A procura do amor Jessica 78 Helen Brooks

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À PROCURA DO AMOR The Billionaire's Marriage Mission

HELEN BROOKS

Os bilionários sempre conseguem o que querem? Travis Black pode ser dono de uma beleza sombria, mas, para Beth, ele é incrivelmente irritante. O que um homem tão rico, bem-sucedido e charmoso iria querer com uma mulher quieta, vulnerável e comum como ela? Travis logo deixa tudo absolutamente às claras. Porém, casos sem compromisso não atraem Beth. Então, esse bilionário não terá seu desejo satisfeito. Ou será que sim?... Digitalização: Ana Cris Revisão: Crysty


- Por favor, vá embora. - Ela se virou e foi ate a sala, imaginando o que fazer se ele não a seguisse. Ele seguiu. Beth abriu a porta da frente e ele parou em frente a ela. - Vou lhe pegar para almoçar no domingo ao meio-dia. Em ponto, certo? Ela olhou para ele absolutamente estupefata, surpresa demais para sequer se sentir revoltada. Enfim conseguiu dizer: - Você é a última pessoa no mundo com quem eu sairia para almoçar, Travis. Por isso não perca seu tempo. - Meio-dia em ponto. - Ele a beijou ligeiramente nos lábios e saiu. Desapareceu em meio às sombras sem olhar para trás...

Querida leitora, Quando Beth Marton decide tirar suas merecidas férias no interior, não pode imaginar o que a espera. Trancada do lado de fora da casa de campo isolada que alugou, na chuva, no frio, ela mal acredita quando um homem aparece para ajudá-la a entrar. Mas Travis Black decide, em vez disso, levá-la para sua casa... uma mansão digna de um membro da realeza. Eles parecem não ter muito em comum além de seu amor pelos cães e de serem vizinhos temporários, mas uma química irresistível pode transformar essas nas férias mais inesquecíveis de suas vidas... Equipe Editorial Harlequin Books


PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte, por quaisquer meios. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: THE BILLIONAIRE'S MARRIAGE MISSION Copyright © 2006 by Helen Brooks Originalmente publicado em 2006 por Mills & Boon Modern Romance Arte-final de Capa: Isabelle Paiva Editoração Eletrônica: INGRAFOTO Tel: (55 XX 21) 2224-0003 Impressão: RR DONNELLEY Tel: (55 XX 11) 2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ - 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISK BANCAS: (55 XX 21) 2195-3186 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171, 4a andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 Correspondências para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ - 20220-971 Aos cuidados de Virgínia Rivera virginia.rivera@harlequinbooks.com.br


CAPÍTULO UM

O delicado som da porta batendo soou com a força de uma trovoada aos ouvidos de Beth Marton. Ela parou por um instante, sem acreditar; então se virou e cautelosamente empurrou a madeira dura. Nada aconteceu, claro, já que a porta estava bem trancada. - Ah, não, não. - Beth empurrou de novo, dessa vez com mais força, mesmo sabendo que não adiantaria. Aporta havia batido com ela do lado de fora. Se ela estivesse em seu apartamento em Londres não haveria problema. Poderia simplesmente telefonar para sua irmã, que tinha uma cópia da chave para emergências. Mas ela não estava em Londres... Olhou nervosamente para o próprio corpo, ciente de estar vestindo apenas um pijama cor-derosa com blusa de alças bem finas. A noite escura e o vento forte não eram nada animadores. E a meteorologia havia previsto chuva. Ao sentir o focinho gelado em uma das mãos, olhou para o grande cão que a observava com olhos impacientes. - Eu sei, eu sei - ela murmurou. - Estamos aqui fora e seu jantar está lá dentro, mas foi você quem insistiu em sair para ir ao banheiro. E foi ela quem seguiu Harvey com uma lanterna para ele não se perder na escuridão. Grande estupidez de sua parte, já que o cachorro sabia que era hora de jantar, sua hora favorita do dia, e ele nem teria mesmo para onde ir. O jardim ao redor da pequena casa que ela estava alugando era todo cercado. Uma rajada de vento trouxe um cheiro de fumaça que a fez se lembrar de ter acendido a lareira da sala poucos minutos antes. E ainda não havia colocado o protetor em frente à lareira. Beth entrou em pânico e correu ao redor da casa para ver se encontrava alguma janela destravada, embora duvidasse. Meia hora antes, ao chegar exausta, mas aliviada, de uma viagem que não desejaria ao seu pior inimigo, Beth vira que a casa estava totalmente lacrada. Após pegar a chave da porta da frente escondida debaixo de um vaso de planta, de acordo com as instruções do corretor, entrou com suas malas e só guardou os alimentos perecíveis na geladeira antes de correr para tomar um maravilhoso banho. Assim que se livrou do suor da torturante jornada, que consistiu em um engarrafamento atrás de outro, ela só conseguia pensar em vestir seu pijama, abrir uma garrafa de vinho e acender a lareira. A enorme cesta de Harvey fora colocada em um canto estratégico, e Beth abrira uma


