revista jurídica
nº 26 Abril/Maio/Junho 2013 – ANO XXXV ARTIGOS CIENTÍFICOS – BREVES NOTAS SOBRE O ALD Marco de Oliveira Prazeres – DEVERES CONJUGAIS Andreia Cruz – A MEDIAÇÃO PENAL EM PORTUGAL Joana Carvalho
RECENSÕES CRÍTICAS – NOVAS TENDÊNCIAS DO DIREITO DO URBANISMO Ana Filipa Urbano – DIREITO DE CONFLITOS SUCESSÓRIOS: ALGUNS PROBLEMAS Maria Francisca S. de Landerset Gomes – A IRONIA DO PROJETO EUROPEU João Freitas Mendes
COMENTÁRIO A JURISPRUDÊNCIA – COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO STJ Rodrigo Mourão
CRÓNICAS DA ACTUALIDADE
publicação periódica
– A NOVA UNIVERSIDADE DE LISBOA João Marecos – PROTOCOLO FACULTATIVO AO PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS José Duarte Coimbra
NORMAS EDITORIAIS – NORMAS EDITORIAIS AAFDL
revista jurídica
nº 26 Abril/Maio/Junho 2013 – Ano XXXV ÍNDICE
Directores João Frazão Francisca Soromenho
Nota Prévia
Colaboradores Permanentes Ana Filipa Urbano Francisca Landerset Gomes João Mendes José Duarte Coimbra Rodrigo Mourão
Artigos Científicos – Breves Notas sobre o ALD .................. 11 Marco de Oliveira Prazeres – Deveres Conjugais (Lei nº 61/2008) .... 25 Andreia Cruz – A Mediação Penal em Portugal ........... 49 Joana Carvalho
Conselho Científico Carlota Pizarro de Almeida Sílvia Alves Eduardo Paz Ferreira Guilherme W. d’Oliveira Martins Miguel Nogueira de Brito Rui Gonçalves Pinto
Recensões Críticas – Novas Tendências do Direito do Urbanismo.. 67 Ana Filipa Urbano – Direito de Conflitos Sucessórios: Alguns Problemas ............................................. 75 Francisca S. de Landerset Gomes – A Ironia do Projeto Europeu ................ 81 João Freitas Mendes
Fotocomposição AAFDL
Comentário a Jurisprudência – Comentário ao Acórdão do STJ ........... 89 Rodrigo Mourão
Paginação Fátima Rocha AAFDL Impressão e Propriedade Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa ISSN 2182-9039
Crónicas da Atualidade – A nova Universidade de Lisboa ............ 99 João Marecos – Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais ................................................ 103 José Duarte Coimbra Normas Editoriais – Normas Editoriais ................................. 111 AAFDL
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NOTA PRÉVIA A reedição da Revista Jurídica da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa (AAFDL) surge como uma prioridade do mandato 2012-2013. A promoção de uma dinâmica de investigação e produção junto dos Estudantes foi mote de múltiplas iniciativas, como concursos e prémios, que culminam na edição deste número da Revista. Trata-se, em rigor, do retomar da tradição de publicação de trabalhos de colegas e de docentes, perdida há vários anos. Com efeito, reeditamos a nossa já muito antiga Revista Jurídica, com uma estrutura modernizada, uma imagem amadurecida e um horizonte de crescimento bem delineado. Cumpre-nos, neste momento de recuperação de uma das marcas da nossa Associação Académica, agradecer a preciosa colaboração dos membros da Comissão Científica: Professor Rui Pinto, Professor Eduardo Paz Ferreira, Professora Sílvia Alves, Professor Miguel Nogueira de Brito, Professor Guilherme W. d´Oliveira Martins e Professora Carlota Pizarro. Cabe-nos, ainda, uma palavra de profundo agradecimento e sentido reconhecimento a todos os que participam nesta primeira edição, da nova vida da Revista, através do seu contributo inestimável. A reedição da Revista Jurídica é contemporânea da mais ambiciosa reforma editorial da AAFDL. Com efeito, é no contexto da revisão profunda da imagem editorial, da qualidade das edições e da estratégia de alargamento da base de autores e tipos de publicação que surge este projecto. Neste contexto, a Revista assume um papel fundamental de base de crescimento da área editorial da Associação Académica, na exacta medida em que ao tempo que garante a renovação geracional da sua base de autores, cria laços entre estudantes e docentes e a própria AAFDL. A aposta na investigação e produção jurídicas, corporizada na edição desta revista é, por esta via, a mais segura forma de garantir a sustentabilidade, segurança e qualidade da base de autores e de obras do futuro da Editora AAFDL.
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Numa outra perspectiva, esta reedição dá-se num cenário de reforma da própria Revista da Faculdade de Direito de Lisboa. Entendemos que este ímpeto dinamizador e reformador, partilhado entre Faculdade e a sua Associação Académica, pode constituir-se como a maior oportunidade de ambas as publicações. Por um lado, é do superior interesse institucional da Faculdade de Direito associar-se à Associação Académica na promoção da investigação e produção jurídica do seu corpo de Estudantes, ao tempo que aprofunda a relação institucional com a AAFDL com a publicação de uma Revista conjunta. Por outro lado, é absolutamente dignificante e gratificante poder associar a Associação Académica à marca de excelência e prestígio que é a Revista da Faculdade, enriquecendo-a com o seu contributo. A última palavra não pode deixar de ser endereçada a todos os colegas. Uma palavra de incentivo e apelo à participação neste projecto. Num tempo em que se perde a lógica de participação cívica na sociedade em geral e no associativismo, em particular, importa recordar que as grandes mudanças na Universidade Portuguesa e, por essa via, no país, partiram sempre de gerações universitárias. Estudar, escrever, produzir para esta Revista valoriza-nos não só pessoal e individualmente, mas sobretudo como membros activos de uma Academia, que se quer construída por todos.
André Machado Presidente da AAFDL
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ARTIGOS CIENTÍFICOS
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Breves Notas sobre o ALD
ARTIGOS CIENTÍFICOS BREVES NOTAS SOBRE O ALD(*) (**) por Marco de Oliveira Prazeres [Licenciado pela FDL]
PALAVRAS-CHAVE “Direito do Consumo”, “Crédito ao Consumo”, “ALD”, “Leasing”.
RESUMO Este estudo pretende ser um contributo para o estudo do Direito do Consumo em geral, e para o estudo de um contrato de crédito ao consumo em particular: o aluguer de longa duração (ALD). Tenciono clarificar alguns aspetos atinentes ao contrato, sem deixar de tentar superar algumas imprecisões conceptuais. Este processo é fundamental para determinar com segurança as normas aplicáveis ao ALD.
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Este texto corresponde, no essencial, ao estudo apresentado e realizado no âmbito da cadeira de Direito do Consumo, unidade curricular do 2º ciclo de estudos da FDUNL coordenada pelo Prof. Dr. JORGE MORAIS CARVALHO, no ano letivo de 2012-2013. Foram utilizadas algumas abreviaturas, pelo que aqui se enumeram as mais utilizadas: ALD – Aluguer de Longa Duração; cfr. – confrontar; RJCC – Regime Jurídico do Crédito ao Consumo; DL – Decreto-Lei; cit. – citado anteriormente. (**) Agradeço ao Prof. Dr. JORGE MORAIS CARVALHO a sua disponibilidade para esclarecer as dúvidas que surgiram ao longo do trabalho e, principalmente, por me ter apresentado ao Direito do Consumo, indelevelmente marcado pela qualidade do seu contributo doutrinário. Agradeço ainda à Dra. MARTA FILIPE pelas produtivas discussões que tivemos sobre esta matéria e que muito me ajudaram a refletir sobre várias questões relativas ao contrato de ALD.
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ABSTRACT This paper comes as contribute to the study of Consumer Law in general, and to the study of a credit contract in specific: the long-term rental (Portuguese acronym: “ALD”). I intend to clarify some aspects regarding this type of contract, while trying to supress some conceptual misperceptions. This process is crucial to safely determine the rules applicable to the ALD contract.
SUMÁRIO § 1 – Introdução: 1. Delimitação do tema; 2. Sequência. § 2 – O ALD: 1. Conteúdo; 2. Distinção para o leasing; 3. Configuração contratual; 4. Natureza jurídica. § 3 – O financiamento: 1. Crédito ao consumo; 2. Posição do locatário; 3. Solução proposta. § 4 – Conclusões.
§ 1 – Introdução 1. O contrato de aluguer de longa duração é um negócio que resulta da prática da contratação e que veio responder aos interesses de pessoas que queriam adquirir um bem, mas que não dispunham de poder de compra para o fazer. As adaptações de tipos contratuais legais para a construção deste contrato impõem a recondução do ALD a um quadro legal que se ajuste à sua função económico-social: o financiamento para a compra de bens móveis de consumo. Pretende demonstrar-se com este estudo que existem soluções normativas de direito do consumo aplicáveis a este contrato, destacando-se aquelas que visam proteger o consumidor na situação de incumprimento contratual pelo financiador. É neste aspeto que se colocam os principais problemas pois, sendo o objeto do ALD a cedência temporária do gozo de um bem, no caso de incumprimento, o consumidor vê-se privado do uso da coisa que queria adquirir. Deste modo, julgo ser conveniente restringir a análise do respetivo regime jurídico a uma situação que merece especial tutela: a sua posição jurídica em caso de desconformidade do bem locado. 12
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2. A concretização deste tipo contratual implica uma identificação da sua estrutura, o que permitirá distingui-la de figuras afins, ainda que juridicamente similares. Superado este exercício, é imperativo esclarecer a sua configuração contratual e a própria natureza da operação de financiamento. Desta análise se permitirá concluir pela identidade deste acordo de financiamento com os contratos regulados no DL 133/2009, que instituiu o regime jurídico do crédito ao consumo (RJCC). Porém este não é ponto de chegada: determinado o regime, cumpre saber que disposições de direito do consumo se aplicam ao ALD e, designadamente, aquelas que acautelam a posição do consumidor no caso de haver uma desconformidade da coisa locada com o contrato.
§ 2 – O ALD 1. O ALD assenta numa estrutura contratual complexa. O financiador compra a um terceiro o bem escolhido e indicado pelo cliente para, num momento subsequente, celebrar com este um contrato pelo qual se obriga a proporcionar-lhe, mediante retribuição, o gozo temporário da coisa, tendo em vista a transferência de propriedade no final do prazo acordado. 2. Ainda que se verifique a forte presença dos elementos típicos do leasing no ALD1 estes contratos não se confundem. Como salienta CARLA PEDROSA MACHADO, o direito potestativo de aquisição futura não se verifica no ALD2:
1 Se no contrato não for prevista a compra do bem, deve entender-se que estamos perante um contrato de locação financeira. Neste sentido, Acórdão do STJ de 14-05-2009, processo 08P4096 (FONSECA RAMOS). Cfr. na doutrina nacional, GRAVATO MORAIS, Contratos de Crédito ao Consumo, Coimbra, Almedina, 2007, p. 57; PINTO DUARTE, Escritos sobre Leasing e Factoring, Cascais, Principia, 2001, p. 168; MORAIS CARVALHO, Os Contratos de Consumo, Coimbra, Almedina, 2012, p. 350. A cláusula em questão, que em regra consta de um documento em anexo, entronca a sua legalidade no princípio da liberdade contratual – artigo 405º do Código Civil –, corolário da autonomia privada. 2 Cfr., O ALD, disponível em www.verbojuridico.net, 2004, pp. 25-26. No ALD, a compra é prevista ab initio no texto contratual, o que contende com o disposto no artigo 9º, nº 1, alínea c) do DL 149/95, que determina a obrigação do locador vender a coisa ao locatário, caso este último o queira, no fim do contrato: é uma faculdade que tem. Aliás,
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será este o elemento de distinção decisivo. Diz-nos a mesma autora que no contrato ora analisado o locador obriga-se a assegurar o gozo da coisa, ao passo que na locação financeira o locador se obriga a adquirir ou mandar construir o bem a locar3. Outra diferença assenta no prazo de vigência do contrato: em regra, o prazo nos contratos de ALD é inferior aos contratos de locação financeira. Ademais, originariamente o aluguer de longa duração destacava-se por ter por objeto apenas bens de consumo – móveis –, enquanto, ao invés, a locação financeira inicialmente estava limitada aos bens de equipamento4. Por fim, a derradeira dissemelhança residiria na circunstância de o ALD se dirigir ao mercado em geral, restringindo-se ao segmento automóvel em especial5. Com efeito, observa-se, de modo geral, que é um contrato disponibilizado por instituições de crédito como modalidade de financiamento automóvel. 3. Pela prática da contratação se constata que este contrato de ALD celebrado entre o financiador e o cliente se materializa na conjugação de estipulações típicas de dois contratos diferentes: um contrato de aluguer simples e um contrato de compra e venda a prestações com reserva de propriedade, aos quais se anexa um contrato-promessa – unilateral ou
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é uma das três prerrogativas do locatário financeiro, à qual acresce a faculdade de não aquisição e a prorrogação do contrato, conforme explica GRAVATO MORAIS, Manual da Locação Financeira, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2011, p. 73. 3 PEDROSA MACHADO, O ALD, cit., p. 26. Todavia, esta posição não parece a mais correta tendo em conta que no ALD as partes visam a posterior transmissão do bem. Se o financiador nunca o adquirir incorre, naturalmente, em incumprimento contratual. A sua vinculação é dupla: deve proporcionar o gozo da coisa, e deve possibilitar a transmissão de propriedade, havendo que a adquirir em momento necessariamente anterior, isto é, antes do termo do contrato de ALD. Ademais, e numa segunda observação à afirmação da Autora, recorda-se o locador financeiro também tem a obrigação de proporcionar o gozo da coisa: v. artigo 9º, nº 1, alínea b) do DL 149/95. Em suma, e em bom rigor, esta não será uma verdadeira distinção. 4 Conforme argumenta GRAVATO MORAIS, Manual da Locação Financeira, cit., p. 73. 5 PEDROSA MACHADO, O ALD, cit., p. 27; PAIS DE VASCONCELOS, Direito Comercial, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2011, p. 283. PINTO DUARTE, Escritos sobre Leasing e Factoring, cit., p. 163.
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bilateral – de compra e venda6. Esta configuração contratual coloca uma forte dúvida de qualificação jurídica do contrato que consiste em saber se estas estipulações assentes na redação negocial são suscetíveis de representar um contrato indireto7 ou, ao invés, uma coligação funcional de contratos8. Parece-me que esta discussão deve partir, por um lado, da vontade contratual das partes e, por outro, do próprio texto negocial. Em termos materiais, este tipo contratual social envolve a existência de dois documentos escritos: o primeiro respeitante ao contrato de locação, e o segundo relativo à promessa de venda ou de compra9. Olhando ao texto do contrato de ALD verifica-se que estamos perante um contrato de locação. Mas a vontade negocial das partes vai mais além: os intervenientes visam a transmissão do bem, prevendo essa intenção na redação negocial. Assim, a tese que sustenta a pluralidade contratual perde força: há um só contrato,
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Traço característico do ALD, que faz depender transferência da propriedade da celebração do contrato prometido de venda. Como esclarece GRAVATO MORAIS, Contratos de Crédito ao Consumo, cit., p. 57, na promessa unilateral, a conclusão do contrato de compra e venda dá-se com a simples aceitação do locatário da proposta de venda. Compreende-se que assim seja pois “no termo do contrato o objeto encontra-se integralmente pago pelo que, naturalmente, o locatário tem todo o interesse na sua aquisição”. Sendo a promessa bilateral, ambos os contraentes se encontram vinculados à celebração do contrato prometido. 7 Encabeçando esta posição, cfr. PAIS DE VASCONCELOS, Contratos Atípicos, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2009, p. 250. 8 Como entendem PAULO DUARTE, “Algumas questões sobre o ALD”, in Estudos de Direito do Consumidor, nº 3, Coimbra, 2001, p. 305 e PEDROSA MACHADO, O ALD, cit., p. 38, seguindo o pensamento e terminologia de ANTUNES VARELA utilizada para contratos que sem perder a sua individualidade estão ligados entre si por um nexo funcional que influi na respetiva disciplina. Para mais desenvolvimentos cfr a sua obra: Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 281-282. 9 Salvo se já não prevista no próprio contrato. Mas, como PEDROSA MACHADO, O ALD, cit., p. 23 e PAULO DUARTE, “Algumas questões sobre o ALD”, cit., p. 321 reconhecem, o contrato-promessa unilateral/bilateral consta sempre de documento autónomo – side letter. Ainda que esta estipulação surja em documento diferente, a possibilidade de compra presente no contrato-promessa faz parte da declaração negocial de uma das partes (ou das duas) e que deve ser entendida como um todo: “dir-se-á então que coexistem declarações incompletas, cujo conjunto harmonizado constitui a declaração negocial” como ensina FERREIRA DE ALMEIDA, Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico, Vol. I, Coimbra, Almedina, 1992, p. 275.
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mas com estipulações típicas de outros. Ainda que substancialmente o tipo de referência seja o aluguer, o fim indireto deste negócio é o da venda a prestações com reserva de propriedade, complementado e reforçado com a celebração de um contrato-promessa. “Qualificar este contrato simplesmente como contrato de aluguer de automóveis ou como contrato de venda a prestações com reserva de propriedade resulta, em qualquer dos casos, no desrespeito pela vontade contratual”10. Seguindo a lição de PEDRO PAIS DE VASCONCELOS qualifico o ALD como um contrato misto11, por a um contrato de locação terem sido aditadas estipulações especiais em conformidade com o fim a que as partes se propuseram, sem que isso represente um negócio simulado ou fraudulento12. 4. A complexidade contratual consubstanciada no ALD suscita a interrogação sobre a sua natureza jurídica. Parece que a solução passa por subsumir esta operação de financiamento à matriz do contrato de mandato sem representação13. De acordo com o conteúdo típico desta figura, verifica-se que alguém se vincula em nome próprio, por conta de um terceiro, a adquirir o bem por este, expressamente, escolhido e indicado, transferindo para a sua esfera, em seguida, os direitos que haja adquirido na execução das suas instruções, designadamente a propriedade do bem adquirido – ainda que diferidamente.
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PAIS DE VASCONCELOS, Contratos Atípicos, cit., p. 250. Contratos Atípicos, cit., p. 251. 12 Contra: FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos II, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, p. 196, argumentando que só não são designados por contratos de locação financeira para evitar a aplicação de normas imperativas que proíbem a celebração habitual de contratos similares por entidades sem a qualidade de Sociedades de locação financeira – designadamente o artigo 23º do DL 149/95 –, constituindo, por isto, um negócio fraudulento. PINTO DUARTE, Escritos sobre Leasing e Factoring, cit., p. 168, entende que facto foi esta a origem do contrato de ALD, mas que hoje a questão se encontra suprimida. Ademais pode argumentar-se que a sua (real) atipicidade contratual legal – que vinca a concreta separação das figuras do leasing e do ALD – e tipicidade contratual social impede a subsunção, e consequente sujeição àquela limitação, pelo que a sua admissibilidade – rectius, legalidade – não deve ser posta em causa. 13 Propondo este entendimento, PAULO DUARTE, “Algumas questões sobre o ALD”, cit., p. 312; cfr. também o Acórdão do STJ de 01-02-2011, processo 884/09.7YXLSB. L1.S1 (HÉLDER ROQUE). 11
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Este contrato de compra do automóvel é um ato de comércio objetivo por cumprir o preceituado no artigo 463º, nº 1 do Código Comercial: o financiador comprou o automóvel para o revender. Deste modo, o mandato é tingido pela mercantilidade da compra, assim determinando que as normas a aplicar à operação de financiamento serão aquelas constantes dos artigos 266º a 277º do Código Comercial que regulam o mandato mercantil sem representação, devendo ser complementadas com as disposições atinentes ao regime geral do mandato sem representação civil14. Assim, como esclarece a leitura do artigo 268º do mesmo diploma, no exercício da comissão estabelecem-se duas relações separadas, que implicam dois momentos contratuais distintos: a relação externa entre o comissário e o terceiro – compra do bem – e a relação interna, entre comitente e comissário – contrato de ALD.15
§ 3 – Regime aplicável 1. A cedência do gozo temporário do bem implica uma retribuição, tal como previsto no conteúdo típico da locação. Mas diferentemente deste tipo contratual de referência, as quantias pagas não correspondem à retribuição pela cessão temporária da coisa, mas ao reembolso pelas quantias que adiantou na sua aquisição, acrescido da remuneração da sua intermediação financiadora16, justificada pela mercantilidade do ato. Por isto se afirma que o ALD é um instrumento técnico-jurídico que confere poder de compra17.
