Copyright©2018 por Paschoal Piragine Jr. Todos os direitos reservados por: A. D. Santos Editora Al. Júlia da Costa, 215 80410-070 Curitiba – Paraná – Brasil +55(41)3207-8585 www.adsantos.com.br editora@adsantos.com.br
Capa: APS Editoração: Manoel Menezes Tratamento Editorial: Cleide da Silva Neto Elly Claire Jansson Lopes Hans Udo Fuchs (pastor) Acompanhamento Editorial: Priscila Laranjeira Impressão e acabamento: Gráfica Patras
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) PIRAGINE, Paschoal Jr. Crescimento Integral da Igreja / Paschoal Piragine Jr. – A.D. Santos Editora, Curitiba, 2015. 344 páginas. ISBN – 978.85.7459-359-3 1. Teologia Social Cristã (Atitudes do Cristianismo frente aos assuntos seculares e outras religiões) CDD: 261 1. Igreja 2. Crescimento CDD: 262
1ª Edição: Setembro / 2018.
Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios a não ser em citações breves, com indicação da fonte.
Edição e Distribuição:
À minha querida esposa, Cleusa, e a meus filhos, Michel e Kelly, por seu amor e companheirismo compartilhados em todos os momentos da vida. Vocês têm sido a minha motivação e o meu prazer!
iii
iv
Agradecimentos
Agradeço a Deus, por suas infinitas misericórdias, pelas vitórias
a mim concedidas e pela alegria que ele colocou em meu coração durante todo meu curso; à Faculdade Teológica Sul-Americana, em sua visão de preparar vidas, entre as quais incluo a minha, para servir o Reino de Deus; ao mestre e amigo, professor Antonio Carlos Barro, que me orientou na reflexão teológica sobre o crescimento integral da igreja; às minhas secretárias, auxiliadoras em todo o tempo dos meus estudos; a Neuza, que me ajudou a localizar os livros esgotados para a pesquisa, e à Nelita, por me assessorar em todos os detalhes da vida; à professora Elly Claire Jansson Lopes, pela paciência e pelo carinho de corrigir os meus textos; aos meus colegas do ministério colegiado, por trabalharem muito mais durante os meus estudos; à Primeira Igreja Batista de Curitiba, que, por meio de sua diretoria e corpo diaconal, percebendo a importância do estudo, houve por bem custeá-lo e incentivou-me a concluir o curso.
v
vi
Prefácio
É com grande satisfação que apresento a você esta obra escrita
pelo amigo e pastor Paschoal Piragine Jr. Conhecemo-nos há muitos anos e sempre admirei nele a calma, a mansidão e a sabedoria em dirigir o transatlântico chamado Primeira Igreja Batista de Curitiba. Admiro sua inteligência e prudência ao introduzir coisas novas e adaptar as antigas no processo de transição para uma igreja em células. Paschoal não se deixou levar pela ansiedade e pelo desespero de não poder pastorear bem todos os seus membros na grande PIB de Curitiba. Certo pastor do interior de São Paulo disse, num de nossos módulos de treinamento, que, por vinte e cinco anos, ele fingia que pastoreava a igreja e a igreja fingia que era pastoreada. Paschoal resistiu à ansiedade provocada por essa constatação contundente e manteve a calma. Infelizmente, não foi nem é o caso de muitos pastores que conheço no Brasil e fora dele, que com muita imprudência e falta de sabedoria mudaram tudo rapidamente em suas igrejas, provocando rupturas e dores profundas. Pensavam estar num jet ski fazendo manobras bruscas e arriscadas. Crescimento integral da igreja irá, com certeza, enriquecer o estudo sobre os valores e a eclesiologia do Novo Testamento no contexto vii
social e cultural da atualidade em nosso país, levando em conta o plano de Deus para o mundo.
É fato que, a seu tempo, Deus decidiu intervir na História enviando seu Filho, o Messias, para cumprir três tarefas. Para isso, ele precisava de um corpo humano. Maria forneceu-lhe o corpo que recebeu o nome de Jesus. A segunda pessoa da Trindade, Cristo, o Salvador, agora habitando em Jesus, torna-se Jesus Cristo, natureza divina num corpo humano. O Messias poderia assim, cumprir duas das três tarefas que recebeu enquanto habitou a Terra num corpo humano. A primeira era trazer o Reino de Deus até os homens. A segunda, oferecer a sua vida em sacrifício pelo resgate da raça humana. Mas a terceira tarefa, que é levar a salvação a toda a Terra, Cristo só poderia cumprir em um corpo diferente, que se multiplicaria e contaria com a sua presença, seu poder e propósito diariamente, até que ele voltasse.
O novo corpo, agora, é a ecclesia, a igreja cuja cabeça é Cristo. A célula é o lado do “varejo” desse corpo habitado por Cristo. Sua base funda-se nas casas, na comunidade, e por isso penetra a sociedade e a cultura local como uma “máquina de guerra, leve, ágil e feroz”, como agente de transformação social, resgatando o indivíduo do seu círculo sociocultural, implantando na sociedade uma contracultura baseada nos valores e nos princípios vividos, ensinados e demonstrados por Jesus, o iniciador do movimento de resgate da raça humana, chamado igreja. A igreja projetada por Jesus Cristo cresce como movimento não se limita a ser um monumento. A sua tarefa é fazer discípulos em todas as dimensões, como diz Orlando Costas, citado por Paschoal: “Aumento no número de membros, desenvolvimento da vida orgânica, aprofundamento na reflexão da fé, serviço eficaz no mundo e a celebração litúrgica”. viii
Paschoal não deixa de mencionar que a célula é o ambiente natural da igreja no varejo, no qual cada membro se torna um ministro. É na célula que cada membro do corpo de Cristo descobre o seu dom e emprega-o para o resgate dos perdidos e para a edificação desse corpo. O autor aborda com excelência o aspecto do “atacado” da igreja – a celebração –, quando todas as células se reúnem no prédio da igreja para o louvor, para a adoração a Deus e para o ensino por meio da pregação da Palavra. Considerações e informações muito importantes na área de ministérios em que cada membro da célula pode (ou poderá, como considerar mais apropriado) servir a sociedade e a comunidade em geral – nos são oferecidas pela PIB de Curitiba. Estou certo de que Crescimento integral da igreja contribuirá para a expansão e a consolidação do movimento de retorno da Igreja à eclesiologia do Novo Testamento, que, no âmbito internacional, está sendo chamado de “a segunda reforma, a reforma dos odres novos, cujo vinho novo data da primeira reforma, a do século XVI. Boa leitura!
Robert Michael Lay
Pastor da Igreja Evangélica Irmãos Menonitas de Curitiba Diretor-presidente do Ministério Igreja em Células no Brasil
ix
x
Sumário
Agradecimentos ___________________________________________ v Prefácio_________________________________________________ vii
Sumário__________________________________________________ xi Introdução_______________________________________________ 13 Capítulo 1 – Origens____________________________________________17
Capítulo 2 – Crescimento integral: conceito__________________________29 Capítulo 3 – As dimensões do crescimento integral____________________39 Capítulo 4 – Os valores que norteiam o crescimento integral_______ 59 Capítulo 5 – A missão da igreja à luz do crescimento integral_______ 79 Capítulo 6 – Os processos do crescimento integral______________ 105 Capítulo 7 – A dinâmica do crescimento integral: transformando membros em ministros________________________ 121 Capítulo 8 – Célula: a estrutura básica do crescimento integral_____ 143 Capítulo 9 – O poder para crescer integralmente: a vida de oração da comunidade_____________________________________ 159 Capítulo 10 – A responsabilidade social de uma Igreja que cresce integralmente______________________________________ 173 xi
Capítulo 11 – O evangelismo como estilo de vida pessoal e comunitário_____________________________________________ 201 Capítulo 12 – A adoração comunitária e o crescimento integral____ 221 Uma Igreja Relevante_____________________________________ 243 Capítulo 13 – Espiritualidade transcendente___________________ 245 Capítulo 14 – Igreja evangelizadora__________________________ 251 Capítulo 15 – Igreja da Palavra______________________________ 263 Capítulo 16 – Igreja profética_______________________________ 269 Capítulo 17 – Igreja da comunhão___________________________ 277 Capítulo 18 – Igreja contextualizada__________________________ 287 Capítulo 19 – Igreja que vive a democratização dos carismas_______ 295 Capítulo 20 – Igreja capaz de readaptar a sua estrutura com agilidade_______________________________________________ 299 Capítulo 21 – Igreja que trabalha pelo crescimento espiritual, econômico, social, cultural e ecológico de seus membros__________ 303 Capítulo 22 – Igreja engajada nos problemas sociais do seu contexto como encarnação da fé_____________________________ 307 Capítulo 23 – Igreja que rejeita ser uma “commodity” da economia de mercado_____________________________________ 311 Capítulo 24 – Igreja que pratica e ensina a liberalidade para o avanço do Reino de Deus__________________________________ 315 Conclusão______________________________________________ 287 Palavra final_____________________________________________ 321 Anexo _________________________________________________ 327
Bibliografia _____________________________________________ 339
xii
Introdução
Tempos atrás, Paulo Solonca, um querido amigo, contou-me
uma experiência que marcara sua vida. Ele havia-se candidatado para ajudar uma missão a levar Bíblias a países fechados à fé cristã. Já na África do Sul, preparando-se para desempenhar sua função, ele recebia orientações próximo a uma região onde ocorria verdadeiro avivamento havia anos, quando um desejo ardente dominou seu coração, e ele pensou: “Por que não vou ver o que Deus tem feito naquele lugar?”. Preparou-se e partiu. Seu coração vibrava de ansiedade para aprender quanto pudesse sobre o mover do Espírito Santo naquele local. Conheceu tudo o que pôde e, impressionado com a obra de Deus, quis saber o segredo de tamanha transformação e como conseguir os mesmos resultados em seu ministério; por isso, perguntava insistentemente ao líder espiritual da região: “Qual é o segredo?”.
Um dia, o sábio ancião respondeu-lhe: “Vou mostrar o segredo! Venha comigo!”. Os dois dirigiram-se a uma pequena choupana. Lá, o ancião pegou um giz, desenhou cuidadosamente um círculo no chão e pediu: “Entre neste círculo e não saia dele até resolver sua própria vida com Deus. Este é o segredo!”. Muitas vezes, lemos um livro ou ouvimos um sermão na esperança de saber passo a passo o segredo do sucesso ministerial. Se essa 13
Crescimento Integral da Igreja
foi sua motivação ao escolher este livro, não quero desanimá-lo, mas Crescimento integral da igreja não tem como propósito oferecer a receita de um ministério bem-sucedido, nem a fórmula para o crescimento numérico-exponencial de sua igreja. Como aprendeu meu amigo, devemos antes entrar no círculo. Assim, esta obra tem como objetivo ajudar você, leitor, a entender a igreja e sua missão no sentido mais amplo, a Missão Integral.
Em um de seus livros, Charles Van Engen1 afirma que há vários parâmetros para se entender a Igreja e destaca os três que mais se identificam com os movimentos contemporâneos: »» Igreja-modelo; que usa algumas congregações como exemplos ou modelos para outras. »» Amostragem maior, que usa análise estatística e estudos sociológicos para ressaltar aspectos importantes que talvez sejam oportunos. »» Pesquisa bíblica, que leva em conta os exemplos, as ordenanças e as verdades proposicionais da Bíblia acerca da igreja e que os contextualiza a um povo numa determinada época.
Tendo em mente o último parâmetro, convido-o a refletir sobre como uma igreja pode crescer integralmente, buscando nas Escrituras motivação, poder e princípios para aplicá-los de modo prático à realidade de cada igreja, com suas peculiaridades intrínsecas e extrínsecas, pois cada igreja local está inserida em uma cultura e tem sua própria história e tradição, cuja ministração é dedicada a seu povo e de acordo com suas necessidades.