lata de sua ração preferida na pequena cozinha. Estava prestes a lhe servir a comida quando ele resolveu sair. - Ai! - Ela escorregou em uma substância pegajosa e caiu sentada em algo de cheiro nojento, os olhos agitados de susto. Apesar da vontade de chorar como uma criança, pegou a lanterna que lhe caíra da mão e se levantou com dificuldade. Pelo jeito, Harvey havia se esquecido da comida e entrado com gosto nesta nova brincadeira, pulando sobre ela e latindo alegremente. Para ele, a viagem de Londres para Shropshire fora um tédio, mas agora estava ficando bem divertido. Felizmente, a lanterna ainda estava funcionando, mas Beth não precisou de iluminação para perceber que uma raposa ou texugo havia se escondido pelo jardim. O cheiro que impregnou seu pijama e chinelos felpudos não deixava dúvidas. Deu mais uma volta na casa até chegar à porta da frente e parou por um momento, tremendo ao frio da noite de março. O dia até que havia sido quente, principalmente para enfrentar horas de trânsito lento, mas o ar noturno era prova de que o verão ainda não tinha chegado. Não havia escolha: teria de quebrar uma janela e dar um jeito de entrar. Beth olhou para as belas luminárias antigas de chumbo nas janelas da saía de estar. Todas possuíam o mesmo tipo de vidro e quando se aproximou ficou admirando o efeito causado pela barra que separava os vidros das janelas, e imaginou que deveriam ser bem caros. A casinha parecia uma caixa de chocolate: teto coberto de palha, vigas de madeira por toda parte e todo o charme que se pode esperar de uma construção de dois séculos. Mas charme não lhe valia de nada naquele exato instante. O estômago de Harvey roncava e a brincadeira perdera a graça. Ele começou a choramingar, e quando um pastor alemão fazia isso não era diferente de um poodle fazendo o mesmo. Beth mal conseguia pensar. - Tudo bem, tudo bem. - Ela estalou os dedos para fazê-lo se calar. O estrago seria considerável se quebrasse uma daquelas lindas janelas antigas, mas não conseguia imaginar outra solução. Não se lembrava de ter passado por nenhuma pousada em quilômetros depois de pegar a rota em direção à casinha. Além do mais, ela não estava com trajes adequados para sair vagando pelo interior de Shropshire. Beth iluminou a janela com a lanterna e pressionou o vidro. Todas elas possuíam finas colunas de pedra entre os vidros e as grades de chumbo pareciam reforçadas por barras de ferro. Ela sequer tinha certeza se conseguiria entrar depois de quebrar o vidro. Claro que


podia quebrar um dos vidros do carro, mas passaria a noite congelando de frio, e de manhã continuaria com o mesmo problema: as chaves de casa e do carro dentro da casa. - Ah, Harvey. - De novo, teve vontade de chorar. Isto, depois de tudo que vinha acontecendo ultimamente, era demais. Por que se enrolava mais ainda se o que queria era apenas se reestruturar, se recompor? Simplesmente não era justo. Fungou, sentindo-se infeliz, e Harvey sentindo que as coisas não estavam boas encostou o corpo às pernas de Beth de modo protetor. Ela se jogou no degrau em frente à porta e agarrou o pescoço peludo do cão, lágrimas correndo pelo rosto. E foi assim, agarrada ao calor do pêlo do animal, que ela percebeu as luzes que se mexiam na encosta. Alguém estava dirigindo na direção da casa! Ela deu um pulo, puxou Harvey pela coleira e correu para abrir o portão e esperar o carro se aproximar. Resolveu jogar a luz da lanterna em direção à estrada na esperança de impedir que o motorista passasse direto. Afinal, ela não parecia nenhuma bandida ameaçadora, não de pijama, pensou freneticamente. Por isto mesmo, fez questão de deixar Harvey à vista de alguém que viesse ajudar, para não deixar dúvidas de que ele era o tipo de cão de guarda que não seria sábio ignorar. Ouviam-se muitas histórias de mulheres atacadas por estranhos ao pedir ajuda. Pareceu uma eternidade até o carro chegar perto, mas talvez tenha sido apenas um ou dois minutos. Então, luzes fortes iluminaram a escuridão, engolindo a débil claridade da lanterna. Antes que Beth pudesse piscar, uma caminhonete passou. Por um terrível momento, ela pensou que o motorista não os vira na beira do gramado, mas então ouviu o som dos freios depois que o carro já havia desaparecido atrás de uma curva da estrada. Segundos depois, o veículo veio de ré e parou ao lado dela e do cão. A janela se abriu e uma voz masculina profunda perguntou, com um tom divertido: - Santo Deus, o que está fazendo aqui vestida deste jeito? Divertindo-me? Por um momento, ela quase deixou escapar a resposta malcriada. Mas foi advertida por seu lado lógico de que o melhor era fazer com que aquele sujeito ficasse do seu lado, fosse ele quem fosse. - Bati a porta de casa com a chave dentro quando saí atrás de meu cachorro. Será que você não teria algo no carro com que eu pudesse forçar a porta? - Ela jogou a luz da lanterna sobre o rosto dele, fazendo-o franzir a testa. - Desculpe. - Ela abaixou a lanterna imediatamente e o breve relance bastou para que ela visse que o homem era moreno e jovem, nada mais do que