14 Particularmente a regra do artigo 1181º, nº 1 do Código Civil relativamente à transmissão da propriedade do bem, embora no ALD esta transferência seja diferida: só se dá com a celebração do contrato definitivo de compra e venda, que coincide com o pagamento total das despesas do comissário no cumprimento do encargo – a aquisição do bem. Este reembolso – não confundível com rendas – invoca o disposto no artigo 1167º, c) deste código. 15 PAIS DE VASCONCELOS, Direito Comercial, cit., p. 175. 16 PAULO DUARTE, “Algumas questões sobre o ALD”, cit., p. 310. Sobre as taxas aplicáveis a estes contratos para o primeiro trimestre de 2013, cfr. COMUNICADO do BANCO DE PORTUGAL de 12-12-12, calculadas nos termos do artigo 28º do DL 133/2009 – TAEG máxima para os contratos de ALD e automóveis novos é de 9,2%, ao passo que para os automóveis usados é de 10,8%. 17 PAULO DUARTE, “Algumas questões sobre o ALD”, cit., p. 317.
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No fundo, o locatário compra tempo: tem o gozo imediato de um bem, aproveitando antecipadamente rendimentos de que ainda não dispõe. Por isto, a ação do financiador corresponde, substancialmente, a uma concessão de crédito18: este acordo de financiamento não opera mediante o empréstimo de dinheiro, mas antes “através do fracionamento e inerente diferimento da execução da obrigação de o comitente reembolsar o comissário da despesa efetuada na aquisição do bem objeto do contrato”. Deste modo, e como salienta JORGE MORAIS CARVALHO, este tipo contratual reúne três elementos bastantes para permitir a aplicação do RJCC: a locação, aquisição posterior da coisa, e o caráter de concessão de crédito19. Assim, verificados os elementos da relação de consumo previstos no artigo 3º, nº 1, alíneas a) a c), e superadas as exclusões elencadas nas alíneas d) e f) do artigo 2º, nº 1 pelos argumentos supra aduzidos, conclui-se que o RJCC é aplicável ao contrato de ALD20.
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PAULO DUARTE, “Algumas questões sobre o ALD”, cit., pp. 317-318, entendimento que acompanho. 19 MORAIS CARVALHO, Os Contratos de Consumo, cit., p. 350. 20 Reunidos estes elementos da relação de consumo será de afastar a aplicação do DL 149/95: o conceito de consumidor previsto no DL 133/2009 é mais restrito que aquele atribuído ao locatário financeiro. Neste sentido, cfr. GRAVATO MORAIS, União de contratos de crédito e venda para o consumo, Coimbra, Almedina, 2004, p. 444, invocando que a lei especial (do crédito ao consumo) prevalece sobre a lei geral (da locação financeira). Razão pela qual penso que só se deverá recorrer ao bloco normativo atinente ao leasing em tudo o que não contrarie as regras especiais, implicando uma aplicação temperada com as devidas e necessárias adaptações. No sentido de que a aplicação analógica de algumas normas da locação financeira se justifica – referindo designadamente o artigo 15º do DL 149/95 –, cfr. GRAVATO MORAIS, Manual da Locação Financeira, cit., p. 74. Nos casos em que o locador não é um profissional, é minha opinião que haverá lugar à aplicação das normas gerais sobre o aluguer comercial (que por sua vez remete para as regras d)e locação civil. Em qualquer destas situações, as disposições das partes terão uma função integradora do contrato, especialmente importante por estar em causa um contrato socialmente típico: é o texto contratual que codifica as práticas sociais, ao qual se deve atribuir eficácia, desde que, naturalmente, não contenha disposições ilícitas. Independentemente do regime aplicável às diversas situações resultantes do contrato de ALD, quer se trate de uma relação de consumo ou não, devem ser sempre tidas em conta as disposições do mandato, tal como supra referido, porque surge a jusante de toda uma operação contratual complexa de financiamento.
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2. As regras constantes deste regime consagram preocupações específicas do direito do consumo, acautelando situações de especial fragilidade do consumidor quando recorre ao crédito. Esta motivação normativa explica o regime do artigo 18º que dispõe sobre os contratos de crédito coligado, tal como definido pelo artigo 4º, nº 1, alínea o). O preceito estatui uma consequência prática da união de contratos: as vicissitudes de um negócio projetam-se no outro. Neste sentido, o incumprimento contratual tem repercussões nas relações contratuais interdependentes. Só assim se justifica que, em caso de desconformidade do bem adquirido o consumidor possa acionar os meios que o artigo 18º, nº 3 lhe confere. Porém, ao contrário do que acontece no ALD, a regra deste nº 3 está concebida para as situações em que o consumidor celebra dois contratos: um de crédito – coligado a – um de compra e venda. 3. Ainda que no ALD existam três intervenientes, o consumidor só conclui um contrato, pois só se relaciona com a empresa financiadora, o seu comissário: é a este que solicita a concessão crédito, e é também a este que compra o bem. Esta realidade torna impossível subsumir diretamente o ALD na previsão do artigo 18º, nº 3. Não obstante, julgo ser possível aproveitar o sentido útil da regra: a ratio da norma visa proteger o consumidor, especialmente quando se vê privado do uso da coisa. Creio que a solução passa por uma interpretação extensiva, numa leitura conforme à disposição na primeira parte do ponto ii), da al. o) do artigo 4º. Mesmo na ausência de uma relação trilateral, para efeitos de crédito coligado neste caso, o financiador é simultaneamente o credor das quantias adiantadas e o fornecedor. Em termos práticos, na ótica do locatário é indiferente ser um terceiro ou o financiador a transmitir-lhe o bem: está a pagar um bem, foi-lhe concedido o gozo de um bem desconforme ao programa contratual. Assim, justifica-se que deva poder demandar o financiador21, responsabilizando-o
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Não poderia dirigir-se ao fornecedor: este não era parte do contrato, não teria legitimidade passiva para ser demandado. Neste sentido cfr. Acórdão do TRL de 09-05-2006, processo 1537/2006-7 (LUÍS ESPÍRITO SANTO) e GRAVATO MORAIS, Manual da Locação Financeira, cit., p. 223 (embora o diga em sede de locação financeira). Só o poderia fazer se este fosse o produtor, e nos termos previstos no DL 383/89.
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pelo incumprimento do contrato, justificando-se a aplicação das pretensões previstas no artigo 18º, nº 3, por interpretação extensiva. Quer isto dizer que pode invocar a exceção de não cumprimento, optar pela redução do preço, ou resolver o contrato de fornecimento22. Estas duas últimas situações operam retroativamente, sendo que a liquidação subsequente à resolução “atua nas relações bilaterais, tendo como eixo nuclear a figura do locador”23, isto é, o consumidor devolve o bem ao financiador, enquanto este lhe deve restituir as quantias pagas; por sua vez, o locador deve restituir a coisa ao fornecedor, contra a devolução do montante “mutuado” por aquele24.
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Mecanismos também consagrados no lugar paralelo do artigo 4º do DL 67/2003 (com a redação dada pelo DL 84/2008) aqui aplicáveis, por existir um contrato de locação, não obstante ser celebrado pela mesma pessoa que lhe concedeu crédito – cfr. artigo 1º-A, nº 2. Neste seguimento, penso que para a correta compreensão das soluções que resultam do artigo 18º do RJCC se deve ter em consideração todos os restantes preceitos do DL 67/2003 que curem desta problemática, designadamente aqueles que permitem entender o conceito de “desconformidade” – artigo 2º –, que disciplinem as situações de exercício abusivo das pretensões do consumidor – artigo 4º, nº 5 – ou indiquem os prazos da garantia legal do bem, de denúncia da desconformidade, ou para o exercício de direitos – artigos 5º e 5º-A. Em sentido convergente em relação à aplicação das disposições 4º a 5º-A do DL 67/2003, cfr. GRAVATO MORAIS, Manual da Locação Financeira, cit., p. 222. O insigne Autor defende ainda que a enumeração constante das três alíneas do artigo 18º não é taxativa – embora não admita a reparação, posição que acompanho –, entendendo que o consumidor pode pedir ainda uma indemnização por danos causados pela coisa em caso de desconformidade com o contrato (Crédito aos Consumidores, Coimbra, Almedina, 2009, p. 90). É importante referir novamente que em razão da especialidade do artigo 18ª, nº 3, não há lugar à aplicação do artigo 12º do DL 149/95. 23 GRAVATO MORAIS, Manual da Locação Financeira, cit., p. 225. 24 Defendendo esta solução para a locação financeira, cfr. GRAVATO MORAIS, Manual da Locação Financeira, cit., p. 225, sendo que esta me parece ser a melhor solução para as relações de liquidação no âmbito do ALD. Ao acionar esta pretensão, o locatário faz caducar o contrato-promessa.
Breves Notas sobre o ALD
§ 4 – Conclusões O ALD é um socialmente típico, mas legalmente atípico. Substancialmente temos um contrato de locação, porque alguém se obriga a ceder o gozo temporário de uma coisa contra o pagamento de uma retribuição, mas também um contrato de compra e venda a prestações com reserva de propriedade, convencionando-se que a transferência da propriedade do bem se dará no termo do contrato, quando o bem já estiver totalmente pago. Associado ao texto contratual está um outro documento que prevê uma promessa de compra – ou de venda – que vem reforçar a finalidade do negócio, sendo que é um elemento essencial desta realidade contratual complexa que permite destrinçá-lo de outros contratos, como seja o leasing, assegurando ao credor a sua expectativa de vender um bem especialmente adquirido para revender. Deste modo, a aquisição dar-se-á com a celebração do contrato definitivo, finalizando o processo de transferência da propriedade da coisa para a esfera do locatário. Este negócio é precedido de uma intervenção do locador que, ao intermediar a compra de um bem a um terceiro por conta do locatário, possibilita que aquele disponha de fundos que não tem. Neste sentido, conclui-se que esta ação concertada entre o financiador e o solicitador do seu serviço é suscetível de se qualificar como um acordo de financiamento, por isso reconduzível ao RJCC. As normas aí previstas têm soluções concebidas para acautelar a posição do consumidor quando se vê privado do uso da coisa que adquiriu, ou visa adquirir, no contexto de uma operação de financiamento. Pese embora a disposição que protege a posição do consumidor em caso de desconformidade do bem esteja pensada para a típica relação de financiamento – que envolve três intervenientes –, verifica-se que a situação em que o consumidor se encontra é materialmente semelhante à situação prevista no artigo 18º, nº 3 do RJCC. Neste sentido, a solução passa pela interpretação extensiva da norma, concluindo-se que o consumidor pode invocar a exceção de não cumprimento, pedir a redução do preço, ou optar pela resolução do contrato. Todavia este é apenas um aspeto de regime relativo ao contrato de ALD, pelo que a determinação do seu regime contratual carece uma aplicação sistemática das normas de direito do consumo que, pela sua motivação normativa e valorações subjacentes às regras que consagram,
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acautelam a posição consumidor, e que permitem, com segurança jurídica, identificar o modo de efetivar os seus direitos. Fevereiro de 2012
BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Carlos Ferreira de Contratos II, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2012. ALMEIDA, Carlos Ferreira de Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico, Vol. I, Coimbra, Almedina, 1992. CARVALHO, Jorge Morais Os Contratos de Consumo – Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo. Coimbra: Almedina, 2012. DUARTE, Paulo “Algumas questões sobre o ALD”, in Estudos de Direito do Consumidor, Coimbra, ISBN 9789729846328, nº 3, 2001, pp. 305-318. DUARTE, Rui Pinto Escritos sobre Leasing e Factoring. Cascais: Principia, 2001. MACHADO, Carla Pedrosa O ALD [consultado entre novembro e fevereiro]. Disponível em: www. verbojuridico.net, 2004. MORAIS, Fernando de Gravato Contratos de Crédito ao Consumo, Coimbra, Almedina, 2007.
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MORAIS, Fernando de Gravato Crédito aos Consumidores, Coimbra, Almedina, 2009.
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MORAIS, Fernando de Gravato Manual da Locação Financeira, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2011. MORAIS, Fernando de Gravato União de contratos de crédito e venda para o consumo, Coimbra, Almedina, 2004. VARELA, João de Matos Antunes Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000. VASCONCELOS, Pedro Pais de Contratos Atípicos. 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2009. VASCONCELOS, Pedro Pais de Direito Comercial, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2011.
JURISPRUDÊNCIA Acórdão do STJ de 14.05.2009, processo 08P4096 (FONSECA RAMOS) Acórdão do STJ de 01.02.2011, processo 884/09.7YXLSB.L1.S1 (HÉLDER ROQUE) Acórdão do TRL de 09.05.2006, processo 1537/2006-7 (LUÍS ESPÍRITO SANTO)
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Deveres Conjugais
ARTIGOS CIENTÍFICOS DEVERES CONJUGAIS – ÍNDOLE JURÍDICA À LUZ DO NOVO REGIME JURÍDICO DO DIVÓRCIO (LEI Nº 61/2008) por Andreia Cruz [Licenciada pela FDL]
PALAVRAS-CHAVE “Casamento”, “Divórcio”, “Deveres conjugais”, “Culpa”.
RESUMO O actual regime jurídico contemplado pela Lei nº 61/2008 introduz um conjunto de modificações que confere ao divórcio uma nova configuração jurídica, pondo em evidência questões inovadoras nesta matéria, em temas como a relevância jurídica da culpa, a modalidade de divórcio litigioso por violação dos deveres conjugais e respectivas consequências para o cônjuge tido como único ou principal culpado, bem como os fundamentos que integram a noção de ruptura do vínculo conjugal.
ABSTRACT The current legal regime contemplated by Law n. º 61/2008 introduces a number of modifications that confer to divorce a new legal setting, highlighting innovative issues in this matter, legal issues such as the relevance of guilt, the modality of contested divorce by violation of marital duties and their consequences for the spouse had sole or main culprit, and the pleas integrating the notion of rupture of the marital bond. 25
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1. Nota de Direito Comparado 1.1. O recurso à cláusula geral no Direito Alemão Ao contrário dos restantes países do sistema romanístico que adoptam uma técnica de enumeração dos deveres conjugais com recurso a um elenco de conceitos indeterminados, o Direito Alemão recorre a uma cláusula geral que contém apenas uma obrigação mútua para os cônjuges de uma comunhão geral de vida, sendo também prevista a obrigação de sustento da família1. No que concerne às vias de dissolução do casamento o Direito Alemão destaca-se por conceber a culpa como sendo irrelevante para o decretamento do divórcio, pelo que aos cônjuges cabe apenas demonstrar a falência do projecto conjugal em virtude da ausência de comunhão conjugal de vida entre os cônjuges e da constatação da inviabilidade desta comunhão renascer2.
1.2. O Direito Espanhol O legislador espanhol recorreu à técnica da enumeração3 dos deveres conjugais prevendo nos artigos 67º e 68º do Código Civil um total de seis deveres conjugais, sendo o único ordenamento jurídico a consagrar, tal como o ordenamento jurídico português, o Dever de Respeito que é entendido num sentido de reconhecimento da personalidade de cada cônjuge e que assim se junta aos restantes deveres que impõem aos cônjuges a obrigação de convivência em comum, de fidelidade e de socorro mútuos, bem como o dever de repartir as responsabilidades domésticas, o cuidado e a atenção
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Para uma análise da forma de tratamento da matéria dos deveres conjugais no Direito Alemão vide JORGE DUARTE PINHEIRO, O Núcleo Intangível da Comunhão Conjugal – Os Deveres Conjugais Sexuais, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 85 e ss.. 2 Sobre este ponto vide EVA DIAS COSTA, Da Relevância da Culpa nos Efeitos Patrimoniais do Divórcio, Coimbra, Almedina, 2005, pp. 58 e ss.. 3 Sobre a técnica de enumeração dos deveres conjugias no Direito Espanhol veja-se JORGE DUARTE PINHEIRO, ob. cit., pp. 44 e ss.
Deveres Conjugais
devidos a ascendentes, descendentes ou outras pessoas a cargo de cada cônjuge. Relativamente às modalidades de divórcio o Código Espanhol obriga a uma separação prévia dos cônjuges que é sempre necessária, embora a modalidade de divórcio-sanção continue a existir por referência à violação dos deveres conjugais que consubstancia a separação judicial.
1.3. Direito Francês À semelhança dos restantes ordenamentos jurídicos, o Código Civil francês enuncia um conjunto de deveres conjugais com recurso a um conjunto de conceitos indeterminados que estabelecem que os “cônjuges se devem mutuamente fidelidade, socorro, assistência”, ficando obrigados a uma comunhão de vida, à obrigação de cuidado e educação dos filhos, de contribuir para os encargos da família e de coabitação4. No que respeita às modalidades de divórcio5, o Direito Francês continua a distinguir entre divórcio-sanção, baseado na noção de “faute” por referência à violação grave e reiterada dos deveres conjugais que torna insustentável a possibilidade de vida em comum e cuja culpa pode ser distribuída por ambos os cônjuges de harmonia com a responsabilidade de cada um na violação dos deveres. O Direito Francês consagra ainda uma modalidade de divórcio-remédio com base na alteração das faculdades mentais de um dos cônjuges ou na separação de facto, sendo aqui declarado apenas um responsável pela dissolução do casamento.
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Sobre a forma de concepção dos deveres conjugais no Direito Francês vide JORGE DUARTE PINHEIRO, ob. cit., pp. 34 e ss.. 5 Veja-, sobre a evolução do divórcio no sistema francês, EVA DIAS COSTA, ob. cit., pp. 63 e ss..
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2. O Direito Português 2.1. Nota histórica 2.1.1. A versão originária do Código Civil A matéria relativa à enunciação dos deveres conjugais apresenta uma parca regulação por parte do legislador civil ao longo das diversas alterações que marcaram a evolução do regime jurídico do divórcio. Intrinsecamente ligado à modalidade do divórcio litigioso, mais propriamente o denominado “divórcio-sanção” e à necessária determinação da ponderação da culpa do cônjuge infractor, a enunciação do conjunto dos deveres conjugais apresentou reduzidas alterações. A versão originária do Código Civil contava, por isso, apenas com três deveres conjugais enumerados no artigo 1671º: os deveres de fidelidade, coabitação e assistência. A este último dever conjugal era concedido um sentido amplo, explicitado pelo legislador no artigo 1673º enquanto obrigação de socorro e auxílio mútuos, obrigação de prestação de alimentos e dever de contribuição para as despesas domésticas. Os deveres de fidelidade e coabitação, por sua vez, não eram desenvolvidos pelo legislador em virtude do consenso doutrinário e jurisprudencial que norteava o seu conteúdo.
2.2. A Reforma de 77 Marcada sobretudo pela preocupação em consagrar a tutela da personalidade dos cônjuges através do reconhecimento expresso no artigo 1671º do Princípio da Igualdade dos direitos e deveres dos cônjuges a Reforma de 77 demarca-se pela consagração, pela primeira vez e através do DL 496/77 de 25 de Novembro, dos deveres conjugais de respeito e de cooperação que agora acrescem ao conjunto de deveres conjugais previsto no artigo 1672º e cuja enunciação permanece inalterada até à actualidade.
