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25 anos de André Sardet: “Valeu a pena”
Trabalho recente do artista visa afirmar a sua vitalidade na música portuguesa. Para autor, “Acústico” “foi uma vitória conquistada pelo tempo”. Ao recordar últimos anos, Sardet confessa: “Sinto que só ao terceiro álbum é que disse: «isto sou eu»”.
- POR MARIANA NEVES E TIAGO PAIVA -
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Como surgiu a paixão pela música e o interesse pela composição?
Surgiu de uma forma muito natural, desde cedo que gosto muito de cantar. Lembrome de ser miúdo e imitar o Carlos Paião, tinha eu sete ou oito anos quando ele foi ao Festival da Canção. Aos 14 anos, integrei uma banda de bares e ‘covers’. Depois, aos 17 anos, quando descobri que conseguia compor, a música ganhou uma dimensão maior dentro de mim. Nessa altura percebi que conseguia comunicar através desta arte e que conseguia pôr “cá para fora” aquilo que eu sentia e observava. Nessa fase, a música deu um sentido muito maior à ideia de querer ser músico. A partir daí, fui gerindo em paralelo a minha outra paixão, a Engenharia Mecânica. Em 1993 entrei na faculdade e em 1995 assinei o meu primeiro contrato. A nível musical foram-se abrindo portas, construindose uns lados e desmoronando-se outros.
Como é que procurou conciliar a sua vida académica com a música?
A conceção de que é necessário tirar um curso para ter segurança está muito presente, e eu tentei fazê-lo, mas era impossível... Ainda por cima, por passar muito tempo em Lisboa, tornou-se difícil conciliar os estudos em Coimbra com a minha vida profissional lá.
Porquê Coimbra e não Lisboa?
Eu fiquei em Coimbra por razões familiares, porque por profissionais não faria sentido eu estar aqui, uma vez que o centro de decisão e toda a indústria musical está em Lisboa. Fez sentido criar aqui os meus filhos, porque é uma cidade que me inspira, uma cidade que não tem o stress do trânsito de Lisboa, portanto prefiro estar aqui. No entanto, leva a que eu faça de Coimbra um dormitório. Ando sempre de um lado para o outro e, muitas vezes, venho só a casa para dormir.
Ainda assim, qual é a sua visão sobre a música que se faz em Coimbra?
Esta cidade tem a Canção de Coimbra, que é um património muito próprio e identitário. É um património que une não só os conimbricenses, como todos aqueles que passam por cá, pelo que carece de investimento local. Na minha opinião, não existe investimento, divulgação e consolidação suficiente, devia ser uma bandeira da nossa cidade e região.
Tem alguma ligação com os artistas locais e a cultura musical de Coimbra?
É engraçado, porque quando eu comecei, há 20 e tal anos, tirando os músicos que tocavam em bares, não havia ninguém a compor e a gravar discos. Felizmente, nos últimos anos, foram surgindo uma série de nomes com exposição nacional, como os Quatro e Meia, a Beatriz Rosário e os Anaquim. Também temos malta mais ‘underground’ e novas gerações e estilos a emergir. É muito positivo termos relações mais próximas uns com os outros.
Há alguém em particular com quem gostasse de colaborar?
Eu gostava de fazer um dueto com o Sting! Não sei se isso vai alguma vez acontecer ou não, mas gostava (risos). Na verdade, a partilha resultante da ida para estúdio com outros colegas é emocionante. É um momento em que as pessoas se entregam, é um ato de grande generosidade em que se tenta dar a alma a uma música que não é sua. Reconheço muito a atitude das pessoas quando se entregam às minhas músicas dessa forma.
Em 2006, gravou o álbum “Acústico” no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV). Como foi este momento?
Representa uma mudança grande na minha vida. A partir desse momento, foram reconhecidas uma série de músicas que vão ficar na música portuguesa. Não há nenhum álbum depois do "Acústico" que tenha vendido mais. Foi uma vitória conquistada pelo tempo.
Dois anos depois, foi o primeiro artista português a realizar uma ECO TOUR. Como surgiu a ideia de fazer a ponte entre a música e a consciencialização ambiental?
