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Grande Entrevista
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Depois de liderar equipas em Espanha e Itália, Alexandra Andrade assume agora a Direção da Adecco Portugal, com o objetivo de manter a trajetória de crescimento, num mercado em veloz transformação. O desafio reside em encontrar os “casamentos” perfeitos entre profissionais e empresas numa altura em que a escassez de talento global na área tecnológica se agravou. A par com os conhecimentos tecnológicos, a gestora considera que atributos como a inteligência emocional, a criatividade e a flexibilidade são cada vez mais valorizados. A nova country manager da Adecco Portugal alerta também para a necessidade de encarar a formação como um investimento contínuo.
Textos Susana Marques smarques@ccile.org Fotos DR
Como encontra esta Adecco Portugal que começa agora a liderar? Herdo a liderança da Adecco Portugal num momento em que se regista um crescimento de dois dígitos: vimos de uma caminhada em constante progressão e é isso que pretendemos manter, tendo agora também o foco e a preocupação de desenvolver e fazer crescer o negócio em diferentes setores. Atualmente, estamos a desenvolver todas as áreas em que atuamos, desde o trabalho temporário, às operações externalizadas do outsourcing, novos modelos de formação na área de training e uma grande aposta no recrutamento e seleção, com a Adecco Recruitment.
Como define o seu perfil de liderança e as características da equipa que está a constituir? Diria que me enquadro numa liderança soft power: lidero pelo exemplo, mais num contexto de atração do que imposição. Valorizo a iniciativa, a autonomia, a capacidade de inovação e a criatividade num contexto de diversidade de perfis em que o progresso da empresa depende da colaboração interpessoal e interequipas. Sou uma líder próxima das pessoas e dos processos e não consigo conceber outra forma de estar numa empresa e liderar para o sucesso. Quanto às equipas, que já estão a funcionar em pleno, é essencial que estejam alinhadas com o ADN da Adecco, que reside num serviço diferenciado e único a colaboradores, candidatos e clientes: pretendemos unir talento e tecnologia melhorando a competitividade das empresas e dos indivíduos ajudando a criar líderes de futuro com uma forte componente de inteligência emocional para que haja uma maior conexão com a diversidade empresarial. No fundo, é isso que espero das pessoas que compõem as equipas Adecco Portugal: a capacidade de fazerem vingar no seu quotidiano este ADN, o que exige soft skills bem trabalhadas, como a inteligência emocional, o novo padrão de ouro, a empatia, a capacidade de ter escuta ativa e dar feedback construtivo. No contexto que vivemos, extremamente desafiante, é de crucial importância que as pessoas sejam flexíveis e que não resistam à mudança. Que possam perceber que os objetivos da Adecco podem ser abordados com estratégias adequadas ao momento em que nos inserimos. E esta flexibilidade, por oposição a uma cartilha de gestão imutável, é um posicionamento fundamental.
O que retira de mais valioso da sua experiência anterior em Espanha e em Itália? Sem dúvida que a bagagem de qualquer experiência profissional é útil sempre que abraçamos novas funções no nosso percurso. Quando se tem o privilégio desse caminho ter sido trilhado em mercados diferenciados, a bagagem que trazemos para essa nova função é necessariamente mais rica. A começar pela dimensão dos mercados, onde a Adecco é líder, pelos contextos culturais, pois apesar de estarmos a falar de mercados do Sul da Europa, as texturas sociais e vivências são diferenciadas. O facto de ter estado em várias frentes nestes mercados, no regresso ao meu país dá-me um contexto de experiência alargada e capacidade de resposta muito encorpada, sobretudo num contexto em que o paradigma de trabalho mudou e ainda se
encontra em evolução, depois de dois anos muito exigentes. Quando nos exigem muita flexibilidade, criatividade e inovação para lidar com os desafios do mercado, a bagagem internacional empossa respostas mais ágeis, céleres, mas também mais sábias porque são suportadas por uma experiência muito diversa.