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Deste modo, uma parte do dever de assistência incorpora o conteúdo do novo dever de cooperação, previsto no artigo 1673º e traduzido na “obrigação de socorro e auxílio mútuos” bem como no dever de os cônjuges “assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram”. Diferentemente, o legislador de 77 não especificou o conteúdo
Deveres Conjugais
do dever de respeito o que viria a suscitar controvérsia doutrinária acerca do modo como deveriam ser configurados os contornos deste dever conjugal6. A violação dos deveres conjugais continuava, assim, a permitir ao cônjuge inocente intentar uma acção de divórcio nos termos do artigo 1779º por causas subjectivas que tinha subjacente a existência de culpa por parte do cônjuge infractor, no âmbito da já consagrada modalidade do divórcio-sanção.
3. Os deveres conjugais e o regime jurídico do divórcio anterior à Lei nº 61/2008 Foi este o sistema que, em termos gerais, vigorou até à entrada em vigor da Lei nº 61/2008 o que conferiu à previsão dos deveres conjugais, desde a versão originária do Código de 66, um alcance prático de grande relevo no âmbito do regime jurídico do divórcio. Para além de permitir ao cônjuge inocente o decretamento do divórcio ao abrigo da modalidade do divórcio-sanção previsto no artigo 1779º CC sempre que a violação dos deveres conjugais fosse tida como grave e reiterada, comprometendo a possibilidade de subsistência da vivência conjugal, recaíam sobre o cônjuge tido como culpado ou principal culpado pela dissolução do vínculo um conjunto de sanções previstas nos artigos 1790º e ss. CC, nomeadamente a impossibilidade do cônjuge infractor receber na partilha mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos (artigo 1790º), a perda de todos os benefícios recebidos ou a receber do outro cônjuge ou de terceiro em vista do casamento ou em consideração do estado de casado (artigo 1791º, nº 1), a obrigação de prestação de alimentos (artigo 2016º, nº 1 alínea a)) e ainda a reparação de danos não patrimoniais causados ao cônjuge inocente pela dissolução do casamento (artigo 1792º).
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A divergência doutrinária acerca da delimitação concreta do conteúdo do dever de respeito será desenvolvida posteriormente, aquando da referência ao tratamento doutrinário dispensado ao desenvolvimento deste dever conjugal, controverso até à actualidade.
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Por outro lado, para um sector da doutrina decorria ainda um dever de indemnização por violação dos deveres conjugais que assim acrescia à indemnização prevista no artigo 1792º7, o que determinava uma dupla forma de sancionamento do cônjuge declarado único ou principal culpado pela violação dos deveres conjugais, uma solução que viria a contar com um significativo consenso a nível jurisprudencial.
4. A Lei nº 61/2008- um novo rumo em matéria de deveres conjugais? 4.1. A aparente eliminação da culpa e a problemática da sua articulação com a manutenção dos deveres conjugais Em matéria de deveres conjugais a Lei nº 61/2008 mantém inalterado o elenco já previsto no artigo 1672º, bem como a concretização de que os deveres de cooperação e assistência já tinham sido objecto pelo legislador no regime anterior à Lei nº 61/2008. Contudo, o novo regime jurídico do divórcio demarca-se pela eliminação da modalidade de divórcio litigioso por violação dos deveres conjugais o que pressupõe, por consequência, a eliminação da avaliação da culpa que seria ponderada e graduada para a determinação do cônjuge declarado único ou principal culpado pela dissolução do casamento e que iria traduzir-se no conjunto de consequências de cariz patrimonial previstas nos artigos 1790º e ss do anterior regime jurídico do divórcio. Doutro modo, prevê o actual artigo 1781º alínea d) como fundamentação do pedido de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges factos que mostrem uma ruptura definitiva do casamento, ainda que não exista qualquer culpa por parte dos cônjuges.
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Neste sentido, ÂNGELA CERDEIRA, Da Responsabilidade Civil dos Cônjuges Entre Si, Coimbra, Coimbra Editora, 2000 e ainda PEREIRA COELHO/GUILHERME DE OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, vol. I, Introdução; Direito Matrimonial, 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2008.
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Como compatibilizar, então, a eliminação da ponderação da culpa na actual lei, bem como a eliminação da modalidade do divórcio-sanção (artigo 1779º) com a manutenção do elenco dos deveres conjugais? Poderá ser atribuída à previsão dos deveres conjugais o mesmo sentido e alcance prático de que dispunham no regime jurídico do divórcio anterior à Lei nº 61/2008, designadamente em sede de responsabilidade civil?
4.2. O actual regime da responsabilidade civil por violação dos deveres conjugais – artigo 1792º, nº 1 Contra aquela que parece ser a orientação da lei actual que reconhece a dificuldade de ponderação e graduação da culpa pela violação de um ou vários deveres conjugais pronuncia-se um maioritário sector da doutrina no sentido de atribuir ao cônjuge lesado pela violação destes deveres uma indemnização ao abrigo do nº 1 do artigo 1792º. Assim, o reconhecimento de que a eliminação da modalidade de divórcio litigioso por violação de deveres conjugais comporta a impossibilidade de atribuir o conjunto de sanções de cariz patrimonial previstas nos artigos 1790º e ss. não impede que o cônjuge contra o qual se fez prova da violação dos deveres conjugais esteja obrigado à indemnização prevista na nova redacção do nº 1 do artigo 1792º. Neste sentido, refere Amadeu Colaço 8 que a nova lei não exclui a indemnizabilidade por danos não patrimoniais pela violação destes deveres, já que a irrelevância da determinação da culpa apenas vem impedir que o cônjuge inocente beneficie duma indemnização por danos morais em virtude da cessação do casamento, tal como poderia reclamar ao abrigo do artigo 1792º no regime jurídico anterior à Lei nº 61/2008.
8 AMADEU COLAÇO, Novo Regime Jurídico do Divórcio, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2009. Neste sentido, pronuncia-se igualmente, TOMÉ D’ALMEIDA RAMIÃO, O Divórcio e Questões Conexas – Regime Jurídico Atual, Lisboa, Quid Juris, 2011 e ainda CRISTINA M. ARAÚJO DIAS, Uma análise do Novo Regime Jurídico do Divórcio (Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro), 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2009.
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Em sentido contrário, Pamplona Corte-Real9 refere a necessária interpretação sistemática dos artigos 1790º e ss da actual lei, bem como o princípio da irrelevância da culpa consagrado no novo regime jurídico do divórcio, negando a possibilidade de atribuir ao cônjuge lesado qualquer indemnização por violação dos deveres conjugais. Desta forma, a eliminação da modalidade do divórcio-sanção e a consequente ausência de ponderação da culpa do cônjuge tido como único ou principal culpado pela dissolução do casamento permitem concluir, de acordo com esta orientação doutrinária, que os artigos 1790º e ss devem ser interpretados à luz do instituto do enriquecimento sem causa, incompatível com o regime da responsabilidade civil, assim impedindo a previsão de qualquer indemnização por violação dos deveres conjugais10. Como tal, o tipo de reparação prevista no nº 1 do artigo 1792º tem em consideração somente os direitos de personalidade dos cônjuges, pelo que apenas poderão recair no âmbito de previsão deste preceito o ressarcimentos dos ilícitos civis ou penais cuja tutela já decorreria dos termos gerais e cuja garantia é dotada de protecção constitucional, ou seja, o que está subjacente ao artigo 1792º, nº 1 é, no fundo, a tutela da personalidade, ainda que a reparação destes ilícitos deva ter em conta a relação especial que existe entre os cônjuges. Como tal, salienta Pamplona Corte-Real que a única tutela a conferir aos deveres conjugais consiste nos princípios gerais do Direito, tais como a boa-fé, o instituto do enriquecimento sem causa e o Abuso de Direito.
4.2.1. A Doutrina da Fragilidade da Garantia A possibilidade de conferir uma tutela geral e não meramente específica a ilícitos matrimoniais, mesmo que na constância do casamento e sem o concomitante pedido de divórcio constitui um dos problemas já desenvolvidos pela doutrina e debatidos na jurisprudência no regime anterior à Lei nº 61/2008.
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CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL/ JOSÉ SILVA PEREIRA, Direito da Família – Tópicos para uma Reflexão Crítica, Lisboa, AAFDL, 2008. 10 Ibidem.
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Atendendo a que no domínio do actual regime jurídico do divórcio a tendência maioritária da doutrina atribui à previsão dos deveres conjugais um alcance de grande relevo tal como ficou demonstrado, com particular destaque para a reparação prevista no âmbito do artigo 1792º, nº 1 mantém-se, neste domínio, o problema da denominada fragilidade da garantia. Partindo do pressuposto de estarmos perante deveres familiares, de cariz pessoal e íntimo e na ausência de uma tutela específica para a sua reparação (como aquela que um sector da doutrina atribui nos termos do artigo 1792º) a doutrina da fragilidade da garantia conclui que fica a impossibilidade de ser atribuída qualquer tutela no âmbito da responsabilidade civil. O legislador reconhece, assim, a natureza particular do casamento e a impossibilidade de tornar viável uma forma de garantia no cumprimento de deveres familiares de cariz pessoal. Invoca-se, como forma de evidenciar as dificuldades de tutela dos deveres conjugais a ausência de legitimidade de intromissão do Estado em matérias pessoais de âmbito familiar e a hipótese desta intromissão constituir uma via de perturbação da harmonia familiar já de si posta em causa e cuja intervenção judicial em nada poderá melhorar11. Por outro lado, coloca-se ainda a questão de saber até que ponto será admissível um pedido de indemnização por violação dos deveres conjugais sem que concomitantemente seja interposto o pedido de divórcio. Também neste domínio, ainda no regime jurídico anterior à Lei nº 61/2008 pronunciava-se uma parte da doutrina, designadamente Jorge Duarte Pinheiro e Ângela Cerdeira12 no sentido de permitir este pedido na constância do casamento.
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Em sentido contrário, JORGE DUARTE PINHEIRO, O Núcleo Intangível da Comunhão Conjugal – Os Deveres Conjugais Sexuais, Coimbra, Almedina, 2004, p. 570 sublinha: “... É certo que a propositura de uma acção dificilmente resultará na melhoria do relacionamento entre os litigantes, mas a possibilidade da responsabilidade civil tem um efeito de prevenção geral.” Igualmente defensora da responsabilidade civil por violação destes deveres encontra-se ÂNGELA CERDEIRA, Da Responsabilidade Civil dos Cônjuges Entre Si, Coimbra, Coimbra Editora, 2000. 12 Ibidem.
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Diferentemente, salienta Pamplona Corte-Real13 a inexistência de fundamentação para efectuar este pedido sem que exista, pelo menos, um concomitante pedido de divórcio.
4.3. O artigo 1781º alínea d) e a possibilidade de ponderação de violação dos deveres conjugais A eliminação da modalidade do divórcio-sanção previsto no artigo 1779º do regime anterior à Lei nº 61/2008 retirou, como se constata, alguma margem de aplicação prática dos deveres conjugais ao impedir a ponderação e graduação da culpa do cônjuge infractor, tido como único ou principal culpado pela cessação do matrimónio e para quem adviria o conjunto de sanções patrimoniais previstas nos artigos 1790º e ss.. Contudo, prevê o actual artigo 1781º alínea d) a hipótese de dissolução do vínculo pela constatação da ruptura definitiva do casamento, ainda que os factos comprovadores desta ruptura não evidenciem qualquer grau de culpa dos cônjuges. Ora, quanto a este ponto, importa considerar o desenvolvimento doutrinário que tem sido atribuído à forma de concretização da alínea d), nomeadamente quais os factos que podem consubstanciar prova de que o casamento demonstra, irremediavelmente, qualquer possibilidade de subsistir. A partir da análise da doutrina que se pronuncia acerca da forma de concretização dos conceitos indeterminados previstos na alínea d) do artigo 1781º verifica-se uma tendência para exemplificar hipóteses de constatação da ruptura definitiva do casamento com um conjunto de factos que apresentam um maior relevo atendendo ao grau de gravidade na afectação dos direitos
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13 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL/ JOSÉ SILVA PEREIRA, Direito da Família – Tópicos para uma Reflexão Crítica, Lisboa, AAFDL, 2008, pp. 80 e 81 evidencia a ausência de razoabilidade de existência de pedidos de indemnização por violação de deveres conjugais sem manifestação da vontade de dissolução do vínculo: “... seria de elementar falta de bom-senso entrever a subsistência dum vínculo conjugal entrecortado com esses pedidos de indemnização de um cônjuge relativamente ao outro...”.
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de personalidade do cônjuge lesado e que constituiriam, à face da anterior lei, uma violação grave e reiterada dos deveres conjugais. O que no fundo se pretende evidenciar é que, não obstante a clara opção da Lei nº 61/2008 no sentido de eliminar a modalidade do divórcio-sanção por violação dos deveres conjugais (artigo 1779º anterior redacção), denota-se uma manifesta tendência da doutrina para concretizar os conceitos indeterminados, nomeadamente a “ruptura definitiva do casamento” com recurso a factos que consubstanciam verdadeiras violações dos deveres conjugais. Assim, refere Guilherme de Oliveira14 que para densificar estes conceitos poderia recorrer-se ao conceito de “gravidade” previsto no anterior artigo 1779º, assim como o já conhecido conceito de “impossibilidade da vida em comum”, em consonância com a orientação jurisprudencial já alcançada nesta matéria15 admitindo, inclusive, a hipótese da alínea d) do artigo 1781º apresentar uma nova redacção que incluiria os conceitos de “gravidade” e “reiteração” para caracterizar os factos aqui previstos16. Como tal, situações como actos de violência doméstica graves ou tentativas de crimes relativamente a familiares próximos poderiam fundamentar a insubsistência do vínculo conjugal. Na mesma linha de orientação, Tomé d`Almeida Ramião, salienta que embora a constatação de factos que demonstrem violações graves e reiteradas de um ou mais deveres conjugais irá acentuar a inexigibilidade da manutenção do casamento, permitindo ao juiz compreender o carácter definitivo da ruptura do vínculo.
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GUILHERME DE OLIVEIRA, “A Nova Lei do Divórcio”, in Lex Familiae – RPDF, Ano 7, nº 13-Janeiro/Junho, 2010, pp. 5-32. 15 A nova redacção seria, na perspectiva do autor, apresentada da seguinte forma: d) Quaisquer outros factos que, pela sua gravidade ou reiteração, mostrem a ruptura definitiva do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges. 16 TOMÉ D’ALMEIDA RAMIÃO, O Divórcio e Questões Conexas – Regime Jurídico Atual, Lisboa, Quid Juris, 2011, p. 76 afirma “Mas se o facto traduzir uma violação culposa do dever conjugal, evidencia, acentua e clarifica a rutura definitiva do casamento... outros factos poderão demonstrá-lo, embora se reconheça que na esmagadora maioria dos casos a violação dos deveres conjugais está na base da rutura definitiva do casamento”.
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Contudo, não se segue aqui esta linha de orientação. Como referido supra, a nova lei torna premente a necessidade de compatibilizar o regime dos deveres conjugais, cuja redacção a lei deixou inalterada com a revogação do artigo 1779º que previa a modalidade de divórcio por violação grave e reiterada dos deveres conjugais. Acresce a este facto o propósito claramente demonstrado pela Lei nº 61/2008 de consagrar um Princípio de Irrelevância da Culpa e ao qual Guilherme de Oliveira alude como uma tendência no sentido de “desdramatizar” o divórcio. Doutro modo, é a própria lei que explicita na alínea d) que os factos invocados na propositura da acção são independentes da existência da culpa dos cônjuges, o que fornece ao intérprete uma margem de concretização dos conceitos indeterminados muito mais ampla do que aquela que resultaria da comprovação, necessariamente culposa, de que um dos cônjuges violou os deveres conjugais. Assim sendo, não se antevê outra hipótese que não seja a de considerar excluída a ponderação da falta culposa destes deveres. Atente-se, neste âmbito, à linha de orientação defendida por Pamplona Corte-Real quanto à defesa da modalidade do divórcio, sendo apenas necessário ao cônjuge a mera propositura da acção para ver decretado o divórcio17, o que se justifica atendendo à preponderância do valor da reconversão da vida que torna desajustada uma solução legal que preconiza uma perdurabilidade forçada do casamento. A tutela da personalidade dos cônjuges reclama, neste domínio, uma solução legal que privilegie a singularidade do vínculo conjugal enquanto acordo renovado de vontades e uma plena comunhão de vida que a mera propositura da acção revela, por si só, ter fracassado.
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CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL/ JOSÉ SILVA PEREIRA, Direito da Família – Tópicos para uma Reflexão Crítica, Lisboa, AAFDL, 2008.
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5. As possíveis vias de articulação do regime dos deveres conjugais com a Lei nº 61/2008 Retomam-se aqui as questões supra referidas18 em matéria de deveres conjugais a propósito da nova configuração que a Lei nº 61/2008 pretende conferir ao regime jurídico do divórcio. Da leitura da Exposição de motivos do Projecto de Lei nº 509/X resulta o reconhecimento das dificuldades em ponderar e graduar a culpa tal como o obrigava a avaliar o anterior regime do divórcio e a preocupação manifestada pela lei no sentido de acompanhar a tendência para um mais livre exercício do direito ao divórcio. Por isso, a nova lei destaca a tendência actual da sentimentalização e individualização do plano pessoal dos cônjuges que centra o regime no predomínio da affectio conjugalis em detrimento de uma ideia de vocação de perpetuidade do casamento. Todavia, constata-se, por um lado, a verificação da manutenção de resquícios de culpa na actual lei, como se pode demonstrar pela alusão ao “cônjuge inocente ou menos culpado” presente no artigo 1675º, nº 3. Por outro lado, tende um sector da doutrina, como já ficou demonstrado, a atribuir o direito a indemnização por violação dos deveres conjugais ao abrigo do artigo 1792º, nº 1, embora reconheça a irrelevância da culpa no sistema actual. Como concretizar, então, a hipótese de defesa de responsabilidade por violação dos deveres conjugais com a revogação da modalidade de divórcio-sanção anteriormente prevista no artigo 1779º e com a irrelevância da culpa? Resulta, aparentemente da Lei nº 61/2008 um carácter algo compromissório que denota contradições insanáveis da lei. Neste ponto, parece resultar necessária uma interpretação sistemática que contemple a previsão dos deveres conjugais com uma ideia de abolição de culpa do cônjuge infractor destes deveres, seguindo-se aqui a orientação doutrinária preconizada por
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Supra, nº 3.1.
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Pamplona Corte-Real que atribui ao artigo 1792º, nº 1 uma função primacial de tutela da personalidade dos cônjuges, apenas compatível com o ressarcimento dos danos causados por violação de ilícitos civis ou penais cuja tutela já decorreria nos termos gerais, ainda que particularmente agudizados pela relação especial existente entre os cônjuges. Procura-se, por esta via, obter uma linha de interpretação lógica e coerente que tenha em conta a irrelevância da culpa, a abolição do divórcio por violação dos deveres conjugais, a alteração da redacção e consequente previsão do tipo de reparação previsto no actual artigo 1792º e a ainda o propósito de conferir à reconversão da vida um maior relevo e à mencionada “desdramatização” do divórcio a que Guilherme de Oliveira19 se refere uma maior prioridade não esquecendo, contudo, que a nova lei mantém inalterada a previsão de todo o elenco dos deveres conjugais20.
6. A Natureza jurídica dos deveres conjugais 6.1 Taxatividade e imperatividade do artigo 1672º As características tradicionalmente atribuídas ao elenco dos deveres conjugais enunciado no artigo 1672º CC e a respectiva índole jurídica constituem questões enquadráveis numa problemática tão antiga quanto a própria previsão destes deveres na versão originária do Código Civil. É o que sucede, desde logo, com a questão de saber se poderemos considerar o elenco do artigo 1672º como sendo taxativo, o conteúdo que cada dever conjugal assume na modelação da vivência conjugal e a possibilidade de estabelecer acordos que norteiem esta forma de convivência durante a constância do casamento.
