UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO BRASIL RICARDO BUENO, JORNALISTA FORMADO PELA
ESTE PRIMEIRO VOLUME DA COLEÇÃO "UM
UFRGS, FOI REPÓRTER, REDATOR E EDITOR DO
OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO
JORNAL ZERO HORA DE 1989 A 1996.
BRASIL" RETOMA OS DETALHES HISTÓRICOS
COORDENOU A ÁREA DE COMUNICAÇÃO
DAS TRÊS MAIS IMPORTANTES ATIVIDADES
EMPRESARIAL DA PLURAL COMUNICAÇÃO /
ECONÔMICAS NO BRASIL COLÔNIA – PAU-BRASIL,
GRUPO AMANHÃ DE 1998 A 2000, GERENCIANDO
CANA-DE-AÇÚCAR E OURO – , BUSCANDO
A PRODUÇÃO DE INÚMERAS PUBLICAÇÕES E
RESPONDER A DUAS PERGUNTAS, EM ESPECIAL:
FERRAMENTAS DE RELACIONAMENTO INSTITUCIONAL. FORMATOU E FOI UM DOS
QUAL A INFLUÊNCIA DESTAS ATIVIDADES NO
EDITORES DO PROJETO "AS MARCAS DO RIO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E CULTURAL DO
GRANDE", PRÊMIO ABERJE SUL 2003 NA
PAÍS RECÉM DESCOBERTO?
CATEGORIA PUBLICAÇÃO ESPECIAL (PROJETO
QUE PAPEL EXERCERAM AS DIFERENTES
APROVADO NA LEI ROUANET, COM APOIO DA
UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO BRASIL
CULTURAS E ETNIAS QUE PARTICIPARAM
GERDAU E RGE ENERGIA). FOI COORDENADOR EDITORIAL DO PROJETO "RIO GRANDE DO SUL: SEU POVO, SUA ALMA", REALIZAÇÃO DA RIMOLI EM 2008, QUE CONSISTIU NA PRODUÇÃO DE UM LIVRO COM 160 PÁGINAS E UMA EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA, INICIATIVA QUE TAMBÉM CONTOU COM O APOIO DA LEI ROUANET.
VOLTAIRE SCHILLING, NASCIDO EM OUTUBRO
DE 1944, É PROFESSOR DE HISTÓRIA. ESCREVEU 12 LIVROS E MAIS DE 40 POLÍGRAFOS, A MAIORIA SOBRE HISTÓRIA. FOI PROFESSOR DO CURSO DE JORNALISMO APLICADO DA RBS E CONFERENCISTA E PALESTRANTE DA AJURIS-RS. FEZ O CURSO DE LÍNGUA E CULTURA ALEMÃ EM BERLIM EM 1986, ONDE FOI PALESTRANTE NA UNIVERSIDADE LIVRE. REPRESENTOU O BRASIL NA FEIRA INTERNACIONAL DO LIVRO DE JERUSALÉM, EM 1991. É, HÁ MAIS DE DEZ ANOS, ARTICULISTA DO JORNAL ZERO HORA, CONTRIBUINDO NA PÁGINA DE OPINIÃO, ALÉM DE COLABORADOR DO CADERNO DE CULTURA DO MESMO JORNAL. FOI, POR QUATRO ANOS, COMENTARISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS, CULTURAIS E POLÍTICOS DO PROGRAMA CÂMERA 2, NA TV GUAÍBA-RS.
PATROCÍNIO
PRODUÇÃO
ATIVAMENTE DOS PROCESSOS DE POVOAMENTO E COLONIZAÇÃO DO PAÍS, NOS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII?
POVOAMENTO E CIVILIZAÇÃO MOVIDOS A
pau-brasil
ouro cana
OBRA ESCRITA EM LINGUAGEM ACESSÍVEL PELO JORNALISTA RICARDO BUENO, MAS RESPEITANDO CRITÉRIOS TÉCNICOS E CONTANDO COM A CONSULTORIA DO PROFESSOR E HISTORIADOR VOLTAIRE SCHILLING,
POVOAMENTO E CIVILIZAÇÃO MOVIDOS A PAUBRASIL, CANA E OURO DIFERENCIA-SE TAMBÉM PELO PROJETO GRÁFICO HARMÔNICO E ELEGANTE, REPLETO DE IMAGENS, ALGUMAS DELAS POUCO EXPLORADAS ATÉ ENTÃO EM PUBLICAÇÕES DO GÊNERO.
UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO BRASIL RICARDO BUENO, JORNALISTA FORMADO PELA
ESTE PRIMEIRO VOLUME DA COLEÇÃO "UM
UFRGS, FOI REPÓRTER, REDATOR E EDITOR DO
OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO
JORNAL ZERO HORA DE 1989 A 1996.
BRASIL" RETOMA OS DETALHES HISTÓRICOS
COORDENOU A ÁREA DE COMUNICAÇÃO
DAS TRÊS MAIS IMPORTANTES ATIVIDADES
EMPRESARIAL DA PLURAL COMUNICAÇÃO /
ECONÔMICAS NO BRASIL COLÔNIA – PAU-BRASIL,
GRUPO AMANHÃ DE 1998 A 2000, GERENCIANDO
CANA-DE-AÇÚCAR E OURO – , BUSCANDO
A PRODUÇÃO DE INÚMERAS PUBLICAÇÕES E
RESPONDER A DUAS PERGUNTAS, EM ESPECIAL:
FERRAMENTAS DE RELACIONAMENTO INSTITUCIONAL. FORMATOU E FOI UM DOS
QUAL A INFLUÊNCIA DESTAS ATIVIDADES NO
EDITORES DO PROJETO "AS MARCAS DO RIO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E CULTURAL DO
GRANDE", PRÊMIO ABERJE SUL 2003 NA
PAÍS RECÉM DESCOBERTO?
CATEGORIA PUBLICAÇÃO ESPECIAL (PROJETO
QUE PAPEL EXERCERAM AS DIFERENTES
APROVADO NA LEI ROUANET, COM APOIO DA
UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO BRASIL
CULTURAS E ETNIAS QUE PARTICIPARAM
GERDAU E RGE ENERGIA). FOI COORDENADOR EDITORIAL DO PROJETO "RIO GRANDE DO SUL: SEU POVO, SUA ALMA", REALIZAÇÃO DA RIMOLI EM 2008, QUE CONSISTIU NA PRODUÇÃO DE UM LIVRO COM 160 PÁGINAS E UMA EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA, INICIATIVA QUE TAMBÉM CONTOU COM O APOIO DA LEI ROUANET.
VOLTAIRE SCHILLING, NASCIDO EM OUTUBRO
DE 1944, É PROFESSOR DE HISTÓRIA. ESCREVEU 12 LIVROS E MAIS DE 40 POLÍGRAFOS, A MAIORIA SOBRE HISTÓRIA. FOI PROFESSOR DO CURSO DE JORNALISMO APLICADO DA RBS E CONFERENCISTA E PALESTRANTE DA AJURIS-RS. FEZ O CURSO DE LÍNGUA E CULTURA ALEMÃ EM BERLIM EM 1986, ONDE FOI PALESTRANTE NA UNIVERSIDADE LIVRE. REPRESENTOU O BRASIL NA FEIRA INTERNACIONAL DO LIVRO DE JERUSALÉM, EM 1991. É, HÁ MAIS DE DEZ ANOS, ARTICULISTA DO JORNAL ZERO HORA, CONTRIBUINDO NA PÁGINA DE OPINIÃO, ALÉM DE COLABORADOR DO CADERNO DE CULTURA DO MESMO JORNAL. FOI, POR QUATRO ANOS, COMENTARISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS, CULTURAIS E POLÍTICOS DO PROGRAMA CÂMERA 2, NA TV GUAÍBA-RS.
PATROCÍNIO
PRODUÇÃO
ATIVAMENTE DOS PROCESSOS DE POVOAMENTO E COLONIZAÇÃO DO PAÍS, NOS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII?
POVOAMENTO E CIVILIZAÇÃO MOVIDOS A
pau-brasil
ouro cana
OBRA ESCRITA EM LINGUAGEM ACESSÍVEL PELO JORNALISTA RICARDO BUENO, MAS RESPEITANDO CRITÉRIOS TÉCNICOS E CONTANDO COM A CONSULTORIA DO PROFESSOR E HISTORIADOR VOLTAIRE SCHILLING,
POVOAMENTO E CIVILIZAÇÃO MOVIDOS A PAUBRASIL, CANA E OURO DIFERENCIA-SE TAMBÉM PELO PROJETO GRÁFICO HARMÔNICO E ELEGANTE, REPLETO DE IMAGENS, ALGUMAS DELAS POUCO EXPLORADAS ATÉ ENTÃO EM PUBLICAÇÕES DO GÊNERO.
UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO BRASIL
POVOAMENTO E CIVILIZAÇÃO MOVIDOS A
pau-brasil
ouro cana
UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO BRASIL
P R O J E T O
I N T E R C Â M B I O S
POVOAMENTO E CIVILIZAÇÃO MOVIDOS A
pau-brasil
ouro cana Ricardo Bueno
DUETTO / RIMOLI ASSOCIADOS 1 a EDIÇÃO PORTO ALEGRE, RS, BRASIL NOVEMBRO DE 2010
PROJETO CULTURAL: RIMOLI ASSOCIADOS COORDENAÇÃO EXECUTIVA: FLAVIO ENNINGER COORDENAÇÃO EDITORIAL: RICARDO BUENO CONSULTORIA: VOLTAIRE SCHILLING EDIÇÃO: RICARDO BUENO TEXTOS: RICARDO BUENO (CHOQUE CULTURAL GERA UMA NAÇÃO / ESCRAVIDÃO E POVOAMENTO) E VOLTAIRE SCHILLING (GARIMPANDO UM NOVO PAÍS) REVISÃO: FERNANDA PACHECO – ALMA DA PALAVRA PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: LUCIANE TRINDADE TRATAMENTO DE IMAGENS: PEDRO BIZ IMPRESSÃO: GRÁFICA E EDITORA PALLOTTI
PATROCÍNIO
PRODUÇÃO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP ) B9280 Bueno, Ricardo. Povoamento e civilização movidos a pau-brasil, cana e ouro – Um olhar sobre a história da economia do Brasil / Ricardo Bueno. – 1. ed. – Porto Alegre: Duetto/Rimoli, 2010. 144 p. : il. color. ; 20 x 30 cm. – (A história da economia brasileira e sua influência na cultura e na sociedade ; v. 6). Apresentar como a economia, mais precisamente os primeiros ciclos econômicos – Pau-Brasil, Cana-de-Açúcar e Ouro – tiveram influência na sociedade e na cultura brasileira. ISBN 978-85-61763-02-2. 1. Administração de empresa – Governança corporativa. 2. Governança corporativa – Ensino superior. I. Título. CDU 657.05:658.114.8 658.114.8:378.018.593 657.05:378.018.593 Bibliotecária Responsável: Denise Pazetto CRB-10/1216 – (51)30297042
RIMOLI ASSOCIADOS AV. LUCAS DE OLIVEIRA 199 – PORTO ALEGRE-RS – CEP 90440-011 (51) 3331.2774 – PROJETOS@RIMOLIASSOCIADOS.COM
Plantando novos caminhos “Os livros não mudam o mundo. Os livros mudam apenas os homens. E os homens, sim, mudam o mundo” Sempre acreditamos na força dos livros, das artes, da educação, da cultura e de seus impactos sobre os homens para melhorar o mundo. É por este motivo que a Case New Holland – fabricante de máquinas agrícolas e de construções – patrocina, há 18 anos, o Prêmio CNH de Jornalismo Econômico. O jornalismo, tal como a cultura, instiga mentes, escancara o mundo e provoca reflexões sem as quais seríamos apenas uma massa amorfa e incapaz de construir sonhos e abrir caminhos. É também por estes motivos que a CNH apoia, firmemente, projetos da Lei de Incentivo à Cultura. Num país rico em cultura e história, mas ainda carente de meios que as tornem universais, essa Lei preenche uma lacuna importante para uma das mais fundamentais necessidades humanas: o conhecimento. O saber. Sem o saber, não há o ser. Sem o ser, não há nada. O primeiro volume da coleção “Um olhar sobre a história da economia do Brasil”, com o título Povoamento e civilização movidos a pau-brasil, cana e ouro, patrocinado pela CNH com o apoio da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura, encaixa-se neste contexto. Estamos num momento especial do país. A economia brasileira mostra vigor, em especial no mercado interno. No exterior, o país se firmou como potência emergente. A voz do Brasil hoje é ouvida em todo o mundo. Para sustentarmos este crescimento no presente e no futuro, precisamos olhar para o passado. Vasculhar os caminhos e descaminhos da economia brasileira ao longo de cinco séculos e vários ciclos. E tirar daí a principal dádiva que o passado nos oferece: o aprendizado. Esperamos que este projeto ambicioso possa cumprir tal papel. Temos orgulho de dizer que construir caminhos é a vocação da CNH. As máquinas que produzimos são engrenagens importantes na roda que gira a economia e ergue uma nação cada vez mais forte. Esperamos, portanto, que esta obra seja uma ponte de reconciliação entre o passado econômico do Brasil e um futuro a ser desbravado com inteligência e ousadia por cada brasileiro que, como a CNH, acredita na força da paixão. Paixão pelo Brasil.
apresentação
Olhares que
se complementam A HISTÓRIA SE DESDOBRA EM VÁRIAS HISTÓRIAS RICARDO BUENO, JORNALISTA
Assim como todo filósofo que se preze passa a vida inteira tentando encontrar a verdade mais verdadeira, esteja ela onde estiver, boa parte dos historiadores sonha um dia em escrever a História derradeira – desse jeito mesmo, com agá maiúsculo. Mas assim como não existe uma única verdade, também a história se desdobra em várias histórias. Porque, ao fim e ao cabo, a relatividade das coisas reside justamente na possibilidade de diferentes olhares se derramarem sobre os fatos, estejam eles na plena efervescência do momento ou, quem sabe, recolhidos, e no mais das vezes adormecidos, no passado. É por isso que a coleção que ora se inicia, cujo primeiro volume é dedicado ao pau-brasil, à cana-de-açúcar e ao ciclo do ouro, se chama “Um olhar sobre a história da economia do Brasil”. Trata-se de uma entre tantas perspectivas possíveis, a qual, no nosso caso, se propõe a estabelecer nexos de causa e efeito entre a economia e seus principais momentos ao longo dos nossos 510 anos como nação, de um lado, e a cultura e a sociedade que se construiu desde então, de outro. Na prática, o que se verifica é que esta distinção e segmentação não existe. A economia influencia a cultura, que por sua vez condiciona a evolução e o desenvolvimento econômico de uma sociedade. Mas como foi mesmo que isso se deu no Brasil dos séculos XVI, XVII e XVIII? É o que, modestamente, pretendemos responder nas páginas que virão. Cabe acrescentar que já virou lugar comum dizer-se que, para entender o presente, é preciso conhecer o passado. Mas o que exatamente essa afirmativa quer dizer? No caso da história do Brasil, trata-se de um exercício dos mais simples, cujo resultado é de uma limpidez cristalina. Quem procurar entender, ainda que de maneira não muito profunda, como e por que os portugueses aqui chegaram, e as razões que os levaram, mais tarde, a tomar as decisões que tomaram, ao longo de todo o período colonial, terá muito mais facilidade para compreender boa parte dos dilemas com os quais nosso país convive até os dias de hoje. Uma das conclusões a que se pode chegar é que nem tudo são heranças malditas, como, por exemplo, a que decorre da supervalorização do papel que náufragos, traficantes e degredados que por aqui aportaram
PÁGINA AO LADO: ILUSTRAÇÃO MUNDUS NOVUS , DE DIOGO HOMEM (1550)
apresentação no século XVI teriam desempenhado na nossa formação moral. Muito mais relevantes para a estruturação dos valores de nossa sociedade, até os dias de hoje, foram, por exemplo, a lavoura monocultora escravocrata, que descuidou das questões ambientais (até pela imensidão do território inexplorado) e cerceou, primeiro, a liberdade dos índios, depois, a dos negros africanos. Acontece que, de outra parte, a miscigenação gerada pelo mesmo processo econômico (tenha sido ela consentida ou não), deixou de herança um Brasil cujos traços culturais são dos mais multifacetados do planeta. Da mesma forma, o ouro em parte desperdiçado nos arroubos perdulários de Dom João V em Portugal - em tal monta que quase nada restou para a viabilização de uma necessária e até então inexistente indústria manufatureira na colônia - ao mesmo tempo gerou o primeiro grande momento das artes no país, com o barroco mineiro, na arquitetura e na escultura, e a escola arcadiana, nas letras. Sem falar na expansão das áreas ocupadas pelos lusos (ou já brasileiros), ampliando as fronteiras do país, em razão dos movimentos migratórios realizados em especial pelos paulistas, depois de expulsos da região das minas. Como fica claro, quando o assunto é rever (ou reler) a história, há sempre à disposição muitos olhares, quase sempre complementares (com o perdão da rima). Um detalhe importante sobre o material que será apresentado a seguir diz respeito à sua ambição, ou melhor, aos seus limites. Sabemos que um trabalho realizado com viés jornalístico ganha, por um lado, na linguagem menos acadêmica e hermética, mais acessível ao público não iniciado, por assim dizer. De outra parte, perde-se em profundidade, ainda que, no presente caso, tenhamos contado com a colaboração do professor e historiador Voltaire Schilling, nosso consultor e também autor de alguns dos textos que se seguem. Particularmente falando, considero um privilégio estar ao lado deste renomado mestre, cuja respeitabilidade, em especial na comunidade gaúcha, só faz aumentar nossa responsabilidade. Por fim (ou antes de darmos início a nossa jornada pelos primeiros três séculos de existência do Brasil como país), há que se destacar o apuro visual que buscamos oferecer aos leitores. O elegante projeto gráfico concebido pela designer Luciane Trindade buscou valorizar as imagens aqui reunidas, algumas das quais, se não são inéditas, foram pouco exploradas em obras do gênero "jornalismo histórico". Cabe, assim, um agradecimento especial à Fundação Biblioteca Nacional, localizada no Rio de Janeiro, instituição que completou 200 anos em 2010 e presta um inestimável serviço à causa da cultura. Desejamos a todos uma boa leitura, e até os próximos capítulos da série "Um olhar sobre a história da economia do Brasil".
PÁGINA AO LADO: ILUSTRAÇÃO PLANISFÉRIO , DE PIERRE DESCELIERS (1550)
QUANDO O ASSUNTO É REVER (OU RELER) A HISTÓRIA, HÁ SEMPRE MUITOS OLHARES POSSÍVEIS, QUASE SEMPRE COMPLEMENTARES
sumรกrio
introdução pau-brasil
20
C H O Q U E C U LT U R A L G E R A U M A N A Ç Ã O
26
Brasil inspirando utopias
52
cana
58
M O N O C U LT U R A E P O V O A M E N T O
os 7 Brasis
102
ouro
106
G A R I M PA N D O U M N O V O PA Í S
obras consultadas
140
introdução
Brasil colônia: riqueza e pobreza
AS PRIMEIRAS HISTÓRIAS ECONÔMICAS VOLTAIRE SCHILLING, HISTORIADOR
O padre José Antônio Antonil S.J. (*) deve ter exultado ao receber a autorização da censura portuguesa liberando-o para editar seu trabalhoso livro Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas, saído do prelo em Lisboa, em 1711. Chegado a Salvador, na Bahia, desembarcado da Europa, ele que nascera em Luca, na Toscana, logo se empenhou em ir servir o grande padre Antônio Vieira, o maior sermonista da língua portuguesa em todos os tempos, homem da Corte e das lides diplomáticas. Mas, jesuíta de ampla formação, curioso das coisas da terra do Brasil, Antonil resolveu registrar detalhadamente suas impressões sobre a maior riqueza da colônia daquela época: a lavoura de açúcar. Ainda que o ouro tivesse sido descoberto há pouco na capitania das Minas Gerais, o jesuíta concentrou sua atenção maior na produção do engenho, sem, todavia, deixar de dar tratos ao plantar do tabaco, à criação de gado e ao comércio do couro. O intento dele era pragmático: queria deixar algo de útil aos produtores rurais brasileiros. Pensou que suas anotações e observações – extraídas do dia a dia do engenho Sergipe do Conde, de propriedade da Companhia de Jesus – poderiam servir como uma espécie de “Manual da Lavoura” para os donos de terra e um norte para o reinol que no Brasil viesse a se estabelecer. Terminou escrevendo o melhor livro sobre a economia colonial que se conhece, não lhe ficando mal o título de “pai” ou “precursor-mor” da história econômica do Brasil, ainda que na sua soberba monografia sobre a história colonial brasileira, José Honório Rodrigues o tenha colocado apenas no tópico da “Literatura Açucareira” (ver José Honório Rodrigues, História da História do Brasil: 1ª parte – Historiografia colonial. São Paulo : Companhia Editora Nacional, pág. 371 e 393). Talvez por isto mesmo as autoridades da metrópole tenham voltado atrás. A licença de circulação do livro foi suspensa, e os funcionários do rei tiveram ordem de recolher todos os exemplares que encontrassem pelas livrarias de Lisboa ou que estivessem expostos em alguma repartição. É possível que a razão maior da reviravolta tenha sido o fato de Antonil, ingênuo, descrever os vários caminhos que poderiam ser usados para, partindo-se do litoral brasileiro, atingir-se as regiões
PÁGINA AO LADO: CARTA 5ª COSTA DO BRASIL, PADRE DIOGO SOARES
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introdução da lavra do ouro, uma espécie de roteiro que podia cair em mãos adversas e, assim, proporcionar aos inimigos de Portugal boas informações para que lhe roubassem a riqueza finalmente encontrada. Calcula-se que sobraram apenas sete livros de Antonil. Mas este incidente de bibliofobia é revelador de uma outra situação que explica a pobreza intelectual e cultural do Brasil colônia. Donos de um território vastíssimo, imenso, com uma linha costeira de 7 mil e tantos quilômetros de extensão, que devia ser guarnecido de tanto em tanto com poderosos fortes, para os portugueses somente uma permanente "operação silêncio" poderia manter os curiosos a distância. Sempre com pouquíssima gente e escassez de funcionários, a Coroa não tinha como policiar seu colossal império, que se desdobrava por outros continentes e oceanos. Os cuidados, então, eram redobrados. Não podiam circular informações sobre a nova possessão, pois a metrópole não desejava atrair colonos ou outros povoadores, como os ingleses fizeram nas suas terras americanas, mas sim somente explorar suas riquezas. A esta preocupação juntou-se a da Igreja Católica, impulsionada pelos medos da Contra- reforma que a faziam ver heresia em qualquer canto, redobrando-se assim o policiamento. Assim, nos principais ancoradouros do Brasil daquele tempo, fiscais atentos reviravam as embarcações para evitar a exportação de relatos comprometedores escritos por algum desavisado, ou então o desembarque de "obras perigosas", particularmente as que tinham origem francesa, matriz da subversão iluminista, que corroía a autoridade do rei e os dogmas da Santa Madre Igreja. A vigilância extrema terminou por fazer com que, por vezes, livros contrabandeados alcançassem São Paulo ou o Rio de Janeiro trazidos por tropeiros do extremo sul, em rotas de mais de mil quilômetros, vindos da região do rio da Prata. Esta paranoia por igual explica o motivo de jamais permitirem a abertura de universidade no Brasil, como a Coroa espanhola aceitou que se fizesse na cidade do México e em Lima, no Peru. Uma universidade, por mais mirrada e acanhada, implica abrir pontes para o mundo, em importar livros e acadêmicos de outras partes, em deixar circular as ideias e em abrir-se às inovações, em excitar o olho dos curiosos, em abrigar tratados, polígrafos e manuais. E em ter uma prensa. Nada disto era do agrado do poder colonial. O pequeno reino ibérico, ciumento do seu achado, não queria partilhá-lo com ninguém. Mantê-lo no silêncio e no atraso, quando não bronco e alheio às coisas do mundo, era uma questão estratégica de sobrevivência dos seus interesses.