Quais são as especificidades de cada um destes mercados, quer em termos de oferta, de procura e de estratégias de recrutamento? Como referi, Portugal e Espanha têm culturas similares, mas com diferentes contextos. A escassez de talento é um denominador comum, no entanto a taxa de desemprego em Portugal é inferior tornando a luta pelo talento mais premente. Apesar de vivermos num mundo globalizado é muito importante manter o talento dentro das fronteiras. Queremos ter um talento português competitivo, tal como a Adecco trabalhou sob a minha liderança em Espanha para ter talento espanhol competitivo dentro das fronteiras do país. O contexto de salários tem diferenças e em Portugal é necessário trabalhar de outra forma para que o país possa ser atrativo e manter o talento ‘entre portas’. Tendo em conta estas disparidades, a metodologia Adecco aplica-se em ambos os territórios. O foco do nosso negócio é no candidato e na sua empregabilidade. Conseguir que ele seja atrativo e acompanhá-lo em todas as fases da sua carreira. A nossa metodologia, das mais rigorosas a nível de NPS (net promoter score), permite-nos ter uma excelência de serviço para os nossos clientes e candidatos em qualquer território.
Quais são os seus objetivos e expectativas face à empresa em Portugal? Como referi inicialmente, continuar a impulsionar o desenvolvimento e crescimento de todas as nossas áreas, num contexto de inovação e flexibilidade face à evolução do mercado de trabalho. Todo o grupo Adecco tem a missão de tornar a empregabilidade sustentável e ao longo da vida para as pessoas e a capacitação das organizações nacionais para otimizar as suas forças de trabalho. Neste contexto, a Adecco Portugal está a focar a sua ação prioritária em unir o talento e as empresas com o mesmo propósito. Acredito que os resultados deste trabalho irão alavancar a Adecco Portugal como partner global de soluções de recursos humanos, no mercado nacional.
Até que ponto as ofertas de trabalho se alteraram depois da pandemia? O que procuram agora os mercados português, espanhol e europeu? A pandemia foi um inegável acelerador tecnológico do mercado, uma alteração transversal a praticamente todos os setores de atividade. Desta forma, ofertas na área digital, nomeadamente inteligência artificial, Internet das coisas, big data, desenvolvimento de software, marketing digital e outros perfis relacionados dispararam. Há também uma procura emergente nas áreas do turismo, logística ou energia, que também se ressentiram muito. Mas porque a evolução tecnológica é sempre mais intensa do que o ritmo a que os mercados evoluem, a escassez de talento na área tecnológica não é nova, apenas se agravou com a pandemia. Esta não é uma prerrogativa do mercado português, é transversal a toda a Europa e, diria, ao mundo. Por outro lado, há uma crescente importância dos perfis de gestão de Pessoas porque numa situação de escassez de talento, atrair, encontrar e reter profissionais certos na empresa certa é mais importante do que nunca. Neste momento, não se trata só de encontrar uma pessoa certa para o lugar certo, mas sim unir pessoas alinhadas com o mesmo propósito. É este o objetivo da Adecco no contexto de hoje: o mercado está mais complexo e ambíguo e ser bem-sucedido neste match de união candidato/organização requer uma análise mais detalhada, profunda e sábia que passa pela relação entre pessoas e não se resume meramente ao desempenho.
Há maior abertura para o trabalho remoto? Para o modelo misto? Há mais recrutamento de cariz internacional (empresas disponíveis para ter funcionários a viver em geografias distintas da morada da empresa)? A pandemia também acelerou e tornou real a possibilidade do trabalho remoto sem compromisso de produtividade, mas com custos de bem-estar e saúde mental que emergiram deste modelo de trabalho e que foram alvo de inúmeros estudos, nomeadamente do grupo Adecco. O bem-estar e saúde mental passaram a estar no foco das atenções pelo que a oferta de um modelo flexível
surgiu como tendência, em função dos setores de atividade onde tal é possível, como fator atrativo nas ofertas. Claro que no trabalho puramente remoto, a contratação em geografias distintas é uma possibilidade, mas como referi anteriormente, o nosso foco é manter o talento nacional entre fronteiras, independentemente de o modelo de trabalho ser remoto, híbrido ou presencial.