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19 GUILHERME DE OLIVEIRA, “A Nova Lei do Divórcio”, in Lex Familiae – RPDF, Ano 7, nº 13-Janeiro/Junho, 2010. 20 Tal como observa CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL/ JOSÉ SILVA PEREIRA, Direito da Família – Tópicos para uma Reflexão Crítica, Lisboa, AAFDL, 2008: “O legislador, neste tocante, não quis comprometer-se, e tecnicamente não ousou tomar posição lógico-coerente sobre a essência jurídica dos assim ditos deveres pessoais conjugais”.
Deveres Conjugais
No que concerne à previsão do elenco do artigo 1672º CC refere Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira21 que este preceito não tem o alcance de determinar outros deveres senão aqueles que não se reconduzam ou que não caibam em algum dos deveres expressamente previstos no artigo 1672º. Por outro lado, lembram estes autores que o regime destes deveres é imperativo, ficando as partes na impossibilidade de afastar o seu regime em virtude dos artigos 1618º, nº 2 e 1699º, nº 1 alínea, b) impedirem a existência de acordos que derroguem os deveres conjugais. Doutro modo, sustenta Teixeira de Sousa22 que será possível encontrar um primeiro grupo de deveres de cariz pessoal não expressamente previsto no qual se inclui o respeito da integridade física e moral da família e o dever de preservar o seu bom nome e reputação e um segundo grupo de deveres com natureza patrimonial no qual se incluem os poderes de administração e disposição de bens dos cônjuges. Em sentido contrário, segundo Duarte Pinheiro23 o elenco do artigo 1672º é taxativo atendendo a que o Dever de Respeito apresenta uma grande amplitude, o que retira a hipótese de encontrar deveres inominados. Com efeito, o dever conjugal de respeito tem sido entendido como um dever de cariz geral em face dos restantes deveres por implicar uma noção geral de respeito pela integridade física e moral do outro cônjuge e, inclusive, por ser entendido como um dever também extensível a um domínio patrimonial, no sentido de preservar o exercício e administração dos bens do outro cônjuge de acordo com os interesses que a este respeitam.
21 PEREIRA COELHO/GUILHERME DE OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, vol. I, Introdução; Direito Matrimonial, 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2008. 22 TEIXEIRA DE SOUSA, Regime Jurídico do Divórcio, Coimbra, Almedina, 1991. 23 JORGE DUARTE PINHEIRO, O Núcleo Intangível da Comunhão Conjugal – Os Deveres Conjugais Sexuais, Coimbra, Almedina, 2004.
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6.2. Relação entre a natureza jurídica do casamento e dos deveres conjugais Intrinsecamente relacionado com a índole jurídica dos deveres conjugais surge, como ponto prévio, a problemática em torno da natureza jurídica do casamento. Qualificado pela lei como um contrato que estabelece uma plena comunhão de vida o artigo 1577º não tem, contudo, o alcance de vincular o intérprete na definição da sua natureza jurídica. Recorde-se que as definições legais não dispõem de carácter jurídico vinculativo para o intérprete, possuindo apenas uma função orientadora da actividade interpretativa24. A questão suscita, por isso, a atenção da doutrina que se mantém dividida entre a definição do casamento enquanto contrato25, seguindo a orientação da lei e a sua qualificação proposta por Pamplona Corte-Real enquanto mero acordo de vontades26, constituído por duas declarações unilaterais receptícias, solenemente formalizadas. Daqui retira o autor, como consequência, que o casamento enquanto encontro de vontades atinente a uma esfera livre e íntima dos cônjuges representa um projecto de vida com larga margem de modelação pelos cônjuges, renovadamente acordada ao longo do tempo, o que é incompatível com a noção de casamento enquanto contrato e a inerente atribuição de sinalagmaticidade no exercício do afecto e a correspondente atribuição do regime jurídico previsto para os contratos de que será exemplo a inaplicabilidade do regime da resolução ou modificação das circunstâncias e a excepção de não cumprimento do contrato. Assim, os deveres conjugais não podem reconduzir-se tecnicamente a deveres jurídicos, sendo meras obrigações naturais, pelo que a sua imperatividade
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Vide OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 13ª ed., Coimbra, Almedina, 2005. 25 Neste sentido, JORGE DUARTE PINHEIRO, O Núcleo Intangível da Comunhão Conjugal – Os Deveres Conjugais Sexuais, Coimbra, Almedina, 2004 e ainda ÂNGELA CERDEIRA, Da Responsabilidade Civil dos Cônjuges Entre Si, Coimbra, Coimbra Editora, 2000. 26 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL/ JOSÉ SILVA PEREIRA, Direito da Família – Tópicos para uma Reflexão Crítica, Lisboa, AAFDL, 2008.
Deveres Conjugais
reconduz-se, por isso, apenas ao imperativo projecto de plena comunhão de vida ao qual se reconhece a prevalência da dimensão afectiva. Em sentido diverso, Menezes Cordeiro reconduz a figura do casamento a acto jurídico em sentido estrito e os deveres conjugais a obrigações legais27.
6.3. A pretensa injuntividade dos deveres conjugais pessoais e a ideia de núcleo intangível da comunhão conjugal O debate em torno da qualificação jurídica dos deveres conjugais suscita, como se viu, controvérsia doutrinária a que não são alheias as perspectivas adoptadas quanto à natureza jurídica do casamento. Todavia, os deveres enunciados no artigo 1672º convocam ainda particulares questões relativas a um âmbito íntimo e, portanto, pessoal que subjaz aos conceitos indeterminados que o legislador adoptou. Com efeito, a natureza pessoal e não meramente patrimonial dos deveres conjugais impele o intérprete a concretizar os deveres dos cônjuges não só à luz dos princípios gerais que enformam o Direito da Família mas também, ao nível da tutela constitucional que é conferida aos direitos de personalidade. Por isso, afirma Duarte Pinheiro28 que nesta matéria é importante recorrer à Ciência do Direito, nomeadamente à Tópica, complementada pelos parâmetros jurídicos fundamentais que concernem ao Princípio da Igualdade dos Cônjuges, a protecção da personalidade e a estipulação de acordos sobre a orientação da vida em comum. Neste âmbito, perguntar-se-á se e em que medida poderá o legislador civil impor deveres conjugais pessoais quando a estes se reconhece, unanimemente, um conteúdo eminentemente pessoal, como demonstra a imposição, por exemplo, do Dever de Coabitação aos cônjuges em qualquer uma das
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MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo I, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2007. 28 Jorge Duarte Pinheiro, O Núcleo Intangível da Comunhão Conjugal – Os Deveres Conjugais Sexuais, Coimbra, Almedina, 2004.
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suas vertentes, o Dever de Fidelidade ou o de Assistência. Dito de outra forma, não estaremos perante um âmbito de ajuridicidade? Relembre-se, a este propósito, a disposição do já revogado artigo 1779º, nº 2 da anterior redacção que fazia apelo “ao grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges” na apreciação da gravidade dos factos invocados e consubstanciadores da violação dos deveres conjugais. Será esta sensibilidade moral passível de ser posta em causa pela imposição dos deveres pessoais aos cônjuges? Em resposta a estas questões evidencia Duarte Pinheiro29 que a matriz pluralista do Estado de Direito não implica indiferença ética e também os direitos fundamentais são finitos, assim afastando a hipótese de estarmos perante um espaço livre de Direito. Pelo contrário, o autor defende a ideia de núcleo intangível da comunhão conjugal constituído pelos deveres conjugais sexuais que são inderrogáveis e conferem identidade própria ao casamento, correspondendo a uma noção social do que deve ser o casamento e que permitem defender a autonomia do casamento perante outras figuras. Em sentido contrário, Pamplona Corte-Real30 salienta a partir do valor da dignidade da pessoa humana (artigo 1º CRP) da primazia inviabilidade de deveres conjugais ligados à afectividade em virtude de estarmos numa esfera livre, íntima e autonómica dos cônjuges. O exercício do afecto, sendo indisponível, retira injuntividade aos deveres dos cônjuges que, sendo pessoais, não podem ser considerados exequíveis. Assim se evidencia a primazia do valor da dignidade da pessoa humana (artigo 1º CRP) em detrimento da pretensa injuntividade do elenco dos deveres conjugais. Retomam-se aqui, assim, as questões supra referidas em matéria de definição da natureza jurídica do casamento e da qualificação dos deveres conjugais como meras obrigações naturais que, aliás, devem ser consideradas abolidas em face da actual lei do divórcio.
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Ibidem. CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL/ JOSÉ SILVA PEREIRA, Direito da Família – Tópicos para uma Reflexão Crítica, Lisboa, AAFDL, 2008. 30
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7. Deveres Conjugais e União de Facto – possível transposição de regime? O regime jurídico da União de Facto não comporta qualquer alusão a um conjunto de deveres conjugais que possa sequer aproximar-se ao regime consagrado no casamento. Apesar de constituir um dos pontos que raramente são debatidos pela doutrina a possibilidade de consagrar a matéria dos deveres conjugais no regime jurídico da União de Facto é enunciada por Pamplona Corte-Real31 que reitera a importância de dotar esta união de um regime que possa contribuir para uma maior tutela dos unidos de facto e reconheça, igualmente, a mesma dignidade que subjaz ao casamento e à União de Facto e que revela, afinal, uma analogia dos institutos. Daí a referência a alguns acórdãos do Tribunal Constitucional que têm estabelecido formas de tutela aos unidos de facto colmatando as lacunas do regime em matérias como a protecção da casa de morada de família, regime de licenças e colocação profissional.
CONCLUSÃO Da análise das principais alterações introduzidas pela Lei nº 61/2008 resulta uma tendência no sentido de tornar irrelevante a culpa no decretamento do divórcio, bem como uma tentativa de conferir à dissolução do casamento um cariz menos sancionador, voltado para um exercício do direito ao divórcio mais livre e repensado a partir da importância de reconversão de vida dos cônjuges. Mas não é possível afirmar que o novo regime jurídico do divórcio se distancia, em absoluto, da consagração de um modelo de divórcio litigioso isento da apreciação global da culpa dos cônjuges e da irrelevância que o incumprimento dos deveres conjugais alcança para o decretamento do
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Ibidem.
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divórcio e das correspondentes sanções de cariz patrimonial. Com efeito, evidencia-se uma orientação doutrinária que continua a atribuir relevância à culpa pela violação dos deveres conjugais ao abrigo da previsão da alínea d) do artigo 1781º (pelo menos como forma de constatar a ruptura definitiva do casamento) e de atribuir ao cônjuge lesado uma indemnização pela violação destes deveres ao abrigo do artigo 1792º, nº 1. Esta linha interpretativa do regime contemplado na Lei nº 61/2008 traduz, afinal, a consequência do carácter algo compromissório da lei que permite entrever resquícios da relevância da culpa no casamento (como sucede de forma expressa no artigo 1675º, nº 3), assim como contradições da própria disciplina jurídica do divórcio que dotam o novo regime de um sistema algo incoerente. Repare-se que a lei pretende tornar a culpa irrelevante mas mantém inalterado o elenco dos deveres conjugais; doutro modo, estabelece uma indemnização nos termos do já mencionado artigo 1792º, nº 1 a conferir ao “cônjuge lesado” nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns sem, contudo, explicitar concretamente a que tipo de reparação se refere o legislador e quais os factos que a poderão consubstanciar, de modo a explicitar o que poderemos considerar como “cônjuge lesado”. Algo similar sucede com a previsão da alínea d) do artigo 1781º cujo elenco de conceitos indeterminados imporá uma interpretação sistemática que tenha em atenção o novo sentido que a Lei nº 61/2008 confere ao divórcio e assim possa constatar a ruptura definitiva do casamento sem que os factos invocados revelem qualquer grau de culpa única ou concorrente dos cônjuges. Deste modo, a nova lei do divórcio requer uma interpretação que confira uma componente sistemática lógico-coerente que possa concretizar a aplicação da disciplina jurídica do divórcio em similitude com as intenções expressas na Exposição de Motivos e que salientam um reforço da tutela da personalidade dos cônjuges a partir de um mais amplo exercício do direito ao divórcio.
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BIBLIOGRAFIA CERDEIRA, Ângela Da Responsabilidade Civil dos Cônjuges Entre Si, Coimbra, Coimbra Editora, 2000. COLAÇO, Amadeu Novo Regime Jurídico do Divórcio, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2009. CORTE-REAL, Carlos Pamplona/ PEREIRA, José Silva Direito da Família – Tópicos para uma reflexão crítica, Lisboa, AAFDL, 2008. COSTA, Eva Dias Da Relevância da Culpa nos Efeitos Patrimoniais do Divórcio, Coimbra, Almedina, 2005. DIAS, Cristina M. Araújo Uma análise do Novo Regime Jurídico do Divórcio (Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro), 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2009. MENEZES CORDEIRO, A. Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo I, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2007. OLIVEIRA, Guilherme de “A Nova Lei do Divórcio”, in Lex Familiae, nº 13, 2010, pp. 5-32.
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OLIVEIRA ASCENSÃO, J. O Direito – Introdução e Teoria Geral, 13ª ed., Coimbra, Almedina, 2005. PEREIRA COELHO, F./OLIVIEIRA, Guilherme de Curso de Direito da Família, vol. I, Introdução; Direito Matrimonial, 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2008. PINHEIRO, Jorge Duarte O Núcleo Intangível da Comunhão Conjugal – Os Deveres Conjugais Sexuais, Coimbra, Almedina, 2004. RAMIÃO, Tomé d`Almeida O Divórcio e Questões Conexas – Regime Jurídico Atual, Lisboa, Quid Juris, 2011. TEIXEIRA DE SOUSA, M. O Regime Jurídico do Divórcio, Coimbra, Almedina, 1991.
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ARTIGOS CIENTÍFICOS A MEDIAÇÃO PENAL EM PORTUGAL por Joana Carvalho [aluna do 3º ano de Licenciatura da FDL]
PALAVRAS-CHAVE “Justiça restaurativa”, “prevenção geral e especial positiva”, “poder punitivo estatal”, “restorative justice”, “posivite, general and special prevention”, “State’s punitive power”.
ABSTRACT Entendemos que a reparação penal pode satisfazer de forma plena finalidades preventivas e integra-se na conceção do sistema jurídico-penal segundo a qual a intervenção penal deve dar resposta a três tipos de males: dano sofrido pela vítima (restauração); o dano infligido pelo delinquente a si próprio, nomeadamente, a ruptura com a sociedade (prevenção especial positiva) e o dano na sociedade (prevenção geral positiva)1 – contudo, é do nosso entender que se a própria vítima se sente reparada não há necessidade de preencher os requisitos da prevenção geral positiva. Não vislumbramos, pois, as razões pelas quais a reparação do dano através de um acordo entre o ofendido e o agente não se integra na atual conceção do sistema jurídico-penal português, principalmente se nos questionarmos
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MARIA FERNANDA PALMA, “Do sentido histórico do ensino do Direito Penal na Universidade Portuguesa à actual questão metodológica”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 1999, pp. 373 e ss.; e “O problema penal do processo penal”, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, 2004, pp. 51-52.
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sobre a legitimidade do Estado para exercer um poder punitivo. Vejamos, por exemplo, nas finalidades da pena: na retribuição, dado que o significado da pena assenta na compensação da culpa humana não se pode exigir que o Estado tenha de retribuir com a pena toda a culpa; na prevenção geral, permanece em aberto a questão de saber sobre quais comportamentos o Estado detém a faculdade de intimidar (o ponto de partida da prevenção geral possui, aliás, normalmente uma tendência para o “terror estatal”); na prevenção especial, não é possível uma delimitação do poder punitivo do Estado quanto ao seu conteúdo e, em última análise, o sujeito pode ficar ilimitadamente à mercê da intervenção estatal. Encaramos, assim, a mediação penal como um admirável retrocesso histórico na medida em que o Estado devolve o processo aos particulares e apenas exerce o seu poder punitivo se as partes não atingirem um consenso. It is our believe that restaurative justice can satisfy preventive golds and can be integrated in a juridical and penal notion that conceives penal intervention as an answer to three kinds of evils: victim’s damages (restorative justice); self-inflicted losses by the deliquent regarding society’s rupture (positive and special penal prevention) and damages in the community (posivite and general prevention). However, it’s our opinion that if the victim feels restaured there is no need to fill in positive and general preventive necessities. This way, we don’t understand why damages’s restauration between the victim and the agent is not able to be integrated in a juridical and penal notion, especially if we wonder about State’s legitimacy to exercice an executive power. For instance, regarding penalty’s aims: in retribution, since the meaning of penalty stands in human’s fault compensation, we can’t demand that the State should punish every penalty with every fault; in the general prevention, the question about knowing which behaviours the State has the legitimicy to intimidate remains open (there is, indeed, a tendency to a “state’s horror”); in the special prevention, it is not possible to delimitate the State’s punitive power concerning its content and, in the worst case cenario, the citizen can be indefinitly under the State’s arms. 50
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Therefore, we defend that penal restorative justice is a admirable historical retrocession because the State returns the suit to the citizens and only if they don’t achieve an agreement, the State will act.
Introdução O presente trabalho surgiu no âmbito do curso de Direito Penal I, colocada no primeiro semestre do 3º Ano da Licenciatura de Direito da Universidade de Lisboa, tendo sido atribuída aos alunos a oportunidade de realizar um trabalho de investigação como elemento adicional de avaliação. A escolha deste tema (“Mediação Penal em Portugal”) prende-se com o facto de se ter revelado uma área de interesse e curiosidade para nós. Tendo estudado as finalidades e a legitimação da pena criminal, não poderíamos ter deixado de reparar que, em nenhum dos modelos apresentados, constava uma preocupação com o interesse particular da vítima nem com a possibilidade do agente do crime determinar a sua própria punição. Grosso modo, a prevenção geral preocupa-se com os efeitos da pena na comunidade; a prevenção especial visa a reintegração do autor do crime na sociedade e a retribuição tem como limite de aplicação da pena a culpa do autor. Não existirá uma quarta finalidade da pena, mais preocupada com a vítima do facto ilícito? Poderão surgir outras consequências penais, para além da pena e das medidas de segurança? Ao realizarmos este trabalho, tentámos responder a estas perguntas de forma elucidativa. Para isso, começámos por enquadrar a reparação penal no fenómeno da “justiça restaurativa”. De seguida, procedemos à definição do conceito de “mediação penal” e averiguámos o âmbito de aplicação da última, bem como os princípios que a enformam e a respectiva tramitação processual. Na última parte, optámos por discutir a possibilidade de introdução da reparação penal como terceira via no Direito Penal português.
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CAPÍTULO I Justiça restaurativa Definição de justiça restaurativa Num fenómeno recente para o Direito Penal, tem-se defendido a reparação dos danos materiais e morais causados pelo crime através de uma concertação entre o agente a vítima2. Debate-se a possibilidade de, através desta concertação, emergir uma nova e autónoma finalidade da pena, erigindo-se, então, um sistema tripartido de sanções penais: penas, medidas de segurança e reparação dos danos. Não obstante, a discussão também se centra no seu âmbito de aplicação: deve ser só aplicada a crimes contra bens jurídicos individuais ou também contra bens jurídicos supra-individuais? No círculo de pequena, média ou grande criminalidade 3? Todas estas ideias integram-se num amplo paradigma político-criminal – a justiça restaurativa (restorative justice) – isto é, num “processo através do qual todas as partes implicadas numa específica infracção se juntam para resolver em conjunto como tratar as consequências daquela e com as suas implicações no futuro”4. O paradigma político-criminal da justiça restaurativa preocupa-se mais em restaurar o equilíbrio perturbado pelo crime do que em punir o seu agente, ou seja, prefere solucionar as consequências das ações dos autores criminais sobre as vítimas em lugar de castigar os últimos. Propõem-se, assim, sanções compensatórias que restabeleçam a situação anterior da vítima em detrimento de consequências sancionatórias punitivas. Relativamente ao respectivo método, como a justiça reparadora encara as consequências do crime como um assunto não só do Estado como também dos indivíduos, assiste-se a uma ruptura com a tradição penal de monopólio
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2 STRATENWERTH, Was leistet die Lehre von der Strafzwecken?, 1995, pp. 13 e ss., e § 1, nº 29. 3 ROXIN, § 3, nº 66, e Zur Wiedergutmachung als einer “dritten Spur” im Sanktionensystems, Baumann- FS,1992, pp. 243 e ss.. 4 TONY MARSHALL, The evolution of Restorative Justice in Britain, EuropJCL&Crim 4, 1996, p. 37.