Não quero afirmar que a igreja-modelo não tenha mérito, mas, como suas estratégias, seus métodos e filosofia levam em conta todas as variantes do local onde está inserida, ela não pode ser considerada uma receita prontamente aplicável a outras localidades ou épo1
Povo missionário, povo de Deus: por uma redefinição do papel da igreja local, p.19. 14
Introdução
cas. Tampouco quero afirmar que se devam ignorar os resultados da amostragem maior; entretanto, os parâmetros da nossa missão devem ser oriundos da Palavra de Deus, e os métodos precisam ser contextualizados levando-se em conta a cultura e as necessidades locais. Em sua missão na África, meu amigo procurava um modelo ou um método, e o sábio ancião conduziu-o a Deus, à Palavra e também a si mesmo – e eu acrescentaria: às necessidades do povo que ele assistia. Creio que missão integral não é a tentativa de conduzir Deus aos projetos, aos sonhos e às motivações do nosso coração, mas a de sermos conduzidos a Deus, à sua Palavra e a nós mesmos, que carecemos ser tratados e alcançados pela graça e dirigidos pelo soberano Senhor de nossa vida.
A missão integral começa comigo e com você, servos de Deus, assim que entramos no círculo, não somente para ter a revelação de Deus, mas para sermos revelados a nós mesmos pelo nosso Senhor. No centro do círculo, o indivíduo enxerga a si próprio e a Deus, pode fazer uma autoanálise da perspectiva dele, chorar por suas motivações, nem sempre compatíveis com as do Senhor, e perceber que as pessoas são o alvo do amor do Pai.
Antes de iniciar a leitura deste livro, convido-o a entrar no círculo e permitir que o Espírito do Deus vivo aja primeiramente em seu coração, para que os valores espirituais fiquem impregnados em sua alma, a glória de Deus seja a sua motivação, a espada do Espírito, a sua arma, e a amplitude do Reino, a sua visão. Só dentro do círculo, conseguiremos enxergar e entender essas coisas!
15
16
Origens
Meu primeiro contato com as ideias e teorias do Movimento de
Crescimento de Igreja deu-se no final da década de 1970. Naquele tempo, eu era seminarista e trabalhava na Junta de Evangelismo da Convenção Batista Brasileira, encarregada de ajudar as igrejas e os pastores a desenvolverem estratégias de evangelização em centros urbanos e rurais do Brasil. Em um dos programas, designado Clínicas de Crescimento de Igreja, os pastores eram convidados a conhecer os princípios básicos do movimento e aplicá-los em suas comunidades locais. Percebo que Deus tem caminhos maravilhosos, pois graças à influência dos missionários Amélio Gianneta, Glendon Grober e Peri Ellys conheci as principais ideias do Movimento e ainda tive a responsabilidade de ajudar a divulgá-las, preparar parte do material didático oferecido nas clínicas, atuar em algumas delas e avaliar seus resultados.
Ainda que não conhecesse os escritos de Donald Anderson McGavran, suas ideias e alguns comentários dos seus discípulos me foram transmitidos. Com base neles, defini as prioridades que guiariam o início do meu ministério. Minha missão como líder espiritual da igreja era: ter uma visão de fé da potencialidade de crescimento da minha congregação; ajudá-la a desenvolver estratégias para que a maturidade espiritual pudesse ser constatada em seu crescimento numérico; conduzi-la de tal modo que se tornasse uma igreja auto propagadora, ou seja, comprometida com a implantação de novas igrejas. 19
Crescimento Integral da Igreja
Apesar dessa forte influência, de caráter extremamente pragmático, humano e fundamentado nas ciências sociais, havia em mim um sentido de espiritualidade muito arraigado. Era impossível pensar em crescimento, sem que a glória de Deus pudesse ser contemplada de alguma maneira. O crescimento nunca seria apenas a concretização de um planejamento estratégico, uma vez que crescimento é milagre divino, segundo as palavras do apóstolo Paulo: “Eu plantei, Apolo regou, mas Deus é quem fez crescer” (l Co 3:6). Essa consciência derivava da minha própria experiência com Deus, da maneira pela qual a fé se havia implantado em meu coração. Nascido em lar evangélico, desde cedo pude entender o significado da morte e da ressurreição de Jesus. Aos 7 anos de idade, pedi que fosse batizado, consciente de que só há um Salvador. Aos 12 anos, vivi uma experiência tão intensa a respeito da presença do Deus vivo que isto passou a nortear minha relação com ele – e assim será até o fim de minha vida. Minha descoberta foi muito simples: Deus fala conosco! Nossa fé é mais do que a crença em determinado conteúdo bíblico; é um relacionamento intenso com o Deus vivo que se revela a nós, seus filhos. Por essa razão, ao iniciar meu ministério, conhecia minhas próprias limitações! Eu sentia todos os meus medos à flor da pele. De onde viria a orientação? Sabia que não era a pessoa mais capacitada da face da Terra nem a mais experiente. Era um jovem recém-casado que terminara o curso teológico e estava à frente de uma igreja estruturada e com mais de 40 anos de existência. Que tipo de ministério eu poderia realizar? A resposta deveria ser mais do que desenvolver um mero plano estratégico. Meu ministério precisava ser fruto de minha caminhada com Jesus e da busca sincera de uma criança que queria aprender com o Mestre a dar os passos que pudessem fazer que o Reino de Deus fosse implantado, com urgência, na Terra. 20
1. Origens
Meu projeto de crescimento da igreja e minha visão de como seria essa missão deveriam brotar dos maiores recursos que eu possuía: minha identificação com Jesus, minha consciência vocacional e a Palavra de Deus. Assim como Jesus era encorajado, confortado e desafiado com a plena consciência de que o Pai o havia enviado,2 eu sentia o mesmo. Não estava ali em meu nome, nem para realizar o meu ministério. Estava ali por ordem do meu Senhor, para fazer o que ele mandasse; era apenas um servo. Não precisava defender minha autoridade, nem lutar por minhas ideias. A autoridade não era minha; o ministério não era meu; portanto, o poder teria de vir dele, e a glória seria só para ele.
Pode parecer estranho para alguns misturar questões de espiritualidade e missão integral. Como pensar, entretanto, em crescimento integral desvinculado da espiritualidade, se o próprio crescimento é milagre espiritual? Gosto das palavras de A. C. Barro, em um dos seus artigos, que faço questão de citar:
“Poucos são os autores que têm trabalhado o tema da espiritualidade em relação à missão integral, até mesmo porque o integral com o espiritual parece não combinar. Integral pressupõe fazer, agir, tomar uma posição mais radical, enquanto espiritualidade está mais próximo do meditar, refletir, contemplar. Assim, se alguém é integral, não é espiritual; e se alguém é espiritual, não é integral. A espiritualidade da missão integral tem de encontrar suas raízes principalmente e primordialmente na vida e obra de Jesus Cristo. É nas páginas do Novo Testamento que iremos encontrar aquele que nos forneceu não somente a missão, mas também a espiritualidade...3
2
“E o Pai que me enviou, ele mesmo testemunhou a meu respeito. Vocês nunca ouviram a sua voz, nem viram a sua forma, nem a sua palavra habita em vocês, pois não creem naquele que ele enviou” ( Jo 5:37-38). 3 Implicações e desafios da Missão Integral. Disponível em: -chttpi/Usuários. lycos. es/matíoli/Implmiss.htm>. Acesso em: 20 out. 2004. 21
Crescimento Integral da Igreja
A terceira vertente que influenciava a visão de crescimento era o meu papel diante das necessidades de pessoas ao meu redor. Tendo o dom pastoral, procuro estar mais voltado para o ser humano, em detrimento das coisas. Assim, desde cedo, busquei desenvolver um ministério que olhasse o ser humano como um todo. Meu papel, como servo do Senhor, era ser um instrumento do amor salvador de Jesus em todas as dimensões da vida. Jesus tem uma resposta não só para a salvação eterna, mas também para as lutas e os sofrimentos do ser humano, quer oriundos dos seus próprios pecados, quer das suas dores físicas, emocionais e espirituais. Uma visão de ministério, entretanto, não deve ser construída somente em critérios subjetivos; precisa de um arcabouço teológico.
A influência de pensadores evangélicos ligados ao Corpo de Psiquiatras e Psicólogos Cristãos, liderado pelo psicólogo Ageu Heringer Lisboa, e de movimentos do meio evangélico que defendiam a visão do “evangelho todo para o homem todo”4 forneceram-me elementos fundamentais nesse processo.
Essa abordagem teológica considerava que o evangelho possuía respostas não apenas para a eternidade, mas também para as situações temporais que envolvem o ser humano. Esses pensadores evocavam a descrição da missão de Jesus, feita por Lucas5 e a continuidade dessa missão por meio da igreja local, sendo ela tanto uma comunidade redentora, por proclamar a salvação eterna em Cristo Jesus, quanto terapêutica, por ser o grande hospital em que todos nós somos tratados pelo único médico, Jesus. Ainda que alguns estejam 4 5
Máxima usada por várias organizações evangélicas que introduziram no Brasil a visão de uma abordagem holística do evangelho. “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor”. Então ele fechou o livro, devolveu-o ao assistente e assentou-se. Na sinagoga todos tinham os olhos fitos nele; e ele começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu a Escritura que vocês acabaram de ouvir” (Lc 4:18-21). 22
1. Origens
na UTI e outros sejam voluntários, todos estamos sendo tratados, curados e restaurados do ponto de vista eterno, físico, emocional, ético e social.
Meu ministério na área de aconselhamento pastoral levava-me a entender a realidade da “comunidade terapêutica” que é a igreja e a perceber que essa não era uma missão a ser desenvolvida somente pelos pastores, mas por toda a comunidade. Todos deveriam entender seu papel na expansão do Reino e na ação terapêutica da igreja, uma vez que na verdade a comunidade e os relacionamentos de amor e fé criados entre as pessoas poderiam e deveriam ser terapêuticos. Ao mesmo tempo, recebi o impacto dos escritos de Cecil Osborne, nos quais ele apresentava a ideia de pequenos grupos de ajuda mútua que objetivam o crescimento emocional e espiritual de todos os participantes. Confesso que a ideia me atraía; por isso, mesmo não sabendo como poderia implantá-la em minha comunidade, tentei algumas iniciativas isoladas que não tiveram muita expressão. A visão ainda não se completara. Faltava uma participação social relevante, que o mundo evangélico da época estava longe de assumir perante a sociedade.
A partir do fim do século XIX, até depois da primeira metade do século XX, as implicações sociais do evangelho foram negligenciadas, às vezes abandonadas, e com frequência declaradas secundárias por aqueles que se autodenominavam conservadores ou fundamentalistas. Grupos que, até então, tinham apoiado a reforma social, recuavam para adotar uma posição cuja preocupação básica após a conversão era mais a pureza do indivíduo do que a justiça social. Uma das razões para que isso ocorresse foi a visão do movimento moderno evangelical, que via apenas a necessidade de se salvar a alma, e não o homem como um todo. Desde os tempos de Dwight L. Moody e mais marcadamente de Billy Sunday, os evangélicos de 23
Crescimento Integral da Igreja
modo geral viam a sociedade como um navio naufragado – e Deus comissionara os cristãos a usarem os seus botes para salvar o maior número de pessoas.
Talvez o surgimento de teologias de cunho liberal, voltadas para o problema social, que provocaram reações extremas dos conservadores, também tenham contribuído para esse fato. Uma delas foi o evangelho social de orientação filosófica, pautado na social democracia, muito discutido desde o final do século XIX até aproximadamente a Primeira Guerra Mundial. Seus defensores identificam o Reino de Deus “com a ordem social deste mundo”, por isso a preocupação social é considerada o elemento central do evangelho. Para eles, o homem não é um pecador inato, e a redenção provém da consciência dos males sociais.
Outra corrente, mais recente, a da teologia da libertação, de orientação filosófica marxista, tem como cerne a visão de que Deus se posiciona incondicional e decididamente a favor dos pobres e daqueles cujos direitos lhes são negados. É a chamada “opção preferencial pelos pobres”. A natureza pecaminosa é periférica. O importante é o estado da pessoa no contexto da luta de classes: se opressora ou oprimida. Por fazer parte de uma geração que crescera sob a ditadura militar brasileira, eu bem sabia que, naqueles dias, a visão social da igreja era meramente assistencialista e bem distante do que entendemos hoje por ação social relevante.