PÁGINA AO LADO: CARTA 9ª COSTA DO BRASIL, PADRE DIOGO SOARES
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NOS ANCORADOUROS, FISCAIS TENTAVAM EVITAR EXPORTAÇÃO DE RELATOS COMPROMETEDORES OU DESEMBARQUE DE OBRAS PERIGOSAS
introdução Destino similar ao livro de Antonil teve outro "clássico" do Brasil Colonial, surgido um século antes da obra do jesuíta. Trata-se do Diálogo das Grandezas do Brasil, de autor anônimo, que apareceu em 1618 e somente foi encontrado na Biblioteca Nacional de Lisboa pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, no século XIX. É o registro de um interessante diálogo mantido por dois homens, um luso que há muito está na terra nordestina, provavelmente na capitania da Paraíba, chamado Brandônio, e um reinol recém desembarcado, de nome Alviano. O primeiro, quase um brasileiro, procura expor as potencialidades da colônia, a excelência do clima e a abundância de terras, e, depois de descrever as capitanias uma a uma, elenca as promessas de riquezas que aguardam os destinos dos moradores, tudo frente ao português que, somente aos poucos, vai sendo convencido do futuro dadivoso que aguarda a região conquistada – ainda que, naquele momento, o torrão se ressentisse da falta de tudo: de bons portos, de estradas, de pontes e outras melhorias que permitissem a circulação das coisas e dos homens. É um panorama extraordinário do Brasil e da sua gente, seus brancos, índios, caboclos e escravos, dos começos do século XVII, baseado na relação direta que o autor tinha com os fatos locais (**). Deste modo, seguindo a perversa lógica da dialética colonial, a riqueza do Brasil contribuiu decisivamente para sua pobreza cultural, pois o país se viu por três séculos sem universidades, sem livrarias, sem jornais e muito menos impressoras ou editoras, enquanto que nos Estados Unidos prosperava a Liga de Hera (as universidades de Harvard, Brown, Columbia, Dartmouth, Pensilvânia, Princeton e Yale), e mais de 2 mil títulos de jornais haviam circulado antes dos norte-americanos obterem a Independência, em 1776. Dado o abandono da colônia, não se deve estranhar que a primeira tentativa de se organizar as coisas da cultura no Brasil e seu primeiro organismo oficial tenha sido a Academia Brasílica dos Esquecidos, fundada na Bahia, em 1724. É este imenso déficit cultural que gerações de brasileiros têm, século após século, tentado de todos os modos superar. (*) S.J. significa societatis jesu, isto é, alguém que pertence à ordem dos jesuítas. Costuma-se colocar a sigla após o nome do padre, para identificar sua procedência. (**) Este mesmo modelo de diálogo vai ser retomado no romance Canaã, de Graça Aranha, quando dois imigrantes alemães no Espírito Santo, Lentz e Milkau, comentam as possíveis excelências do Brasil.
PÁGINA AO LADO: CARTA 10ª COSTA DO BRASIL, PADRE DIOGO SOARES
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A RIQUEZA DO BRASIL CONTRIBUIU PARA SUA POBREZA CULTURAL, UM PAÍS SEM UNIVERSIDADES, LIVRARIAS, JORNAIS OU EDITORAS
pau-brasil C H O Q U E C U LT U R A L G E R A U M A N A Ç Ăƒ O
pau-brasil
C H O Q U E C U LT U R A L G E R A U M A N A Ç Ã O
As três primeiras décadas que se seguiram ao descobrimento do Brasil – ou achamento, termo que é usado por alguns pesquisadores para indicar que os portugueses na realidade estavam aportando em área já conhecida – serão marcadas pela correlação dos aspectos econômicos e geopolíticos muito mais com nuances antropológicas e sociológicas do que propriamente com enfoques culturais. Isto porque, ao aportarem em Porto Seguro, em 22 de abril de 1500, os portugueses chegavam ao extremo oeste do Atlântico movidos em especial pelo sonho de aqui encontrarem ouro e pedras preciosas e carreá-las para a Europa. Quase nenhuma pretensão expansionista e colonizadora, do ponto de vista de fazer do novo território uma extensão de Portugal, os movia. Os indígenas que os recepcionaram na praia eram apenas mais um elemento exótico entre tantos com os quais os viajantes se deparariam. Sendo assim, o encontro de duas civilizações tão distintas – amplamente documentado na carta de Pero Vaz de Caminha, enviada de pronto ao rei Dom João III de Portugal – terá a marca do desassossego de ambas as partes, diante do inusitado daquele contato e da incerteza quanto às perspectivas futuras. Dito de outra forma: nem índios, nem europeus tinham uma exata noção do que fazer uns com os outros quando ficaram frente a frente, há 510 anos. É o que pode ser resumido como um legítimo choque cultural. De parte dos indígenas, a ambiguidade advém do fato de que muitos deles, de caráter mais pacífico, sentiram-se irresistivelmente atraídos por aquelas estranhas e curiosas figuras de além-mar; já outros grupos, mais selvagens e arredios, intuíram que aqueles seres de tez clara e fartamente vestidos carregavam também uma ameaça – a qual viria a se confirmar ao longo dos séculos, resultando na chacina de milhões de indígenas. E tudo em consequência, ou do enfrentamento e resistência a ações escravocratas, ou, na direção contrária, pela aproximação consentida com o homem branco, seguida do contato fatal com doenças e infecções para as quais não estariam imunizados. Nas
pau-brasil
C H O Q U E C U LT U R A L G E R A U M A N A Ç Ã O
ÚLTIMA PÁGINA DA CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA, PRINCIPAL RELATO DA VIAGEM DE PEDRO ÁLVARES CABRAL
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CHEGADA A PORTO SEGURO: ENCONTRO INSÓLITO ENTRE DOIS MUNDOS
palavras de Florestan Fernandes, “os Tupis entraram em contato com os portugueses em quase todas as regiões que estes tentaram ocupar e explorar colonialmente. Foram, ao mesmo tempo, a principal fonte de resistência organizada aos desígnios dos colonizadores e o melhor ponto de apoio com que eles contaram, entre as populações nativas.” De parte dos portugueses, também a ambivalência se fez presente desde logo. De um lado, estava muito claro aos comandantes das sucessivas incursões lusas às novas terras, as quais se dariam em grande número a partir de 1500, que sua missão tinha caráter apenas exploratório, ou seja, a meta era replicar aqui o mesmo modelo extrativista já em curso especialmente nas costas africanas e também em ilhas do Atlântico. Nada, portanto, de perder tempo estabelecendo laços ou vínculos. Concomitantemente, entretanto, muitos dos marinheiros de primeira viagem recrutados em Lisboa, extasiados com a beleza e os encantos do lugar (não só naturais, mas também os de caráter sensual, expressos na nudez e docilidade das índias), acreditaram que poderiam encontrar, no então chamado novo mundo, um paraíso abençoado – e decidiram não mais deixálo, e sim adaptar-se e aproveitar ao máximo a nova perspectiva. CONCORRÊNCIA E ADAPTAÇÃO O fato é que, formalmente, vinham os lusos em busca de metais e pedras preciosas, em especial ouro, a exemplo do que já vinha sucedendo com os espanhóis, em outros pontos das Américas recém abordados. E de pronto perceberam que outras nações – além dos espanhóis, também holandeses, ingleses e especialmente franceses – não titubeariam na busca de algum quinhão de riqueza no novo continente, seja contando com apoio oficial de seus países, seja via
NATIVOS FORAM, AO MESMO TEMPO, PONTO DE APOIO E DE RESISTÊNCIA AOS PORTUGUESES 31
pau-brasil
TRATADO DE TORDESILHAS (IMAGEM AO LADO) PAUTOU OS MOVIMENTOS DE LUSOS E ESPANHÓIS NO SÉCULO XVI
C H O Q U E C U LT U R A L G E R A U M A N A Ç Ã O
incursões de piratas e corsários. Na prática, os franceses foram os que demonstraram maior desprezo pela linha imaginária e vertical estabelecida no Tratado de Tordesilhas, de 1494, a qual dividia as terras recém descobertas em duas metades: uma portuguesa (marcadamente a costa brasileira) e outra espanhola (do meio do Brasil para o oeste das novas terras, até se chegar ao Pacífico). O viés exploratório, concebido na matriz de poder portuguesa, teria, portanto, que ser acompanhado de operações de defesa e proteção contra oportunistas de toda espécie. Acontece que, naqueles primeiros momentos, e apesar dos limites demarcados em Tordesilhas, foi difícil para os lusos terem uma exata noção da extensão de território a ser explorado – e mais do que isso, defendido. Só alguns anos mais tarde, quando ficou claro literalmente o tamanho do problema (ou suas dimensões continentais), é que eles perceberiam a necessidade de um reposicionamento estratégico: para bem explorar, e também evitar a cobiça alheia, seria preciso colonizar, ou, dito de outra forma, povoar. O que se pode afirmar com certeza, como refere Eduardo Bueno, é que, a partir de 1525, quando os europeus começaram a desembarcar com mais frequência no Brasil, encontraram por aqui uma galeria de personagens enigmáticos: “Eram homens brancos que viviam entre os nativos; alguns tinham sobrevivido ao naufrágio de seus navios, outros haviam desertado. Muitos haviam cometido algum crime em Portugal e foram condenados ao degredo no Brasil, outros tiveram a audácia de discordar de seus capitães e acabaram desterrados. Vários estiveram casados com as filhas dos principais chefes indígenas, exerciam papel preponderante na tribo, conheciam suas trilhas, usos e costumes, e intermediavam as negociações entre as várias nações indígenas e os representantes de potências europeias. Sua presença estratégica em pontos do litoral seria decisiva para os rumos do país.” TRÊS DÉCADAS DE PURA EXPLORAÇÃO Antes de que se desencadeasse de fato o processo de ocupação e colonização, a partir de 1530, a principal atividade econômica foi a exploração do pau-brasil, a qual, apesar de sua relevância histórica, não chega propriamente a configurar um ciclo econômico (assim como a cana-de-açúcar também não, ao menos no entender de alguns economistas, uma vez que nem uma, nem outra tem claramente marcados seu início, apogeu e queda, característica principal dos ciclos). Cabe ressaltar que desde o primeiro momento a escravização de índios também se fez presente, configurando efetivamente um negócio, ainda que preponderasse a interação pacífica com os nativos (ou gentios, como mencionam muitos livros de história), interação essa que teve impacto decisivo na formação cultural da nação cuja história engatinhava.
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pau-brasil
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ENCONTRO DE PORTUGUESES E ÍNDIOS, NA VISÃO DE JOHANN MORITZ RUGENDAS (1835)
O TERMO “BRASILEIRO” ERA UTILIZADO PARA IDENTIFICAR AQUELES QUE LIDAVAM COM O PAU-BRASIL 34
Ao que consta, o nome Brasil como identificação das novas terras começou a aparecer em 1503, obviamente associado à planta que se configurou como principal riqueza dos primeiros tempos. Até ali, a expressão dividia espaço com denominações como Vera Cruz e Santa Cruz, de caráter religioso, ou Terra dos Papagaios, em referência às aves encontradas em abundância. A propósito, o termo “brasileiro”, nos primeiros tempos, era utilizado para identificar apenas aqueles que lidavam com o pau-brasil, e não os homens e mulheres, índios ou brancos, que já habitavam ou que haviam se estabelecido nas novas terras. Esses, a levar-se ao pé da letra as regras da gramática, e uma vez vingando o nome do país como Brasil, deveriam ser chamados de brasilienses. Referindo-se ao pau-brasil, diz o historiador Boris Fausto que seu cerne, muito vermelho, era usado como corante, e a madeira, de grande resistência, era utilizada na construção de móveis e navios. De acordo com Sérgio Buarque de Holanda, o largo emprego deste produto nas indústrias de tecidos europeia tornava sua exploração altamente lucrativa, embora o insumo não se comparasse, por
MAPA DE JACQUES DE VAU DE CLAYE RETRATA O NORDESTE NO SÉCULO XVII
esse aspecto, ao que resultava das riquezas da Índia. Não deixa de ser interessante notar a relevância que a primeira das riquezas da nova terra assumiria no cenário econômico global, por assim dizer, uma vez que a indústria têxtil já começava a dar os primeiros passos no sentido de se transformar em propulsora da Europa. E a tintura extraída do pau-brasil contribuiria para emprestar estilo e personalidade aos panos e tecidos que vestiam a nobreza. Quanto ao método de extração do pau-brasil, quem explica suas características é também Boris Fausto: “As árvores não cresciam juntas, em grandes áreas, mas encontravam-se dispersas. À medida que a madeira foi-se esgotando no litoral, os europeus passaram a recorrer aos índios para obtê-la. O trabalho coletivo, especialmente a derrubada das árvores, era uma tarefa comum na sociedade tupinambá. Assim, o corte do pau-brasil podia integrarse com relativa facilidade aos padrões tradicionais da vida indígena. Os índios forneciam a madeira e, em menor escala, farinha de mandioca, trocadas por peças de tecido, facas, canivetes e quinquilharias, objetos de pouco valor para os portugueses.” 35
pau-brasil MAPA DE VAU DE CLAYE MOSTRA LITORAL DO RIO DE JANEIRO (AO LADO)
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TORAS E AVES O modelo exploratório utilizado no Brasil nas primeiras três décadas pós-descobrimento tinha como base as feitorias, postos fortificados de comércio implantados na costa ocidental da África. A sistemática adotada no novo território era basicamente a mesma implantada no continente africano: “... as trocas comerciais eram precárias, exigindo a garantia das armas. A parte comercial do núcleo era dirigida por um agente chamado feitor. Cabia a ele fazer compras de mercadorias dos chefes ou mercadores nativos e estocá-las, até que fossem recolhidas pelos navios portugueses para a entrega na Europa. A opção pela feitoria praticamente tornava desnecessária a colonização do território ocupado”. Na prática, o modelo não teria sucesso. O jornalista Eduardo Bueno cita em sua obra Náufragos, Traficantes e Degredados que o pau-brasil crescia quase que exclusivamente entre o Rio Grande do Norte e o Rio de Janeiro, na planície costeira. As primeiras feitorias foram fundadas em três pontos onde havia maior concentração da planta: entre o Rio de Janeiro e Cabo Frio; nos arredores de Porto Seguro; e nas proximidades da ilha de Itamaracá, em Pernambuco. “Havia exemplares extraordinários, tão grossos que três homens não podiam abraçá-los. O tronco vermelho ferruginoso chegava a ter, algumas vezes, 30 metros, embora a altura média fosse de 20 metros”, acrescenta Bueno. “A exploração do chamado ‘pau-de-tinta’ foi feita em um ritmo tão feroz que, ao longo de todo o século XVI, portugueses e franceses levaram em média 8 mil toneladas da madeira por ano para a Europa. Só no primeiro século de exploração, cerca de 2 milhões de árvores foram derrubadas – uma espantosa média de 20 mil por ano, ou quase 50 por dia. Cada navio levava cerca de 5 mil toras por viagem”. Buarque de Holanda acrescenta que a atração exercida pelo pau-brasil junto aos comerciantes que percorreram na época o litoral brasileiro teve uma peculiaridade: diferentemente dos portu-
FEITORIAS (À ESQUERDA) TINHAM PAPEL RELEVANTE NA PROTEÇÃO DO TERRITÓRIO, JÁ QUE A OCUPAÇÃO ATÉ ENTÃO ERA FENÔMENO INCIPIENTE
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DESENHO DE ANDRE THEVET É UMA DAS IMAGENS CLÁSSICAS DA ERA DO PAU-BRASIL
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gueses, que tinham contatos mais restritos com os indígenas, os tripulantes das embarcações francesas tratavam diretamente com as tribos, procurando familiarizar-se com seus hábitos básicos. O renomado historiador acrescenta que, além de algum tráfico de escravos já nos primeiros tempos da exploração do litoral, “grandes araras de cores vistosas, que nele se achavam em abundância e parecem ter impressionado vivamente os europeus da época, também chegaram a tornar-se objeto de comércio”. O historiador refere ainda que, em 1511, a nau Bretoa levou para Portugal uma carga composta de pau-brasil, escravos, tuins, gatos, saguis e papagaios: "Era quase tudo o que daria a terra por aqueles tempos.” QUEM ERAM OS NATIVOS? Mas afinal de contas, quantos e quem eram os indígenas com os quais os portugueses teriam intenso convívio? Segundo Boris Fausto, os cálculos oscilam entre números tão variados como 2 milhões para todo o território e cerca de 5 milhões só para a Amazônia brasileira. O certo é que eles se dividiam em dois grandes grupos: os tupis-guaranis e os tapuias. Os tupis-guaranis ocupavam quase toda a costa, desde o Ceará até a Lagoa dos Patos. Os tupis, ou tupinambás, distribuíam-se na faixa litorânea, do Norte até Cananeia, no sul de São Paulo. Já os guaranis espalhavam-se pela bacia do Paraná-Paraguai e no trecho do litoral entre Cananeia e o extremo sul do que viria a ser futuramente o Brasil. Entre eles, haviam muitas semelhanças de cultura, e também da língua. Todos praticavam a pesca, a caça, a coleta de frutas e a agricultura. Quando ocorria uma relativa exaustão de alimentos nessas áreas, migravam temporária ou definitivamente para outras. Para praticar a agricultura, os tupis derrubavam árvores e faziam a queimada – técnica que iria ser incorporada pelos colonizadores. Plantavam feijão, milho, abóbora, e principalmente mandioca, cuja farinha se tornou também um alimento recorrente na colônia. Sua economia era basicamente de subsistência. Além dos tupis-guaranis, havia várias outras populações dispersas, que se misturavam às demais. Eram os chamados tapuias, palavra que identificava aqueles que não falavam o tupi-guarani. Nesta classificação se incluem goitacases, aimorés, tremembés. Interessante notar que alguns destes povos eram inimigos entre si, fato que não passaria despercebido aos portugueses, que na época das bandeiras, no século XVII, contariam com o apoio de algumas tribos e também de mamelucos (filhos de pai branco com mãe índia) em suas futuras incursões pelo vasto território até então inexplorado, escravizando outros nativos para o trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar. Gilberto Freyre, na monumental e sempre atual obra Casa-grande & Senzala, aponta um outro elemento importante, o qual diferencia
A HISTÓRIA DO PAU-BRASIL 1534
1500
COM A IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE CAPITANIAS HEREDITÁRIAS, OCORRE UMA MUDANÇA NA POLÍTICA PORTUGUESA DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO, DEIXANDO DE SER EXCLUSIVAMENTE EXTRATIVISTA PASSANDO A SER AGRÍCOLA E COLONIZADORA.
CHEGADA DE PEDRO ÁLVARES CABRAL AO BRASIL. EM SEGUIDA, ENVIA PARA PORTUGAL CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA E AMOSTRAS DE PRODUTOS, ENTRE ELES O PAU-BRASIL.
1501
1605
É ASSINADO O CONTRATO DE EXPLORAÇÃO DO PAU-BRASIL, POR FERNANDO DE NORONHA, PARA SER UTILIZADO COMO CORANTE. ENTRE 1502 E 1503, NAVIOS PERCORREM A COSTA BRASILEIRA.
