pontada, mais nada. Com o passar do tempo as dores pararam e tive mais tranquilidade. O Lavrador das Lavras Vazias foi o livro mais marcante dessa época de criação. Eu morava em Lavras, no sul de Minas, em uma casa alugada junto com outros dois amigos de curso, um deles, o Ricardo Lopes, oriundo de uma cidade do norte de Minas chamada Novo Cruzeiro e o outro, Robson José, de São João Del Rey. Lá montamos a nossa república e durante dez meses convivemos no decorrer do curso. Algumas das poesias contidas naquele livro foram forjadas em um ambiente de fome e privação, tanto de espírito, quanto felicidade e recursos propriamente ditos. Um momento de tristeza e decepção com tudo que em alguns instantes esmaecia ao prazer da embriaguez ou da esperança. Eu procurava o fundamento da minha vida, um motivo para prosseguir. Houve muita superação nessa época, inclusive artística. O livro É Que o Amor Morreu no Belvedere é o meu preferido! É a grande festa do cotidiano humano! A tradução mais ampla do Universo Humano! Pessoas comuns mergulhadas no saboroso licor da vida! Indivíduos que reconhecem as privações e em tudo acreditam haver motivos para continuar lutando ou simplesmente viver as coisas boas. A pobreza existe, mas é vista como riqueza e a desilusão pode matar ou fazer morrer. Eu coloquei várias ilustrações que fiz para

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algumas poesias. Foi uma forma de exteriorizar em desenho a minha inspiração artística na criação da poesia, tornar visível o que havia em minha visão artística, intimamente, em meus pensamentos. O livro Frenesi, A Poesia da Vida foi escrito em uma época promissora da vida, quando me envolvi com uma garota chamada Franciele. Eu tinha um ideal, mas não rendeu os frutos que eu esperava então acabou. Na verdade eu só lamento o fato de ter passados os momentos artísticos que conduziram a esse livro, não por arrependimento, pois não me arrependo de nada que já fiz, e sim pela crueldade a que me condenei em alguns como o risco de pegar a estrada após uma longa jornada de trabalho na polícia, e estar próximo do esgotamento físico, sono, cansaço...mas o fundamento da vida é justamente não possuir as coisas, vivemos sempre para buscar, para sonhar sem contudo jamais realizar tudo que foi sonhado. Eu tive a oportunidade de conhecer uma pessoa que era justamente a imagem do equilíbrio: de um lado amor e doçura e do outro rancor e teimosia. Éramos exatamente iguais, e desse amor descobri que almas gêmeas não ficam juntas no fim, e sim as almas que são opostas. Pessoas parecidas demais na essência não se completam. São como imãs cujos pólos iguais se repelem. Mas amei, amei e não me arrependo de nada, e mesmo se me arrependesse, é bem melhor nos arrependermos de algo que fizemos na vida do que nunca ter a audácia de arriscar. Cada uma das minhas criações espelha uma passagem da minha vida ao longo desses anos, mas é ledo engano pensar que falo de mim. Sou fiel em exteriorizar aquilo que vejo, que penso ou me inspiro, e na maioria das vezes apenas a forma com que a arte é criada remete ao momento vivido por mim, como eu já disse, no meu estilo de arte há a disposição dos elementos formadores do universo à maneira de seu idealizador, e nesse contexto, a impressão que tenho de uma pessoa comum será poeticamente a característica do personagem poético criado. As minhas criações não são um espelho de mim e sim uma janela de mim ou uma porta de mim, e por elas eu passo no momento que achar mais oportuno, atravessando para o lado da ficção ou da realidade para proceder ao “encontro”, como já citei, o “Rei Sitae”! A própria criação do livro “Rei Sitae” inevitavelmente remete às possibilidades da criação, a inspiração, e principalmente as condições corporais e espirituais para a realização de cada trabalho. Eu costumo enxergar minha poesia conforme o próprio Fernando Pessoa em um momento de total felicidade artística um dia escreveu que “o poeta é um fingidor”. Sim, pois muitas vezes o que parece ser não é, e o que está escrito, está bem longe do que foi vivido ou sonhado. A arte não é sentimento e simplesmente amor, é arte mesmo! Essas outras coisas são consequência dela, não no autor ou não do autor. Então eu termino as minhas palavras poéticas com esse livro belíssimo que intitulo “Rei Sitae – Onde a Coisa Se Encontra”, e através dessas últimas pétalas trago à vida a última flor da primavera. Resolvi reunir nessa obra as poesias mais importantes da minha trajetória artística ao longo desses doze anos em que escrevi poesia, em Belo Horizonte, em Contagem, em Lavras, Oliveira, Santa Rita de Caldas, Poços de Caldas, Pouso Alegre e em Perdões. Nada mais feliz do que nomear o livro justamente com a expressão que em Latim traduz exatamente esse instante de reunião das minhas mais completas poesias! Rei Sitae é onde a coisa se encontra, onde tudo se encaixa, onde existe o fundamento do pensar e do fazer.

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A realidade não existe se somente a pensarmos, devemos exteriorizar nossos mais íntimos sonhos e desejos, afinal se até mesmo o que é proibido nos incita a errar, quanto mais o que nos fará felizes e poderá mudar os rumos de nossas vidas. Das cidades mineiras citadas, em Belo Horizonte escrevi a maioria dos meus livros; em Lavras e Oliveira escrevi o livro O Lavrador das Lavras Vazias; depois em Santa Rita de Caldas escrevi É Que o Amor Morreu no Belvedere. Em todos os meus livros, porém, algumas poesias foram escritas em alguma outra cidade, por exemplo, quando eu viajava de ônibus para o sul de Minas ou quando em alguma viagem de moto parava à beira da estrada para admirar alguma paisagem e registrar minha inspiração em algum pedaço de papel. Sempre havia uma parada em Perdões, nesses pontos de apoio das estradas onde os ônibus param para os passageiros comprarem lanche, esticarem as pernas, visitar. Viajar sempre me inspirou a escrever, tanto que eu poderia simplesmente relatar minhas poesias como fruto de viagens, de imagens e de visões. Também gosto de incorporar ao livro, poesias que tem alguma ligação com a intenção da obra, mesmo que forem escritas muito antes da criação do livro. Agradeço à vida por me proporcionar esse momento de realização artística e quero lembrar dos amigos que sempre fizeram parte da minha trajetória artística. Marlene Umbelina e Marli, Roberto e sua adorável família, Fátima, Maria Aparecida e Dias da cidade de Santa Rita de Caldas; Sargento Alves e família de Poços de Caldas; Mário, Aparecida, Eliane, Maria, Daiana, David, Fernando, Viviane e Colodina de Raul Soares. Leonardo Lourenço, Thiago, Joice, Juliano, Bruno e Rina; tia Elza e Jéferson Negão da Rua dos Guaranis; Dony, Wellington Roger, Santiago, Venceslau, Creuza, Maisa, Shirley, Denis e aos demais amigos de Belo Horizonte. Agradeço também a todos os amigos que conheci nas minhas andanças e que dividiram comigo momentos preciosos e inesquecíveis nas cidades de Lavras, Oliveira, Varginha, Três Corações, Aiuruoca, Itajubá, Pouso Alegre, Poços de Caldas, João Monlevade, Rio Casca, Raul Soares, Caratinga, Betim, Santa Luzia, Vespasiano, Contagem e em Belo Horizonte. Assim como o desenho, ao qual me dediquei durante praticamente toda a minha infância e depois de um tempo foi caindo em decadência, até mesmo por uma opção minha, acredito que a poesia já não é elemento tão característico de minha criação. Hoje procuro novas formas de expressão artística e a música tem açambarcado o meu interesse artístico, ainda mais pelo fato de que em 2010 comecei a desenvolver de maneira mais eficaz a musicalidade e a criação. Fundamentos tão notáveis são descobertos a cada instante e isso tem sido gratificante ao extremo! Eu sinto a arte cada vez mais viva dentro de mim e preciso conduzir essa chama para que haja sempre a luz da arte que tanto aprecio criar! Por isso a nova disposição dos astros no Universo Humano. Uma estrela se apaga, mas vira uma supernova que irá reluzir bem mais do que a estrela que morreu. Acredito nas mudanças, e hoje há novos conteúdos que inspiram mais a minha criação como romance e composições musicais. Não tenho mais o desejo, a inspiração e a gratidão de antigamente para criar poesia, isso foi na juventude, uma época de descobrimento e paixões e eu

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estou ficando mais velho! Admiro mas não me identifico mais com a criação da mesma maneira de antes, e por isso resolvi reunir nesse último livro as composições em consideração pessoal dessa trajetória de doze anos escrevendo poesia, e algumas criações recentes não menos importantes que também fazem parte dessa jornada poética de mais de uma década. De maneira alguma significa o encerramento do Universo Humano, e sim o final das primaveras poéticas nesse universo tão amplo de empenho e dedicação à arte que sempre mantive como um dos pilares da minha existência. A vida, entretanto, segue seu curso e novas formas de arte se tornam objeto de desejo, de admiração e criação. Eu vou seguir o caminho! A palavra correta para o momento é felicidade! Sim, pois tudo na vida nós devemos fazer com felicidade, independente das dificuldades ou adversidades, quando somos felizes ou lutamos até o esgotamento das forças para sermos felizes e alcançarmos a plenitude da realização e prazer, alguma felicidade conseguimos inevitavelmente espremer dessa vida! Muito obrigado a todos e vamos espremer a vida, há gotas de felicidade para saciar a nossa sede, mas é necessário atitude, pois o caldo está no interior da polpa, é preciso ter garra e ir à luta!

Belo Horizonte, 04 de Março de 2013

Vitor Corleone Moreira da Silva

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As principais poesias de minha autoria ATOS E FATOS CANÇÃO DA VIDA INDECISÕES EMBRIÃO ESTRADA ONDE PASSEI O BRINQUEDO ROUPA RENÚNCIA À VIDA RELIGIÃO SONETO DOS SONHOS DNA FIGURA SONETO DE FIM DE NAMORO CORCEL BRANCO POR TRÁS DAS CORTINAS A ESPERTEZA É DO POVO A ORGIA DOS FUNGOS NENHUMA DELAS AMORES RELACIONAMENTO NÃO QUARENTA PASSOS ATÉ O CAMPO A MULHER DE PANO O HOMEM DO LIXO A PLATÉIA DE TRIGO MISTERIOSA O MUNDO DOS CANTOS SOLIDÃO EXTRAVAGÂNCIA O CAMINHO DA ESCOLA O QUE É A SOLIDÃO CANTANDO AO REDOR DA FOGUEIRA

CASTELO REGENERADO O SERENO DA CAPELA EXÉRCITO URBANO FOGO NO SERTÃO PRODUÇÃO DA VIDA SANGUE NO CÁLICE O OUTRO DIA FAZ BEM, FAZ SIM TOLICE DE HERÓI O MAU CHEIRO UMA CARTA PARA ALGUÉM A EXTRAÇÃO DO OURO VIVER DESCOBERTA O PRISIONEIRO O DONO DO MUNDO FOME NÃO ACEITO VIDA FECHADA TRANSFORMAÇÃO O CORAÇÃO NÃO NEGA A CANETA NÃO TEM FESTA O RELÓGIO NÓS SEMPRE SEREMOS AMIGOS ESCOLA DA VIDA CIDADE EM CHAMAS VEJO O MUNDO POR DENTRO DA SEGUNDA PELE

AMOR DE REDENÇÃO REGRAS CORTINAS FECHADAS

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ATOS E FATOS Ou só na utopia Ou na realidade farta em desejo Que existe o ato Que o faz perecer Suspenso fragilmente Como penduricalho Nos pequenos e frágeis cordões Da curta vida vivida Atos e fatos O seu principado único Do reino que é você mesmo Ou isto ou aquilo vale a pena Ou nada vale nada

Poesia recriada do meu primeiro caderno de poesias.

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CANÇÃO DA VIDA Eis o meu corpo Colocado à prova tantas vezes Marcado de espinhos E de carícias tenras O sangue canta nas veias Nas veias e artérias E o coração bate forte Tal qual tambor no mesmo ritmo Às vezes acelerado Quando o público deseja uma canção mais evidente Os pulmões se contagiam Na melodia do momento E são instrumentos de sopro Os olhos regem toda a orquestra E indicam as variações no tom É aí onde a coisa se encontra Às vezes fome O sustenido das palavras reclama Carinhos Afetos Sucessos Os espinhos que marcaram o corpo Ensinam os acordes do presente A melodia mais agradável Eles apertaram as cordas até chegar à afinação perfeita E a vida se passa Em vários ritmos Várias vezes saindo do tom Mas sempre a mesma canção

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INDECISÕES Vem Traga-me o perfume das flores Deixa o encanto tocar o meu corpo Mas não venha amar porque não quero Apenas chegue com seu carinho E me faça sentir melhor Se chover que haja proteção das águas Se der sol que haja sombra para mim Mas se houver amor sei que haverá ciúme E não quero me sentir mal Culpado de coisas que não cometi Culpando-a de fatos que não existiram Vivendo a indecisão de continuar Ou a incerteza de um amor que não se vê E se levo as horas comigo ao final do dia Em um bar ou em alguma festa animada Ao voltar não há nenhum atrito Um grito na madrugada Condenando tudo que passou Julgando fatos que não foram vistos Imaginando e tramando planos de castigo Mas não dá para ser refém da solidão A companhia é necessária Completa a vida E não sei se me entrego às dúvidas Ou nos momentos de tristeza e vazio Finjo ser o que não sou Falo coisas que não faço Minto meu modo de ser Em conquistas levianas, passageiras, corriqueiras De uma noite talvez De um mês Até ficar sozinho outra vez

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EMBRIÃO O embrião cativo cresce Alimenta-se de graça Não existem preocupações e nem medos Nada o obriga a ser bom Porque não existe bondade Não existe maldade nesse Édem A Pasárgada dos poetas Pois lá não há dissabor A brancura que não tem fim Num lugar onde não existe o frio E o calor é confortável Paz e tranquilidade em total aconchego Protegido por todos os lados Vão se passando os instantes E o espaço vai ficando cada vez menor Há proteção Mas o sentimento de grandeza vai se revelando Onde antes um mundo imenso Cada vez menor Cada vez mais frágil O que era fraco vai se tornando forte O que era protegido se vê mais forte que o protetor Há procura por novos ambientes O desejo de deixar a proteção E conhecer o lugar onde não há Onde tudo é esforço e dedicação Nada é de graça Mas é maior do que o Édem E sofrer é necessidade da vida O embrião se modifica Prepara-se para ingressar no jogo As cortinas se abrem Surge um novo apostador Do jogo da vida