Pela grande sabedoria de Deus, senti-me gradativamente impulsionado para uma visão mais ampla da missão, cujo aspecto social tinha seu lugar. Fui motivado por uma de minhas ovelhas, Sílvia Regina Kivitz, que me apresentou um projeto desafiador, denominado Projeto Semente, cujo objetivo era o resgate social de menores de rua de nosso bairro. A ideia era retirar as crianças da rua, enca24
1. Origens
minhá-las à escola, oferecer reforço escolar, alimentação, higiene e, além disso, ampliar seus horizontes por meio da ação da igreja. Esse projeto abriu-me os olhos, e percebi que não bastava anunciar o evangelho; nossa ação seria de resgate, e muitas vezes tomaria a forma de enfrentamentos que nem sequer imaginávamos. Uma verdadeira batalha espiritual adquiria formas concretas, inicialmente, dentro da própria igreja, que não considerava essa missão relevante por vários motivos, dos quais destaco: »» Não contribuía para o crescimento da igreja. »» Poderia ser dispendiosa demais. »» As instalações construídas com tanto sacrifício ficariam à mercê de pessoas que não saberiam conservá-las adequadamente.
Diante de tais pretextos, surgiu a indagação: “Será que para nós, evangélicos, as pessoas são menos importantes que as coisas? Será que cremos mesmo nisso?” Posteriormente descobrimos que as escolas da região não queriam aceitar a matrícula daquelas crianças, por serem consideradas nocivas ao ambiente institucional. Esses e outros enfrentamentos levaram-me a refletir e a entender que o resgate social deve fazer parte da missão pastoral e que batalhas espirituais de resistência à transformação da sociedade sempre ocorrerão – não somente por causa das diferenças sociais, tão discutidas por todos, mas porque elas fazem parte da batalha espiritual que envolve a implantação do Reino de Deus neste mundo.
A leitura de Cidade de Deus, cidade de Satanás6 contribuiu para ampliar minha compreensão sobre o assunto. Na obra, o autor alerta para os enfrentamentos espirituais que travamos na missão urbana; assim, o resgate pede de nós uma voz profética, mas também ações proféticas coerentes com a ética e a justiça social. Para o autor, as 6
Robert C. LINTHICUM, Belo Horizonte: Visão Mundial, 2000. 25
Crescimento Integral da Igreja
pessoas podem estar endemoninhadas, e as estruturas sociais podem ser demonizadas.
Muitos de nós podemos ainda lutar contra dúvidas sobre qual deve ser o nosso papel no contexto político. Até onde devemos ou precisamos estar envolvidos? Pessoalmente, podemos encontrar as respostas. Do ponto de vista institucional, entretanto, carrego grandes dúvidas que, pouco a pouco, se vêm dissipando, em parte graças às conferências de Jun Vencer,7 promovidas no Brasil pela Sepal (Serviço de Evangelização para a América Latina).
É fundamental que se tenha uma visão ampla de missão integral a ponto de entender que as estruturas, tanto físicas quanto organizacionais, também precisam crescer para darmos conta do que Deus deseja de nós. Nesse sentido, sinto-me abençoado pela igreja a que sirvo atualmente e por sua liderança. Homens e mulheres capacitados e de diferentes áreas da sociedade têm-me ajudado a estruturar a missão integral em seus aspectos relevantes: do ponto de vista físico, com a construção do novo templo; do ponto de vista organizacional, com a sistematização de métodos para que a visão de missão integral da igreja possa ser multiplicada na comunidade.
Outra ajuda poderosa nessa conquista tem sido a do amigo Robert Lay, pastor e irmão menonita, e líder do Ministério Igreja em Células no Brasil.8 Seu trabalho tem-me levado a investir em treinamento e desenvolvimento dos membros da igreja para a realização do ministério de cada um, como parte da missão integral da igreja. Após esse balanço, percebemos que um projeto ministerial não é fruto de uma única ideia criativa ou de algum líder carismático; é, na verdade, a atuação de Deus na vida de seus servos, para consolidar 7
8
Informações disponíveis em: -cwww.celulas.com.br». Ex-presidente da Aliança Evangélica Mundial e um dos líderes do Dawn Ministries. 26
1. Origens
uma teologia que não se limita a ser especulativa, mas que se firma por ser experimental; que tem sido provada, com erros e acertos, na vida de um líder e que se consolida em convicções que merecem ser defendidas, implantadas e difundidas, motivo pelo qual se transformam em ações práticas, planos e metas a serem sistematizados e levados adiante.
Como ficou claro, o propósito que aqui delineio não é o de criar uma igreja-modelo, mas o de construir por meio da pesquisa bíblica – que leva em conta os exemplos, as ordenanças e as verdades proposicionais da Bíblia inseridos no contexto de um povo, em determinada época – uma visão prática que seja relevante e possa ser adaptada a outras realidades.
Espero que as pesquisas, as experiências e os exemplos apresentados neste livro também ajudem o leitor a construir um projeto ministerial adequado à realidade em que vive, bem como a perceber dentro de si as várias maneiras de que Deus se utiliza para influenciá-lo e moldá-lo a um determinado projeto. Você faz parte do projeto que Deus quer realizar, mas, antes de concretizá-lo, ele propõe-se a moldar a vida do líder.
27
28
Crescimento integral: conceito
Se desejamos desenvolver um processo prático de crescimento
integral da igreja, é necessário entender o que isso significa. As propostas de crescimento integral surgiram em reação ao Movimento de Crescimento de Igreja e à teologia da libertação, primeiro na América Latina e, posteriormente, ganhou força em outras partes do mundo.
Uma das principais preocupações do Movimento de Crescimento de Igreja era o aumento numérico de fiéis, como se este fosse o único referencial possível de crescimento. Com isso, a teologia do crescimento foi relegada a segundo plano, e as contribuições das ciências sociais eram os elementos mais ressaltados. A grande questão propunha-se a descobrir que elementos faziam uma igreja crescer numericamente ou, pelo menos, atenuavam os entraves da proclamação.
É importante ressaltar que esse movimento obteve alguns avanços, em especial no campo da missiologia, ao promover o aprofundamento dos estudos sobre missões e introduzir um santo otimismo, baseado na fé, para a expansão do Reino de Deus na Terra. O movimento conseguiu redirecionar os esforços missionários para a evangelização, que tem como meta prioritária a conversão e a implantação de novas igrejas.9 Ao mesmo tempo, vozes surgiram para declarar que alguns fatores precisavam ser levados em conta e 9
Para um estudo mais aprofundado sobre as contribuições do Movimento de Crescimento de Igreja, v. Orlando E. COSTAS. The Church and its Mission: A Shattering From the Third World. Tyndale House Publishers, 1974, p. 123-1. 31
Crescimento Integral da Igreja
para dizer que o crescimento numérico não deveria ser a única nem a última alternativa de crescimento de uma igreja, pois, caso fosse, isso poderia tornar-se uma aberração da própria natureza da igreja. Um dos mais eminentes defensores do Crescimento Integral da Igreja, o teólogo, pastor na América do Norte e missiólogo latino-americano Orlando E. Costas, sempre teve de viver entre dois mundos, em meio a pressões sociais e políticas. Ao estudar seus textos, percebem-se claramente os conflitos desses dois mundos, o que fez de sua teologia a tentativa de buscar uma unificação interna capaz de ser expressada na missão externa da igreja. As reflexões de Costas tornaram-se modelos para que outros pudessem desenvolver e aperfeiçoar a visão de um crescimento integral da igreja. Em um de seus artigos publicados na Revista Misión, encontramos a síntese de seus conceitos:
Se o crescimento da igreja é um processo multidimensional, se a igreja é uma realidade dinâmica e complexa e se cresce como criação divina e comunidade de fé, então se faz necessário estabelecer uma teoria integral de seu crescimento. Portanto, propomos a seguinte definição: “O crescimento da igreja é um processo de expansão integral e normal que se pode e se deve esperar da vida e missão da igreja como comunidade do Espírito, Corpo de Cristo e povo de Deus”.10
Sua definição enfatiza que o crescimento da igreja é um processo de expansão normal e inerente à igreja como organismo vivo. O crescimento não é fruto da estratégia de um gestor, mas é uma condição dada por Deus, que capacita a igreja a crescer pela vida intrínseca do Espírito que há nela; portanto, o crescimento deve acontecer naturalmente, como consequência de a igreja ser um organismo vivo e vivificado pelo seu Senhor.11
10
11
Dimensiones dei crecimiento integral de la Iglesia, p.12. Podemos encontrar os ecos desses conceitos nas teorias de crescimento de igreja mais recentes, como a proposta por Christian A. SCHWARZ, O desenvolvimento natural da igreja: guia prático para cristãos e igrejas que se decepcionaram com recei32
2. Crescimento integral: Conceito
Ainda que esse crescimento seja natural, ele precisa ser compreendido como um processo integral que se manifesta em todos os níveis e dimensões da vida da igreja. O crescimento não pode ser expresso apenas em números, mas na sede por Deus, no prazer de adorá-lo, no evangelismo como estilo de vida, na ética como fruto da prática da fé, no amor para com os de dentro e os de fora da igreja e como resultado da transformação espiritual que vivemos. Com certeza poderíamos citar aqui outros tantos aspectos nos quais o processo de crescimento pode ser expresso na sua integralidade. Inicialmente, os escritos de Costas atribuíam três qualidades ao crescimento integral: espiritualidade, encarnação e fidelidade. À medida que o autor desenvolvia suas ideias, porém, ele sentiu a necessidade de construir um modelo teórico do crescimento integral que pudesse ser visualizado em diferentes dimensões. Minha percepção é a de que, além de novas vertentes do crescimento serem integradas, as qualidades passam a ser os testes referenciadores dessas dimensões – uma espécie de padrão crítico que nos permite verificar se o crescimento está, de fato, ocorrendo e qual é a sua qualidade.
Originariamente, as dimensões de crescimento propostas eram quatro: numérica, orgânica, conceitual e diaconal. Posteriormente, foi acrescentada mais uma: a litúrgica. As qualidades mencionadas são para Costas os princípios distintivos do crescimento integral, que passamos a analisar.
Espiritualidade A espiritualidade está relacionada com a presença, o propósito e o poder de Jesus Cristo na dinâmica do Espírito Santo, promovendo tas mirabolantes de crescimento, Evangélica Esperança, 1996, e os sete ciclos vitais da igreja propostos por Peter WAGNER no livro Sua igreja pode crescer, Bompastor, 2002. A ideia que permeia esse assunto é a de que uma igreja cresce naturalmente, se alguns fatores que denotam a sua vida como organismo puderem ser percebidos exteriormente. 33
Crescimento Integral da Igreja
vida e crescimento natural. Costas vê o Espírito Santo como uma força interna e externa na evangelização, que levará a igreja a crescer. Força externa significa, para ele, a unção do Espírito no ministério de Jesus e, mais tarde, na vida dos discípulos. Força interna é a operação do Espírito Santo habilitando a mente humana a entender os mistérios de Deus, pois, sem esta operação, o esforço evangélico é uma atividade fútil. 12 Como teste ou parâmetro da qualidade do crescimento, precisamos observar as motivações de um dado crescimento: se elas procedem da ação do Espírito, cujo propósito é a glória do Pai e do Filho,13 pois o fim último da missão não é outro senão a glória de Deus. É necessário também perceber, nesse crescimento, se há a manifestação do fruto do Espírito, marca preponderante da sua presença e ação, pois a espiritualidade que gera o verdadeiro crescimento nunca estará dissociada da vida; ao contrário, poderá ser vista e sentida nos relacionamentos, na ética, nas palavras e ações.
