Copyright©2007 por Plínio Moreira da Silva Todos os direitos reservados por: A. D. Santos Editora Al. Júlia da Costa, 215 80410-070 Curitiba – Paraná – Brasil +55(41)3207-8585 www.adsantos.com.br editora@adsantos.com.br
Capa: APS Editoração: Manoel Menezes Coordenação editorial: Priscila Laranjeira Impressão e acabamento: Gráfica Exklusiva
Conselho Editorial: Reginaldo P. Moraes, Dr.; Gleyds Domingues, Dra.; Antônio Renato Gusso, Dr.; Sandra de Fátima Gusso, Dra.; Priscila R. A. Laranjeira, Editorial; André Portes Santos, Diretoria; Adelson Damasceno Santos, Diretoria; Adelson Damasceno Santos Jr., Diretoria. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) SILVA, Plínio Moreira da. Homilética – A eloquência da pregação/ Plínio Moreira da Silva – A.D. Santos Editora, Curitiba, 1999. 14x21cm – 172 páginas. ISBN – 978.85.7459-002-9 CDD 220 1. Hermenêutica Bíblica 2. Estudos Bíblicos 2ª edição: Novembro de 2017 – 13ª impressão em português. Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios a não ser em citações breves, com indicação da fonte.
Edição e Distribuição:
Dedicatória
À THEREZA Minha amada esposa, Companheira leal de ministério, Ouvinte atenta e crítica de meus sermões, DEDICO ESTA OBRA Com singela prova de minha gratidão, respeito e admiração.
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Prefácio
Este livro está dividido em três partes: a primeira, é
uma introdução, que trata da origem da Homilética e procura discutir suas relações com outras áreas do saber, para que o pregador conheça não só como as coisas aconteceram, mas que tenha acesso ao intricado mundo da nomenclatura e da terminologia. É uma parte teórica, que poderá ser dispensada ou deslocada para outra ocasião, nos estudos intensivos. No que diz respeito à terminologia, não alimentamos nenhuma ilusão, pois reconhecemos que estamos chegando muito tarde. Os termos que entraram na nomenclatura Homilética já estão consagrados e não vão ser corrigidos facilmente Desejamos apenas que os que notarem alguma diferença, reflitam um pouco e tentem nos ajudar a colocar as coisas um pouquinho melhor, se for possível. A segunda parte trata diretamente da pregação. Os pregadores leigos poderão ir diretamente a ela, e, depois, então, voltar à introdução. Os pastores que tiverem ministrando cursos intensivos poderão entrar na segunda parte e deixar que os próprios alunos, depois, percorram as demais partes do livro. A segunda parte começa com “Os Elementos Básicos do Sermão” que funciona como uma introdução aos capítulos subsequentes. Nela, procuramos mostrar que todo discurso gira em tomo de alguns elementos fundamentais. O pregador precisa não só conhecer particularmente cada v
um desses elementos, mas entender a sua razão e a sua relação com os demais. Descobrindo os princípios que norteiam o discurso, o pregador pode descobrir a sua imensa variedade de aplicações e começar a aprimorar a sua técnica de exposição. Na última parte, oferecemos alguns modelos de sermões, com seus respectivos esquemas, e sugestões sobre a coleta de material homilético, prometidos no corpo da obra. Oferecemos nosso trabalho, como subsídio àqueles que tiverem a necessidade de estudar Homilética ou àqueles que simplesmente desejarem vê-la sob novos ângulos. Plínio Moreira da Silva
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Sumário
Dedicatória________________________________________ iii Prefácio ____________________________________________v Primeira Parte INTRODUÇÃO__________________________________9 Capítulo I A ORIGEM DA HOMILÉTICA ____________________9
Capítulo II HOMILÉTICA E ELOQUÊNCIA _________________23 Capítulo III HOMILÉTICA E COMUNICAÇÃO _______________33 Capítulo IV HOMILÉTICA E ESTILO ________________________41 Capítulo V HOMILÉTICA E TEOLOGIA ____________________45 Capítulo VI HOMILÉTICA E EVANGELIZAÇÃO _____________51 Capítulo VII HOMILÉTICA, HERMENÊUTICA E EXEGESE ___55 Capítulo VIII HOMILETICA, TEXTO E CONTEXTO ___________61 Capítulo IX HOMILETICA E TIPOS DE SERMÕES ___________65 vii
Capítulo X HOMILÉTICA E CULTURA _____________________69 Segunda Parte PREPARO E EXPOSIÇÃO DO SERMÃO __________73 Capítulo XI OS ELEMENTOS BÁSICOS DO SERMÃO _________73 Capítulo XII O PREPARO DO SERMÃO _______________________79 Capítulo XIII A ESQUEMATIZAÇAO DO SERMÃO ____________119 Capítulo XIV MÉTODOS DE EXPOSIÇÃO ____________________135 Capítulo XV FORMAS DE EXPOSIÇÃO ______________________137 Capítulo XVI ORIGINALIDADE, PLÁGIO E IMPROVISO ______141 Capítulo XVII A ILUSTRAÇÃO _______________________________145 Capítulo XVIII A PERSONALIDADE DO PREGADOR __________149 Terceira Parte MODELOS E ESQUEMAS DE SERMÕES ________155 Referências Bibliográficas ___________________________169
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PRIMEIRA PARTE
Introdução Capítulo I
A ORIGEM DA HOMILÉTICA
Antes de falarmos sobre a origem da Homilética pro-
priamente dita, vamos pensar um pouco (numa rápida incursão pela biologia, psicologia e sociologia), sobre a origem da palavra.