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ESTRADA ONDE PASSEI Estrada onde passei Nos dias de antigas crenças típicas de um tolo apaixonado Desses que pela falta de razão ou excesso de emoção Transforma sonhos em tijolos E constrói seu casebre em areia movediça É estrada que morreu no tempo e já não passam mais carros Um caminho onde brotaram muitos espinhos Caatinga do sertão em pleno clima frio Devastação de deserto sem gente, sem cores, sem vida Hoje naquela estrada o solo é rachado de sol Os rios secaram e as paisagens de montanhas são cinzentas É como se a foice da morte mudasse o verde da mata Levando tudo consigo e deixando o cinza da queimada E embora não passou por ali o fogo Lembranças ardem tais quais as chamas que se deliciam e saciam a fome Com tudo que podem devorar A estrada que antes conduzia preciosos momentos de dificuldade Onde por vezes quem caminhou Conviveu com a chuva forte ou o sol do meio-dia Momentos de neblina e algumas geadas A estrada onde vários morreram sem embora ela os matar Hoje também está morta e nas suas curvas meu corpo cansado não tornará a passar Por várias vezes a observar No retrovisor do veículo o passado que se distanciava Sem, contudo perceber que o futuro jamais se aproximou Pois sonhos construídos sobre areia movediça são por ela devorados Assim como a erosão que suga o asfalto E hoje os carros ali já não podem passar Por sorte quem ficou do outro lado não me alcançará E o mundo se dividiu em dois para todo o restante da expansão das estrelas De um lado quem ficou Do outro lado quem partiu E foi justamente essa estrada que promovia a união e encontro E por onde eu passei quando havia a estrada Hoje morta, rachada, seca e em chamas Consumida pela vida tais quais os sonhos pela areia É quem promove a divisão do mundo 18


O BRINQUEDO ROUPA Eu queria aquele brinquedo Todos os meus amigos ganharam nesse natal Eu não ganhei o que queria Apenas roupa, dois conjuntos de roupa Cadê o meu brinquedo Nem posso falar que não gostei das roupas Estão me ensinando a fingir O que uma criança vai fazer com roupa Eu queria o brinquedo e não a roupa E ainda tenho que dizer que estou feliz Não sei, mas acredito que Também sabem que estou infeliz E não sei se admiram meu fingimento Ou me reprovam por não dizer a verdade Eu só queria o brinquedo O que vão pensar quando me virem De pé, cabelos bem penteados, limpo Olhando os outros garotos brincando com os seus brinquedos Se sujando e rasgando suas roupas na terra E eu com olhos cheios de desejo Vestindo uma roupa Com a qual não se pode brincar no barro Nem sentar na calçada A infância se perdendo por causa de uma roupa E pela falta do brinquedo que eu queria Não posso sujar a roupa Só ficar aqui parado feito uma estátua Colhendo as migalhas do sorriso dos outros garotos Enquanto eles brincam Com os seus brinquedos Bom, eu nem precisava comentar essa poesia que nada mais retrata desgosto e decepção, afinal a mensagem foi transmitida em poesia de forma clara e contundente. Lógico! Afinal a infância de alguns pode ser subtraída por conceitos antiquados que nada significam, apenas economia de adultos. Muitas vezes o que parece mais correto não é o mais ideal a ser feito. A privação de alguns elementos necessários à infância pode por fim acabar subtraindo-a por completo. A minha foi por causa do tal “conjuntinho” de roupa. Eram deprimentes as épocas de festas! Os meus primos sempre ganhavam carrinhos de controle-remoto, bolas, bonecos enormes! Coisas “maneiras”, até bicicleta um dos meus primos ganhou quando tinha quatro anos de idade. Uma das fotos mais legais 19


que eu já tirei na minha infância foi na casa que minha avó materna morava no bairro Glória, no meio das plantas, em cima da bicicleta dele. Lembro até hoje que nesse dia uma pessoa segurava a bicicleta para eu não cair e eu queria pedalar pra ver como era, mas não pude, e logo que tirei a fotografia tive que sair daquela bicicleta. Eu sempre ganhava um conjunto de bermuda e uma camiseta. E nem era descolado, era sempre aqueles conjuntos de uma blusa com uma inscrição no peito, de qualquer cor, a mesma cor da bermuda e uma listra do lado da bermuda e da blusa. Presentão? Teve um ano que eu ganhei um conjunto azul no aniversário e no Natal um conjunto igual. Não houve nem a preocupação em mudar a cor do conjunto. Em alguns anos eu até ganhei brinquedo. Lembro que a minha avó Celina me deu uma locomotiva daquelas que acendia luz e ficava rodando pelo chão; uma outra vez ganhei um robô que conversava quatro frases em inglês e fazia som de armas; uma vez ganhei também um carrinho que acendia luzes, esse quem me deu foi minha madrinha Márcia. Eu tive uma madrinha que devo ter visto só no meu batismo, e como não sei nada daquela época por motivos óbvios de recém-nascimento, nunca considerei como madrinha, e embora hoje isso não faça mais diferença, na infância fez, e muita! Era pra eu ter ganho um brinquedo. Do meu padrinho sempre gostei, afinal sempre foi uma pessoa que batalhou muito por tudo! Minha outra madrinha é a Márcia, a filha caçula da minha avó materna. Ela sempre foi muito engraçada! Eu acho que fui batizado somente com três padrinhos afinal ninguém nunca fez referência a um quarto, nunca perguntei também. A culpa pelos conjuntos não era deles, afinal sempre perguntavam o que eu queria ganhar de presente, o único problema é que não perguntavam pra mim e isso conduzia ao conjunto. O incrível conjunto que não faz nada, não é “maneiro”, não pode ser sujo, e eu não podia correr quando eu estivesse usando os tais conjuntos! Muitas vezes, ou talvez na quase totalidade das vezes, uma infância bem vivida promove um crescimento saudável! Uma pessoa mais confiante sobre a vida, mais desenvolvida para a vida em sociedade. Criança gosta de brincar e não de se portar como um lord inglês. A formação do homem cria pessoas de bem e criminosos. Embora em alguns casos o indivíduo já tenha a predestinação criminosa no nascimento, na maioria dos casos uma infância bem instruída e vivida com os elementos necessários ao desenvolvimento evita muita coisa. Faz parte da vida uma criança brincar, se sujar, ter a alegria de um brinquedo, uma novidade. Eu fui ter o meu primeiro presente que realmente interessava quando eu mesmo juntei o dinheiro e comprei minha primeira bicicleta em 2001. Lembro que era uma bicicleta vermelha, usada, que procurei em algumas lojas de bairro, dessas que fazem reparos. Lembro bem até hoje que eu paguei sessenta e cinco Reais pela bicicleta. A minha primeira volta foi inesquecível! Foi na volta pra casa e a bicicleta parecia flutuar no asfalto. Eu não era mais criança e a diversão proporcionada foi diferente, nas voltas matinais à lagoa da Pampulha. Uma vez fiquei pensando em como seria se eu tivesse ganho aquela bicicleta ao invés de ter que comprar, e se fosse nos tempos de criança...acho que seria bom, e isso é algo que nunca saberei. 20


RENÚNCIA À VIDA Não me preocupo mais com a saúde Já não tenho medo da morte E por que deveria ter? Prolongar os dias num lugar tão infeliz Onde por mais que eu me esforce jamais sou reconhecido Por mais que seja bom, ao mínimo erro sou crucificado. Tenho que pagar impostos para comprar as coisas e para usá-las Já não me preocupo mais com vaidades como saúde Porque cuidar dos pulmões e não fumar Se o ar lá fora está todo podre e fétido O desejo capitalista suja o ar que puxo pra dentro de mim Que diferença faz então se eu mesmo sujar meu pulmão com um saboroso cigarro? E pra quê lavar as mãos se a água está contaminada de fezes De fezes e de produtos químicos Eu é que deveria lavar a água com minhas mãos sujas O preciosismo e a boa educação já não fazem mais sentido A frescura está arcaica Eu já percebi Tanto que não me preocupo mais com a posição dos talheres Compreendi que quanto mais eu me demoro pra comer Mais meu estômago reclama E o sentido de comer é matar a fome do estômago E não mostrar que você sabe onde colocar o garfo Bebidas...a que eu estou pagando, fineza não criticar E nos meus momentos de porre é só fingir que não me viu Deixa passar, igual os mendigos que todos os dias Estendem a mão na rua pedindo um pedaço de pão A ‘interinha’ do leite ou da droga Que diferença vai fazer? O mendigo está pedindo dinheiro pra satisfazer a necessidade Não está pedindo lição de moral Segurança... Por que razão se já não tenho medo de feridas? Agora é que a diversão começa 21


Pois já não existem mais aqueles medos O excesso de proteção a uma vida que não vale nada Que se outras pessoas não amam por que eu deveria amar? Viver sem medo é muito mais interessante Não pelo prazer ou pela euforia, pois nada mais importa dessas coisas Não me importo com mais nada Vou de encontro ao meu destino E não me preocupo com a coisa que irei encontrar por lá Encurtam-se os dias Aumenta-se o prazer

O personagem poético é alguém esclarecido sobre os desejos do corpo e da mente! Não há a preocupação com as consequências das atitudes, adentra-se talvez de forma permanente em um novo estado de espírito, mais simples e aplicável do que as preocupações que temos a cada instante! Há um total esclarecimento subjetivo sobre o que é a vida e qual a razão do personagem existir. Renúncia aos medos e a todo tipo de conveniência. A morte surge como um adversário vencido, uma vez que havia o medo do fim da vida e num determinado momento esse medo desaparece. Há o acréscimo do hedonismo na vida do personagem poético. Um momento de reflexão no ambiente de um bar no centro de Belo Horizonte. Eu estava numa mesa provando cerveja e percebia as pessoas no bar. Algumas conversas que vagam pelo ar, picadas, de uma, de outra pessoa, alguns que ficam no ponto de ônibus em frente ao bar aguardando o transporte, olhando atentas para o relógio, tão apressadas como se fossem fazer algo muito importante, mas é somente a rotina de cidade grande. Isso tudo vai desenhando a figura de um universo a ser vencido, justamente o que nos aprisiona. Há pessoas que deixam de viver pelo medo de perder a vida, e nem percebem que a conservando, estão unicamente deixando de lado as possibilidades de algo que embora proibido ou talvez maléfico, pode proporcionar felicidade e realização. Viver é cometer erros também, tirar um dia de folga da rotina e fazer o que se tem vontade. Ninguém vive sem prazer, e esse personagem poético vem justamente mostrar o momento da ruptura dos valores, ele passa a fazer o que quer e da maneira que é mais conveniente e com menor esforço. É a pura busca do prazer, sem limites e sem regras, independente das consequências.

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RELIGIÃO Não conheço a religião que prega a injustiça E não sei daquela que deseja o mal Que religião defende o mau caráter Que religião apóia o crime, a morte, a dor Uma religião sem sabedoria não existe Sejam muçulmanos, cristãos ou judeus Talvez esse Deus seja um só Nós é que o sentimos de formas diferentes É livre o homem para escolher seu culto Não devemos criticá-lo pela sua prece E sim fazer o bem sem distinção de crença Se todas elas existem pra encontrarmos paz E conforto na proteção de um ser supremo São prova da própria existência de Deus SONETO, CONVITE PARA SONHAR

Então... Quando eu era criança, eu era levado a uma igreja evangélica no bairro. Na verdade ela somente começou a levar depois que eu machuquei um garoto na sala de aula, lá na Escola Estadual Padre João Maria Kooyman. Eu nunca esqueci como se escreve o nome da escola porque havia uma professora lá que só de sacanagem fazia quem se comportava mal escrever inúmeras vezes o nome da escola, ou no quadro ou no caderno. Palmatória do final dos anos oitenta. Eu não era o exemplo de aluno que respeitava a tudo, sempre fui questionador de todo o sistema regrado que simplesmente se limita a seguir cegamente os ideais do sistema. A briga aconteceu por causa de meninas da sala, então acho desnecessário entrar em detalhes, eu tinha seis ou sete anos. Lembro que uma das meninas era a Luciana Valverde, prima de um dos melhores amigos que tive na infância, o Rodrigo Nonato C. Vieira. Acho que a Pepita também estava na cena...sei que o garoto, mexeu com a Luciana e eu achei ruim, aí ele falou alguma coisa e começamos a brigar, ele acabou machucando a testa na quina da mesa da professora. Depois começamos a ir à igreja católica do bairro, e em toda festa de Cosme e Damião nós passávamos no centro da Mariínha, perto da Avenida Abílio Machado. Era bom porque eu ganhava muito doce, levava uma sacola cheia pra casa, e coincidia com o dia do meu aniversário. Algumas vezes não tinha bolo em casa, nem presente, mas aqueles doces ajudavam a superar essas carências com as quais eu já estava acostumado. Só achava ruim quando algum amigo perguntava o que eu ganhei 23


de aniversário. Na escola dava pra mentir sobre algum brinquedo, mas para os da rua, o Gustavo, Elenilson, Maxsuel e o Leandro, eu tinha que falar a verdade mesmo. Quando meu pai adoeceu, na verdade ele já tinha câncer há vários anos e nunca se tratou, mas quando piorou, ele frequentava uma igreja evangélica, a mesma da minha avó, mãe dele. Lembro que era perto do bairro São Salvador, caminho de Contagem, próximo da favela da Ressaca que me inspirou a escrever a poesia Cantando ao Redor da Fogueira. Como ele estava muito fraco devido à evolução da doença, eu fazia companhia a ele. Lá naquela igreja conheci algumas pessoas da minha idade e acabei indo algumas vezes em um grupo de jovens que havia. Mas nessa época eu bebia, e gostava de um bom tira-gosto de boteco, e de tanto o pessoal ficar falando que não podia e falando para eu parar eu acabei saindo do grupo, afinal o arbítrio era meu. Estava enchendo a paciência! Nunca vi relação nenhuma entre bebida e religião. Sempre acreditei que o pecado vem de dentro e não é o que entra. Tudo o que ingerimos não contamina nossa alma, as ações sim, essas são repletas de pecado! Além do mais sempre fui adepto de uma boa cachaça, caipirinha, cerveja gelada... Tive alguns contatos com outras religiões através de amigos, mas nunca me identifiquei com nenhuma delas. Acredito em Deus, leio a Bíblia quando posso, já conheci o Alcorão e as principais tradições espíritas, mas não me adaptei a nenhum culto. Nada me tira da cabeça que a influência extraterrestre criou a humanidade, com parte genética local e parte vinda de fora, que foram eles que deram amplo conhecimento astrológico aos Sumérios, aos Maias e outros povos da antiguidade e que existem inúmeras nações no universo, ou que existam inclusive outros resultados de outros “Big Bang”. Ignorar o que não se conhece é muito mais fácil do que procurar a verdade. Mas isso já é outra história... A poesia surgiu como fruto do que conheci nesses locais, onde há sempre um bom convite, independente da religião, e uma mensagem que de várias formas é passada pelo bem da pessoa que frequenta. É importante cada indivíduo ter um direcionamento, isso auxilia em muitas situações da vida. Na verdade nesses tempos modernos estamos vendo algumas religiões participarem de conflitos políticos e territoriais, ideais religiosos serem usados como pretexto para o cometimento de crimes indescritíveis contra a humanidade. Quando eu escrevi essa poesia eu realmente acreditava no bem proporcionado pela religião, mas com o passar dos tempos fui descobrindo que algumas delas não se baseiam na paz e na divindade e sim no pecado, típico e pertencente à carne, a qual é mortal e cheia de defeitos.

