ESCÂNDALOS NO DESPORTO E PERTURBAÇÃO DO CONTRATO DE PATROCÍNIO

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MARIA DE LURDES VARGAS

ESCÂNDALOS NO DESPORTO E PERTURBAÇÃO DO CONTRATO DE PATROCÍNIO A DESCONFORMIDADE CONTEXTUAL DA PRESTAÇÃO

Dissertação de doutoramento em Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

Lisboa / 2018


Índice

ÍNDICE Prefácio – Carlos Ferreira de Almeida ..................................................................... 9 Prefácio – José Manuel Meirim ............................................................................. 11 Agradecimentos ..................................................................................................... 13

Modo de citar e outros esclarecimentos ................................................................. 15 Resumo .................................................................................................................. 17

Nota introdutória .................................................................................................... 19

Parte I: O patrocínio – um fenómeno em mutação ................................................ 23 1.1. Aproximações ......................................................................................... 23 1.1.1. Uma evolução em setenta anos .................................................... 24 1.1.2. O patrocínio hoje – uma síntese ................................................... 31 1.2. Categorias ............................................................................................... 34 1.2.1. O patrocínio cultural, social e científico ...................................... 34 1.2.2. O patrocínio desportivo ............................................................... 39 1.2.3. O patrocínio de transmissão – uma nota ...................................... 43 1.3. Como funciona o patrocínio: a transferência de imagem e o goodwill .................................................................................................... 46 1.4. Objetivos ................................................................................................. 51 1.4.1. Objetivos primários e objetivos finais ......................................... 51 1.4.2. Construção e valorização da marca ............................................. 53 1.4.3. O portfólio de patrocínios ............................................................ 55 1.5. Uma aliança estratégica .......................................................................... 56 1.6. Que retorno do investimento? ................................................................. 59 1.6.1. O valor do patrocínio: dificuldades de apuramento e mensuração .......................................................................................... 60 1.6.2. Novas perspetivas ........................................................................ 62 1.7. Enunciação do problema: os escândalos e o patrocínio desportivo ........ 64 Caso Tiger Woods .................................................................................. 64 Caso Lance Armstrong ........................................................................... 65 Caso Oscar Pistorius .............................................................................. 66

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Parte II: Os contratos de patrocínio ....................................................................... 73 2.1. Modelos de patrocínio ............................................................................ 74 2.1.1. Os contratos de patrocínio desportivo, cultural, social e científico .............................................................................................. 74 a) Contratos de patrocínio de clube, sociedade desportiva, equipa ou outra organização desportiva ......................................... 74 b) Contratos de patrocínio de organizações culturais, sociais e científicas .................................................................................... 76 c) Contratos de patrocínio de eventos desportivos ........................ 77 d) Contratos de patrocínio de eventos culturais, sociais e científicos .................................................................................... 78 e) Contratos de patrocínio individual: o patrocínio de atleta ou de outra pessoa singular com protagonismo desportivo, cultural ou científico. O endorsement. ........................................... 80 2.1.2. Nota sobre os contratos de patrocínio de transmissão ................. 83 2.2. O que aproxima e o que divide os contratos de patrocínio ..................... 85 2.2.1. O comum e o divergente .............................................................. 85 2.2.2. A transferência de imagem e o fim promocional ......................... 86 2.2.3. A ligação à atividade ou ao evento: motivo, base do negócio ou elemento do conteúdo ....................................................................... 87 2.2.4. Uma prestação principal ou caraterística? ................................... 89 2.3. Tipicidade ou atipicidade do contrato ou contratos de patrocínio .................................................................................................. 92 2.3.1. Aproximação a outras figuras contratuais .................................... 92 a) Contratos publicitários ............................................................... 93 b) Licença de direitos de personalidade e merchandising ............. 98 c) Contrato de trabalho desportivo ............................................... 101 d) Doação. O patrocínio técnico. Mecenato empresarial: a reunião ....................................................................................... 103 e) Modalidade de prestação de serviço indiferenciado ................ 109 2.3.2. Nota sobre outros ordenamentos jurídicos ................................. 111 a) Sistemas europeus de direito civil: espaços de liberdade contratual ...................................................................................... 111 b) Soft law: o ICC Consolidated Code of Advertising and Marketing Communications Practice .................................... 112 2.3.3. Contrato ou contratos de patrocínio? Intervenção na discussão ......................................................................................... 113 2.3.4. O regime jurídico-privado do contrato de patrocínio. Renúncia à identificação de uma disciplina unitária ............................ 118 2.4. Análise do tipo: qualificações ............................................................... 120 2.4.1. Fins do contrato e resultados definidores .......................... 120 2.4.2. Contrato plurifuncional? Troca, liberalidade e cooperação? ............................................................................... 123