isso. - Está me pedindo para arrombar a porta? Achar graça parecia ser a tônica do momento, e Beth teve de respirar fundo antes de dizer documente: - Acho que sim. Pode me ajudar? - Ela estava tremendo dos pés à cabeça e logo seus dentes começariam a bater, e aquele palhaço estava achando graça. - Você está com frio. Ela esperava que ele tivesse reparado em seus tremores e não em seus mamilos eriçados sob o pijama de seda. Não que ela pudesse fazer nada quanto a isso; sequer podia cruzar os braços sobre o peito, pois estava segurando a coleira de Harvey com uma das mãos e a lanterna com a outra. - Um pouco. Por isso gostaria de entrar em casa o quanto antes. O motor estava desligado, a porta do motorista se abriu e uma figura corpulenta saiu do veículo. Em seguida, ele lhe passou um casaco pesado que provavelmente estava no banco do acompanhante. - Tome, vista isto - ele disse, olhando para Harvey, que começou a rosnar. Beth não tentou deter o cão, na verdade pensou em lhe recompensar com uma porção extra de seus biscoitos favoritos assim que entrassem. O homem era alto, muito alto, e tinha ombros intimidantemente largos, ela percebeu sob a luz fraca. Não queria colocar o facho de luz da lanterna sobre o rosto dele novamente, mas estava se sentindo bastante nervosa por estar só de pijama. No momento seguinte, o estranho se abaixou e ficou de frente para as poderosas mandíbulas de Harvey, falando com voz suave: - Calma, garoto. Ninguém vai machucar sua dona - e ofereceu a mão para o cachorro cheirar. Houve uma breve pausa antes de Harvey parar de rosnar e lamber a mão com sua grande língua rosada, abanando o rabo. Beth pensou se Harvey ficaria nesta alegria toda se soubesse que acabava de perder uma porção extra de biscoitos. - Belo cachorro. - Ele se levantou e estendeu a mão. - Pode me dar a lanterna enquanto veste o casaco. Beth não pensou em discutir. Se ele fosse bater com algo em sua cabeça, poderia ser com a


lanterna ou com qualquer outra coisa. E estava evidente que Harvey não serviria de nada. O homem passou por ela e foi até a porta da casinha enquanto ela vestia o casaco, que pareceu engoli-la, mas no momento era mais que bem-vindo. Ela o seguiu com Harvey ao lado e observou enquanto ele tentava forçar primeiro a porta e depois as janelas, uma por uma, como ela fizera. Claro que ele não acabou escorregando nos dejetos de raposa ou texugo. Quando voltou dos fundos da casinha, Beth disse: - Já tentei todas as janelas. Ele nada comentou. - Que cheiro horrível é esse? Esgoto? - Escorreguei nos fundos da casa. Acho que algum animal esteve por lá - explicou Beth. - E como esteve! - Ele não fez questão de esconder que achava muito engraçado. Beth não pretendia ficar ali, ao vento e naquele frio, discutindo seu mau cheiro. E ele não tinha sido exatamente gentil ao tocar no assunto. - Então, você pode me ajudar a entrar? Estou congelando. - Posso, mas não pretendo. Não há por que forçar a porta e causar um grande prejuízo se você pode entrar em contato com o corretor e pedir ajuda. Esta casa é administrada por Turner & Turner, não é? - Sim, mas... - Sugiro que você venha para minha casa, tenha uma boa noite de sono e resolvemos tudo pela manhã. Você não tem nada na lareira, tem? Algo que possa causar problemas? Ele estava irritado? Era mais fácil ela aceitar voar até a lua do que ir para a casa dele. - Eu acendi a lareira. Não posso deixar assim. - Já deixou. - Deixei sem o protetor. - Não tem fumaça nenhuma saindo da chaminé, então já deve estar apagando. Não tem problema. Então quer dizer que ele entendia de lareiras? - Não posso sair daqui, não percebe?