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do Estado no exercício da função punitiva: o conflito penal é devolvido as particulares para se atingir uma justiça negociada5. No que concerne às consequências, encontra-se uma solução de justiça penal que valoriza a livre determinação dos cidadãos pois a vítima e o delinquente são associados à aplicação e execução da sanção. Entende-se que as finalidades da sanção são cumpridas de forma mais harmonizada se esta for aceite pelo delinquente na medida em que se apela ao seu sentido de responsabilidade6. O contemporâneo paradigma político-criminal da justiça restaurativa foi inspirado pelos contributos da moderna vitimologia na medida em que se concebe a vítima atual enquanto destinatária da política criminal que é dotada da possibilidade de exercer uma ação conformadora do sentido da decisão final do caso penal.7 É importante sublinhar que, nem sempre, o sistema penal clássico fornece uma resposta à carência de reparação da vítima e o interesse desta é, na maioria das vezes, obtido de maneira mais eficaz através da reparação do que da aplicação de uma pena privativa da liberdade ou de uma multa (que, frequentemente, frustra a reparação do dano pelo autor do crime). O objetivo é, pois, o de evitar a secundarização e instrumentalização da vítima e, de certa forma, a sua vitimação secundária8.
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ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “A propósito da introdução do regime de mediação no processo penal”, Revista do Ministério Público, nº 105, 2006, pp. 130 e ss.. 6 ANABELA MIRANDA RODRIGUES, Novo olhar sobre a questão penitenciária, Coimbra, 2000, p. 143; e CLÁUDIA SANTOS, “Um crime, dois conflitos (e a questão, revisitada, do ‘ roubo do conflito’ pelo Estado), Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2007, pp. 459 e ss.. 7 ALBIN ESER, “Acerca del renacimiento de la víctima en el procedimiento penal – Tendencias nacionales e internacionales”, in De los Delitos e de las Víctimas, Buenos Aires, 1992, pp. 15 e ss.. 8 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – Parte Geral II – As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, pp. 75 e ss.; e CLÁUDIA SANTOS, “A mediação penal, a justiça restaurativa e o sistema criminal – Algumas reflexões suscitadas pelo anteprojecto que introduz a mediação penal ‘de adultos’ em Portugal”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2006, pp. 85-86.
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Quanto ao Direito Penal português, já existiam manifestações do pensamento político-criminal da justiça restaurativa, nomeadamente, atos de reparação material ou moral como condição de aplicação de penas substitutivas (assim, na suspensão da execução da pena – artigo 51º/1 do Código Penal, e na admoestação – artigo60º /2 do Código Penal); reparação das consequências do crime como fator de determinação concreta da medida da pena (artigo 71º/2 alínea e) do Código Penal); reparação do dano como condição de atenuação especial da pena (artigo 72º/2 alínea c) do Código Penal); reparação do dano como condição de aplicação do instituto da dispensa da pena (artigo 74º/1 alínea b) do Código Penal); e, por fim, em certa medida, os atos de impedimento da consumação ou da verificação do resultado não compreendido no tipo de crime com relevância em matéria de desistência e impunidade da tentativa (artigos 24º e 25º do Código Penal).
CAPÍTULO II Mediação penal em Portugal 1. Definição de mediação penal A mediação penal constitui um processo informal, flexível, de carácter voluntário e confidencial no qual os sujeitos envolvidos numa negociação utilizam um terceiro imparcial – o mediador – que é neutro quanto ao resultado da negociação, para os apoiar nas diversas fases do mesmo e promover, sem impor, a obtenção de um acordo entre o arguido e o ofendido que permita a reparação dos danos causados pelo facto ilícito9. O mediador ajuda as partes na procura de soluções que permitam a valorização positiva dos desacordos10-11.
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Cfr. artigo 4º/1 da Lei nº 21/2007, de 12 Junho. JOSÉ VASCONCELOS SOUSA, “Introdução”, in O que é a mediação?, S.I., 2006, p. 14. 11 A mediação penal “(...) devolve um rosto à justiça e reata os laços de cada pessoa com o outro. No processo, os indivíduos tornam-se partes; na mediação, são pessoas de carne e osso, inteiros, frente a frente, opostos talvez mas simultaneamente próximos em toda 10
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2. Breve contextualização A promoção de mecanismos de mediação penal surgiu recentemente um pouco por toda a Europa. Um dos instrumentos normativos internacionais de referência, nesta matéria, é a Recomendação (99)19 sobre a Mediação em Matéria Penal, adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 15 de Setembro de 1999. A adoção da mediação penal integra uma política criminal europeia comum desde a Decisão-Quadro nº 2001/220/JAI do Conselho da União Europeia, de 15 de Março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal. Esta Decisão impôs aos Estados-Membros (artigo10º) a promoção até 22 de Março de 2006 da mediação nos processos penais relativos aos crimes que considerassem adequados, devendo os acordos resultantes da mediação poder ser tidos em conta em tais processos12. Do ponto de vista interno, em Portugal, a introdução da mediação penal foi recomendada pelo observatório Permanente da Justiça Portuguesa do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, no ano de 2001, e pela Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, em 200413. A introdução do instituto da mediação penal na ordem jurídica nacional não foi, contudo, totalmente inovadora na medida em que já existia um mecanismo similar no âmbito da justiça de menores aplicável a jovens delinquentes inimputáveis, previsto na Lei Tutelar Educativa14. Chegou também a ser iniciado em 2004, um projeto de mediação penal desenvolvido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral
sua dignidade. E, ainda que mais não houvesse, só por isto valeria a pena”, in CARLOTA PIZARRO DE ALMEIDA, “A Mediação perante os objectivos de Direito Penal”, in A Introdução da Mediação Vítima – Agressor no Ordenamento Jurídico Português. Colóquio. 29 de Junho de 2004, p. 51. 12 CARLOTA PIZARRO DE ALMEIDA, “A propósito da Decisão-Quadro do Conselho de 15 de Março de 2001 – Algumas considerações (e interrogações) sobre a mediação penal”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2005, pp. 394 e ss., apud HELENA MORÃO, Justiça restaurativa e crimes patrimoniais, 2009. 13 Cfr. Relatório da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, 2004, pp. 98 e ss.. 14 Cfr. Lei nº 166/99, de 14 de Setembro.
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Distrital do Porto e pela Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, que incidiu sobre processos em que fosse aplicável a suspensão provisória do processo (artigo 281º Código de Processo Penal), ou o arquivamento em caso de dispensa de pena (artigo 280º do mesmo diploma)15. Em 21 de Fevereiro de 2006, foi sujeito a debate público um Anteprojecto de Proposta de Lei sobre Mediação Penal16 que originou, com alterações significativas, a Lei nº 21/2007 de 12 de Junho, que cria o regime da Mediação em Processo Penal e que foi regulamentada pelas Portarias nº 68-A, 68-B e 68-C/2008 de 22 de Janeiro17. Este sistema extra-judicial de Justiça justifica-se em Portugal porquanto constitui um meio tendente a servir o direito fundamental à Justiça, face à diversidade e aos aumentos exponenciais de processos que sobrecarregam o sistema judicial, já de si prejudicado pelo formalismo e pela burocracia generalizados que são inadequados à diversidade e quantidade processuais18.
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CÂNDIDO AGRA e JOSEFINA CASTRO, “Mediação e justiça restaurativa – Esquema para uma lógica do conhecimento e da experimentação”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2005, pp. 104 e ss., apud HELENA MORÃO, Justiça restaurativa e crimes patrimoniais, 2009. 16 “O projecto ambicioso da mediação penal no ordenamento jurídico português assenta nas experiências bem sucedidas em Portugal, algumas das quais bastante inovadoras, como é disso exemplo a experiência dos Julgados de Paz (...), do Gabinete de Mediação Familiar de Lisboa e, mais recentemente, do Sistema de Mediação Laboral”, in FILIPE LOBO D’ÁVILA, sem título, in Colóquio de Discussão Pública do Anteprojecto de Proposta de Lei sobre Mediação Penal, “Alguns textos” (coord.: Direcção-Geral da Administração Extrajudicial), 2007, p. 9. 17 JUAN CARLOS VEZZULLA, presidente do Instituto de Mediação e de Arbitragem do Brasil, referindo-se ao trabalho realizado em mediação penal no seu país, nos EUA e na Catalunha, “todas estas experiências têm demonstrado dar um grande serviço à sociedade com a inclusão definitiva das vítimas como participantes fundamentais na abordagem dos delitos de que foram padecentes. O mesmo se passa em relação à oportunidade dada aos agressores de poder rever a sua conduta e não somente reparar o dano, mas fundamentalmente poder ter consciência da transcendência dos seus actos como fonte fundamental de evitar a sua reincidência.”, in op.cit., p. 63. 18 JAIME CARDONA FERREIRA, op.cit., p. 35. Contra, manifestou-se Germano Marques da Silva que defendeu que “é preciso evitar mecanismos simplesmente paralelos aos tribunais que rapidamente ficarão também saturados se os meios não forem adequados e
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3. Princípios da mediação penal A mediação penal rege-se pelos princípios fundamentais do consentimento do informado, da confidencialidade, da informalidade e da pessoalidade19. No que se refere ao consentimento do informado, o processo de mediação penal encontra-se dependente da verificação da vontade livre e esclarecida do arguido e do ofendido para participar na mediação. Para tal, é fornecida informação completa relativa aos direitos dos participantes, ao processo de mediação e respectivas consequências processuais. O teor das sessões de mediação é confidencial e estas desenrolam-se de forma informal. Os aspetos internos do processo de mediação não são regulamentados – são submetidos às regras próprias da profissão (deontologia profissional e manuais de boas práticas). No plano da pessoalidade, o arguido e o ofendido têm de comparecer pessoalmente nas sessões, não existindo qualquer possibilidade de se fazerem representar na medida em que esta é a modalidade mais consentânea com a filosofia inerente à mediação: participação ativa das pessoas e restauração conjunta da paz social20.
4. Tramitação do processo de mediação penal Primeiramente, é importante delimitar o âmbito de aplicação da mediação penal: encontram-se abrangidos os crimes penais com pena não superior a 5 anos, isto é, o limite que corresponde à delimitação da pequena e média e criminalidade no sistema jurídico-penal português. Assim, verificamos
sobretudo é preciso atentar em que a justiça penal tem também função de prevenção que não se alcança pela mera superação do conflito interindivindual”, in “A mediação penal. Em busca de um novo paradigma?”, in A introdução da Mediação Vítima – Agressor no Ordenamento Jurídico Português. Colóquio. 29 de Junho de 2004, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, p. 108, apud BELEZA, TERESA PIZARRO e HELENA PEREIRA DE MELO, A mediação penal em Portugal, Lisboa, 2012. 19 Artigos 3º a 6º da Lei nº 21/2007, de 12 de Junho. 20 Exposição de motivos da respectiva proposta de lei.
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que a orientação político-criminal adotada foi aquela segundo a qual a composição autor-vítima não esgota suficientemente o conteúdo sancionatório dos casos de criminalidade mais grave.21 A mediação penal só se aplica aos crimes patrimoniais dependentes de queixa ou acusação particular22-23. O processo de mediação português desenrola-se, essencialmente, ao longo de cinco etapas24. Numa primeira fase, o Ministério Público remete o processo para a mediação, em qualquer momento do inquérito, uma vez verificado um pedido do ofendido e do arguido, ou se tiverem sido recolhidos indícios de se ter verificado crime e de que o arguido foi o seu agente e entender que desse modo se pode responder adequadamente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir. Não obstante, na constituição de arguido trata-se apenas de uma exigência de indícios mínimos, e o dever de atuação objetiva orientada pelo princípio da legalidade imposto ao Ministério Público (artigo 219º da CRP) não impõe a remessa do processo para mediação quando, no momento processual em que a questão for colocada, o Ministério Público julgue que o processo deva ser arquivado nos termos gerais25. Posteriormente, o ofendido e o arguido são contactados pelo mediador, que os informará sobre o processo da mediação penal. Num terceiro momento, se o arguido e o ofendido consentirem expressamente no processo de mediação, as sessões iniciam-se. Caso não o façam, o processo prossegue a via judicial.
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21 O legislador também exclui a aplicação da mediação penal aos casos em que seja aplicável ao processo sumário ou sumaríssimo. 22 Cfr. acerca deste ponto, os nºs 1 a 3 do artigo 2º da Lei nº 21/2007 de 12 de Junho. 23 No Anteprojecto de Proposta de Lei de Mediação Penal, previa-se a inclusão dos crimes públicos em articulação com o mecanismo da suspensão provisória do processo: o Ministério Público suspendia provisoriamente o processo, com a condição do cumprimento do acordo resultante da mediação pelo arguido – cfr. artigos 2º a 4º do Anteprojecto. 24 Sobre este ponto, cfr. artigos 3º a 6º da Lei nº 21/2007. 25 De acordo com SÓNIA REIS, in “A vítima na mediação penal em Portugal”, Revista da Ordem de Advogados, 2009, “todos os processos remetidos para mediação, foram-no por iniciativa do MP. Em nenhum caso a vítima requereu, conjuntamente com o arguido, mediação penal.”
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Num quarto patamar, se o ofendido e o arguido obtiverem um acordo de reparação, este é comunicado ao Ministério Público (a quem cabe verificar se o conteúdo do acordo de reparação cumpre os requisitos legais; caso o MP verifique que o acordo não respeita os pressupostos exigidos, terá de devolver o processo ao mediador para que, conjuntamente com o ofendido e o arguido, sane a ilegalidade26) e equivale a desistência de queixa e não oposição. Se não alcançarem esse consenso, o processo prossegue a via judicial. Por fim, verificando-se o incumprimento do acordo, o ofendido pode renovar a queixa e o inquérito é reaberto27, caso o MP conclua pelo efectivo incumprimento. Verificamos, assim, que o processo de mediação penal não corresponde a um mecanismo alternativo ao processo penal, antes se integra nele28. É de notar que o conteúdo do acordo de mediação penal é livremente fixado pelo ofendido e pelo arguido e a reparação tanto pode assumir uma natureza material como simbólica, de que poderão ser exemplos o pagamento de uma quantia pecuniária, um pedido de desculpas, o compromisso de frequência de curso, a sujeição a tratamento médico, a reconstrução de coisa destituída ou a realização de trabalho comunitário.
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Artigo 5º, nº 8 da Lei nº 21/2007. Assistimos, aqui, a uma exceção ao disposto no nº 2 do artigo 116º do Código Penal que determina que a desistência da queixa impede a sua renovação. 28 Caso fosse um processo alternativo à apresentação de queixa, a opção pela mediação penal poderia implicar a preclusão, pelo decurso do tempo afeto ao processo de reparação, do exercício do direito de queixa e a utilização desta nova solução seria previsivelmente diminuta. 27
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CAPÍTULO III Reparação penal como terceira via do Direito Penal Terceira via do Direito Penal? No plano dogmático, o paradigma político-criminal da justiça reparadora tem vindo a permitir a sustentação da integração da reparação no sistema jurídico-penal de sanções. Concebe-se, desta forma, a reparação como uma terceira via do Direito Penal, ou seja, como reação criminal alternativa à aplicação de penas e de medidas de segurança. Os apologistas da composição ou concertação agente-vítima (Tater-Opfer-Ausgleich) defendem um sistema tripartido de consequências jurídicas do crime: penas, medidas de segurança e reparação dos danos causados pelo crime.29 Segundo este entender, a reparação penal surge como consequência jurídica autónoma do crime e meio de terminar o próprio processo penal. O princípio constitucional da subsidiariedade na vertente de intervenção mínima constitui a legitimação político-jurídica da reparação penal. Nos casos em que tanto a vítima como a comunidade não atribuem valor relevante a um castigo adicional ao agente, quando tenha havido reparação do dano através da concertação autor-vítima, assiste-se a uma função subsidiária de proteção de bens jurídicos que incumbe ao Direito Penal30. A reparação penal enquanto consequência jurídica autónoma do crime tem finalidades político-criminais semelhantes às das penas. Numa perspectiva de prevenção especial positiva, a reparação penal promove um elevado efeito socializador pois obriga o autor do crime não só a confrontar-se com a gravidade da prática do seu facto e respectivas
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CLAUS ROXIN, § 3, nº 66, e Zur Wiedergutmachung als einer “dritten Spur” im Sanktionensystems, Baumann- FS, 1992, pp. 243 e ss.; JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português- Parte Geral II – As consequências jurídicas do crime, pp. 77 e ss.. 30 CLAUS ROXIN, Derecho Penal – Parte General, tomo I, pp. 109-110; e MÁRIO FERREIRA MONTE, “Da Reparação penal como consequência jurídica autónoma do crime”, in Liber discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, 2003, pp. 130-131.
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consequências para a vítima mas também a aprender a considerar os interesses legítimos do ofendido. A concertação entre o agente e a vítima facilita, pois, a reintegração social do autor do crime. Na vertente de prevenção geral positiva, a mediação penal permite o fomento do reconhecimento das normas pelo agente através do reforço da vigência e validade da norma violada e da contribuição para o restabelecimento da confiança e da paz jurídica quebradas pelo crime. Nos casos de pequena e média criminalidade, na maioria das vezes, a reparação penal permite a eliminação da perturbação social originada pelo ilícito penal e a satisfação das necessidades de estabilização das expetativas comunitárias na vigência da norma violada31. A reparação penal também pode ser encarada dentro de uma perspectiva retribuicionista visto que a composição autor-vítima pode ponderar ou corresponder ao grau de culpa do agente e promover a satisfação da necessidade humana de substituição psicológica da vingança privada32. Não obstante, para alguns Autores a reparação penal não pode, sequer, integrar-se no esquema tradicional preventivo-retributivo. Nesta linha de pensamento, a prevenção seria sempre encarada como meio de evitação de futuros crimes e a reparação penal trataria de restabelecer a paz jurídica perturbada pelo facto ilícito33. Há também quem defenda que se torna questionável a necessidade de fazer da reparação penal um tertium genus das sanções penais ou finalidade geral da pena. No seguimento desta ideia, argumenta-se com os exemplos de reparação do dano como condição de legitimidade de aplicação de certas “penas de substituição” ( artigo 51º/1 CP) ou como condição da “dispensa de pena” ( artigo74º/1 b) CP). Alega-se que a reparação penal
31 CARLOTA PIZARRO DE ALMEIDA, “A mediação perante os objectivos do Direito Penal”, in A Introdução da Mediação Vítima-Agressor no Ordenamento Jurídico Português, 2005, pp. 39 e ss.. 32 MARIA FERNANDA PALMA, Direito Penal – Parte Geral, 1994, pp. 44 e ss.. 33 GUNTER STRATENWERTH, Derecho Penal – Parte General I – El Hecho Punible, 2005, pp. 37-38.
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poderia acarretar que o sancionamento penal ficasse, em rigor, numa larga e inadmissível disponibilidade de aceitação das partes34.