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SONETO DOS SONHOS Os sonhos são o elixir da inspiração pra vida Nada nele existe para ferir o homem Um carrossel de esperança, uma aurora de luz Assim são os sonhos que nós sonhamos Os sonhos são feitos de vento e de nuvem E assim como nós são poeira de estrelas Mas quando se juntam no mesmo espaço Formam um universo pra se observar Pra se observar e viajar por seus confins Ninguém vive uma vida sem sonhos Porque a realidade às vezes faz doer Os sonhos são lágrimas, riso e esperança Quem não tem esperança não entende o sonho E quem não sabe sonhar certamente não viveu SONETO, CONVITE PARA SONHAR

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DNA Palavra, intenção, poesia Conteúdo, inspiração, proposta Estilo, cultura, argumento Palavra, fato, conteúdo Esse é o DNA da poesia Estilo, cultura, intenção Sensações que provoca Realização do autor Amor, realidade, fantasia Cidade, campo, paraíso A poesia não tem limite Não se faz de um só propósito Mas visa à arte Palavra, sabedoria, poesia SONETO, CONVITE PARA SONHAR

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FIGURA Perfeita Nos traços Na cor Na expressão A tonalidade Escolhas A luz Sombra Figura Perante os olhos Perfeita Ao espírito Deslumbrante Figura SONETO, CONVITE PARA SONHAR

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SONETO DE FIM DE NAMORO Se você brigar comigo Não vou mais gostar de você Vou me viciar em sofrer Recordando os bons momentos E se disser que vai embora Não vou te pedir pra ficar Mas confesso: vou chorar Com você nos pensamentos Vou sentir tanta saudade Pelas ruas, na cidade Mas vá embora se quiser Eu não ficarei sozinho Buscarei outro carinho Nos braços de outra mulher SONETO, CONVITE PARA SONHAR

É muito importante em minha vida essa poesia! Em vários relacionamentos que tive, em algum momento acabei recitando para a pessoa que estava comigo ou até escrevendo. Na verdade algumas garotas que namorei sempre ficaram desconfiadas por algumas das minhas obras, mas não há sentimento pessoal, é apenas arte! (Risos) Em alguns casos eu eternizo pessoas ou coisas, e fatos ou notícias no papel, mas tudo tem um sentido artístico para mim, não é meramente vaidade ou agrado a nenhuma pessoa. Quando escrevi esse soneto eu não estava namorando. Lembro bem que foi em uma época em que eu saía pouco, estava mais caseiro! Tudo bem, era falta de dinheiro mesmo. O fato de escrever, não quer dizer que quem está escrevendo está sentindo ou está vivendo aquilo. Poesia é algo como verdade ou mentira, ilusão ou realidade, arte ou simplesmente banho de lágrimas sobre uma folha de papel, dependendo da escola literária. Em todos os casos, o poeta é um dos poucos, talvez o único que saberá a verdade sobre aquilo que está ali escrito.

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CORCEL BRANCO Se um dia quiser voltar a viver a emoção Sentir que ainda há juventude em suas veias Estarei esperando Em meu Corcel branco De porta aberta e uma flor na mão Duas taças, um champanhe e o “Dancing Days” A noite esperando os astros do prazer E a vida ressuscitando as sensações da carne Estou só, contando estrelas no céu escuro Correndo pelas ruas Em meu Corcel branco Quem sabe um dia ele se canse de me acompanhar E eu caminhe sem ele na madrugada Nessa rua de subúrbio abandonada SONETO, CONVITE PARA SONHAR Essa poesia é um dos mais importantes textos da minha adolescência! No dia em que a escrevi, reli várias vezes. Senti na minha criação uma essência tão fiel ao cotidiano das infelicidades de um relacionamento, misturado à perspectiva de que não há um fim definitivo para tudo. O personagem poético se delicia até mesmo com o sofrimento, e aguarda o percurso do tempo percorrendo ruas com prazer e sentido. É plausível o acréscimo da exploração do sentimento humano, das visões e sonhos na criação! Não vivemos o momento, porém criamos a essência daquele momento. Em nosso imaginário as luzes fracas das ruas calmas, o barulho do carro passando lentamente enquanto no rádio antigo do carro toca uma música de época. Essas idéias sempre vinham à mente quando eu relia essa poesia tão importante para mim. O personagem propõe a escolha e oferece liberdade, não se aprisiona por inteiro a um sofrimento, ao contrário, só teme perder mais coisas, no caso, a boemia dos anos de juventude em seu corcel, e deixa claro que a solidão existe, mas há o sentimento de esperança na volta dos sorrisos de época, dos fatos da relação, tais quais prazer, alegrias, sabores.

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POR TRÁS DAS CORTINAS Por trás das cortinas Um homem cheio de problemas O aluguel do seu trailer A saudade dos pais Por trás das cortinas Um homem deixa cair uma lágrima E se lamenta por sua fraqueza Como se chorar fosse defeito Por trás das cortinas Um homem olha triste pro espelho Enquanto passa maquiagem Abrem-se as cortinas E surge de trás delas um palhaço Pra alegrar seu público SONETO, CONVITE PARA SONHAR

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A ESPERTEZA É DO POVO Me engana que eu gosto Da sua cara de otário Pensando que pode Me passar pra trás (malandragem) Na escola que você aprendeu Eu fui professor Para um aluno distraído Que deu aula pra você (malandragem) É, o seu diploma de biltre Não quer dizer que você É o inventor da esperteza – malandragem E de fato além disso A esperteza é do povo Como o sol é do céu SONETO, CONVITE PARA SONHAR

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A ORGIA DOS FUNGOS Eles surgiram Eram só dois Pequenos, indefesos Mas cresceram Uma orgia Uma festa imensa Se espalham como grama Ou céu ficando nublado Virei os olhos Pisquei Olhei de novo Eram só dois Mas quando fui ver Eram dois milhões SONETO, CONVITE PARA SONHAR

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NENHUMA DELAS Muitas mulheres E nenhuma delas As noites e os dias As tardes de chuva Melodias Tocadas no rádio Uma roupa nova Um novo corte Muitos sorrisos Promessas de vento Relíquias da chuva Encontros marcados Muitos jantares Festas e vinhos Um sentimento Apenas momentos Nenhuma delas A vida se passa Nem tudo tem graça Nem tudo é prazer Paixões derradeiras E tão passageiras Na sala de cinema No banco da praça Muitas escolhas Irreversíveis Nenhuma delas Nada é eterno E se passa depressa Nem dá tempo Parece que não Nasci para elas

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AMORES Elas Que sempre foram parte da minha vida Surgindo em minha estrada Nos lugares, nos eventos, em qualquer ocasião Mostrando sua beleza Para meus olhos tão vivos e ativos que a tudo enxergam quando interessa Sendo tão atraentes Agradáveis ao olhar Elas que quando se perfumam Sabem agradar meu olfato com a inebriante sensação das fêmeas da espécie E tem a pele sedosa e macia Ao toque das minhas mãos Ensinaram e aprenderam Demonstraram e esconderam São parte de mim e cada vez que parar para pensar na vida lá estarão Os beijos Os abraços Os sorrisos Cada momento E quando tenho intimidade Com alguma delas Torno-me parte da sua carne E sinto a sua respiração O coração batendo Os medos e coragem Os sonhos e desilusões E embora exista o adeus Nada é impossível ao coração Que um dia se entregou e teve dono Se alguma delas morre Parte de mim também morre, sente as dores e angústia, agonia, mas não vê o paraíso Pois parte de mim um dia foi doada E embora houve devolução, revolução nos sentimentos A semente plantada que vira árvore Mesmo que for cortada ainda resta Um grão fértil que contagia toda a terra

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Não fui de nenhuma E embora não tenha nenhuma delas Todas estão guardadas mesmo já envelhecidas e empoeiradas num casebre Na lembrança E embora no esquecimento As páginas da minha vida Contam essas estripulias Falam muito sobre mim Falam muito sobre elas A cada uma entreguei Inevitavelmente Um pedaço da minha história, trajetória repleta de singelas paisagens eternas Não há perda de tempo Onde de alguma maneira Se está vivendo Sorrindo e amando Simplesmente gostando Ou um jogo de interesse e excitação...amar é um sentimento maravilhoso! Elas foram bons motivos Não de dor nem arrependimento Mas de singelos prazeres, relíquias tão valiosas como jóias Dias que foram vividos Carinhos doados e recebidos E embora uma noite Ou quem sabe muito tempo Não há fronteiras para a realização Do corpo e da mente Saudades ou mágoas Eu tive amores, valorosos amores aos quais agradeço por tudo...eu tive amores Antigos, recentes Amores que são Parte da minha trajetória Não os nego nem desvalorizo Se eu amei Foi ali que eu fiz algo que me fortaleceu e me tornou vivo mais uma vez Valeu a pena

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RELACIONAMENTO O relacionamento entre um homem e uma mulher Entre um homem e outro homem E entre duas mulheres Perfeito no desejo de construção do futuro Ou talvez no alcance de algum tipo de realização Faz-se sempre na medida exata Para devorar nossos corpos e a mente Indecifrável Incorrigível e até mesmo inteligível Não consigo, entretanto entender se Em um mesmo modo de ser, de amar De proporcionar carinho Para uma pessoa não somos nada E para outras somos o grande amor da vida O que é essa ofensa ao ideal de amor Se no momento da aceitação a outra pessoa concorda Com tudo em você, com seu modo de ser, de amar O que torna o coração absolutamente duro como pedra Embora a outra pessoa se esforce para amolecer Para conquistar Enquanto que outra pessoa Não encontra dificuldade alguma em amolecer o coração E aquela que não obteve sucesso Lá na frente se torna o grande amor da vida de uma pessoa Que surge em sua vida talvez em momento em que nem carinho Têm-se forças suficientes para proporcionar E essa nova pessoa Que tinha o coração mais endurecido Que o da antiga Adquire a capacidade de amar mais intensa que a outra Por isso é indecifrável Talvez a maior tolice do ser humano que se fecha Procurando eternamente uma coisa que jamais irá encontrar Carinho por carinho no fim das contas são todos iguais Relacionamento não é jogo Não se fundamenta em estratégias, táticas de combate O coração não se educa pela mente Quem não viveu a experiência da liberdade amorosa Certamente jamais saberá o que é verdadeiramente Um relacionamento

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NÃO Não Sou eu quem paga minha farra Ninguém me diz o que fazer A liberdade e a vida são minhas Se bebi só devo contas ao dono do boteco O cigarro que fumei A prostituta que levou meu dinheiro Em troca de consolo e diversão Palavras de reprovação Nem ao menos as entendo Conselhos Perdidos ao vento A sua reprovação não me inquieta Já paguei meus dias de infância Agora sou eu quem decide Se farei um filho para criar Se darei início a novos planos Não Não quero a sua reprovação Na verdade escolho meus passos A mulher que se deitará em minha cama O companheiro de porre A cor da camisa Sim, a escolha é minha Apenas minha

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QUARENTA PASSOS ATÉ O CAMPO Os que eu contei foram quarenta Em cada um, um novo cismar Quarenta foram os novos olhares E cada um me fez sonhar Foram quarenta os que eu contei Na estrada seguida repleta de arvoredo Em cada passo uma dor deixei E em cada suspiro um segredo Contei quarenta piscar de olhos E as quarenta despedidas Dez beijos, trinta apertos de mãos Em ambos olhos vinte vidas Quarenta vezes nasceu o sol Quarenta vezes vi estrelas E foram tantos pensamentos Como os montes e os riachos E nos vales por onde passei Em cada um plantei um encanto E foram quarenta os que eu contei Quarenta passos até o campo

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A MULHER DE PANO Quem não conhece Aquela mulher de pano Suspensa por fios de nylon? Sem forças para ficar de pé Desengonçada se deita no chão, Só se levanta de sua posição imóvel Se alguém puxa a corda de nylon. É um fantoche! É um fantoche Aquela mulher de pano Com corpo feito de algodão! Trabalha fazendo teatro. Aparece na televisão. É notícia sempre no rádio. Quem é que não conhece Aquela mulher de pano? Seu penteado é arrogante Revela sua vaidade, O vento ela acha que é seu. Acha que os homens de pano São todos iguais, Mas não conhece nenhum deles Porque ela é apenas um fantoche. Não tem liberdade de ações. Quando acaba o espetáculo, Ela é guardada em uma caixa sombria Feita de madeira e purpurina. QUARENTA PASSOS ATÉ O CAMPO

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O HOMEM DO LIXO Minhas vontades, São como o vazio do inconseqüente Caminhando ao redor do nada. Um desvario, flecha tão afiada! O martelo tocando o prego Querendo esmagar seu vulto. Como um cometa voando livre no espaço Sou livre mortal destemido! Minhas tristezas Apagam distantes estrelas. Sou apenas incompreendido, Hoje em dia isso é normal. Os pesadelos que me acordam na madrugada, Quase sempre são torpedos De coisas que deixam triste, Atingindo meu coração. Como flecha tão afiada as horas passam E os parafusos são arrancados do esconderijo Pela ferramenta de metal. Tudo se modifica ao meu redor. Somente eu sou o mesmo desavisado. Meus desvarios São como carros sobre o asfalto, Caminhando de súbito ao vazio, Querendo passar ainda pelo sinal verde. QUARENTA PASSOS ATÉ O CAMPO

