UNIVERSIDADE - UM CAMPO DE DISPUTAS POLÍTICAS José Francisco de Melo Neto1
Resumo Este trabalho mostra o movimento das políticas públicas no campo da educação, em particular para universidade pública, nas últimas três décadas. Apresenta ainda as diferenciadas formas de como vêm sendo implementadas, no país , as políticas denominadas de neoliberais e que tiveram seu início desde a década de 60. São vários projetos de universidade em disputa no cenário político nacional, destacando-se aquele que defende uma universidade pública, gratuita, de qualidade, autônoma, democrática, laica e, necessariamente, crítico-ativa. Abstract This work exhibits the movement of the public politics in the field of the education, in particular for public universitty, in the last three decades. It still presents differentiated forms of the denominated „neoliberals‟ politics as they come being implemented in Brazil since the decade of 60. From the several university projects in dispute in the national political scenery, it highlights the public quality university, free of rates, autonomous, democratic, laic and necessarily critical and active.
O estudo sobre a universidade vem sendo desenvolvido, particularmente, nas três últimas décadas, como um espaço de debate no campo teórico, mas que tem se apresentado como um terreno em permanente disputa das forças políticas no país. A análise da universidade como um campo em disputa vem se firmando com mais intensidade, nos últimos anos, a partir, sobretudo, da formulação de projetos diferenciados do Governo Sarney (GERES - Grupo de Estudos e Reestruturação do Ensino Superior), do projeto que vem sendo construído pelo Movimento Docente, através da ANDES (Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) e o do Movimento
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Professor do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação – Educação Popular – da Universidade Federal da Paraíba, da Linha de Pesquisa em Educação, Estado e Políticas Públicas. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Extensão Popular.
2 dos Servidores, através da Federação das Associações de Servidores das Universidades Brasileiras (FASUBRA). No início da chamada Nova República, a universidade esteve nos planos de reformas governamentais. A formulação marcante desse momento resultou na reestruturação do ensino superior proposta pela Comissão de Alto Nível, criada pelo então Ministro da Educação Marco Maciel (l985-l987). Esse projeto veio marcado pelo princípio de racionalização da universidade, presente na reforma universitária de l968. Pretendia-se, assim, reformular, dessa lei, aspectos considerados superados pela conjuntura, mas, na essência, não se promovia nenhum movimento significativo de reforma da lógica privatista e autoritária do ensino em andamento no país. Tudo isso passou a estabelecer relações com alguns fatos, considerados consensuais entre os estudiosos, que afetaram a vida da universidade, a partir da década de 60, a saber: o acordo MEC-USAID (o acordo da discórdia, sobretudo), a reação estudantil, o Relatório Meira Mattos e a criação do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras - CRUB. Nos mais diferentes setores do Governo Federal, ocorreram tentativas em busca do desenvolvimento, sempre com base na situação econômica, sociocultural e política do país. Esse projeto de superação do subdesenvolvimento, para FERNANDES (1976: 194), “significa alteração na posição através da qual suas sociedades nacionais participam da civilização ocidental”. Nesse movimento, as universidades dos países dependentes se inserem nas relações de dependência que, segundo o autor, “concorrem para preservar as formas de subordinação cultural existentes, servindo de elo à assimilação da cultura produzida nas nações desenvolvidas e hegemônicas, que exercem o monopólio na invenção e difusão das formas básicas de saber” (ibid.:195). Nesse contexto, o papel das universidades
só
pode
aparecer
e
afirmar-se
historicamente
como
“fator
de
desenvolvimento”, quando concorrer para a negação e superação desse status quo. Raras, entretanto, têm sido as tentativas, no campo da educação e, particularmente, nas universidades, nessa direção. O relatório do acordo MEC-USAID destaca entre as suas conclusões o fato de que a universidade se encontra totalmente inadequada para atender ao crescimento econômico brasileiro. Com base nisso, TAVARES (1980: 24) assinala: “Se conseguirmos ajudar essas
3 universidades, teríamos mais segurança de que o Brasil seria uma sociedade livre e um amigo leal dos Estados Unidos”. Analisando a Reforma Universitária, BENEVIDES (l981:34) entende que esta “transformou-se em mística, sob o respaldo de altas vozes da educação nacional, que ignoraram, sem dúvida, as limitações e insuficiências das falanges vingadoras”.
Ocorre nesse momento a mobilização2 do Movimento Estudantil
Universitário, denunciando como esse acordo deseja manipular o aparelho escolar brasileiro e, dessa maneira, possibilitar o alinhamento político do Brasil aos Estados Unidos e o fortalecimento da Aliança para o Progresso.
Nessa mesma direção, ARAPIRACA
(l982:124) acrescenta: “A documentação disponível expressa claramente a tentativa políticoideológica, por parte da USAID, de manipular o aparelho escolar brasileiro para legitimar um processo de modernização da sociedade, a fim de possibilitar um alinhamento geopolítico com o neocapitalismo norteamericano no continente”. Nessa perspectiva, COVRE (l983:199) mostra que, ao longo do período de trabalho da USAID, fez-se um levantamento da situação educacional no Brasil, desde o pré-escolar até a pós-graduação. Esclarece que o acordo3 conquistou os tecnocratas brasileiros, transitando livremente pelo MEC e levando muitos brasileiros aos Estados Unidos, para realizarem seus cursos de pós-graduação, aperfeiçoamento e outros tipos de reciclagem. Respondendo à insatisfação estudantil, o governo edita o Decreto no. 477. Para ROMANELLI (l987: 226), “ as medidas de contenção do protesto se revelavam, assim, a única via capaz de impor a ordem, e, ao mesmo tempo, as reformas. Essas medidas definem, assim, os aspectos assumidos pela reforma geral do ensino”. Convém destacar do relatório MEIRA MATTOS (1967: 243) que, após trabalho em regime intensivo, apresentou, entre as tantas falhas existentes do sistema educacional, a própria inadequabilidade do MEC. Isto resultava da inoperância de muitos órgãos, com atividades desintegradas, gastos excessivos de verba e estrutura superada. Também se
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A mobilização não surge apenas em decorrência dos acordos MEC/USAID, o que vai ocorrer a partir de 1964. Além do repúdio à repressão político-militar, as discussões no meio estudantil dirigem-se contra a Lei Suplicy, o Relatório ATCON e os demais acordos, principalmente o de junho de 1965.
4 destaca o que se denominou no relatório de crise de autoridade no sistema educacional. Segundo o relatório, essa crise estava ligada ao poder excessivo do Conselho Federal de Educação (CFE) e a uma autonomia muito ampla, que fora concedida às administrações das universidades. Foi também apontada como medida importante a ser tomada a melhoria da remuneração do professor. Para a efetivação dessa medida, sobretudo na questão dos “ociosos”, criou-se o ciclo básico nos cursos universitários, introduziu-se o sistema de créditos e instituíram-se os cursos de curta duração4. Muitos estranharam a criação do Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), sobretudo envolvendo a participação das universidades federais, por se tratar de uma proposta que viera da Diretoria de Ensino Superior do Ministério da Educação5. Havia sido solicitada ao Prof. Rudolph Atcon, ligado estreitamente ao acordo MEC-USAID6, e que posteriormente veio a ocupar durante dois anos a Secretaria Executiva do CRUB. Esse Conselho norteou ações de integração da universidade com o meio social, segundo FAGUNDES (l986: 121).