- Claro que pode. Eu conheço John Turner, vou ligar pessoalmente para ele de manhã e explicar a situação. Você estará de volta lá pelas 10 horas. Ele vai preferir que você faça isto em vez de arrombar a casa tenho certeza. Ela não queria voltar às 10 horas, queria entrar agora. - Se o conhece, não pode ligar agora? - Não - ele disse, balançando a cabeça. - Sexta é a noite em que ele sai para jogar sinuca com os amigos. Ninguém o incomoda nessa hora. Aquilo era absolutamente ridículo. - Não posso ir para sua casa, senhor...? - Black. Travis Black. Por que não pode vir para minha casa, senhorita...? - Meu nome é Beth Marton e não estou acostumada a aceitar convites para pernoitar na casa de estranhos - ela disse, procurando ignorar o fato de que Harvey estava sentado ao lado dele, como se não fosse o seu cachorro, mas dele. Traidor. - Não somos estranhos, já nos apresentamos. - A expressão de quem estava achando graça voltou multiplicada por dez. - E fique tranqüila, não estou tão desesperado assim por companhia feminina para tirar proveito da situação difícil e abusar de você. É uma proposta sincera; você dorme sozinha, principalmente por causa deste... aroma peculiar que está exalando. Grosseirão. Era terrivelmente difícil manter a dignidade dentro de um pijama cor-de-rosa e exalando aquele cheiro horrível. Mas Beth bem que tentou, e disse: - Obrigada pela proposta, mas não posso aceitar, senhor Black. Tem Harvey, por exemplo. - Não estava sugerindo que o amarrasse e o deixasse aqui. Claro que ele vem também. - Ele se virou e começou a andar de volta para a caminhonete. - De qualquer forma, você é quem sabe. - Aonde está indo? - Beth sentiu que sua voz saiu aguda demais, mas não pôde evitar. Ele não ia simplesmente deixá-la ali, ia? Ninguém seria tão frio assim... seria? - Para casa. - Nem se deu ao trabalho de se virar. - Está tarde e foi um longo dia. Estou com fome, cansado e está começando a chover. Você pode vir comigo ou ficar aí, você é quem sabe. Ela não se mexeu até ele se sentar no banco do motorista; não podia acreditar que ele simplesmente iria embora. Quando Travis deu a partida, ela aceitou sua derrota,


principalmente ao sentir os pequenos pingos se transformando em chuva grossa. Beth correu atrás dele, seguida por Harvey, e bateu na janela do carro. Ele abaixou o vidro. Ela jogou a luz da lanterna sobre o rosto dele, evitando os olhos. Era um rosto interessante. Não exatamente bonito, era áspero demais, e uma cicatriz lhe marcava os traços. Mas algo naquele rosto chamaria a atenção de qualquer mulher de sangue quente. Tinha cabelos muito negros e ela não sabia dizer qual era a cor de seus olhos, pois a luz da lanterna distorcia tudo. - Não posso ficar aqui a noite inteira - ela murmurou. - Acho que ninguém mais vai passar por aqui. - Pode apostar que não. Só tem outra casa por perto, a minha, e a rua termina no meu jardim. E ele ia embora assim mesmo? - Onde ponho Harvey? - ela perguntou, tensa. Em resposta, ele saiu da caminhonete e abriu a parte de trás. Harvey pulou para dentro e se acomodou no grande tapete como se estivesse em casa. Beth olhou para o animal enquanto Travis fechava porta. Sem dizer uma palavra, ele deu a volta no veículo e abriu a porta do acompanhante para ela. Beth sabia que por dentro ele estava rindo. - Obrigada - ela disse, entre dentes. - O prazer é meu - retrucou Travis, fechando a porta delicadamente. Quando ele entrou no carro, ela ficou ainda mais consciente de seu tamanho, o que a fez se sentir bem mais vulnerável. Também notou melhor o cheiro realmente desagradável que emanava de sua roupa. - Espero que não estrague o banco do seu carro - ela disse, com voz suave. - É de couro, depois passo uma esponja se for preciso. Quando estivermos em casa, você toma um banho e eu arrumo alguma roupa limpa para você. Só não vai ser nada cor-de-rosa - ele acrescentou, na maior cara-de-pau. - Não é sua cor preferida, pelo jeito - Beth devolveu no mesmo tom. - Dói na vista. - Ele sorriu, sem olhar para ela. - Certo. - Ele estava tentando deixá-la à vontade. E, procurou se lembrar, ele estava lhe oferecendo um teto para passar a noite e, se ela não tivesse vindo, estaria em sérios apuros. É muita gentileza sua. - Para mim é normal. Órfãos, vagabundos, ovelhas desgarradas...