Índice

Parte III: Os escândalos e o contrato ................................................................... 127 3.1. Contrato de patrocínio e continuidade .................................................. 127 3.1.1. Contratos duradouros. Relational contracts .............................. 127 3.1.2. O patrocínio: um contrato duradouro numa perspetiva relacional .............................................................................................. 136 3.2. Os escândalos, a transferência de imagem negativa e a conformidade da prestação ............................................................. 141 3.2.1. O princípio da conformidade na convenção de Viena de 1980 e no regime da compra e venda de bens de consumo ............ 141 3.2.2. A conformidade nos regimes civis da compra e venda, locação e empreitada ............................................................................ 146 3.2.3. Um princípio geral da conformidade. A conformidade contextual ............................................................................................. 151 3.2.4. Padrões de conformidade e desconformidade ........................... 157 3.2.5. O efeito dos escândalos no contrato de patrocínio: manifestações de desconformidade? .................................................... 158 3.2.6. Desconformidade contextual e alteração das circunstâncias ................................................................................ 163 3.2.7. Desconformidade contextual e impossibilidade superveniente da prestação ou do cumprimento .................................. 173 3.2.8. Desconformidade contextual e erro ........................................... 177 3.2.9. Desconformidade contextual e violação positiva do contrato ........................................................................................... 181 3.2.10. Desconformidade contextual e violação de deveres acessórios ............................................................................................. 184 3.2.11. Síntese: muitos casos, uma só perturbação do cumprimento ................................................................................... 186 3.3. Ultrapassar a anomalia: interromper os efeitos do escândalo ............... 188 3.3.1. O diálogo: a renegociação do contrato e a negociação da cessação ........................................................................................... 188 3.3.2. A resolução: fundamentos legais ................................................ 190 a) A resolução do contrato por incumprimento ............................ 191 b) A resolução por justa causa dos contratos duradouros. A inexigibilidade da continuidade da relação .............................. 194 c) A transferência negativa de imagem como fundamento de inexigibilidade da continuidade do contrato ........................... 202 3.3.3. A resolução: cláusulas resolutivas .............................................. 207 a) Morals clauses ......................................................................... 207 b) Cláusulas resolutivas com fundamentos “morais” no contexto português .................................................................. 210 3.4. Ultrapassar a anomalia: compensar os danos ....................................... 214 3.4.1. Condutas do patrocinado e causalidade fundamentadora da responsabilidade .............................................................................. 214

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3.4.2. Desconformidade contextual imputável ao patrocinado e desconformidade contextual não imputável ao patrocinado ............. 217 a) Condenação pela prática de crime, contraordenação ou infração disciplinar ................................................................. 217 b) Escândalos emergentes de comportamentos da vida pessoal ............................................................................. 218 c) Escândalos protagonizados pelo patrocinado e escândalos protagonizados por terceiros ........................................................ 219 3.4.3. Âmbito da indemnização cumulável com a resolução do contrato. Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo ................................................................................................. 221 3.4.4. O dano de desvalorização da imagem do patrocinador, enquanto dano sequencial. Danos circa rem e extra rem ..................... 222 3.4.5. Os danos de desconformidade das prestações comunicacionais e de desvalorização da imagem do patrocinador enquanto danos não patrimoniais ......................................................... 224

Conclusões ........................................................................................................... 229

Bibliografia .......................................................................................................... 235