Contudo, assinala o autor: “a autonomia que se
buscava foi muito mais induzida pelo MEC/CEF do que decorrente de um projeto do CRUB. A integração pautou-se, na verdade, muito mais pela ótica da política governamental vigente”. Para Atcon, o problema da universidade era uma questão técnica e nada política. Segundo ele, sua organização era tarefa para os planejadores da universidade, a quem cabia equacionar os problemas. Para VIEIRA (l982: 32), a universidade, no pensamento de Atcon, “era um fato administrativo e devia ser administrada como uma empresa privada e não como órgão público”. Atcon, exercendo a atividade de secretário executivo do CRUB,
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Relatório da Equipe de Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior – EAPES. (Acordo MEC/USAID. Rio de Janeiro, MEC/DES, 1968. 4 Essa modalidade de curso, com menor tempo de formação, parece ter sido resgatada na recente reforma ocorrida no ensino técnico profissionalizante, com a criação de vários Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFETS. 5 Até 1966, a execução de convênios da USAID para o ensino superior estava a carga do MEC/DES. Com a criação do CRUB, em abril de 1966, este órgão passou a assumir a coordenação e a execução desses acordos realizados entre o MEC e a USAID. 6 A pedido da Diretoria do Ensino Superior (DES) – Moniz Aragão – sendo divulgado em 1966. Entre as recomendações de ATCON, a primeira delas propõe: “A constituição de um Conselho de Reitores e a organização de sua secretaria executiva em moldes empresariais, para criar local apropriado para empreender estudos sistemáticos sobre ensino superior e planejamento ininterrupto”. (Ver: Relatório
5 vinha fazer o elo entre reitores e o acordo MEC-USAID. Estas informações, segundo BOAVENTURA (1988: 223), são suficientes para se “perceber grande identidade entre a modernização universitária defendida por Atcon, com os decretos castelistas e o Relatório Meira Mattos”. É importante detalhar, também, os procedimentos de condução das políticas de educação no país, através de formulações de grupos de trabalhos ou de comissões de estudos. Esta tem sido uma constante na organização do sistema educacional no Brasil. Duas décadas após as reformas, ter-se-á o Projeto GERES - criado na administração do Ministro Jorge Bornhausen - que também viera possibilitar a concretização da proposta da Comissão de Alto Nível, agora em forma de projeto de lei. A organização dos docentes, em nível nacional, bem como dos demais servidores de universidades, através da ANDES e da FASUBRA,
respectivamente,
colocou-se
contrária àquele projeto, mostrando a distância do mesmo em relação às suas reivindicações históricas, assim como aos procedimentos institucionais desencadeados de cima para baixo. O movimento de luta pela reconquista dos direitos de cidadania vinha se firmando desde a segunda metade da década de 70. MEDEIROS & SEIFFERT (1998: 114) caracterizam esse momento, enfatizando: “Nesse período, a atuação do movimento estudantil, em fase de reorganização e com tradição de luta, e o nascente movimento organizado dos docentes de ensino superior, foram as vozes mais fortes em defesa do ensino superior público e gratuito”. Um primeiro momento do embate entre os projetos de universidade7 se constituiu numa divulgação maior das reivindicações postas pela ANDES e pela FASUBRA frente ao
ATCON. Reunião à reformulação estrutural da Universidade Brasileira. Rio de Janeiro. MEC/DES, 1996. p. 121). 7 A proposta da ANDES, presente no Cadernos ANDES no. 2, foi publicada em julho de 1986, com o seguinte título: Proposta das Associações de Docentes e da ANDES para a Universidade Brasileira, reeditada em julho de 1996. Esta proposta veio tomando corpo a partir da articulação da ANDES, no período de 92 a 95, com outros setores sociais organizados, como a SBPC, a OAB, a ABI, UNE e FASUBRA. Foram definidos, então, os seguintes princípios norteadores daquela proposta: manutenção e ampliação do ensino público e gratuito; autonomia e funcionamento democrático da universidade, com base em colegiados e cargos de direção eletivos; estabelecimento de um padrão de qualidade para o ensino superior, estimulando a pesquisa e a criação intelectual nas universidades; dotação de recursos públicos orçamentários suficientes para o ensino e a pesquisa nas universidades públicas; criação de condições para adequação da Universidade à realidade brasileira; garantia de direito à liberdade de pensamento nas contratações e nomeações para a Universidade, bem como no exercício das funções e atividades acadêmicas.
6 projeto colocado pelo MEC. Na verdade, as entidades apresentavam projetos alternativos, que ainda não eram considerados acabados, mas que colocavam, para o debate nacional, questões como: o ensino público e gratuito, o padrão unitário de qualidade, autonomia da gestão financeira, bem como a função social da universidade voltada às “maiorias da sociedade”. Sua continuação levou à formulação da proposta da FASUBRA, que se constituiu num projeto intitulado - Universidade dos Trabalhadores - que, hoje, em versão mais atualizada, denomina-se Universidade Cidadã para os Trabalhadores. Esta proposta de universidade se fundamenta em seis pontos básicos: a defesa do ensino público e gratuito, entendendo-se que a universalização do ensino só se torna possível a partir da extensão da rede pública, e garantia da gratuidade; a autonomia e democratização como entes imprescindíveis para a definição de seus planos administrativo, financeiro, didáticopedagógico, técnico-científico e político (a autonomia e democratização só serão asseguradas se estiverem vinculadas entre si); o controle pela comunidade universitária, o qual se vincula aos seus movimentos políticos internos que com capacidade podem intervir na gestão cotidiana da universidade; a defesa do padrão único de qualidade, assegurada a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; finalmente, o compromisso social, considerando que “a universidade tem por objetivo, através do ensino, pesquisa e extensão, contribuir para romper as desigualdades sociais e superar a alienação individual e coletiva” ( SINTESPB: 1995: 16). O Movimento Docente e o dos demais servidores avançaram em suas reivindicações. Com lutas, chegaram a ocupar espaços políticos na instituição universitária. Houve eleições para reitores. As listas sêxtuplas foram substituídas por acordos éticos internos entre profissionais, que assumiram a nomeação daquele candidato mais votado. Em vários momentos, isso gerou problemas em muitas universidades, principalmente na relação entre essas universidades e o MEC.