O REI FILIPE II SUSPENDE TEMPORARIAMENTE O COMÉRCIO DE PAU-BRASIL, PARA CORRIGIR FALHAS NO SISTEMA DE FISCALIZAÇÃO. O REGIMENTO PROÍBE O USO DO FOGO NA EXPLORAÇÃO DA MADEIRA E É IMPLANTADA A PENA DE MORTE PARA A EXPLORAÇÃO ILEGAL.
1503 UMA SEGUNDA EXPEDIÇÃO É REALIZADA POR GONÇALO DE COELHO, QUE FUNDA A PRIMEIRA FEITORIA, DEPÓSITO E PREPARAÇÃO PARA O EMBARQUE.
1624 HOLANDESES INVADEM A BAHIA E SÃO EXPULSOS EM 1625. COBIÇAVAM O PAUBRASIL E O AÇÚCAR. OCUPAM PERNAMBUCO EM 1630.
1506
1625
É HOMOLOGADO O TRATADO DE TORDESILHAS PELO PAPA ALEXANDRE VI, FICANDO PORTUGAL COM O CONTROLE DA COSTA BRASILEIRA E A EXPLORAÇÃO DO PAU-BRASIL.
É DADO AOS JESUÍTAS O MONOPÓLIO PARA RECOLHER, TRANSPORTAR E GUARDAR O PAU-BRASIL ATÉ SEU EMBARQUE PARA A EUROPA.
1516 UMA EXPEDIÇÃO NA COSTA BRASILEIRA TENTA EXPULSAR TRAFICANTES DE PAU-BRASIL, PRINCIPALMENTE FRANCESES.
1530 SENDO 90% DO TOTAL DE PRODUTOS BRASILEIROS EXPORTADOS, O PAU-BRASIL REPRESENTA SOMENTE 5% DA RECEITA TOTAL DO TESOURO PORTUGUÊS.
1831 ATRAVÉS DE UMA LEI IMPERIAL, O PAU-BRASIL CONTINUA A AUXILIAR NO PAGAMENTO DA DÍVIDA EXTERNA; É REDUZIDA A ATIVIDADE, IMAGINANDO-SE QUE A ESPÉCIE ESTEJA EXTINTA EM ALGUMAS REGIÕES.
1875 COM O USO DE CORANTES SINTÉTICOS, É PRATICAMENTE ABANDONADA A UTILIZAÇÃO DO PAU-BRASIL COMO CORANTE NA INDÚSTRIA TÊXTIL. PASSA A SER USADO NA PRODUÇÃO DE ARCOS.
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APESAR DA CONVIVÊNCIA EM GERAL PACÍFICA, RITUAIS ANTROPOFÁGICOS (ACIMA) ASSUSTAVAM 40
o processo histórico vivido por portugueses, no litoral brasileiro, em relação à experiência espanhola, na porção oeste da América: “Os portugueses (...) vieram defrontar-se não com nenhum povo articulado em império ou em sistema já vigoroso de cultura moral e material – com palácios, sacrifícios humanos aos deuses, monumentos, pontes, obras de irrigação e de exploração de minas – mas, ao contrário, com uma das populações mais rasteiras do continente.” E acrescenta: “O invasor, pouco numeroso, foi desde logo contemporizando com o elemento nativo; servindo-se do homem para as necessidades de trabalho e principalmente de guerra, de conquista dos sertões e desbravamento do mato virgem; e da mulher para as [necessidades] de geração e de formação de família.” ASPECTOS CULTURAIS E DE CONVÍVIO Gilberto Freyre acredita, portanto, que havia um ambiente de reciprocidade cultural muito forte na relação dos indígenas com o homem branco recém-chegado, a se justificar, não apenas pela prédisposição do português para a miscigenação, mas também, e em grande parte, pela escassez, quando não falta absoluta, de mulher branca: “Mesmo que não existisse entre a maior parte dos portugueses evidente pendor para a ligação (...) com as caboclas, a ela teriam sido levados pela força das circunstâncias, gostassem ou não de mulher exótica.” E foi graças a este mestiçamento que vários elementos culturais foram se amalgamando. Atesta Gilberto Freyre: "Enriqueceu-se a vida no Brasil (...) de uma série de alimentos ainda hoje em uso, de drogas e remédios caseiros, de tradições ligadas ao desenvolvimento da criança, de um conjunto de utensílios de cozinha, de processos de higiene tropical – inclusive o banho frequente ou pelo menos diário, que tanto deve ter escandalizado o europeu porcalhão do século XVI.” E acrescenta: “Muito auxiliou o índio ao bandeirante mameluco, os dois excedendo ao português em mobilidade, atrevimento e ardor guerreiro (...), na obra de sertanismo e defesa da colônia contras os espanhóis, contra tribos inimigas dos portugueses, contra corsários.” Quanto ao banho, acrescenta Freyre que os hábitos de higiene dos índios surpreenderam aos europeus. Ele se refere aos nativos como “um povo (...) cuja maior delícia era o banho de rio. Que se lavava constantemente da cabeça aos pés (...); que fazia uso de folhas de árvores, como os europeus mais limpos de toalhas de enxugar as mãos e de panos de limpar menino novo; que ia lavar no rio a sua roupa suja, isto é, as redes de algodão – trabalho esse a cargo dos homens.” Acrescenta Freyre que também dos indígenas parece ter ficado no brasileiro rural ou semi-rural o hábito de defecar longe de casa; em geral no meio de touça de bananeiras perto do rio. Do ponto de vista dos legados artísticos, há comprovação de que as mulheres (mais do que os homens) dedicavam-se à cerâmica, ainda que a arte da fabricação de louças provavelmente tenha
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FUNERAL DOS TUPINAMBÁS, RETRATADO POR FERDINAND DENIS EM 1846
sido precedida pela utilização durante muito tempo de trançados impermeabilizantes como vasilhame para condicionar líquidos, sendo esses trançados arte mais dos homens do que das mulheres. A propósito da divisão de tarefas, fica evidente que a carga mais pesada sempre foi das mulheres. Cita Gilberto Freyre: “Vê-se que para a mulher tupi a vida de casada era de contínuo trabalho: com os filhos, com o marido, com a cozinha, com os roçados. Isto sem esquecermos as indústrias domésticas a seu cargo, o suprimento de água e o transporte de fardos. Mesmo grávida a mulher índia mantinha-se ativa dentro e fora de casa, apenas deixando de carregar às costas os volumes extremamente pesados. Mãe, acrescentava às suas muitas funções a de tornar-se uma espécie de berço ambulante da criança; de amamentá-la, às vezes até os sete anos; de lavá-la; de ensinar as meninas a fiar algodão e a preparar a comida.” No que diz respeito à culinária, não são poucas as heranças deixadas pelos indígenas, em especial no Nordeste, mas também no Maranhão. Sempre segundo Gilberto Freyre, esta influência fica clara na tapioca de coco, chamada “molhada”, estendida em folha de bananeira africana, polvilhada de canela, temperada com sal, “na qual sente-se o amálgama verdadeiramente brasileiro de tradições culinárias; a mandioca indígena, o coco asiático, o sal europeu, con42
CONVIVÊNCIA QUASE SEMPRE PACÍFICA NÃO EVITOU QUE ÍNDIOS FOSSEM ESCRAVIZADOS
fraternizando-se em um só e delicioso quitute sobre a mesma cama africana de folha de bananeira. (...) A Amazônia é a área de cultura brasileira mais impregnada de influência cabocla: o que aí se come ainda tem gosto de mato; é enrolado em folha de palmeira ou de bananeira; leva castanha de caju; prepara-se em cuia; é polvilhado de puçanga feita de folhas de kurumikáa torrada.” Outros conhecimentos úteis à atividade ou à economia doméstica transmitiram-se da cultura vegetal do indígena à civilização do colonizador europeu. Cita Freyre “o conhecimento de várias fibras para tecelagem ou entrançado; (...) o conhecimento de várias madeiras e outros elementos vegetais de construção; (...) o de animais, pássaros, peixes, mariscos etc., valiosos para a alimentação, prestando-se ao mesmo tempo os seus cascos, penas, peles, lanugem ou couro a vários fins úteis na vida íntima e diária da família colonial; (...) o de tintas de várias cores, logo empregadas na caiação das casas, na tintura de panos, na pintura do rosto das mulheres, no fabrico de tintas de escrever. (...) Se na utilização, aproveitamento ou adaptação de todo esse material de cultura indígena entrou (...) a inteligência ou a técnica do europeu, (...) em outros casos o que se deu foi a pura transmissão dos valores ou conhecimentos de uma cultura à outra – da nativa à adventícia.”
NÃO SÃO POUCAS AS HERANÇAS DEIXADAS PELA CULTURA ÍNDIGENA COMO DECORRÊNCIA DO CONVÍVIO COM O HOMEM BRANCO
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NATURALISTA SPIX RETRATOU VÁRIOS GRUPOS NATIVOS DA ÉPOCA COLONIAL, COMO O DA IMAGEM ACIMA
A IGREJA A ação da Companhia de Jesus é uma das mais importantes referências históricas e culturais do Brasil pós-descobrimento. E como não poderia deixar de ser, também a presença da igreja católica será marcada por contradições e divergências entre os historiadores que analisam a época, ainda que predomine a visão de que a ação missionária teve caráter nefasto para os nativos. O fato é que, no intuito de protegerem os índios das tentativas de escravização (e em paralelo tentarem salvar suas almas, via conversão à fé cristã), os missionários angariaram a antipatia dos escravocratas lusos. Anos mais tarde, também despertariam a ira dos portugueses pelo excessivo poder e riquezas que concentraram, em especial no Norte do país. De um lado, alinham-se os defensores ou apologetas do trabalho realizado pelos missionários, como Joaquim Nabuco e Eduardo Prado, que afirmam: “Sem os jesuítas nossa história colonial não seria outra coisa senão uma cadeia de atrocidades sem nome, de massacres como os das Reduções; o país seria cortado de estradas, como as que iam do coração da África aos mercados das costas, 44
RUÍNAS DE SÃO MIGUEL, QUE PERTENCIA AOS SETE POVOS DAS MISSÕES
por onde só passavam as longas filas de escravos.” De outra parte, afirma Manuel Aires de Casal: “o regime jesuítico que se apurou no Paraguai, e que em forma mais branda dominou no Brasil, por isso mesmo que admiravelmente eficiente, foi um regime destruidor de quanto nos indígenas era alegria animal, frescura, espontaneidade, ânimo combativo, potencial de cultura; qualidades e potencial que não poderiam subsistir à total destruição de hábitos de vida sexual, nômade e guerreira, arrancados de repente dos índios reunidos em grandes aldeias.” Nas palavras de Boris Fausto, as grandes vítimas foram mesmo os indígenas, pois foram feitas duas tentativas de sujeição: uma, da pura escravização pelos colonos recém-chegados, e outra, via jesuítas, que queriam transformá-los em bons cristãos e, assim, convencê-los a trabalhar segundo os padrões europeus. “Indiretamente, os protegiam da escravidão, mas também não tinham [os missionários] a menor consideração pelos indígenas”, afirma Fausto. Gilberto Freyre, ainda que reconheça a motivação de caráter moral e religioso da Igreja, afirma que os religiosos foram agentes
DEFENSORES DOS MISSIONÁRIOS ALEGAM QUE JESUÍTAS EVITARAM QUE MASSACRES FOSSEM AINDA MAIORES
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AO LADO, RETRATO DE ÍNDIO TAPUIA FEITO POR ALBERT ECKHOUT
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europeus de desintegração de valores nativos: “Temos que concluir por sua influência deletéria. Tão deletéria quanto a dos colonos, seus antagonistas, que, por interesse econômico ou sensualidade pura, só enxergavam no índio a fêmea voluptuosa a emprenhar ou o escravo indócil a subjugar e a explorar na lavoura.” Gilberto Freyre adiciona que não foram poucos os efeitos danosos da obrigação dos nativos utilizarem vestuário europeu, contrariando o hábito da pura nudez ou, na melhor das hipóteses, de cobrirem-se apenas para decorar o corpo ou protegê-lo do sol, do frio ou dos insetos. “Atribui-se ao seu uso forçado influência não pequena no desenvolvimento das doenças da pele e dos pulmões que tanto concorrem para dizimar populações selvagens logo depois de submetidas ao domínio dos civilizados; doenças que no Brasil dos séculos XVI e XVII foram terríveis.” Refere o historiador, entretanto, o que chama de “um traço simpático” da presença jesuíta: a igualdade em que parece terem eles educado, nos seus colégios dos séculos XVI e XVII, índios e filhos de portugueses, europeus e mestiços, caboclos arrancados às tabas e meninos órfãos vindos de Lisboa. “As crônicas não indicam nenhuma discriminação ou segregação inspirada por preconceito de cor ou de raça contra os índios; o regime que os padres adotaram parece ter sido o de fraternal mistura dos alunos.” Interessante notar, ainda, o papel relevante que a língua assume desde os primeiros tempos da ocupação do novo território – e aqui os missionários tiveram papel decisivo. O tupi-guarani revelou-se essen-
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PORTUGUESES MUITAS VEZES CONTARAM COM AS DISPUTAS 48
ENTRE GRUPOS INDÍGENAS RIVAIS PARA GARANTIR SUA SEGURANÇA 49
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cial na aproximação de gentios e europeus, tendo inclusive, nos séculos XVII e XVIII, predominado entre os estrangeiros, em detrimento de suas línguas de origem. Como atesta Gilberto Freyre, “quando, mais tarde, o idioma português – sempre o oficial – predominou sobre o tupi, tornando-se, ao lado deste, língua popular, já o colonizador estava impregnado de agreste influência indígena; já o seu português perdera o ranço ou infantilizara-se quase, em fala de menino, sob a influência do ensino jesuítico.” A CATÁSTROFE E UMA NOVA ETAPA Catástrofe é, na opinião de Boris Fausto, a palavra que melhor resume as consequências do contato do índio brasileiro com o homem branco, episódio mais marcante das primeiras três décadas pós-descoberta das novas terras. Enfatiza ele que “os índios tinham uma cultura incompatível com o trabalho intensivo e regular, e mais ainda compulsório, como pretendido pelos europeus”. Ao contrário do que o senso comum ainda hoje faz acreditar, não eram, portanto, vadios ou preguiçosos. Simultaneamente, as epidemias, assim como a escravidão, acabaram sendo letais para os índios. “Eles foram vítimas de doenças como sarampo, varíola, gripe, para as quais não tinham defesa biológica. Duas ondas epidêmicas se destacaram por sua violência, entre 1562 e 1563, matando mais de 60 mil índios. (...) A morte da população indígena, que em parte se dedicava a plantar gêneros alimentícios, resultou em uma terrível fome no Nordeste e em perda de braços”, aponta Boris Fausto. Nas palavras de Gilberto Freyre, no balanço das três primeiras décadas de presença portuguesa no Brasil, “a colonização por indivíduos – soldados de fortuna, aventureiros, degredados, cristãosnovos fugidos à perseguição religiosa, náufragos, traficantes de escravos, de papagaios e de madeira – quase não deixou traço na plástica econômica do Brasil. Ficou tão raso, tão à superfície e durou tão pouco que política e economicamente esse povoamento irregular e à toa não chegou a definir-se em sistema colonizador.” E acrescenta: “A família, não o indivíduo, nem tampouco o Estado nem nenhuma companhia de comércio, é desde o século XVI o grande fator colonizador no Brasil, a unidade produtiva, o capital que desbrava o solo, instala as fazendas, compra escravos, bois, ferramentas, a força social que se descobra em política, constituindo-se na aristocracia colonial mais poderosa da América.” É o que veremos em detalhes no próximo capítulo.
REGIMENTO DE TOMÉ DE SOUSA (À DIREITA) MARCA INÍCIO DO POVOAMENTO. MISCIGENAÇÃO ENTRE BRANCOS E NEGROS GEROU CAFUSOS (À ESQUERDA)
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Brasil inspirando utopias VOLTAIRE SCHILLING, HISTORIADOR
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O presente artigo foi escrito em 2005, por ocasião da passagem dos 450 anos da chegada da expedição francesa do vice-almirante Nicolas Durand de Villegagnon à baia da Guanabara (batizada por ele como Henriquina), em novembro de 1555. O capitão, e mais 600 que o acompanharam, veio lançar as bases da França Antártica, a utopia tropical dos franceses. Como se sabe, a intenção deles era fazer do Rio de Janeiro uma Escola de Cristo, voltada para a tolerância e o bom convívio entre católicos e huguenotes/ calvinistas, com o fim de estabelecer um refúgio para todos os que se sentiam perseguidos na Europa em razão das suas crenças. Experiência essa que rendeu dois ensaios que a imortalizaram. Assim sendo, concentramos nossa atenção em dois autores do século XVI que tiveram enorme importância na formação da etnologia e da antropologia brasileira e, mesmo, na universal. Os livros que eles escreveram, as ideias que ajudaram a difundir, transcenderam os tempos e ajudaram na formação dos grandes mitos ocidentais: o da possibilidade de alcançar-se a sociedade perfeita e o da bondade natural do ser humano. Cronologicamente, o primeiro a ser publicado foi o de Jean de Léry (1534-1611), um jovem missionário calvinista que chegou ao Forte Coligny em 7 de março de 1557, juntamente com 14 colegas de ofício. Depois de uma curta estadia no Brasil, permanência que não chegou a completar um ano, retornou à França carregado de anotações, envolvendo-se em seguida na voragem das guerras religiosas, travadas naquele reino a partir de 1562 (com o massacre dos huguenotes em Wassy) e estendendo-se por quase 30 anos, até a Reconciliação de Henrique III e Henrique de Navarra, ocorrida em 1589. Dele é Viagem à terra do Brasil, provavelmente iniciado em 1563, mas somente publicado em 1578, em La Rochele, a fortaleza dos huguenotes na França. O outro é apenas um capitulo, o 31º do livro chamado Ensaios, do grande escritor Michel de Montaigne (1533-1592), vindo à luz apenas dois anos depois, em 1580, e intitulado “Dos Canibais”. Logo no prefácio o autor registra o enorme impacto que causou sobre ele o encontro que teve com os índios tupinambás, escrevendo: “Se tivesse nascido entre essa gente de quem se diz viver ainda na doce liberdade das primitivas leis da natureza, asseguro-te que de bom grado me
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INSPIRANDO UTOPIAS
pintaria por inteiro e nu.” (Do autor ao leitor: março de 1580). Montaigne decidira escrever sobre si mesmo e registrar as impressões que o meio circundante e as leituras clássicas lhe causaram. Os dois livros, portanto, apareceram quase que simultaneamente, sendo que ambos foram um sucesso. Um era de um pastor calvinista, o outro, de um filósofo que, se bem que católico, na verdade era um cético e um antidogmático. A IMPORTÂNCIA DOS DOIS LIVROS Tanto o livro de De Léry como o de Montaigne encontram-se entre as melhores narrativas sobre o encontro de dois mundos: o da Civilização Cristã Europeia com os Selvagens Pagãos do Novo Mundo – um verdadeiro “choque de culturas”. É o registro do cruzamento de dois mundos totalmente estranhos entre si, tão diferentes como se eles fossem, os europeus e os índios, habitantes de planetas diferentes. Mundo esse com o qual De Léry tomou contato pessoalmente, enquanto que Montaigne soube dele indiretamente, por meio de informações de um empregado seu que estivera na França Antártica e pelo encontro casual que teve com alguns tupinambás, três deles em Rouen, na França, em 1550, nos tempos de Carlos IX. Se Léry, de certo modo, como tantos outros calvinistas depois dele, coloca os indígenas fora das possibilidades de serem integrados à cristandade, Montaigne os percebe como uma poderosa e ilustrativa antítese da civilização europeia. Tratavam-se de exemplares perfeitos do Mundo Natural, bom e puro, em confronto com o Mundo Civilizado, hipócrita e dissimulado. Nesta sua condescendência para com os índios, o autor chega inclusive a desculpar-lhes o hábito da antropofagia, visto não querer condenar uma prática não pior para ele do que a utilização das fogueiras, facilmente acesas durante as guerras religiosas travadas na França contra os inimigos caídos, considerados como hereges. A projeção ideológica e intelectual do livro de De Léry e do famoso capítulo de Montaigne perdurou pelos séculos. O do calvinista – e é ninguém menos do que Claude Lévi-Strauss quem reitera isso – serviu como o “breviário do etnólogo”, manual a ser seguido por todos os antropólogos que se prezem (pode-se até dizer que De Léry foi o primeiro dos antropólogos do Novo Mundo: o inventor da moderna antropologia), visto que o material coletado por ele foi levantado empiricamente na baía da Guanabara quando das suas incursões pelas aldeias dos tupinambás. O de Montaigne tomou outros rumos. De certo modo suas observações contidas em “Dos Canibais” reforçou junto aos franceses a visualização da sociedade perfeita descrita anteriormente por Thomas Morus na Utopia, obra de 1516, difundindo entre os seus conterrâneos
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DE LERY NÃO ACREDITAVA NA INTEGRAÇÃO DOS INDÍGENAS. JÁ MONTAIGNE OS VIA COMO PODEROSA ANTÍTESE DA CIVILIZAÇÃO
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INSPIRANDO UTOPIAS
DE LERY FUNDOU A PROFISSÃO DE ANTROPÓLOGO, ENQUANTO MONTAIGNE INSPIROU REFORMADORES
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bem pensantes a possibilidade de algum dia poder-se reconstruir na Europa o Velho Mundo tido por decadente, as organizações sociais livres e igualitárias que existiam no Novo Mundo. Assim, enquanto um fundou uma profissão, a de antropólogo, o outro serviu de farol para todos os reformadores sociais que se seguiram, como J-J. Rousseau, G. Babeuf e E. Cabet. ESTRUTURA DO LIVRO DE DE LÉRY O livro de De Léry é dividido em 22 capítulos que podem, com certa liberdade, ser divididos em três blocos mais ou menos separados. O primeiro deles (do capítulo 1 ao 7) trata das agruras da viagem até a chegada ao forte Coligny, incluindo a prece de Villegagnon, onde este expõe o seu sonho de um país calvinista. Em seguida, entre os capítulos 8 e 20 – e essa é a parte maior e mais famosa – dedica-se o autor a fazer uma detalhada descrição da vida natural e dos nativos (aspecto físico, alimentos, fauna, os hábitos da guerra, a cerimônia antropofágica, as crenças dos nativos, as núpcias, o sistema de parentesco e a criação dos filhos, encerrando com os rituais fúnebres e a inumação dos mortos). Por último, apenas dois capítulos, o 21 e o 22, são reservados ao rompimento final com Villegagnon e os enormes perigos que passaram ao retornar à França, ancorando enfraquecidos e famintos no porto de Blavet, na Bretanha, em maio de 1558. ESTRUTURA DO CAPÍTULO DE MONTAIGNE O autor assegura que suas primeiras informações sobre o Novo Mundo vieram de um seu servido, homem rude que estivera com Villegagnon. Em seguida, refere-se às Lendas do Continente de Atlântida, sabidas por Sólon e Platão, e ainda Aristóteles, que faz menção à “Ilha Fértil”, além das Colunas de Hércules. Nada vê de bárbaro no relato sobre a vida dos nativos do Novo Mundo, celebrando sua forma original, intacta, negando-se a chamá-los de selvagens. Na verdade, representariam a República Perfeita Original, formada por homens que saíram “diretamente das mãos de Deus”. Sociedade sem leis nem regras escritas, perfeitamente adaptada à natureza de um clima suave. Dedica-se então Montaigne a descrever a vida dos nativos, seus hábitos e costumes, todos marcados pela simplicidade, orientados pelos pajés e pelos caciques. Então, dá inicio a minimizar a prática do canibalismo, citando em seu socorro Crisipo e Zenão. Fazem a guerra, disse ele, de “modo nobre e generoso”. A guerra que travam não visa à conquista de território, mas sim apenas obrigar o inimigo a confessar-se vencido. Elogia-lhes a poligamia, pois isso evita os infernos do ciúme. O final do capítulo é dedicado ao encontro do autor com um morubixaba em Rouen, quando o chefe indígena lhe expõe o espanto pela imensa desigualdade social reinante entre os franceses, espantando-se ele com o fato dos infelizes famélicos que ele via por toda a parte não se revoltarem contra aquilo. Montaigne encerra tudo com a célebre frase: “Mas que diabos, essa gente não usa calças!”.