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Prefácio

PREFÁCIO A investigação jurídica percorre variados caminhos e desenha muitos objetivos. Pode ser investigação pura, que tem como referência paradigmática a célebre obra de Kelsen. Pode ser investigação aplicada para a resolução inovadora de um problema ou de um conjunto de problemas, como é geralmente a investigação subjacente às dissertações portuguesas de doutoramento em direito. Pode partir da enunciação de regras para aplicação a situações da vida ou inspirar-se nestas para alcançar a enunciação das regras ou apresentar exemplos para testar a correção das normas ou dos princípios que se vão apresentando. Pode circunscrever-se ao direito, que é o método mais comum, ou atrever-se a usar, com maior ou menor intensidade, outros saberes como auxiliares – a filosofia, a economia, a estatística, a sociologia, a antropologia, a psicologia, as ciências da linguagem e da comunicação. A inovação, que sempre se exige como objetivo e como resultado, pode consistir na descoberta de uma regra, na reconstrução de um instituto ou de um princípio ou na seleção do regime aplicável a determinada questão. A valia da investigação não consiste apenas nas conclusões diretas, porque também importa geralmente a revisão do instituto ou dos institutos chamados para a aplicação. Quando me procurou para a orientação da dissertação de doutoramento, Maria de Lurdes Vargas já tinha uma ideia muito clara do que pretendia investigar: o enquadramento jurídico de recentes e repetidos escândalos que envolviam atletas e clubes patrocinados e a questão de saber se havia base, e qual, para pretensões dos patrocinadores ou se, pelo contrário, faltava fundamento para a sua proteção e compensação. Neste contexto, escândalo significa dopagem, outro crime ou um comportamento reprovado pela comunidade A minha interlocutora dominava bem os termos da pergunta e selecionara os casos padrão, mas não sabia ainda dar a resposta. A então doutoranda recebera o apoio de José Manuel Meirim, meu colega e amigo, que assegurava a orientação na matéria de direito do desporto. Tinha também já a pré-compreensão de que o contrato de patrocínio desportivo envolve transferência de imagem, conceito sem correspondência nos quadros jurídicos tradicionais. O que me pedia era acompanhamento no âmbito do direito dos contratos e das obrigações, onde era provável, ou mesmo certo, encontrar o núcleo das respostas. A minha aceitação foi imediata por duas razões principais: a pluridisciplinaridade do projeto e a genuína disposição da investigadora para ensaiar várias hipóteses, sem opção predeterminada. No decurso da orientação, confirmei que não me enganara quanto ao meu papel, centrado em tarefas que me agradam: incentivar o aprofundamento do contributo da

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teoria da comunicação; discutir com a candidata as vias e as soluções possíveis, deixando para ela a responsabilidade e o mérito da escolha final. A investigação seguiu o projeto inicial de aplicação aos casos padrão de heróis caídos do pedestal e de desenvolvimento construtivo a partir deles. Pelo caminho, ficaram na obra que agora se publica contributos relevantes para a reformulação e a qualificação da tipologia dos contratos de patrocínio e para a ideia de transferência de imagens de reputação. A autora ensaiou e apreciou várias possibilidades de solução. A exposição é sempre clara e correta, a argumentação arguta e criativa, a redação impressiva e elegante. A tese final consiste na assimilação dos escândalos a perturbações no cumprimento do contrato de patrocínio com fundamento em desconformidade funcional causada por transferência de imagem negativa para o patrocinador. As consequências são as pretensões conferidas ao patrocinador de resolução do contrato por justa causa e de eventual indemnização. Não oculto a minha preferência por maior diversidade de soluções conforme a diversidade os factos, designadamente a possibilidade de, a alguns casos, se aplicarem os regimes do erro, atual ou futuro, sobre a base do negócio e da alteração das circunstâncias. A ideia de desconformidade contextual da prestação parece-me imaginativa e frutuosa. Embora inovadora, é também prudente, porque radica na tradição jurídica da violação positiva do contrato e amplia a noção e os efeitos da desconformidade com o contrato, já consagrada no direito vigente para os contratos de compra e venda internacional e para os contratos de consumo. Não conflitua, julgo, com qualquer regra do direito português vigente. As novas facetas que a autora descobre na desconformidade, reconstruída de modo a tomar em conta o contexto e a função dos contratos, parecem-me vocacionadas para propagação a outros contratos. Com o tempo se verá a sua aptidão para subsistir. É provável que a autora, outros académicos e advogados ensaiem a aplicação do conceito a diferentes contratos de prestação de serviço ou com incidência em direitos de personalidade, da propriedade intelectual ou similares. É com expectativa que aguardo a aceitação ou a recusa pelos tribunais na decisão de conflitos relativos ou não a contratos de patrocínio. Carlos Ferreira de Almeida