Por exemplo, o Ministro
da Educação José
Goldenberg não nomeou reitores que não fossem de seu agrado; questionava os processos eleitorais e, por isso, foi criticado por ferir a autonomia da universidade. O ministro Paulo
7 Renato, por sua vez, torna uma prática a quebra da autonomia, nomeando vários reitores de seu particular interesse8. O processo eleitoral para a escolha do reitor gerou expectativas internas nas instituições, bem como as eleições para direções de centros, departamentos e coordenações de cursos. Toda essa
movimentação nas universidades foi definindo momentos de
discussão e debates entre as diferentes composições de forças políticas. Expunham-se as concepções e projetos de universidades a serem submetidos a toda a comunidade. Estabeleceu-se o debate como instrumento de democratização da universidade. Foram se instalando diferentes momentos, onde se asseguraram a denúncia e o enfrentamento da política oficial do governo central. Os momentos de eleição nas universidades marcaram lutas importantes: a garantia da posse aos candidatos mais votados; as denúncias de falta de verbas; o embate envolvendo as mantenedoras das universidades particulares, destacando-se as questões relativas ao processo de democratização das mesmas ou a redução das mensalidades, contribuindo para uma maior politização dessas reivindicações. Por outro lado, tem-se por parte do MEC uma intransigência em atendê-las, mantendo-se o processo de redução das verbas para as universidades públicas, de modo a deixá-las em situação de “penúria”. Isso, porém, não impediu os avanços organizativos entre docentes, estudantes e demais servidores quando da
promoção de atividades
conjuntas, seja nas greves ou em momentos de assembléias. Todos esses embates demonstraram, contudo, segundo o Projeto ALFABETAÇÃO da UNE - União Nacional dos Estudantes - (1990: 4), a necessidade de um projeto nacional que possibilitasse a unificação dessas lutas. No âmbito dos docentes, o debate sobre a necessidade de elaboração de um projeto de reestruturação da universidade para o país vem se realizando pela ANDES, desde o início da década de 80, através de simpósios, reuniões, conselhos e congressos. Em junho de 82, reunido em Belo Horizonte, o V Conselho Nacional de Associações Docentes elaborou a primeira versão de um documento, apresentado ao MEC, que se tornou a
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Destaque-se a nomeação do Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, que gerou a ocupação da Reitoria, por parte dos estudantes, e total descontentamento entre os docentes e demais
8 Proposta das Associações de Docentes e da ANDES para a Universidade Brasileira. A partir desse documento, a ANDES, buscando a ampliação do debate, junta-se à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), à SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e à ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e formam um acordo de “ação comum” sobre princípios para a reestruturação da universidade no Brasil, com a seguinte base: “Manutenção e ampliação do ensino público e gratuito; autonomia e funcionamento democrático da universidade com base em colegiados e cargos de direção eletivos; estabelecimento de um padrão de qualidade para o ensino superior, estimulando a pesquisa e a criação intelectual nas universidades; dotação de recursos públicos orçamentários suficientes para o ensino e pesquisa nas universidades públicas; criação de condições para a adequação da universidade à realidade brasileira, garantia do direito à liberdade de pensamento nas contratações e nomeações para universidade, bem como no exercício das funções e atividades acadêmicas” (ANDES, 1986: 2). O processo de reestruturação vai tomando corpo desde a realização, no Rio de Janeiro, em l983, do Simpósio sobre a Universidade Brasileira, com o título O Público e o Privado, o Poder e o Saber: a Universidade em Debate. Em l985, ocorreu em Brasília, em promoção conjunta UNE, FASUBRA e ANDES, o Seminário sobre Reestruturação da Universidade, que tentava maior ampliação do debate, com a participação de várias outras entidades da sociedade civil. Foram convidados, além do Ministro da Educação, o Ministro da Ciência e Tecnologia e o da Administração. Com o acúmulo das discussões anteriores, chegou-se ao Seminário de Olinda, em 1985, quando se definiu, de forma conclusiva, a proposta de Reestruturação da Universidade Brasileira. Apesar disso, o debate continuou. Houve o seminário em Salvador que, com algumas complementações no tocante ao texto, em particular na temática sobre administração, chega-se ao XIII CONAD, promoção da ANDES, em São Paulo. Daí, formalizou-se, mesmo se mantendo o debate, a Proposta das Associações Docentes e da ANDES para a Universidade Brasileira. É possível, a partir desse momento, se ter a análise do movimento docente sobre a universidade no Brasil. Nesse sentido, a compreensão é de que esta é um patrimônio social, servidores.
9 que se caracteriza “pela sua necessária dimensão de universalidade na produção e transmissão da experiência cultural e científica da sociedade” (ibid.: 5). Dessa forma, a universidade passa a se definir como “instituição social de interesse público”. A análise do movimento docente é de que, na história recente, isto não vem ocorrendo no âmbito do ensino superior, sobretudo a partir da implantação da Lei 5.540, de l968. Desse período até os dias de hoje, o que se observou na educação do terceiro grau é que existe um processo estrategicamente armado para comprometer as Instituições de Ensino Superior da rede pública, caracterizando-se a política estatal como: “Progressiva aceleração do processo de privatização e de empresariamento do ensino, a crescente desobrigação do Estado com o financiamento das universidades, a definição pelo poder público de uma política educacional que não assegurou efetivamente condições reais de ensino e pesquisa na produção acadêmica e o autoritarismo estatal” (ibid.: 6). O processo de privatização é acompanhado pela deterioração do ensino público, conforme a proposta neoliberal, caracterizando-se pelo descomprometimento orçamentário para com essa rede. Nesse sentido, FÁVERO (l992:128) mostra que não é suficiente discursar sobre a necessidade do cumprimento da gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, mas que é preciso assegurar “a liberação dos recursos aprovados pelo Congresso Nacional dentro dos prazos previstos”. Em análise de documentos do Fórum de Pró-Reitores, a pesquisadora constata que 37% dos recursos relativos ao ano de l991, em pleno mês de outubro, marcados sob a rubrica outros custeios de capital (OCC), não tinham sido repassados às universidades. Essa tendência para com a educação pública brasileira vem se acentuando desde a década de 70. Cresceu durante toda a década de 80 e continua até os dias de hoje9. Os índices percentuais na elaboração da primeira versão do orçamento da União para 1996, submetida para análise e votação pelo Congresso Nacional, demonstram que as despesas do país para com a educação foram reduzidas ao patamar de 2% do PIB nacional - o mais baixo índice registrado nas últimas décadas. Além disso, as conquistas, fruto das lutas, sobretudo da década de 80, tais como carreira unificada, isonomia salarial entre profissionais do ensino superior e, até, a estabilidade vêm sendo
10 ameaçadas desde o início das políticas dos Ministros da Educação, Paulo Renato, e da Administração, Bresser Pereira, mantendo-se na agenda política do governo até o momento. Mais uma vez é colocada para a sociedade brasileira a necessidade de mudanças na universidade. O projeto neoliberal, em andamento, vai além da mudança centrada em uma reforma gerencial. Assim sendo, a tentativa de mudança incide na mesma “malha” das anteriores. Esse tipo de reforma não pode ser confundida com a necessidade de um projeto de reestruturação da universidade no Brasil.
Uma reestruturação só tem sentido se
resultar em profundas modificações, não só no cotidiano administrativo das IFES (Instituições Federais de Ensino Superior), mas também se atingir as estruturas de poder na universidade, bem como o desempenho de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. O Projeto de Reestruturação da Universidade no Brasil defendia também um processo de avaliação da universidade que devia desenvolver-se, sistematicamente, com critérios definidos, de forma pública e democrática. Este caminho não é só um mecanismo de proteção contra a tutela do Estado e das influências do capital. É um esquema de proteção contra possíveis privilégios corporativos, eventualmente, existentes. Convém destacar a questão da avaliação que foi retomada, desde l985, com a divulgação do relatório GERES, embora já tivesse sido colocada pelo documento da Comissão Nacional pela Reformulação da Educação Superior - Uma Nova Política para a Educação Superior. Nesse documento, a avaliação está voltada para o desempenho da educação superior. Para aquela comissão surgiram dúvidas, sobretudo no que se refere à ausência de padrões para o ato de avaliar. Ao se perguntar: “avaliar o quê?”, recorreu-se à experiência internacional e aos procedimentos de avaliação dos cursos adotados por especialistas, segundo as áreas de conhecimento. Buscou-se avaliar os recursos físicos, financeiros e pedagógicos aplicados nas universidades. Essa abordagem possibilita a quantificação de parâmetros e vislumbra uma avaliação voltada à eficiência em seus diversos tipos, tais como: aluno versus professor; taxas de desistência e repetência; custos com alunos e professores. Os alunos passam a ser avaliados em relação à demanda e assim avaliam-se os cursos. Há, dessa forma, a suposição de que os cursos com mais candidatos, “e candidatos mais qualificados, são superiores aos menos demandados, ou demandados por pessoal 9
Ver documento MEC/MARE/96 – Proposta de redefinição da estrutura jurídica das IFES.