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A PLATÉIA DE TRIGO Olá! Platéia que me aclama Nessa miscelânea que é meu ato Sou somente o louco que ao morto chama Sou somente o grilo sobre o verde mato Assombroso é o crânio que trago comigo Ser ou não ser é a régia questão Sob seus olhares platéia de trigo Faço o simples ato ganhar emoção Platéia de trigo que me faz plausível Em meu plácido ato sempre autorizado Sob sua crítica do mais alto nível Fico até sem jeito em ser tão aclamado Minha fantasia feita de algodão Encontra o luxo do puro cetim E no texto o louco vem na contramão E cantando alegre em meio ao motim Meu ato teatral é um puro chiste Uma nova loucura é um novo perigo Mesmo a cena pobre em que o ato consiste Sou sempre aplaudido platéia de trigo Termino meu ato e como de costume Agradeço a platéia que me aclama Então vou embora com os vaga-lumes Pois outra platéia de trigo nos chama QUARENTA PASSOS ATÉ O CAMPO

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MISTERIOSA Quem é essa mulher que me olha E rebola Com a brisa Tem no olhar uma luz Que aos meus dois seduz Traz ao corpo a vontade De amor De amizade Ái de mim Quem é essa mulher tão bonita Diz quem é Estou querendo saber Cada dia quero mais o seu beijo É razão de meu maior desejo Coração não ignora Ao contrário se enche De paixão Corpo chora Sem lágrimas, só de saudade Diz quem é essa senhora Ái de mim Coração se agita Bate forte Quero amor dessa menina Que tomou meu coração Que não se cansa de viver essa ilusão QUARENTA PASSOS ATÉ O CAMPO

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O MUNDO DOS CANTOS Bordei uma folha de papel Escrevi um verso sem rima Simples, pequeno Por um simples pincel O deixei sobre a mesa jogado Aberto o papel bordado Deixei o meu mundo calado E fui para o mundo dos cantos Deixei a solidão e quietude Na mala somente o que pude Nas mãos o meu violão Parti para o mundo dos cantos Aquele papel bordado Resumiu num adeus meu passado Será algum dia encontrado Já terei partido No mundo dos cantos cheguei Com outras pessoas cantei A blague foi lá que aprendi Na história meus versos deixei Lá não lembrava do silêncio Nem da vida sem canto Na mala não trouxe pranto Na mão nem coube o espanto Somente um violão O nascimento do dia é aventura Até mesmo as rochas cantam Quando a brisa soa Nas cachoeiras melodia pura Quando rolam as águas No mundo dos cantos Em cada momento uma nova canção Até mesmo no vôo de um manto

Das mãos da morena No amor e nos prazeres santos A liberdade é acalanto Tocado rente ao sol poente Tudo que foi o passado Começou a vir na lembrança Embora gostoso cantar Nos ventos, poesias deixei Ao recitar Lembrei do meu verso sem rima Bordado e na mesa aberto Pelo tempo encoberto Num momento tão perto Voejando na recordação Um dia deu saudade Dos desenhos e das poesias Silenciosas no meu quarto Parti Nos ventos o eco deixei Voltei para um mundo calado Feliz foi o retorno Ao ver que o papel bordado Nem lido, nem visto ou rasgado Por ninguém foi encontrado Pra ninguém sou importante Mas sou bom no que eu faço Nos escritos ou nos traços No refrão e melodias Então dei mais valor à vida E separei os meus mundos Em um as festas e vinhos Em outro a arte e a vida QUARENTA PASSOS ATÉ O CAMPO

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SOLIDÃO Solidão sem amigos ou adversários Sensação de que não há motivos Sem bolo, festa, aniversário Só o mesmo quarto com o mesmo otário A mesma carência de amor e de risos Frisos na roupa consumidos pela cama Dias de vida pela bebida e o cigarro O celular que não recebe mensagens nem chama Ainda são vinte horas e já de pijama Não há uma festa pra estacionar o carro Não há um barzinho nem companhia Solidão já se tornou parte da mobília É quem recebe a cada manhã um bom dia Ajuda a colocar o lixo para fora E se apossa de muito espaço nessa vida Na televisão os programas repetidos No rádio os comentários insignificantes No toca-fitas os discos antigos Trazem aos olhos distantes gemidos De um tempo melhor, de antes Antes da solidão se casar com o sozinho Levar os bens e até o que não tem Deixando um cigarro e um magro destino Talvez de cachaça, conhaque ou de vinho Mas certo, infeliz, se o porre não vem Pois tudo se esquece nos momentos passados Entregues ao vício traindo a solidão E na madrugada, com os olhos cansados O corpo dormente e os passos trançados Existe certeza Há sempre o refúgio da cama e colchão

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EXTRAVAGÂNCIA O corpo está pesado em cima desta cama Desanimado por causa da última noite Estava tão alegre, bebida... A ressaca é minha cultura, parte da minha vida Hoje experimento o resultado da última extravagância Nem sei como consegui chegar a minha casa Cambaleando A comida está com gosto amargo Com dificuldade passa pela garganta Minha boca está seca E desde que acordei estou tomando água sem parar Tentando hidratar de novo o corpo ressecado Estava muito animada a última noite Sorrisos à vontade Felicidade self-service E quanta cachaça pode um corpo suportar Não sei, mas talvez o quanto se possa pagar Ou a última intenção do dono do boteco em pendurar Hoje exausto e sem forças Com os olhos vermelhos e a pele cheia de marcas Fraqueza e sensação de que eu sou um idiota Sabendo a consequência eu fui Eu bebi até altas horas e me diverti As luzes eram mais acesas e eu estava mais feliz Eu era mais bonito e mais atraente Era outra pessoa que não costumo ser todos os dias Extravagância Eu estava leve e sem problemas Tudo o que eu dizia era importante e eu era importante Agora que amanheceu estou jogado O travesseiro babado e o corpo cheirando álcool

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Viver menos é algo que não me importa Se o pouco que viver valer a pena Não que o que eu fiz seja algo tão valioso Mas me realizou E embora hoje me arrependa da extravagância Do excesso Sentindo o corpo fragilizado e jogado nesta cama Como um traste velho e sem valor Vale a pena que novamente eu me sinta bem Mesmo que o custo seja caro após o prazer É aí que se arrepende e pensa na vida miserável Que deixa de ser nos momentos de extravagância

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O CAMINHO DA ESCOLA Todo dia nas mesmas ruas No bairro que é sempre o mesmo Passando com os cabelos ainda molhados Cheio de energia ao acordar pela manhã Com o estômago cheio de pão, manteiga e café com leite Indo para a escola estudar E na sala de aula ficando até o horário chegar Escrevendo No horário do recreio lanchar e brincar de correr Ir pra sala depois do sinal Subir as escadas correndo Escrever Depois voltar pra casa Cansado e pelo mesmo caminho Sempre enalteci a importância das duas escolas em que estudei, e que várias vezes foram citadas em minhas obras. O meu caminho para a escola sempre terminava ou começava na rua principal do bairro, a Rua dos Guararapes no bairro Glória. Lá eu já presenciei muitas coisas interessantes! Lembro que quando eu era pequeno aprendi que não se deve atravessar a rua sem olhar, e aprendi sendo atropelado. Lá havia de tudo, padarias, açougues, bares, academia, lojas de roupa, muitas pessoas fofocando ou paradas na frente de algum comércio lendo um jornal, pessoas esperando os antigos ônibus. Foi também no caminho da escola que vivi um relacionamento muito importante em minha vida, afinal foi o primeiro. Os outros foram namoricos de criança, desses que se fala que namora, mas não há mais do que presentear com um pirulito ou um desenho, e depois um beijinho no rosto, foi assim com a Tatiele, Pâmela, Viviane, esqueci o restante, tem tanto tempo. Era sempre no caminho da escola que namorávamos, num curto espaço de tempo, devido ao fato de sermos muito jovens e não haver previsão de demora para chegar em casa. Era tempo de adolescência e havia descoberta! No caminho da escola eu sempre encontrava os amigos e então nós íamos para a escola conversando, falando do ‘Jaspion’ ou dos ‘Cavaleiros do Zodíaco’, ou então na volta da escola, sempre com brincadeiras. Nesse caminho da escola sempre presenciei cenas típicas do cotidiano dos bairros de periferia. Algumas dessas cenas somente fui compreender depois de muito tempo, quando o amadurecimento foi ocorrendo. Com o passar do tempo pessoas foram morrendo, algumas se mudando e novos rostos se incorporando ao cenário tão interessante que era o caminho da escola! O tempo se passando, a idade evoluindo e o caminho se modificando. Em várias fases, antes o caminho era feito na presença de um adulto, depois com a liberdade de ir sozinho, depois com liberdade para se demorar o tempo necessário ou conveniente, e por último na responsabilidade de levar alguém para a escola.

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O QUE É A SOLIDÃO O que é a solidão Carência do corpo e da alma Sensação de vazio Ausência de amigos De um grande amor De um amor pequeno Ou até mesmo de um falso amor Algo que nos complete e que nos falta Solidão que enruga o rosto O sorriso esmaece As noites sem sono Não existe acalanto Faltam apertos de mão Onde sobra tristeza O que é a solidão Um misto de saudade E decepção com a vida Esperança sem perspectiva Excesso de queixas Carência de afetos Vazio As notas erradas De um cavaquinho O som rabiscado Em um violão Os ventos que ressecam o peito Nos dias de frio Tristeza e incerteza Flagelo sem dor Ferida sem sangue

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Universo vazio e sem estrelas Falta o brilho das luzes E o calor das cobertas Falta o sal no alimento E a fome não importa A roupa amassada Os cabelos despenteados As unhas e a barba Há tantas pessoas Em muitos lugares São tantas palavras E tantas ações

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CANTANDO AO REDOR DA FOGUEIRA Olho os barracos do beco Enquanto os outros conversam Acendem cigarro, se aquecem com o fogo Até cantam Poxa! Esses barracos são tão feios Sempre morei aqui e nunca reparei Cada um tão imperfeito, tijolos quebrados - As pessoas cantando ao redor da fogueira Eu olhando os barracos, os outros cantando “Vai vadiar, vai vadiar, vai vadiar...” Às vezes até penso que nossas vidas São histórias pré – definidas Um CD de mp3 que os deuses estão ouvindo Que não deveríamos ser parte desse quadro No meio desses barracos tão feios Eu olho as pessoas cantando Pessoas feias, sem dente, cantando “Vai vadiar, vai vadiar, vai vadiar...” É assim todos os dias: acordar quatro e meia Ficar ao redor da fogueira Falando, fumando, até cantando Enquanto alguém faz o café Cinco horas passa o bonde Hora de ir trabalhar A fogueira fica acesa e o dia amanhece Os barracos continuam feios E o redor da fogueira fica mudo É QUE O AMOR MORREU NO BELVEDERE Eu escrevi essa poesia após uma experiência na favela da Ressaca, em contagem, cidade vizinha a Belo Horizonte. Moravam lá minha avó paterna e o Eder, irmão mais novo do meu pai. Era uma pequena casa com dois andares, ela morava na parte de baixo e ele em cima com a esposa e duas filhas. Ocorreu que ele havia sofrido um acidente e estava engessado. Tinha fraturado uma das pernas. Não lembro direito como foi o acidente porque faz muito tempo, mas acho que foi no serviço com uma máquina de fazer garrafas de plástico. Precisaria ir até uma perícia no INSS, em Contagem mesmo, lá para os lados da praça da Cemig, perto da saída para o sul de Minas e seria inconveniente ir sozinho por causa da dificuldade de locomoção. Então havia me pedido pra ir com ele, o problema é que era muito cedo o horário em que a perícia estava marcada. Nesse dia eu fui dormir na casa da minha avó. 50


Acordei muito cedo. Eram quatro horas da manhã. Minha avó pediu que olhasse o café enquanto ela comprava pão, numa padaria dentro da favela mesmo, mas eu acabei insistindo que eu fosse comprar o pão, afinal não era bom ela sair naquela hora, estava muito frio, achei que seria perigoso para ela. Quando saí do beco havia algumas pessoas em volta de uma fogueira se aquecendo com fogo e conversando. Quando passei me cumprimentaram chamando de “primo”, não sei, talvez tivessem me confundido com o rapazinho das drogas ou acharam que eu tinha o dinheiro da interinha pra comprar uma garrafa de cachaça. Lembro que apenas respondi e passei direto, afinal eu não conhecia aquelas pessoas. Fiquei observando aquele cenário, as pessoas ao redor da fogueira, achei interessante aquela rotina. Quando voltei, eles estavam se levantando, cada um seguindo seu rumo pra ir pro trabalho. Alguém trouxe café e todos beberam. Parecia até que o sino da empresa havia tocado e os funcionários terminavam o horário do lanche e em sincronia todos voltavam para as suas funções. Parecia também o sinal de uma escola, quando os alunos vão apressados para a sala de aula estudar, tendo nos olhos a expressão ainda de sonolência ao acordar cedo. Depois quando estávamos saindo havia só um montinho de cinzas e uma fumaça tímida, guimbas de cigarro jogadas próximo da fogueira e um copo tipo americano quebrado. Alguém deve ter se descuidado e deixou cair. As pessoas que estavam ao redor daquela fogueira conversando já não estavam lá. Fiquei impressionado também com a movimentação na favela. Naquele horário, em grande parte da cidade todos dormiam, mas na favela muita gente tem que acordar cedo pra ir para o trabalho ou para a escola, ou para procurar trabalho também, afinal tudo é longe da favela e tem os caminhos do beco, até chegar ao asfalto que é onde passa o ônibus. Alguns dias depois eu escrevi a poesia Cantando ao Redor da Fogueira baseado na experiência que eu tive nessa data.