Outro aspecto que nos chama a atenção vincula-se à ação. O crescimento demonstra uma fé alegre, vibrante, amorosa e esperançosa. “Viver no Espírito é experimentar alegria, mesmo quando em volta só há tristeza; esperar, mesmo quando existe tão pouco para se esperar; tornar-se criança em um mundo tão ansioso e, acima de tudo, ser capaz de cantar novas canções ao Senhor, mesmo que se viva em uma terra estranha”.14
Nas pesquisas realizadas por Schwarz, é interessante perceber que a questão da espiritualidade é contemplada como uma das marcas de qualidade de uma igreja que cresce. Independentemente de 12
A. C. BARRO. Crescimento de igreja [livro não publicado]. “Mas quando o Espírito da verdade vier, ele os guiará a toda a verdade. Não falará de si mesmo; falará apenas o que ouvir, e lhes anunciará o que está por vir. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e o tornará conhecido a vocês” ( Jo 16:1314). 14 Orlando E. Costas Liberating News: A Theology of Contextual Evangelization, p. 129-30. 13
34
2. Crescimento integral: Conceito
posições teológicas ou de tradições, as igrejas que crescem experimentam uma fé viva e contagiante. O autor ainda afirma que “o fator determinante é se os crentes de uma igreja específica vivem sua fé com dedicação, paixão, fogo e entusiasmo [...]. O conceito de paixão espiritual contrapõe-se às concepções tão difundidas da fé como ‘cumprir obrigações”. 15
A esta altura convém citar as palavras de Ricardo Barbosa ao definir espiritualidade como “espiritualidade”, uma ação do Espírito que provoca reações do espírito humano. Tenha-se em mente que, ao falarmos de espiritualidade, não nos referimos apenas à obra do Espírito Santo, mas também aos movimentos do espírito humano em busca de sua própria identidade e seus significados correspondentes. Nesse sentido, podemos falar de espiritualidades, pois não se trata de uma realidade, mas de várias, com expressões e formas diferentes.16 Para os que concordam com Barbosa, a verdadeira espiritualidade é o movimento do Espírito em uma igreja, o qual se encarna e assume formas variadas e apropriadas ao contexto em que a igreja está inserida, sendo uma resposta divina às necessidades espirituais de um povo em determinado tempo.
Encarnação A encarnação, nas palavras de Costas, é “o enraizamento histórico de Jesus Cristo na dor e nas aflições da humanidade e seu impacto no crescimento da igreja”. O que levanta a questão: Até que ponto a igreja está experimentando um crescimento que reflete a 15 O desenvolvimento natural da igreja, p. 26. 16
Ricardo BARBOSA. Espiritualidade e espiritualidades: buscando uma definição. Disponível em: <http://www.ejesus.com.br/home/exibir.asp?Arquivo= 1705>. Acesso em: 06 ju1. 2006. 35
Crescimento Integral da Igreja
compreensão, o compromisso e a presença de Cristo entre as multidões desamparadas e dispersas? 17
Por meio da encarnação de Jesus, podemos conhecer a perfeita imagem do Deus vivo,18 como o seu amor está associado à nossa realidade, como ele pode ser a resposta para a nossa salvação eterna, ser o Senhor e transformador da vida e dos contextos nos quais estamos inseridos.
A encarnação é a espiritualidade concretizada, por isso ela é a consequência natural da espiritualidade. Ainda que seja mística, no sentido de ser uma busca pela ação e manifestação de Deus em nós, ela é tremendamente relevante e transformadora, pois é a resposta eterna e transcendente de Deus com implicações temporais e contextuais. Em nossa missão de encarnar, internalizar, proclamar e celebrar o evangelho no mundo de hoje, as boas-novas de salvação devem tornar-se carne e precisam ser comunicadas e celebradas em cada peça do mosaico humano.19
Uma igreja que vive esse tipo de fé, viva e encarnada, crescerá e ao mesmo tempo “cairá na graça do povo”, da mesma maneira que a igreja de Jerusalém crescia e era capaz de gerar um santo temor de Deus naqueles que, de longe, acompanhavam as manifestações visíveis e concretas da fé cristã. 20
Fidelidade A fidelidade é a qualidade que promove coerência entre a fé encarnada e o propósito de Deus para o seu povo. Por meio dela, 17
Liberating News: A Theology of Contextual Evangelization, p. 13. Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação (CI 1:15). 19 Orlando E. COSTAS. The Whole Worldjàr the Whole Gospel· An International Reuiezo; v. 8, n. 4, 1980, p. 396. 20 “••• louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos” (At 2:47). 18
36
2. Crescimento integral: Conceito
percebe-se “em que medida o crescimento que a igreja está experimentando responde às ações de Deus na Bíblia e seus desígnios na História”. 21 A fidelidade ajuda-nos a ver se o crescimento experimentado é coerente com a Palavra de Deus, se não é fruto de mero sincretismo religioso, produzido pelo nosso esforço de encarnação ou por uma visão mística de espiritualidade, Incoerente com a natureza e o propósito eterno de Deus.
A missão de Deus não é uma especulação metafísica nem uma abstração teórica inspiradas pela filosofia grega clássica; ao contrário, baseia-se em seus feitos históricos. Nós desejamos entender o Deus da fé cristã em sua atividade missionária na história, em sua relação com o mundo e em seu plano para a humanidade.22 Sem isso, o crescimento pode ser uma grande ilusão de religiosidade, como a retratada em Ezequiel 33:30-32: Quanto a você, filho do homem, seus compatriotas estão conversando sobre você junto aos muros e às portas das casas, dizendo uns aos outros: “Venham ouvir a mensagem que veio da parte do SENHOR”. O meu povo vem a você, como costuma fazer, e se assenta para ouvir as suas palavras, mas não as põe em prática. Com a boca eles expressam devoção, mas o coração deles está ávido de ganhos injustos. De fato, para eles você não é nada mais que um cantor que entoa cânticos de amor com uma bela voz e que sabe tocar um instrumento, pois eles ouvem as suas palavras, mas não as põem em prática.
É obrigação pessoal verificar se nosso crescimento nos conduz a um santo envolvimento com o que Deus está fazendo na história e se a transformação inerente à presença e ao propósito do Deus Santo pode ser percebida por meio desse crescimento. Caso con21 Idem, Liberating News:A Theology of Contextual Evangelization, p. 13. 22 Idem.
Christian Mission in the Americas. Apud Stephen B. BEVANS & Jarnes A. SCHERER. New Directions in Missions and Evangelization. Orbis Book, p.26. 37
Crescimento Integral da Igreja
trário, o crescimento carecerá da fidelidade e, com certeza, não será reconhecido pelo autor e consumador de nossa fé. Os três aspectos do crescimento referem-se a: »» Espiritualidade – ação do Espírito Santo, que capacita o homem a entender os mistérios divinos; »» Encarnação – ao crescimento que ocorre em situações reais e tem suas raízes no contexto cultural no qual a igreja está inserida; »» Fidelidade – o grau de sintonia da igreja com a Palavra e o propósito de Deus na História. Após a análise dessas três qualidades, podemos entender por que Bryant Myers definiu a Missão Integral como “o ministério em que a compaixão, a transformação social e a proclamação estão inseparavelmente relacionadas”.23
No próximo capítulo, verificaremos como tais qualidades relacionam-se com o que chamamos de dimensões do crescimento integral.
23
Apud T. YAMAMORI. Servindo com os pobres na América Latina, p. 13. 38
As dimensĂľes do crescimento integral
Costas percebeu que era necessário criar um cenário mais con-
creto do crescimento integral, por isso ele acrescentou às qualidades estudadas – espiritualidade, encarnação e fidelidade – algumas dimensões desse crescimento, ou seja, de que maneiras o crescimento precisa ser buscado, visualizado e desenvolvido. “A correlação dessas qualidades e dimensões em uma situação eclesial específica pode dar-nos um perfil de uma igreja em crescimento”. 24
As três qualidades estão correlacionadas a um modelo com quatro dimensões (posteriormente, o autor acrescentaria uma quinta: a celebração litúrgica), que se originam da realidade da igreja como comunidade de fé. Sendo a igreja uma comunidade a caminho do Reino de Deus, atenta à Palavra de Deus, que vive na comunhão de seus membros e está a serviço da humanidade, seu crescimento deve apontar para quatro direções: aumento do número de membros, desenvolvimento da vida orgânica, aprofundamento na reflexão da fé e o serviço eficaz no mundo.25 Cada uma dessas dimensões está relacionada a diferentes aspectos da dinâmica missionária da igreja e, em essência, retrata sua própria vida.
24
A Wholistic Concept of Church Growth. Missiology: An International Review, v. 8, n. 4, p. 101 25 Dimensiones dei crecimiento integral de la iglesia. Revista Misión, jul/set 1982, p. 13. 41
Crescimento Integral da Igreja
Dimensão numérica Essa dimensão retrata o compromisso de cada crente em Jesus Cristo ser ministro de Deus neste mundo, proclamando o evangelho da salvação. Ela é assim descrita por Costas:
Por crescimento numérico, entendemos a reprodução que experimenta o povo de Deus ao proclamar o evangelho e chamar homens e mulheres ao arrependimento de seus pecados e fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador de suas vidas; a incorporar a uma comunidade local de crentes os que respondem afirmativamente e incluí-los na luta do Reino de Deus contra as hostes do mal.26
Tais conceitos assemelham-se aos do Movimento de Crescimento de Igreja, segundo o qual “a vontade de Deus é que homens e mulheres que estão perdidos sejam encontrados, reconciliados com ele mesmo [Cristo] e se tornem membros responsáveis da sua igreja”27 ou, nas palavras de Peter Wagner, “é vontade de Deus que homens e mulheres venham a ser discípulos de Jesus Cristo e membros responsáveis da sua Igreja”. Para Costas, o crescimento é um sinal fundamental da verdadeira igreja e confirma que ela está participando na ação propagadora do Espirito.”28
O crescimento numérico é parte integrante da visão do que significa ser igreja, especialmente quando a vemos como igreja apostólica e sinal do Reino de Deus na Terra; todavia, esse crescimento não pode ser visto como dimensão única de sua missão.
Dimensão orgânica A dimensão orgânica retrata o desenvolvimento interno da comunidade da fé, pois, à medida que crescemos, agregamos pessoas 26
Idem, ibidem, p. 13. Donald Anderson McGavran. Compreendendo o crescimento da igreja, p. 52. 28 The Integrity of Mission, p. 37.
27
42
3. As dimensões do crescimento integral
não a uma instituição, mas a um corpo, a um organismo vivo, o que nos faz sentir o gosto de ser uma comunidade de irmãos. Se uma igreja tem como propósito crescer apenas em número, sem preocupar-se com a comunhão, o pastoreio e os relacionamentos, ela será tão impessoal e distante que, naturalmente, ela mesma limitará seu crescimento numérico.
Como um organismo vivo, a igreja não pode limitar-se à mera reprodução de suas células. Ela tem de preocupar-se com o bom funcionamento de todas os setores que dão forma a seus sistemas vitais. Estes precisam ser fortalecidos, cuidados, estimulados e bem coordenados para que o corpo possa funcionar adequadamente, a fim de que o labor reprodutivo não seja desperdiçado e a meta final, seja assim alcançada. 29 A dimensão orgânica engloba a forma de governo da igreja, a estrutura financeira, o estilo de liderança, as atividades em que ela investe seu tempo e dinheiro, e a celebração litúrgica.30
Nessa dimensão, preparamos os santos para o exercício do ministério pessoal,31 para que todo o corpo possa funcionar de modo adequado. Na prática, não podemos deixar de incluir o esforço que faremos para capacitar e treinar esses ministros de Deus, pois são eles que fazem a igreja ser relevante e sinal do Reino em seu contexto. É claro que a igreja, organismo vivo, é igreja todo o tempo e em qualquer lugar, mas entendemos que seus aspectos comunitários requerem algum tipo de estrutura que a referencie como, onde e quando exercer seu ministério. E, se almejamos que ela esteja em contínuo crescimento, essa estrutura requererá planejamento, cria29
Orlando E. COSTAS. Dimensiones del crecimiento integrai de la iglesia. Revista Misión, jul/set 1982, p. 13 30 Idem, The Integrity of Mission, p. 3. 31 E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado (Ef 4:11-18). 43
Crescimento Integral da Igreja
tividade, otimização, investimento e um sentido de relevância no contexto em que está inserida.