11 menos qualificado” (MEC, 1985: 55). Há a avaliação comparativa dos formados - através de testes comparativos - bem como a avaliação das oportunidades de trabalho, hoje, em franca implantação. Tem-se a avaliação dos professores, que consiste em verificar a sua “reputação” entre os colegas, por uma parte, e entre os alunos por outra (ibid.: 56). Além da avaliação didático-pedagógica do ensino, é contemplada a avaliação das carreiras profissionais e também a avaliação dos servidores técnico-administrativos. Esta consiste em “verificar o desempenho funcional, tendo em vista a subordinação das atividades administrativas às atividades acadêmicas” (ibid.: 56). No documento da Comissão Nacional para Reformulação da
Educação
Superior, a avaliação da universidade
contemplaria uma auto-avaliação, uma avaliação governamental, e ainda uma avaliação pela comunidade,
expressa através de pessoas ligadas à profissão dos cursos e de
avaliações independentes. O Movimento Docente continua na defesa de seu projeto e de suas concepções de universidade e, desde o início dos anos 80, alerta para o seguinte fato: “O governo afirme que estar empenhado na transformação estrutural da universidade, não é uma garantia de que vai implementá-la e menos ainda, de que pretenda fazê-lo no sentido das propostas da comunidade universitária. O enfrentamento democrático das questões cruciais da sociedade brasileira no momento de sua desejada transformação não pode ser resolvido por comissões de alegada ou real competência, mas exige a livre manifestação dos setores sociais envolvidos através dos organismos nos quais se organizam as entidades que os representam” (ANDES, 1985: 2). Sob essa perspectiva, LIMOEIRO CARDOSO (l989: 9) distingue dois níveis: o primeiro refere-se ao procedimento na elaboração desses documentos, destacando o relatório GERES10; o segundo analisa a avaliação que, nesse documento, dá-se sob a ótica do binônimo autonomia-avaliação, sendo esta uma questão central. A divisão em níveis é 10
Ver: TAVARES, Maria das Graças Medeiros. Educação superior cidadã e a extensão universitária: possibilidades e limitações na Lei no. 9394/96 – LDB. Dessa obra, destaca-se que a concepção de universidade presente naquele relatório contemplava dois tipos de instituição: “a) a universidade do ensino em que a pesquisa científica não era uma atividade-fim, sendo substituída pelo uso do método científico incorporado à prática didática do cotidiano; 2) a universidade do conhecimento, considerada modernizante, baseada no desempenho acadêmico e científico, protegida das flutuações de interesses imediatistas” (p. 56).
12 meramente de caráter analítico, já que, para a autora, o importante mesmo é que, tanto a questão de procedimento quanto o conteúdo do projeto de avaliação, “estão subordinados a uma lógica da eficiência” (ibid., 9). Desta lógica pode-se considerar a sua estrutura que é a relação da universidade com o sistema de forças sociais a que serve. Por isso é que PINTO (1986: 27) considera a universidade não passível da crítica de que ela é ineficiente. Para ele, “a universidade é maximamente eficiente, pois produz com perfeição os resultados que dela se devem esperar, dada a sua natureza”. O autor quer mostrar que a universidade não está destinada a funcionar como propulsora de transformações materiais da realidade brasileira. Não estando voltada a esses interesses, ela se caracteriza como retrógrada e reacionária, o que a torna inconveniente aos alunos. LIMOEIRO CARDOSO (ibid.: 9) mostra que o procedimento de formação das “comissões de alto nível” faz parte da tradição centralizadora do Estado brasileiro, em especial no trato das questões educacionais. Tradição esta explícita desde a formação do Grupo de Trabalho para a Reforma Universitária, de 68, em que o pressuposto absoluto é “a desqualificação dos princípios democráticos e liberais por parte dos sábios da República, em nome da ciência e do realismo político, ou seja, das questões da eficiência”. Descarta, portanto, a premissa de que é possível que o responsável pela ação, no caso do trabalho universitário, seja também o legislador desta sua ação. A discussão e o debate são recusados, pois estes são frutos, simplesmente, de “assembleísmos”. É uma lógica que conduz à compreensão de que a direção política deve estar sob mandos dessa eficiência. Sua origem está nos “sábios” que a ordenam, de forma vertical. Ainda no que concerne ao debate sobre a avaliação, tem-se que sua ótica é marcada pela idéia de eficiência e de produtividade. “Essa visão da avaliação é subordinada a uma concepção de modernização, em outras palavras, à lógica do capital no desenvolvimento das sociedades contemporâneas” (ibid.: l0). Nesta mesma direção, observa LIMOEIRO CARDOSO (l99l) que a política para o ensino superior no país arrasta consigo a discussão sobre avaliação e torna central a definição dos conceitos de competência e excelência. No trato das questões da universidade, a proposta oficial dá ênfase à qualidade, que passa a ser considerada como sinônimo de competência e excelência. Ora, a autora considera que “qualquer avaliação precisa se configurar em relação a algo, necessita de uma referência
13 que se possa tomar como padrão” (ibid.: l5). Entende-se, desta forma, como uma necessidade definir-se o conceito de qualidade e, conseqüentemente, os de competência e de excelência. Com isso se evitará que, assim como na proposta do GERES e da política governamental dos últimos anos, esses princípios sejam tratados como se fossem únicos e universais. De acordo com a autora (ibid.: l5), eis uma questão que não pode deixar de ser respondida: a intenção existente de se entender qualidade em um sentido restrito. Propõe-se buscá-la num ponto terminal, por exemplo, como a avaliação após o término do curso (provão). Essa é uma marca contida na proposta do GERES, que tem continuidade nas propostas governamentais e que, além de veicular uma concepção de universidade, vai trazer um controle de final de curso ou um caráter finalístico da instituição universitária. Ora, um curso é um processo ou mesmo uma “cadeia rica em mediações” a ser avaliada que, possivelmente, não comporta uma avaliação com tal finalidade. O projeto de avaliação institucional, para LIMOEIRO CARDOSO (1995), é parte de um projeto global de governo para a universidade que surge com o processo de abertura política, ainda na ditadura militar. Em sua proposta de avaliação institucional como parte de um projeto mais global, pretendia o governo ”racionalizar o trabalho, racionalizar a formação para o trabalho e para a sociedade e, por outro lado, exercer um controle mais efetivo sobre o pensamento” (ibid.: 26). Analisar a proposta de avaliação do governo exige um conhecimento do conjunto do projeto do qual ela faz parte. Esse conjunto, para a autora, inclui a política de expansão na graduação, sendo significativa, nas instituições privadas, a política de pesquisa, a política de pós-graduação e a política de verbas e de salários que, na verdade, constituem um projeto só. “Esse conjunto de propostas ou de políticas decorre de quê? Decorre diretamente da lógica do capital, lógica do capital voltada para o setor da produção e, particularmente, para o setor da reprodução. O projeto se destina, pois, a exercer controle e, secundariamente, racionalização que sirva para esse controle” (ibid.: 26). A implementação desse projeto desde o regime militar que devastara a universidade apresenta mudanças marcantes. LIMOEIRO CARDOSO (ibid.:32)
apresenta algumas
14 características dessas mudanças11. Há uma privatização do espaço público sob o domínio da pesquisa, fazendo aparecer fundações privadas para operacionalizar verbas em projetos de pesquisa, os mais variados, no interior da universidade. As reformas têm conduzido ao fortalecimento da perspectiva de carreira, no sentido de favorecimento de carreiristas e oportunistas. As mudanças trouxeram ainda a degradação da qualidade do trabalho na universidade. A qualidade do trabalho acadêmico apresenta ênfase na dimensão quantitativa e no tempo de produção. Há ainda como conseqüência desse projeto do governo “a acentuação das práticas de divisão e de hierarquização, segundo os novos esquemas de poder” (ibid., 32). Existe um processo de cooptação de docentes, funcionários e alunos, que vem comprometendo todo o processo de democratização da universidade. Observa-se, finalmente, “ a redução drástica da crítica, redução drástica do debate racional de idéias, redução drástica da tolerância e diferença, redução drástica da tolerância e não integração nos novos esquemas de poder” (ibid.: 32). Em relação à autonomia, sabe-se que esta é uma questão presente desde a origem das universidades, na idade média. Já pelo século XII, existem escolas, particularmente as universidades, nas quais o saber se torna uma finalidade desinteressada. Esse saber não era contrário ao texto religioso - o texto revelado - mas com ele se punha de acordo, expressando o sistema coerente do mundo. A autonomia aparece na origem da formação das universidades que, desde o início, busca a sua independência dos próprios alunos. Historicamente, ela é absorvida pela Igreja Católica, mas continua a sua luta pela autonomia frente à instituição eclesiástica. Posteriormente, já na modernidade, vai permanecer às expensas do Estado que insiste, sobretudo aqui no Brasil, em mantê-la sob total controle, não só acadêmico e financeiro, mas definindo até mesmo o seu objeto de estudo e de pesquisa. Esta política vem sendo desenvolvida, de variadas formas, até os dias de hoje. Ao analisar a autonomia no cenário da educação brasileira, FÁVERO (l991: 29) vê a questão posta, já em l966, por Atcon. Este, nas suas análises sobre a reformulação da estrutura da universidade, busca torná-la um tipo de empresa privada, sugerindo a implantação desse modelo. Com isso, estariam também reformulados critérios como os de
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Para um maior aprofundamento, ver: LIMOEIRO CARDOSO, Mirian. Avaliação Institucional da Universidade. Caderno 01, ADUFF, S. Sindical. Niterói, RJ, 1995. pp, 31-32.