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CASTELO Nossa casa ainda é um castelo No meio dos barracos Lá no alto da favela do Picôto Onde os cupins e as traças são nossos súditos O passarinho magro que aposa no muro É o bobo da corte Que de bobo não tem nada Nossos trajes reais nossos farrapos Mas nossos trajes são de rei Lá no alto da favela E o manjar de tempero ruim Ainda é o manjar dos reis Lá no alto da favela do Picôto Eu sei que a nossa casa ainda é um castelo E a rosa que nasceu no barro da chuva É um jardim bonito Que a muralha de arame farpado Protege nosso reino Eu sei que o castelo é no alto Porque nós somos muito importantes E que a água que escorre na chuva É uma cachoeira bonita É QUE O AMOR MORREU NO BELVEDERE

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REGENERADO Não choro mais, não durmo Não dou risada pro mundo Nem fico triste por nada Não alimento-me, não caminho Não tenho medo das sombras Nem coragem pra enfrentar Não tenho fala Ação alguma nos músculos Sem consciência, sem liberdade Não estou aprisionado Não canto, não perdôo nem castigo Não respeito nem desrespeito Não tenho vontades Sem mais não Nem mais sim ou Talvez também Regenerado sem vinho ou champanhe Sem mais nada Nem mais vida É QUE O AMOR MORREU NO BELVEDERE Quando falo em regeneração na verdade está claro que não é o bem do indivíduo que se consegue. Um mundo onde todos são genéricos e não existem diferenças é um ambiente sem sabor. É importante a contribuição da rebeldia, da tolice, da falta de cultura na vida social de todos nós! Quando escrevi esse poema eu pensava sobre a vida. Lembro que não estava passando nenhum programa importante na televisão, nada de interessante. Jornal, futebol, comédia...nada! Reflexão sobre a sociedade, seus modos de agir sobre o indivíduo. As pessoas formam juízos de valor, tendências...e sempre nos obrigam a seguir esses valores. Há uma preocupação muito grande com a aparência, com os bens materiais, e por outro lado conceitos como lealdade, fidelidade, caráter acabam sendo deixados de lado quando existe excesso de beleza ou bens materiais. A regeneração social existe, mesmo para os que não tem muita coisa. Talvez um emprego e um salário que não é muito proveitoso e somente possibilite viver com dignidade. Às vezes nem isso. Foi em um dia de pensamentos assim que escrevi esse poema. Era um final de tarde e eu estava de folga, não me lembro de mais detalhes porque já faz muito tempo! Eu deveria ter comentado esse trabalho antes, até eu me surpreenderia com o que eu tinha para dizer naquela hora... 53


O SERENO DA CAPELA

I Cái a noite e o doce orvalho Sobre as flores lá da praça Que um dia abençoou Alderigi, o Monsenhor Varre o vento às folhas secas No silêncio da Capela Toca a brisa aos coqueirais Dorme o povo, dorme em paz O sereno da Capela Não resfria um coração II Horas mortas, madrugada Pedra Branca iluminada Pelo brilho da geada Que esconde o horizonte O silêncio, o frio intenso Os anjos guardiões Com suas trombetas voejam Pelo céu e anunciam Que o raiar do dia vem Já vem vindo o alvorecer III Vem à noite a romaria Antes do raiar do dia Vem o dia, acorda o povo E a geada vai secando É missa! O sino tocando É inverno! O frio corre Blusas, casacos de lã É maio, de festa e afã Festa da padroeira Santa Rita abençoai Ao que fica e o que vai Seguindo o mundo afora Porque o fogo dessa oração Faz brilhar no coração Um eterno arsenal de paz

O sereno da Capela Não resfria um coração IV É maio, de festa e afã Barracas, festeiros, romeiros Paulistas, cariocas, mineiros Uma fila imensa de fiéis Santa Rita, oh, Capela A qual é guardada por ela Santa Rita protetora Guardai o seu povo, guardai V Como nuvem passageira Anuncia a voz no canto Fúnebre A despedida É esse o segredo da vida Viver, viver, descansar Ecoa pela Capela O eco das vozes que era Até ontem violão Hoje triste em comoção Como nuvem passageira Da cidade ou do sertão VI Vai pro campo o sertanejo Colher o produto do esforço Ao cortejo vão dois moços No banquinho lá da praça Ao redor das moreninhas Fica em casa a arrumadeira Cái a tarde e o sino toca O comércio vai fechando O dia vai se acabando A vida vai se passando E o sereno da Capela Não resfria um coração

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VII Pôr-do-sol forasteiro Festeja essa tarde conosco Um brinde de amigos no bar Um beijo de amor em seu lar O homem e sua amada Adeus pôr-do-sol forasteiro Que vai embora descansar VIII Estrelas se acendem no céu A noite a cobrir o dia A última missa acabou A porta já se fechou A praça de novo deserta A brisa de novo a cair

Jorrando o frio intenso Que sacode o cobertor Quando entra na janela Que uma mão materna fecha Doce, pura, é Santa Rita Pra que o frio do sereno Fique do lado de fora Até o despertar da aurora Quando o bem-te-vi cantar E quando a criança acordar Antes de sair à rua Ao Monsenhor Pede as bençãos E agradece à padroeira O sereno da Capela Não resfria um coração É QUE O AMOR MORREU NO BELVEDERE

Uma das melhores experiências que tive até hoje foi conhecer o município mineiro de Santa Rita de Caldas, localizado no sul de Minas, perto de Poços de Caldas e Pouso Alegre. Um lugar que me proporcionou muitas coisas boas, e talvez a maior decepção da década, mas isso não vem ao caso, pois o tempo corre desenfreado no caminho da vida, tanto que não há tempo para lamentações que nada dizem de importante e se misturam às marcas que o passado sepulta no esmaecer dos dias e anos. Uma cidade religiosa, de poucos habitantes, na época em que morei lá tinha pouco mais de dez mil. O frio é característico na maior parte do ano. Todos os anos é comemorado em maio o dia da padroeira da cidade, Santa Rita de Cássia, e homenageado o Monsenhor Alderigi, praticamente um santo entre os moradores locais. Uma cidade com pouco mais de dez mil habitantes, com características de vida que eu não encontrei iguais em nenhuma das cidades por onde já passei nas minhas andanças pelo Estado de Minas Gerais. Morei naquela cidade por apenas oito meses, porém por circunstâncias da vida, nos outros dois anos seguintes, todo mês eu viajava para lá e passei quatro anos seguidos na festa na cidade. No dia vinte e dois de maio, quando se comemora a data principal nas comemorações, romeiros de diversos lugares do Estado, de outros estados e até de outros países comparecem à cidade, e tudo se modifica! Não há espaço para estacionar tantos ônibus e carros, as ruas se enchem com pessoas e há uma fila imensa para assistir à missa na igreja da praça.

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A festa ocorre em barraquinhas de lonas, onde vendedores ambulantes todos os anos armam inúmeras barracas no local da festa e lá são vendidos desde roupas, brinquedos, utensílios até bebidas e comidas. Há shows e outros eventos que são as atrações principais para os moradores locais. O parque de diversões é a grande alegria de crianças que aguardam pacientemente nas semanas que antecedem a festa. Há muitos sonhos depositados, muita infância, infância pura e sem maldade. Uma cidade tranquila onde no alto-falante da igreja é sempre anunciada a morte de alguém da cidade e dificilmente as pessoas desconhecem quem seja. Poucos comércios e muitas fazendas, poucas ruas e casas e uma grande quantidade de estradinhas de terra ligando a área rural. Um local frio, porém com pessoas muito simpáticas, que guardam a influência de São Paulo, pela proximidade, porém a essência absoluta do povo mineiro, quieto, resmungão, de ideais consolidados e com apreço inesgotável pela felicidade, pela família e pelos amigos.

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EXÉRCITO URBANO Nós todos fazemos parte Desse exército urbano Somos nós que caminhamos pelas calçadas da região central Somos nós que levantamos cedo Cada um de nós é um integrante desse sistema regrado Dizem que não pensamos Dizem que não vivemos Nós todos fazemos parte dessa legião de vozes Somos nós que fazemos o café Somos nós que caminhamos E somos vistos das janelas dos carros Que freiam em cada sinal fechado Enquanto invadimos o asfalto num balé sem ensaio Porém perfeito e sem atrasos Mas dizem que não pensamos Dizem que não vivemos Somos somente uma massa Pelas calçadas da região central Indo e vindo sem destino Nós somos todos essa legião urbana Vestida ou descamisada, contente ou de cara fechada Somos nós em cada ônibus No final de cada dia Nós somos o exército urbano Caminhando pelas ruas De Segunda a sexta – feira Sempre nas mesmas ruas Da região central É QUE O AMOR MORREU NO BELVEDERE A rotina de quem vai trabalhar durante a semana no centro da cidade, onde as mesmas coisas se repetem fielmente: acordar cedo quando o sol ainda nem apareceu lá no horizonte sempre com o barulho chato do despertador que em um único som diz que já é hora de sair, se arrumar rapidamente em uma casa onde moram em média três irmãos e os pais, tomar café com pressa, muitas vezes sem tempo até para escovar os dentes por causa do horário, entrar em um ônibus lotado de gente, as mesmas imagens das mesmas pessoas que partilham o horário corrido... de alguém lendo o jornal, desses que são vendidos nos faróis de trânsito, enquanto um outro que está de pé fica olhando de longe as principais notícias ou observando as fotos do jornal, de um outro se oferecendo para carregar uma bolsa ou uma mochila, o trânsito lento a caminho do centro da cidade, buzinas e mais ainda na volta pra casa, após um 57


dia inteiro dentro de uma fábrica ou de um escritório, de uma loja, tendo todos os afazeres normais de um trabalhador... Essa é a mensagem poética que evidencio nesse texto. Procuro levar à observação das pessoas o que todos vêem a cada dia, porém não reparam no fundamento das imagens. A vida robotizada que o sistema impõe não permite nada mais que caminhar nas ruas a caminho do serviço e ao fim do dia voltar pra casa. As pessoas se transformam no cenário da cidade e quem enxerga, talvez de uma janela de vidro temperado não olha para pessoas e sim para um cenário. Muitas das vezes desenhado em tons de cinza num universo lá fora. A Vivência urbana torna pessoas em robôs nos momentos de trabalhar, e as pessoas parecem voltar a ter vida própria nos momentos da folga, quando se para pra saborear um café ou acender um cigarro. As pessoas são cenário, o trabalhador não é bem visto por quem olha das janelas. Ao contrário é apenas uma fonte inesgotável de possibilidade de continuidade no poder ou de mercado para algum produto qualquer que vá proporcionar lucro cada vez mais crescente. Talvez algo sem importância que a propaganda torna em um bem acessível e necessário. As pessoas pensam, mas para alguns poucos são somente essa massa manipulável ou que se deixa manipular. O exército urbano é o sangue corrente que torna as ruas do centro em artérias cheias de vida.

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FOGO NO SERTÃO Vida vida frágil Ventania corriqueira de um matagal no meio do nada Que no escuro da noite fica vulnerável Ao uivo dos lobos e onças Ao poder maléfico do intelecto humano Ao frio, ao frio, a tudo Vida vida breve Vida breve do sertão Cirandeiro que toca e faz festa Catira, modinha sertaneja com aroma do campo Logo traz um cadinho de malícia ao olhar impuro O ser humano é falho em respeito Sem respeito no sertão Logo o mato fica seco e a lua se esconde no meio das nuvens Nuvens negras Continua a festa de viola, de viola e insensatez Lá vem vindo o fogo brando Fogo brando do sertão E começa a peleja Pega logo a alabarda pra empalar o outro infeliz Todo mundo se agita enquanto a catira se transforma em ira, o [cirandeiro se cala e a música pára e o som dos lobos já não é [ouvido, um tenta apartar mas não tem jeito agora um morre Fogo no sertão, luzes acesas Muita gritaria, muita Quando logo vai e vira, rodopeia no chão de poeira já cambaleando [olhando em redor só vultos são vistos porque é acertado e a vida é [tão frágil, vida frágil do sertão porque o sangue foge Fogo no sertão, no meio do nada Vai pra longe, foge o riso que sorria malicioso 59


Falta o sangue falta a vida Tudo vai se apagando longe vê quem usa capa Vem vindo Encruzilhada sem capim que vira inferno ou vira céu e a geada é [gelo eterno, apaga o fogo do sertão, A geada é gelo eterno, apaga o fogo do sertão Só que longe os lobos se amontoam Para tramar seu plano sangrento Cães de olhos vermelhos enviados pelas almas Eles não sentem frio nem medo e seus olhos são de fogo porque os [olhos de fogo botam fogo no sertão Olhos que são de fogo botam fogo no sertão Fogo no sertão, cirandeiro não canta A mancha na terra seca o tempo não apaga, é O som que se acaba logo nunca mais é ouvido E os lobos iluminam o mato seco...seus olhos incendeiam o [espigão já quase sem vida que lança a fumaça longe ao encontro [da geada e canta como cisne branco que irá morrer, e sabe Vida lá do sertão que já acabou Não vai ter saudade que vem bater na porta do coração É tarde Os lobos no meio do mato queimado De novo são chamados por seus donos encapuzados Lá no alto da montanha já coberta de geada Eles carregam a lâmina da morte e são a morte O cirandeiro nunca mais tocará nesse rincão E a mancha ficará por ali Desviando os passos de quem tem malícia A malícia do sertão A marca do sangue na terra nunca mais se apaga é Vida frágil Vida vida frágil Brisa breve que vem no inverno e lança ao ar as folhas caídas Gota que cái na terra e resseca ao sol ou ao frio congela Vida vida frágil Vida frágil do sertão E só, Já passou em poucos segundos 60