1. A origem da palavra A palavra é um veículo de comunicação. Ela pode ser expressa por sinais corporais (gestos), sonoros (fala), gráficos (escrita), luminosos (luzes) e outros A palavra falada (sonora) é um fenômeno bio-psíquico-social. Biológico, porque ela só é possível a um ser dotado de um cérebro capaz de comandar um sofisticado sistema nervoso que atue sobre todo um sistema fonador, capaz de articular, detalhadamente, os mais complexos sons da voz. Psi9
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cológico, porque esse cérebro tem que produzir pensamentos concretos e abstratos e atuar sobre glândulas secretoras dos mais diversos hormônios, que condicionam as emoções e os estados mentais. E sociológico, porque esse cérebro tem que reconhecer o valor dos indivíduos de sua espécie e possuir um componente racional e emocional que o leve ao sacrifício de desenvolver o complicado sistema de comunicação fundamentado na palavra. A palavra possui dois elementos básicos: o material (som), que recebe o nome especial de vocábulo1 e o imaterial (ideia), que recebe o nome de termo. Inicialmente, a palavra representava apenas uma ideia nominativa, isto é, era o nome de uma coisa, de uma ação ou de um sentimento. A rigor, o nome é uma forma de definição, pois ele identifica e define o objeto, embora de modo parcial e, às vezes, imperfeito. Depois a palavra passou a representar uma ideia elaborada, isto é, um pensamento completo. Do fonema, ela passou a oração e a frase. Da fonética, foi para sintaxe. Sem dúvida, foi o convívio social que obrigou o homem a por nomes nas coisas, a organizar as suas ideias e a desenvolver o complicado mecanismo da comunicação oral, baseado na palavra (Gn 2.19,20). Muito tempo depois de ter vocalizado a palavra, o homem inventou a escrita. A escrita começou com os pictogramas (desenhos de coisas ou de figuras simbólicas), passou para os ideogramas (sinais representativos de ideias), pelos hieróglifos (desenhos representativos de sons vocais) e finalmente chegou às letras (sinais representativos de sons vocais) 1
Com a invenção do alfabeto, a escrita passou a ser uma forma material da palavra.
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2. A origem da conversa
O convívio social, que levou o homem a inventar a palavra e a frase, produziu também a conversa/ ou conversação, isto é, a troca de palavras. A conversa é um diálogo 3 entre duas ou mais pessoas. Os gregos davam à conversa o nome de homilia (de onde nos veio a palavra homilética) e os romanos a chamavam de sermonis (de onde nos veio sermão). Note que homilia e sermonis são simples sinônimos que significam apenas conversa. 3. A origem do discurso O convívio social que produziu a palavra, a frase e a conversa, também produziu o discurso. Enquanto que a conversa2 é um diálogo em que o interlocutor tem uma participação direta e real, o discurso é um diálogo3 em que essa participação é direta, mas de forma imaginária. No discurso, a pessoa que fala, imagina que está trocando ideias com os seus ouvintes e espectadores. Ninguém sabe quando surgiu o discurso, mas podemos imaginar como ele apareceu. Foi quando alguém teve que alterar a intensidade de sua voz para se comunicar com um grupo de pessoas, pois o discurso tem essas duas marcas de identidade: a pessoa fala a um grupo, a uma coletividade; e por causa disso, a pessoa tem que falar alto, isto é, tem que aumentar a intensidade ou tonalidade de sua voz. Assim, um pai que tivesse que aumentar o volume de sua voz para orientar ou dar ordens a seus filhos, teria feito um discurso. Um 2 3
Do latim conversatio, formada de cum, conversare, virar. Trocar ideia com outrem. Do grego diá, através+lógos, palavra. Comunicação através da palavra.
