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Amílcar Falcão: “Não me lembro de, enquanto reitor, ter havido uma reivindicação justa que em diálogo não tenha sido resolvida”

Com o seu segundo mandato consecutivo pela frente, o reitor da UC faz um balanço positivo dos últimos quatro anos. Foram abordados temas como o edificado da instituição, as repúblicas, a ação social, endogamia e a necessidade do diálogo entre a reitoria e a comunidade estudantil.

Que balanço faz do mandato anterior?

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Creio que nenhum reitor teve quatro anos como eu tive. Dentro do atípico, não era fácil fazer melhor do que fizemos, ainda que tenhamos cometido erros. Fiz sempre questão de que os estudantes não tivessem o seu percurso académico prejudicado. Do ponto de vista financeiro, conseguimos manter bem as coisas. Ainda assim, não tivemos turismo nenhum, o que, para as nossas contas, faz diferença; houve uma redução enorme de camas nos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra (SASUC); a adesão às cantinas passou para valores muito baixos, na ordem dos 30 por cento daquilo que era normal; colocámos o sistema dos fluxos unidirecionais, das cancelas, entradas direcionadas, recomendações da Direção-Geral da Saúde, fomos os primeiros a iniciar o ‘takeaway’ nas cantinas, etc. Acho que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance. Fizemos também muito trabalho de organização dentro da UC e uma transição digital quase à força. Hoje cerca de 99,9 por cento do que faço é digital. Entretanto, criámos aplicações com várias finalidades, como o UC Student. Mas creio que esta transição afetou especialmente os extremos etários. Houve alunos muito prejudicados na vivência académica e isso é algo que iremos pagar no futuro. Eu creio que se fez o trabalho que se poderia ter feito. Claro que, daquilo que era o meu programa de candidato, muita coisa teve que ser adaptada, ainda que tenhamos conseguido uma execução do plano estratégico na ordem dos 90 por cento. A UC, o Governo, a Reitoria, o Conselho Geral, o Senado e os estudantes tiveram um comportamento impecável. Acho que a entreajuda e a ideia de não deixar ninguém para trás foram concretizadas de forma exemplar, até do ponto de vista social.

Quanto às longas filas nas cantinas, que têm sido muito contestadas, por que é que algu- mas cantinas não foram reabertas? Há planos para alargar a oferta do prato social ou inaugurar outras?

A cantina da Sereia tinha uma utilização muito residual por parte da comunidade académica. Além de estar com problemas estruturais importantes, não era um espaço nosso, mas da Câmara Municipal de Coimbra (CMC). Existia um acordo em que uma parte importante das pessoas que iam lá comer eram funcionários da CMC, os chamados “sem-abrigo”, ou alunos de escolas secundárias da região. Os nossos alunos não iam muito lá, não ultrapassavam os 20 por cento. Não era uma cantina que merecesse os nossos recursos humanos. Estávamos a ter prejuízo sem que a CMC tivesse nenhuma intervenção na nossa operação. A pandemia acelerou o fecho. Nós gostávamos de ter uma grande cantina no Pólo I, mas não é possível, dado não haver espaço. Vamos ter que manter e requalificar as Azuis, as Rosa e as Química. Há a possibilidade de, no Colégio de Jesus ou de S. Jerónimo, arranjar espaço para a criação de outra cantina, ainda que não seja fácil. Em relação às Amarelas, temos um problema que vamos ter que conversar com a Associação Académica de Coimbra (AAC): inicialmente foram pensadas para não ter refeição social, até que houve uma exigência da AAC para ter. Agora a conclusão a que se chega é que, se abrimos refeição social, é uma cantina que não tem espaço e que, portanto, nem serve para uma coisa nem serve para a outra. Já tínhamos pedido às faculdades que tivessem o cuidado de estabelecer horas de almoço variadas para não ir toda a gente às 13 horas comer, a fim de evitar as grandes filas. Este ano letivo, o que aconteceu foi que se esqueceram disso. Agora está nas mãos dos diretores fazer isso, espero que aconteça já em setembro.

Após a queda da pala das cantinas azuis, a reitoria disse que fez um levantamento dos espaços da UC. Está a ser feito, começámos pelos pontos críticos.

Qual foi a equipa alocada a esse levantamento e a que conclusões é que estão a chegar?