Dimensão conceitual A dimensão conceitual está relacionada com a capacidade de a igreja refletir sua fé e responder às suas razões.32 Sem tal capacidade, todo crescimento conquistado em uma geração pode facilmente ser perdido na seguinte. De fato, esta tem sido a lição da história dos avivamentos: uma geração experimenta crescimento surpreendente e a seguinte caminha em incredulidade e desilusão.33 Por isso, uma igreja que não investe em seu potencial crítico, teológico, na prática objetiva e racional da fé, logo será arrastada por todo vento de doutrina que poderá despedaçá-la. Perderá, também, sua capacidade criativa para continuar a ser relevante diante da constante transformação da sociedade e do cenário cultural. Costas definiu essa dimensão nos seguintes termos: Por crescimento conceitual, referimo-nos à expansão na inteligência da fé: o grau de consciência que a comunidade eclesial tem a respeito da sua existência e razão de ser, sua compreensão da fé cristã, seu conhecimento da fonte dessa fé [as Escrituras], sua interação com a história dessa fé e sua compreensão do mundo que a rodeia.34
A dimensão conceitual não apenas nos capacita a enfrentar o futuro, como nos ajuda a ser a voz profética no presente, a sermos relevantes para o nosso tempo e nação, pois o mundo que nos rodeia 32
Antes, santifiquem Cristo como Senhor em seu coração. Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês (1 Pe 3:15). 33 Interessante argumento apresentado por Luiz Roberto Silvado a colegas pastores de Curitiba, Paraná, com base em estudos realizados na Inglaterra sobre o pós-avivamento, em seu semestre sabático. 34 Idem, Dimensiones del crecimiento integral de la iglesia. Revista Misión, jul/ set 1982, p. 13. 44
3. As dimensões do crescimento integral
sempre apresentará novas questões para as quais exigirá respostas. Se uma igreja não for capaz de compreender, à luz da fé, o mundo que a rodeia e se não for capaz de encontrar as respostas do nosso Salvador às ovelhas desgarradas, ainda que estas tenham igreja, elas continuarão sendo ovelhas sem pastor. É interessante perceber como Costas via a capacidade de a igreja fazer teologia. Para ele, tal capacidade representava a capacidade de que uma geração dispõe para crescer em profundidade:
Atualmente, teologia não é um exercício intelectual para um tempo de lazer; é uma reflexão comprometida. Não é alguma coisa que alguém repete ou memoriza, mas. algo que alguém faz. É ligar os fins últimos de nossa existência, pela ótica da fé que alguém possui. É por isso que cada geração tem de pensar guiada pela fé. Essa é uma das razões pelas quais a teologia não pode ser entendida como equivalente à fé. A teologia exige que fé e vida estejam relacionadas. Nós “fazemos” teologia; não somos gravadores que repetem o que os velhos e os novos gigantes têm dito.35
Crescer na dimensão conceitual significa possibilitar que a igreja reflita teologicamente sobre a vida, tanto na sua dimensão eterna como temporal, sendo um sinal do Reino para uma geração e uma cultura.
Dimensão diaconal Na dimensão diaconal, a igreja está preocupada em encarnar Jesus, seu amor redentor e sua ética em todos os aspectos da vida. Entende-se por crescimento diaconal a intensidade do serviço que a igreja presta ao mundo como mostra concreta do amor redentor de Deus. A dimensão diaconal envolve ainda o impacto do ministério reconciliador da igreja no mundo; o grau de participação na vida, nos conflitos, nos temores e nas esperanças da sociedade, uma 35
Orlando E. COSTAS. The Integrity of Mission, op. cit., p. 50. 45
Crescimento Integral da Igreja
vez que seu serviço ajuda a aliviar a dor humana e a transformar as condições sociais.36
Uma pequena comunidade na Alemanha, logo após a Segunda Guerra Mundial, representa bem o que propõe a dimensão diaconal. Os sobreviventes da cidade destruída entenderam que não somente as casas precisavam ser reconstruídas, mas também a igreja da comunidade. Formaram um mutirão e esforçavam-se para a reconstrução, quando um dos trabalhadores procurou o líder para dizer que a imagem de Jesus que ficava posicionada na entrada da igreja não poderia mais ser usada, pois as mãos haviam sido destruídas no bombardeio. O líder pensou e logo teve uma brilhante ideia. Pegou um papelão, um pedaço de carvão e escreveu:
“Nós somos as mãos de Jesus”, e, ao entregar àquele ajudante, disse: “Agora você pode por isto no lugar”.
Sem a perspectiva da dimensão diaconal, a igreja perde sua – autenticidade e credibilidade, visto que o fato de ser ouvida e respeitada está intrinsecamente vinculado à concretização de sua vocação de amor e serviço ao próximo bem como sua consequente visibilidade. Ao pensarmos nas ações de Jesus nos Evangelhos, perceberemos que os desvalidos de seu tempo, aqueles que pareciam não ter lugar nem vez – aqueles a quem Jesus chamou “pequeninos”, comparáveis aos que são considerados de casta inferior na Índia – eram ministrados de maneira tal que, cheios do Espírito, tocados pela graça, repletos de uma sabedoria que vinha do alto, confundiam a sabedoria dos sábios e poderosos de seu tempo. Na dimensão diaconal, simplesmente continuamos a obra que Jesus começou; somos suas mãos, pés, lábios e coração. Ministramos a um povo que, aflito e sofrido, continua caminhando pela terra como ovelhas sem pastor. Uma igreja que vive essa dimensão de 36
Idem, op. cit., p. 13. 46
3. As dimensões do crescimento integral
crescimento prova de maneira visível e concreta que Jesus é o Bom Pastor.
Crescer na dimensão diaconal é tornar-se relevante a um povo, instaurar ética em um mundo corrompido e corrupto, é mudar a face das coisas ainda que todos digam que é impossível, é amar mesmo quando não desejam que amemos, é caminhar na contramão da sociedade e instaurar na Terra, nas palavras de John Stott, “a contracultura cristã”.
Dimensão litúrgica A dimensão litúrgica foi incluída nos escritos de Costas de modo progressivo. Em seus argumentos sobre as dimensões do crescimento, ele não a cita claramente, mas fá-lo à medida que desenvolve suas ideias, principalmente em seu livro The Integrity Of Mission [A integridade da missão] – no qual revela a necessidade de aliar a integração da missão à adoração. Fica-nos mais clara a preocupação do autor se observarmos a análise de Antonio Carlos Barro sobre o assunto: “Costas entende que a igreja tem dois propósitos principais em seu chamado: liturgia e missão”. O autor continua dizendo que o objetivo primário do chamado da igreja é o louvor da glória da graça de Deus (v. Ef 1:16). “Louvor é la raison d’être da igreja e seu objetivo principal.” Menciona que, para Costas, “louvor é o propósito por trás das ações libertadoras de Deus”, portanto, o louvor faz parte da missão e é indispensável. Costas considera o louvor um evento que celebra o passado (libertação) como também um evento que se volta para o presente: Este é o momento no qual a igreja declara publicamente ao mundo tudo que é comunicado a seus membros – isto é, que as boas-novas
47
Crescimento Integral da Igreja
da salvação que Deus oferece em Cristo estão disponíveis a todos os que ouvem e creem. 37
Barro faz menção ao fato de o louvor ter dois aspectos. Primeiro, ele é coletivo e não está sob o domínio do clero; o louvor é um serviço que todo o povo de Deus presta a ele. Em segundo lugar, o louvor reflete o contexto no qual a igreja está inserida. A razão é que “cantando, orando e confessando a fé na linguagem do povo possibilita às congregações ter um ministério voltado para fora mesmo enquanto estão louvando e orando a Deus”. 38 Para Costas, missão e adoração são duas dimensões da mesma realidade.39 Por isso, entendemos que a adoração é outra dimensão do crescimento da igreja, pois crescer na “adoração é mais do que celebrar determinados ritos religiosos; é, antes de tudo, proclamar e viver uma mensagem”.40
O autor John Stott faz severa crítica às igrejas que têm perdido essas dimensões de sua missão.
37
Muitas igrejas encontram-se enfermas porque têm uma falsa imagem de si mesmas. Elas ainda não chegaram a entender nem quem são (sua identidade), nem para que foram chamadas (sua vocação) [...]. Hoje em dia, prevalecem pelo menos duas imagens com relação à Igreja. A primeira delas é a do clube religioso (ou cristianismo introvertido) [...]. Eles se consideram pessoas religiosas que adoram fazer coisas juntas. Pagam as suas mensalidades e, com isso, sentem-se no direito de gozar certos privilégios. O importante para eles é o status e as vantagens de ser membros do clube. Eles evidentemente se esqueceram da significativa declaração atribuída a William Temple, de que a Igreja é a única sociedade do mundo que existe para o benefício de
Orlando Enrique Costas: A Mission Theologian on the Way and at the Crossroads. Tese de doutorado apresentada ao Fuller Serninary, Passadena, 1993. 38 Idem, ibidem. 39 Orlando E. COSTAS. The Integrity ofMission, p. 91. 40 Idem, ibidem, p. 89. 48
3. As dimensões do crescimento integral
seus não membros [...]. Nossa responsabilidade primordial, no entanto, é nossa adoração a Deus e nossa missão no mundo. 41
A Palavra de Deus nos desafia a sermos adoradores em missão no mundo.
Qualidades do crescimento versus dimensões do crescimento O modelo que está em construção exige que se projete e avalie o crescimento ou o declínio da igreja, tendo em vista a qualidade e a dimensão do crescimento, Isso nos permite estimar o crescimento numérico e também a qualidade e a efetividade da nossa presença em uma determinada comunidade, como sinal do Reino de Deus na Terra. A princípio, esse tipo de avaliação pode parecer demasiadamente subjetivo. De que maneira pode-se quantificar a espiritualidade de uma comunidade? Que referências devem ser usadas para medir se a encarnação do evangelho aumentou ou diminuiu na congregação? Diante dessa dificuldade, talvez entendamos que o critério de fidelidade seja mais facilmente constatável, uma vez que o parâmetro regulador é a Palavra de Deus; no entanto, se considerarmos a sua interpretação, perceberemos uma variante geradora de desvios nos resultados da avaliação. Assim, a maneira mais eficaz de avaliar tanto a dimensão quanto a qualidade do crescimento da igreja é traduzir as qualidades citadas em metas comunitárias e pessoais. Uma pesquisa desenvolvida por Peter Wagner entre 572 pastores de várias denominações evangélicas americanas revelou que estes investiam, em média, 22 minutos por dia em oração.42 41 42
Ouça o espírito, ouça o mundo: como ser um cristão contemporâneo, p. 268-9. Escudo de oração, p. 74-5. 49
Crescimento Integral da Igreja
Surpreso com o resultado, promovi uma pesquisa entre os líderes espirituais de minha comunidade e descobri que 83% dos entrevistados não dedicavam nem 15 minutos diários em oração.43 À luz desse resultado, ainda que a igreja estivesse crescendo na ordem de 12% a 15% ao ano, sua espiritualidade estava em decadência. Se algo não fosse feito em pouco tempo, o crescimento não só se reverteria como também resultaria em falta de maturidade espiritual, o que se verificaria nas atividades da igreja em forma de conflitos, divisões e falta de visão do Reino.
Finalmente, o que parecia tão subjetivo pôde ser comprovado e avaliado, o que gerou metas e o surgimento de um ministério permanente de oração que tem por finalidade a conscientização e a mobilização da igreja para vivenciar a bênção e o poder da oração.
Adotar o crescimento integral em uma comunidade exige criatividade para desenvolver métodos de avaliação, pois a prática das qualidades citadas, em suas várias dimensões, é essencial para que o milagre do crescimento ocorra naturalmente. O intelectual indiano Valson Thampu descreve as proposições conceituais do ministério integral nos seguintes termos: »» O todo é mais que a soma das suas partes; »» O todo determina a natureza das suas partes; »» As partes não podem ser compreendidas isoladas do seu todo; »» As partes de um todo orgânico estão interrelacionadas dinamicamente ou são interdependentes. Em outras palavras, o ministério integral cria um efeito sinérgico e, de fato, o todo é mais que a sorna das partes. O todo (que é a missio Dei) determina a natureza das várias missões da igreja. O ministério
43
Estudo informal realizado entre diáconos e líderes de células, no qual, sem que precisassem se identificar, eles tinham de responder sim ou não à pergunta: “Nos últimos sete dias, você orou pelo menos quinze minutos diariamente?” 50
3. As dimensões do crescimento integral
integral implica a identidade e o caráter distintivo das partes em relação ao todo e, ao mesmo tempo, em sua relação inseparável.44 Nossa tendência, de acordo com os dons que possuímos, é enfatizar as partes, mas uma avaliação matricial constante entre qualidades e dimensões do crescimento ajuda-nos a pôr o todo em destaque e a sermos agentes da missio Dei na Terra.