E se acaba fria vida Num último fôlego Na mira de uma arma Na velhice já cansada Quando um coração se recusa a bater Ou quem sabe Nas últimas palavras de um poema É QUE O AMOR MORREU NO BELVEDERE Aconteceu o fato gerador de minha inspiração poética quando eu trabalhei na cidade de Santa Rita de Caldas, sul de Minas Gerais. Um lugar grande em espaço territorial, porém de densidade demográfica insignificante! Na cidade residiam cerca de dez mil pessoas, havia treze policiais na fração local da Polícia Militar, havia também uma delegacia onde trabalhava um detetive, um escrivão e uma arrumadeira. A maioria das pessoas da cidade ou trabalhavam em Pouso Alegre, ou Poços de Caldas ou então na área rural. Recém formado no curso de soldados, eu trabalhava juntamente com um colega de turma em um dia comum. Recebemos um chamado da sala de operações do quartel, dando conta de um homem esfaqueado na zona rural, um lugar chamado Pedra Redonda. Uma ambulância foi chamada e nos acompanhou por dezoito quilômetros de estrada de terra. Uma estrada repleta de buracos e nenhuma sinalização. Perguntar as coisas era também difícil uma vez que as casas dos sítios que encontrávamos pelo caminho não ficavam à beira da estrada. Não havia mapa do local e quase nenhuma referência. Quando chegamos naquele lugar, chamado Pedra Redonda, havia um cadáver no meio da estrada, numa encruzilhada. Não irei descrever mais sobre o fato, pois “Fogo no Sertão” já fala tudo o que houve, também por motivos óbvios, afinal o meu livro não é de terror, apesar da essência deste poema se revestir de todos os elementos daquela cena. Como a ambulância iria voltar pra cidade, tínhamos a opção de ir até a casa do homicida, que ficava próximo, prendê-lo, manter na viatura e meu colega voltar na ambulância até a cidade pra trazer os peritos do IML. Por mim tudo bem, considerando que eu tinha um revólver com apenas seis munições, era noite, havia uma quantidade considerável de onças pardas nas imediações, estava frio, eu não estava usando jaqueta, somente o uniforme e só tinha a luz dos faróis da viatura. Lembro que ficaram por lá dois senhores de idade, um deles era parente do falecido. Contavam histórias do fato, daquele lugar, da vida num lugar tão afastado da cidade. Para eles aquela situação era algo quase impossível de acontecer naquele local. Eles disseram que não conheciam violência nem roubo, que apenas as onças incomodavam. Matavam o gado e as criações de galinha de vez em quando. Quando a noite foi passando, o frio se tornava cada vez mais insuportável. Eu pensei naqueles senhores de idade, que ficaram o tempo todo esperando pelo 61


desenrolar da ocorrência. Um deles falou que viu tudo que aconteceu, que o homem que morreu chegou em casa e viu a sua mulher com outro, que pegou uma faca para matá-lo mas estava bêbado. Disse que o outro homem tomou a faca e lhe acertou... O homem falou que tentou socorrê-lo, carregou para fora e saiu pela estrada em direção à sua casa, que no meio do caminho deixou o homem sentado numa encosta para ligar do telefone de sua casa, e quando voltou o homem estava deitado de bruços, morto. Alguns disseram que a mulher dele convenceu o amante a ir atrás deles e matálo com uma foice, para que não viesse depois e se vingasse. Tudo isso eu ouvi naquela noite, no frio, no escuro, naquele lugar tão distante da civilização, nas estradas de terra cheias de sítios e fazendas onde as luzes das casas eram muito distantes uma das outras. A vida no campo não é fácil! Nas grandes cidades temos tudo por perto e reclamamos do trânsito, da demora em algum atendimento, no preço das coisas. Naquele lugar talvez as pessoas não se incomodassem com o trânsito, se tivesse por perto um hospital ou outra diversão além de tomar cachaça e tocar viola nas noites, na varanda de alguma casa. Não me lembro de ter perguntado muito sobre a vida deles, eles contavam a maioria das coisas. Eu estava exausto, com frio e com fome. As horas passavam e acabei falando para os dois esperarem dentro da viatura junto com o homicida que estava algemado no xadrex, a mulher do falecido, que na verdade foi o motivo, e a filha dela. Eu fiquei do lado de fora só torcendo para que não houvesse mais do que seis onças no matagal. Elas passavam perto, eu podia escutar o som da respiração. Em um momento cheguei a ver uma delas, somente a cabeça, observando no meio do matagal. Depois de algumas horas apareceu um homem com alguns cães. Ele disse que ficou sabendo do homicídio, que havia uma viatura e foi até lá pra ver se poderia ajudar. Como ele estava com cinco cães, eu disse pra que ele ficasse lá tomando conta do corpo pra que as onças não viessem, então peguei o carro de um dos moradores e fui até um lugar mais alto na estrada de terra pra ver se avistava o pessoal do IML e o colega de serviço. Num local muito longe, não sei, talvez uns cinco quilômetros, havia um carro parado, então eu fiz alguns sinais com o farol e o carro respondeu com o mesmo gesto. Então depois de um tempo eles chegaram, disseram que estavam perdidos, afinal aquele lugar é um verdadeiro labirinto de estradas de terra. Nós terminamos pela manhã. Tivemos que levar os autores, testemunhas e materiais até a cidade de Andradas, depois ainda fomos ouvidos e retornamos para a cidade de Santa Rita de Caldas. O IML recolheu o corpo e algum tempo depois fiquei sabendo que o autor foi condenado, cumpriu parte da pena e passou ao regime semiaberto, voltando a morar no mesmo lugar, na Pedra Redonda.

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PRODUÇÃO DA VIDA Há sempre alguém produzindo No cais do porto em Portugal Pessoas comuns carregando mercadorias Ao sol do meio-dia Na França um estudioso entre as flores Procurando fragrâncias no fim da tarde Um cantor de rap em Chicago ensaiando de manhã Uma plantação de arroz no Camboja descansando Tendo a noite por companheira e o som dos gafanhotos Enquanto o outro lado do mundo adormecido sonha Horas se passam E em sincronismo quem acorda Cede lugar a outro que dorme O que ali almoça tem as vasilhas lavadas mais tarde E no mesmo momento lá do outro lado alguém saboreia o jantar Estão todos vivendo um instante do dia Nunca o mesmo instante Mas todos vivem As pessoas nascem, crescem, produzem Reproduzem E depois morrem Intriga é que talvez seja esse o sentido da vida A razão da continuidade Bandeira nova ao vento logo vira bandeira velha E substituída vai descansar dos ventos Há sempre alguém planejando e outro executando As noites e os dias controlam o ritmo Tudo é produzido e consumido A manutenção prossegue e a vida continua Nascemos, crescemos, contribuímos e morremos Deixando entretanto Um novo fruto para continuar de onde paramos

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SANGUE NO CÁLICE Eu pensei que tudo seria tão fácil E havia um caminho determinado pelos anjos Que o arco-íris sempre brilhava no céu Mel de abelhas provaria em terras férteis Haveria trigo assando e vinho em meu cálice Linho a me envolver Frio nem chuva me tocar Sofrer nem por segundos Ler os livros que jamais comprei Ouvir os sons que não pude ouvir Sorrisos e pessoas por perto Música para embalar os fins de tarde Não existiriam problemas nem solidão No meu universo de sonho Quando um cálice vazio de vinho Recolhe sobre a mesa a poeira da tristeza Tem gosto de sangue Hoje o prato vazio pranto rola no rosto Desgosto da vida só biscoito no armário Migalhas de pão no chão desde semana passada Roupa amassada jogada no canto Gosto de uva, de frutas, de macarrão Mas só tenho um cigarro e um resto de cachaça Graça falta onde sobra derrota A facilidade nunca existiu E todo desejo é tolo igual bolo sem fermento Não cresce, adormece em quem tece a teia Sem ter o dom da construção Somente sonhei e agora acordo para a vida O cálice vazio esperançoso por vinho Testemunha quem não venceu Sujo, empoeirado recolhe a bebida E não dá nem uma dose mas serve

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O OUTRO DIA Quando em algum dia de minha vida Saio para festejar, para beber E estar com mulheres Com amigos vivendo prazeres Provando pratos de comida Sei que o outro dia pode não chegar Quando faço algo de bom Pode não haver amanhã E nada do que tenha feito Terá fundamento de jeito algum O outro dia incomoda se vou me deitar E o gosto de bebida ainda está na boca A dor de cabeça é forte E a cama fica girando O outro dia incomoda Se no dia de hoje eu perder Se sofrer e for dormir Sabendo que ao acordar tudo será Do mesmo jeito ou até pior O outro dia Incomoda se não houver certeza Se a fragilidade do corpo E dos ideais Não forem capazes de prevalecer Às vezes nada é da maneira que sonhamos Fadas sei que existem só nos contos Se o coração parar de bater Não haverá o outro dia Ou se o sono for eterno Se a estrela se apagar e recusar calor Se as folhas se fecharem e negarem o ar Os túmulos se abrirem e Ressuscitarem antigas ilusões O outro dia pode não ser o amanhã 65


FAZ BEM, FAZ SIM Faz bem esquecer da tristeza E tudo que te faz chorar Faz sim porque a vida passa Penar desperdiça o viver Faz sim jogar tudo pro alto E recomeçar bem melhor Faz bem trocar a roupa velha Perfume, colar, penteado Se o mal faz mal, faz sim Porque viver a maldade Pra que fazer a maldade Faz bem fazer o bem Faz sim! Faça tudo direito E se o seu direito tem medo Faz bem se a gente vence o medo E luta pelo que é direito Faz bem, é fácil viver Mesmo que existam problemas E embora as desilusões A saudade do amor que se foi A solidão da paixão que não há A falta de recursos, o pão Faz sim, é preciso tentar Melhorar todas as coisas sim Apagar todas as mágoas Procurar outros caminhos Desviando-se de espinhos Aprender com os fracassos Faz bem, ensina a ser Corrigir os enganos da vida Sonhar e sem ter medo Faz sim, é bom pra vida Com pés no chão e coragem

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TOLICE DE HERÓI Faz parte da vida essa cruz Carregada no sol do verão Sem lar, sem amor, sem prazer E sonhos secando no olhar Sorrir é o laurel e seduz O rosto que só tem paixão Sem nada para se viver Momentos para se encantar No espelho a profana imagem Perdendo-me pouco a pouco Sem flor em meu próprio jardim Triste e refém da coragem Eu que só penso nos outros E esqueço de pensar em mim

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O MAU CHEIRO O mau cheiro vem do beco É lá que o córrego está passando E piorou com a chuva de ontem Ficou tudo sujo de cocô As paredes e até o quintal estão pretos De tanta sujeira Sujeitar faz parte pra quem não tem Lugar pra ir e sair desse fim de mundo E fica pior quando o sol bate Vai secando aquele lodo insuportável Nem dá pra colocar as roupas no varal hoje E quando escurece até fica ruim de dormir O sono vai embora Nem água de mangueira Nem de balde Parece até um bicho morto Também se tampassem o córrego Tratassem o esgoto Com o dinheiro do meu imposto Também se derrubassem os barracos E fizessem um conjunto de prédio Para a gente morar O mau cheiro é insuportável Parece que soltaram um gambá E tem gente que ainda passa ali Eu dou volta Não quero passar no beco De jeito nenhum Não com aquele mau cheiro Não com aquela sujeira Nem sei se é melhor Chover de novo e inundar Ou fazer sol e secar essa bosta

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UMA CARTA PARA ALGUÉM Boa tarde Sei que não tem muito tempo Você aí que fica correndo De um lado para o outro parecendo procurar algo que perdeu Mas resolvi te escrever Falar da sua importância para mim Citar a sua tolice em não pensar em si mesmo Respirar mais fundo e ver a vida Você é alguém tão apressado Sempre atrás de alguma coisa que eu jamais consegui compreender Até nos sonhos preocupado com metas Com as contas e os desejos Nunca foi na beira do rio pescar Nunca dormiu numa rede na roça Nem viajou de avião E embora nunca se viu em Bariloche Descendo na neve e brincando no frio Resolvi te escrever essa carta Para dizer que você é importante Nem fotografou na torre Eifel Não festejou no Alabama Só ficou por aí o tempo todo Cansando os ossos e derramando suor pelo pescoço Você que sempre foi tão convicto E nem para comer teve tempo Você que nem com a chuva se preocupou e ao contrário molhado protegendo papéis E no calor do verão se refrescou apenas com água Quando chegou o frio sentiu os pêlos arrepiados Mas estava ocupado demais Você que sempre foi tão distante Sem sair de perto de mim um segundo Abre essa capa 69


Dá uma olhada no que há aqui dentro Responde essa carta que escrevi com tanto carinho Eu que vivo sem as ações que possuis Mas já vivi todos os contos de fadas que na tua infância conheceu Eu fui o filme e a novela Os contos que as gerações contaram E embora seja inerte e sem pernas, nem braços e um coração que bate Conheci o mundo inteiro E queria te contar Se tivesse um tempo

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A EXTRAÇÃO DO OURO Vivemos todos da extração do ouro E o nosso desejo é o brilho dourado que possibilita tudo Nessas Lavras ensolaradas de chão rachado e seco Só o ouro importa e a fome existe Se nos matamos é pelo ouro O ouro guia os passos na terra e cospe no barro do chão O ouro nos chama de idiotas Mas nós damos a vida para encontrá-lo Somos o dedo recortando o barro seco Somos a pá devorando a terra rachada de sol Vivemos de lavrar minas cheias de ossos Queremos o ouro para comprar comida Queremos o ouro para comprar panelas Para devorar o mundo e estamos dispostos a morrer na busca Sem acordarmos desse pesadelo escaldante Passamos o dia sob o sol ardente Vivemos todos da extração do ouro A água é pouca pra que todos saciem a sede mas a carne quer riqueza Um terço do ouro para os impostos Muitos engolem o ouro que encontram e não pagam Muitas desavenças na Lavra – o sangue é constante Nós somos homens de roupas rasgadas Somos movidos a esperança e ambição De encontrar essas pedras nas Lavras cheias de ossos De pessoas que procuraram o ouro Nós somos enxadas consumindo a terra Nós somos ossos cobertos de pele sufocando o barro Para que ele cuspa o tão sonhado laurel dourado Vivemos a buscar essa riqueza Sem receio aos cânceres que o sol nos presenteia a cada instante Não tememos o sol do meio-dia Vivemos todos da extração do ouro O LAVRADOR DAS LAVRAS VAZIAS Na verdade essa poesia e algumas outras contidas no livro citado, remetem muito ao período em que eu morei na cidade de Lavras. Foi um momento difícil em minha vida! Eu fui morar lá sem conhecer nada, tive dificuldades de adaptação, problemas financeiros, depressão. O período foi na verdade uma busca incessante por uma condição melhor, mas que com o tempo as condições foram piorando. Até psicóloga me arrumaram. Foi assim até o término do meu curso, quando comecei a estabilizar minha vida e começar a colocar as coisas no lugar. 71


VIVER Viver É procurar diamante onde só há cristais Procurar pela água onde só existe areia Estar em um labirinto e procurar a porta Escapar da chuva e se esconder do sol Viver é desfrutar do que o momento apronta e se entregar ao amor À aventura É se aventurar onde só há quietude Desejar luzes à noite e a sombra quando é dia É querer um cobertor no inverno e dormir sem roupa no verão Sentir o perfume da flor na primavera Viver é nos encantarmos com as coisas que nos fazem bem Chorar quando estamos tristes Chorar quando estamos felizes Admirar as coisas boas da vida. Simples que se tornam eternas Viver é procurar amigos onde só há diamantes Se impressionar com a simplicidade do artesanato E não enxergar maravilhas inexplicáveis na tecnologia Ouvir nossa música preferida Cantar, sorrir, cantar Viver é tudo que nós podemos ser E aquelas coisas que não conseguimos vivemos na fantasia É desatar os nós que fecham os caminhos Olhando as estrelas viajar no espaço Procurar o fim do mundo É procurar por terra onde só existe o mar É procurar por água onde só há areia Chegar ao fundo do poço E ter a certeza de que ninguém jogará uma corda Viver é desprezar as coisas que não suportamos E guardar no peito quem admiramos Viver é querer ser jovem quando se está velho E querer ser velho nunca O LAVRADOR DAS LAVRAS VAZIAS O grande tema do livro Lavrados das Lavras Vazias é decepção. É o quanto as ambições humanas podem levar a enganos difíceis de corrigir. A decepção ensina vícios e te dá o direito de ter uma conta exclusiva no boteco do bairro, proporciona momentos de arrependimento e saudade, mas a certeza de que algumas coisas não podem voltar atrás e a vida deve seguir o seu curso a qualquer preço. Há vários momentos na decepção e o mais perigoso é a euforia da esperança pela melhora. 72