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general, que tivesse que se dirigir a seus comandados para orientá-los sobre a batalha, estaria fazendo um discurso. Um rei, que precisasse gritar para se comunicar com seus súditos, também estaria fazendo um discurso. O discurso, pois, estaria onde alguém estivesse falando alto a um grupo de pessoas. A altura da voz, evidentemente, teria que ser proporcional à distância entre o orador e o seu último ouvinte.
1. RETÓRICA Embora não possamos determinar quando nasceu o discurso4, podemos dizer quando ele começou a ser estudado como instrumento de comunicação social e quando surgiram as primeiras regras para sua composição. Desse ponto de vista, podemos dizer que o discurso nasceu na Grécia. Os gregos, que inventaram a democracia5, foram os primeiros a estudar as técnicas do discurso. Na democracia grega, os cidadãos se reuniam nas praças para participarem diretamente nas discussões e nas deliberações sobre os problemas urbanos comuns. Era a democracia direta. Logo se percebeu que os cidadãos fidantes, de fácil verbo, se expressavam mais adequadamente, dominavam a situação, tornavam-se admirados pelas multidões e galgavam os melhores postos na comunidade. Não demorou para que todo o mundo desejasse conquistar os segredos dessa nova 4
Do latim discursos Composto de dis, contra+cursare, correr. Tem a ideia de correr de um lado para outro, como a roca do tecelão. Por isso ao conteúdo de um discurso se dá o nome de texto. (tecido).
5 Do grego dêmos, povo+krátos, poder. Sistema político cujo poder emana do povo. O nome primitivo desse sistema era demagogia. Veja item 9 do rodapé. RIENECKER, Fritz / ROGERS,- Cleon. Chave Lingüística do Novo Testamento Grego,Vida Nova, 1987, p. 639.
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arte6 e nem demorou para que surgissem mestres improvisados, que se espalharam por todo o país. Assim, a democracia grega não só influenciava o comportamento político de seu povo, mas passava a influir também na educação, determinando-lhe uma nova filosofia educacional. Voltada para a política, a educação adquiria uma nova finalidade: preparar os cidadãos para a vida pública, a fim de que tivessem maior participação nos destinos da sociedade. Falar em público, tornou-se a coqueluche grega. Era a coisa de que todos precisavam e que deviam aprender. Então surgiu a RETÓRICA A palavra retórica é grega e deriva de rêtos, palavra falada O rétor, entre os gregos, era o orador de uma assembleia. Entre nós, entretanto, a palavra rétor veio a ter o significado pomposo de “mestre de oratória” O primeiro homem a traçar as normas de um discurso foi Córax, um sofista,7 da cidade de Siracusa, na Grécia, há 500 anos antes de Cristo.8 Córax ensinava que o discurso deveria ter a seguinte disposição: Proêmio (introdução), narração, argumento, observações adicionais e peroração (conclusão). Sócrates se opôs a retórica dos sofistas por causa do utilitarismo deles e de sua falta de ética, mas reconheceu que ela poderia se revestir de significado, na medida em que se 6
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Veja conceito sobre arte.
Sabido. Pejorativo de sophós, sábio. Mestre popular de Filosofia que, por falta de profundidade e de ética, fazia do ensino um comércio. Suas ideias” iam do relativismo ao ceticismo. As palavras sofisma (raciocínio falso) e sofisticação (afetação) derivam de suas práticas. GINGRICH, F. Wilbur / DANKER, Frederick Léxico do Novo Testamento Grego Português, Vida Nova, 1984, p. 228.
A Grécia alcançou seu apogeu no século 5 A. C. Essa época foi chamada de “o pródo de Péricles”, pois foi quando ele consolidou a democracia grega.GINGRICH,1 F; Wilbur/ DANKER, Frederick. Léxico do Novo Testamento Grego-Português, Vida Nova, 1984, p. 228.
