5 minute read
O Problema Com o Calcário
por Mike Feeney
O neozelandês Ken Simpson era muito conhecido, pois fazia cobertura aérea desde setembro de 1952 e possuía muitas horas de experiência em voo agrícola de baixa altitude. Ken foi um dos pioneiros em aviação agrícola na Nova Zelândia. Ele foi o 14º piloto agrícola a ser morto na Nova Zelândia e o primeiro a perder a vida em um Fletcher FU-24.
Embora fabricado nos EUA, nenhuma das aeronaves FU-24 foram certificadas lá, pelo menos não por muitos anos. Em vez disso, eles foram testados em voo por um piloto neozelandês e os certificados de aeronavegabilidade emitidos na Nova Zelândia. Para alguns de nós, inclusive eu, que voou nas versões iniciais, o procedimento de voo de teste parecia ter sido deficiente em alguns aspectos.
Em 16 de outubro de 1956, Ken e seu técnico começaram a trabalhar com aplicação de calcário logo após o almoço. A pista de pouso ficava a cerca de sete quilômetros a leste da pequena vila de Mananui e a alguns quilômetros ao sul de Taumarunui. O terreno na área de aplicação era composto por morros bastante íngremes e trechos de mata nativa com algumas árvores bem sólidas. As condições de vento no início da manhã costumam ser calmas com alguma neblina, mas ao meio-dia sempre há algum vento, que geralmente é variável nas regiões montanhosas.
Ken decolou em seu FU-24 no nono dia de aplicação e às 13h40min a aeronave bateu. O investigador do acidente calculou que a carga útil da decolagem deve ter sido de cerca de 712 kg.
Antes do acidente, a aeronave estava se aproximando da área de aplicação em voo em baixa altura. O calcário estava sendo liberado pela saída do hopper por alguns segundos e depois o fluxo parou. A aeronave foi vista manobrando em voo baixo, dentro de um barranco estreito. Entrou em uma curva, atingindo uma árvore e caindo invertido em um grupo de árvores. O impacto foi direto na cabine e Ken foi morto instantaneamente. O avião pegou fogo e foi destruído.
O investigador disse que encontrou a presença de calcário compactado de voos anteriores e não havia dúvida que havia uma sobrecarga grave. Não havia evidências de falha no motor ou na estrutura. Ele também comentou uma provável mudança nas condições do vento, levando a uma perda de desempenho sem margem de segurança.
Com o tamanho do hopper do modelo anterior FU-24, quando 750 kg de fertilizante super fosfato eram carregados, o hopper ficava cheio e podia ser visto pelo técnico no caminhão, enquanto carregava a aeronave. Mas, o calcário é mais denso que o super e o nível de 750 kg ficava bem abaixo do nível máximo.
A aplicação aérea de qualquer produto exige legalmente que 80% do peso/massa possa ser alijado em cinco segundos. Após o advento do superfosfato granulado (seco), isso não era mais um problema. Porém, um produto produzido pela moagem de calcário provou ser uma situação perigosa devido a fatores de vazão muito baixos, com um hopper que não era equipado com alguma forma de agitador para manter uma vazão confiável.
O design do hopper do FU-24 tinha uma forma côncava de cima para a saída inferior. Os produtos de calcário tendem a entupir a saída do hopper. Quando isso acontecia, a única maneira eficaz de tirar o peso do material compactado era dar uma picada para reduzir o “G” para zero, ou menos, e logo depois cabrar o manche para evitar bater no chão, árvores ou fios. Ao voar baixo, o processo é muito desconfortável e bastante perigoso.
Montado atrás do assento do piloto, a frente do hopper tinha uma pequena janela. O piloto virava a cabeça para trás para tentar ver o nível do produto. Era muito difícil ver claramente através da janela para verificar a carga. Na minha experiência, a janela era pequena demais e ia ficando suja, geralmente após a primeira carga. O único método seguro de verificar a carga útil era o piloto, antes da decolagem, subir na asa para olhar o hopper. Igualmente difícil para o técnico verificar a menos que ele saísse do caminhão, subisse na asa e avisasse o piloto.
A ergonomia da cabine do Fletcher FU-24 também era péssima. Descobri isso quando voei com eles depois de me acostumar com o bom Cessna C-180 em sua configuração agrícola. Por alguma estranha razão, o assento do piloto estava montado no centro da cabine bastante ampla. Isso significava que você tinha que olhar por cima da carenagem, no meio. E isto não deixava espaço no lado direito ou esquerdo para levar o técnico ou o fazendeiro.
A alavanca de descarga do hopper foi colocada bem à esquerda. O ângulo do seu braço era estranho e era muito difícil operá-la dia após dia com o braço esquerdo. Ao transportar pedaços irregulares de calcário úmido, era um pesadelo tentar forçar aquela confusão em pedaços através da porta manual do hopper, ao mesmo tempo em que “empurrava” o nariz da aeronave para baixo em baixa velocidade e com desempenho de subida quase nulo. Todo o trabalho se tornava absurdo e altamente perigoso. A fadiga gradualmente consumia o piloto e muitos de nós passaram a desgostar daquela máquina horrível.
Todo o trabalho de lidar com o calcário compactado era muito perigoso sem alguma forma de agitador ou sistema de pesagem de aeronave. No entanto, naqueles primeiros anos, 99% de nós persistíamos na tentativa de aplicar calcário com segurança com hoppers que não eram equipados com agitadores adequados. O motivo das autoridades da aviação civil da Nova Zelândia, ou as gerências das empresas, não tomarem medidas mais fortes para proibir o uso do calcário ou adequar agitadores, é um mistério para mim; mesmo depois de todos esses anos e mortes evitáveis, incêndios e ferimentos na cabine.
Eu enfrentei muitas batalhas com calcário entupido no hopper e sobrevivi por nunca voar em terrenos elevados. Em vez disso, usava mais velocidade e aplicava no sentido menos dobrado da área. Eu também sempre pousava com as portas do hopper abertas, na esperança de que o choque e vibração pudessem limpar o interior dele, o que muitas vezes não acontecia. Se pelo menos houvesse, em 1955 e 1956, alguma autoridade com cérebro e coragem para cancelar os voos da frota de FU-24 e convocar uma reunião dizendo: “OK, pessoal. Não vamos sair desta sala até decidirmos como vamos converter esse monte de lixo em uma máquina decente para que possamos nos orgulhar de voar.”