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Três décadas. Esse foi o tempo que durou a política exclusivamente extrativista adotada pelos portugueses como forma de explorar o novo território oficialmente descoberto por Pedro Álvares Cabral em 1500, a oeste do Oceano Atlântico. Cansado de receber notícias dando conta dos sucessivos ataques ao litoral brasileiro, em especial de parte dos traficantes franceses de pau-brasil – que simplesmente ignoravam os muitos acordos e tratados visando à boa convivência entre as nações –, D. João III reuniu seus assessores em 1532 e decidiu: era chegada a hora de efetivamente colonizar o Brasil.
DONATARIAS GARANTIRAM AOS PORTUGUESES O PIONEIRISMO MUNDIAL DA LAVOURA MONOCULTORA E ESCRAVOCRATA 60
Para tanto, o governo português adotou inicialmente o modelo das donatarias, mais conhecidas como capitanias hereditárias. Assim, o território brasileiro foi “fatiado” em 15 enormes porções de terra, demarcadas por faixas horizontais imaginárias que iam da costa leste até os limites de certa forma virtuais estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas. Ainda que em sua maioria estivessem fadadas ao insucesso – isto porque, com exceção de Pernambuco e São Vicente, os demais donatários não teriam recursos suficientes, e em alguns casos nem mesmo interesse, em dar conta de suas enormes glebas –, as capitanias garantiram aos portugueses o pioneirismo mundial na implantação de um modelo baseado na monocultura (em especial a lavoura canavieira), ocupando grandes extensões de terra e alicerçando-se em mão-de-obra escrava – fator econômico que demandaria a ampliação do tráfico de negros oriundos da África, prática que Portugal já desenvolvia há algumas décadas. A substituição da mão-de-obra indígena pela dos escravos africanos se deu principalmente porque os nativos, de maneira geral, não se adaptaram ao novo modelo de trabalho, em tudo distinto do serviço de corte e embarque das toras de pau-brasil que, de maneira quase sempre cordial, realizavam em troca de objetos de valor irrisório para os portugueses (tecidos, facas, colares e outros acessórios). Ao resistirem à intensificação da política escravocrata destinada ao trabalho na lavoura, os nativos foram praticamente exterminados, não apenas em decorrência dos conflitos armados, mas também via contato forçado das mulheres índias com doenças as mais variadas, como já citado no capítulo 1. A tal ponto que, hoje, estima-se em no máximo 250 mil
TOMÉ DE SOUSA (ACIMA) FOI O PRIMEIRO GOVERNADOR GERAL E RESPONSÁVEL PELO GERENCIAMENTO DO SISTEMA DE CAPITANIAS HEREDITÁRIAS
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MAPA DE NICOLAES VISSCHER, RETRATANDO PERNAMBUCO EM 1630
o total da população indígena no Brasil, a qual, na época do descobrimento, pode ter chegado a 5 milhões de indivíduos. Cabe enfatizar que, em um primeiro momento, ainda que preocupados com a necessidade de povoar o território para interromper os ataques de piratas ao litoral brasileiro, os portugueses seguiam alimentando o sonho de serem os primeiros a chegar à lendária e rica região central da América. Segundo boatos que corriam à época, haveria ali uma imensa formação natural, quase toda ela de pura prata. Ou seja, nem só da intenção de povoar o novo mundo se deram os primeiros movimentos feitos pela Coroa portuguesa, quando decidiu se preocupar efetivamente com o que acontecia no Brasil. A expedição de Martim Afonso de Sousa, por exemplo, que partiu de Lisboa em 1530, teria zarpado tendo como principal objetivo justamente tentar descobrir o caminho por terra até as minas de Potosí, no Peru. Adicionalmente, ou apenas como tarefa secundária, caberia a ele percorrer o litoral de Nordeste a Sul, banindo em especial os franceses, que insistiam no assédio ao território brasileiro – estes chegaram, inclusive, a se estabelecer em pequenas fortificações ao longo da costa do Atlântico. Em alguns casos, a ousadia francesa ganharia ares de invasão, como em 1555, quando
PORTUGUESES SONHARAM DURANTE ANOS ENCONTRAR OURO E PEDRAS PRECIOSAS 62
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EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA EM GRANDES EXTENSÕES FOI PRIMAZIA DOS PORTUGUESES
Nicolas Durand de Villegagnon fundou, na baía da Guanabara, o Forte Coligny (imagem abaixo), de onde seria expulso em 1565, antes estabelecendo um enclave conhecido como França Antártica. O economista Celso Furtado, autor do clássico Formação Econômica do Brasil, destaca que Portugal não dispunha de grandes recursos para efetivar o povoamento do imenso território. Por essa razão a exploração agrícola em grandes extensões seria a opção mais viável: “É fato universalmente conhecido que aos portugueses coube a primazia neste empreendimento”. Não fosse isso, destaca Furtado, “dificilmente Portugal teria perdurado como grande potência colonial na América”. Até porque, como enfatiza Furtado, a única alternativa a este modelo econômico seria apossar-se das tão sonhadas grandes minas de prata e ouro. Mas este acabou sendo um privilégio dos espanhóis, mais especificamente de Francisco Pizzarro – consequentemente, motivo de grande frustração para o ambicioso Martim Afonso, ele próprio dono de uma
capitania, a qual terminou por abandonar para viver na Índia. Foi partindo do Panamá que o explorador espanhol conseguiu chegar, via Oceano Pacífico, ao Peru, destruindo em 1532 a civilização inca e se apoderando dos grandes mananciais de prata da região de Potosí. Na mesma linha de análise, Gilberto Freyre destaca o caráter inédito da política econômica que passaria a vigorar no Brasil, mas acrescenta um viés sociocultural relevante: “... iniciam os portugueses a colonização em larga escala dos trópicos por uma técnica econômica e por uma política social inteiramente novas, apenas esboçadas nas ilhas subtropicais do Atlântico. A primeira: a utilização e o desenvolvimento de riqueza vegetal pelo capital e pelo esforço do particular; a agricultura; a sesmaria; a grande lavoura escravocrata. A segunda: o aproveitamento da gente nativa, principalmente da mulher, não só como instrumento de trabalho mas como elemento de formação da família.”
MARTIM AFONSO DE SOUSA (ACIMA) PERDEU A CORRIDA DA PRATA PARA PIZZARRO. ABAIXO, O FORTE COLIGNY NA VISÃO DE JOYCE GOLD, EM 1813
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FRANS POST DEDICOU-SE ÀS PAISAGENS DE RECIFE (ABAIXO). AO LADO, PEQUENO ENGENHO DE AÇÚCAR, DE THIERRY FRÉRES (1835)
Vai mais longe Gilberto Freyre, para enfatizar a relevância daquele momento histórico: “A nossa verdadeira formação social se processa de 1532 em diante, tendo a família rural ou semirural por unidade, quer através da gente casada vinda do reino, quer das famílias aqui constituídas pela união de colonos com mulheres caboclas, com moças órfãs ou mesmo à toa, mandadas vir de Portugal pelos padres casamenteiros.” O fato é que, a partir de então, e por mais de um século, como registra o brasilianista Thomas Skidmore, o país seria o maior produtor e exportador mundial de açúcar. “De 1600 a 1650 o açúcar respondia por 90% a 95% dos ganhos brasileiros com exportações.” Mesmo no auge da exportação do ouro, o açúcar continuou a ser o produto mais importante, pelo menos no comércio legal. Em 1760, correspondeu a 50% do valor total das exportações, contra 46% do ouro. Para alcançar este patamar de relevância e protagonismo no cenário mundial, a parceria com os holandeses (que justamente por esta proximidade e interesse comercial mais tarde viriam a trair estes laços de união) seria fundamental. Se é verdade que Portugal já havia absorvido o know-how do cultivo da cana nos Açores e na ilha da Madeira, inclusive do ponto de vista do desenvolvimento da respectiva indústria de equipamentos, também é preciso destacar que os holandeses – ou flamengos, ou ainda batavos, como também eram conhecidos à época – recolhiam o açúcar em Lisboa, refinavam-no e faziam a distribuição por toda a Europa. Celso Furtado especula: “Tudo indica que capitais flamengos participaram no financiamento das instalações produtivas no Brasil, bem como da importação da mão-de-obra escrava.” E acrescenta: “Se se tem em conta que os holandeses controlavam o transporte (inclusive parte do que ocorria entre Brasil e Portugal), a refinação e a comercialização do produto, depreende-se que o negócio do açúcar era na realidade mais deles que dos portugueses.” Bahia e Pernambuco logo se destacariam como “os dois grandes centros de opulência econômica e social, dois grandes portos brasileiros de expressão internacional no século XVI”. Para se ter uma
OS HOLANDESES CONTROLAVAM O TRANSPORTE, O REFINO E O COMÉRCIO DO AÇÚCAR, ALÉM DE FINANCIAREM OS MOINHOS DO BRASIL
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TRANSPORTE DE UM COMBOIO DE NEGROS (G. HENGELMANN, 1835)
ideia de sua importância, basta dizer que os ricos colonos portugueses que se instalaram nestas capitanias mantinham, em Pernambuco, 23 engenhos movidos a bois ou água, produzindo, em 1576, de 50 a 70 mil arrobas de açúcar. Na Bahia, seriam 18 engenhos, cada um deles com em média 50 escravos e 15 ou 20 juntas de boi, produzindo anualmente entre 6 e 10 mil arrobas de açúcar mascavo. PERFIL DA LAVOURA MONOCULTORA E ESCRAVOCRATA Diferentemente do trabalho realizado pelos pequenos agricultores, que se dedicavam à lavoura de subsistência tendo como recurso apenas os braços da própria família, a grande propriedade, célula fundamental da exploração agrária e mote da colonização do Brasil a partir de 1530, foi sempre monocultora e escravocrata e “inteiramente concentrada na produção de um gênero para exportação”, conforme Alice P. Cannabrava. Os engenhos do Nordeste, por exemplo, produziam apenas açúcar, adquirindo no mercado todas as demais mercadorias necessárias à sua manutenção, o que incluía frutas frescas e em conserva, ovos e galinhas, mel e farinha de mandioca, e inclusive os tecidos grosseiros para as roupas dos escravos. Antes que se intensificasse o tráfico de negros trazidos da África, a escravização do índio predominou, em especial na região da Capitania de São Vicente. Os indígenas, muitas vezes capturados em grande número após ataques dos bandeirantes paulistas às reduções jesuíticas localizadas na bacia do rio Paraná, eram trocados justamente pelos produtos manufaturados que os senhores de engenho importavam da Europa. Em pouco tempo, porém, a melhor adaptação do negro africa68
LITOGRAFIA DE G. HENGELMANN RETRATANDO A CAPOEIRA (1835)
OS ENGENHOS PRODUZIAM APENAS AÇÚCAR, SENDO NECESSÁRIO ADQUIRIR NO MERCADO TODAS AS DEMAIS MERCADORIAS, MUITAS VEZES TROCADAS POR ÍNDIOS CAPTURADOS NAS MISSÕES
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MOINHO DE AÇÚCAR RETRATADO POR G. HENGELMANN EM 1835
A MELHOR ADAPTAÇÃO DOS NEGRO À LAVOURA FEZ COM QUE RECAÍSSE SOBRE ELES PREFERÊNCIA COMO MÃO-DE-OBRA
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no às rotinas da lavoura canavieira faria com que recaísse sobre eles a preferência na mão-de-obra, ainda que um escravo negro custasse mais caro que um nativo do Brasil. A frase famosa do jesuíta Antonil, de que o negro africano era ao mesmo tempo "as mãos e os pés do senhor de engenho", resume aquele momento. OS ENGENHOS DO NORDESTE Foi a maior proximidade em relação à Europa, bem como as condições naturais favoráveis, que fizeram do Nordeste brasileiro a região de desenvolvimento extraordinário da grande lavoura, ainda que também no Maranhão e no Rio de Janeiro o mesmo modelo tivesse grande importância econômica. Do ponto de vista da sustentabilidade e da preservação do meio ambiente, não havia a menor preocupação, até porque terra havia em abundância. Quando a produtividade dava sinais de esgotamento ou diminuição acentuada, era mais barato destruir a floresta e abrir novas áreas de
CASA DE SENHOR DO ENGENHO (C. SHOOSMITH, 1821). ABAIXO, RETRATO DE NEGRO (ECKHOUT)
plantio do que investir na melhoria dos processos de cultivo. Alice Cannabrava descreve com riqueza de detalhes a estrutura do engenho de açúcar, a qual forma um pequeno aglomerado humano ou núcleo de população: “A casa-grande, residência do senhor de engenho, é uma vasta e sólida mansão térrea ou em sobrado; distingue-se pelo seu estilo arquitetônico sóbrio, mas imponente, que ainda hoje empresta majestade à paisagem rural, nas velhas fazendas de açúcar que a preservaram. Constituía o centro de irradiação de toda a atividade econômica e social da propriedade. A casa-grande completava-se com a capela, onde se realizavam os ofícios e as cerimônias religiosas. Estas congregavam todas as pessoas da comunidade, aos domingos e dias santificados, como também por ocasião dos batizados, casamentos, funerais e sepultamentos, pois estes se faziam na própria capela, quanto se tratava dos membros da família do senhor de engenho. Próximo se erguia a senzala, habitação dos escravos, os quais, nos grandes engenhos, podiam alcançar algumas centenas de 'peças'. Pouco 71
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NOS GRANDES ENGENHOS, A PRESENÇA DOS ESCRAVOS POR VEZES CHEGAVA ÀS CENTENAS além serpenteava o rio, traçando através da floresta uma via de comunicação vital. O rio e o mar se mantiveram, no período colonial, como elementos constantes de preferência para a escolha da situação da grande lavoura. Ambos constituíam as artérias vivificantes: por meio delas o engenho fazia escoar suas safras de açúcar e, por elas singravam os barcos que conduziam as toras de madeira abatidas na floresta, que alimentavam as fornalhas do engenho, ou a variedade e a multiplicidade de gêneros e artigos manufaturados que o engenho adquiria alhures.” Entre os trabalhadores brancos que gravitavam em torno dos engenhos, havia artesãos (ferreiros, carpinteiros, serralheiros) e mestres-de-açúcar, mas o grupo mais numeroso era o dos pequenos plantadores de cana, produtores independentes sem condições de manter um engenho. “Dependiam, portanto, dos senhores, mas às vezes tinham algum poder de negociar quando a produção de cana nos engenhos era escassa”, aponta Boris Fausto. FUMO, ALGODÃO E GADO Como aponta o historiador Boris Fausto, “do ponto de vista econômico e social o Nordeste colonial não foi só açúcar, até porque o próprio açúcar gerou uma diversificação de atividades, dentro de certos limites.” O historiador refere que a escassez de alimentos, em consequência da especialização imposta pela cana, incentivou a produção de gêneros alimentícios, especialmente a mandioca. “A criação de gado esteve também em parte vinculada às necessidades da economia açucareira”, assim como a extração da madeira e o cultivo do fumo. A lavoura do fumo, a propósito, ocupa o segundo lugar em importância econômica no Brasil colonial. Tal como o açúcar, era produto de exportação, com uma vantagem adicional: tinha valor de troca na compra de escravos africanos. Ademais, pelo baixo peso, apresentava custos mais baixos no frete de travessia do Atlântico. A produção do fumo disseminou-se em várias partes da colônia, mas a maior produção se dava na Bahia. Alagoas também possuía núcleos, assim como o Rio de Janeiro, na primeira metade do século XVIII.
PLANTA BAIXA PUBLICADA EM CASA-GRANDE & SENZALA , DE GILBERTO FREYRE
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VENDEDOR DE ALGODÃO, EM DESENHO DE FERDINAND DENIS OU MONNIN(1846)
Também do século XVIII são os primeiros registros da lavoura de algodão, a terceira na hierarquia de importância econômica do período colonial. Havia a vantagem de que a variedade nativa do Brasil (Gossypium brasiliense) vegetava naturalmente em todo o território, sendo cultivada em pequena escala para a manufatura de tecidos grosseiros. Com o advento da Revolução Industrial e os progressos da tecnologia no setor têxtil, em especial na Inglaterra, a produção em escala passou a ser um negócio de vulto. Os maiores centros produtores foram o Maranhão e Pernambuco, servindo-se ambos da favorável posição estratégica para embarque das cargas para a Europa. Além do açúcar, do fumo e do algodão, que eram responsáveis pela quase totalidade da produção agrária brasileira, havia ainda o cacau, o arroz e o anil, também produzidos nos mesmos
moldes da grande lavoura, mas com impactos menores na economia colonial. Da mesma forma, a pecuária se constitui em atividade secundária no período. Mas é a ela que se deve o povoamento das zonas de caatinga no Nordeste e as campinas no Sul do país, além de outras regiões menores. A atividade ganhará outra dimensão a partir da descoberta das riquezas minerais, quando então será a responsável pela ligação do Norte com o Sul (veja no capítulo 3). De qualquer forma, desde sempre a pecuária ofereceu possibilidades para os que não dispunham de meios para se dedicar à agricultura de exportação. Ademais, como eram imensas as dificuldades de transporte à época, criar e vender gado era um bom negócio, já que o produto a ser comercializado se transportava a si mesmo.