Certo dia, cheguei a casa do meu avô e vi-o a reciclar, e, quase por vergonha, não disse nada. Depois desta situação, fui para casa e pensei - “eu também vou reciclar. Se o meu avô, que não vai estar aqui por muitos mais anos, já faz isto, porque é que eu não faço?”. Esse foi o clique ambiental. A partir daí, fui à procura de mais informação, de me consciencializar a mim e à minha família. Depois de uma ‘tour’ como a que fiz em 2006 e 2007, em que enchíamos não sei quantos depósitos de combustível todos os dias e os meus concertos eram promovidos com pendões de plástico pregados em árvores, acreditei que faria todo o sentido que o seu impacto fosse diminuído. Embora acredite que na área ambiental é muito difícil ter certezas. É cada vez mais complicado separar o que é o marketing e o aproveitamento do que é o correto. Estamos todos a tentar emitir menos gases poluentes nos carros, mas depois comemos manga que vem do Brasil e amêijoas que vêm do Vietnam de barco, que é o meio de transporte mais poluente. Orgulho-me muito da ECO TOUR 2008, e orgulho-me de ter, sempre que posso, uma intervenção a esse nível.
Ambiciona fazer outros projetos na área da Ecologia no futuro?
Dentro das minhas áreas de intervenção, além da música, sou produtor de espetáculos e tenho um hotel. Neste espaço tenho mais dificuldade em ser tão sustentável como gostaria. Não posso colocar painéis solares numa zona histórica, mas a minha empresa de produção de eventos está a ser alvo de uma certificação ambiental, e vai ser a primeira do país a ter esse título.
Saltando uns anos, com que intuito produziu o álbum "Ponto de Partida", em 2022?
Quis entregar uma visão para o futuro. Não quis que fosse um balanço de carreira, nem um olhar para o passado. Quis dar uma prova de vitalidade criativa e dizer que estou cá para ficar.
Como foi regressar aos concertos nas grandes salas para celebrar 25 anos de carreira?
Foi uma prova de vitalidade conseguir esgotar as salas por onde passei e irei passar. Após o sucesso que tive, gerou-se uma “overdose”, que necessitava de ser curada. Não há nenhuma música portuguesa que tenha tocado tanto nas rádios como a “Foi Feitiço”. Durante este tempo em que estive um pouco mais distante, atribuí maior atenção a outras áreas da minha vida. Sempre disse que não quero ser escravo da música, não quero chegar aos sessenta anos acabado e ter que tocar por necessidade.
Consegue destacar um momento da sua carreira que tenha tido um significado especial?
Lembro-me de estar a tocar, no início de agosto em 2006, no Casino da Figueira, e estava o quarteirão todo com uma fila para me ir ver. Só podia entrar um décimo das pessoas que lá estavam. Tocar pela primeira vez nos coliseus foi também um marco memorável. A noite de gravação do álbum "Acústico", no TAGV, mudou a minha vida. Além disso, cantar com o Jorge Palma no último disco foi a concretização de um sonho muito antigo. Felizmente, a minha vida vai sendo uma coletânea de bons momentos.
Quais os maiores desafios com que se deparou para singrar no mundo da música?
O maior desafio foi criar uma identidade musical. Todos nós temos influências, e isso faz com que o nosso caminho seja próximo daqueles que nos influenciam. Esse foi o meu maior desafio, e é o maior desafio de todos os músicos. Há uma altura em que tu imitas, é como o filho que imita o pai. Primeiro imitamos e depois vamos construindo coisas nossas. Sinto que só no terceiro álbum é que disse: "isto sou eu".
Que conselho dá às gerações mais jovens para ter sucesso na música hoje em dia?
É crucial ter uma relação séria com a música. Há pessoas que têm muito talento, mas são pouco autocríticas, e isso faz com que não trabalhem o suficiente para alcançar um determinado nível. No meu caso, vejo-me incapaz de ir para cima de um palco sem tocar o concerto do princípio ao fim três ou quatro vezes. Quando era miúdo não tinha o acesso à música que gostaria de ter tido, a música era muito cara, e com o dinheiro que recebia na Páscoa e no Natal conseguia comprar apenas um álbum de vinil. Hoje em dia, há um acesso à música brutal. O conselho que eu dou é: aprofundem, sejam exigentes e trabalhem. Porque lá está, o tempo dos jeitosos já não existe.
Por fim, que balanço faz destes 25 anos, tanto a nível profissional como pessoal?
Valeu a pena. Quando comecei, não fazia ideia quantos anos é que iria durar a minha carreira, e isso é um risco grande. Comecei a produzir eventos para não desistir da música. Acreditava que era uma forma de continuar com a minha carreira musical, sem ter de depender só dela. Se não, a minha vida teria sido completamente diferente e não estaria tão feliz. Senti que me tiraram o tapete algumas vezes. É um caminho muito solitário em que temos de acreditar em nós e não ter medo de nada. É preciso aproveitar as oportunidades que nos aparecem à frente, o que eu sempre procurei fazer.