A equipa em concreto são os nossos serviços na área do edificado, sob tutela do vice-reitor Alfredo Dias. O que posso dizer é que o edifício das cantinas azuis foi identificado com necessidade de requalificação urgente. Nada indicava a queda de nada, mas identificaram-se coisas como necessidade de pinturas, janelas, entre outras. A queda da pala foi, de facto, uma coisa insólita. Naquele dia vi a foto e fiquei em pânico, perguntei se havia vítimas e depois disseram que não houve, felizmente. Depois disseram-me que o vice-reitor estava a ir para lá, pelo que também não ia para lá fazer nada. Eu perguntei como era possível uma coisa daquelas cair assim sem dar sinais de estar a ceder. A conclusão a que chegamos é que se tratou de um erro estrutural de origem: a pala nunca foi concebida para estar assim, foi concebida para ter pilares.

Entretanto saiu o comunicado do NEQ/ AAC...

Isso não tem nada a ver com a pala. Nem tem que ver com problemas estruturais.

O que dizia lá era que tinha que ver com riscos de queda. Se não é assim, pode esclarecer?

O que foi dito é que não há condições no átrio das Químicas para fazer esse tipo de atividade (Convívio “Mega Químicas”). Não é que aquilo esteja em perigo de rigorosamente nada, mal fora. Aquela zona, do ponto de vista estrutural, foi verificada e não tem problemas nenhuns. O problema é que nós queremos requalificá-la, ainda que não saiba se o conseguiremos fazer em tempo útil. A zona das Químicas tem um aspeto que não é agradável, mas estamos a falar de uma obra de 2 ou 3 milhões de euros, o que não é fácil. Não se coloca a hipótese de queda, mas depois tenho queixa dos professores que não vão dar aulas de manhã porque dizem que ainda está lá o pessoal aos berros, aos pulos e bêbedos.

Qual a sua opinião acerca das críticas feitas pelos estudantes face à reduzida acessibilidade ao Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV)? A reitoria pode fazer alguma coisa quanto ao voto estudantil nas decisões da direção do TAGV?

Aquilo que eu sei é que foi criado um conselho consultivo onde os estudantes têm assento.

Mas é consultivo, antes havia uma comissão administrativa onde os estudantes tinham um voto nas decisões do TAGV.

Sim. É um assunto que podemos revisitar, mas também não sei se adiantamos muito com isso porque também não é um voto que vai alterar nada, apenas para dizer quem é que vota contra, mas tudo bem, eu convivo bem com tudo isso. A questão que se levanta no TAGV é outra: tem custos, pessoal e equipamentos. É nho eu, da Direção-Geral da AAC (DG/AAC), de certeza, que eu não sei dizer o nome, falou connosco e estivemos reunidos com ele. Ele é que não terá falado lá com os amigos, com os colegas, mas isso é outro tema. A ideia é dividir a zona dos grelhados em dois, mais ao menos. Do lado do TAGV, criar um mini auditório, chamemos-lhe assim, com cerca de 100/120 lugares, com uma bancada rebatível, para que essa sala à qual chamaremos "Sala B" fique ligada, do ponto de vista tecnológico, à principal. Isto permite duas coisas: espetáculos para um número de pessoas muito mais reduzido (não vamos usar o TAGV para estarem lá dez pessoas a ver o espetáculo); e permitirá, rebatendo o anfiteatro, que se tenha uma sala mais ao menos ampla para fazer ensaios, pelo menos. Ainda há outra possibilidade relacionada com a Casa das Caldeiras, mas primeiro queríamos esgotar esta solução, que nos parece ser a melhor, uma vez que permite a ligação interna com o TAGV, assim como a existência de dois espetáculos ao mesmo tempo.

Já estão planeadas as obras no espaço dos Grelhados? Quando vão avançar? O que têm a dizer aos estudantes que estão descontentes com esta situação?

Honestamente, até ao dia de hoje não sei qual é a situação ao nível de planeamento. Eu sei que a divisória apareceu lá e teve uma contestação enorme. Eu olhei para a fotografia e também não achei piada, até porque foi feita, pelos vistos, sem os estudantes saberem. Não foi essa a instrução que dei. Aquilo que eu sei é que, depois disso, já houve reuniões com a DG/AAC, onde se tem discutido o assunto e, honestamente, no dia de hoje não sei dizer se já há algum pedido de financiamento a decorrer. Penso que ainda estamos na fase de discussão do conceito, envolvendo os estudantes, porque aquela sala B é, justamente, para responder a essas questões principais que tenham. Não vou fazer aquilo se os estudantes estiverem contra, como é lógico, mas depois não podem dizer que não havia solução. Nós temos ali uma solução interessante.