As empresas em Portugal e em Espanha estavam preparadas para o trabalho remoto (tecnologicamente e em termos organizacionais) e para o modelo misto? Adaptaram-se bem? Em Espanha e Itália, o teletrabalho já era uma prática, mesmo que residual face ao modelo presencial, pelo que tanto colaboradores como empresas estavam abertos para essa possibilidade. Em Portugal, esta mudança foi mais drástica e emergente, mas veio à tona a universal capacidade de adaptação às adversidades que os portugueses têm e rapidamente adotaram o teletrabalho de forma positiva. Não poderia ser de outra forma: quem não o fez comprometeu a sua viabilidade. O esforço tecnológico foi grande e as organizações foram-se adaptando progressivamente. Os tempos não foram fáceis nem para colaboradores nem para as lideranças, mas desta adversidade global saíram equipas mais unidas, reforçadas e o propósito de vida veio à tona como papel importante no dia-a-dia de cada um.
Quais são os aspetos que mais poderão mudar na maneira de trabalhar daqui para a frente, em Portugal e em Espanha? Como em muitos aspetos, o novo paradigma de trabalho, marcado pela flexibilidade, tornou-se uma realidade, por necessidade, antes de ser regulamentado. O mercado ainda está em fase de ajuste e espera-se que ambos os governos respondam com uma legislação justa e capaz de dar resposta tanto às empresas como aos seus colaboradores, como também aos trabalhadores independentes. Depois do verdadeiro ‘abanão’ global que foi a pandemia, o padrão da flexibilidade, seja no regime de trabalho, seja no regime de horários, veio para ficar. E é neste ajuste, perspetivando-se sempre mais imprevisibilidade do que já alguma vez os mercados tinham sentido, que o mercado se irá reequilibrar.
O que muda para a Adecco, face ao atual e perspetivado mundo do trabalho? Em que segmentos do negócio irão apostar? Em que assentam as Vossas estratégias de recrutamento e assessoria /consultadoria às empresas? Em parte, já respondi a esta pergunta, com o cenário que tracei do atual mundo do trabalho em que a escassez de talento é um facto. Neste contexto, a nossa prioridade é unir o talento e as empresas com o mesmo propósito e fazemo-lo com recurso a trabalho flexível, soluções de Outsourcing, Recrutamento & Seleção e Training. As características que inicialmente referi – criatividade, flexibilidade, capacidade de sermos adaptáveis, inovadores e sobretudo não sermos resistentes à mudança – serão qualidades preciosas para esta união seja bem-sucedida. O que sabemos como facto é que, mais do que candidatos qualificados, as empresas procuram candidatos comprometidos: nunca a máxima ‘recrutamos valores e treinamos competências’ foi tão atual. Acredito que, além do que referi, a atração e retenção de talentos pode ser alcançada por quem se foca em processos de recrutamento ágeis aliados à experiência e capacidade de identificar o potencial de cada candidato para conseguir match certo. Do lado dos nossos clientes, seremos verdadeiros consultores/parceiros no sentido de ajustarem as suas posições com um pacote de benefícios que são mais valorizados tanto na ótica da atração como da retenção de talento, onde entra a componente emocional da gestão de Pessoas e a perceção da individualidade/diversidade. Esta é estruturalmente a nossa estratégia na abordagem ao mercado, sempre com uma postura de flexibilidade para responder às evoluções e alterações que o futuro nos trouxer.
Quais são os pontos fortes e fracos dos recursos humanos em Portugal? Os pontos fortes são a crescente qualificação das pessoas e uma cultura própria de adaptabilidade que se alinha com um mercado que pede cada vez maior flexibilidade; diria que os pontos menos positivos são ainda uma cultura organizacional muito hierarquizada pouco conducente à tomada de decisões autónomas, ao estímulo da criatividade e inovação.