DESCOBERTA E vejo que eu descobri liberdade Ao passo que longe havia o intransponível E hoje para mim não é mais que uma curva na estrada Sonhador, um eterno sonhador Por nunca ter a expectativa da realização Desafiando a posição ocupada na existência Provador de amores verdadeiros e falsos Loucuras, carnavais que se passaram Os quais assassinavam a insanidade na ressaca da quarta-feira Beijos verdadeiros provados E já houve morte no final da primavera Ao fim de um amor passageiro, resistente ao dia das cinzas E vejo que eu descobri a consciência Pois em tempos de loucura eu sonhava com a lua E agora também sonho com as estrelas Em tempos longínquos da escassa juventude A vontade de viver porejava num acréscimo pelo desconhecido E hoje tenho saudade daqueles tempos O LAVRADOR DAS LAVRAS VAZIAS Há um momento na decepção em que inevitavelmente o indivíduo precisa repensar seus próprios valores, procurar os motivos, a raiz dos problemas, buscar soluções para que a vida não chegue ao extremo sentimento de auto-extermínio e flagelação. Quando morei em Lavras, eu aluguei uma casa junto com outros dois colegas de curso, o Robson José de São João Del Rey e o Ricardo Lopes de Novo Cruzeiro. Nós combinávamos porque não tínhamos muita frescura com a casa, afinal nós quase não tínhamos tempo para arrumar mesmo. Nessa época eu estava um pouco fora da minha realidade. Tanto que nem ao menos um colchão eu comprei para dormir, lembro que eu coloquei algumas cobertas no chão, alguns jornais. Era ali que eu dormia. Era onde eu ficava lendo, e nas vezes que chegava de viagem, de Belo Horizonte, era onde eu descansava. Por muito tempo até o cheiro daquela casa eu lembrei, das músicas que eu escutava no som, das conversas todas, dos dias de folga raros no curso, em que eu viajava. Foram tempos difíceis da vida! Superei muitas coisas nessa fase, envelheci bastante em idéias e outros tipos de sentimentos e definições sobre as coisas, eu descobri muito. 73


O PRISIONEIRO Aconteceu ontem quando eu escrevia Fiquei preso em meu próprio texto Não sei como sair desse lugar desconhecido Está frio aqui e tudo é tão diferente Aqui embaixo não existe sol Lavras sem pedras preciosas Preciso encontrar um jeito de sair daqui Essas palavras não são o meu mundo Essa prisão me toca, rasgando pedaços da minha pele Sou a liberdade que faz com que o rio corra E a tarde morra dócil Para nascer a noite sob brilho de lua E depois o dia nascer e se repetir tudo de novo No esporte da existência Preciso sair daqui Esse texto regrado com sabor de fome E frio em um cobertor cheio de furos As minhas mãos estão levantadas ao ar esperando Não há chaves nessa prisão e não há portas Perecer Sonhar Chorar Preciso sair daqui, mas há furiosos vulcões... Rachando o sol e levando as pedras das Lavras As que esperava encontrar Preciosas, que nesse instante São o que menos procuro Só quero sair da prisão e voltar a ser eu O LAVRADOR DAS LAVRAS VAZIAS Inevitavelmente eu passei por um conflito de identidade no tempo em que morei naquela cidade. Havia uma notável fuga da realidade como remédio pra tudo de ruim que estava acontecendo naquele lugar: as cobranças, a falta de dinheiro, o frio que eu sentina naquelas cobertas que por dez meses foram a minha cama no chão, decepções com algumas coisas que pareciam ser tão fáceis de resolver. Nessa época eu bebia muito! Havia um bar na mesma rua que morávamos e eu sempre ia lá. Minha conta todo mês era alta, mas como a dona do bar anotava durante 74


o mês para eu pagar só no dia do pagamento eu não tinha outro remédio senão alimentar um vício que me deixava tranquilo enquanto o meu corpo ia perecendo pouco a pouco naquele lugar. Algumas vezes eu chegava bêbado na casa, os dois já estavam dormindo ou estudando para alguma prova...eu tomava um banho e depois ficava na varanda escrevendo alguma coisa, alguma música ou poema. Nessa época eu ainda não tocava cavaquinho, só escrevi as músicas mesmo. Era relaxante quando eu sentava na varanda daquela casa pra ouvir música depois de um porre, eu ficava olhando as estrelas e pensava muito sobre a vida. A minha ida para aquela cidade foi muito repentina! Lembro que eu trabalhava no Hospital Universitário São José, no centro de Belo Horizonte. Lá eu tinha meus amigos, tinha os pacientes que não saiam do hospital, sempre voltando com algum defeito, alguma parte enguiçada. Todas as sextas-feiras eu saia com um colega para paquerarmos garotas e tomar umas garrafas. Em 2005 meu pai faleceu e eu havia acabado de passar na prova para soldado. Poucos meses depois eu tive que sair do hospital e me mudar. Como eu viajei com pouco dinheiro precisei fazer um empréstimo e foi aí que tudo começou a se descontrolar na parte financeira. Na época eu namorava uma garota mais velha que eu alguns anos. Na verdade eu a conhecia desde pequena, por causa da proximidade familiar. Bom, não vou ficar citando nomes senão meu comentário fica com clima de fofoca. Certo é que quando me mudei, nós ainda ficamos juntos por uns três meses, mas depois acabamos terminando. Era difícil namorar à distância, ainda mais que nosso relacionamento era escondido, afinal os pais dela não iriam gostar nada da história, se bem que a mãe dela sempre soube que dávamos um sarro às escondidas. Tudo foi se acumulando rapidamente! Eu tinha dificuldade de digerir. O curso era muito corrido e eu não estudava muito para as provas. Enquanto o Ricardo Lopes e o Robson ficavam em casa estudando eu ia para o bar e bebia bastante! Quando me formei fui um dos últimos de minha turma, mas eu sabia do meu potencial. E embora estivesse num momento ruim, sabia que depois de formar seria mais fácil de colocar as coisas no seu devido lugar. Eu me mudaria de cidade, não haveria a cobrança exagerada do curso, eu iria receber mais e as parcelas do empréstimo já estavam acabando. Fiquei preso sim, em um universo hostil! Sentindo-me preso nas páginas de um livro, afinal o que eu escrevia era a descrição das coisas ruins que estavam acontecendo. Relatar minha própria prisão em um universo tão hostil me mostrou a minha fragilidade. Foi o momento em que eu pude parar pra pensar em todas as coisas que estavam me sufocando ao mesmo tempo na parte familiar, financeira, amorosa, profissional e por fim até de saúde, foi quando na época de frio eu descobri pela primeira vez a sinusite. O tempo foi passando e guardei desse momento a poesia O Prisioneiro, que é para mim uma testemunha viva do meu momento de prisão, pois foi num dos piores dias que veio a inspiração de compor.

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O DONO DO MUNDO Um dia eu acordei chateado E comprei a rua onde morava Mas a raiva não passou Comprei meu bairro e minha cidade Mas o sentimento ruim não cessava Por um preço generoso Comprei meu país e o mundo E a lua que gira ao seu redor Vi um garoto chorando E comprei as suas lágrimas com um prato de comida Minha alma sofria Por eu não poder comprar a alegria Então comprei o sol, as plantas e o universo... Fiquei triste Por não poder comprar um sorriso Mesmo que existam tantos em todo lugar Todo mundo tem Por que então não consigo Felicidade De que adianta o mundo inteiro Se o que eu quero é do tamanho de uma uva Por que sonhar se já possuo o mundo E tudo o que me falta não posso comprar com o dinheiro Um dia eu acordei com raiva e descontente Contentei em comprar um cigarro e uma pinga barata Por não poder comprar o que eu mais precisava O LAVRADOR DAS LAVRAS VAZIAS

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FOME E o cérebro consegue Finalmente ensinar ao estômago Que não há o dinheiro Que não adianta ficar reclamando E que é melhor fazer outra coisa do que Simplesmente incomodar as funções Dos outros órgãos O estômago entende Ele sabe Que nesse momento O copo com água É a única coisa que as mãos Podem oferecer Não adianta culpar simplesmente As mãos, os pés e o cérebro pelo momento Fazer barulho como criança inconformada Não haverá solução Em simplesmente tornar tudo tão mais difícil Nas noites a carência dos elementos Da continuidade provocam pesadelo Ele ouve calado os medos do cérebro Calado fica se perguntando Se é justo durante o dia Conformado ouvir conselhos De quem nas noites se desespera com o momento As mãos tentam proteger dos medos Escondem o rosto E inutilmente o coração em batidas suaves Tenta apaziguar quem estava dormindo E os pulmões acordados Já sem coragem de se estufar Então já não existe a noite O sono vai embora e o que resta São todos acordados sentados ao pé da cama Calados e conformados Passando juntos pelo momento 77


NÃO ACEITO Dessa vez não aceito Pode falar o que quiser Não mudo de opinião Estou decidido Minha resposta final Não existe possibilidade De pensar mais Jogo a toalha Ou jogo merda no ventilador Mas calado nem pensar Eu não vou aceitar

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VIDA FECHADA Liberta-se Vejo seu brilho Escondido Debaixo das incertezas Arriscar é preciso Vejo submissão Medo da vida E vontade de viver Eis que o passado recente Trouxe coisas ruins Mas se o sol Que existe aí dentro Não voltar a brilhar Essa chuva Não vai passar Há alguém aí Dentro desses portões Abra, deixe sair Há vida precisando viver Eu já tentei Me aproximar Eu já busquei Te ajudar Em vão retirei minhas vontades Mas não o desejo De ver liberdade onde Somente há prisão Entretanto Essa chave está aí dentro Só se abre essa porta Se quem está dentro Tiver forças Para abrir

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TRANSFORMAÇÃO Numa tarde qualquer – pois toda tarde é qualquer Toda vida é qualquer e qualquer é até mesmo a existência Numa mesa de bar Numa cidade grande Onde a terra garrida não tem flores Somente concreto No meio do verão sem ventos ou chuva Nada mais que pessoas caminhando pela rua, Apressadas carregando sacolas As conversas fiadas chegando aos ouvidos como zumbido de abelhas Pessoas de carne e osso se cumprimentam Falam das novidades E depois se vão... Isto é a segunda parte de um poema Ou somente a tarde se transformando em noite O líquido na taça, Vejo a praça com tantas pessoas – tem traça na roupa, roupa velha Sacolas se agarrando às mãos – mãos se agarrando às sacolas Carros passando na rua e às vezes na calçada Às vezes um aperto de mão, mas, eu disse mas... Quase sempre empurrões apressados de quem quer tomar um ônibus Vai um gole, passam as horas, a noite declina e os olhos As estrelas...ou estrelas vão surgindo no céu e fica escuro Quem és tu Que chega silenciosamente? Chega silenciosamente, pois não tem pés não é? Quem pede ajuda para se tornar gente? Mesmo que uma gente qualquer Nunca foi e pareceu querer ser... Não tem forma definida e vagueia pelas sombras Acaso do destino ou conveniência do mal? Sim...o outro copo está vazio e Ainda tem salgados no prato, pois perguntou... Mas cadê sua boca para comer? Você que pede com simplicidade falsa e não tem dinheiro para se saciar Você não tem forma, então fique com a esperança Isso te servirá por mãos

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Não há dentes, então leve fraternidade Para poder digerir o que consome de graça da mesa Não há corpo, mas um bom conselho te fará andar e seguir em frente Agora você já é parecido com uma gente... Ou quase gente Pois gente ainda tem que aprender Que nem tudo é ferocidade e vingança, não se leva o que não tem Não se vislumbra o que jamais alcançará Há sempre o mal e o pecado confesso... Entretanto Existe um espaço interior Que deve ser preenchido com virtude, qualquer coisa Se um é todo mal o seu destino será pior do que o próprio um Porque o que há dentro devorará até mesmo o hospedeiro Até mesmo um que é cretino Tem dentro de si um universo E esse universo é parecido com o universo do que é bom Quem és tú? Tú que fere o corpo tentando arrancar a alma de lá de dentro? Como se sua fosse, que ledo engano Quer tornar quem tem forma igual a ti enviado do mal? Seduzido dos pecados... Não há mais jeito...não há salvação. Não há transformação do vinho em água potável Nem era necessário guerra, pois já há derrota Descobre-se que ao se tentar abrir Um corpo fechado e constituído de dons As trancas e correntes sacodem e cortam até mesmo os punhais E junto com os punhais vão os dedos que os seguravam Nesta mesma hora você conhecerá o arrependimento na sua plenitude Cresce guiné até mesmo no deserto árido e sem nada Tira todo o mau-olhado Casa defumada não é apenas bom perfume É fortaleza espiritual fortificada na fé E ái de quem olhar com maus olhos para o deserto Ou não limpar os pés para entrar na casa Antes procurando forçar os portões sem ser convidado

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Riachinho nem tão profundo farta de grama toda a roça E o gado não morre E quem é o oceano com sua imponência Para brotar uma orquídea na praia? Perca de novo os braços, pois quem dá sabe tomar em dobro Sem eles não pode pegar gotas de sangue roubadas caídas como orvalho A astúcia esmaece ao ver que não há poder da morte sobre a vida Morre apenas quem deseja ser apagado do livro da história Quem não quer vai descansar em lugar sagrado O que insiste se mantém de pé E leva até o seu sangue sujo como despojo Lança-o no cárcere, julga, condena e faz cumprir a sentença O que tens? Não é o mal? Cadê as palavras de ofensa que até agora pouco proferiu? Ou sempre proferiu... Há surpresa na face do abismo ao ver Que não é necessário chão para que os pés existam Que não é necessário sangue para que o coração bata E que não são necessárias armas Para que a força prevaleça sobre elas Transforme-se a si mesmo De demônio sem forma a nada, escorraçado da existência à força Não há lugar nem na vida nem na morte Os confins o rejeitam agora e não há casa para te acolher Você tem fome, mas não pode se alimentar, Pois não tem dentes, boca ou estômago Tem sede e não pode chegar até a água que existe em grandes mares Porque a água o rejeita e foge de ti Como caminhar? Onde está o ar para se respirar? O dia clareou e sem olhos como ver o sol? Pássaros cantando? Onde estão seus ouvidos? E embora peça, já não pode morrer porque lá não te querem Não te querem em tua própria casa Vai se transformar em quê agora? 82