Está a ser feita alguma coisa para resolver o problema do envelhecimento do corpo docente? Acha que a endogamia contribui para a noção de "ES antiquado" na UC? São duas questões diferentes. O rejuvenescimento é feito com base nas saídas das pessoas. Eu não posso matar ninguém, nem despedir. Este vai sendo feito à medida que as pessoas se vão aposentando ou jubilando. Temos uma saída prevista de cerca de 300 professores até ao final da década, o que vai injetar sangue novo na UC. A minha preocupação em relação aos últimos anos é que, quando abrimos novas vagas, entraram pessoas de 50 anos.

Isso não é rejuvenescer. Isso aconteceu porque estivemos, pelo menos, uma década sem abrir concursos, o que fez com que pessoas com 35 anos tivessem agora 45. A nossa preocupação é que, independentemente da idade, se analise os últimos cinco anos de trabalho de produção pessoal: se, por exemplo, tivermos uma com 50 e outra com 35 e os últimos cinco anos do de 35 derem uma noção de produção idêntica à do outro, o mais novo tem uma perspetiva muito mais promissora para o futuro, e eu escolho-o. Temos mapas de pessoal de todas as faculdades e cursos, sabemos quem sai até 2030, mas não as podemos tirar do sistema. Tem que se dar tempo ao tempo.

Endogamia: quando se compara as percentagens de endogamia em Coimbra com as de Lisboa ou Porto, a diferença é de 94 por cento para 92 por cento, o que não me parece assim tão relevante. Seria relevante se em Lisboa fosse 50 por cento e em Coimbra 98 por cento. Esta questão tem duas visões:

1º. Há uma endogamia que eu abomino, mas que resulta muitas vezes da forma como se fazem as coisas ao arrepio das instruções da própria reitoria: a pessoa está a fazer uma tese de mestrado, faz uma tese de doutoramento, um pós-doutoramento, um projeto não sei do quê e acaba por ficar a trabalhar. A certa altura, é muito amiga do orientador, jantam juntos, convidam-na a dar umas aulas, dá quatro anos de aulas como convidada. Entretanto, abrese um concurso e dizem "esta pessoa trabalhou aqui, dá bom ambiente, até já cá deu bem as aulas…" e é quase inevitável a contratação dessa pessoa. Acho isso errado.

2º. Temos que perceber o que é a endogamia. Eu sou endogâmico. Eu licenciei-me e doutoreime na UC, mas estive quatro anos fora do país, vi o mundo. A endogamia deve ser vista como aquelas pessoas que são de Coimbra, fizeram a escola primária, o secundário, doutoraramse e nunca de cá saíram. O resto é uma questão de mobilidade. Nós estimulamos a mobilidade, como com o ERASMUS, também para os professores, não só estudantes, para quebrar essa ideia da endogamia. Eu não me considero parte da percentagem, porque saí de Coimbra a certa altura, embora tenha, de facto, feito o curso e ficado aqui. Acho que a minha passagem pelo mundo me deu uma visão completamente diferente, ainda que não seja a única, nem a melhor, seguramente.

A reitoria está a par da situação das repúblicas relativamente aos SASUC, como o plafond reduzido, os alimentos já enviados perto do fim da validade, entre outros? Existe algum tipo de plano para responder a estes problemas? O que é que tem sido feito nesse sentido junto dessas entidades?

Quanto à questão dos alimentos, no ano passado pediram-me um reforço para isso e eu autorizei-o. Houve um aumento de dinheiro, por um lado. Por outro, é preciso perceber que estamos a falar de um valor que não compreende nenhuma margem de lucro. Depois é assim, as repúblicas falam, falam, mas nunca apresentaram uma coisa que lhes pedi: o número de estudantes em cada uma. Isto porque há repúblicas que nem estudantes têm, ou andam lá perto. Mas se, na verdade, nem entre elas se entendem, como é que eu hei de saber, se ninguém nos dá os números? Acho que há uma falta de diálogo, mas por radicalismo. Para as Repúblicas, o reitor é sempre, digamos, uma pessoa indesejável, seja eu ou outro qualquer. Com isso eu vivo, mas gostava que houvesse mais diálogo. Seguramente poderíamos resolver as coisas de outra forma. Agora, vamos imaginar: uma república com dez pessoas, dois estudantes e oito não estudantes. Nós estamos a dar comida a um preço de custo e nem sequer vêm buscá-la, somos nós que a vamos entregar. Não me parece que tenham razões de queixa. Querem comprar o edifício onde estão, ajudamos e até metemos dinheiro (15 por cento, o que este ano fizemos em duas). Acho que fazemos o nosso papel. Agora, se calhar, se fossem um bocadinho mais simpáticos não se perdia nada, não é?

Então se apresentarem os números todos certos haverá uma maior facilidade na resposta a estes problemas?