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Prefácio

PREFÁCIO As relações entre o (s) Direito (s) e o Desporto (s) assumem bem diversos caminhos e, nem todas se localizam naquilo que – com ou sem autonomia científica – se vai enquadrando no Direito do Desporto. Também esta última qualificação não tem, por assim dizer, um valor universal. Com efeito o que é Direito do Desporto em solo pátrio não é, de todo, por exemplo a Sports Law em ambiente anglo-saxónico. Ora, o valioso trabalho de investigação científica – que agora obtém foros de publicação –, da autoria de Lurdes Vargas, não se reporta, em definitivo, a qualquer que seja o entendimento (abrangência) do Direito do Desporto. Aquilo como que nos deparamos é “tão-somente” com uma dissertação de doutoramento que, arrancando de um universo desportivo – atletas profissionais, sua vida privada ou não, escândalos e repercussões em contratos de patrocínio “desportivo” que outorgaram –, incide decisivamente na lógica do Direito Privado.

Estamos tentados a afirmar que a dissertação – e agora a obra publicada – de desportivo só tem a realidade. Mesmo que não seja totalmente correta, a afirmação localiza o leitor no que realmente está “em jogo”. Daí que, que fique claro, o meu papel ao longo dos anos de investigação da Lurdes Vargas tenha sido, desde o início, balizado por dois vetores. Um primeiro, o de motivador, alguém que procurou alimentar um sonho, melhor dizendo, uma vontade férrea de percorrer esta via. E esta via - a do doutoramento –, só chega à meta com essa decisão do atleta da maratona. Não basta mesmo sonhar. Se, como creio, desempenhei essa função – qual espetador que ao longo da estrada, na subida da montanha, encoraja o ciclista -, numa segunda vertente, ocupei o lugar do carro de apoio. Ao longo destes anos – esta competição leva sempre alguns anos – fui municiando a Lurdes Vargas com o material necessário ao alcançar de um bom resultado, bem lá em cima, no pico da montanha. E foi brilhante esta ciclista. Houve, de facto, uma orientação, um treinador, e ela foi conduzida pelo Professor Carlos Ferreira de Almeida, Mestre do meu passado e que agora se digna ser meu amigo. A Lurdes Vargas, tendo ganho o “prémio da Montanha”, destacada, entregou, na meta da última a etapa, mesmo assim, um tijolo, como costumo adiantar aos meus alunos.

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Um tijolo para a construção, sempre permanente, do grande edifício jurídico-cientifico e esse contributo vai diretamente para o espaço do Direito Privado. Contudo, o tijolo, não pode deixar de ser ainda colocado – ou pelo menos uma parte dele – nas relações entre o Direito (em geral) e o Desporto. Graças à Lurdes Vargas, com isso ganha o Direito e o Desporto. José Manuel Meirim

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Agradecimentos

AGRADECIMENTOS A redação de uma dissertação de doutoramento é um trabalho solitário. Contudo, o resultado final ultrapassa o fruto desse trabalho, nele se integram muitos contributos. Aos meus orientadores, Senhor Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida e Senhor Professor Doutor José Manuel Meirim, pela orientação disponível e crítica da dissertação, pela partilha do conhecimento e pela influência no meu percurso académico. À Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e ao CEDIS – Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade, instituições que me acolheram, pelas condições de trabalho proporcionadas. Às bibliotecas que me assistiram na pesquisa bibliográfica, em particular, à Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e à Biblioteca da Procuradoria Geral de Justiça, e aos seus bibliotecários e colaboradores. Ao Max-Planck-Institut für ausländisches und Internationales Privatrecht, de Hamburgo, pelo acolhimento enquanto investigadora-visitante durante duas estadias. À FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, pela bolsa individual de doutoramento concedida. A todos os que me concederam entrevistas e facultaram informação e documentação, designadamente à Senhora Professora Doutora Teresa Augusta Ruão, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, e ao Senhor Dr. Paulo Rendeiro, da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados. À minha família e aos meus amigos, pelo incentivo e pelo apoio. Aos meus filhos, pela força que me deram. A eles dedico esta tese.