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subordinasse à Filosofia. Ele viu o perigo de uma retórica sem ética, de políticos e causídicos imorais, que poderiam usá-la para fins escusos. Ele tinha tanta razão que a palavra demagogo9 que significa “guia do povo” ou “líder popular”, logo passou a significar, pejorativamente, aquele que ilude, que engana o povo, que trapaceia com o povo. Em sua autodefesa perante os que o condenaram à morte, Sócrates aceitou o elogio de que era um “formidável orador”, mas taxou de “aleivosias” todas as acusações sofistas e de falsa a sua retórica. Na introdução, ele disse: “Não ireis ouvir um discurso como o deles, aprimorados em verbos e adjetivos e em estilo florido, mas um de expressões espontâneas, nos termos em que me ocorrem, porque deposito confiança na justiça do que digo”. E, finalizou: “O mérito de um juiz está em saber se o que o orador diz é a verdade”.10 Plantão, que escreveu sobre a autodefesa de Sócrates, também deu sua opinião sobre a retórica sofista quando, por Fedro, lamenta o seu descaso pelos deuses”.11 E, Aristóteles, que escreveu um tratado com o título “Retórica”, segue o pensamento socrático, deixando claro que essa arte deve estar a serviço da verdade.12 9
Do grego dêmos, povo+ágo, conduzir. Condutor ou guia do povo. Só mais tarde essa palavra adquiriu o sentido pejorativo, que hoje conhecemos. 9 RIENECKER, Fritzl ROGERS, Cleon. Chave linguística do Novo Testamento Grego, Vida Nova, 1987, p. 639.
10 Defesa de Sócrates, nos “Diálogos de PIatão, nos “Diálogos de Platão” GRNGRICH, F. Wilbur/ DANKER, Frederick. Léxico do Novo Testamento Grego /Português, Vida Nova, 1989, p. 228. 11 Um Banquete, nos “Diálogos de Platão “. GINGRICH, F. WiJbur/ DANKER, Frederick. Léxico do Novo Testamento Grego / Português, Vida Nova, 1989, p. 228. 12 Aristóteles considerava Empédocles de Agrígento (490-430 A. C.) como o fundador da Retórica. GINGRICH, F. Wilbur / DANKER, Frederick. Léxico do Novo Testamento Grego / Português, Vida Nova, 1989, p. 228.
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O maior orador grego foi Demóstenes. Dizem que ele tinha dificuldades de falar, que era gago, mas que a poder de muito esforço e intenso treinamento venceu. A retórica grega estava dividida em política, forense e epidítica, (demonstrativa). Nada havia entre eles que se assemelhasse a uma retórica sacra, pois simplesmente esta ainda não existia.
2. A ORATÓRIA Os romanos, que sofreram grande influência cultural dos gregos, não podiam deixar de se empolgar também com a Retórica, que logo a absorveram com o nome de Oratória (de oris, boca). Cícero foi o maior orador romano. Ele se tomou célebre não só pelas causas que defendeu como advogado e político, mas também pelas teorias que expôs sobre a Oratória. Como teórico, entretanto, ninguém superou Quintilião. A melhor e mais completa obra de oratória, da antiguidade é a “Instituição Oratória” de sua autoria. Os romanos também nada sabiam a respeito da “retórica sacra” ou como eles a denominariam: “oratória sacra”, pois ela ainda não existia.
3. A HOMILÉTICA O cristianismo foi, na verdade, a primeira religião universal que o mundo conheceu. Antes dele, as religiões eram nacionais, tribais ou apenas familiares. O próprio judaísmo, que foi o berço do cristianismo, foi assim. Começou como uma religião familiar (de Adão a Abraão), tomou-se tribal (de Abraão a Moisés) e chegou a ser nacional (de Moisés à destruição de Jerusalém, no ano 70 A. D.). 15
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Na antiguidade, as religiões faziam parte da vida das pessoas de maneira natural e integral (totalitária). O indivíduo se identificava com o grupo pela raça, religião e política. Não havia, naquele tempo (O que é comum hoje), as divisões entre vida social, civil, militar, política, religiosa, etc Tudo se confundia numa só identidade. Por isso, os atos políticos tinham caráter religioso e vice-versa. os cultos eram rituais e a liturgia, essencialmente cênica. A educação religiosa era doméstica (assistemática) e tradicional. Tudo era feito,em família e ninguém se preocupava em comunicar sua religião a pessoas de outras raças. Os deuses eram nacionais, tribais ou familiares. A supremacia de um povo sobre outro, no caso de um conflito militar, era sempre interpretada como prova da superioridade de sua raça e de seus deuses. Por isso, nas religiões não havia lugar para a pregação. Os