Um exemplo de missão integral O missionário Joed Venturiní e sua esposa, Ida, trabalham desde 1998 em Bafatá – cidade no interior de Guiné-Bissau, país muçulmano, localizado na costa ocidental da África -, com o propósito de implantar uma igreja no meio do povo fula, um dos povos não-alcançados da janela 10/40.45 Ele é médico; ela, educadora. Desde que chegaram a esse país, atuam pela ótica da missão integral, por isso inauguraram uma clínica médica, uma escola, uma rádio e, naturalmente, organizaram uma igreja que é fruto da pregação oral e encarnada do evangelho. O testemunho das realidades do evangelho e a encarnação dessa mensagem na forma de um amor prático têm provocado impactos, e, pelo poder do Espírito Santo, o crescimento faz-se notório, mesmo em meio a uma cultura resistente ao cristianismo. Alguns fatos ocorridos no decorrer dos últimos anos ajudam-nos a compreender o impacto desse tipo de pregação.
Clínica médica Na clínica, foi adotado o seguinte critério: a consulta custa US$ 2,50, e os medicamentos são fornecidos gratuitamente. É impor44
Apud Tetsunao YAMAMORI. Servindo com os pobres na América Latina: modelos de ministério integral, p. 14-5. 45 Refere-se à janela entre os paralelos 10 e 40 do mapa-múndi, na qual estão situados os povos mais resistentes à pregação do evangelho. 51
Crescimento Integral da Igreja
tante ressaltar que o preço cobrado é muito menor que o de qualquer outra clínica da região, o que faz as pessoas perguntarem constantemente como é possível manter o serviço cobrando apenas esse valor. O missionário e os atendentes explicam que cristãos do Brasil pagam parte do atendimento prestado. Ao retrucarem: “Por que fazem isto? Eles nem nos conhecem?”, ouvem a resposta: “Simplesmente porque Jesus nos ensinou que deveríamos amar o próximo como a nós mesmos!”. Certo dia, um senhor dirigiu-se à clínica e, como não havia mais horário disponível para consultas, teve de ser encaminhado para outro lugar. Como ele se recusava a ir, a atendente pensou que talvez estivesse com problemas financeiros e, então, ofereceu-lhe dinheiro para pagar a consulta e os remédios. Qual não foi sua surpresa quando ele respondeu que desejava ser atendido ali porque sabia que, além de ser examinado por um profissional da área, naquela clínica havia um poder especial e uma bênção que nenhuma outra lhe poderia oferecer. Não é essa uma grande e excelente oportunidade para a comunicação do caminho, que é Jesus?
Compaixão de Jesus encarnado Pelo mover do Espírito, um jovem de 23 anos apresentou-se ao missionário dizendo que desejava converter-se ao cristianismo. Quando tinha 8 anos, o pai o dera a outra família para quitar uma dívida. Desde então, ele vivia como escravo, fazia todo o trabalho pesado da casa e, em troca, recebia um prato de arroz uma vez ao dia. Ao pensar em sua fé, uma pergunta intrigava aquele jovem: “Será que o Deus todo-poderoso não me entenderia se eu orasse na minha própria língua?”. Para ele, Deus só entendia árabe, a língua usada nas orações pelos muçulmanos, apesar de, mesmo sendo analfabeto, falar três outros dialetos da região. 52
3. As dimensões do crescimento integral
Mesmo sem obter resposta, aquele jovem começou a orar pedindo que, se existisse algum outro caminho, que Deus lhe mostrasse. Certa noite, ele teve um sonho. Alguém de branco apareceu-lhe e disse que suas orações haviam sido atendidas e que ele deveria dirigir-se à missão e dizer ao missionário que gostaria de se converter, e ele lhe ensinaria um novo caminho. O jovem fez exatamente como fora orientado no sonho. Algum tempo depois, a família com a qual vivia descobriu que ele havia se convertido a Jesus e, para dissuadi-lo da fé, proibiram-no de comer naquela casa. Durante três dias, aquele jovem não comeu, e foi agredido a ponto de precisar ser socorrido. Atendido na clínica, ele contou o que estava acontecendo, e foi orientado pelo missionário a deixar a casa, pois não existia nenhuma lei do país que autorizasse a escravidão.
Motivado por seus irmãos, ele voltou para a sua aldeia, mas ali também a situação não era muito diferente. Quando os homens descobriram que ele havia se convertido a Jesus, espancaram-no e o amarraram a uma estaca, deixando-o sem comer por alguns dias. Quando ele conseguiu libertar-se, voltou à missão e relatou o que acontecera. O desejo do missionário era tornar alguma providência sobre as agressões e, talvez, dar abrigo ao irmão perseguido, mas os membros mais antigos da igreja (ainda que todos ali tivessem poucos anos de conversão) discordaram, afirmando que o jovem precisava enfrentar a situação e que iriam orar por ele. “Mas como? Só orar?”, perguntou o missionário. “Por ora, sim. Jesus vai nos dizer o que fazer”, responderam todos. Depois de algum tempo, o jovem sentiu que deveria retornar à aldeia, e assim o fez. Ao chegar, encontrou tudo em chamas: os tetos de palha, ressequidos pelo calor do verão de mais de 50°C, ardiam por todos os lados. Foi naquele exato momento que o Espírito 53
Crescimento Integral da Igreja
Santo disse a ele que entrasse em determinada choupana e tirasse algo do fogo. Ele obedeceu e pegou uma pequena trouxa que encontrou. Qual não foi sua surpresa ao descobrir que dentro daquela trouxa havia uma criança, o neto do chefe da aldeia! Admirados, todos começaram a perguntar por que ele tinha escolhido exatamente aquela choupana, entre tantas, e por que só retirara aquela trouxa? “Jesus havia mandado”, foi sua resposta. Logo a seguir, a compaixão de Jesus encarnada na igreja causou grande impacto. Ao saberem do ocorrido e de que toda a comida da aldeia havia sido queimada, os irmãos enviaram centenas de quilos de alimentos. O chefe perguntou por que eles estavam oferecendo alimentos, e, então, o missionário pôde transmitir os ensinamentos do amor de Jesus. Ao término, o missionário foi surpreendido com o comentário: “Nossos irmãos muçulmanos sabem o que nos aconteceu e não fizeram nada, mas vocês fizeram!”. Hoje, existe uma congregação naquela aldeia.
Impacto social da escola Ida Venturini é educadora e, ao chegar a Bafatá, constatou que 90% das crianças não tinham acesso à educação, por isso logo iniciou uma escola na missão. A princípio, com muita dificuldade, conseguiu convencer os pais de 70 crianças muçulmanas, e eles permitiram que seus filhos estudassem em uma escola cristã. Outra grande barreira suplantada, que representou uma drástica mudança nos costumes locais, foi o estabelecimento de 50% das vagas para meninas.
Hoje, 400 crianças estudam na escola da missão. As vagas para ano letivo seguinte esgotam-se antes do término do ano vigente; antes mesmo que as matrículas sejam abertas! A criação de uma cerimônia para premiar os melhores alunos foi outra grande conquista. Ocasião em que se faz presente o ministro da educação daquele país e na qual ele próprio entrega os prêmios. 54
3. As dimensões do crescimento integral
Certa vez, ao perceber que metade dos melhores alunos eram meninas, o ministro ficou intrigado. Ao voltar à capital, reuniu o seu comitê e instituiu uma norma por meio da qual todas as escolas do país deveriam reservar 50% das vagas para meninas. A despeito de todos os relatos surpreendentes, o feito mais importante é que a escola tem aberto portas em lares de famílias muçulmanas para a pregação do evangelho e, dessa forma, desmitificado a fé cristã.
Visão de treinamento de liderança nacional Os missionários têm trabalhado na capacitação e na transferência de responsabilidades da missão aos novos cristãos de Bafatá. Desde cedo, eles são treinados. O mesmo ocorre com as crianças e os adolescentes; eles se tornam mentores de crianças mais novas e lhes ensinam a Palavra de Deus.
Para trabalhar com os adultos, os missionários criaram um conselho local, formado por irmãos mais veteranos na fé, cuja finalidade é a de orientar as decisões e as ações da missão, possibilitando, assim, a continuidade e o crescimento do trabalho local. Dessa forma, ainda que os missionários se ausentem e a comunidade seja relativamente nova, o ministério permanece em franca expansão.
Impacto espiritual e social da rádio Com muita dificuldade, foi instalada em Bafatá a única rádio cristã de todo o país. As transmissões são feitas em oito línguas. Para isso, fez-se necessária a cooperação de várias missões que trabalham com diferentes povos e línguas da região. A rádio tem sido um instrumento de evangelização e integração nacional, em meio às guerras que assolam o país, bem como um meio de comunicação para 55
Crescimento Integral da Igreja
prevenir enfermidades, pois a clínica médica mantém um programa diário dedicado a informar e ajudar aqueles que não têm acesso a serviços de saúde.
O serviço de recados, realizado pela rádio, passou a ser outra valiosa ferramenta de comunicação em toda a região e permite que todos que possuem um rádio obtenham notícias pessoais, locais e nacionais. A confiança na rádio, conquistada pela seriedade com que trata os assuntos de interesse local, faz que a mensagem do evangelho se torne cada vez mais relevante para a população.
Apesar de tal modelo de missão integral não ser ainda uma prática comun no Brasil, ele é fruto da ação de uma equipe missionária brasileira que acreditou que um projeto nesses moldes poderia gerar muitos frutos em uma comunidade altamente resistente à mensagem do evangelho. Podemos perceber nesse modelo a atuação conjunta das qualidades e das dimensões do crescimento integral, o que permite que o Espírito Santo faça o que só ele pode fazer: o milagre do crescimento!
A missão de Bafatá serve de modelo por ser um dos trabalhos mais bem-sucedidos entre muçulmanos de que temos notícia. Dificilmente oito anos de atuação em uma comunidade islâmica seriam suficientes para a fundação de uma igreja. Outra razão para tal escolha foi o fato de que esse projeto nasceu de uma visão de fé. Não raro, pensamos que projetos como esse só podem ser desenvolvidos com ajuda financeira de grandes e prósperas instituições. Entretanto, a missão propagadora desse trabalho é brasileira, com recursos escassos, mas é confiante de que o Deus da obra é rico! Se cremos que Deus tem algo a fazer por meio de nós, devemos prosseguir firmados na fé, e certamente aprenderemos a caminhar sobre as águas. As palavras de Jesus são um alerta: “Eles não precisam ir. Deem-lhes vocês algo para comer” (Mt 14:16), ditas quando os discípulos desejavam dispensar a multidão, por não terem como 56
3. As dimensões do crescimento integral
alimentá-la. Ao dizê-las, o Mestre ensinou-nos que os recursos necessários para cumprirmos nossa missão, do jeito que ele quer, sempre virão dele. Precisamos dar passos de fé em direção à visão que ele nos tem dado, e o restante ele fará por nós.
As qualidades e as dimensões da missão integral são as bases que nos permitem trabalhar pelo crescimento integral da igreja. Sua aplicação viabiliza o desenvolvimento de projetos como os de Bafatá, além de tornar visível o significado de ser uma igreja viva e relevante em determinado contexto. Veremos no capítulo seguinte os valores que norteiam o crescimento integral da igreja.