- Sei, está certo. - Ele estava de brincadeira, mas a verdade é que Beth não estava se sentindo muito distante disto. Ela se esforçou para expulsar a emoção da voz. - Se sua casa é a única da estrada, foi sorte minha você ter aparecido. - Principalmente porque não moro aqui o tempo todo. Trabalho e vivo a maior parte do tempo em Bristol. - Ah, é? E o que você faz? - Ele não era o tipo de homem que se pode rotular facilmente. - Desenho industrial. A voz dele soou evasiva e Beth não queria perguntar em que ele trabalhava exatamente. Mudou de assunto: - Então sua casa aqui é para os fins de semana? - É mais um esconderijo. E você? Trabalha? Ela assentiu. - No momento, estou dando um tempo. Sou arquiteta. Ela esperou a surpresa, muito pouco lisonjeira, por sinal, que os homens demonstravam quando ela dizia isto em uma conversa social. Ao menos para eles, o fato de ela ser uma loura esguia de cabelos cor de mel e grandes olhos azuis a impedia de ter uma profissão que envolvesse visitas a locais de construção, relações com operários e coisas do tipo. Os mais discretos tentavam esconder o espanto dizendo algo do tipo "É mesmo? Que interessante", olhando para ela de cima a baixo com expressão vaga. Os piores caíam na risada e diziam que não acreditavam. Travis limitou-se a balançar a cabeça. - Trabalha em algum escritório, para alguma autoridade local, ou é free lance? - Em um escritório. Estou de licença por seis meses. Beth esperou por mais perguntas, mas elas não vieram e ela ficou mais à vontade, percebendo que estava tensa como uma corda de piano. As árvores em ambos os lados da estrada estreita formavam uma espécie de cobertura e a noite estava uma escuridão completa, rasgada apenas pelas luzes poderosas do veículo. Era um lugar realmente solitário e ela sentiu seu estômago revirar. Então, subitamente, pararam em frente a pesados portões que Travis abriu com controle remoto. Seguiram por uma trilha de seixos e logo Beth viu uma casa grande a uns noventa metros, mais ou menos.


Ela não sabia o que estava esperando, provavelmente por uma casinha como a que alugara, quem sabe algo um pouco maior, mas não imaginara uma mansão, ainda por cima em um pequeno parque. Olhou para Travis rapidamente, mas seus olhos estavam concentrados na direção. Não dava para dizer que era um esconderijo típico. Aliás, ela estava começando a suspeitar que Travis não tinha nada de típico. O chão bem pavimentado se espalhava por toda a extensão da trilha espiralada, e quando pararam em frente à área em forma de ferradura coberta de pedrinhas, Beth teve de admitir consigo mesma que estava um tanto impressionada. Tentou manter a dignidade e permanecer impassível apesar das circunstâncias, que não eram das melhores. As luzes externas na frente da casa se acenderam automaticamente, mas Beth estava concentrada no absurdo da situação. Agora, enquanto saía da Mercedes, ajudada pela mão quente de Travis, olhou para ele, de verdade, pela primeira vez. Uma pequena rajada de eletricidade quase a fez perder o ar. Os olhos dele eram cinzentos, pensou de forma inconseqüente. - Qual o nome de seu cachorro? - O quê? - Ela ouviu a voz tranqüila, mas seu cérebro revirado não conseguiu registrar o que ele dissera. - Seu cachorro - ele repetiu, com paciência. Ela ouviu o latido. Harvey estava chateado de ficar dentro da caminhonete com eles dois já fora. - Ah, Harvey. O nome dele é Harvey. - Sugiro que esteja pronta para acalmá-lo. Ele vai conhecer minhas cadelas dentro de instantes, e prefiro que ele seja amigável. - Harvey sempre é amigável. - Que bom. Sheba e Sky não são. Então Travis abriu a parte traseira da caminhonete e Harvey saiu. Antes que ela pudesse perguntar o que ele quis dizer, Travis já estava abrindo a porta da frente. Imediatamente dois ursos marrons, ao menos foi o que pareceu a Beth, vieram em direção a eles. Houve um momento de tensão da parte de Beth enquanto os dois cães rodearam Harvey, mas ele não parou de balançar o rabo. Em segundos, os três cães estavam inspecionando os traseiros uns dos outros. Beth suspirou aliviada.