CRIAR E VENDER GADO ERA UM BOM NEGÓCIO: O PRODUTO TRANSPORTAVA A SI MESMO
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FIGURAS DE ÍNDIOS E NEGRO, NA VISÃO DO HOLANDÊS ALBERT ECKHOUT
RESSIGNIFICANDO O BRASIL A escravidão no Brasil não se iniciou com os negros vindos da África. Como já mencionado, foram, antes deles, os indígenas os primeiros a terem sua liberdade cerceada, tendo que colocar sua força de trabalho a serviço dos exploradores do pau-brasil, em um primeiro momento, e em seguida dos colonizadores e grandes proprietários de terras no Nordeste. Basta dizer que em 1574 apenas 7% da força de trabalho escrava era formada por negros, percentual que sobe para 37% em 1591, e continua crescendo, até chegar a 1638, quando 100% dos escravos eram africanos ou afro-brasileiros. Ainda que as populações indígenas tenham sofrido inomináveis perdas, a escravização do negro, que se intensificaria em especial com a implantação da lavoura de cana-de-açúcar, é que deixou as marcas mais indeléveis na sociedade brasileira. No período colonial, o desejo de ter um escravo perpassava todas as camadas. Havia desde os senhores de engenho ou proprietários de minas, que possuíam centenas de escravos, passando pelos pequenos lavradores, com dois ou três cativos, até se chegar aos moradores das cidades, com um escravo. O preconceito generalizado contra todos os negros (fossem ou não escravos) cruzou gerações. No dizer de Boris Fausto, chegou modificado aos nossos dias. Basta dizer que, "até pelo menos a introdu76
ESCRAVOS NO FUNDO DE UM NAVIO (POR G. HENGELMANN, 1835)
ção em massa de trabalhadores europeus no centro-sul do Brasil, o trabalho manual foi socialmente desprezado como 'coisa de negro'". Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala, reforça que no Brasil se confunde a questão da raça com a da condição social. No entender do estudioso, ser negro e ser escravo são situações distintas – mas não o eram no Brasil colonial: "O negro nos aparece no Brasil, através de toda nossa vida colonial e da nossa primeira fase da vida independente, deformado pela escravidão (...), pela capacidade imensa desse sistema para rebaixar moralmente senhores e escravos". Do ponto de vista do perfil dos escravos que cruzaram aos milhões as águas do Atlântico, viajando em embarcações cujas condições eram as mais abjetas possíveis, há distinção entre aqueles que foram alvo do tráfico feito por ingleses em relação aos capturados pelos portugueses. Na colonização inglesa, o critério de importação de escravos foi quase exclusivamente o agrícola, o de energia bruta, animal. No Brasil, a importação atendia outras necessidades e interesses. Segundo Gilberto Freyre, pretendia-se também dar conta da falta de mulheres brancas, e atender ainda as necessidades de técnicos em trabalhos de metal, em especial após a descoberta das minas de pedras preciosas. A propósito das mulheres, é também Gilberto Freyre quem afir-
PRECONCEITO FEZ COM QUE O TRABALHO MANUAL NO BRASIL FOSSE DURANTE SÉCULOS DESPREZADO COMO “COISA DE NEGRO”
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NEGROS NAS MOENDAS (ACIMA) E VISTA DO INTERIOR DE PERNAMBUCO, POR FRANS POST
ma: "Não há escravidão sem depravação sexual". O historiador se refere àqueles que eram donos de escravos como tendo "imoderado desejo de possuir o maior número possível de crias". Consequência desta dura realidade foi a ampla miscigenação, gerando-se gerações e gerações de filhos de brancos com negros (que por sua vez gerariam filhos com os filhos de brancos e índios). Também vem daí a explicação para as escravas, muitas vezes ainda recém saídas da infância e entrando na adolescência, serem involuntariamente transmissoras de doenças venéreas, depois de serem sifilizadas por seus senhores. "O que explica ter se alagado de gonorreia e de sífilis a nossa sociedade do tempo da escravidão", acrescenta Freyre. Na composição do quadro da degradação humana dos cativos, Boris Fausto relata que estes desempenhavam principalmente as atividades mais pesadas no campo, mas quem trabalhava na moenda, nas fornalhas e nas caldeiras convivia, entre outras situações, com o risco de perder a mão ou o braço, episódios nada incomuns. "Muitos observadores que escreveram sobre os engenhos brasileiros notaram a existência de um pé-de-cabra e de uma machadinha próximos à moenda para, no caso de um escravo ser apanhado pelos tambores, estes serem separados, sendo a mão ou o braço amputados, salvando-se a máquina de maiores estragos." RESISTÊNCIA E LEGADO Os padres jesuítas que combatiam a escravidão dos indígenas, e que acabaram sendo favoráveis a que se buscasse na África a mãode-obra para a lavoura canavieira, concordando com a tese de que
MISCIGENAÇÃO RESULTOU EM GERAÇÕES E GERAÇÕES DE FILHOS DE BRANCOS COM NEGROS E BRANCOS COM ÍNDIOS
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os negros eram mais resistentes que os nativos brasileiros, não estavam de todo errados. De fato, os milhares de homens e mulheres que atravessaram à força o Oceano Atlântico eram dotados de uma capacidade de trabalho e de adaptação impressionantes. O que não significa, como durante algum tempo se pensou, que aceitaram de bom grado a submissão ao homem branco. O mais emblemático símbolo da resistência foi o quilombo dos Palmares, onde o nome de Zumbi acabou se transformando em ícone. Apesar da correlação de forças absolutamente desigual, fugir das grandes fazendas e se reunir em comunidades quilombolas foi uma entre tantas maneiras que os negros encontraram de se opor às condições desumanas em que eram obrigados a viver na senzala. Muitos se suicidaram, outros tantos quebraram equipamentos ou atacaram seus superiores, vários incendiaram senzalas e libertaram os rebanhos. A resistência de quase um século em Palmares, um conjunto de 12 quilombos a pouco menos de 100 quilômetros de Alagoas, em Maceió, entrou para a história como a marca da inconformidade. Provavelmente erguido em 1602, o conjunto das comunidades teve uma de suas mais importantes lideranças na pessoa de Gamga Zumba, por volta de 1650 a 1680. Ele terminou por ser destituído pelo sobrinho, Zumbi, por este não ter concordado com um acordo de paz fechado pelo tio em Recife. Zumbi, então, liderou heroicamente os negros rebeldes, inúmeras vezes atacados pelos portugueses (e mesmo pelos holandeses), até que Palmares fosse destruído pelo implacável bandeirante Domingos Jorge Velho, em 1694. Zumbi escapou, mas terminou suicidando-se ou sendo morto em combate por André Furtado Mendonça, quase dois anos depois, em 20 de novembro de 1695, data que se transformou no Dia da Consciência Negra.
SUBMETIDOS A CASTIGOS EM PRAÇA PÚBLICA, NEGROS NÃO SE CONFORMARAM JAMAIS COM A ESCRAVIDÃO
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EXTENSÃO DA COLÔNIA E DISTÂNCIA DA METRÓPOLE DIFICULTAVAM A ADMINISTRAÇÃO
MAPA DE FREDERIK DE VIT MOSTRA O LITORAL BRASILEIRO EM 1657
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Falar sobre a presença dos negros na sociedade brasileira e da influência que tiveram e seguem tendo em nossa sociedade é tarefa fácil e, ao mesmo tempo, das mais complexas. A profundidade com que se deu a imersão dos homens e mulheres africanos na vida da então colônia portuguesa teve um efeito tão avassalador ao longo dos anos que se seguiram que atualmente é muito difícil apontar um brasileiro que, de alguma forma, não tenha algum tipo de relação com aqueles primeiros escravos vindos da África. O Brasil, pode-se dizer, não foi influenciado pelos negros: a nação se construiu com e a partir deles. SOCIEDADE COLONIAL Foi somente com a instituição do governo geral, em 1549, que a sociedade brasileira começou a ganhar seus primeiros contornos formais de organização. Abaixo do governador-geral, destacavamse os governadores de capitanias, cujos poderes incluíam, por exemplo, a concessão de sesmarias, ficando os critérios de escolha dos favorecidos a seu livre arbítrio. Em parte foi graças a este expediente que surgiram os grandes latifúndios, muitas vezes improdutivos, que marcaram a economia brasileira durante séculos. Nas Câmaras Municipais da época, uma das poucas instituições que se perpetuaria ao longo do tempo, haviam membros natos e outros eleitos. Mas somente votavam nas eleições (em geral indiretas) os chamados "homens bons", ou seja, proprietários residentes na cidade, excluídos os artesãos e os considerados impuros pela cor e pela religião, isto é, negros, mulatos (mestiços) e cristãos-novos. A pureza do sangue vigorou até 1773, quando se extinguiu a diferenciação entre cristãos antigos e novos (judeus), ao menos do ponto de vista legal. O fato é que, como atesta Boris Fausto, a tentativa de transpor a organização administrativa lusa para o Brasil chocou-se com inúmeros obstáculos, dada a extensão da colônia, a distância da metrópole e a novidade dos problemas a serem enfrentados. "O Estado foi estendendo seu alcance ao longo do tempo, diríamos melhor ao longo dos séculos, sendo mais presente nas regiões que eram o núcleo fundamental da economia da exportação. Até meados do século XVII, a ação das autoridades somente se exerceu com eficácia na sede do governo geral e das capitanias à sua volta". E enfatiza o autor: “Nas outras regiões, predominaram as ordens religiosas, especialmente a dos jesuítas, esta considerada um Estado dentro do Estado, ou os grandes proprietários rurais e apresadores de índios". Sérgio Buarque de Holanda refere, entretanto, que mesmo os centros urbanos sofriam influência do modelo ditatorial vigente na área rural. Afinal, o título de senhor de engenho era considerado por muitas autoridades locais tão alto quanto os títulos de nobreza do Reino, e não raro funções elevadas nas Câmaras Munici-
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VISTA DE SALVADOR EM 1780, POR J. K. SHERWIN
pais eram ocupadas pelos grandes lavradores, para protesto e descontentamento dos comerciantes das cidades. Do ponto de vista da ocupação efetiva do território, até meados do século XVIII o Nordeste (ou o "Norte", como era identificado à época) concentrava praticamente todas as atividades econômicas relevantes e também a vida social. O Sul era quase território periférico, ao menos do ponto de vista da economia exportadora. De qualquer forma, pode-se dizer que o Brasil era então um país praticamente desabitado. Estima-se que Salvador, capital do país até 1763, tinha cerca de 14 mil habitantes em 1585, passando para 25 mil em 1724 e cerca de 40 mil em 1750 (a propósito, 50% deles escravos). Pode parecer pouco, mas para efeito de comparação, a cidade de São Paulo possivelmente não tinha mais de 2 mil habitantes em 1600. Ademais, a concentração populacional da época se dava no campo, e muito pouco nas cidades. Um padre jesuíta, citado por Boris Fausto, refere-se à pobreza da pequena São Paulo do século XVII como resultado justamente da constante ausência dos habi84
DESENHO DA CIDADE DE SÃO PAULO POR VOLTA DE 1700 (AUTOR DESCONHECIDO)
tantes: "Fora por ocasião de três ou quatro festas principais, eles ficam em suas herdades ou andam por bosques e campos, em busca de índios, no que gastam suas vidas". Do ponto de vista do urbanismo, em nada se compara o desenho das então recém criadas cidades brasileiras com o modelo espanhol. Enquanto estes aplicavam conceitos de planejamento urbano, com base em linhas retas, no Brasil a regra era uma total falta de planejamento. Sérgio Buarque de Holanda cita um viajante que esteve na Bahia no princípio do século XVIII e notou estarem as casas dispostas segundo a vontade de cada morador. "Tudo ali era irregular, de modo que a praça principal, onde se erguia o Palácio dos Vice-Reis, parecia estar só por acaso no seu lugar". Também em São Vicente e Santos há referência sobre casas em completo desalinho, de tal sorte que o primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa, queixava-se de não poder murar as duas vilas, pois tal medida demandaria muito trabalho e incômodos aos moradores já estabelecidos. Ainda em Raízes do Brasil, Buarque de Holanda analisa com
URBANISMO DA ÉPOCA COLONIAL TINHA A MARCA DA TOTAL FALTA DE PLANEJAMENTO
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MENTALIDADE DA CASA-GRANDE, BASEADA NO PÁTRIO PODER RURAL, INVADIU TAMBÉM AS CIDADES
exatidão o cenário urbano brasileiro: "A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não chega a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se enlaça na linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra 'desleixo' – palavra que o escritor Aubrey Bell considerou tão tipicamente portuguesa como 'saudade' e que, no seu entender, implica menos falta de energia do que uma íntima convicção de que 'não vale a pena...'." Simultaneamente, em meio a este cenário de apenas relativo controle da sociedade por parte do Estado, a família patriarcal exerceu papel preponderante, ao menos entre a classe dominante do Nordeste. E com ela foi se amalgamando, ao longo dos anos, a formação de redes de relacionamento baseadas não apenas na consanguinidade, mas também nos interesses e nos conceitos subjetivos da lealdade. Uma rede formada por padrinhos, afilhados, protegidos e amigos terminaria por se aproximar das esferas de poder, contaminando com os interesses privados o que deveriam ser ações com foco no benefício público. Sérgio Buarque de Holanda refere-se à preponderância do pátrio poder na sociedade colonial rural, classificando-o como virtualmente ilimitado, havendo poucos freios para a tirania. "Não são raros os casos como o de um Bernardo Vieira de Melo, que, suspeitando a nora de adultério, condena-a à morte em conselho de família e manda executar a sentença, sem que a Justiça dê um único passo no senti-
do de impedir o homicídio ou castigar o culpado, a despeito de toda a publicidade que deu ao fato o próprio criminoso". Acrescenta o historiador que a mentalidade de casa-grande, depois de consolidada no campo, invadiu também as cidades e conquistou todas as profissões, sem exclusão das mais humildes. Buarque de Holanda exemplifica com o caso de um oficial de carpintaria que se vestia como se fosse um fidalgo, "com tricórnio e sapatos de fivela e que se recusava a usar as próprias mãos para carregar as ferramentas de seu ofício, preferindo entregá-las a um preto". EFEITOS SOBRE OS ÍNDIOS Se nas primeiras três décadas o índio teve papel altamente relevante na economia extrativista do pau-brasil, e se de alguma forma naquele momento encontrou tratamento cordial de boa parte dos colonizadores, a implantação da monocultura em grandes extensões de terra traria consequências nefastas para os nativos. Gilberto Freyre aponta: "O trabalho sedentário e contínuo, as doenças adquiridas ao contato dos brancos, (...) a bexiga, a disenteria, os catarros, foram dando cabo dos índios: do seu sangue, da sua vitalidade, da sua energia. (...) O sistema escravocrata, por um lado, e o missionário, por outro, continuariam sua obra de devastação da raça nativa, embora mais lenta e menos cruel do que na América espanhola ou na inglesa. E com aspectos criadores que se opõem aos destruidores." O historiador ressalta que os primeiros anos do contato com o
ACIMA, RETRATO DE INDÍGENA, POR ECKHOUT, E ABAIXO PAISAGEM DE RECIFE, POR FRANS POST
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QUADROS PINTADOS NO SÉCULO XX CONTRIBUÍRAM PARA A IDEALIZAÇÃO DA FIGURA DOS BANDEIRANTES
O BANDEIRANTE DOMINGOS JORGE VELHO (À ESQUERDA NA IMAGEM AO LADO) COMANDOU ATAQUE A PALMARES
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homem branco e a ocupação portuguesa alteraram o modo de vida dos nativos, mas sem arrancá-los pela raiz do seu meio físico e do seu ambiente moral. "O desenraizamento viria com a colonização agrária, isto é, a latifundiária: com a monocultura representada principalmente pelo açúcar". É de Freyre uma frase emblemática: "O açúcar matou o índio". E foi para tentar livrar os indígenas da tirania do engenho que os missionários os segregaram em aldeias, em muitos casos inutilmente, pois mais tarde acabariam sendo capturados pelos bandeirantes. Mas ressalta Freyre: "O imperialismo português – o religioso dos padres, o econômico dos colonos –, se desde o primeiro contato com a cultura indígena feriu-a de morte, não foi para abatê-lo de repente, com a mesma fúria dos ingleses na América do Norte. Deu-lhe tempo de perpetuar-se em várias sobrevivências úteis." Na visão de Florestan Fernandes, ao substituírem o escambo pela agricultura, os portugueses passaram a encarar os índios como obstáculo à posse da terra, "uma fonte desejável e insubstituível de trabalho e a única ameaça real à segurança da colonização. Passamos, então, do período das tensões encobertas para a era do conflito social com o índio." HERÓIS OU BANDIDOS? Das muitas figuras que na história (ou histórias) do Brasil aparecem mitificadas, talvez a dos bandeirantes, ou paulistas, seja uma das mais emblemáticas. Retratados por artistas do século XX como se fossem heróis de capa e espada, teriam sido eles os responsáveis diretos pela ampliação das fronteiras do país para bem além da linha imaginária do Tratado de Tordesilhas. Uma visão menos estereotipada e idealizada dá conta que os líderes destas intermináveis marchas pelo sertão brasileiro andavam descalços, e na rotina diária de caçar e apreender (ou prear) índios, cometeram todo tipo de atrocidade. É bem verdade que, na prática, ao chegarem antes de qualquer outro colonizador a regiões até então inexploradas, terminaram por fazer do Brasil um país maior do que era até então, em especial quando entrou em vigor o critério do uti possidetis – quem chegava primeiro, passava a ser dono da porção (ver detalhes no capítulo 3). Os bandeirantes, ou paulistas, habitavam São Paulo de Piratininga, cidade fundada por jesuítas que ficava em posição estratégica em relação ao acesso ao sertão. A proximidade também com o Paraguai deixava-os a uma distância razoável das reduções, onde os missionários facilitavam – sem querer, obviamente – o trabalho dos caçadores de homens, ao manterem reclusos milhares de índios – calcula-se que em torno de meio milhão deles terminaria por ser aprisionado pelos bandeirantes.
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BARTOLOMEU BUENO DA SILVA (À ESQUERDA NA IMAGEM AO LADO), FOI UM DOS BANDEIRANTES QUE ENFRENTOU A RESISTÊNCIA DOS ÍNDIOS MISSIONEIROS (ACIMA)
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Foi, a propósito, a partir da invasão em 1637 de uma das reduções jesuíticas – a de San Antonio, que integrava um conjunto chamado Guairá –, que se iniciou a sanha escravagista daqueles homens que se consideravam abandonados pela Coroa no planalto paulista. Desprovidos de qualquer tipo de pudor, estabeleciam eles suas próprias leis, e de forma alguma importavam-se em contar com a ajuda de muitos indígenas para atingirem seus objetivos. Aproveitavam-se, assim, do espírito naturalmente guerreiro de alguns nativos para aprisionar outros tantos. A grande bandeira de Manuel Preto e Raposo Tavares que atacou Guairá, por exemplo, era formada por 69 brancos, 900 mamelucos (filhos de pai branco e mãe índia) e 2 mil indígenas. Como aponta Boris Fausto, os paulistas não constituíram uma "raça especial". Sua coragem e arrojo, ou o fato de que tenham contribuído para a extensão territorial do Brasil, estão fora de dúvida, mas o simples relato de suas façanhas (e crueldades) mostra que eles não tinham nada a ver com a imagem de heróis civilizadores. "Os paulistas construíram uma sociedade rústica, com menor distinção entre brancos e mestiços, influenciada pela cultura indígena. Não devemos porém confundir (...) com uma sociedade democrática, pois uma hierarquia das melhores famílias e a dominação sobre os índios prevaleceram." E o que era feito dos milhares de índios apreendidos? A maioria provavelmente era vendida como mão-de-obra escrava em São Vicente e no Rio de Janeiro, onde também houve produção de cana-de-açúcar. Dados mais recentes dão conta de que teriam sido utilizados na própria economia paulista, em especial nas la-
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vouras de trigo, no século XVII. No alvorecer do século XVIII, cumpririam os bandeirantes nova etapa – desta feita na busca do ouro (ver capítulo 3).
EM 1624, HOLANDESES OCUPARAM SALVADOR, MAS FORAM EXPULSOS NO ANO SEGUINTE
DE PARCEIROS A INVASORES Como já apontado, Portugal e Holanda foram, durante muitos anos, parceiros na partilha da riqueza gerada pela indústria do açúcar. Um fato político, entretanto, terminaria por azedar as relações entre os dois países. Acontece que, de 1580, quando se encerra a Dinastia de Avis, a 1640, o reino de Portugal passou a estar sob a tutela da Espanha, no período que ficou conhecido como União Ibérica. E como a Espanha e os então chamados Países Baixos estavam em guerra desde 1568, a participação relevante dos holandeses (ou flamengos) na indústria açucareira do Brasil já não seria mais possível. Estava por se iniciar um período de sucessivos conflitos entre os até então fraternais parceiros comerciais. As primeiras investidas dos holandeses foram pilhagens à costa
da África, em 1595, e a Salvador, em 1604. Após um breve período de trégua entre Espanha e Holanda, e com a criação da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, em 1621, os flamengos intensificaram suas ações no sentido não apenas de ocupar as principais zonas de produção açucareira na América portuguesa, como também de controlar o suprimento de escravos que vinha da costa oeste da África. Seguiram-se, então, as tentativas de invasão. Em 1624, os holandeses ocuparam Salvador, e durante um ano enfrentaram forte resistência, até se renderem, em maio de 1625. Mas não desistiram de seu intento. Cinco anos depois, o alvo mudou. Em 1630, atacaram Pernambuco (a maior e mais rica região produtora de açúcar do mundo, à época com 130 engenhos), e conquistaram Olinda. O domínio holandês na região, entretanto, só se consolidaria em 1637, pois durante sete anos os portugueses ofereceram resistência aos invasores, encastelados em suas propriedades rurais, onde possuíam mais recursos. Finalmente vitoriosa, a Holanda assumiu o controle de um território mais amplo: exata-
FRANS POST PINTOU O BRASIL DA ÉPOCA DO GOVERNO DE MAURÍCIO DE NASSAU
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VISTA DE OLINDA POR VOLTA DE 1650
mente a região compreendida entre o Ceará e o Rio São Francisco. É só então que começa a Era Nassau, a qual leva o nome do conde holandês, depois príncipe, que, apesar de breve passagem pelo Brasil (1637-44), deixaria uma importante marca cultural.