57
58
Os valores que norteiam o crescimento integral
Quando
assumi o ministério da Primeira Igreja Batista de Curitiba, Paraná, (1988) ela já era uma grande e próspera igreja com 1.014 membros, possuía um patrimônio que nos permitia sonhar com a expansão – ela havia sido transferida para um novo complexo, ainda em fase de construção, com uma área total de 12.300 m2 e um potencial de edificação de mais de 23 mil metros quadrados. Ela possuía uma história de arrojo e compromisso com a implantação de igrejas em todo o Estado do Paraná, fruto da ação de seu corpo diaconal e líderes capazes e bem treinados. Na época, eu tinha 29 anos de idade e oito anos de experiência ministerial à frente da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo, uma igreja de vanguarda que fora minha casa desde a infância. Ao mudar para outro Estado, não imaginava que os costumes seriam tão diferentes, afinal Curitiba está a apenas 400 quilômetros de São Paulo: cidades tão próximas, mas também tão diferentes!
Foi a partir dessa mudança que o termo “contextualização” passou a ter sentido para mim. Logo no início de meu ministério em Curitiba, percebi que determinados procedimentos tão habituais para mim não seriam interpretados pela equipe de Curitiba da maneira esperada. Lembro-me de ter enviado um memorando com alguns pedidos e sugestões ao secretário da igreja, que provocou a ida imediata dele à minha casa. Ele queria entender por que eu me reportara a ele daquela forma. Ao me revelar seus sentimentos, provocados 61
Crescimento Integral da Igreja
por aquele papel, quase entrei em choque. Como algo tão simples e rotineiro para mim poderia assumir uma conotação tal para aquele irmão?
Não demorou para que eu percebesse que havia questões que me eram completamente desconhecidas. Cabia a mim descobrir a cultura e a prática locais. Tenho de confessar que entrei em pânico. Sentia-me como que pisando em ovos, pois eu era o “diferente”.
No momento em que se percebe o choque cultural, a grande tentação é mudar o mundo ao redor para que ele fique parecido com o seu, o que é uma grande tolice; eu é que precisava me aculturar. Se não me identificasse com aquele povo, jamais poderia ser o seu pastor ou promover mudanças que trouxessem benefícios tanto para a vida deles como para o progresso do Reino. Talvez essa tenha sido uma dolorosa, mas preciosa lição. A questão crucial, porém, era que no coração e na alma dos meus queridos irmãos eu ainda não era o pastor deles. Eles tinham como referência afetiva o pastor Marcílio Sebastião Gomes Teixeira, que exercera um profícuo ministério ao longo de catorze anos a serviço daquela igreja. Fora ele quem chorara as lutas e alegrara-se com as vitórias dos irmãos. Como era de se esperar, a igreja não se parecia nem um pouco comigo: nem o estilo do culto nem a forma de resolver problemas refletiam a minha filosofia de ministério. Caso o leitor já tenha sido transferido alguma vez para outro ministério, certamente se identificará com esse relato.
A grande pergunta era: “O que fazer?”. Penso que a verdadeira contextualização nasce dos sentimentos de impotência e incompetência! Por meio deles, Deus começa a quebrar as barreiras instaladas em nossa mente; barreiras que nos impedem de sermos flexíveis, primeiro quanto à vontade de Deus, depois, quanto às metodologias que consideramos sacrossantas. Todo líder que se vê em situação semelhante tem apenas uma saída: buscar com maior intensidade 62
4. Os valores que norteiam o crescimento integral
o discernimento divino e submeter-se inteiramente à revelação do Senhor.
Ajudado por uma querida diaconisa, que conhecia muito bem a vida e a história da igreja, iniciei uma intensa programação de visitas a todos os líderes com o objetivo de colher informações que me ajudassem a definir o rumo que eu deveria seguir. Em uma dessas visitas, ouvi o conselho mais importante para alguém que inicia um novo ministério.
Almoçando com um dos líderes, e ávido por informações que me ajudassem a delinear meu projeto ministerial, escutei a seguinte frase: “Pastor, antes de qualquer projeto, eles [os irmãos] precisam de um pastor. Pastoreie a igreja, cure as feridas das ovelhas, conduza-as a pastos verdejantes. Seja o pastor delas!”.
Palavras sábias que certamente vinham de Deus! Como um pastor tão diferente e totalmente dissociado de suas histórias e de seus costumes, pode achar que será seguido e terá apoio, pagando o preço que qualquer mudança sempre impõe, sem que, primeiramente, apascente as ovelhas, cuide de suas feridas e conquiste sua confiança com o amor pastoral? Sem isso, certamente eles não me seguiriam. O processo de contextualização exige identificação. Para um pastor, identificação significa mais do que conhecer o seu povo; significa sentir com ele seus problemas e medos, tratar suas feridas e tornar-se instrumento de Deus para fortalecê-lo espiritualmente. É por meio dessa santa identificação que surge a verdadeira autoridade da liderança pastoral.
Ser pastor é mais do que assumir um cargo, um título ou uma atribuição estatutária; é dedicar a vida, assumir o compromisso, enfrentar as batalhas espirituais em favor do povo que Deus pôs sob a sua responsabilidade. A partir de tal identificação é que um projeto poderá dar certo. 63
Crescimento Integral da Igreja
Como desenvolver a visão integral O autor George Barna assim define visão: “Um retrato mental claro de um futuro preferível, comunicado por Deus a seus servos-líderes escolhidos, baseado num entendimento real de Deus, de si mesmo e das circunstâncias”.46
Muito se tem falado de visão para o ministério, e sei que todo projeto ministerial nasce de uma visão dada por Deus. No meu caso, entretanto, a visão não nasceu de uma revelação única e pronta, como se Deus desse uma ordem e eu tivesse a capacidade de entendê-la por inteiro e de uma única vez. Creio que o fato de não entendermos a maneira usada por Deus para conceder-nos uma visão ministerial tem levado muitos pastores e líderes a copiar visões de outros ministérios, já que estruturas inteligíveis são aplicáveis, mas nem sempre adequadas ao contexto. A percepção da visão de um crescimento integral para a Primeira Igreja Batista de Curitiba foi um processo lento, tanto em meu coração quanto aos olhos da igreja. Deus, em sua sabedoria, caminhou pacientemente comigo e permitiu que cada faceta da visão fosse percebida, assimilada e semeada no coração da igreja. Esse processo levou alguns anos de ministério, nos quais cada aspecto ia sendo incorporado.
Inicialmente, tive o forte sentimento de que nada poderia ser feito sem a busca intensa de um relacionamento íntimo com Deus. Tanto eu como os líderes e cada um dos membros da igreja precisávamos crescer em direção ao alto, em direção ao Senhor. Sem esse crescimento, nenhuma ação teria sentido. A seguir, percebi que um genuíno crescimento espiritual traria efeitos naturais e constatáveis. Por isso, deveríamos crescer para fora, isto é, em direção àqueles que estavam perdidos (tanto os mais próximos quanto os mais distantes) 46
Líderes em ação, p. 49. 64
4. Os valores que norteiam o crescimento integral
e fazer da proclamação do evangelho uma de nossas metas prioritárias.
Sabíamos que sem uma forte unidade comunitária e o sentimento de corpo, pouco alcançaríamos; então, precisávamos crescer internamente nutrindo uma comunhão genuína, promovendo a descoberta e a prática dos dons do Espírito Santo e desenvolvendo a verdade de que todos nós somos servos de Deus e servimos uns aos outros dentro do Corpo de Cristo.
Algum tempo depois, compreendi que seria impossível manter o foco na visão e, ao mesmo tempo, assimilar novos membros e mobilizá-los ao exercício de um ministério pessoal, sem desenvolver e implementar um programa de treinamento sistemático e continuo.
Eu pensava, a princípio, que integração e mobilização resultariam naturalmente da implementação das três direções do crescimento citadas; no entanto, um processo contínuo e programado de capacitação para o ministério pessoal constituía-se numa necessidade que a teoria do crescimento integral preconizava e a experiência demonstrava. Assim, influenciado pelo livro Melhorando as dinâmicas da célula, de Jim Egli47 acrescentamos a quarta direção: “para a frente”” com o objetivo de despertar e treinar nossos potenciais líderes e ministros para o exercício do ministério pessoal.
47
Ministério Igreja em Células no Brasil, Curitiba, 2002. 65
Crescimento Integral da Igreja
Direções do crescimento
Figura 4.1
Direções do crescimento.
“Deus colocara em meu coração que o objetivo era crescer para o alto, para fora, para dentro e para a frente, e que a partir desse sentimento é que deveriam nascer todos os projetos e estratégias.”
Ao tratar de crescimento integral, é essencial entender que os processos e as estratégias não são os aspectos mais importantes. O que há de mais importante são as pessoas e como alcançá-las, de modo que enfrentem o mínimo possível de barreiras e sejam transformadas mais intensa e rapidamente pelo evangelho. Em decorrência dessa prioridade, a definição de processos e estratégias ficaria para depois. Antes de propor atividades, fazia-se necessário ampliar o conteúdo da visão em uma série de valores que direcionariam as estratégias. Cada uma das ênfases de crescimento determinava valores específicos que precisavam ser esclarecidos e trabalhados. 66
A missĂŁo da igreja Ă luz do crescimento integral
Um dos maiores desafios da igreja na atualidade é definir o con-
ceito de missão. Qual é a missão da igreja? Qual é a natureza dessa missão? Quais os objetivos da missão? Responder a essas questões é fundamental porque, como pode a igreja ser o que deve ser, e fazer o que deve fazer, se não tiver uma compreensão clara de sua missão?
A complexidade em definir a missão da igreja A dificuldade para responder às questões levantadas reside no fato de que, qualquer que seja a resposta encontrada na literatura tradicional, ela nos dá a sensação de que falta alguma coisa, que algo deixou de ser incluído no contexto da missão da igreja. Se dissermos que evangelizar é nossa missão, logo nos perguntaremos se adorar também não é. Os missiólogos Edward R. Dayton e David A. Fraser apresentaram um arrazoado interessante e coerente sobre o assunto:
A igreja recebeu inúmeras ordens e modelos que revelam o que ela deve ser e fazer. Não é difícil catalogar um grande número de ordens específicas dadas aos cristãos primitivos e a suas igrejas, ordens para se dedicar ao cuidado e orientação das pessoas, ao testemunho, à adoração, ao estudo e à contribuição. Todos esses ministérios foram iniciados com entusiasmo pelos cristãos primitivos, quando eles começaram a se sentir como parte do movimento do Espírito de Deus. De alguma maneira, no meio de todas essas palavras e imagens, a Igreja moderna deve procurar sua identidade pessoal e sua dinâmica para executar 81
Crescimento Integral da Igreja
seu trabalho no século vinte. Pense em todas as metáforas e imagens encontradas no Novo Testamento que revelam a natureza e a missão da Igreja: luz, sal, fermento, uma coluna sustentando a verdade, um embaixador de Deus, um semeador, um templo de adoração, um servo carregando uma cruz. A lista é interminável.
Existem tantas coisas importantes e necessárias que a igreja deve ser e fazer que o eixo ao redor do qual todas elas giram pode ser perdido, caso um aspecto ou detalhe seja tratado à parte dos demais. No final, todas essas imagens e ordens estão baseadas na realidade de que a Igreja é um resultado e ao mesmo tempo um participante da missão de Deus. Deus está agindo na história para realizar Sua redenção e para reinar sobre uma criação rebelde. Deus tem se revelado miraculosamente, agindo na história, na pessoa de Jesus Cristo e por meio do Seu povo. A Igreja é ao mesmo tempo uma consequência e uma colaboradora com Deus, no processo de estabelecer o Reino de Deus aqui na Terra.