15 remuneração de pessoal universitário, condicionados, agora, a esses novos cânones. Ainda para a autora, Atcon ignora “diferenças básicas entre a atividade universitária e atividade empresarial, deixando de estabelecer precisão no que entende por produtividade e por atividade realmente desempenhada, no caso do professor universitário” (ibid.: 3). Pode-se entender, contudo, que essa produtividade da proposta do GERES vincula-se à de autonomia plena que pressupõe a autonomia financeira e não a autonomia de gestão financeira defendida pelo Movimento Docente. Com a autonomia financeira, o que se pretende é empurrar a universidade em vínculo estreito com o mercado, tornando-a diretamente gerida pela lógica do capital (uma proposta que na sua essência já era neoliberal). É muito mais do que isso: ela propõe diferenciação e hierarquização dentro do sistema de ensino superior, com o pequeno número de “centros de excelências” (onde estará sendo desenvolvida a pesquisa) e universidades, como de segunda categoria, desenvolvendo o ensino. O relatório GERES apresenta, por sua vez, uma concepção clássica de autonomia da universidade, voltada à sua independência e a uma busca da verdade sem restrições. O Estado e a sociedade em nada poderiam intervir em regras ou limites das atividades acadêmicas. É a liberdade de decidir o que ensinar, por si mesma e de forma autônoma. O relatório contempla, ainda, uma concepção de pesquisa onde esta seria a própria pedagogia da universidade. O seu ensino não pode ser uma verdade acabada, pois é um método de se encontrar essa verdade. Seria uma autonomia em relação às finalidades acadêmicas, deixando a pesquisa de ser uma atividade-fim. O relatório retoma uma concepção clássica de universidade voltada para o ensino. Esta concepção permanece nas formulações que estão sendo apresentadas pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), iniciadas, sobretudo, através do Ministro Bresser Pereira, ao formular a concepção de Associação Civil ou Fundação de Direito Privado, em substituição ao de Instituição Federal de Ensino Superior. Na concepção formulada e contida no anteprojeto de lei, entre as entidades qualificadas como organizações sociais, insere-se a universidade, além de instituições da área da saúde, pesquisa, tecnologia, meio ambiente e outras, que teriam suas atividades dirigidas à prestação de serviços. De acordo com SANTOS FILHO (1993: 38), o que está
16 sendo colocado para a universidade é a manutenção e ampliação do discurso em favor do ensino privado. Para ele, essa discussão perpassa duas questões: “1) O capital impõe condições para a universidade subsistir, obrigando-a a criar um processo de avaliação de sua produção; 2) a universidade deve vender serviços, como lógica imposta pelo próprio capital, que transforma os centros de saber em mercadorias”. Entende LIMA NETO (1991: 13) que o significado político da autonomia para a universidade pública é um outro. “Fundamenta-se na concepção de que cabe ao Estado retornar os recursos públicos para a remuneração justa de seus funcionários e professores”. Dessa forma, cabe à universidade, no gozo de sua autonomia didático-científica, administrativa e de gerência financeira, poder definir suas prioridades, com independência, frente aos governos, mas em sintonia com as necessidades maiores de setores subalternos da sociedade. Para BUARQUE (1994: 152), a autonomia não pode significar um comportamento isolacionista. O autor defende a universidade autônoma, mas não autista. Ele vê como saída a possibilidade de exercício dessa autonomia com vínculos externos e como caminho para “formular alianças e chamar para os órgãos consultivos e deliberativos representantes externos sindicais, empresariais, governamentais, líderes comunitários e personalidades da comunidade acadêmica, científica e intelectual”. Hoje,
passados quase quinze anos do relatório GERES, o planejamento
institucional vem se efetivando em torno de dois conceitos que, juntos, serão a certeza de novos financiamentos de projetos - a eficiência e a eficácia. A eficácia é compreendida como uma certa capacidade de obtenção de resultados. Já a eficiência estaria mais voltada para a possibilidade de medida da produtividade, isto é, uma relação entre essa capacidade de produzir determinado resultado por unidade de custo. As medidas de eficiência seriam traduzidas de forma mais quantificável, ao se expressar a taxa de evasão, por curso, ou a relação professor/alunos, constituindo-se em indicadores de desempenho científico. Desta forma, pretende-se fazer “tabula rasa” de todas as instituições de ensino superior. Como o projeto do governo é diferenciador, hierarquizador e, sobretudo, excludente, os indicadores apresentados conduzem com facilidade a se timbrar universidades
“produtivas” ou
“improdutivas”, ou mesmo a se listar pesquisadores como “produtivos” ou “improdutivos”. Tudo isto vem apontar as diferentes possibilidades técnicas de execução de atividades
17 avaliativas e demais atividades desenvolvidas no interior da instituição, dirigindo-se todas pela lógica do capital/poder/dinheiro. KOURGANOFF (1990: 254) mostra a dificuldade de se fazer aferição avaliativa no tocante à questão da eficiência12. O autor considera exemplos que mostram a não-existência de padrão, nessa área de conhecimento. Há professores avaliados como „excelentes‟ por alguns e que são considerados „lamentáveis‟ por outros. Destaca ainda que a eficiência contém pelo menos duas variáveis do problema, pouco conhecidas: “suas qualidades pedagógicas e as particularidades do aluno” (ibid.: 255). Para essas „medições‟ , a popularidade do professor não serve. O professor pode ser popular pela sua benevolência na avaliação dos exames escolares. O professor pode ser eficiente com alunos que já são brilhantes e que já apresentem bons resultados e, ao mesmo tempo, negligente com os demais. WOFF (1993:112) vai tratar a questão da eficiência como um mito.