BIBLIOGRAFIA BELEZA, Teresa Pizarro e PEREIRA DE MELO, Helena A mediação penal em Portugal, Lisboa, 2012. DIAS, Jorge de Figueiredo Direito Penal – Parte Geral, tomo I, 2007. DIAS, Jorge de Figueiredo Direito Penal Português – Parte Geral II – As consequências jurídicas do crime, Coimbra. PALMA, Maria Fernanda “Do sentido histórico do ensino do Direito Penal na Universidade Portuguesa à actual questão metodológica”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 1999. PALMA, Maria Fernanda “O problema penal do processo penal”, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, 2004. PALMA, Maria Fernanda Direito Penal – Parte Geral, 1994.
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JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Geral, tomo I, p. 60.
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Artigo [????]
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Novas Tendências do Direito do Urbanismo
RECENSÃO CRÍTICA NOVAS TENDÊNCIAS DO DIREITO DO URBANISMO Recensão do livro: OLIVEIRA, FERNANDA PAULA,“Novas Tendências do Direito do Urbanismo – De um Urbanismo de Expansão e de Segregação a um Urbanismo de Contenção, de Reabilitação Urbana e de Coesão Social”, Almedina, 2012. por Ana Filipa Urbano [aluna do 4º ano de Licenciatura da FDL] Da Escola de Coimbra surge-nos uma “nova tendência”, através das palavras de uma grande especialista em Direito do Urbanismo a Professora Doutora Fernanda Paula Oliveira1. Esta nova disciplina permite ao jurista refletir sobre novas realidades jurídicas, porque o Direito de hoje, e ainda mais o de amanhã, tende a especializar-se e adaptar-se às exigências de uma sociedade em constante mutação.
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Professora auxiliar da Faculdade de Direito de Coimbra, onde leciona as disciplinas de Direito do Ordenamento e do Urbanismo, Direito Administrativo I e Direito Administrativo II no 1º Ciclo da Licenciatura em Administração Público-Privada; Gestão Urbanística, no 2º Ciclo do Mestrado em Administração Público-Privada e no Curso de Mestrado em Administração Empresarial; e Direito Público I, no 2º Ciclo do Mestrado de Ciências Jurídico Forenses da Faculdade de Direito; o seu brilhante percurso académico conta também com a leccionamento no ensino pós-graduado na Faculdade de Economia da Universidade do Porto e Faculdade de Direito da Universidade do Porto; colaborou em programas de mestrado no Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; o seu contributo reflete-se na formação das magistraturas no CEJ.
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O Direito do Urbanismo não prossegue os seus objetivos de forma solitária, existe um caminho que o une a outros ramos importantes do Direito, veja-se o Direito Administrativo pois embora assuma cada vez mais um lugar autónomo e independente, todo o procedimento em questões urbanísticas é um procedimento administrativo existe uma relação jurídico administrativa; o Direito Constitucional; o Direito da União Europeia pois integramos uma realidade que emite diretivas, regulamentos e outros mecanismos de controlo e harmonização. Temos assim uma disciplina transversal que se enquadra na panorâmica do Direito Público, mas não se confunde com o direito do ordenamento do território, de comum apenas têm o objeto, o território. Centre-se a atenção para a palavra “Cidade”, segundo os ensinamentos de ARISTÓTELES “A cidade é, pois, uma realidade composta, da mesma maneira que o são todas as outras coisas que, não obstante possuírem diferentes partes, formam um todo composto”2. Mas será que o Direito do Urbanismo é tão rígido que trata apenas a cidade como foi pensada pelos clássicos ou poderá ser feita uma atualização do mesmo conceito e alargar o objeto desta disciplina? A doutrina diverge quanto à definição do que é o Direito do Urbanismo, perante esta questão, considerem-se três orientações possíveis3-4.
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Aristóteles, 1998. Dentro delas uma primeira de cariz restrito que vê a prossecução de uma política pública setorial que define os objetivos e os meios de intervenção no ordenamento reacional das cidades; em segunda linha uma conceção intermédia que encontra a finalidade num correto ordenamento da ocupação, utilização e transformação dos solos para fins urbanísticos. Conceção defendida por Cláudio Monteiro, 1995. Por último uma perspetiva ampla que trata esta disciplina como percussora da disciplina da expansão e renovação dos aglomerados populacionais, o complexo das intervenções no solo e das formas de utilização do mesmo que dizem respeito às edificações, valorização e proteção das belezas paisagísticas, parques naturais, centros históricos. FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, 2012. 4 Importa também realizar um enquadramento constitucional do tratamento desta matéria urbanística, analisem-se os artigos 9º, 65º e 66º da CRP. 3
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Novas Tendências do Direito do Urbanismo
A autora propõe com esta obra compilar lições, agora numa segunda edição atualizada, apresentando as mesmas de forma apelativa, assumindo um cariz complementar para a compreensão do Direito do Urbanismo. Quanto à metodologia desta obra, torna-a num auxiliar, ao leitor é garantida uma orientação e esclarecimento ao longo da obra, tal como um apoio trazido por um separador respeitante à orientação de estudo. Conforme indica o título da obra, trata-se do Direito do Urbanismo sob três grandes paradigmas: a contenção, reabilitação e coesão social. Comecemos pelo primeiro que se refere à contenção. Assiste-se hoje a grandes problemas no Direito do Urbanismo Português ao nível do território, da rede urbana e municípios e ainda no plano da organização da administração pública, veja-se a ausência de organismos ou a dificuldade de articulação no funcionamento de diversas instituições (pp. 47 a 50). A crítica é feita referindo os problemas mas também são apresentados os caminhos a seguir para a superação dos mesmos, o que é aqui proposto como grande medida é a valorização dos Municípios5. Outra dificuldade prende-se com a desarticulação de mecanismos previstos no RJIGT e no RJUE6, no que se refere ao modelo de gestão urbanística para que apontam. A autora soluciona, e bem, este problema através da harmonização destes regimes mediante o estatuto jurídico dos distintos tipos de solos.
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“(...) terão de assumir uma posição mais vincada e proactiva, (...) programam, coordenam e controlam (p. 59). Com todas as falhas assinaladas aos PDM’s surge um território “disperso da ocupação urbanística” (p. 53). A autora não responsabiliza os municípios por todas estas consequências negativas, embora sejam as entidades competentes para efeitos de organização do território, cabe ao legislador criar meios de orientação em sede de legislação específica. 6 Regime Jurídico de Integração e Gestão do Território – RJIGT e Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – RJUE.
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Chegados ao segundo pilar que sustenta este estudo, propõe-se centrar o discurso em torno da reabilitação urbana7 que incide sobre áreas previamente definidas pela entidade pública responsável, o município, mediante a ponderação estratégica de fatores culturais e sociais, veja-se a necessidade de proteção do património cultural e a ausência de infraestruturas e espaços verdes em áreas periféricas. Nesta sede existe uma grande alteração a nível procedimental que é totalmente desconsiderada pela autora em termos de inovação visto que os resultados práticos são semelhantes, não obstante existir uma flexibilização na delimitação das áreas a reabilitar a sua concretização é remetida para uma fase posterior existindo um sistema faseado que também já existia no regime inicial mas sob forma “encoberta”. Quais os argumentos da autora para sustentar esta posição? Em primeiro lugar, a determinação deveria ser associada à exigência da determinação dos objetivos a prosseguir, da estratégia de intervenção, das opções do desenvolvimento do município e da escolha da entidade gestora, contudo só se pode reabilitar uma área apos aprovação da respetiva operação de reabilitação o que leva a que exista impreterivelmente uma decisão complexa à semelhança do que já existia no regime antigo (pp. 92 a 95)8. Importa referir o último pilar desta tese aqui (re)pensada, sendo o ponto mais importante – a Coesão Social. O tratamento de um Direito do Urbanismo moderno com preocupações no que se refere à sustentabilidade social9. Consciente das novas realidades e desafios da atuação administrativa, foca-se essa parte do estudo no Principio da sustentabilidade10 na vertente
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Cujo regime jurídico sofreu alterações pela Lei 32/2012 de 14 de Agosto. O procedimento de delimitação das áreas de reabilitação é prévio à aprovação da operação de reabilitação, patente no artigo 13º da Lei 32/2012 e como é dito pela autora é meramente facultativo, regra geral aplica-se ainda o procedimento originário através do plano de pormenor e de instrumento próprio. 9 Nas palavras da autora “Urbanismo de coesão social no quadro de um desenvolvimento sustentável” (p. 133). 10 A este propósito veja-se a opinião de Miranda, 2012: “No âmbito da prossecução de tarefas urbanísticas, o (...) sobressai hoje como princípio cardeal da política pública urbanística. Em resposta à crise ética do urbanismo, patente na ideia de uma expansão urbana sem limites, apela-se agora ao crescimento sustentável das cidades e à prevalência de um urbanismo qualitativo sobre o urbanismo quantitativo. E a todas as pessoas se procura assegurar o direito à cidade”. 8
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económica, ambiental e social. É precisamente sobre este último aspeto social que a autora se propõe desenvolver e demonstrar que podem existir muitas implicações em outras áreas da sociedade que não somente a qualidade de vida e questões meramente organizacionais das cidades, veja-se a segregação espacial urbana que origina exclusão e injustiça social, que pode despoletar na constituição de guetos, futuros focos de violência e agravar a criminalidade. Faz do Direito do Urbanismo um direito transversal11 que toca no núcleo de outros ramos ou especialidades do Direito. É uma visão moderna, que assim pensada e implementada num futuro, faz e fará deste ramo de atuação jurídica um defensor e garante da paz social e interventor ativo para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. (p. 138). Não é entre nós desconhecido o fato de o Estado de Direito Democrático por vezes realizar discriminações positivas para garantir a proteção de grupos minoritários e dotados de fragilidade, é isto que se entende por consagração plena e efetiva do Principio da Igualdade patente no artigo13º da CRP. Por outro lado as políticas de reabilitação urbana como instrumento de coesão e fomento da participação cívica dos cidadãos nestes processos, a participação dos interessados no planeamento urbanístico é uma garantia constitucional, consagrada no artigo 65º no seu nº 5 da CRP. Sejamos claros: uma tese como a que a autora sustenta encontra ainda entraves numa administração pública burocratizada e que evidencia limitações quanto ao apuramento desta sustentabilidade e também elevados custos inerentes, o que a autora propõe tem mérito mas carece de um grande trabalho a título legislativo e na concretização pelas instituições administrativas competentes. Aliar questões sociais ao Direito do Urbanismo é inovador e fundamenta a essência do Direito, pode-se mesmo concluir que o Direito serve a Sociedade e a Sociedade serve o Direito. Nas palavras de Soren Kierkegaard – “A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida olhando-se para a frente”, o Direito tal como a vida só pode ser
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Direito Penal, Direito da Saúde, Direito do Ambiente, diríamos de forma mais audaciosa que transcende a questão jurídica e colabora com outras áreas como o a psicologia e a sociologia.
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compreendido olhando-se para trás mas só pode ser vivido, ou seja, um verdadeiro Direito olhando-se para a frente. Esta obra traça um novo caminho para o Direito do Urbanismo que é a vertente social. Por todas estas razões, saúde-se o contributo da Professora Fernanda Paula Oliveira. Bibliografia utilizada Obra principal:
OLIVEIRA, Fernanda Paula “Novas Tendências do Direito do Urbanismo – De um Urbanismo de Expansão e de Segregação a um Urbanismo de Contenção, de Reabilitação Urbana e de Coesão Social”, Almedina, 2012. Obras auxiliares:
AMARAL, Diogo Freitas do “Ordenamento do Território, Urbanismo e Ambiente: objeto, Autonomia e Distinções”, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, nº 1, 1994, p. 17. ARISTÓTELES Política, Lisboa, 1998, veja: pp. 53 e 58. CORREIA, Fernando Alves “Manual de Direito do Urbanismo”, 2000 e última edição 2012, p. 63. MIRANDA, João “A função publica urbanística e o seu exercício por particulares”, Coimbra Editora, 2012. MONTEIRO, Cláudio “O embargo e a Demolição no direito do urbanismo”, 1995, assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 72
Novas Tendências do Direito do Urbanismo
OLIVEIRA, Fernanda Paula “Proteção Civil e Ordenamento do Território: A necessária consideração dos Riscos no planeamento territorial”, in Cadernos Municipais Electrónicos da Fundação Respublica, 2010, pp. 1-19. “Programar, Para Quê e Como?”, in Encontro Anual da Ad Urben 2012 dedicada ao tema A Programação na Gestão Urbanistica. GOMES, Carla Amado “Estudos de Direito do Ambiente e de Direito do Urbanismo”, ICJP, 2011. GOMES, Carla Amado “O procedimento de licenciamento ambiental revisitado”. MEALHA, Esperança “Seleção de jurisprudência constitucional em Ordenamento do Território e Urbanismo”.
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Direito de Conflitos Sucessórios: Alguns Problemas
RECENSÃO CRÍTICA DIREITO DE CONFLITOS SUCESSÓRIOS: ALGUNS PROBLEMAS Recensão do livro: ALMEIDA, JOÃO GOMES DE, Direito de Conflitos Sucessórios: Alguns Problemas, Almedina, Coimbra, 2012. por Maria Francisca Schubeius de Landerset Gomes [aluna do 4º ano de Licenciatura da FDL] I – A obra que se oferece analisar surge na sequência da tese de mestrado
do autor, realizada na área de Ciências Jurídico-Empresariais, na Faculdade de Direito de Lisboa, tendo tido como orientador da mesma o Professor Doutor Luís de Lima Pinheiro. O autor propõe-se analisar questões a nível geral e a nível especial do fenómeno sucessório nas relações privadas internacionais. No texto começa-se precisamente por questionar a adopção de um princípio da unidade da sucessão ou de um princípio da pluralidade de estatutos sucessórios. Como refere o autor, o sistema jurídico português adopta o primeiro. O mesmo é dizer que será aplicável apenas uma lei para regular quer situações relativas a bens móveis, quer a bens imóveis, independentemente de onde estes se encontrarem. Após uma análise histórica e de sistemas jurídicos estrangeiros, o autor acaba por concluir que este é o princípio que traz menos inconvenientes, em contraposição com o princípio da pluralidade de estatutos sucessórios, que se distingue pela separação entre duas massas de bens: bens móveis (independentemente de onde se encontrarem) e tantas massas de bens imóveis quanto aqueles que o de cujus tem “espalhados pelo Mundo”. 75
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De facto, não podemos deixar de concordar. A adopção de um princípio da pluralidade de estatutos sucessórios traz problemas quer ao nível de qualificação, quer ao nível da validade substancial do testamento. Não esquecendo, como adverte o autor, que a adopção deste princípio pode levar a que o de cujus beneficie algum ou alguns dos seus sucessores em detrimento de outros ou mesmo que o autor da sucessão fique sem saber qual das leis se irá aplicar a certos bens – problema este que põe em causa a segurança jurídica e a previsibilidade das situações. Após a análise e consequente escolha do princípio da unidade da sucessão como princípio estruturante das sucessões em DIP, na obra analisa-se uma série de excepções ao mesmo. Destaca-se a questão do reenvio, que afasta a aplicação do princípio da unidade da sucessão em prol do princípio da harmonia internacional. Evidencia-se ainda a questão das normas de aplicação imediata, tendo o autor abordado a questão de saber se os tribunais do Estado do foro estão obrigados a empregar as normas de aplicação imediata da lei onde se encontram os bens objecto da sucessão ou se esta aplicação é facultativa ou meramente conveniente. O autor propõe, deste modo, que esta aplicação seja obrigatória. II – Prossegue o autor na análise de outro problema que é o de saber qual o elemento de conexão mais adequado para resolver questões relativas ao estatuto pessoal: a lei do domicílio ou residência habitual (lex domicilli) ou a lei da nacionalidade.
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JOSÉ GOMES DE ALMEIDA começa, então, por lembrar que a opção por uma ou por outra conexão poderá dever-se a questões meramente políticas ou demográficas (por exemplo, um país com muita emigração tenderá a optar pela lei da nacionalidade e um país com muita imigração optará por escolher a lei da residência habitual ou do domicílio). Mas descortinam-se também razões jurídicas, como não podia deixar de ser. O elemento de conexão nacionalidade traz vantagens de estabilidade, menos facilidade de fraude à lei, maior certeza e determinabilidade. O elemento de conexão lex domicilli traz vantagens de natureza mais prática: é no local da residência habitual que se encontra o centro da vida do indivíduo; mais facilmente se escolhe onde vivemos do que a nacionalidade que temos; a tutela de interesses
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de terceiros, sendo mais comum que os indivíduos estabeleçam relações com terceiros no círculo mais próximo da sua residência habitual. No entanto, tal como sublinha o autor, nenhum destes critérios está isento de críticas, sendo que qualquer um deles poderá ser posto em causa facilmente. Portanto, JOSÉ GOMES DE ALMEIDA não hesita quando diz que o critério mais correcto será o político, consoante o Estado em questão tenha mais emigração ou imigração. Apesar de o autor, neste ponto, se ter afastado mais daquele que é o objecto de estudo da sua dissertação – o fenómeno sucessório no DIP – não podemos negar o importante contributo a nível científico que o autor proporcionou com esta análise, procedendo a um exaustivo aprofundamento teórico e prático de cada uma das vantagens e desvantagens na adopção de um e de outro critério. III – A terceira questão geral que o autor analisa é o da escolha da lei aplicável ou professio juris. Após uma análise dos sistemas jurídicos dos Estados da UE, o autor analisa o sistema jurídico português. Como é sabido, em matéria de estatuto sucessório, a lei portuguesa (leia-se, o artigo 62º do CC) não permite que o de cujus escolha a lei aplicável à sua sucessão. No entanto, a doutrina tem discutido se poderá escolher a lei aplicável à interpretação das disposições testamentárias. Por um lado, o autor traz à colação a posição dos PROFESSORES MARQUES DOS SANTOS e MOURA RAMOS que aceitam, com base no artigo 64º, alínea a, do CC, que o de cujus escolha uma lei aplicável à interpretação do testamento. Por outro lado, recorda-nos a posição dos PROFESSORES LIMA PINHEIRO e FLORBELA PIRES, que defendem o contrário daqueles outros. O autor propugna pela segunda posição, com base no que havia sido dito no anteprojecto. JOSÉ GOMES DE ALMEIDA procede, então, a um minucioso estudo do Livro Verde sobre as Sucessões e os Testamentos, em que a Comissão Europeia defendeu que a professio juris será de admitir, mas deverá limitar-se a certas leis – as que estabeleçam uma conexão significativa com a situação da vida, limitando-se estas às leis da nacionalidade e da residência habitual. Por outro lado, o autor rejeita a escolha de uma lei parcial, ou seja, de harmonia com o princípio da unidade da sucessão, o de cujus deve limitar a sua escolha a uma e única lei reguladora da sucessão.
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IV – Entrando agora nas questões especiais de fenómeno sucessório no DIP, a primeira que mereceu a atenção do autor foi a da capacidade, particularmente, a de saber se a capacidade para testar deve ou não ser submetida à lex sucessionis. No nosso ordenamento, a capacidade para testar vem prevista no artigo 63º, nº 1, do CC, em que o legislador optou pela aplicação da lei pessoal e não pela lex sucessionis. No entanto, a proposta de Regulamento da UE a que o autor se vem referindo propugna pela aplicação da lex sucessionis, solução esta que é criticada na obra, advertindo que permitirá que o autor da sucessão escolha a lei aplicável à sua capacidade para testar. Ora, tem razão o autor no que diz, pois podemos incorrer em situações de imprevisibilidade e insegurança jurídicas. Portanto, JOSÉ GOMES DE ALMEIDA é da opinião de que a capacidade deve ser regulada pela lei pessoal e o momento da sua determinação é o da realização da disposição testamentária. Quanto à validade formal, o autor propõe que a uniformização desta questão pela UE seja feita de acordo com o princípio do favor negotti. De facto, é uma solução aceitável, uma vez que é um dos princípios estruturantes do sistema de DIP português, mas também tem relevo inegável no Direito da UE. O autor aborda, em seguida, a questão do testamento de mão comum e dos pactos sucessórios, sendo que o primeiro é proibido em Portugal e em muitos países da UE, ao passo que o segundo é admitido em Portugal, mas não em muitos dos Estados da UE. Assim, na obra propõe-se que a sua admissibilidade seja analisada pela lei aplicável à sucessão no momento em que se dá a celebração de cada um.