Expressar e definir a essência da missão da Igreja é delinear a missio Dei. A missão da Igreja é a sua participação e cooperação com o que Deus está graciosamente fazendo, redentivamente, aqui na Terra. Deve ser um sinal da presença do Reino, em palavras e obras. Deve ser uma resposta parcial à oração: “Venha o teu Reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu”. É compreender a igreja na sua realidade como a nova criação de Deus, o corpo de Cristo, o templo do Espírito. A missão da Igreja deve ser compreendida em termos do Deus Triúno, cuja criação e cujo agente no mundo é a Igreja de Jesus Cristo. Qualquer que seja a missão que se imagine deve estar firmada e centralizada na realidade e no poder de um Deus amoroso e gracioso, que amou o mundo de tal maneira que mandou Seu único Filho para nos libertar e nos possibilitar participarmos da vida do Seu domínio real, na companhia do Seu povo. O movimento de sair para buscar e salvar os perdidos, para resgatar aqueles que vivem com medo da morte, para alimentar os famintos e para vestir os nus, para libertar 82
5. A missão da igreja à luz do crescimento integral
os oprimidos, está alicerçado na ação de Deus em mandar o Filho e o Espírito: “Assim como o Pai me enviou, eu os envio” ( Jo 20:21).50
É claro que, ao definirmos a missão da igreja dessa maneira, corremos o risco de nos esquecer da advertência de Stephen Neill: “Se tudo é missão, então nada é missão”. A maneira de evitar este erro, sem dúvida, é não excluir algum aspecto da realidade por considerá-lo alheio ao propósito redentivo de Deus. É melhor afirmar a necessidade de ler os tempos e definir as prioridades da missão em cada situação.51
Depois de estudar esse assunto, tanto bíblica quanto teologicamente, e depois de entender que a missão da igreja é realizar o propósito de Deus na terra, meu sentimento é o de que deveríamos procurar entender as vertentes da nossa missão pela ótica do público-alvo. Por isso, tendo em mente esses três diferentes públicos, responderemos a questões como: Qual é a missão da igreja em relação a Deus? Qual é a missão da igreja em relação ao mundo? Qual é a missão da igreja em relação à comunidade visível dos salvos?
A missão da igreja em relação a Deus Efésios 1:3-14:
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo. Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado. Nele temos a redenção por meio de seu sangue, o perdão dos pecados, de acor-
50
51
Missões transculturais: uma perspectiva estratégica, p. 673-4. Apud C. R PADILLA. Misión integral y evangelización. Revista Misión, v. 6, n. 4, dez. 1987, p. 7. 83
Crescimento Integral da Igreja
do com as riquezas da graça de Deus, a qual ele derramou sobre nós com toda a sabedoria e entendimento. E nos revelou o mistério da sua vontade, de acordo com o seu bom propósito que ele estabeleceu em Cristo, isto é, de fazer convergir em Cristo todas as coisas, celestiais ou terrenas, na dispensação da plenitude dos tempos. Nele fomos também escolhidos e, tendo sido predestinados conforme o plano daquele que faz todas as coisas segundo o propósito da sua vontade, a fim de que nós, os que primeiro esperamos em Cristo, sejamos para o louvor da sua glória. Quando vocês ouviram e creram na palavra da verdade, o evangelho que os salvou, vocês foram selados em Cristo com o Espírito Santo da promessa, que é a garantia da nossa herança até a redenção daqueles que pertencem a Deus, para o louvor da sua glória.
Isaías 43:7:
... todo o que é chamado pelo meu nome, a quem criei para a minha glória, a quem formei e fiz.
Marcos 12:29-31:
... O mais importante é este: “Ouve, ó Israel, o Senhor, o nosso Deus, o Senhor é o único Senhor. Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as suas forças”. O segundo é este: “Ame o seu próximo como a si mesmo”. Não existe mandamento maior do que estes.
João 4:23-24:
No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade.
O que os textos citados e muitos outros nos ensinam é que fomos criados para o louvor da glória de Deus e que a igreja tem uma missão ou, se preferir, um propósito definido segundo as expectativas de Deus em nos redimir e salvar. O Senhor da igreja deseja que a 84
5. A missão da igreja à luz do crescimento integral
obra que ele realizou por nós, e está realizando em nós, produza uma reação natural, característica de quem pode ter comunhão com ele pela fé em Jesus. Isso é algo tão certo e natural que muitos de nós, pastores, empregamos grande parte de nosso tempo e trabalho ajudando as pessoas a desenvolverem uma comunhão com o Senhor. Por esse motivo, precisamos examinar a maneira pela qual essa dimensão da missão da igreja era experimentada pela igreja do Novo Testamento. Atos 2:41-47:
Os que aceitaram a mensagem foram batizados, e naquele dia houve um acréscimo de cerca de três mil pessoas. Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações. Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais eram feitos pelos apóstolos. Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade. Todos os dias, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas, e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos.
Ao focalizar minha atenção às igrejas do Novo Testamento, especialmente no livro de Atos, encontro-as vivenciando essa dimensão pelo menos de três modos:
Adoração. Eles celebravam a presença do Cristo ressuscitado; por isso a adoração era viva e contagiante.
Oração. Porque Cristo estava presente e agindo entre eles, tinham consciência da bênção e do poder da oração. Tinham aprendido que não poderiam negligenciar esse aspecto espiritual e afetivo da fé, pois era por meio dele que prodígios e sinais aconteciam em seu meio. O privilégio da oração tinha o significado de que a porta da sala do trono estava aberta para eles, como se lê em Hebreus 4:16: 85
Crescimento Integral da Igreja
“Assim, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade”. Palavra. Caso o conhecimento de Deus, respaldado nas Escrituras, não se tornasse objetivo, ele se perderia nos subjetivismos e nas heresias.
Analisando esses três aspectos, sentimo-nos convocados pelo Espírito a conduzir o rebanho de Deus na busca intensa do Senhor, a fim de louvar a sua glória por meio da adoração, da oração e do ensino da Palavra. Creio, de todo o coração, ser essa a missão da igreja na sua dimensão para o alto. Há algum tempo, lendo a respeito de uma pesquisa feita nos Estados Unidos sobre a vida devocional dos pastores cujo ministério mostrava resultados impressionantes, descobri que a maioria dos pastores dedicava cerca de 15 minutos diariamente em oração. Fiquei preocupado com tal constatação e, ao mesmo tempo, esperançoso de que no Brasil a situação fosse diferente. Por isso, na maioria dos congressos em que eu pregava aos pastores, pedia que respondessem a uma pesquisa sobre vida devocional. Era bem simples. Os pastores deveriam responder sim ou não à questão: Nos últimos sete dias você dedicou pelo menos 15 minutos diariamente em oração? Mais de 80% respondeu que não havia investido sequer 15 minutos diários em oração, num período de sete dias. Como esperamos conduzir a igreja a Deus se nós mesmos não estamos em sua presença? E quanto à adoração? Quanto precisamos aprender sobre ela! Delegamos a adoração aos músicos e nos esquecemos de que adoração é mais do que música. Marcílio de Oliveira Filho, então ministro de música de nossa igreja, fez uma observação interessante sobre nós, pastores, que entregamos aos músicos a tarefa de escrever a teologia dos hinos e canções cristãs e depois reclamamos da quali86
5. A missão da igreja à luz do crescimento integral
dade teológica delas. Por que, então, não as escrevemos? Os avivamentos da igreja produziram uma nova, rica e farta hinódia. O que está acontecendo conosco? Parece que nós, pastores, deixamos de entender a adoração como a celebração do Cristo vivo, no meio de seu povo e na igreja.
Não parece ser diferente com relação à Palavra. Poucos são os pastores que pregam expositivamente, e poucas são as instituições de ensino teológico que ensinam o método expositivo de pregação como algo além de textos longos e comentários bíblicos escassos. Se, de fato, esses são aspectos prioritários da missão da igreja, precisamos investir mais neles.
A missão da igreja em relação ao mundo Para analisarmos essa dimensão, encontramos vários textos bíblicos que nos ajudam a compreender o papel da igreja no mundo. Mateus 28:17-20:
Quando o viram, o adoraram; mas alguns duvidaram. Então, Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos”.
Marcos 16:15-18:
E disse-lhes: “Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado. Estes sinais acompanharão os que crerem: em meu nome expulsarão demônios, falarão novas línguas, pegarão em serpentes, e, se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal nenhum; imporão as mãos sobre os doentes, e estes ficarão curados”. 87
Crescimento Integral da Igreja
Atos 1:8:
Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra.
Mateus 5:13-16:
Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens. Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte. E, também, ninguém acende uma candeia e a coloca debaixo de uma vasilha. Ao contrário, coloca-a no lugar apropriado, e assim ilumina a todos os que estão na casa. Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus.
Marcos 12:29-31:
... O mais importante é este: Ouve, ó Israel, o Senhor, o nosso Deus, o Senhor é o único Senhor. Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as suas forças. O segundo é este: Ame o seu próximo como a si mesmo. Não existe mandamento maior do que estes.
Quando nos detemos nesses textos, e na experiência relatada no livro de Atos, podemos dizer que a missão da igreja na dimensão da sua responsabilidade para com o mundo pode ser definida também em três aspectos:
Ação missionária simultânea na Terra A ação missionária foi uma realidade concretizada mediante a ação do Espírito Santo. Em Atos 2, a missão era evangelizar as pessoas no âmbito da convivência pessoal; era um reflexo natural do ensino de Jesus de que a boca fala do que o coração está cheio. 88
5. A missão da igreja à luz do crescimento integral
No capítulo 3, entretanto, toda a cidade de Jerusalém está em foco. A sensação que temos é a de que a igreja estava ampliando a visão em relação a sua responsabilidade de ganhar Jerusalém para Cristo. Em Atos 8, Samaria é alcançada pelo mover do Espírito por meio de Filipe. A princípio, a igreja não se sentia responsável pela salvação dos samaritanos, parecendo até não entender a necessidade de um povo ser salvo; por isso, mesmo com resistência interna, ela passou a compreender que sua missão envolvia a responsabilidade de alcançar os samaritanos.
Em Atos 10, o cenário amplia-se novamente, e o Senhor inclui os “confins da terra”, na agenda missionária da igreja. É interessante notar o movimento de oposição em relação à inclusão de mais esse encargo entre as responsabilidades da igreja. Já em Atos 11, lemos que, ainda que tal valor tenha sido incorporado à igreja, as lutas internas continuaram por vários anos52. Somente movidos pelo Espírito Santo, podemos ampliar nossa visão para um crescimento integral. A tentação maior é limitar nossa responsabilidade à proclamação do evangelho e, à semelhança do que ocorreu na igreja de Jerusalém, rejeitar o desafio de assumir a responsabilidade de evangelizar simultaneamente a “nossa” Jerusalém, Samaria e os Confins da Terra. Essa é missão da igreja, tanto no sentido universal quanto no sentido local.
Serviço de amor ao mundo Marcos 12:31a:
O segundo é este: “Ame o seu próximo como a si mesmo”.
Mateus 5:16:
Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus.
52
Lembremo-nos da constante ação dos judaizantes no ministério de Paulo. 89
Crescimento Integral da Igreja
Atos 2:45:
Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade.
A missão da igreja não é apenas ser a boca de Jesus neste mundo: é ser suas mãos; é ser o reflexo do coração de Jesus para o povo; é servir com amor a fim de continuar a obra do nosso Salvador!53 Os seguidores de Jesus são a igreja visível. Seu discipulado é ação visível por meio da qual se ressaltam no mundo, ou então não são discípulos. E o discipulado é visível como a luz na escuridão, como o monte que se eleva na planície [...]. Não se trata de tornar Deus visível, mas que as obras de Deus sejam vistas e que os homens glorifiquem a Deus (Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus, Mt 5:16). Tornam-se visíveis a cruz e as obras da cruz, tornam-se visíveis a carência e a renúncia dos bem-aventurados [...]. Assim veem a cruz e a igreja da cruz e creem em Deus.54
A misericórdia encarnada fazia parte do novo estilo de vida do povo de Deus. O amor não era uma figura retórica da fé que não é capaz de produzir mudança e transformação social. Ao contrário, refletia uma graça incomensurável que movia o povo de Deus a expressar de maneira prática o evangelho do amor, socorrendo os aflitos, alimentando os órfãos e as viúvas. Era uma contracultura em ação, isso porque a cultura da acumulação e do “cada um por si” sempre foi o modus vivendi da humanidade. A igreja entendia que era sua missão fazer diferença na vida das pessoas, mesmo que isso significasse desapego material e doação pessoal. Aqueles irmãos 53
O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor” (Lc 4:18-19). 54 René PADILHA. Misión integral y evangeIización. Revista Misión, v. 6 , n. 4, dez. 1987, p. 66-7. 90