ACIMA, MOEDA DE OURO CUNHADA ESPECIALMENTE PARA MARCAR A ÉPOCA HOLANDESA
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AMSTERDÃ EM PERNAMBUCO Nascido na Alemanha, mas tendo vivido boa parte de sua carreira na Holanda, João Maurício de Nassau teve sólida formação humanista. O início de seu governo à frente da Nova Holanda se deu com a transferência para Recife da sede de seu governo (e tirando de Olinda a condição de capital da capitania). Apesar de calvinista, foi tolerante com os católicos e concedeu liberdade de culto aos cristãos-novos (judeus), que até então só podiam professar sua fé às escondidas. Concedeu financiamento a quem quisesse assumir a produção nos engenhos de açúcar abandonados em razão da disputa com os portugueses, e obrigou que se plantasse também mandioca nas lavouras, na proporção de escravos de cada engenho. Uma das mais emblemáticas marcas de Nassau se deu no campo das artes e das ciências humanas. O governante foi o responsável pela vinda ao Brasil de muitos cientistas, naturalistas e artistas plásticos, como Frans Post, o primeiro a retratar as paisagens e cenas da vida brasileira, e Albert Eckhout, célebre por suas obras mostrando tipos humanos, plantas e animais. As obras de Post e Eckhout como que se complementam para, com arte e apuro técnico, registrar e eternizar uma época. Outros dois nomes de gran-
MAURÍCIO DE NASSAU (AO LADO) TRANSFORMOU A PAISAGEM DO NORDESTE BRASILEIRO 95
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AO LADO, CAPA DA OBRA DE MARCGRAF E PISO SOBRE HISTÓRIA NATURAL DO BRASIL, PUBLICADA EM 1648. ABAIXO, OUTRA OBRA DE FRANS POST
de relevância na comitiva de Nassau foram os de Georg Marcgraf e Willem Piso, que anos depois publicaram na Alemanha uma obra excepcional, chamada Historia Naturalis Brasiliae. Enquanto Marcgraf estudou o clima e classificou centenas de espécies da fauna e da flora, Piso estudou profundamente as doenças tropicais e ervas medicinais brasileiras. Ao todo, a comitiva trazida pelo governante holandês era formada por 46 homens, das mais diversas formações na área das ciências e das artes. Tais foram as transformações urbanas capitaneadas por Nassau em Recife – a cidade ganhou traçado geométrico e inclusive canais que, de alguma forma, lembravam a bela Amsterdã, na Holanda – que o lugar chegou a ser oficialmente rebatizado como Cidade Maurícia, ou Mauritiópolis. Nassau construiu um zoológico, plantou dezenas e dezenas de árvores frutíferas, promoveu apresentações artísticas e culturais de toda ordem. No dizer de Sérgio Buarque de Holanda, "institutos científicos e culturais, obras de assistência de toda ordem e importantes organismos políticos e administrativos (basta dizer que em 1640 se reunia em Recife o primeiro Parlamento de que há notícia no hemisfério ocidental) davam à sede do governo da Nova Holanda um esplendor que a destacava singularmente no meio da miséria americana". Cabe salientar, entretanto, que semelhante transformação não ultrapassava os muros das cidades. Como refere Buarque de Holanda, "o esforço dos conquistadores batavos limitou-se a erigir uma grandeza de fachada, que só aos incautos podia mascarar a verdadeira, a dura realidade econômica em que se debatiam."
SEDE DO GOVERNO DA NOVA HOLANDA OSTENTAVA UM ESPLENDOR QUE A DESTACAVA EM MEIO À MISÉRIA DA AMÉRICA
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ENDIVIDADOS E VENDO O PREÇO DO AÇÚCAR CAIR, SENHORES DE ENGENHO ARTICULARAM A GUERRA CONTRA OS BATAVOS
O FIM DE UMA ERA Adorado não só por portugueses e brasileiros, mas também por índios, negros africanos e europeus de diversos países que haviam aportado em Pernambuco e região por aqueles tempos, Maurício de Nassau não conseguiu um perfeito entendimento com a Companhia das Índias Ocidentais, a quem se reportava, hierarquicamente falando. E por isso decidiu renunciar à chefia de governo do enclave holandês no Brasil, em maio de 1644. Coincidência ou não, não demoraria mais do que um ano para que os portugueses decidissem que era chegada a hora de retomar o controle que haviam perdido em 1630. A disputa entre Portugal e Holanda passava por uma trégua desde 1641, a qual havia sido formalizada um ano depois dos portugueses se desvincularem da Espanha, pondo fim a 60 anos de União Ibérica (1580-1640). Além de recuperar sua autonomia, Portugal desfazia, assim, seu vínculo com os tradicionais inimigos dos batavos, o que poderia significar a possibilidade de reatar boas relações com a Holanda, como no início do ciclo do açúcar. Acontece que, endividados com a Companhia das Índias Ocidentais e vendo o preço do açúcar desabar no mercado internacional, senhores de engenho se articularam para enfrentar os batavos. Desta feita, ao contrário do que havia ocorrido em 1630, quando os portugueses se entrincheiraram no campo para tentar fazer frente aos ataques holandeses, a disputa mais demorada se deu na zona urbana, onde durante anos os holandeses resistiram às incursões portuguesas, depois de facilmente se deixarem dominar na zona rural. Um primeiro enfrentamento bélico se deu em agosto de 1645, mas os confrontos que ficariam célebres ocorreriam apenas em 1648, quando os rivais se confrontaram na primeira batalha dos Guararapes (nome dos montes nos arredores de Recife onde o conflito aconteceu), e logo em seguida, em 1649, na segunda, ambas as disputas vencidas pelos lusos. Sitiados em Recife, os holandeses resistiram até janeiro de 1654, quando finalmente se entregaram. Oficialmente, entretanto, só abriram mão do território brasileiro em 1661. CONSEQUÊNCIAS DA EXPULSÃO DOS HOLANDESES A retomada da soberania sobre o território que havia sido ocupado pela Holanda teve duas implicações principais, uma de caráter sociológico e cultural, outra com viés econômico e estratégico. A primeira: a guerra contra os holandeses reuniu, pela primeira vez na história do Brasil, lideranças de diferentes raças. Co-
DESENHO DE PISO, À ESQUERDA, E QUADRO QUE RETRATA A BATALHA DOS GUARARAPES, À DIREITA: PRESENÇA HOLANDESA DUROU 24 ANOS
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BOLSA DE AMSTERDÃ, AO LADO, ONDE SE NEGOCIAVAM AÇÕES DOS PODEROSOS GRUPOS FINANCEIROS HOLANDESES
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mandaram os batalhões nomes ilustres entre os lusos, como Fernandes Vieira e Vidal de Negreiros, mas contaram eles, entretanto, com a prestimosa colaboração de Henrique Dias, que chefiou um batalhão formado apenas por negros, e de Felipe Camarão, potiguar que liderava um pequeno e bravo grupo de guerreiros indígenas. Vem daí a tese de que as batalhas dos Guararapes teriam sido o primeiro episódio do nacionalismo brasileiro, por reunirem do mesmo lado representantes de três raças. A segunda consequência da vitória sobre os holandeses foi a imediata tentativa destes de se reposicionarem no mercado mundial do açúcar. Nas palavras de Celso Furtado, "senhores da técnica de produção e muito provavelmente aparelhados para a fabricação de equipamentos para a indústria açucareira, os holandeses se empenhariam firmemente em criar fora do Brasil um importante núcleo produtor". A situação que encontram nas Antilhas francesas e inglesas foi tão favorável que eles optaram por colaborar com os colonos dessas regiões, em lugar de tentarem ocupar novas terras e instalar por conta própria a indústria." Assim, em pouco tempo – menos de um decênio depois de terem sido expulsos do Brasil – os holandeses estariam à frente de poderosos grupos financeiros que controlavam grandes quantidades de terras e possuíam engenhos açucareiros de grandes proporções. A competição internacional, portanto, seria o próximo e grande desafio a ser enfrentado por Portugal na colônia a oeste do Atlântico, uma vez que a dependência da cultura da cana era quase completa – e os preços do açúcar estavam por despencar.
Os 7 Brasis O historiador Evaldo Cabral de Mello, um emérito especialista sobre o Brasil holandês, costumava ser inquirido sobre quais teriam sido os destinos do nosso país caso a ocupação holandesa do Nordeste tivesse frutificado. E sua resposta invariavelmente era de que tal dependeria do ponto de vista das intenções pretendidas. Se a preocupação daquele que formulou a pergunta fosse com um padrão de vida mais elevado e uma formação cultural bem superiores aos existentes atualmente entre os brasileiros, talvez fosse interessante que certas áreas do Brasil tivessem ficado sob administração dos batavos ou mesmo dos franceses. Mas, se for obedecido o quesito da continuidade territorial e administrativa, da integração racial e da uniformidade religiosa e linguística, a resposta seria outra, e favorável, é claro, à colonização portuguesa. Inspirando-se na primeira parte da resposta de Evaldo Cabral de Mello, isto é, a possibilidade de haver um Brasil subdividido entre diversas nações europeias, segue-se um resumo, puramente especulativo, do possível traçado territorial desse Brasil, ou Brasis, caso vingassem outras ocupações, povoamentos ou conquistas registradas na história do Brasil Colonial. VOLTAIRE SCHILLING, HISTORIADOR
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os 7 Brasis
A AMAZÔNIA ESPANHOLA Na medida em que foram dois exploradores espanhóis, primeiro Vicente Pinzón, em 1500, depois Francisco Orellana, em 1542, que percorreram a foz do “Mar Dulce” e os grandes rios da região, a quem Orellana chamou de Amazonas, é possível que a grande floresta se tornasse parte efetiva do Império Espanhol da América. O litoral atlântico dessa Amazônia espanhola provavelmente se estenderia do Rio Oiapoque, no limite com a Guiana Francesa, até o Rio Gurupí, fronteiro ao Maranhão.
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A FRANÇA EQUINOCIAL Caso o povoamento do Maranhão, impulsionado pelo armador francês Jacques Riffaut, em 1594, seguido, em 1612, da fundação de São Luís por Daniel La Ravardière, vingasse, toda a costa do Maranhão, do Rio Gurupí até o Rio Parnaíba, formaria a França Equinocial, de fé católica.
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A NOVA HOLANDA Resultado da operação militar de ocupação ordenada pela Companhia das Índias Ocidentais, comandada pelo Almirante Lock, em 1630, e assegurado por José Maurício de Nassau, a partir de 1637, o empreendimento batavo ocuparia todo o litoral do Nordeste de hoje. Seus limites partiriam do Rio Parnaíba, bem ao Norte, até a fortaleza de Penedos, na margem esquerda do Rio São Francisco, ao Sul, na atual Alagoas. Sua capital seguramente continuaria a se denominar Mauritiópolis (atual Recife). O ESTADO DO BRASIL A cidade de Salvador, fundada por Tomé de Sousa em 1549, e que conseguiu resistir por duas vezes aos assaltos dos holandeses (uma em 1624, outra em 1637), provavelmente continuaria sendo a capital do Estado do Brasil, ou da Nova Lusitânia, um Estado que teria a margem direita do São Francisco como seu marco ao Norte e a foz do Rio Paraíba do Sul como seu limite mais meridional. Formaria, juntamente com a Pauliceia, os dois estados coloniais portugueses do Brasil.
OCUPAÇÕES, POVOAMENTOS E CONQUISTAS DIVERSAS PODERIAM TER ALTERADO SIGNIFICATIVAMENTE O MAPA DO BRASIL
A FRANÇA ANTÁRTICA No atual estado do Rio de Janeiro, se encontraria ainda a França Antártica, que o almirante Villegagnon, ao fundar na Baía da Guanabara o forte de Coligny, em 1550, sonhou tornar uma Nova Jerusalém para os huguenotes franceses e todos aqueles perseguidos por motivos religiosos na Europa de então. É bom lembrar que tal estado pró-calvinista estaria envolvido boa parte do seu tempo em guerras contra seus vizinhos portugueses católicos. Pouco auxilio lhe poderia vir da outra colonização francesa mais ao norte, a do Maranhão, porque a França Equinocial continuaria católica. O II º ESTADO DO BRASIL, OU PAULICEIA Iniciada a ocupação do litoral paulista por Martim Afonso de Sousa, em 1532, com a vila de São Vicente, e com o domínio do Planalto de Piratininga com a fundação do Colégio Jesuíta (em seguida, Vila de São Paulo - 1554-1560), esse 2º Estado do Brasil, ou Pauliceia, formaria uma administração independente da de Salvador, a quem só estaria ligado pelo mar. Seus prováveis limites se estenderiam da Baia da Ilha Grande até a cidade de Laguna, no atual Estado de Santa Cataria, ou quiçá até Torres, no extremo nordeste do Estado do Rio Grande do Sul. O ESTADO CISPLATINO Concretizada a ocupação do Continente do Rio Grande do Sul, feita pelo espanhol D. Pedro Ceballos, em 1763, e se a região inteira não fosse depois permutada pela Cidade de Colônia do Sacramento (Tratado de Santo Ildefonso, de 1777), o atual Estado do Rio Grande do Sul pertenceria ao Vice-Reino do Prata e, depois da Independência, à Republica Oriental do Uruguai, com capital em Montevidéu. A extensão dele iria do Rio da Prata, ao sul, até Torres. Talvez fizesse ainda parte deste Estado Cisplatino, como uma espécie de posto avançado, a atual Ilha de Santa Catarina, pois ela fora descoberta pelo navegante espanhol Juan Diaz de Solis, quando da sua viagem a caminho do Rio da Prata, em 1515.
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ouro GARIMPANDO UM NOVO PAÍS
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A descoberta das lavras de ouro nas Minas Gerais, nos finais do século XVII e início do século XVIII, seguida dos achados em Jacobina e no Rio das Contas, na Bahia, nos de Forquilha e Sutil, no Mato Grosso, e o que se extraiu no sertão de Guaiás, em Goiás, foi o acontecimento mais espetacular da história econômica do Brasil colônia. E tudo porque provocou enorme repercussão, tanto para a própria metrópole como para boa parte do mundo. Desde os primórdios da colonização, acreditava-se que o Brasil tinha ouro e outros metais e pedras preciosas. Só que, passados já dois séculos de ocupação, não haviam sido encontrados em volume significativo.
Lentamente, a economia colonial abandonou sua predominância extrativista e coletora dos primeiros tempos, do tráfico com paubrasil e das drogas do sertão, para uma exploração mais racional e estável, graças à implantação dos engenhos de açúcar e das lavouras de tabaco que se espalharam por todo o litoral do Nordeste. Ao redor do final do século XVII, a população brasileira era estimada em algo como 300 mil povoadores, grande parte deles concentrados no Nordeste. Calcula-se que havia ainda em torno de 1,5 milhão de índios. Outro pequeno núcleo populacional luso encontrava-se no Planalto de Piratininga, na atual São Paulo, formado pelos bandeirantes. Tipos mamelucos que se dedicavam a prear índios pelo sertão afora, indo inclusive atacar as missões guaranis, organizadas pelos jesuítas desde os séculos XVI e XVII, no Paraguai e no atual Estado do Rio Grande do Sul. Foi nesse quadro, de limitado progresso econômico (os portugueses começavam a enfrentar a concorrência da produção colonial dos holandeses, franceses e ingleses, que implantaram enge-
NO FINAL DO SÉCULO XVII, POPULAÇÃO DO BRASIL CONTAVA COM 300 MIL POVOADORES E 1,5 MILHÃO DE ÍNDIOS
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PLANTA DA CIDADE DE OURO PRETO, DOCUMENTO DE AUTOR DESCONHECIDO E PRODUZIDO POR VOLTA DE 1800
nhos açucareiros nas Antilhas), que a Coroa de Portugal decidiuse por pressionar seus funcionários e demais habitantes, no sentido de estimulá-los, particularmente os paulistas, a que desbravassem o sertão em busca do precioso ouro. A CORRIDA DO OURO O Padre Antonil, no clássico Cultura e Opulência do Brasil, aponta um mulato que teria acompanhado uma bandeira paulista como o primeiro a ter encontrado ouro no Cerro Tripuí, nas Minas Gerais. Eram “granitos cor de aço”, que ele vendeu em Taubaté a um preço irrisório, sem saber o que havia encontrado. Mandaram umas amostras para o governador do Rio de Janeiro, Arthur de Sá, e verificouse que “era ouro puríssimo.” Outros indicam o nome de Antônio Rodrigues Arzão, que por volta de 1693 teria garimpado substancial lavra na Casa da Casca, da qual também não chegou a tirar proveito. Seu concunhado, porém, um certo Bartolomeu Bueno Siqueira, conseguiu tal intento, só que nas barrancas de Itaverava. Neste cenário, uma data importante foi a emissão da Carta Régia de 27 de janeiro de 1697, que enviava uma ajuda de custos 110
AFLUXO DE EXPLORADORES PARA A REGIÃO DE DIAMANTINA FOI ENORME
de 600.000 R$/ano ao governador-geral Mem de Sá para auxiliar nas buscas. Dar-se-iam aos paulistas beneméritos “as mesmas honras, e mercês de hábitos, e foros de fidalgos da Casa”, desde que encontrassem e explorassem as lavras auríferas. Finalmente, em 1º de março de 1697, o agitado governador do Rio de Janeiro, Castro Caldas, remetia ao rei o resultado das últimas façanhas dos paulistas que haviam encontrado nos sertões de Taubaté “de 18 a 20 ribeiro de ouro da melhor qualidade”. A notícia da descoberta do metal precioso no interior do Brasil, o maior manancial até então encontrado em todo o Ocidente, provocou a primeira corrida do ouro da história moderna – achados só superados depois pelos da Califórnia (EUA), em 1848, e o do Yukon (Canadá), em 1890. Antonil observou que a “cada ano vêm nas frotas quantidades de portugueses e de estrangeiros, para passarem às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil, vão brancos, pardos e pretos, muitos índios de que os paulistas se servem.” Foi tamanho o fluxo que o rei D. João V resolveu, por lei de 1720, controlar a saída dos seus súditos, com medo do despovoamento das aldeias e dos campos portugueses. Não evitou porém que, ao longo do século
NOTÍCIA DA DESCOBERTA DO METAL PRECIOSO PROVOCOU A PRIMEIRA CORRIDA DO OURO DA HISTÓRIA MODERNA
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POPULAÇÃO DO PAÍS DECUPLICOU NO SÉCULO XVIII, PASSANDO DOS 3 MILHÕES DE HABITANTES
XVIII, 800 mil deles viessem parar nos garimpos. Os navios “da Repartição do Sul” dirigidos ao porto do Rio de Janeiro, passaram a ser vigiados e vistoriados, terminando por adotar-se as licenças especiais e o passaporte em 1709 como uma maneira de refrear o fluxo dos aventureiros. Mesmo na colônia a disparada em massa dos moradores em direção às minas provocou alarme das autoridades. Gente vinha de Taubaté, de Guaratinguetá, de Santos, do sertão da Bahia e de mais longe ainda. Em 1702, o governador-geral do Brasil, D. Rodrigo Costa, comunicou ao rei D. Pedro II que a situação tornava-se calamitosa, constatando que as capitanias achavam-se quase desertas porque seus moradores, “esquecendo-se totalmente da conservação das próprias vidas e segurança dos seus mesmos domínios”, rumavam para os garimpos. Chegavam lá pessoas de todas as condições, homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, clérigos e religiosos de várias instituições (os padres foram convidados a se retirarem das Minas em 1738). Iniciava-se a ocupação do interior do Brasil. A população, naquele século, decuplicou, atingindo a mais de 3 milhões de habitantes, sendo que 650 mil concentravam-se na área das minas.
EVOLUÇÃO DEMOGRÁFICA DA COLÔNIA ANO
ESTIMATIVA DE POPULAÇÃO
1690
184 MIL A 300 MIL
1780
2,5 MILHÕES
1798
3,2 MILHÕES (*)
(*) SUBDIVIDIDOS EM: BRANCOS, 1.010.000 (31%); ÍNDIOS, 250.000 (7,7%); LIBERTOS, 406.000 (12,5%); PARDOS-ESCRAVOS, 221.000 (6,8%); NEGROS-ESCRAVOS, 1.361.000 (42%). FONTE: CONTRERAS RODRIGUES (IN R. SIMONSEN, HISTÓRIA ECONÔMICA DO BRASIL, P. 271)
MAPA DA ESTRADA REAL, ATUAL DESTINO TURÍSTICO, MOSTRA OS DOIS CAMINHOS QUE LEVAVAM À REGIÃO DA EXPLORAÇÃO DE MINÉRIOS
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OS CAMINHOS DAS MINAS Dois caminhos para chegar às minas logo foram definidos: o Caminho Geral do Sertão, que acompanhava o vale do Paraíba através da Serra da Mantiqueira, e o Caminho Novo, por Pindamonhangaba, de onde se levava uns 20 dias para chegar às lavras. Para melhor administrar e fiscalizar os achados, a Coroa indicou como seu representante um Procurador da Coroa e um Guarda-mor. Estabeleceu ainda uma Casa de Quintar, para arrecadar o quinto (imposto real). Essa Casa, também conhecida como das Contas, tinha um administrador, um escrivão e um fundidor, que transformava o ouro em barras, afixando-lhe o cunho real.