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V – É de louvar o esforço do autor em trazer sempre propostas de unificação das questões sucessórias no DIP. Cada vez mais se torna urgente, principalmente no âmbito da UE em que se facilita e promove a liberdade de circulação de pessoas, bens e capitais, que as regras relativas, não só a fenómenos sucessórios, mas também a estatuto pessoal, sejam unificadas. Num Mundo como o que temos hoje, em que a probabilidade de nascermos, trabalharmos e morrermos em Estados diferentes é cada vez maior, há que zelar pela segurança no tráfego jurídico e na previsibilidade das situações, assim como
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no favorecimento da validade de negócios jurídicos. Isto sem esquecer aquele que é um dos princípios estruturantes do DIP: a harmonia internacional. Neste sentido, é de aplaudir a dissertação do Dr. JOSÉ GOMES DE ALMEIDA, na medida em que trouxe um contributo, quer a nível científico, quer a nível académico, para o estudo e aprofundamento geral e especial do fenómeno sucessório no DIP.
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RECENSÃO CRÍTICA A IRONIA DO PROJETO EUROPEU Recensão do livro: TAVARES, RUI, A Ironia do Projeto Europeu, Tinta da China, 2012. por João Freitas Mendes [aluno do 4º ano de Licenciatura da FDL]
1. O livro A ironia do projeto europeu, publicado em Novembro de 2012, é um ensaio da autoria de Rui Tavares, sem precedente do género do mesmo autor, que assume (p. 15) ter colhido inspiração para o título na obra “A ironia da história americana”, de Reinhold Niebuhr (2008). O autor é historiador e deputado ao Parlamento Europeu desde 2009 (eleito nas listas do Bloco de Esquerda e hoje deputado independente, integrando o Grupo parlamentar dos Verdes/ Aliança Livre Europeia). A primeira parte da frase anterior releva directamente no livro, dado que encontramos testemunho vivencial do político e referências temporais e bibliográficas desenvolvidas do historiador, sendo tarefa difícil, senão impossível, descortinar onde começa acaba um e começa outro. Mas já não releva directa e concretamente na obra, por outro lado, o posicionamento político do autor, (com excepção de oito páginas no derradeiro capítulo décimo – pp. 280-288 – em que o autor reflecte sobre a “esquerda partida ao meio” e estabelece a necessidade de ligar o socialismo às correntes do libertarismo e do ecologismo), pelo facto de no essencial, entre diagnóstico e soluções para o estado de coisas na União Europeia (U.E.) de hoje, não se divisar senão um indisfarçável (aliás, confesso) pulsar pró-europeísta, insusceptível de ser acantonado na summa divisio política do nosso contexto.
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O livro está dividido em 10 capítulos com vida própria entre si, sendo que nos capítulos 2 a 4 o pendor predominante é histórico e de diagnóstico; nos capítulos 1, e 5 a 7, são equacionadas questões-chave da actualidade (respectivamente: a linguagem e a política europeias; a crise e os modos de vida; a solidariedade nos textos e acções europeias; o novo tratado orçamental); nos capítulos 8 a 10 apresentam-se, de modo declarado, soluções.
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2. O autor parte da demonstração de que a situação que vivemos não é nova, traçando um paralelo histórico entre a actual situação político-institucional da U.E. e a situação da Europa no pré-1ªguerra mundial, que é levado a ponto de, além de identificar (falta de) condições conjunturais similares (maxime, “finança descontrolada e legitimidade política esvaziada”, p. 11), se dizer que existia então “o mesmo potencial humano e a mesma capacidade para criar e atiçar demónios que temos hoje” (p. 12). Isto torna claro um pressuposto antropológico-racional, condutor de toda a obra, a partir do qual a História é resultado de escolhas humanas (maxime, p. 290) – e se o ónus é assim posto no Homem, assim o sonho europeu será feito ou desfeito pelo Homem... Dessa premissa é extraída como consequência lógica a tese de não serem irrepetíveis as (in)decisões trágicas do séc. XX europeu, conferindo actualidade preocupante à guerra e à paz entre europeus, donde ressalta a importância da União Europeia como projecto de paz na génese (maxime através das palavras de Robert Schuman, p. 54). Outro pressuposto de que parte o autor é a assunção de um conceito antigo de crise regeneradora e transformadora – de origem grega em uso médico, referenciada como um momento de evolução de uma doença em que o paciente pode ficar muito pior ou muito melhor (p. 28) – em que encontra esperança para “algo de muito melhor” (idem): a regeneração da União Europeia. Esta passa, para Rui Tavares, entre outras coisas, pela reformulação da linguagem e da maneira de fazer política, na qual situa como primordial o debate de ideias, conquanto seja levado a cabo pelos cidadãos (a preocupação com a temática da participação política dos cidadãos europeus é recorrente na obra) e seja progressista (pp. 29-30). Progressista no sentido de não repetir estratégias desgastadas e desacreditadas (como seja “a tragédia dos pequenos passos”, v. abaixo, sobre o capítulo 2) – porque conducentes ao actual estado de coisas.
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O ensaio é escrito a dois tempos: diagnóstico e soluções. Primeiro, diagnosticando os problemas da actual União Europeia: tal é realizado pela consideração desta em termos que, para um ensaio de 291 páginas, são exaustivos – nas suas dimensões institucional, política e histórica (com maior vulto esta última), frequentemente com esteio em contributos de autores contemporâneos – umas vezes científicos (por ex., James K. Galbraith, J.M. Keynes, M. Poiares Maduro); outras vezes literários (Italo Calvino, George Orwell, Nikolai Gogol, E.T.A. Hoffmann, etc.). Aliás, salienta-se a bibliografia presente no fim da obra (pp. 293-301) e a maneira de citar amiúde com contextualização histórica e releitura crítica desenvolvida sobre a obra e autor citado, de utilidade didática e pedagógica (v., por exemplo, quanto a Reinhold Niebuhr e sua obra já referida, desenvolvidamente, pp. 110-114). Depois, aqui já de forma mais abreviada, o autor propõe soluções como sejam a federalização da dívida (de que seria garante a U.E., através do BCE, pp. 193 e segs.), a criação de uma agência de relançamento da economia dos países sob planos de resgate (a denominar por “Projeto Ulisses”, pp. 203 e ss.), a criação de “Universidades da União” (sedeando as primeiras em Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, pp. 211 e segs.), a assinatura de um “Pacto Democrático para a União” (por pensadores, políticos e “milhões de cidadãos europeus”, pp. 217 e ss.). 3. Especial relevo assumem, no (con)texto desta Revista – por força das teses apresentadas, especialmente aliciantes para o estudante de Direito da União Europeia – os capítulos 1 e 2 do livro. No capítulo 1, o autor estabelece relação directa entre a má política praticada e má linguagem utilizada ao nível da U.E, partindo da leitura do ensaio “Politics and the English Language”, de George Orwell, dizendo que a segunda visa mascarar a primeira. A este propósito, destrinçando, refere também que o problema “é de linguagem e não de língua” (p. 40) (defendendo detidamente, nas pp. 40-44, a diversidade linguística como elemento de cultura inerente à U.E.). Prossegue, revalorizando o problema da linguagem – que rotula de “fatal”, porque passível de dividir perigosamente a sociedade entre crédulos e incrédulos (p. 49), sendo que se os primeiros acreditariam nas instituições sem as compreender, já os segundos não acreditariam em nada; a isto opõe a necessidade da dúvida (“de sermos crédulos e incrédulos ao
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mesmo tempo”, p. 50) concomitantemente a uma clarificação da linguagem, que rompa o estado de coisas em que esta serve de desculpa para a “má política”. No capítulo 2, Rui Tavares apresenta visão crítica quanto ao método dos pequenos passos schumanianos, declarando o seu óbito como necessário: com o tempo os pequenos passos deixaram de ser uma maneira de se fazer a Europa e a Europa passou, em vez disso, a ser uma sucessão de passos pequenos. Partindo da releitura da Declaração Schuman, nota inexistir nesta a expressão “pequenos passos” (pp. 69-70), alegando que tem sido feita uma interpretação conveniente da expressão “não se fará de um só golpe”. Apresenta, em retrospectiva, a ideia central de que houve uma especialização nos compromissos que é perniciosa, porque transformou o ponto de partida (para as “solidariedades de facto”) num fim em si mesmo, donde estabelece uma distinção entre os pequenos passos que contêm “o germe da grandeza” (p. 63) e os pequenos passos que revelam falta de imaginação e mesquinhez, a partir da qual torna claro que aqueles já não existem mais. Que ironia é, então, a do projecto europeu? Da leitura da obra resulta que não existe uma só ironia, mas várias ironias – que vistas e somadas (sob a lente do diagnóstico), perfazem, a posteriori, o resultado que titula o livro: a ironia do projecto europeu. Tal, não obstante a densificação conceptual realizada por Rui Tavares, que vem revalorizar o conceito (pp. 12, 108-110) e, no fundo, alargá-lo, de forma confessa, considerando abranger três categorias: além da “ironia linguística” (que, numa acepção estrita, preencheria o conceito em apreço), também a “ironia contextual ou situacional” e a “ironia do destino”. Escreve o autor (p. 109): “Elas podem não ser ironias, mas chamamos-lhe assim porque é “como se fossem ironia”, ou seja, como se a história ou o destino nos quisessem dizer qualquer coisa de forma irónica”. E ainda, sem embargo de, segundo Rui Tavares, haver uma ironia cimeira, que se prende com o momento de crise ser na verdade um momento de esperança (de regeneração, v. o que se disse acima em relação ao entendimento clássico do conceito de crise perfilhado na obra) por permitir, sendo ultrapassada, alcançar um estágio de desenvolvimento muito superior. 84
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Não deixa de poder pensar-se que esta ironia configura uma escolha vocabular eufemística face aos males diagnosticados à U.E., sendo que esta vale na obra enquanto “guarda-chuva” onde, por via do entendimento lato do conceito que é seguido, se abrigam todos os sintomas. Mas observe-se que este eufemismo não é opção de estilo sem mais, mas uma opção política (em sentido lato), quanto à mensagem a passar. Vejamos: referir a ironia do projeto europeu equivale a encontrar nestas linhas uma visão desiludida, monocromática ou pessimista? Ao contrário do que possa pensar-se à primeira vista, não; a perspectiva adoptada é, fundamentalmente, optimista. Na verdade, o papel de conceito-chave dado à ironia parece acabar, no fundo (qual eufemismo), por suavizar o confronto com a árdua tarefa a que se propõe o ensaio – isto é, tornar simples (quase palpável no capítulo 8 entitulado “Será possível resolver os problema da UE numa folha A4?”) e alcançável o que é, à vista de muitos, difícil: desfazer o novelo europeu. Escreve Rui Tavares (p. 12): “Mas uma ironia também se pode desfazer com uma palavra. Descobriremos então que não há fatalidade alguma que nos mereça otimismo nem pessimismo em estado puro, mas apenas (...) dependentes do sentido em que nos persuadirmos a olhar as coisas.” 4. E por aqui ficamos – mas não quedamos. Em face do impactante influxo europeu quotidiano, poderá dizer-se ser esta uma recensão ironicamente breve? Julgamos que sim.
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COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO STJ DE 15 DE JANEIRO DE 2013 por Rodrigo Mourão [aluno do 4º ano de Licenciatura da FDL] Penhora de bens do cônjuge do executado, entretanto divorciado deste último – possibilidade de dedução de embargos de terceiro ou necessidade de citação ao abrigo do artigo 825º, nº 1 do Código do Processo Civil? Uma análise à luz do Acordão de 15 de Janeiro de 2013 do Supremo Tribunal de Justiça ( Processo nº 6735/09.5YIPRT-B.G1.S1). Ponto 1: Objeto do Acordão
No acordão em análise, “AA, Limitada”, munida de sentença condenatória apenas contra BB ( e não a sua cônjuge CC) intentou execução para pagamento de quantia certa contra BB, tendo penhorado imóvel onde CC residia (e respectivo recheio). Tal penhora mostrou-se definitivamente inscrita no registo por apresentação datada de 2 de Julho de 2010. Para além disso, foi CC citada por carta registada com aviso de recepção expedida na sequência da penhora, em 18 de Outubro de 2010, para, em 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tivesse sido requerida, sob pena da execução prosseguir nos bens comuns, nos termos do artigo 825º do Código de Processo Civil. Entretanto, foi efectuada transacção no inventário para partilha dos bens que integravam o património comum do dissolvido casal, tendo sido os bens penhorados adjudicados à embargante. No entanto, CC deduziu embargos de terceiro por tal penhora ofender a sua propriedade. Alegou também não poder ser citada ao abrigo do dispositivo do artigo 825º CPC por já não ser cônjuge do executado, devido a dissolução do vínculo matrimonial por divórcio, tendo sido este registado, por averbamento, em 12 de Março de 2010.
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Tendo a Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga julgado os embargos improcedentes, CC (embargante) apelou para a Relação de Guimarães que, contrariamente, decidiu pela procedência dos embargos, determinando o levantamento das penhoras. Não estando AA (exequente/ embargado) satisfeito com a decisão, pediu revista, por sua vez, ao Supremo Tribunal de Justiça, onde foi proferido o acordão que agora se analisa, onde foram julgados novamente improcedentes os embargos (fazendo prevalecer a decisão da 1ª instância). O STJ estruturou a sua decisão nos seguintes pontos: 1. embargos de terceiro – evolução e dogmática; 2. embargos de terceiro do cônjuge; 3. “in casu” e; 4. conclusões. Discussões acessórias à parte, é possível descortinar a seguinte questão nuclear em juízo: o artigo 825º CPC também se aplica ao ex-cônjuge do executado (porque já divorciado deste) ou dever-se-á antes admitir a dedução de embargos de terceiro? Assim, tendo sendo por base o acordão referido, farei uma análise desses dois momentos processuais, para aferir da bondade do entendimento do STJ, assim como da posição da embargante. Ponto 2: Embargos de terceiro de cônjuge já divorciado?
Como se referiu, o STJ começa por fazer uma leitura da evolução e dogmática dos embargos de terceiro, assim como dos embargos de terceiro do cônjuge, concluíndo (no seu ponto 2.2) que o cônjuge do executado pode embargar de terceiro relativamente aos bens próprios e aos bens comuns que tenham sido atingidos pela diligência judicial (quanto aos bens comuns, tal só será possível se não tiver sido citado ao abrigo do artigo 825º CPC, como se afirma no 3º parágrafo do ponto 2.1 do acordão). Em síntese, haveria que percorrer o seguinte caminho: verificar contra qual dos cônjuges foi movida a execução; determinar a natureza da dívida exequenda; apurar se os bens penhorados são comuns ou próprios do cônjuge do executado; verificar se, no caso de serem comuns, e a execução tiver sido movida apenas contra um dos cônjuges, o não executado foi citado para requerer a separação de bens ou declarar se aceita a comunicabilidade da dívida. 90
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No entanto, é no seu ponto 3.1 (denominado “in casu”) que o tribunal levanta um ponto decisivo: à data da penhora, CC ainda não tinha sequer requerido a partilha de bens com BB. Ou seja, o registo de divórcio não altera, automaticamente, o regime de bens cônjugal. Conclui portanto o STJ que “o cônjuge do executado não podia defender, pela via dos embargos de terceiro, o direito aos precisos bens que,mais tarde, por força da partilha, transitaram do património comum para o acervo dos seus bens próprios”. Poder-se-á então retirar deste entendimento que os embargos de terceiro são para defesa de direitos relativos a bens próprios e, antes da sentença homologatória da partilha, não se sabe se tais bens serão adjudicados ao executado ou ao seu ex-cônjuge... Como tal, tais bens não poderiam ser considerados bens próprios do ex-cônjuge do executado por altura da sua penhora, não se podendo admitir a dedução de embargos de terceiro. Ponto 3: Necessidade de citação do ex-cônjuge do executado ao abrigo do artigo 825º CPC?
É com base no entendimento anteriormente exposto de que, sem a divisão e partilha do património comum, o divórcio por si só não opera automaticamente a alteração do regime de bens, que o STJ acaba por retirar razão à alegação da embargante CC, defendendo antes a necessidade da sua citação ao abrigo do artigo 825º CPC. É assim que, no parágrafo 13 do ponto 3.1, refere que “o preceito, utiliza o conceito de cônjuge independentemente da dissolução do casamento mas até à data da divisão e partilha do acervo patrimonial que, nuclearmente, é o que aqui está em causa”. Sumarizando e fazendo a ligação entre os vários pontos do acordão, o STJ conclui pelo seguinte: 1 – o ex-cônjuge do executado não poderá socorrer-se dos embargos de terceiro para defesa de bens “pretensamente próprios” a não ser que já tenha havido lugar a divisão e partilha de bens pois, até lá, tais bens continuam a ser comuns; 2 – terá o ex-cônjuge que continuar a ser citado ao abrigo do artigo 825º CPC para declarar se aceita a comunicabilidade de dívida ou, em alternativa, para a rejeitar requerendo a separação de bens ou apresentando certidão comprovativa da acção em que a separação já tenha sido requerida, isto porque o preceito utiliza o
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conceito de cônjuge independentemente da dissolução do casamento mas até à data da divisão e partilha do acervo patrimonial; 3 – apesar do tribunal não o dizer directamente, poder-se-á entender, por maioria de razão, que o ex-cônjuge do executado só poderá então embargar de terceiro caso não tenha sido citado ao abrigo do artigo 825º CPC (por analogia com o estabelecido para o cônjuge do executado). Ponto 4: Análise do acordão e conclusões
Que pensar do douto entendimento do Supremo Tribunal de Justiça neste acordão? Apesar de, por um lado, se ter feito extensa explicação da evolução do incidente processual dos embargos de terceiro, por outro apresentou-se apenas mínima (ou quase nenhuma) explicação da finalidade da citação do cônjuge do executado ao abrigo do artigo 825º CPC. É que, uma vez rejeitada a possibilidade de embargar de terceiro, era quanto a este preceito que se tornava fundamental a verdadeira explicitação da também necessidade de citação do ex-cônjuge do executado (e não só do cônjuge), não se devendo o tribunal limitar a uma afirmação categórica de que a embargante não tinha razão por o dispositivo normativo utilizar o conceito de cônjuge até à divisão e partilha do património cônjugal... Cumpre, pois, ao intérprete, aferir dessa função da citação para poder concluir pela felicidade (ou não) da decisão do tribunal. Como bem diz Lebre de Freitas1 o sentido do preceito é duplo: por uma, permitir que caso o cônjuge do executado aceite a comunicabilidade da dívida (ou caso não aceite mas também não requeira a separação de bens nem apresente certidão de acção pendente- veja-se o artigo 825º, nº 4 CPC), se forme contra ele “um título exequível (...)2, mas mediante um procedimento bem
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LEBRE DE FREITAS/ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil – Anotado – Volume 3, Coimbra Editora, 2003, pp. 360-370. 2 Desde que o processo executivo não se funde em sentença (neste caso fundava-se), caso em que a questão deveria ter sido discutida na acção de condenação (ou dever ser discutida em futura acção declarativa de condenção que se venha a propôr contra o outro cônjuge). Neste sentido, LEBRE DE FREITAS/ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil – Anotado – Volume 3, Coimbra Editora, 2003, p. 368.