O CORAÇÃO NÃO NEGA O coração não nega Quando a dor da saudade incomoda e aperta meu peito Ou a felicidade transborda pelos olhos Nos momentos mais difíceis, mais sofridos Onde falta o arroz e a cachaça na mesa dos brasileiros Para aliviar a fome e a sede orações ao alto O coração não nega Quando as lástimas, perseguições sociais Afugentam do bolso o dinheiro e dos olhos a coragem E sobra somente uma guimba de cigarro entre os lábios O time enche o estádio e perde no final do jogo E os jornais só comentam morte e destruição Na rotina imutável da cidade grande O coração não nega Quando vou descansar na roça, no meio da noite o cheiro de lenha Vendo as estrelas e tomando cerveja deitado na rede Às vezes ele bate forte e às vezes para de bater Bate forte o coração ao cantar a saudade Ou pela quietude do campo se assemelha às rochas O seu refúgio é a poesia E o hino pátrio da minha vida O coração não nega e eu acredito que tudo pode melhorar Sou um feliz expressador Das minhas idéias guardadas, mistificadas, obscuras, reprimidas Porque tenho uma poesia Para cada drible do Garrincha Assim como o Garrincha tem um drible Para cada gol do Pelé O CORAÇÃO NÃO NEGA Essa poesia foi escrita em um momento de mais definição em minha vida em relação com o que eu enfrentei na época em que escrevi o livro O Lavrador Das Lavras Vazias. Procurei valorizar o elemento coração para retratar as características da população, resguardando o direito de enaltecer as minhas características. É a minha visão de Universo Humano, e uma prova conclusiva da fundamentação artística que eu exerço, afinal falando sobre coisas que eu aprecio, pude revelar a essência das pessoas em relação à saudade, sofrimento, dor, conflitos sociais subjetivos e econômicos, as notícias, o futebol e os prazeres de uma viagem. 83


A CANETA Eu passava dias inteiros escrevendo versos E tinha minha fiel companheira entre os dedos Até que um dia se acabou num último esforço O seu líquido vital que proporcionava realização Então eu disse pra minha caneta Você já deu o que tinha que dar minha amiga E mesmo que não nos encontremos mais Obrigado por tudo O CORAÇÃO NÃO NEGA

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NÃO TEM FESTA Pergunto onde estão todos Dia de festa e eu aqui sozinho Talvez porque não tem festa Nem conversa, nem nada Troco o abraço pela jóia Troco a pinga pelo canto Amizade pelo orgulho Vou embora daqui Porque hoje não tem festa Dia de menino Que eu deixei de ser Os balões pela piada A música por um aperto de mão O bolo por um beijo “Répi bardei” pra alguém Parabéns não sei pra quem Porque não tem festa Roupa nova por um trapo

O manjar pelo bagaço O champanhe pelo suco Falsidade por verdade Pompa e meia noite, cadê Hoje não tem festa, por que Sem palavras pra dizer Vou embora daqui Pra onde alguém entende Pergunta por exclamação Adormecer Salto-alto por chinelo Terno branco por bermuda “Répi bardei” pra alguém Parabéns não sei pra quem Se todos foram E se não tem festa hoje Não tem nada O CORAÇÃO NÃO NEGA

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O RELÓGIO O relógio tic-tac Lá na sala tic-tac Trabalhando tic-tac Sem parar Marca as horas tic-tac Passa o tempo tic-tac Sem parar Oh! Quem parou o relógio O que fez o ponteiro ficar imóvel (Silêncio) Pra onde foi o barulho (silêncio) Do relógio lá da sala Dou mais corda e tic-tac Marca as horas tic-tac Tic-tac sem parar O CORAÇÃO NÃO NEGA

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NÓS SEMPRE SEREMOS AMIGOS Perdidos pelo mundo afora Guardando na lembrança a amizade Seguimos a vida – saudade Saudade dos dias vividos Das festas no tempo de escola Das coisas que a gente sonhava Nós sempre seremos amigos Nós sempre seremos amigos Amigos, parceiros, irmãos Frente a uma decepção Ou no clima de felicidade Amizade é pra se preservar E nós seremos amigos Pela eternidade A vida nos espalhou Mas seremos amigos De festa, na dor e perigos Como sempre fomos Se um dia eu te encontrar na rua Me conte suas novidades E me dê um abraço apertado Amigos de farra e folia E nas desilusões da vida De lágrimas na despedida Como nos dias antigos A sorte nos separa mas Em nome de tudo que somos Nós sempre seremos amigos O CORAÇÃO NÃO NEGA Eu escrevi essa poesia em homenagem aos amigos do tempo de escola, lá na Escola Estadual Padre Matias, no bairro onde eu morava. Principalmente os amigos dos últimos anos em que estudei lá, afinal conforme nós crescíamos, sentimentos de dúvida nos perturbavam bastante. A adolescência ganhava o clímax da maioridade e tudo que se podia fazer, mas ao mesmo tempo significava despedida de uma vida relativamente sem muitas preocupações para o ingresso em uma vida mais cobrada, onde haveria a busca por um emprego ou uma formação na faculdade, a formação de família, novas diversões, novos conceitos. Só iria sobrar as lembranças mesmo. 87


ESCOLA DA VIDA Devemos saber ouvir De quem tem experiência Alguém que já foi aluno Na escola da vida Porque um dia seremos mestres De um aluno como nós mesmos Que um dia será mestre De outro aluno como ele O CORAÇÃO NÃO NEGA

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CIDADE EM CHAMAS Abro os olhos e te vejo Cidade em chamas E os trajes cor de vinho das morenas E as ruas e as esmolas e as crianças Rezo a Deus e então choro Pra que minhas lágrimas Apaguem o seu fogo O CORAÇÃO NÃO NEGA Quando escrevi esses versos eu voltava do centro de Belo Horizonte, em um ônibus cheio de pessoas. Lembro que eu estava sentado numa cadeira de janela e quando o ônibus parou em um sinal eu avistei um homem que não possuía as pernas. Ele pedia esmolas na calçada. As pessoas passavam por ele e desviavam o olhar como se o homem fosse um bicho. Por um tempo eu fiquei pensando naquela situação e sobre a esmola, que nada mais é do que uma atadura no péssimo serviço social que os governos realizam. É possível acabar com a fome, mas a totalidade dos políticos exerce o mandato em função de interesses pessoais e partidários. É lucrativo ser representante do povo! Ainda mais quando o povo é ignorante e se vende por algumas notícias distorcidas em época de eleição ou até mesmo pela compra de votos, direta ou indireta. Fato é que aquele homem não estava pedindo esmolas para comprar isso ou aquilo. Ele simplesmente pedia alguma coisa, podia ser um salgado, um copo de suco, e se fosse dinheiro, bem, quem vai dar a esmola não tem nada a ver como quê o pedinte vai comprar não. Se o pedinte quer comprar uma cachaça, que compre, afinal ele irá gastar em uma coisa que lhe faz falta. Eu não vejo palavras para o sentimento frio de algumas pessoas que até se sensibilizam com o fato, mas por dentro seu coração rancoroso diz que se der o trocado ao pedinte, ele irá comprar droga. A meu ver é fácil para uma pessoa que tem pão todos os dias repudiar certos conceitos, mas e colocando-se na pele do pedinte: uma pessoa sem família, sem formação, sem condições de conseguir um emprego ou uma casa. Um rato das ruas sem a menor condição de sobrevivência, cheio de doenças e privações. Não seria duro demais com o sofrimento alheio repreender a sua necessidade de sair um pouco da realidade cruel em que vive? Não é pelo apoio ao errado, afinal é mais fácil se as pessoas exercerem a cidadania, cobrar mais os direitos pessoais e coletivos, votar em pessoas honestas e não no fulano do partido daquele político famoso. Bem, essa é uma realidade que não terei prazo de ver porque a ignorância pertence ao povo. A corrupção continua, a esmola continua, o desprezo, a fome, a poluição, o desemprego, ganância, dor. Quando o ônibus partiu ao sinal verde do semáforo, eu escrevi os versos em meu caderno e quando cheguei guardei na caixa onde deixava tudo que eu desenhava ou escrevia. 89


VEJO O MUNDO POR DENTRO DA SEGUNDA PELE As mesmas pessoas lá fora O mesmo indivíduo aqui dentro Os mesmos momentos De um dia onde o sol arde no céu Ideais todos temos Mas quando estou aqui As pessoas enxergam outra coisa Não aquele que ontem à noite Provava o licor, vivia o amor Saboreava a noite e os risos Um empregado, sim Não um robô de uma ditadura Difícil ou impossível revelar Quanto há todo um “todo” Que insiste em atar os olhos E não prosseguir Eu vejo as pessoas olhando Curiosas, agradecidas, odiando Irrequietas de um canto a outro Preocupadas comigo ou por mim Meu cotidiano cruel Cercado de injustiças As mesmas vozes Porém as que antes deliciavam a noite Agora fazem parte de uma peça teatral Artistas reais sem fingimento Da vida, da sociedade, os ideais Passando o tempo são sempre iguais Vejo, não enxergam o rosto Somente tecem opinião sobre as ações Um robô, uma máquina – imaginam Obcecado, repressivo – dizem Mal necessário, o conveniente Um que só há porque se precisa Fora isso, odiado e às vezes com razão

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Vejo olhos diferentes em minha frente Eu que antes era o alegre Não provoco mais sorrisos E embora ofereça mais do que ontem à noite Não há gratidão, nem espero E como se evitassem passam apressados Procurando sair da frente Imaginando que há sempre uma atitude errada Ou que algo perigoso vai acontecer Se paro um momento Um do canto fala ou pensa Como se parar para descansar Ou para alimentar Fosse pecado Pior é quando o do canto Usa dos mesmos atributos E por uma razão ou outra Se julga proprietário do direito À vida, às escolhas, a tudo Como se o próprio Deus o pusesse Por senhor dos outros Ou dono do homem a ponto De humilhar quem respira o mesmo ar E morre do mesmo jeito E o céu se fecha Esconde as estrelas Que exceto para enfeitá-lo Não podem fazer mais nada Possuem calor e brilho intenso Mas de tão distante Não o podemos sentir Cumprindo a missão Vejo a chuva caindo em meu rosto E o sol arder a pele Tantas noites o sono foi substituído E outras vezes a decisão da vida Passou diante dos meus olhos Entre aceitar pressões calado Ou externar uma raiva ou indignação 91


Que por certas condutas Não será mais que um caniço Agitado pelo vento Ou mão segurando a faca Pelo lado oposto E chorei sem ter lágrimas escorrendo Sorri sem que meus lábios alargassem Vivi sem que as ternuras revelasse Sonhei sem que meus olhos vissem o céu Afinal não há quem se preocupe Nem de dentro e nem de fora Exceto eu mesmo Pois o individualismo coletivo Come o que tem no prato sem oferecer, com ganância Tantos momentos Vi as festas e as músicas E não estava lá, mas estava aqui As serpentinas e os confetes Até alguns caíram na segunda pele As luzes e as pessoas Amparei quem precisou Sem jamais ter amparo Vi as lágrimas de quem perdeu Vi o ódio do que comete Por mim, pela vida, por tudo Mas também vejo esperança Nos olhos de alguma criança Curiosa que passa na rua com os pais Ingênuas, tenras, promissoras Reclamei em silêncio Odiei sem revelar Vejo a vida com os mesmos olhos Com outros olhos sou visto Quando estou aqui

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AMOR DE REDENÇÃO Você chegou no momento mais oportuno Onde nem ao menos solidão havia Somente o deserto, uma vida sem sentido Houve felicidade e uma nova razão Quando o toque do amor nos felicita É ocasião de festa em todo o nosso corpo Ainda mais quando há o desafio De conquistar um coração tão arredio Amazona do campo liberta de vaidades Cujo modo de ser revela doçura e ferocidade De um leão, de uma colméia de abelhas Rosa que possui espinhos Saber tocar é o fundamento para não haver ferida Chama que produz calor Não se aproximar demais evita os machucados Mas na distância ideal há comodidade perante o frio do inverno Você proporcionou novamente a alegria Por coisas antigas que a inspiração já não rabiscava Momentos de saudade Ora e nem ao menos era mais conhecido Tal complemento da vida de um homem Vida se completando Metades se juntando pela perseverança Cálice de vinho entornando fartura de sabor Não havia mais sorriso e agora há Era desconhecida a alegria E foi mostrada a quem a experimentou naquela hora Um amor de redenção Que salvou uma alma embora deixou no corpo saudade Um amor que nem foi primeira vista Mas deixou pistas de ser eterno

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REGRAS Regras para mim Regras para ti Regras para eles E quem criou as regras Regras para quem criou as regras E por que não Regras para as regras Pra que seguir sem jamais questionar Por que cumprir sem nunca mudar São somente regras Por que aceitá-las Sem saber se são certas Fidelidade às regras Mas não a submissão cega As regras mudam Tudo muda E as mudanças não tem regras

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CORTINAS FECHADAS Eu que vim até aqui para fazer sorrir Embora tivesse lágrimas a escorrer E mesmo que tantas vezes com fome vim Por causa de um bom motivo, por você Fecho agora as cortinas, o ato acabou A platéia não vai mais ver o grande artista Recolho as palavras que o tempo deixou E que trouxeram tanta dor e alegrias Você que se tornou bem mais do que o cobertor A proteger do frio que tantas vezes senti Agradeço por tanto carinho, me colheu nas mãos Passou comigo me trazendo a vida Deixou pingar café e restos de pão Eu fiquei abandonado Lá naquele lugar tão apertado Onde todos se enfileiravam procurando atenção Coração suspenso fragilmente Aos delírios da vida da gente Se o erro é amar peço perdão Sim, pois tudo foi com grande amor e as cortinas Abertas, sob olhares de meninos, meninas Adultos que por muito tempo deixaram de sonhar Amei com tamanha redenção que retornei à vida Lágrimas secaram Rios brotaram na terra seca Leis foram modificadas Mas há o momento de chegar Há o momento da partida As cortinas se fecham e lá fora ainda existe tarde Há um pôr-do-sol e o convite A vida se passa depressa e o curso é o amor As luzes estão se apagando e logo serei somente lembrança Mas ao meu adeus não posso esquecer Dizer para você que foi tão importante Valeu a pena 95


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