Ao
ser
tomado, em sentido abstrato, o conceito de eficiência, além de inócuo, também não provoca questionamento. Seja lá o que se deseja fazer, utiliza-se o método que lhe custar menos. O autor alerta para o fato de que os administradores, ao pensarem em eficiência, de imediato imaginam os procedimentos de quantificação. Para ele, é possível “medi-la em termos daquilo que está genuinamente relacionado a metas ou valores reais da instituição”. Questiona ainda o modo como se pode medir uma política de admissão em uma escola. Talvez, a melhor política seja a seleção em que os candidatos possam beneficiar-se, ao máximo, das oportunidades educacionais, oferecidas pela escola. Mas, para o autor, passa a ser extremamente difícil julgar a eficiência de uma experiência educacional, considerando-a um sucesso ou não. “Os efeitos são subjetivos, variados e freqüentemente latentes por anos e até mesmo décadas” (ibid.: 114). É comum um resultado negativo de uma dessas experiências se revestir de grande positividade para a vida de um estudante, professor ou mesmo para a escola. Hoje, novas pressões são postas para a universidade no Brasil. A nova reordenação capitalista e sua lógica cultural impõem também uma reorganização própria da universidade. Nessa fase de reordenamento do capitalismo, o governo coloca uma das
12
Observar a atual avaliação docente, pautada pela busca da gratificação da produtividade, conhecida por GED, expressa por um relatório quantitativo de atividades docentes (RAD).
18 questões básicas para a universidade, isto é, o problema da avaliação. O Movimento Docente defende a existência da avaliação. Discorda, em relação ao governo, quanto aos métodos ou procedimentos. Questões que procuram avaliar se a instituição é produtiva ou não, ou se os conhecimentos produzidos se alinham a nova ordem estão sendo colocadas na pauta sobre universidade. Assim, se esses conhecimentos se adequarem a essa ordem são financiados. Da mesma forma, são incentivados os possíveis novos paradigmas envolvendo esses conhecimentos. Para LEITE (1994: 296), “uma rápida olhada para as Universidades do Cone Sul mostra que o processo da reordenação sobre as Universidades está instaurado”. No Chile13, segundo a autora, as universidades já não recebem os aportes financeiros in totum, e estes são insuficientes para a manutenção das instituições. Implantase, naquele país, pagamento de taxas de mensalidades em todas as universidades; vende-se patrimônio da instituição; a colocação de serviços e pesquisa no mercado é que está direcionando esta fase de reordenamento14. Pouco a pouco, a universidade vai se tornando um espaço de formação (ensino) mais do que um espaço para a produção do conhecimento (pesquisa). Nessa lógica, se a pesquisa já está sendo realizada pelas universidades do norte, para que realizá-la, aqui, abaixo da linha do equador? A pesquisa, se for feita, é para atender ao mercado. Isto mostra um desafio grande e uma situação de embate entre as propostas de universidade para o país, aqui no Brasil, também defendidas por AB‟SABER (1994: 5). Segundo ele “é preciso adequar a produção científica às necessidades da população”. A organização do projeto de reformulação da universidade no Brasil, para os tempos atuais, é retomada, com maior ênfase, no XXXI Conselho Nacional de Associações Docentes (CONAD), realizado em Salvador, em outubro de l995. Nele, resgatam-se os planos de lutas do XIV Congresso da ANDES, realizado no ano anterior e do XXX CONAD. Dá-se especial destaque a uma análise sobre o movimento docente e sobre a situação do país, bem como a avaliação e atualização do plano de lutas anterior. Retornamse questões internas das entidades de ensino superior quanto ao aspecto organizativo e financeiro. Organiza-se ainda um conjunto de propostas a ser encaminhado, tais como: a
13
O aniversário dos 100 anos da Universidade de Santiago do Chile foi comemorado com muito luto, diante do desmonte daquela importante universidade latino-americana, com a implantação das políticas neoliberais.
19 elaboração político-teórica denominada Unidade Estratégica População – Trabalhadores. Além disso, são definidas políticas para as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), no tocante à educação, ciências e tecnologia; comunicação e seguridade social/aposentados. Ainda nesse evento, prepara-se um projeto de avaliação para as IFES. De acordo com análise feita no XXX CONAD (Cadernos de Textos), o Estado liberal se constitui como o arcabouço legal-institucional de implementação da racionalidade capitalista. Identifica-se o Estado como o parceiro privilegiado das empresas capitalistas, tanto de forma individual como coletiva. E ainda, de forma não menos importante, “ele estimula ou interdita, através de suas políticas, os movimentos da sociedade em relação à racionalidade capitalista” (p. 31). Esta racionalidade pode ser denominada de “economia de mercado” que elege, exatamente, o mercado como o regulador principal das relações econômicas e financeiras. Ela institui a individualidade e a exacerba para uma ilimitude. Constitui-se, assim, de todos esses princípios que são permeados por práticas de mero reforço à propriedade privada. Uma racionalidade que procura impedir outras formas possíveis de racionalidade. Mas o Estado assumiu certas funções, como educação, saúde, previdência social, saneamento básico e outras, segundo a análise do CONAD, em determinado momento histórico, na perspectiva de maximizar as suas formas de domínio dos diferentes setores da classe dominante. Isto, contudo, criou contradições e complexificou ainda mais, para os dominantes, as suas políticas,
como,
por exemplo, o próprio corpo de funcionários
existente no Estado. Cria, na relação com as empresas, uma troca entre profissionais, que vai exigir uma maior profissionalização desses quadros para os quais, entretanto, não se oferecem as condições dessa qualificação permanente. “Através disso, se gestou uma burocracia mais ou menos profissional de acordo com a autonomia política do conjunto da cidadania, ou mais ou menos prisioneira do poder dos dominantes que se sobrepuseram à esfera pública” (ibid.: 31). Essa racionalidade esteve, dessa forma, associada ao “grau de maior ou menor consistência de cidadania”. O Estado é o Estado do mercado capitalista que, preso à economia, aprisiona inclusive o direito ao mercado. A economia passa a ser a racionalização dessas práticas mercantis. Outras formas de Estado, como o Welfare State, 14
Vale comparar a identidade das políticas daquele país com as que vêm sendo implementadas aqui no Brasil.