Considera que existe uma boa articulação entre as empresas e as entidades educativas e que prestam formação em Portugal e em Espanha? Como poderemos melhorar essa articulação? O mundo evolui muito mais rapidamente do que os modelos formativos, que levam anos a ser ajustados e que estão dependentes das políticas públicas e dos ciclos legislativos, que são curtos. Ora, penso que nos dois países existe muito melhor articulação entre as entidades de ensino e formação do que há anos e que a oferta de formação ttde
Uma gestora com “bagagem” internacional
Alexandra Andrade teve “um percurso de sucesso em várias multinacionais na área de recursos humanos e gestão de carreiras”. Em 2016, juntou-se ao grupo Adecco, onde assumiu cargos de liderança nas empresas da multinacional em Itália, Portugal e em Espanha: liderou primeiro a marca Spring Professional, acumulando mais tarde a gestão da Badenoch + Clark, empresa de Executive Search do Grupo, passando igualmente pela gestão das áreas de training e outsourcing especializado na área de IT, health care e lifescience. Em comunicado, o grupo Adecco sublinha que , “no cargo, Alexandra Andrade foi responsável por uma área que é um dos três pilares estratégicos do Grupo Adecco, que visa promover uma maior ligação com clientes e candidatos, melhores práticas na área do Talento e ser a referência para empresas e candidatos na procura, seleção e atração de talento” Em 2021, é nomeada como senior vice-president Professional Recruitment para o Sul da Europa, acumulando funções no grupo Adecco em Itália e Espanha, onde a Adecco é líder de mercado. Desde abril, é a nova country manager da Adecco Portugal. Licenciada em Sociologia, com especialização em Criminologia, Alexandra Andrade possui um MBA e é coacher desde 2016. O grupo de soluções de recursos humanos Adecco chegou ao mercado português em 1990 e conta com uma rede de 18 agências, tendo proporcionando trabalho a mais de 24 mil pessoas, colocadas em cerca de 1.500 empresas clientes de vários setores de atividade.
base é sólida e adequada. Mas o que é mais importante reter na questão da educação, e do seu relacionamento com o mercado de trabalho, é: doravante ninguém pode pensar que faz uma formação, independentemente de ser de curta ou longa duração, técnica ou superior, e fica capacitado para exercer uma profissão para a vida inteira. Profissionais e empresas têm que pensar na qualificação e requalificação como um investimento contínuo ao longo de toda a vida ativa das pessoas, seja ao nível das bases, seja das lideranças. O que as entidades formativas têm que pensar e articular melhor com o mundo organizacional é o desenho de formações que permitam estar up to date com a rápida evolução do mundo. Um perfil qualificado e competente hoje, pode estar desatualizado amanhã. Esta é a pedra de toque na articulação das entidades de ensino e o mundo do trabalho.
Na sua opinião, qual é a melhor forma de abordar os problemas de produtividade atribuídos a Portugal? Quais são os pontos críticos? Com que exemplos poderemos aprender? Independentemente dos estudos que atribuem baixa produtividade a Portugal, há um ponto crítico que é para mim incontornável: o país tem um problema de autoestima e de projeção nacional para o exterior. No mercado global em que nos inserimos, este aspeto impacta a produtividade de forma transversal. A prova disso é que há anos que temos talento altamente qualificado a emigrar. Há mudanças de mentalidade que têm de ser trabalhadas, a começar pelos modelos de negócio: não podemos reter talento se não projetarmos uma imagem de profissionalismo, rigor e capacidade efetiva de delivery. Se o fizermos, conseguimos competir pela qualidade, e não pelo preço porque não temos escala para tal, conseguimos aumentar salários e atrair talento português em Portugal. Além de manter o talento nacional “dentro de casa” Portugal tem no seu ADN uma excelente forma de receber. Somos dos países que melhor acolhe outras nacionalidades, está nos nossos genes desde os descobrimentos, e isso é uma oportunidade de abrir portas a outros países que veem em Portugal uma excelente oportunidade de investimento para abrir os seus hubs tecnológicos, administrativos e financeiros. Quando entram em Portugal encontram uma excelente capacidade de trabalho, resiliência e alta formação. Reter esse talento e estas empresas significa que este modelo de negócio terá que evoluir e enquadrar o novo paradigma de trabalho que prioriza as pessoas, o seu bem-estar e colocar as relações de trabalho num patamar de personalização que antes não existia. Os benefícios aos colaboradores têm que ser ajustados às suas necessidades pessoais. É mais fácil de dizer do que fazer, mas a valorização e autoestima do país tem que ser trabalhada porque a prazo pode refletir-se muito positivamente na produtividade das organizações e no bem-estar das pessoas. E se há uma questão que não me oferece dúvidas, é que profissionais felizes são mais produtivos. Está provado em inúmeros estudos. ■