- São adoráveis. Qual é a raça? - Só sei que são fêmeas, mais nada - Travis disse calmamente, estalou os dedos, e os dois animais se sentaram ao seu lado. - Foram deixadas na estrada dentro de uma caixa de papelão com aproximadamente cinco ou seis semanas de idade. O veterinário tinha conhecimento de algumas ninhadas na vizinhança, mas como saber exatamente de onde vinham? Fosse qual fosse o pedigree, Harvey aparentemente achava as cadelas atraentes. Beth percebeu que ele ficou todo machão, rodeando Travis e olhando interessado para as duas. Quando entraram em casa, a primeira coisa que Beth percebeu foi o espaço e a madeira de ótima qualidade. A ampla sala tinha piso de carvalho, bem como a enorme escada curva que levava a um primeiro andar que mais parecia uma galeria. As paredes eram iluminadas por várias pinturas modernas que lhes emprestavam vividos golpes de cores, e havia também uma pequena mesa de carvalho cercada por duas cadeiras de espaldar acolchoado. - Tenho certeza de que você deve estar querendo tomar um banho e trocar de roupa enquanto eu alimento os cães. Harvey já comeu? - Travis estava caminhando em direção à escada enquanto falava, e suas cadelas pararam ao pé da escada. Provavelmente não tinham permissão para subir. - Não comeu, não. Eu ia fazer isso quando ficamos do lado de fora. - Beth seguiu Travis após mandar Harvey ficar. Ele não fez objeção; esparramou-se entre as duas cadelas, parecendo bem à vontade. Chega da rotina de cão de guarda. O chão de carvalho se estendia pela galeria de quadros, e após se debruçar para ver se Harvey ainda estava se comportando bem, Beth foi atrás de Travis, que parará em frente à porta aberta de um quarto. - Você vai encontrar algumas camisetas e calças de moletom dentro do armário e um roupão atrás da porta do banheiro. Sinta-se em casa. Tem bastante água quente. Quando estiver pronta, desça e me encontrará na cozinha. Gosta de espaguete à bolonhesa? - O quê? Ah, sim. Sim, obrigada. - Terrivelmente frustrada, Beth pisou no grosso carpete creme do que era obviamente um quarto de hóspedes, e Travis fechou a porta, deixando-a sozinha. Ela olhou ao redor. O quarto em tons de café e marfim com certeza fora decorado por alguém com gosto minimalista, e era muito bonito. Ela suspeitava de que a casa inteira fosse assim. Cuidadosamente, como se estivesse deixando um rastro de sujeira e destruição por onde passava, ela se encaminhou à porta aberta do banheiro, que refletia as cores do quarto, e deu


uma olhada no amplo espelho que se estendia por um par de pias. Ela grunhiu alto para seu reflexo no espelho. Não bastasse estar com aquele pijama e chinelos terríveis, havia em um dos lados do rosto uma enorme mancha de lama, ao menos ela esperava que fosse lama e não aquilo em que escorregara. Os cabelos secaram ao vento revolto e seu rosto sem maquiagem estava oleoso onde não estava sujo. Era um estado deplorável. Dez minutos depois, começou a se sentir ela mesma de novo. Encontrou loção para corpo e rosto junto com o xampu e o condicionador no armário do banheiro, e, depois de estar limpa e perfumada, nada mais pareceu tão ruim assim. Secou o cabelo com o secador e deixou-os soltos. Foi até o armário e lá encontrou algumas camisetas e calças de moletom femininas. Ficou imaginando de quem seriam. Talvez da namorada? Muito bem, hora de encará-lo novamente. Ela desceu a escada descalça, sentindo o estômago pulsar. Poderia ser uma maluquice, mas não conseguiu evitar. Ao chegar ao hall, Beth olhou ao redor. Travis dissera que ela deveria encontrá-lo na cozinha, mas havia várias portas. Imaginando que a cozinha ficasse nos fundos da casa, ela foi até a última das portas e bateu nervosamente antes de abrir. - Oi, sou eu - disse, desnecessariamente. - Oi. - Travis estava refogando algo com os três cães a seus pés, aparentemente satisfeitos. Harvey balançou a cauda ao vê-la, mas não se deu ao trabalho de se levantar. - Que tal se sentar e se servir de uma taça de vinho? Ele olhou rápida e penetrantemente para ela antes de se voltar novamente para o fogão. A visão daquele corpo poderoso dentro de uma camisa preta de algodão aberta no pescoço e calça jeans bastou para que ela ficasse cheia de dedos ao se sentar à mesa para abrir a garrafa de vinho. A mesa era enorme, mesmo assim parecia engolida pela amplitude da cozinha em estilo colonial. O chão revestido de pedras e os armários de madeira cor de mel com superfície recoberta de granito deixavam o local com um ar de modernidade e tradição, bastante aprazível. O vinho desceu suave, vermelho profundo com aroma de cassis e cereja, e Beth sentiu o efeito tranqüilizante em suas veias. Após vários goles, ela se acalmou o suficiente para puxar conversa: - Posso ajudar de alguma forma?