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mais expedito do que o do apuramento da comunicabilidade da dívida na oposição à execução”; por outra, caso o cônjuge do executado se oponha à comunicabilidade, propondo acção de separação de bens ou juntando certidão comprovativa da pendência da mesma, suspender-se a execução até que se verifique a partilha, de modo a que o cônjuge do executado possa exercer o direito de escolher os bens que pretende que lhe sejam adjudicados (podendo o exequente, nesse mesmo processo, reclamar contra a escolha feita ao abrigo do artigo 1406º, nº 1, al. d) CPC), para que haja substituição da penhora caso bens não caibam ao executado (artigo 825º, nº 7 CPC). Era este último ponto que o acordão deveria ter focado, explicitando que a inadmissibilidade de embargar de terceiro não desprotege a ex-cônjuge do executado (na medida em que ela não tem um direito próprio que possa defender), visto que a citação ao artigo 825º CPC tem também o sentido de suspender a execução desses bens para que, caso eles sejam adjudicados ao divorciado não executado (passando a constituir seus bens próprios, como sucedeu no caso sub iudice), se faça substituição da penhora para outros bens que tenham cabido ao executado, ao abrigo do seu nº 7. Assim, só se CC não tivesse sido citada ou se, tendo sido citada, se mantivesse a penhora sobre os bens mesmo depois de estes lhe serem adjudicados, é que esta poderia embargar de terceira: no primeiro caso para defesa do seu direito a ser citada ao abrigo do artigo 825º CPC3; no segundo caso para defesa do seu direito de propriedade, que é incompatível com a penhora. Com isto, vê-se que o grande argumento para a inadmissibilidade dos embargos de CC foi o facto de a partilha não ter sequer ainda tido lugar na altura em que se deu a penhora do imóvel onde residia (assim como do seu recheio), continuando estes a ser bens comuns. Se já tivesse tido lugar a partilha e os bens lhe tivessem sido adjudicados, a questão seria totalmente diferente e os embargos seriam totalmente procedentes, por estar em causa a
3 Neste sentido RUI PINTO, Elementos de Direito Processual Civil III – Volume II, versão em bruto, p. 312: “Neste caso, a penhora indevida dá-se ainda quando se penhora bem comum sem que o cônjuge seja citado como impõem os artigos 825º, nº 1 e 864º, nº 3, al. a), segunda parte. Relembre-se que tal se impõe mesmo quando os cônjuges já estejam separados, mas ainda perdure a comunhão de bens, por ausência de partilha”.
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defesa do direito de propriedade de alguém que é terceiro na acção e viu os seus bens penhorados. Da mesma maneira, é correcta a explicitação do Supremo Tribunal de Justiça de que o divórcio não produz, automaticamente, a alteração do regime de bens do casal separado, sendo necessária a partilha4. Assim, penso que é interessante concluir esta análise com a apresentação (até para efeitos pedagógicos) dos seguintes conjuntos de casos em é e não é possível ao ex-cônjuge do executado embargar de terceiro. Será possível ao ex-cônjuge do executado embargar de terceiro nas seguintes circunstâncias: a) Já ter tido lugar a divisão e partilha do património comum, tendo sido penhorado bem que lhe foi adjudicado (sendo seu bem próprio agora); b) Não ter ainda tido lugar a partilha do património comum, mas penhorar-se bem (ainda) comum sem que o ex-cônjuge tenha sido citado ao abrigo do artigo 825º CPC5; c) Ter o ex-cônjuge do executado sido citado ao abrigo do artigo 825º CPC, ter rejeitado a comunicabilidade da dívida (requerendo a separação de bens ou apresentando certidão comprovativa da pendência dessa acção), ter sido suspensa a execução dos bens comuns, ter-lhe sido algum dos bens adjudicado no processo de inventário e, ainda assim, ter sido mantida a penhora, em vez da sua substituição por bens próprios do executado;
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De facto, tornar-se-ia interessante ter acesso ao acordão do Tribunal da Relação de Guimarães (que, em segunda instância, julgou procedentes os embargos de CC), para poder aferir da validade e oportunidade dos argumentos utilizados a favor da ex-cônjuge do executado. Infelizmente, o acordão em análise do STJ não dá conta desses fundamentos, nem do número de processo e data desse mesmo acordão. Também não foi possível encontrá-lo online. O mesmo se diga da decisão em 1ª instância por parte do Tribunal Judicial de Braga. 5 Como já se disse, tal entendimento resulta de um tratamento analógico relativamente à situação de penhora de bem comum sem citação do cônjuge não executado, caso em que a doutrina admite a dedução de embargos de terceiro ao abrigo do artigo 352º CPC.
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Por maioria de razão, não será admitida a dedução de embargos de terceiro por parte do ex-cônjuge do executado no seguinte panorama: a) Não ter ainda tido lugar a divisão e partilha do património comum, ter sido o ex-cônjuge citado ao abrigo do artigo 825º CPC, ter rejeitado a comunicabilidade da dívida (requerendo a separação de bens ou apresentando certidão comprovativa da pendência dessa acção), ter sido suspensa a execução dos bens comuns, ter-lhe sido algum dos bens adjudicado no processo de inventário e ter-se levantado a penhora relativamente a esse bem (ou bens), sendo substituída por outros bens próprios do executado, dando-se integral cumprimento ao artigo 825º, nº 7 CPC6.
6
Obviamente que no caso de aceitação da comunicabilidade da dívida ao abrigo do artigo 825º CPC, não poderá depois o ex-cônjuge vir embargar de terceiro... Para além da dívida se ter tornado da responsabilidade de ambros os cônjuges e, como tal, por ela responderem primeiramente os bens comuns do casal (artigo 1695º, nº 1 CC) mesmo que já separado por divórcio (mas todavia ainda não separado de bens...), a dedução de embargos constituiria um venire contra factum proprium por parte do ex-cônjuge e, como tal, uma violação do princípio da boa fé.
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CRÓNICAS DA ATUALIDADE
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A Nova Universidade de Lisboa
CRÓNICA DA ATUALIDADE A NOVA UNIVERSIDADE DE LISBOA por João Marecos [aluno do 4º ano de Licenciatura da FDL] A fusão da Universidade de Lisboa com a Universidade Técnica de Lisboa cria a maior Universidade do País. Este facto, por si só, já deixa intuir que é História aquilo que presenciamos. O processo terminará em breve e deixará em todos a dúvida curiosa do que se seguirá; e se até agora a Universidade era uma realidade distante das Escolas, este novo orgulho de pertencer à “maior Universidade do país” pode bem ser o ponto de partida para uma nova consciência colectiva, um novo espírito, uma bandeira comum. Dois mundos complementares são agora um só e as oportunidades de mobilidade interna aumentam e têm, forçosamente, de ser promovidas. Porque enquanto aluno da Faculdade de Direito, terei todo o interesse em trocar a optativa A, leccionada em casa, pela cadeira B, dada no Instituto Superior de Economia e Gestão, ou pela disciplina C, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. E se para nós, estudantes de Direito, se expandem estas possibilidades de confronto com a Economia, a Gestão, as Ciências Políticas e Sociais, para outros colegas, das áreas da Saúde, da Geografia, das Ciências, as oportunidades não são menores. As Universidades, até aqui incompletas, encontram agora espaço para, juntas, oferecerem a variedade curricular que os tempos de hoje exigem. A multidisciplinariedade, por muitos tida como trave mestra para uma formação universitária de base, ver-se-á melhor servida. “Para ser grande, sê inteiro”. Agora, sim.
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Enfrentando a noção, pouco nossa, de “small is beautiful”, nascerá uma Universidade Pública de referência a partir de duas que já o são. E em tempos como os que atravessámos, é essencial que essa característica Pública da Universidade venha retumbantemente ao de cima: com novas residências a preços sociais, mais apoios sociais indirectos e um espírito de missão que Crie, não só Ciência, mas Oportunidades. Uma Universidade tão grande tem que estar preparada para receber todos os que nela entrarem, possam ou não pagar os estudos, sejam ou não ajudados pelo Estado. Terá de ser o exemplo óptimo de serviço público e aliar o ensino de excelência à excelência da acção social. Mobilidade e Oportunidade: eis as duas chaves que abrirão as portas a que a maior seja também a melhor. Os estudantes renovam-se todos os anos e daqui a uns poucos nenhum terá conhecido outra realidade. Assim, cabe aos que ficam, docentes e funcionários, derrubar preconceitos e abraçar uma Universidade que, por ser nova, será aquilo que quisermos que ela seja. Das duas que lhe deram vida, sobrará a história rica, as memórias dos que por lá passaram e a tranquilidade de saber que este passo, outrora impossível, não foi dado contra ninguém, mas a favor de todos. Como Sartre, a Universidade de Lisboa nasce para satisfazer a enorme necessidade que tinha de si própria. Nascida que está, resta apenas cumpri-la no seu desígnio: tornar-se a melhor Universidade de Portugal.
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CRÓNICA DA ATUALIDADE SOBRE O NOVÍSSIMO PROTOCOLO FACULTATIVO AO PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS por José Duarte Coimbra [aluno do 4º ano de Licenciatura da FDL] I. Introdução
No passado dia 21 de Janeiro1, Portugal tornou-se no nono país a ratificar o novo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PFPIDESC), documento que entrará em vigor no próximo dia 5 de Maio.2 Trata-se de um marco importante no que ao Direito Internacional dos Direitos Humanos diz respeito e no qual Portugal actuou como pioneiro.3 Como já tem sido sublinhado4, a aprovação deste documento representa o fechar de um ciclo em matéria de protecção internacional dos Direito Humanos na medida em que dota o PIDESC de um instrumento de exequibilidade
1
Cfr. a Resolução da AR nº 3/2013, que o aprova e o Decreto do PR nº 12/2013, que o ratifica: ambos publicados no DR, I Série, nº 14, 21 de Janeiro de 2013, p. 377. 2 Na medida em que, p. ex., fez parte do primeiro conjunto de Estados a assinar o documento, no dia 24 de Setembro de 2009. Os dados sobre os Estados aderentes e os que já ratificaram o instrumento podem ser vistos a partir de http://traties.un.org/Pages/ ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=IV-3-a&chapter=4&lang=en. 3 Trata-se do I Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, aprovado pela AG da ONU a 16 de Dezembro de 1966 e que viria a entrar em vigor a 23 de Março de 1976. 4 Através da Resolução A/RES/63/117, que se seguiu à Resolução 8/2 do Conselho de Direitos Humanos, de 18 de Junho de 2010.
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semelhante ao que já existia5 em relação ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP). Trata-se, em síntese, de um instrumento que introduz um mecanismo de queixa dos particulares em situações de violação daquele tipo de direitos perante o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas (CEDESC). Se a aprovação de dois Pactos diferentes em relação às duas categorias de Direitos Humanos representava, em 1966, a afirmação da sua diferença estrutural e funcional, afirmação essa reforçada pela existência do Protocolo Facultativo em relação ao PIDCP e sua inexistência em relação ao PIDESC, já a aprovação deste novo Protocolo Facultativo em relação corporiza, ao fim e ao cabo, o assumir de uma abordagem global e integrada das duas categorias de Direitos Humanos. Aprovado no dia 10 de Dezembro de 2008 pela AG da ONU6, o novíssimo Protocolo assume-se como o culminar de um tortuoso percurso que começou a ser trilhado logo após 1966, mas cujos traços mais visíveis apenas se deram a partir da década de 90. Nesta breve notícia sobre o novo instrumento, pretendem sublinhar-se dois aspectos: i) as soluções consagradas no Protocolo; ii) o seu significado no actual contexto de constantes ablações a direitos económicos e sociais por parte de Estados que, até então, se diziam Sociais de Direito. II. As Soluções
Na linha do que já havia feito o I Protocolo Adicional ao PIDCP, o novíssimo Protocolo significa, para as Partes que o adoptarem, o reconhecimento da competência do CEDESC para receber e analisar queixas (communications) relativas à violação dos direitos previstos no PIDESC – artigo 1º.
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5 Cujo texto na versão inglesa pode ser cfr. a partir de http://www2.ohchr.org/english/ bodies/cescr/docs/A-RES-63-117.pdf. 6 Sobre isto, cfr., em geral, entre nós e entre tantos outros: JORGE REIS NOVAIS, Direitos Sociais, Coimbra Ed., 2010, pp. 65 e ss.; VASCO PEREIRA DA SILVA, A Cultura a que tenho Direito, Almedina, 2007, pp. 113 e ss..
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Quanto à origem das queixas, atribui-se legitimidade quer a indivíduos quer a grupos de indivíduos que se achem sob a jurisdição de um Estado Parte – artigo 2º. Como principais condições de admissibilidade destas queixas, o Protocolo fixa: i) o princípio da exaustão dos meios internos; ii) o prazo de um ano após esse esgotamento; iii) a não-coincidência do seu objecto com uma questão já tratada pelo CEDESC; iv) a não-manifesta falta de fundamento da questão – artigo 3º. Deve ainda verificar-se uma situação de efectiva lesão do direito – artigo 4º. Quanto a meios de acção por parte da CEDESC, o Protocolo habilita-o a três mecanismos: i) recomendar ao Estado em causa, mesmo antes da apreciação do mérito da questão, a adopção de medidas provisórias – artigo 5º; ii) recomendar ao Estado a adopção de medidas que façam cessar a situação de violação, recomendação essa a que o Estado deverá responder, no prazo máximo de 6 meses, por escrito, dando conta das medidas que hajam sido efectivamente tomadas – artigos 6º e 9º; iii) a CEDESC poderá ainda funcionar como mediadora na busca de uma solução amigável entre as partes, altura em que o processo de queixa chega ao seu termo – artigo 7º. De suma importância se revelam ainda os mecanismos previstos nos artigos 10º e 11º, ambos facultativos, mas aos quais Portugal optou por se vincular. O primeiro estabelece um mecanismo de queixa cuja legitimidade é atribuída a outros Estados Partes que considerem que algum dos seus congéneres não se encontra, de modo satisfatório, a dar conta das obrigações que decorrem do PIDESC. O segundo estabelece a possibilidade de o CEDESC investigar, em cooperação com os Estados, situações de grave ou sistemática violação dos direitos conferidos aos particulares pelo PIDESC. No fundo, estes dois mecanismos vêm prever dois instrumentos de tutela objectiva e que servem de complemento ao mecanismo principal das queixas, marcadamente subjectivista. Em suma: o que se prevê é um conjunto de mecanismo de vigilância do CEDESC sobre a actuação dos Estados Partes em matéria de direitos económicos, sociais e culturais. O Protocolo não ultrapassa as fronteiras do Direito Internacional Público Clássico e, assim, da constatação de uma situação de efectiva violação daqueles direitos não resulta, pelo menos de forma directa, a aplicação de nenhuma sanção. Antes, todos os mecanismos se baseiam ainda numa lógica de cooperação.
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III. A Funcionalidade
O PFIDESC constitui um documento de relevo e a sua ratificação pelo Estado Português deve ser louvada. No fundo, a sua entrada em vigor significa admitir a judiciabilidade, ao nível das Nações Unidas, de direitos que, historicamente, sempre foram vistos como simples metas a alcançar. Ora, o desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais tem demonstrado que o gap entre os “clássicos” direitos de liberdade e os “modernos” direitos económicos, sociais e culturais é, na verdade, mais conceptual do que real. Na verdade, em relação a estes dois conjuntos é sempre possível identificar: i) uma dimensão subjectiva e uma dimensão objectiva; ii) posições de base complexa que integram poderes ou faculdades de acção, mas também direitos a prestações. Precisamente por isso, a possibilidade de o CEDESC vigiar o comportamento dos Estados em relação aos direitos económicos e sociais e culturais significa, também no plano internacional, que estes já não se apresentam como meros programas a concretizar pelo legislador, sempre na medida do possível. Antes, a sua concretização é corolário de uma noção ampla de dignidade que traduza a complexidade crescente das necessidades do indivíduo. Note-se, por fim, que o contexto da aprovação e entrada em vigor do PFPIDESC não deixa de ser algo simbólico. Na verdade, está-se a querer proteger uma realidade (os direitos económicos, sociais e culturais) que cada vez mais precisa de protecção, em face das actuais derivas (neo-) liberais e que, na sua face mais visível, pretendem atacar algo que já faz parte das fundações do modelo de Estado Ocidental: precisamente, as suas dimensões prestacional e assistencial.
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NORMAS EDITORIAIS
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Normas Editoriais
NORMAS EDITORIAIS A REVISTA JURÍDICA AAFDL é uma publicação periódica da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, tendo como objetivos fundamentais: a divulgação e desenvolvimento da cultura jurídica, o estímulo da investigação científica e o ensino crítico do Direito, bem como a dignificação da imagem da Faculdade de Direito de Lisboa e da sua Associação Académica. Pretendemos também alargar o seu escopo para a matéria de apoio ao estudo para as cadeiras lecionadas no curso de Direito da Faculdade, podendo incluir aulas desgravadas e comentadas, casos práticos resolvidos e sumários de conferências. A REVISTA publica-se trimestralmente, havendo a possibilidade de se editarem números extraordinários. É composta por uma Direção, uma Comissão de Redação, um Conselho Científico, um Conselho Editorial e um Corpo de Colaboradores Permanentes. A Direção, composta por um Diretor e um Vice-Diretor, dos quais pelo menos um destes membro da Direção corrente da AAFDL, tem como atribuições a orientação, superintendência e determinação do conteúdo da Revista, ouvida a Comissão de Redação e o Conselho Editorial, cabendo-lhe ainda a representação da Revista perante qualquer entidade. A Comissão de Redação, composta integralmente por estudantes ou recém-licenciados da Faculdade de Direito de Lisboa, tem como atribuições a cooperação com o Diretor na elaboração da Revista e determinação do seu conteúdo. Ao Conselho Científico, integrado por Docentes de reconhecido mérito, um de cada menção, incumbe apreciar a qualidade jurídica e científica dos artigos propostos para a publicação. O Conselho Editorial será composto por membros da Comissão de Redação e do Conselho Científico e será o órgão executivo. A REVISTA é construída a partir dos contributos de alunos de licenciatura, recém-licenciados e alunos do segundo ciclo de estudos, professores-assistentes bem como de personalidades que serão convidadas a escrever artigos
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científicos, comentar jurisprudência e elaborar recensões críticas, segundo critérios temáticos e de atualidade. Os contributos resultarão ainda da apresentação espontânea de textos para apreciação. Será particularmente estimulada a publicação de textos de novos autores. A REVISTA divide-se em quatro partes fundamentais, sendo a primeira a de artigos científicos, a segunda composta por recensões críticas, a terceira por comentários a jurisprudência e a quarta por crónicas de atualidade.
• Todos os textos devem seguir o Acordo Ortográfico. Os artigos não devem exceder os 30 mil caracteres (incluindo espaços e notas de rodapé) e devem conter um resumo (abstract) em Português e Inglês (até 400 caracteres, incluindo espaços) bem como quatro palavras-chave. Os comentários de jurisprudência não devem exceder os 10 mil caracteres, e as recensões os 7500 caracteres (incluindo espaços). Todos os textos devem ser originais e não submetidos a outras publicações, devendo ainda estar formatados em Word.
• Requer-se também que o envio de artigos, comentários, recensões e crónicas seja acompanhado de uma pequena biografia e de uma fotografia do(s) autor(es) em formato tipo-passe, a preto e branco. Quaisquer adicionais fotografias, ilustrações, gráficos e quadros devem ser também entregues pelo(s) autor(es), aquando da entrega do artigo. Os autores devem ainda disponibilizar o seu endereço de email para publicação para que se tirem dúvidas.
• No caso de colaborações não solicitadas, os autores devem remeter os seus nomes completos e um breve curriculum vitae. Nestes casos os artigos serão sempre submetidos à avaliação imparcial pelo Conselho Científico e especialistas, sendo a decisão final da publicação tomada pela Comissão de Redação, tendo em conta o parecer.
• Todos os trabalhos deverão ser enviados por email para os seguintes endereços: francisca.soromenho@aafdl.pt e joao.frazao@aafdl.pt, devendo ainda os interessados entregar uma cópia em papel na AAFDL. 112
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A Direção e o Conselho Editorial reservam-se ao direito de, excepcionalmente, admitir textos que não cumpram estas regras. A Direção da Revista
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