20 não virão a se constituir como uma decisão do tipo soberana, mas fruto da situação de crise da sociedade capitalista, resultante da luta social e fruto das tentativas de neutralização das pressões populares. A situação que se coloca hoje, com a chamada „reestruturação produtiva‟ , expõe mais uma crise do modo de produção capitalista buscando mudanças na formação do Estado. Por outro lado, encontra o movimento sindical, popular e partidário em crise e com isso vão se limitando os direitos sociais, gastos com estatais e com os programas sociais. “Carentes de referências classistas a maioria do movimento social organizado, em escala planetária, tende, cada vez mais, a integrar-se passivamente à ordem. (...) Negociar a qualquer preço passa a ser a idéia dominante, a idéia „moderna‟ “ (ibid.: 32). Trata-se de uma luta desigual que busca transformar a cidadania em algo sem valor. Mesmo que o modelo se expresse com diferenciações nos vários países, as reformas que conduzem para a implantação de um “estado mínimo” são cada vez mais fortes. Efetivamente, essas reformas estabelecem o programa capitalista universal. Em relação às formulações do MARE, o Movimento Docente, através da ANDES, mostra que as poucas conquistas dos servidores são o alvo dessa reforma. A propósito, nunca se teve, na América Latina, Ásia e países africanos, a experiência, do Estado de Bem- Estar. As reformas dimensionam-se para eliminar direitos trabalhistas e até mesmo a figura do concurso público é considerada “constrangimento legal”. No conjunto de reformas, contidas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho estatal, constata-se que o Estado brasileiro é pensado como um conjunto neutro de aparelhos em relação às classes sociais. O Movimento Docente (ibid.: 32) apresenta questões do tipo: “Será isso verdade? Quem foi que deteve até hoje o comando deste Estado? Que classes sociais e que partidos governaram até agora? Na realidade busca-se apresentar como de responsabilidade alheia aquilo que sempre foi a tônica do Estado nacional”. Ao se assistir às benesses decididas pela política em vigor, no tocante, em particular, ao setor financeiro, pode-se concluir que o Estado continua privatizado para esses setores sociais. Em relação à educação pública, as políticas do MEC alinham-se com aquelas definidas pelo MARE. Já está em vigor a Lei de Diretrizes de Bases da Educação, conhecida por Lei Darcy/MEC, e o governo continua administrando através de medidas
21 provisórias, cujo plano político estratégico se identifica em uma tônica: a culpa pelo “fracasso” dos estudantes é da escola e do sistema educacional. Contudo, sabe-se que há planos estratégicos diferenciados. As comissões de estudo já apresentaram plano estratégico. O MEC tem plano estratégico e apresenta propostas muito claras. A ANDES e a FASUBRA têm planos estratégicos, porém com objetivos diferentes, propostas diferentes e estratégias também diferentes daqueles do MEC. É preciso, portanto, se perguntar: estratégico para quê? Para quem? “As afirmações de descentralização e parceria, contidas no Plano (o do governo), estão longe de representar democratização, gestão partilhada e distribuição de poder para a sociedade. Significam apenas a transferência de compromissos para os estados e municípios e de responsabilidade para a sociedade. A participação da sociedade é concebida como parceria para o custeio de programas, projetos e de escolas em todos os níveis, alijando-a, como é praxe, da possibilidade de intervenção no planejamento e no controle das políticas públicas para a educação” (ibid.: 41). Compreende ainda o Movimento Docente que tanto as políticas como as ações governamentais conduzem à privatização. Ao ensino privado é garantido um espaço privilegiado nesse plano, ao ponto de ser considerado como “locus” de criatividade e inovação. O plano esquece as experiências inovadoras dos sistemas públicos de ensino, várias das quais reconhecidas internacionalmente. No tocante ao ensino superior, em particular no aspecto do compromisso para com a União, trata-se de forma diferenciada o público e o privado. Insiste-se, através da avaliação, com um caráter punitivo sobre o ensino público, condicionando-o a recebimento de verbas, enquanto que se deixa, praticamente, sem qualquer controle o ensino privado. Esta política nada mais é que a continuação das propostas do GERES. Isto implicará a criação dos Centros de Excelência, por um lado e dos Centros de Ensino Superior, por outro, para mera reprodução dos conhecimentos gerados nesses Centros de Excelência. “Isto evidencia o desrespeito ao princípio de indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão. Defende o aumento da eficiência e da eficácia das instituições públicas e privadas, comprometendo o Governo cada vez mais com o sistema privado de ensino ao qual incentiva ao propor a simplificação do reconhecimento de cursos e credenciamento de
22 instituições. Prevê mais recursos para as instituições privadas através do crédito educativo, do restabelecimento do auxílio financeiro às instituições comunitárias e municipais” (ibid.: 41). Quanto à autonomia contida na Constituição Federal (art. 207), esta precisa ser garantida; entretanto devem ser mudadas as regras, afirma o governo. Essas mudanças são aquelas que o MARE já propôs, isto é, a autonomia condicionada ao controle de qualidade do ensino de todo o sistema. A autonomia está agora colocada como dependente da parceria para financiamento e para gestão. Nesta mesma direção, foram implantados os procedimentos de avaliação para desmoralizar o ensino público superior, ante a inexistência de quadros qualificados em número suficiente e definir a qualidade dos cursos e do desempenho dos alunos expressos pelos exames de final de curso. Através desses mecanismos, processar-se-ão também o reconhecimento de cursos, o credenciamento e o recredenciamento de instituições. Para o Movimento Docente, o MEC oculta o fato de esse centralismo ter sido, historicamente, “construído por iniciativa da burocracia governamental como forma de controle sobre a liberdade universitária. (...) O MEC se recusa a colocar seriamente em debate a questão universitária. Nega, de fato, na prática, sua tarefa de garantir a Educação como direito de todos e dever do Estado” (ibid.: 42). Essa linha de intervenção, relativa ao ensino superior, se reproduz no âmbito do ensino fundamental e médio. O MEC fez aprovar a criação do Sistema Nacional de Educação Tecnológica (Lei no. 948, de 8/12/94), em vigor. O governo anuncia, com essa lei, o atendimento não apenas a quatro milhões de estudantes nas Escolas Técnicas e Agrotécnicas Federais, mas a dezesseis milhões. Isto tudo como se fosse uma mágica, não fazendo nenhuma referência a recursos para atendimento dessa meta. Como se não bastasse, também não encaminha qualquer medida para melhoria do funcionamento das escolas de ensino fundamental e médio e Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) existentes. Essa política sinaliza para a manutenção da dualidade estrutural da educação brasileira, mantendo a linha elitista, mesmo dentro dos quadros de técnicos qualificados pelas ex - Escolas Técnicas e Agrotécnicas. Por outro lado, transforma essas escolas em ambientes reprodutores do modo de produção capitalista, “tornando tênue a separação entre a esfera pública e a esfera privada” (ibid.: 43).