- Não precisa, está tudo pronto. - Rapidamente, ele serviu dois pratos de espaguete à bolonhesa, acompanhados por uma travessa de legumes assados. Beth ficou com água na boca. Travis disse então, sem rodeios: - Você se limpou bem. Muito bem. - Obrigada. - Ela sentiu que corou, o que foi irritante. Não que não estivesse acostumada a ouvir elogios masculinos, mas aquele homem era completamente... perturbador. E isso era a última coisa de que precisava no momento. - Por nós dois - acrescentou, indicando Harvey com a mão. - Não tinha intenção de dar tanto trabalho ao acenar para você na estrada. Os olhos cinzentos a perscrutaram, misteriosos. A luz intensa da cozinha, seu rosto parecia amassado e pouco atraente, cheio de planos e ângulos marcados que ficavam mais evidentes devido à cicatriz na bochecha. O nariz era reto, as grossas sobrancelhas e os cílios eram negros como o cabelo e a boca, bastante sexy. Este último pensamento não era bem-vindo, mas era verdadeiro. Travis Black exalava um tipo de sensualidade cínica e insuportavelmente magnética, e Beth contorceu os dedos do pé com a força da sensação em seu corpo. - Somos vizinhos - ele disse preguiçosamente, após um momento tenso. - Apesar de ser temporário. Era o mínimo que eu podia fazer. Espero que alguém faça o mesmo por minha irmã se ela passar pela mesma situação. Ele tinha irmã? Ridículo, porque provavelmente qualquer maluco inútil podia ter irmãs, mas ela se sentiu mais segura por alguma razão. Enquanto ele a observava, Beth se escondeu por trás de um sorriso social que podia significar qualquer coisa. - Quantos anos tem sua irmã? - Sandra? Fez 35 algumas semanas atrás. Pelo que conheço dela, ainda deve estar comemorando. É uma festeira e tanto, para dizer o mínimo. - Você não aprova? - Havia algo em sua voz que sugeria isto, mas ela não sabia dizer exatamente o que era. De qualquer forma, ela também podia estar enganada, afinal ele era um estranho. Ele deu de ombros e abocanhou com maestria uma garfada de espaguete. - Ela é adulta e dona do próprio nariz. Não era bem uma resposta. Beth provou o espaguete. Absolutamente delicioso. Cozinhar era uma das coisas de que menos gostava na vida, de modo que sempre teve especial respeito por


quem conseguia usar ingredientes comuns para fazer algo especial. Sua comida variava entre cozida demais, cozida de menos ou simplesmente intragável. - Está uma delícia - ela disse, um pouco relutante. Travis era realmente daqueles homens que fazia bem tudo aquilo a que se propunha. Como Keith. Só de pensar, ela se sentiu mal e afastou o pensamento da mente com todas as suas forças. - Obrigado. Havia um tom levemente jocoso em sua voz. Era tarde demais para Beth perceber que suas palavras provavelmente não combinavam com a expressão de seu rosto. Ela forçou um sorriso. - Não sei cozinhar de jeito nenhum - disse ela, com leveza - e morro de inveja de quem sabe. Ele balançou a cabeça, mas nada disse. Beth teve a nítida impressão de que ele não acreditava nela. Pensou em dizer algo mais, mas se calou. E se lembrou do velho ditado que dizia "quanto menos se falar, melhor". De qualquer forma, ela jamais soube mentir. Ao contrário de Keith. Ela pegou seu vinho e esvaziou a taça. Relaxe, relaxe, pensou. Travis encheu a taça novamente em silêncio antes de se recostar na cadeira. - É impressão minha ou você fica sempre nervosa ao passar a noite na casa de um estranho? Ela sorriu, desta vez mais naturalmente. - Você é estranho? - perguntou, entrando no clima dele. - Já disseram antes. - Ele sorriu e ficou ainda mais sensual. Beth tentou se convencer de que não havia reparado. - Então acho que terei que tomar cuidado. - Ela sorriu novamente e então se concentrou em comer. Quanto antes terminasse a refeição e pudesse se enfiar no quarto, melhor. Não queria ficar de amizade nem de flerte, nem de nada. Comeu rapidamente, mantendo os olhos no prato. Era sensacional da parte dele oferecer uma cama para passar a noite, mas estava disposta a pagar de bom grado pelo prejuízo se ele tivesse forçado a porta ou a janela da casa alugada para ela entrar. E teria preferido assim. Talvez fosse ingratidão, mas era o que pensava. - Então está alugando aquela casa por seis meses? Terminaram a comida em silêncio e agora, enquanto Travis dispensava o garfo e pegava sua


taça de vinho, Beth ficou nervosa ao encarar aqueles olhos cinzentos. Ela balançou a cabeça. - Este foi o período mínimo possível. - É um local bem isolado. - Foi por isso que eu gostei. - Ele estava olhando para ela de modo desconfortavelmente especulativo e, após um momento de tensão, ela acrescentou: - Não tenho estado muito bem ultimamente. Queria uma mudança completa. - Você não pode conseguir nada mais complicado que a Casinha Herb Beth não respondeu; terminou seu vinho e se levantou rapidamente. - Se não se importa, vou me recolher - disse, sem jeito. - A viagem hoje não foi nada boa e estou cansada. - Soou rude até para si mesma. - Será que um pedaço de doce a atrairia? - Travis perguntou suavemente. - Tem torta de nozes e bolo de maçã. Ela recusou balançando a cabeça. - Não, obrigada. - Deu uma olhada em Harvey, que não movera uma pata sequer. - Onde quer que ele durma? - Ah, ele dorme com as meninas. Parece que se deram muito bem. Bem demais para o gosto dela. Considerando-se que, durante os últimos meses, Harvey fora tão protetor quanto possível, agora parecia que ele a havia abandonado. Sentindo-se ridiculamente excluída, Beth disse, tensa: - Bem, mais uma vez, obrigada. Vamos deixar de aborrecê-lo o quanto antes pela manhã. - Não há pressa. Ah, havia, sim. Ele se levantou depois dela, grande e masculino. E atraente. Muito. Abalada pelo rumo de seus pensamentos, Beth tentou se convencer de que estava cansada demais. - Boa noite - murmurou com afobação, e saiu correndo da cozinha antes que ele tivesse chance de responder.