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Modo de citar e outros esclarecimentos

MODO DE CITAR E OUTROS ESCLARECIMENTOS As monografias são citadas com referência a autor, título, local de edição, editora, ano e página. Respeitando a vários autores, estes são citados pela ordem constante na obra e, quando em número superior a três, refiro apenas o nome do primeiro autor da ordem constante da obra. Existindo várias edições, entre o título e o local de edição, introduzi a edição respetiva. Nas citações em nota de rodapé, a partir da segunda citação, é apenas feita referência a autor, título da monografia abreviado e página. Os artigos ou partes de livro são citados com referência a autor, título do artigo ou parte de livro, revista ou livro, volume e/ou número, ano, páginas do artigo ou parte de livro e página. Nas citações em nota de rodapé, a partir da segunda citação, é apenas feita referência a autor, título do artigo ou parte de livro abreviado e página. Na lista final de bibliografia consultada, as obras encontram-se ordenadas por autor e, dentro de cada autor, pela data de publicação, da mais antiga para a mais recente. A jurisprudência é citada com referência a tribunal, data, número de processo e relator. O uso de abreviaturas e acrónimos foi reduzido aos generalizadamente utilizados, pelo que entendi ser dispensável elaborar uma lista de abreviaturas e acrónimos. Sempre que refiro um dispositivo legal sem mencionar o diploma a que pertence, trata-se de um artigo do código civil português na sua redação em vigor. As transcrições de textos estrangeiros (legislativos ou doutrinários) foram traduzidas para português. As traduções são da minha responsabilidade. O corpo da presente dissertação, incluindo espaços e notas de rodapé, contém 687 078 carateres.

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Resumo

RESUMO O objetivo da presente dissertação é apurar se os escândalos que envolvem atletas e outras entidades desportivas são causa de perturbação da execução dos respetivos contratos de patrocínio e, em caso afirmativo, de que perturbação do contrato se trata. Para responder a estas questões, começo por analisar o patrocínio enquanto realidade social e fenómeno comunicacional, para, de seguida, analisar o próprio contrato. Concluo que alguns dos escândalos que envolvem os patrocinados resultam num efeito comunicacional de transferência de imagem negativa para os patrocinadores. Sustento que, no âmbito da execução de um contrato de patrocínio, os escândalos que resultam num efeito de transferência de imagem negativa envolvem uma perturbação do cumprimento, a desconformidade contextual da prestação. Sustento que o juízo de conformidade da prestação não recai apenas sobre as caraterísticas intrínsecas do objeto da prestação. O juízo de conformidade incide também sobre o objeto da prestação na sua relação com o meio envolvente, factual ou legal, o contexto do cumprimento. A minha tese é que, nos escândalos do desporto que envolvem um patrocinado e resultam num efeito comunicacional de transferência de imagem negativa para o respetivo patrocinador, o conjunto de prestações comunicacionais do patrocinado, na sua relação com o contexto social e comunicacional de execução do contrato, se torna desconforme com o contrato, maxime, com o fim do contrato de valorização da imagem do patrocinador por apropriação das qualidades positivas da imagem do patrocinado. Delimito esta perturbação do cumprimento afastando outras que, potencialmente, poderiam enquadrar o fenómeno: alteração das circunstâncias, impossibilidade superveniente da prestação ou do cumprimento, erro sobre o futuro, violação positiva do contrato e violação de deveres acessórios. Termino identificando as soluções que a ordem jurídica oferece para a normalização das relações jurídicas afetadas. A resolução do contrato de patrocínio por justa causa apresenta-se como o remédio apropriado para travar a desconformidade contextual das prestações do patrocinado, sempre que a renegociação do contrato ou a cessação negociada se revelarem inviáveis. Por último, avalio os pressupostos de indemnização dos danos emergentes da desconformidade. 17


Nota introdutória

NOTA INTRODUTÓRIA 1.

Esta dissertação tem por objeto o contrato de patrocínio e por fim apurar o efeito da ocorrência de escândalos que envolvem o patrocinado na continuidade da relação de patrocínio desportivo. A escolha do tema nasce da perplexidade perante dois paradoxos da realidade jurídica. Não obstante ser visível o crescimento da celebração de contratos de patrocínio e os valores elevadíssimos que esses contratos movimentam, não existe um regime legal típico do contrato de patrocínio no nosso ordenamento jurídico, nem noutros do espaço europeu continental. Depois, neste século, tornou-se cada vez mais frequente a ocorrência de escândalos com elevada projeção mediática que envolvem atletas e organizações desportivas, relativamente aos quais se discute nos meios de comunicação social e no espaço das ciências da comunicação e do marketing as consequências de uma publicidade negativa relativamente aos patrocinadores dos protagonistas, sem que essa discussão se tenha projetado numa discussão doutrinária jurídica – um quase silêncio. 2.