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CIDADES MINEIRAS VIVENCIARAM GRANDE PROGRESSO E MELHORIAS NO ASPECTO ARQUITETÔNICO
EMBOABAS Inevitavelmente, atritos se dariam entre os paulistas, os primeiros chegados às lavras, e os emboabas, expressão que designava os reinóis ou adventícios recém vindos de fora. Diga-se que, desde o início, os paulistas tentaram se precaver fazendo com que a "Gente de Algo" da Paulistânia enviasse, como apoio da Câmara local, em 16 de abril de 1700, uma solicitação ao governador da praça do Rio de Janeiro, na intenção de resguardar para eles as minas recém encontradas, "expondo os direitos planaltinos acerca das terras minerais e pleiteando para os mesmos o monopólio delas". Acontece que, com a chegada quase à galope de forasteiros, o monopólio dos paulistas tornou-se insustentável. Numa população estimada em 70 mil pessoas por volta de 1710, os paulistas não perfaziam mais de mil. Em pouco tempo, a região virou o "País da Desordem". Um dos governadores-gerais da época, D. João de Lencastre, estimou, em carta ao reino, ser perigoso para os interesses de segurança de el-Rei a enorme concentração de riqueza e opulência em mãos dos paulistas, pois "são capazes de apetecer sujeitar-se a qualquer Nação estrangeira que (...) os conserve na liberdade e na insolência com que vivem". 114
PRESENÇA DE MILHARES DE FORASTEIROS E PAULISTAS TRANSFORMOU A REGIÃO NO “PAÍS DA DESORDEM”
Deu-se então, como resultado das crescentes desavenças e rivalidades, a chamada Guerra dos Emboabas (1709-10), quando a Coroa apoiou sua gente contra os paulistas, aproveitando-se para exercer um controle mais firme, semipolicial, sobre a região. Derrotados, muitos dos paulistas resolveram emigrar para outras áreas, em busca de outros campos, como os de Goiás e do Mato Grosso, onde novas jazidas foram descobertas, ou ainda dedicar-se à pecuária e ao tropeio do gado, indo se estabelecer nas partes mais meridionais da colônia, nos campos de Curitiba e, bem mais ao sul, no Rio Grande do Sul. Vezes sem conta entraram no Uruguai adentro, e mesmo em Corrientes e Missiones, na Argentina, para chegarem-se às bestas. Lá, aproveitaram-se da existência de imensas manadas de gado chimarrão, isto é, animal selvagem, xucro, que crescia vegetativamente nas várias vacarias conhecidas: a das Missões, a dos Pinhais e a do Mar. Assentaram-se eles, a partir de então, como estancieiros, criadores, tropeiros e comboieiros de gado, que vendiam nas feiras de Sorocaba (SP). Outros ainda irão se fixar em regiões mais próximas às minas, tanto no interior de São Paulo, dedicados às “drogas da terra”, como na atual área do triângulo mineiro, também caracterizada pela terreno apropriado à criação.
EXPULSOS DAS MINAS, MUITOS PAULISTAS VIRARAM ESTANCIEIROS, CRIADORES E TROPEIROS
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VILA RICA POR VOLTA DE 1835 (ACIMA). AO LADO, IMAGENS QUE MOSTRAM O MODO DE MINERAR E RETIRAR (ALTO) E DE LAVAR DIAMANTES
VILA RICA DE OURO PRETO A política da Coroa portuguesa na região das minas recém-descobertas foi procurar fixar a população em aldeamentos. Para tanto, o governador Antônio Albuquerque tratou de fundar vilas, tais como a de Ribeirão do Carmo, chamada Mariana (abril de 1711), Vila Rica de Ouro Preto (julho de 1711), Vila Real de Sabará (também julho de 1711) e, entre 1713-18, as vilas de Nova Rainha, de Pitanguí, a de São João del Rei, de São José e a Vila do Príncipe. De certa forma esse trabalho foi facilitado pela mudança no processo de extração do ouro. Numa primeira fase, de 1693 a 1720, os chamados faiscadores (que trabalhavam de forma avulsa) formavam uma população ambulante, cigana, que se deslocava atrás do ouro aluvial, indo de lavra em lavra, de barranca em barranca. Posteriormente, após 1720, com o esgotamento desse processo, restava o ouro da montanha, que exigia outros recursos técnicos de mineração, escavação e estocagem, obrigando os garimpeiros a construírem suas casas próximas das datas de minas a que tinham direito explorar. Situada na Serra de Ouro Preto, esporão da Serra do Espinhaço, a 1.061 metros de altitude, Vila Rica de Ouro Preto converteu-se rapidamente no maior garimpo da lavra do ouro da região. A partir de 1711, tornou-se a capital da Província, situação que manteve até 1897. Nela construíram-se as mais belas igrejas das Minas
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Gerais, tornando-se um centro cultural e civilizador. Acolheu as liras musicais, os escultores, pintores, artesãos e os arquitetos. Foi também a sede do primeiro movimento literário expressivo do Brasil, a chamada Escola Mineira, ou Movimento Arcadiano, que teve em Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto seus representantes mais retumbantes e consagrados. Tornaram-se o núcleo da consciência nacional, quando um grupo de intelectuais, funcionários, padres e militares imaginaram a possibilidade de livrar as Minas do colonialismo português, no malsucedido episódio da Inconfidência Mineira de 1789. A INCONFIDÊNCIA A revolta anticolonialista, antecedida pela rebelião malograda de Felipe dos Santos, de 1720, também na Vila Rica, foi planejada para eclodir no dia do lançamento do odiado “imposto da derrama”, uma taxação suplementar criada pelas autoridades portuguesas para completar a cota tributária da região. Traídos que foram os conspiradores por Joaquim Silvério dos Reis, que os denunciou em carta às autoridades, o único entre os prováveis insurgentes a ser executado foi o alferes Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes. Enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro, em 21 de abril de 1792, seus restos foram expostos na estrada que ligava o Rio à região das minas. Os demais patriotas foram condenados ao degredo em Angola e Moçambique, na África. Ouro Preto também foi onde dois grandes mestres da arte barroca atuaram: Aleijadinho, considerado o único gênio artístico do Brasil colonial, cujas obras-primas podem ser apreciadas na Igreja de São Francisco de Assis e na fachada da Igreja da Nossa Senhora do Carmo, e Mestre Ataíde, pintor das abóbadas das mesmas igrejas. Na música, destacaram-se José Joaquim Emérico e o Padre José Maurício, este considerado o primeiro da tríade de grandes compositores brasileiros, com Carlos Gomes e Villa Lobos.
TIRADENTES (ACIMA) FOI O ÚNICO INCONFIDENTE PRESO E MORTO. AO LADO, IGREJA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS, LEGADO ARQUITETÔNICO DO BARROCO MINEIRO
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SONEGAÇÃO A legislação que tratava da exploração das minas derivava das Ordenações Filipinas (Título XXXIV, livro 2) e determinava que o descobridor de veeiros ou minas de prata, de ouro ou qualquer outro metal – considerados propriedade da Coroa – necessitava da autorização especial do provedor de metais para sua exploração. Cabia a este demarcar ao concessionário um quadrilátero de 60 x 8 varas. Os regimentos posteriores, de 1603 e 1618, aumentaram a extensão do quadrilátero, até que, com o 3º regimento, o de 1702 , fixou-se a medida entre 178m x 88m, introduzindo também as chamadas datas-inteiras. O descobridor do veio era obrigado a ceder uma data para el'Rei e outra para o Guarda-mor; além disso, era constrangido a
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NA PÁGINA AO LADO, DESENHO QUE RETRATA A MINERAÇÃO DE DIAMANTES, DE AUTORIA DO INGLÊS JOHN MAWE
pagar o quinto de tudo aquilo que garimpasse. Devido a tais excessos tributários, foi fatal que a sonegação imperasse. O sábio Alexander von Humbold conjecturou que de 20% a 35% do ouro foi contrabandeado do Brasil. O VOLUME EXTRAÍDO Quanto ao teor do ouro brasileiro, ele alcançava a média de 21 a 22,5 quilates, sendo de cor variável. Havia, em abundância, o mais chamativo deles, o brilhante ouro amarelo, e também um cor de latão, outro, chamado de ouro preto, e finalmente um avermelhado ou cor de bronze. Existia até um que apelidavam de ouro podre, pela inexistência de brilho. Quanto às avaliações do seu valor e do peso extraído, são muito diversas as cifras. O Barão von Eschwege estimou em 130 milhões de libras esterlinas, para um total de 951.255 toneladas, entre 16001800. Pandiá Calógeras calculou algo próximo: 135 milhões de libras esterlinas e 983 toneladas entre 1700-1801. Já o Barão von Humbold chegou a um valor de 194 milhões de libras esterlinas, mas cobrindo um período maior – de 1500 a 1803. Seja como for, para Roberto C. Simonsen, em História Econômica do Brasil, entre 1700 e 1770 a produção do ouro brasileiro alcançou cerca de 50% do que o resto do mundo extraiu entre os séculos XVI e XVIII. QUANTIDADES DE OURO EXTRAÍDAS VINTÊNIO
TOTAL EM KG
1691– 1700
15.000
1701– 1720
55.000
1721– 1740
177.000
1741– 1760
292.000
1761– 1780
207.000
1781– 1800
109.000
FONTE: ROBERTO SIMONSEN, HISTÓRIA ECONÔMICA DO BRASIL, P. 237
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APELIDADO “O DÉSPOTA ESCLARECIDO”, MARQUÊS DE POMBAL NUTRIA FORTE ANTIPATIA PELOS JESUÍTAS. AO LADO, MAPA DE SAMUEL FRITZ, DE 1707, MOSTRANDO A REGIÃO DO RIO AMAZONAS E A LOCALIZAÇÃO DE UMA MISSÃO JESUÍTICA
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O TRATADO DE MADRI O ano de 1750 não se caracterizou apenas ser esta a metade cronológica do século XVIII. Foi também um divisor de águas. Nas relações do reino de Portugal com o reino da Espanha, marcou a revisão do Tratado de Tordesilhas, o qual, desde o final do século XV, separou os interesses dos dois reinos ibéricos. É também o ano em que chega ao cargo de primeiro-ministro português o Marquês de Pombal. Mandão e autoritário, classificado por boa parte da historiografia como “o déspota esclarecido”, Pombal praticou, durante os 27 anos em que empalmou o governo, a mais completa concentração do poder por parte do Estado que Portugal até então conheceu. A revisão do Tratado de Tordesilhas deu-se pela assinatura, em janeiro de 1750, do Tratado de Madri, mais tarde retomado, revisado e aperfeiçoado pelo Tratado de Santo Ildefonso, de 1777. O representante português, o Visconde de Cerveira, instruído pelo secretário do rei D. João V (o brasileiro Alexandre de Gusmão), propôs que um novo critério fosse adotado para a delimitação das fronteiras entre os dois impérios. Nada mais de tentar inutilmente seguir ao meridiano de Tordesilhas, que ninguém mais obedecia, mas buscar, dentro das modernas normas do direito internacional, limites concretos, acidentes geográficos facilmente identificáveis, "como a origem do curso dos rios e os montes mais notáveis". Além disso, concordaram em seguir o principio denominado utis possidetis, em que se reconhecia como parte integrante de determinado reino aquele território que já estivesse ocupado majoritariamente por alguns dos seus súditos. A proposta compreendia uma mudança figurativa da linha da fronteira: a substituição de uma linha reta (a de Tordesilhas) por uma curva (acompanhando a sinuosidade das margens dos rios). No que tange às questões fronteiriças do Mato Grosso e da Amazônia, não houve maiores problemas. A vastidão da área selvática, desolada e escassamente povoada, praticamente não produzia atritos entre os lusos e os espanhóis. Tanto é que o governador-geral do Grão-Pará, Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, nem compareceu ao encontro do comissário espanhol para acertar as tratativas dos limites em meio àquela mata toda. Fato que ele atribuiu à má vontade dos jesuítas, que não lhe cederam a tempo os índios remeiros, atiçando a fúria do poderoso irmão contra os padres da Companhia de Jesus. Na fronteira sul dos dois impérios a situação, entretanto, foi bem outra. O verdadeiro entrave histórico a qualquer acordo era a existência da cidade portuguesa de Colônia do Sacramento, fundada em 1680, em frente a Buenos Aires. Ela não só marcava a presença lusa no rio da Prata, como atuava como um centro de contrabando na tentativa de se obter parte da prata originada das minas de Potosí, que por ali desaguava em barcos. Colônia do Sacramento foi palco de árduas e renhidas disputas, até que ambas
MESMO COM A REVISÃO DO TRATADO DE TORDESILHAS, REGIÃO DO RIO AMAZONAS NÃO CAUSOU DISCUSSÕES ENTRE LUSOS E ESPANHÓIS 123
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PROJETO DOS JESUÍTAS ERA INSTALAR UMA REDE DE REDUÇÕES DO PARAGUAI ATÉ O ATLÂNTICO
as partes convenceram-se da necessidade de fazer uma permuta. Como os espanhóis, desde o século XVII, graças às penetrações jesuítas vindas do Paraguai, mantinham o controle de quase a metade do território que hoje pertence ao estado do Rio Grande do Sul, propuseram trocar esta fatia de terra pela posse definitiva da Colônia do Sacramento, que ainda continuava na guarda dos portugueses. Pode parecer estranho, mas é isso mesmo: uma só cidade por metade de uma província! No que toca aos grande rios, pode-se dizer que acertou-se que o rio Amazonas, quase na sua integridade, pertenceria a Portugal e, em troca, os lusos reconheceriam que o rio da Prata ficaria no controle definitivo da Espanha. AS MISSÕES A região que hoje engloba o estado argentino de Missiones e a República do Paraguai formava, até a metade do século 18, o notável complexo socioeconômico das Missões Jesuíticas. Estes enormes aldeamentos, muito bem edificados, dotados de infraestrutura autônoma e voltados para o cultivo da erva-mate, com vastas estâncias para a criação de gado e regidos por um padre jesuíta, eram povoados majoritariamente por índios guaranis e dominaram aquelas vastas extensões de terra por dois séculos. Reconhecidas como um extraordinário experimento social, sem no entanto proporem-se a ser comunidades comunistas, as mis124
ÁREA DOS SETE POVOS DAS MISSÔES (ACIMA, SÃO MIGUEL) FOI PERMUTADA PELA COLÔNIA DE SACRAMENTO
sões, desde então, foram objeto de vastos e divergentes estudos e tornaram-se a mais bem sucedida síntese do projeto de catequização dos indígenas; as pérolas mais valiosas do que o padre Montoya classificava como “a conquista espiritual”. A primeira implantação deste projeto, no lado que hoje pertence ao Brasil, deu-se em 1610 na região de Guaíra, no atual estado do Paraná. Ali ficaram pouco tempo, até 1628, quando retiraram-se para mais ao sul, para as chamadas reduções do Tapê, fugindo das investidas dos mamelucos paulistas. Em 1626 o jesuíta Roque Gonzales, com a imagem da Nossa Senhora da Conquista em punho, atravessou o rio Uruguai em direção ao Rio Grande do Sul, inaugurando a redução de São Nicolau. Terminou ele sendo martirizado, juntamente com o padre Alonzo, pelos guaranis em 1628. Sabe-se que a ambição deles era instalar uma rede de reduções que, saindo do interior do Paraguai, chegasse até ao litoral atlântico, uns mil quilômetros adiante. Objetivo que não se concretizou, devido aos sucessivos assaltos dos mamelucos paulistas que vinham atrás da mão-de-obra guarani, amansada pelo catecismo e pelo sedentarismo. No século XVIII, os jesuítas retomaram a construção da missões do lado esquerdo das margens do rio Uruguai, formando os chamados Sete Povos das Missões (São Nicolau, São Luis, São Lourenço, Santo Ângelo, São João, São Miguel e São Borja). Era exatamente essa área que a Espanha entregou para o império português.
ROQUE GONZALES FUNDOU SÃO NICOLAU EM 1626, QUE MAIS TARDE, NO SÉCULO XVIII, FORMARIA OS SETE POVOS DAS MISSÕES 125
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POMBAL ABRIU CAMINHO PARA A IGUALDADE SOCIAL E POLÍTICA ENTRE ARISTOCRATAS E BURGUESES 126
A ERA POMBAL O ano de 1750, como já se disse, também assinalou uma profunda alteração na política interna de Portugal, com reflexos em todo o seu império colonial. Foi a data em que Sebastião de Carvalho, o Conde de Oeiras, mais tarde Marquês de Pombal, tornou-se o primeiro-ministro do Reino de Portugal, no reinado de D. José I. Foi-se D. João V, o rei bonachão, carola e perdulário, e sucedeu-o no mando de fato do reino o referido ministro tirânico. O Reino Luso, abalado pelo terremoto que destruiu Lisboa em 1755, vendo, impotente, diminuírem ano a ano os proveitos da extração do ouro brasileiro, não podia, segundo ele, vacilar. Entre outras coisas, era insuportável para Pombal a existência de uma casta aristocrática independente da vontade do rei, e, mais ainda, a existência de uma poderosa ordem religiosa como a Companhia de Jesus, completamente autônoma, vivendo como um Estado dentro do Estado. Como lembrou Charles Boxer, "Pombal não admitia nenhuma tirania além da sua". A alta nobreza ele neutralizou com a prisão e brutal execução pública dos Marqueses de Távora e do Duque de Aveiro, suspeitos de envolvimento no atentado que D. José I sofreu, sem maiores consequências, ocorrido em setembro de 1758. Atacou-lhes a seguir, como detalhou Maria Tucci Carneiro, o espírito de casta, através do Alvará de Lei Secretíssimo, de outubro de 1768, e pela Carta de Lei de 1773, que, retomando as antigas posições do padre Antônio Vieira a favor da “gente da Nação”, como se designavam os judeus e muitos dos conversos, abolia a separação existente entre cristãos-velhos (em geral gente da nobreza) e os cristãos-novos (pertencentes à burguesia e às classes médias mercantis). Pombal repreendeu fortemente a prática dos casamentos fechados, exclusivos dos assim auto-designados Puritanos, famílias das grandes linhagens que se gabavam de não serem “infectas”, isto é, de não correr em sua veias qualquer sangue judeu ou mouro, orgulhosas de serem “fidalgo e cristão velho de tempo imemorial sem fama ou rumor em contrário”. Desta forma, complementado pelos alvarás de 1755 e 1757, que diziam que "o comércio não prejudica a fidalguia de quem o exerça”, Pombal abriu caminho para a igualdade social e política entre aristocratas e burgueses, dando foros de nobreza às gentes vindas das práticas mercantis. O dinheiro originado do mercado e dos investimentos, contrapondose ao das rendas fundiárias e sinecuristas, deixou de ser estigmatizado, prenunciando o capitalismo burguês moderno. Nas colônias, tais medidas conduziram à gradativa superação dos entraves que impediam os miscigenados (mulatos e cafuzos) de ascenderem na estrutura administrativa e jurídica, bem como estimularam a tolerância para com a mistura racial, especialmente no Brasil.
PADRE ANTONIO VIEIRA FICOU CONHECIDO POR SUAS POSIÇÕES FAVORÁVEIS À “GENTE DA NAÇÃO”, COMO ERAM DESIGNADOS OS JUDEUS. NO ALTO, IMAGEM DA RUA DOS JUDEUS, EM RECIFE, POR VOLTA DE 1600
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BASÍLIO DA GAMA ENALTECEU O ATAQUE AOS SETE POVOS DAS MISSÕES EM SEU FAMOSO POEMA. NA PÁGINA AO LADO, A FUNDAÇÃO DE SÃO PAULO POR MISSIONÁRIOS DA COMPANHIA DE JESUS
A CAMPANHA ANTIJESUÍTICA A vez dos jesuítas sentirem a pesada mão do ministro chegou no ano seguinte. Em 3 de setembro de 1759, adotando de maneira intransigente os princípios do estado secular, Pombal os prescreveu de todo o Reino de Portugal, sequestrando-lhes os bens, fechando-lhes os colégios e as missões, prendendo ou expulsando a maioria dos padres. Somente do Brasil mais de 500 deles foram desterrados, muitos conduzidos presos, acusados de viverem à custa dos indígenas, a quem Pombal emancipou definitivamente. O pretexto encontrado por Pombal era de que os jesuítas, além de viverem de privilégios e isenções, estavam sabotando o Tratado de Madri, negando-se a abandonar as missões, insuflando os guaranis à resistência. Lançou também sobre eles as suspeitas de terem maquinado diabolicamente, com os invisíveis fios da intriga, o atentado contra D. José I. Não satisfeito, Pombal ativou o corpo diplomático para convencer os monarcas da França e da Espanha a associarem-se na liquidação da Companhia de Jesus em seus respectivos reinos, o que eles o fizeram, entre 1764 e 1767, marcando assim a definitiva vitória do moderno estado secular, um dos axiomas básicos do Iluminismo, sobre aquela sobrevivência da teocracia contra-reformista. No campo da propaganda política patrocinou ele igualmente a publicação de uma enorme obra em três volumes, a Dedução Cronológica, que imputava aos jesuítas todas as desgraças que ocorreram em Portugal naqueles últimos dois séculos. O ataque que determinou fosse feito aos Sete Povos das Missões, complexo das reduções jesuíticas situado no oeste do Rio Grande do Sul, foi celebrizado num poema épico chamado O Uraguay, composto pelo jovem Basílio da Gama, que enaltecia o feito pombalino. O JESUITISMO E O ILUMINISMO Atribui-se a maior parte da lenda sobre os grandes tesouros que o “governo de Los Padres” teria amealhado nas reduções americanas às falsas informações que Pombal divulgara pelo resto da Europa. Inclusive o filósofo Voltaire dedicou-lhes, talvez por força dessa propaganda negativa, uma denegridora passagem na sua célebre novela, aparecida em 1759, sobre as atribulações do jovem Cândido, dizendo que, durante a curta passagem do anti-herói pelo Paraguai, ele e o superior jesuíta que o recebeu para um almoço fizeram sua refeição “em baixela de ouro, enquanto os paraguaios comiam milho em escudelas de pau, ao ar livre, sob o ardor do sol". No capítulo 154 do seu Essai sur les moeurs, Voltaire voltou à carga contra os jesuítas, batendo na tecla de que viviam a tripa forra, explorando aqueles desgraçados.