Claro, eu não sei se estou a alimentar cem ou mil. Vocês têm noção de que há comensais? Eu no meu ano tive amigos repúblicos e eu ia lá às vezes comer. Eram outros tempos, e, de facto, éramos todos estudantes. Era tudo mais clarinho.

Quais são as perspetivas para o novo mandato e quanto à relação com os estudantes?

Em relação a este mandato, sei que vai ser exigente. Não pelo mesmo motivo do primeiro (espero que sejam outros, embora a guerra esteja aí, e com ela, a inflação, o que leva a problemas orçamentais a todos os níveis). Vai ser exigente porque há alterações legislativas profundas em cima da mesa, o que vai obrigar a ter outro tipo de atividade, como discussão de diplomas legais. Neste momento, está-se cada vez mais a tornar o Porto e Lisboa como pólos, os outros são paisagem. Porém, temo-nos mantido relativamente bem, mas é muito visível a forma como o Governo tem privilegiado essas duas instituições. Isso seca o país. Este é um aspeto em que eu tenho especial atenção, para que a UC possa continuar a crescer e a ser cada vez mais forte.

Relativamente à ação social, que me preocupa bastante, espero conseguirmos manter o nosso nível de ação social ou superar. Nós temos, claramente, a melhor ação social do país, por mais que façam protestos. É comparar com os outros. Aliás, eu não percebo muito bem o porquê de, em Coimbra, as pessoas falarem da refeição social como se fosse um crime ser a 2,40 euros. Noutra instituição de Coimbra é superior o valor, e nunca vi ninguém queixarse dele. Vamos ainda continuar a tentar requalificar as cantinas nos diversos polos.

Quanto a residências, vamos ter novas nos Combatentes e na Luís de Camões, no âmbito do PRR, assim como a requalificação de ou- tras tantas. Nos Combatentes e na Alegria a requalificação já está a ser começada, ou irá começar brevemente.

Ao nível do nosso orçamento para apoio social, tem sido aumentado todos os anos desde que começou a pandemia, a todos os níveis. Curiosamente, nós tínhamos um orçamento de 300 mil euros e só foram pedidos 128 mil, portanto, isso não é culpa nossa, pelos vistos os estudantes não precisam.

Que mensagem gostaria de deixar aos estudantes?

São os estudantes que fazem da UC o que ela é. Têm no reitor sempre uma pessoa dialogante e aberta a resolver os problemas. Tenho muita dificuldade em tratar com pessoas que não têm palavra ou que fazem traição, seja com estudantes ou com outra pessoa qualquer. Portanto, se os estudantes querem determinado tipo de coisas, eu acho que devem falar antes de irem para os jornais ou televisões fazerem figuras tristes, que é a minha opinião. Não se esqueçam que quem se forma em Coimbra fica para toda a vida com o selo da UC na sua carreira, pelo que dizer mal da instituição onde estão não me parece muito inteligente. O que me parece inteligente é, se uma coisa está mal, peçam pelos canais próprios para que seja resolvida. Posso estar enganado, mas não me lembro de, enquanto reitor, ter havido uma reivindicação justa que em diálogo não tenha sido resolvida. Dificilmente encontrarão alguém que tenha mais carinho pelos estudantes do que eu. Vocês todos têm idade para ser meus filhos e eu tenho filhas também, portanto, eu estimo-vos porque sei como é que funcionam as pessoas da vossa idade. Eu tenho que fazer um esforço para me adaptar, mas tenho pessoas novas à minha volta a ajudarem-me e a explicarem-me como é que as coisas funcionam na geração atual. Percebo que há formas diferentes de pensar, mas há sempre um espaço fundamental para um diálogo que nos permita resolver as situações. Não estou, quanto a isso, nada pessimista.

Tive um primeiro mandato em que só posso elogiar e agradecer aos estudantes, que foram absolutamente excecionais durante a pandemia. Estiveram com a Academia, souberam sofrer com todos os outros, passaram também provações, e conseguimos, todos juntos, sair da pandemia melhor. Espero que, no segundo mandato, possa fazer as reformas que gostaria de fazer, contando com os estudantes e trabalhando para eles. Portanto, é uma mensagem de otimismo: acho que vamos ter uma Academia, daqui a quatro anos, mais contente do que aquela que está hoje. O descontentamento que poderá haver deve ser, primeiro, exposto à reitoria. Depois, se a reitoria disser que não quer saber disso, o que não vai acontecer, então façam os protestos, digam mal de mim, o que quiserem. Deem é, pelo menos, a oportunidade de conseguir ir ao encontro das ambições e expectativas dos estudantes. É isso que eu lhes peço, e desejo-lhes a maior felicidade.

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