próprios gregos, que inventaram a Retórica, e os romanos que a aperfeiçoaram com o nome de Oratória, nada sabiam sobre sua aplicação à religião. Isto porque os antigos não sentiam a necessidade de pregar a fé, de divulgar seus conceitos religiosos ou de fazer da religião uma matéria de comunicação social. Mesmo entre os hebreus, que tinham uma mensagem universal e que se reconheciam detentores das verdades reveladas por Iavé, não havia a preocupação de comunicar essas verdades a outros povos. Os profetas hebreus, que falaram, que pregaram ou que escreveram dirigiram-se sempre ao (ou) contra o seu próprio povo. Embora bem mais tarde surgisse, entre os judeus, uma seita proselitista (a seita dos fariseus), que chegou até a ser missionária, coube ao cristianismo, por ser uma religião universal e eminentemente missionária, a tarefa de criar a Retó16
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rica Sacra ou a Oratória Sacra que, no século XVII13 chamou-se HOMILÉTICA. A palavra homilética, como já vimos, vem de homilia, que significa conversa ou conversação. Com o decorrer do tempo, essa palavra, como a latina sermonis, sofreram uma alteração semântica e vieram a significar discurso. No início do cristianismo, seguindo o exemplo da sinagoga, os cristãos se limitavam a ler as Escrituras no culto e a exortar o povo segundo as lições que podiam tirar do texto (At 13.14,15; 15.21). Jesus introduziu uma novidade: aplicou o texto à sua vida (Lc 4.16 -22). Os sermões e Pedro, de Estêvão e de Paulo consistiam em narrar os fatos bíblicos e aplicá-los à vida de Jesus, para provar que ele realmente era o Messias prometido. (At 2.14-42; 7.1-53; 13.16-48,etc). A Homilética nasceu quando os pregadores cristãos começaram a estruturar suas mensagens, seguindo as técnicas da retórica grega e da oratória romana. Somente conhecendo a história podemos hoje admitir que a Homilética (que deveria ser a arte da conversação) seja sinônimo de Retórica (ou Oratória), aplicada à religião. Se Retórica e Oratória são sinônimos usados para identificar o discurso profano, a Homilética identifica o discurso sacro, religioso, cristão. Como tal, ela se despontou no século IV, com os pregadores gregos Basílio e Crisóstomo (boca de ouro) e com os latinos Ambrósio e Agostinho. A partir da Reforma, quando a Bíblia passou a ser o centro da pregação e quando os sermões deixaram de ser apenas discursos éticos ou litúrgicos para se transformarem em 13 Nesse tempo tornou-se moda dar nomes gregos às disciplinas teológicas. Na Alemanha, Stier propôs o nome de Kerictica derivado de kêryx, arauto; e Sikel sugeriu Haliêutica, derivado de halilós, pescador, que não se formaram. LLOYD, Jones / Marfin, Pregação e Pregadores, Fiel, 1980, p. 239.
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mensagens verdadeiramente evangélicas, a Homilética passou a ser a arte de pregar o Evangelho. Ela ajuda o pregador a descobrir as várias alIternativas do uso de um texto, tomando mais fácil a sua tarefa, enriquecendo os seus sermões e tornando-os mais apreciados. A Homilética põe o conteúdo do sermão em ordem. É a arte de ordenar as ideias do pregador para que elas sejam entendidas pelos ouvintes. Tem-se perguntado se a Homilética é uma arte, uma técnica ou uma ciência. Nossa resposta é que depende do ponto de vista do observador. Como vimos, os nomes identificam e definem as coisas. Mas a definição nominal é puramente gramatical, pois ela visa apenas identificar os objetos. Por isso, a definição nominal é sempre unilateral e imperfeita Ora, classificamos as atividades humanas conforme a predominância do uso de nossas capacidades. Assim, consideramos como ciência, a atividade que exige predominância do intelecto e quando a ação intelectual é disciplinada pelas leis do saber humano; como arte, a atividade que exige habilidade física como expressão da sensibilidade estética; e como técnica, a atividade que exige habilidade manual especifica para fazer algo. A técnica é o modo específico de se fazer uma coisa. Os ingleses a denominam de “know how” (saber como fazer). Assim a Homilética (como a Retórica ou Oratória) é uma ciência, quando considerada sob o ponto de vista de seus fundamentos teóricos (históricos, psicológicos e sociais); é uma arte, quando considerada em seus aspectos estéticos (a beleza do conteúdo e da forma); e é uma técnica, quando considerada pelo modo específico de sua execução ou ensino. 14