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PROPAGANDA ANTIJESUÍTICA FEITA POR POMBAL INFLUENCIOU ATÉ MESMO O FILÓSOFO VOLTAIRE. A PRESSÃO DO PORTUGUÊS SURTIU EFEITOS TAMBÉM JUNTO À FRANÇA E ESPANHA 129
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MINAS GERAIS TORNOU-SE PONTO DE PARTIDA PARA A OCUPAÇÃO DE REGIÕES COMO GOIÁS E MATO GROSSO
AO LADO, MAPA DA REGIÃO DAS MINAS, POR VOLTA DO SÉCULO XVIII
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Portanto, bem ao contrário do que durante algum tempo uma parte da historiografia afirmou, de terem sido as reduções jesuíticas destruídas pelo crescimento dos interesses mercantilistas, não foram as razões estreitas e mesquinhas da economia as responsáveis pelo desastre social que a supressão delas representou. Em verdade, pesaram motivos de Estado e de concepção de mundo. Como mostrou Arno Kern, o emergente despotismo ilustrado, concentrador e autoritário, não podia conviver pacificamente com uma ordem religiosa que reservara para si amplas responsabilidades na gestão das coisas seculares. O CONFLITO ENTRE DUAS CONCEPÇÕES DE MUNDO A Companhia de Jesus, nos dois séculos em que atuou como um empreendimento de catequese auxiliar da política colonial, tornara-se um enorme empreendimento, um Estado dentro do Estado, que formou um verdadeiro império teocrático administrando uma confederação de reduções espalhadas por boa parte da América Ibérica. Além disso, os inacianos eram produto da Contra-reforma católica – os filhos do Concilio de Trento do século XVI –, exatamente o que os administradores e pensadores do século XVIII desejavam superar na sua expectativa de modernizar o Estado e a sociedade. O modelo que os jesuítas aplicavam nas reduções era cristão-coletivista, quando, desde a expansão das ideias das luzes no século XVIII, elaborava-se, para superá-la, uma nova concepção de sociedade: a visão burguesa do mundo, secular e individualista. Desta forma, os guaranis foram vitimados pelo desacerto entre dois projetos: o dos sacerdotes católicos e o dos iluministas deístas, que se excluíam mutuamente e que terminaram por fazer desabar as reduções. CONSEQUÊNCIAS E EFEITOS DA DESCOBERTA DO OURO Podemos dividir os efeitos da descoberta do ouro sobre o Brasil colônia em três grandes dimensões: o primeiro deles é de ordem geoadministrativa, na medida em que deslocou em definitivo o centro da atividade econômica e o aparelho político-administrativo para o eixo centro-sul do país. O Rio de Janeiro tornou-se em 1763 a capital do Vice-reino devido à supressão do Estado do Maranhão e sua integração ao Estado do Brasil, formando ambos uma nova entidade político-administrativa. Estimulou a fixação da população, que até então vivia, como já foi dito, tal um caranguejo preso ao litoral ou como erráticos nômades vagando aos bandos pelos sertões e pradarias do país. Minas Gerais tornou-se, por sua vez, um ponto de partida para a ocupação de outras regiões até então desertas de civilização, como Goiás e Mato Grosso. Foi lá também que se gerou o primeiro complexo urbano composto pelas
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ACIMA, VISTA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO EM 1775, EM DESENHO A BICO DE PENA DE AUTORIA DE LUÍS DOS SANTOS VILHENA.
vilas auríferas e diamantíferas, fazendo nascer uma sociedade diferenciada da que existia no Nordeste ou em São Paulo. Demograficamente, segundo Contreras Rodrigues, deu-se o maior salto populacional até então visto: de 300 mil habitantes em 1690, para 3,25 milhões em 1798!
Ouro branco! Ouro preto! Ouro podre! De cada ribeirão trepidante e de cada recosto De montanha o metal rolou na cascalhada Para fausto d’El-Rei: para a glória do imposto Que restou do esplendor de outrora? Quase nada: pedras....templos que são fantasmas ao sol-posto. Manoel Bandeira, em Ouro Preto – Lira dos 50 anos Economicamente, representou a formação do primeiro mercado interno do Brasil colonial. Até então, toda a produção – açúcar, tabaco, algodão e produtos de extração diversos – tinha destino externo. Como as terras ao redor das minas eram estéreis, os alimentos custavam fortunas. Estimulou isso a expansão da criação do gado para corte e para carga, fazendo com que vastas regiões fossem transformadas em estâncias de criação, desde Campinas, em São Paulo, até Vacaria e Soledade, no Rio Grande do Sul. Foi também para abastecer as minas que surgiu a indústria do charque, ao redor de 1780, na área de Pelotas, espalhando-se para o Vale do Jacuí, também em território sul-rio-grandense. 132
ABAIXO, HABITANTE DE GOIÁS, NA VISÃO DE JOSEPH-LOUIS LEBORNE (1835)
CICLO DO OURO GEROU PELA PRIMEIRA VEZ UM MERCADO INTERNO FORTE E ESTIMULOU PRODUÇÃO DE GADO 133
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DESCOBERTA DO OURO FEZ SURGIR O BARROCO MINEIRO E UMA ATÉ ENTÃO INÉDITA CLASSE MÉDIA NO BRASIL
DECORAÇÃO DE IGREJAS DEIXOU HERANÇAS VIA BARROCO, MAS FOI UM DOS ELEMENTOS QUE CONTRIBUIU PARA O DESPERDÍCIO DO OURO BRASILEIRO
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DESPERDÍCIO O Rio de Janeiro tornou-se o principal porto do país, simultaneamente o maior mercado escravista e exportador de mineral precioso da colônia. Nunca se importaram tantos escravos de uma vez só como no auge da exploração aurífera, entre 1730-50, fazendo com que, juntamente com os pardos escravizados, atingissem o total de 1,58 milhão, ou 48,8% da população existente! Social e culturalmente, a descoberta das minas fez com que surgisse pela primeira vez no Brasil colônia uma classe média de artesãos, de profissionais das minas, de comerciantes e funcionários, de militares, de artistas e músicos, além de uma poderosa plutocracia que enriquecera com o ouro. Foram eles que esboçaram, ainda que fracassada, a primeira tentativa de independência do Brasil. Os seus intelectuais e poetas tiveram atuação marcante na vida cultural das Minas Gerais, mesmo que temática e esteticamente dependentes do movimento arcadiano europeu. O barroco mineiro, estilo predominante na construção de casas, de igrejas e de palácios, tem sido apontado como a mais bela herança dos tempos do ouro. A maior crítica feita à descoberta é a de que bem pouco do ouro sobrou para o Brasil. Ou, como disse o poeta, restaram-nos “Pedras....templos que são fantasmas ao sol-posto”. Gastou-se em escravos e oferendas religiosas, capelinhas e igrejas. Ao contrário de outras regiões do mundo, onde se descobriram minas valiosas, como na Califórnia em 1848-9; na Austrália, em 1851; na África do Sul, em 1886; e no Alasca, em 1896, o ouro brasileiro não provocou a emergência de uma sociedade fabril. No Brasil, o ouro veio e foi-se com o vento. Alguns responsabilizam o Tratado de Methuen, assinado por Portugal com a Inglaterra em 1703; outros, ainda, o decreto anti-industrial da rainha D. Maria I, de 1785, que vedava a instalação de manufaturas na colônia. A resposta a essas questões encontra-se em Portugal e não só no Brasil. AS CONSEQUÊNCIAS PARA PORTUGAL Os historiadores apontam D. João V, um rei carola gastador, como um dos responsáveis pelo completo desperdício do ouro vindo do Brasil. Desbaratou-o em igrejas, capelinhas, doações aos padres, em missas de encomenda e no faustoso Palácio-convento de Mafra, com 4 mil metros quadrados de área construída, inaugurado em 1730. Como Voltaire deixou dito dele, "D. João V, quando queria uma festa, ordenava um desfile religioso. Quando queria uma construção nova, erigia um convento...". Manteve, ainda, como casta privilegiada, um corpo sacerdotal de 200 mil integrantes, em um país cuja população beirava 3 milhões de habitantes.
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... quanto maior for a massa de ouro na Europa, tanto mais Portugal será pobre, tanto mais será uma província da Inglaterra, sem que por isso ninguém seja mais rico. Montesquieu, em Enciclopédia (Século XVIII) D. João V, rei faustoso, entre fidalgos e criados, calcula grandes despesas para os festins projetados. Ai, quanto veludo e seda, e quantos finos brocados! (...) ai, como está com seus cofres completamente arrasados. Ai, que mosteiro, ai, que torres, ai, que sinos afinados! Cecília Meirelles, em O Romanceiro da Incofidência
APESAR DOS GASTOS EXORBITANTES, DOM JOÃO V NÃO FOI O ÚNICO RESPONSÁVEL PELO DESPERDÍCIO DO OURO BRASILEIRO 136
Igualmente responsabilizam o Tratado de Methuen, de 1703, que tornou Portugal dependente dos "panos ingleses" e um virtual "vassalo econômico" da Inglaterra, inibindo-lhe a possível industrialização. Como escreveu então o Abbé de Pradt: "Portugal existia somente para a Inglaterra. Estava, por assim dizer, inteiramente absorvido por ela. Foi para ela que o vinho floresceu no Porto, que a árvore das Hespérides carregou-se com seus frutos dourados, que a oliva difundiu suas ondas doces e ricas: foi para ela que o sol do Brasil endureceu o diamante no seio da terra e foi para ela que Portugal tornou suas margens e seu solo inóspitos para a indústria". Na verdade, a responsabilidade deve ser assumida coletivamente, isto é, por toda a sociedade portuguesa. Nem um rei ou um tratado podem ser apontados como os exclusivos culpados. Ela, a sociedade lusa, desde os tempos medievais adotara uma posição de atravessadora, na medida que seus portos, Lisboa e o Porto, tornaram-se simples intermediários entre as riquezas vindas, primeiro, da África, e, em seguida, das Índias e do Brasil, e o restante da Europa. Com a expulsão final dos judeus – exigência da Inquisição, acatada por D. João III em 1536 – ficaram desprovidos de uma elite de financistas e de pessoas de classe média empresarial que poderiam ter aplicado mais produtivamente o ouro brasileiro. Carentes de tecnologia, de engenho e de capacidade de empreenderem fábricas modernas que superassem a rotineira e limitada produção artesanal, terminaram por desbaratar tudo em gastos improdutivos. Fernando Novais, por sua vez – numa tese original – afirma que aquela ligação com a Inglaterra, que muitos historiadores reputaram como nociva, foi de fato o que salvou Portugal de perder seu império colonial bem antes do tempo. A histórica subordinação da política portuguesa aos interesses ingleses permitiu que o pequeno reino encontrasse abrigo no amplo guarda-chuva protetor do poderoso Império Britânico, dando-lhe uma inesperada sobrevida.
D. JOÃO V (ACIMA) FOI ACUSADO DE PERDULÁRIO COM A RIQUEZA EXTRAÍDA NO BRASIL. AO LADO, MAPA DO POVOAMENTO
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ouro
G A R I M PA N D O U M N O V O PA ÍS
CHARQUEADAS (ACIMA) SE DESENVOLVERAM EM ESPECIAL NA METADE SUL DO TERRITÓRIO GAÚCHO
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O FRACASSO DO INDUSTRIALISMO Se fossem os lusos dotados, ainda que minimamente, dos modernos conhecimentos mecânicos, ou que pelo menos demonstrassem interesse neles, seria inevitável que os trouxessem na atravessia do Atlântico e os aplicassem no Brasil, como ocorreu com os ingleses que emigraram para as colônias americanas e implantaram na Nova Inglaterra um respeitável parque fabril ainda antes da Independência. Exemplo dessa inapetência lusa foi o fracasso da política manufatureira estimulada pelo Marquês do Pombal a partir de 1759 – uma retomada do pequeno surto fabril de 1720-40 –, quando o déspota, com o fito de limitar a influência do ingleses, determinou que se concedessem insumos para a instalação de fábricas "de panos de lã, tecidos de algodão, sedas, chapéus, tapeçarias, fundição, serralharia, relojoaria, botões e vidro". Esperava ele que a proliferação delas, graças à importação de técnicos estrangeiros largamente favorecidos pelo estado, servissem "de escola e incentivo para os nacionais". Infelizmente, como se constatou, isso não se verificou: as ma-
nufaturas não prosperaram, não conseguiram superar o universo artesanal majoritário, nem fizeram com que "se apresentassem voluntários a querer copiar-lhes o exemplo." Por Pombal negar-se a aceitar a dolorosa realidade que dizia da falta absoluta de vocação dos súditos de D. José I pelas artes mecânicas, e pelas artes do moderno capitalismo em geral, o tesouro real foi obrigado a dispender "rios de dinheiros" na manutenção daquela ficção que se tornara a política industrial portuguesa. Enquanto isso, nas 13 colônias dos ingleses na América do Norte, apesar das proibições e punições estabelecidas pela metrópole, os colonos desenvolveram um adiantado sistema de fabricação autônomo. O resultado é que o déficit da balança comercial de Portugal com a Inglaterra fez com que o ouro terminasse nas mãos dos banqueiros ingleses, que chegaram a receber 50 mil libras por semana. Virgílio Noya Pinto calcula que da produção aurífera registrada entre 1735-39, numa média de 14 toneladas anuais, os ingleses ficaram com 60% dela. Estes, sim, deram um fim útil àquela riqueza toda: financiaram com o ouro extraído do Brasil a Revolução Industrial do século XVIII.
INDÚSTRIA DO CHARQUE NASCEU PARA ALIMENTAR A REGIÃO DAS MINAS, MAS A INDÚSTRIA MANUFATUREIRA NÃO PROSPEROU
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UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO BRASIL RICARDO BUENO, JORNALISTA FORMADO PELA
ESTE PRIMEIRO VOLUME DA COLEÇÃO "UM
UFRGS, FOI REPÓRTER, REDATOR E EDITOR DO
OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO
JORNAL ZERO HORA DE 1989 A 1996.
BRASIL" RETOMA OS DETALHES HISTÓRICOS
COORDENOU A ÁREA DE COMUNICAÇÃO
DAS TRÊS MAIS IMPORTANTES ATIVIDADES
EMPRESARIAL DA PLURAL COMUNICAÇÃO /
ECONÔMICAS NO BRASIL COLÔNIA – PAU-BRASIL,
GRUPO AMANHÃ DE 1998 A 2000, GERENCIANDO
CANA-DE-AÇÚCAR E OURO – , BUSCANDO
A PRODUÇÃO DE INÚMERAS PUBLICAÇÕES E
RESPONDER A DUAS PERGUNTAS, EM ESPECIAL:
FERRAMENTAS DE RELACIONAMENTO INSTITUCIONAL. FORMATOU E FOI UM DOS
QUAL A INFLUÊNCIA DESTAS ATIVIDADES NO
EDITORES DO PROJETO "AS MARCAS DO RIO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E CULTURAL DO
GRANDE", PRÊMIO ABERJE SUL 2003 NA
PAÍS RECÉM DESCOBERTO?
CATEGORIA PUBLICAÇÃO ESPECIAL (PROJETO
QUE PAPEL EXERCERAM AS DIFERENTES
APROVADO NA LEI ROUANET, COM APOIO DA
UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO BRASIL
CULTURAS E ETNIAS QUE PARTICIPARAM
GERDAU E RGE ENERGIA). FOI COORDENADOR EDITORIAL DO PROJETO "RIO GRANDE DO SUL: SEU POVO, SUA ALMA", REALIZAÇÃO DA RIMOLI EM 2008, QUE CONSISTIU NA PRODUÇÃO DE UM LIVRO COM 160 PÁGINAS E UMA EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA, INICIATIVA QUE TAMBÉM CONTOU COM O APOIO DA LEI ROUANET.
VOLTAIRE SCHILLING, NASCIDO EM OUTUBRO
DE 1944, É PROFESSOR DE HISTÓRIA. ESCREVEU 12 LIVROS E MAIS DE 40 POLÍGRAFOS, A MAIORIA SOBRE HISTÓRIA. FOI PROFESSOR DO CURSO DE JORNALISMO APLICADO DA RBS E CONFERENCISTA E PALESTRANTE DA AJURIS-RS. FEZ O CURSO DE LÍNGUA E CULTURA ALEMÃ EM BERLIM EM 1986, ONDE FOI PALESTRANTE NA UNIVERSIDADE LIVRE. REPRESENTOU O BRASIL NA FEIRA INTERNACIONAL DO LIVRO DE JERUSALÉM, EM 1991. É, HÁ MAIS DE DEZ ANOS, ARTICULISTA DO JORNAL ZERO HORA, CONTRIBUINDO NA PÁGINA DE OPINIÃO, ALÉM DE COLABORADOR DO CADERNO DE CULTURA DO MESMO JORNAL. FOI, POR QUATRO ANOS, COMENTARISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS, CULTURAIS E POLÍTICOS DO PROGRAMA CÂMERA 2, NA TV GUAÍBA-RS.
PATROCÍNIO
PRODUÇÃO
ATIVAMENTE DOS PROCESSOS DE POVOAMENTO E COLONIZAÇÃO DO PAÍS, NOS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII?
POVOAMENTO E CIVILIZAÇÃO MOVIDOS A
pau-brasil
ouro cana
OBRA ESCRITA EM LINGUAGEM ACESSÍVEL PELO JORNALISTA RICARDO BUENO, MAS RESPEITANDO CRITÉRIOS TÉCNICOS E CONTANDO COM A CONSULTORIA DO PROFESSOR E HISTORIADOR VOLTAIRE SCHILLING,
POVOAMENTO E CIVILIZAÇÃO MOVIDOS A PAUBRASIL, CANA E OURO DIFERENCIA-SE TAMBÉM PELO PROJETO GRÁFICO HARMÔNICO E ELEGANTE, REPLETO DE IMAGENS, ALGUMAS DELAS POUCO EXPLORADAS ATÉ ENTÃO EM PUBLICAÇÕES DO GÊNERO.
UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO BRASIL RICARDO BUENO, JORNALISTA FORMADO PELA
ESTE PRIMEIRO VOLUME DA COLEÇÃO "UM
UFRGS, FOI REPÓRTER, REDATOR E EDITOR DO
OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO
JORNAL ZERO HORA DE 1989 A 1996.
BRASIL" RETOMA OS DETALHES HISTÓRICOS
COORDENOU A ÁREA DE COMUNICAÇÃO
DAS TRÊS MAIS IMPORTANTES ATIVIDADES
EMPRESARIAL DA PLURAL COMUNICAÇÃO /
ECONÔMICAS NO BRASIL COLÔNIA – PAU-BRASIL,
GRUPO AMANHÃ DE 1998 A 2000, GERENCIANDO
CANA-DE-AÇÚCAR E OURO – , BUSCANDO
A PRODUÇÃO DE INÚMERAS PUBLICAÇÕES E
RESPONDER A DUAS PERGUNTAS, EM ESPECIAL:
FERRAMENTAS DE RELACIONAMENTO INSTITUCIONAL. FORMATOU E FOI UM DOS
QUAL A INFLUÊNCIA DESTAS ATIVIDADES NO
EDITORES DO PROJETO "AS MARCAS DO RIO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E CULTURAL DO
GRANDE", PRÊMIO ABERJE SUL 2003 NA
PAÍS RECÉM DESCOBERTO?
CATEGORIA PUBLICAÇÃO ESPECIAL (PROJETO
QUE PAPEL EXERCERAM AS DIFERENTES
APROVADO NA LEI ROUANET, COM APOIO DA
UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA ECONOMIA DO BRASIL
CULTURAS E ETNIAS QUE PARTICIPARAM
GERDAU E RGE ENERGIA). FOI COORDENADOR EDITORIAL DO PROJETO "RIO GRANDE DO SUL: SEU POVO, SUA ALMA", REALIZAÇÃO DA RIMOLI EM 2008, QUE CONSISTIU NA PRODUÇÃO DE UM LIVRO COM 160 PÁGINAS E UMA EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA, INICIATIVA QUE TAMBÉM CONTOU COM O APOIO DA LEI ROUANET.
VOLTAIRE SCHILLING, NASCIDO EM OUTUBRO
DE 1944, É PROFESSOR DE HISTÓRIA. ESCREVEU 12 LIVROS E MAIS DE 40 POLÍGRAFOS, A MAIORIA SOBRE HISTÓRIA. FOI PROFESSOR DO CURSO DE JORNALISMO APLICADO DA RBS E CONFERENCISTA E PALESTRANTE DA AJURIS-RS. FEZ O CURSO DE LÍNGUA E CULTURA ALEMÃ EM BERLIM EM 1986, ONDE FOI PALESTRANTE NA UNIVERSIDADE LIVRE. REPRESENTOU O BRASIL NA FEIRA INTERNACIONAL DO LIVRO DE JERUSALÉM, EM 1991. É, HÁ MAIS DE DEZ ANOS, ARTICULISTA DO JORNAL ZERO HORA, CONTRIBUINDO NA PÁGINA DE OPINIÃO, ALÉM DE COLABORADOR DO CADERNO DE CULTURA DO MESMO JORNAL. FOI, POR QUATRO ANOS, COMENTARISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS, CULTURAIS E POLÍTICOS DO PROGRAMA CÂMERA 2, NA TV GUAÍBA-RS.
PATROCÍNIO
PRODUÇÃO
ATIVAMENTE DOS PROCESSOS DE POVOAMENTO E COLONIZAÇÃO DO PAÍS, NOS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII?
POVOAMENTO E CIVILIZAÇÃO MOVIDOS A
pau-brasil
ouro cana
OBRA ESCRITA EM LINGUAGEM ACESSÍVEL PELO JORNALISTA RICARDO BUENO, MAS RESPEITANDO CRITÉRIOS TÉCNICOS E CONTANDO COM A CONSULTORIA DO PROFESSOR E HISTORIADOR VOLTAIRE SCHILLING,
POVOAMENTO E CIVILIZAÇÃO MOVIDOS A PAUBRASIL, CANA E OURO DIFERENCIA-SE TAMBÉM PELO PROJETO GRÁFICO HARMÔNICO E ELEGANTE, REPLETO DE IMAGENS, ALGUMAS DELAS POUCO EXPLORADAS ATÉ ENTÃO EM PUBLICAÇÕES DO GÊNERO.