23 Ainda quanto à questão da autonomia, o MEC desenvolve uma tática de cooptação e exclusão em relação às entidades de representação dos segmentos sociais envolvidos. Sob o pretexto de tratar questões de cunho estritamente institucional, empenha-se em promover contatos e encontros apenas com a ANDIFES (Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), excluindo a ANDES-SN e a FASUBRA, numa tentativa explícita de tentar cooptar os reitores para suas propostas, destacando a do orçamento global, separando a autonomia da isonomia, da estrutura de carreira, do padrão único, etc. Em relação ao padrão único, o MEC tenta mostrar a inexistência desse padrão em qualquer lugar do mundo. “A aparente ausência de uma política educacional, tradicional no MEC, é na realidade a mais danosa das políticas. Ela revela com clareza o processo do desmonte do Estado. Política unânime: Sarney, Collor, Itamar e FHC” (ibid.: 42). Está em jogo, portanto, a concepção de universidade veiculada pelo Movimento Docente. Mesmo quanto ao padrão unitário de qualidade, o MEC “sinaliza para repassar para as mãos dos dirigentes da formação contínua” (MOTTA, l996: 63). Aquele parecer, ao ser encaminhado dessa forma - o repasse para as IFES - parece querer deixar sobre os seus dirigentes a responsabilidade do erro, caso não funcione a proposta. Enquanto isso, mais recentemente, o MEC põe em operacionalidade, em alguns cursos, “o provão” de final do curso, enquanto que também altera os procedimentos conquistados pelos segmentos da universidade no tocante aos valores de votos referentes à eleição de reitores. Como forma de manter o combate sistemático às propostas neoliberais do governo FHC e o debate sobre a questão da universidade, na reunião do CONAD, realizada em Salvador, o Movimento Docente definiu oito eixos centrais em defesa da universidade e da educação: “A defesa da escola pública, gratuita, democrática e de qualidade em todos os níveis; a construção do projeto democrático popular em oposição às políticas neoliberais do governo FHC; a defesa da soberania nacional e dos direitos sociais garantidos na constituição e a luta contra a reforma constitucional de caráter neoliberal; a defesa do serviço público e o controle democrático desses serviços pela população; a luta pela democratização dos meios de comunicação; a defesa da independência de classe das organizações dos trabalhadores contra a cooptação
24 governamental/patronal e a solidariedade com a luta dos trabalhadores e dos povos do mundo, em especial do México, Argentina e contra o bloqueio a Cuba; a defesa das liberdades democráticas e construção efetiva da cidadania; e a luta pela reversão da miséria e por condições dignas de vida para toda a população” (ibid.:44). Diante da
evolução dos acontecimentos em torno do debate de projetos de
universidade com a sociedade brasileira, o Movimento Docente atualiza a Proposta da ANDES/SN para a Universidade Brasileira, quando da realização do XXXII CONAD, ocorrido em Guaratinguetá, São Paulo, em junho de l996. Esta proposta volta-se para os seguintes temas: a universidade e a responsabilidade do Estado com a educação; a sua caracterização jurídica; a proposta de autonomia da ANDES; a proposta para financiamento da universidade; a universidade, ciência e tecnologia; a carreira docente e a política de capacitação docente; a gestão democrática; a avaliação interna e externa (Cadernos ANDES, no. 2; 1996). Por outro lado, ao serem analisadas as finalidades da educação superior, a proposta do Governo e do Senador Darcy Ribeiro coloca como meta da universidade “continuar a formação cultural e profissional dos cidadãos pela promoção de formas adequadas de extensão cultural” (ibid.: 64). Destaca um papel para a extensão, caracterizando-a de extensão cultural. Contudo, para a extensão universitária, em particular no artigo 42, relativo à abrangência dos cursos da universidade, vai colocá-la como responsável por cursos “abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino” (ibid.: 65). Destaca, aqui, o papel da extensão nesse “voltar-se” da universidade para os diferenciados setores da sociedade. Já
as propostas de universidade para o país, elaboradas pelo Movimento dos
Servidores, através da FASUBRA e pelo Movimento Docente, através da ANDES, vêm colocando que cabe à universidade a capacidade de preparar profissionais que sejam compatíveis com as necessidades de desenvolvimento regional ou do país, e com “as aspirações técnico-artístico-culturais da sociedade” (ibid.: 12 ). Exige-se a necessidade de integração entre ensino, pesquisa e extensão. É um projeto a ser inserido num plano educacional global formulado pela comunidade universitária e vinculado às necessidades da
25 sociedade. Compete ao Estado15 garantir as demandas pela educação; em particular, a universidade precisa ser autônoma e democrática. “As atividades de extensão, seja através da prestação de serviços à comunidade, seja por outros mecanismos, devem ser concebidas e estruturadas enquanto instrumento de formação acadêmica, de apoio às atividades de pesquisa e à comunidade, não estando, portanto subordinado ao objetivo de captação de recursos para a complementação de recursos insuficientes na dotação orçamentária” (op. cit,. 30). Sendo a universidade um campo de disputas políticas, cabe à sua administração o gerenciamento de tensões. Essa administração não se realizará sem um sistemático embate envolvendo questões de autonomia da universidade e, talvez, a experimentação de uma administração colegiada. Nesse sentido, defrontar-se-á com uma incessante busca por autonomia institucional em suas diferenciadas facetas de expressão, ou como esclarece PENTEADO (1998), autonomia acadêmica plena, voltada à produção e à socialização do conhecimento. Mas, será uma autonomia restrita se não estiver contemplada a autonomia administrativa, de gestão financeira e patrimonial, de liberdade para estabelecer políticas e concepções pedagógicas. Autonomia que não se confunda com a que está sendo propalada pelo MEC e que, também, é combatida pela Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES). Para OLIVEIRA (1999: 4)16, a atual proposta do MEC provocará “efeitos desastrosos”, caso seja implantada. Uma das conseqüências é submeter a universidade a contratos de gestão, simplesmente enquadrando-a no art. 37, parág. 8o., da Constituição, cujo artigo refere-se a qualquer tipo de instituição pública. Ao aderir a esse tipo de contrato, efetivamente, a universidade perde a sua autonomia. Esse contrato possibilitará, inclusive, intervenção na universidade, caso as metas definidas não tenham sido cumpridas. Em especial para as universidades federais da região
15
Mesmo no atual contexto, sempre é interessante relembrar palavras do fundador da Universidade de Berlim – HUMBOLDT - que via como obrigação do Estado: “a) manter a atividade científica do modo mais dinâmico possível; b) evitar o declínio desta atividade. Em outras palavras, preservar com precisão a diferença entre instituição superior e escola. Tal diferença deve ser preservada não apenas no que se refere à instituição, predominantemente, dedicada à atividade teórica mas também àquela que se volta para aspectos diversos da vida prática” (p.82).
26 Nordeste, em que se quebra o plano de carreira, a remuneração dos servidores deverá ficar à mercê do mercado, reduzindo os seus recursos. Há de se considerar, ainda, a permanente asfixia de recursos pelo governo federal às universidades, mesmo neste final de século, comprometendo o ensino, a pesquisa e a extensão. Mas, o debate político entre projetos de universidade continua. Nos dias de hoje, a situação de crise da universidade pode ser vista sob vários ângulos. Para OLIVEIRA (1999a: 15)17, há várias crises decorrentes de inúmeras funções que lhes foram sendo outorgadas. Há uma crise de hegemonia, na medida em que se “perde espaços no tocante à pesquisa, ao ensino das profissões e à prestação de serviços para outras instituições, sejam elas escolas politécnicas, institutos tecnológicos, faculdades particulares, institutos não universitários de pesquisa (públicos e privados), Ongs” . Ocorre uma crise de legitimidade, na medida em que a universidade não cumpre os objetivos que lhe são imputados, pondo sua credibilidade em questão. Há uma crise institucional, posto que se vive num situação de permanente contração orçamentária, provocada pelo governo central. Há, ainda, uma crise de paradigma de conhecimento, tão presente na cultura moderna. Esta se externa pelo grau de especialização que se vive, pela fragmentação dos saberes, além da “inexistência de vasos comunicantes entre os diferentes domínios do conhecimento, pelo fato de a ciência ter se tornado instrumental, separada da arte, das humanidades e do saber da tradição. Enfim, pela disjunção sujeito-mundo, natureza-cultura, subjetividade-objetividade” (ibid.: 16). Isso tudo vai conduzindo a universidade pública às normas do mercado, privilegiando a dimensão instrumental para execução de suas tarefas e reduzindo a formação do indivíduo. Assim é que o redimensionar da universidade pública passa por desafios tais como: reanálise do atual modelo de gestão; definição da função social da universidade e sua identidade; requestionamento, com a radicalidade necessária, das práticas do ensino, da pesquisa, da extensão e de administração; procedimentos de entrada na instituição (vestibular); relacionamento com setores – produtivo, governo e demais instituições da sociedade civil; capacitação profissional e a avaliação da universidade; a prestação de contas,
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Jader Nunes de Oliveira. Reitor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Vice-Presidente da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES). Ver: Jornal Multidéias. Em debate – AUTONOMIA. Ano I, no. 4, dez/1999.
27 de forma inteligível, à sociedade e o desafio do fomento de projetos inovadores aos seus próprios quadros. Ora, enquanto se enfrenta a implantação lenta e gradual das políticas neoliberais na universidade, há muito conhecidas, exige-se que seus parcos recursos estejam voltados para projetos e programas integrados ao planejamento pedagógico global da instituição. Mas, só terão significado se fizerem parte da busca por saídas criativas, com a convocação geral das capacidades intelectivas instaladas na universidade, para o exercício político das atividades em geral, voltado à defesa intransigente de uma universidade pública, gratuita, de qualidade, autônoma, democrática, laica e necessariamente crítico-ativa.
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