14 Vejas os conceitos de evangelho.
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Quando se conceitua a Homilética como arte temos que reconhecer que essa conceituação é nominal e que, portanto, ela se refere apenas a um aspecto de sua existência, a saber: o aspecto de sua manifestação, quando ela se mostra ao público, quando ela é realizada ou concretizada na vida do pregador, no púlpito. O mesmo ocorre quando conceituamos a Retórica (ou a Oratória) como arte. E, quando dizemos que a Homilética é a arte de pregar o Evangelho ou que a Retórica (ou a Oratória) é a arte de falar em público, devemos deixar claro que “pregar o Evangelho” ou “falar em público” não constituem a finalidade dessa arte, senão meios dela se expressar. A finalidade da Homilética, como da Retórica ou Oratória é levar o ouvinte a concordar com o pregador ou orador. É convencer o ouvinte, é persuadi-lo. Veja o capítulo sobre a Homilética e a Eloquência. A Homilética incorporou muitos termos gregos, latino. Além de boniffia e sermonis, que já vimos, vieram enriquecer a nomenclatura homilética, os seguintes termos: Pregador, do latim prae (antes de) dicare (dizer); aquele que prediz o futuro. Esta palavra, por ter a significação exata de profeta (do grego pró, antes e phetes, do verbo phemi, dizer), deveria ser usada como tradução natural dela, mas ocorreu um fenômeno linguistico curioso, denominado de “invasão cultural”: os latinos transliteraram a palavra grega “propheta” e relegaram sua correspondente “praedicator” a outro significado. Por isso, pregador passou a significar apenas orador ou arauto. O mesmo ocorreu com a palavra pregação, que deixou de ser a proclamação de uma mensagem profética, uma predição, para ser apenas um discurso. Assim, o pregador tomou-se um kéryx, arauto e a pregação um kêrygma, mensagem. 19
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Essa inversão semântica é responsável, também pelo erro atual de se considerarem os pregadores como profetas, de que trataremos no capítulo sobre a Homilética e a Teologia. Outra palavra que entrou na nomenclatura homilética foi evangelho, (como sinônimo de mensagem - kêrygma de Deus aos homens) e seus cognatos: evangelismo, que é a teoria sobre o Evangelho ou o modo de ser seguidos do Evangelho (conceito estático); evangelização, que é a ação de comunicar o Evangelho (conceito dinâmico): e evangelista, que é a pessoa que fala ou que prega o Evangelho. O cristianismo não se limitou a criar e a incorporar termos homiléticos. Ele revolucionou a arquitetura dos templos, quando levou para dentro deles os púlpitos. O púlpito, entre os romanos, era a plataforma do teatro onde os atores se apresentavam. A pregação exigiu que os pregadores fossem destacados e construíram-se estrados onde eles ficavam para pregar. Os católicos levaram não só o púlpito, mas também o altar (estilizado) para dentro dos templos. Só que o altar foi para o centro e o púlpito ficou à margem. A maior revolução, mesmo, se deu no protestantismo, quando o altar foi abolido e o púlpito ocupou o seu lugar (no centro). A centralização do púlpito revelou que, para os protestantes, a pregação era o ponto mais alto do culto. Tal comportamento pode ser explicado como uma reação à liturgia católica, mas por ser extremada, é passível de ponderadas críticas. A centralização do púlpito e a exaltação da pregação produziram o culto da cultura, da técnica e da pessoa do pregador, além de criar uma distância física e psicológica entre o pregador e o seu auditório. Muitos púlpitos são endeusados e se tomam verdadeiras “torres de marfim”. 20
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A verdade é que toda a particularização conduz a erros e desvios. E, a preocupação de exaltar a pregação padece do mesmo vício do sacerdotalismo, que concentra a comunhão religiosa num homem, fazendo depender dele todo o culto. Com isso, marginalizamos outras partes litúrgicas como a oração, a adoração” o louvor, a dedicação dos bens e sobretudo, a comunhão fraternal. A centralização do púlpito, também tem levado algumas igrejas a um conceito falso de evangelização por darem a ideia de que a pregação é o único método de evangelização existente. Tal conceito é responsável pela frieza e apatia em muitas igrejas. Ninguém se preocupa em dar testemunho pessoal e individual de Cristo. Os crentes acham que os incrédulos só poderão ser salvos se conseguirem entrar num templo e ouvirem um pregador, no púlpito. É uma evangelização “pulpitocêntrica”. Por isso, o método prevalecente de evangelização, entre nós, é o do “VINDE” e não o do “IDE” de Jesus. Preocupamo-nos mais com o “fazer convidadores” do que com o “fazer evangelistas!”.
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