Na doutrina nacional e estrangeira, destacando-se a italiana, discute-se com intensidade a tipicidade ou atipicidade do contrato de patrocínio e a sua recondução ou autonomia relativamente a alguns contratos típicos. A discussão, extensa e já antiga, ainda está longe de um consenso, mantém-se atual. Esta tese reclama espaço nessa discussão, procurando apurar o que é o contrato de patrocínio e como se carateriza. Pretendeu-se intervir na discussão partindo de novos dados. Começa-se por um estudo do patrocínio enquanto realidade social, económica e comunicacional, na perspetiva das ciências da comunicação e do marketing. Da análise da operação económica e comunicacional parte-se para a análise da operação contratual. E esta inicia-se com uma análise da própria prática negocial, analisando-se exemplos reais de minutas e contratos, procurando-se identificar os modelos contratuais atuais do patrocínio. Só depois se retoma a discussão doutrinária sobre a tipicidade do contrato de patrocínio, intervindo-se nela. A discussão sobre a tipicidade do contrato de patrocínio é aqui considerada e circunscrita a passo necessário para enquadrar a discussão nuclear da tese: enquadrar

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Escândalos no Desporto e Perturbação do Contrato de Patrocínio

a ocorrência de escândalos que envolvem um patrocinado na continuidade dos contratos de patrocínio desportivo. Discute-se o que é o contrato de patrocínio apenas para, e na medida necessária, compreender que aspetos da relação são eventualmente postos em causa perante a ocorrência dos escândalos. A avaliação das consequências dos escândalos mediáticos na execução dos contratos de patrocínio desportivo constitui um espaço praticamente livre na doutrina civilística. Na doutrina nacional encontram-se menções muito laterais ao problema, que não se podem reconduzir a uma verdadeira discussão. Na doutrina italiana, surgem algumas propostas de enquadramento do efeito de algumas variantes de escândalos desportivos na execução do contrato, nomeadamente, em sede de teoria da pressuposição, onerosidade excessiva e violação de deveres acessórios. Trata-se de abordagens ainda laterais, com escasso aprofundamento do problema. A doutrina suíça e sobretudo a alemã oferecem um tratamento mais desenvolvido do tema, com propostas concretas de enquadramento, aliás, muito próximas. Quanto ao enquadramento dos escândalos na mecânica do contrato de patrocínio, começarei também por uma análise do fenómeno numa perspetiva comunicacional e de marketing. Considero-a ponto de partida fundamental para a discussão no plano jurídico-privatístico. Serão apresentados casos concretos de escândalos mediáticos que envolvem atletas e entidades desportivas. Esses casos, com projeção internacional e com escasso ou nenhum contacto com a ordem jurídica portuguesa, serão tratados como casos paradigmáticos que servirão para ilustrar e testar as soluções jurídicas discutidas e propostas. 3.

A presente dissertação pretende responder às seguintes questões fundamentais: Os escândalos que envolvem atletas e outras entidades desportivas são causa de perturbação da execução dos contratos de patrocínio desportivo? Se sim, de que perturbação do contrato se trata? Incumprimento ou cumprimento desconforme, alteração das circunstâncias, impossibilidade superveniente da prestação ou do cumprimento, erro sobre o futuro, violação de deveres acessórios ou outra perturbação? Que soluções oferece a ordem jurídica para a normalização das relações jurídicas afetadas? Este é o núcleo da investigação. 4.

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A dissertação circunscreve-se ao direito civil português vigente. Não envolve um estudo comparativo das soluções adotadas noutros ordenamentos jurídicos. O trabalho contém referências a soluções legislativas e jurisprudenciais de outros sistemas jurídicos, na medida em que elas são ilustrativas de caminhos também possíveis no nosso ordenamento ou que o influenciaram. Também não serão tratadas questões de direito internacional privado. Os casos apresentados, particularmente os casos enunciados como paradigmáticos, sendo casos


Nota introdutória

internacionais relativamente aos quais dificilmente o direito nacional seria aplicável, são tratados como se fossem regidos pela lei portuguesa, no âmbito do direito civil vigente.

A presente dissertação pretende oferecer uma proposta de solução para o grupo de casos discutidos, uma proposta que provoque a discussão do tema. Não tem qualquer pretensão de exaustividade, de encerrar o tema, pretende antes lançá-lo como espaço de problematização na comunidade jurídica.

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