CAPITULO DOIS


A cama era um primor de conforto, o ambiente bastante calmo e pacífico, mas ela estava quente como um vulcão. Beth se revirou na cama pela milésima vez sem saber por que não conseguia dormir. Estava exausta, não havia dúvida, mas sua mente não parava. Gemeu baixinho e enfiou o rosto no travesseiro, ficando cada vez mais irritada consigo mesma. Não queria pensar em Keith e ultimamente andava conseguindo mantê-lo à margem dos pensamentos. Então, por que estava remexendo velhas feridas naquela noite? Ela pensava que já havia superado aquilo tudo. Foi ele. Travis Black. Ele a fazia se lembrar de Keith. Mas, para ser honesta, não saberia dizer a razão. Com certeza os dois não tinham qualquer semelhança física. Keith era louro de olhos azuis e tinha um sorriso caloroso de garoto e uma masculinidade nada ameaçadora, bastante envolvente até. Ela ficou louca de amor por ele logo que se conheceram no escritório. E ele disse ter sentido o mesmo, que a adorava, a idolatrava. Estúpida. Beth se sentou abruptamente e passou os dedos pelos cabelos desalinhados. Foi realmente estúpida. Devia ter sabido que um empresário lindo e bem-sucedido como Keith Wright era mais enrolado que carretel. Mas ela o amou. E acreditou nele. Simples assim. O maior erro de sua vida. Vamos, pare com isso. O pior já passou, não pode ficar remoendo sua história com Keith. Mas, naquela noite, ela não estava conseguindo evitar as lembranças. Tiveram um casamento discreto. Keith quis assim, e ela estava tão feliz que se casaria com ele até dentro de um saco de batatas se ele quisesse. Ela usou um conjunto azul-claro e um chapéu grande, e todos disseram que estava deslumbrante. Keith a levou para as Bahamas por duas semanas e, na volta, passaram a morar no amplo apartamento que ele tinha nas cercanias de Londres. O plano original era começar a procurar uma casa imediatamente, mas se passaram semanas, meses, e nada. Keith dizia que havia tempo de sobra e ela concordou com ele. Pensariam sobre a casa no futuro, quando decidissem ter filhos. Até então estavam felizes assim. Até a terrível noite em que sua irmã e seu cunhado Michael foram ao apartamento. Com o rosto pálido e tremendo dos pés à cabeça, Catherine disse que seus amados pais haviam morrido em um acidente de trânsito. Dois jovens de 18 anos bêbados roubaram um carro e fizeram uma manobra brusca na estrada, fazendo com que um motorista de caminhão desviasse abruptamente para não ser atingido. Assim, o caminhoneiro perdera a direção e atingiu seus pais. O motorista ficou ferido, mas os delinqüentes bêbados não sofreram sequer


um arranhão. E não tiveram o menor remorso. O caso atraiu atenção nacional, principalmente porque um dos delinqüentes era irmão de um astro do rock. Uns dois dias depois, ela, Keith, Catherine e Michael foram entrevistados por jornalistas na entrada do tribunal, ao fim do julgamento. Os garotos receberam pena máxima, mas, quando ela voltou para casa, havia uma jovem esperando na porta. O acontecimento recente, no qual ela e Catherine lutaram para aceitar a súbita perda, já tinha sido suficientemente ruim, mas não havia como se preparar para o que a esperava. Fazia tempo que a jovem era amante de Keith. Eles tinham duas filhas pequenas e estavam juntos fazia sete anos. Nas noites em que ele ficava fora "a trabalho", estava na verdade do outro lado de Londres, com Anna. E ele também mantinha outros casos, Anna havia contado a Beth, furiosa e amarga. Sempre manteve. Anna fazia de conta que não via nada porque o amava e ele era pai de suas meninas, mas quando viu nos jornais que ele tinha uma esposa... No dia anterior, ele havia se despedido dela e das meninas com beijos e abraços, após passar a noite em seus braços. Não fazia idéia de que ele tinha na verdade se casado com outra. Beth ficou olhando para a jovem enquanto seu mundo caía. Acreditou em Anna imediatamente. Depois se perguntou por que, e viu que Anna tinha dito pequenas coisas que faziam sentido no todo, a começar pelo casamento discretíssimo 12 meses antes. E, poucos dias antes do Natal, ele havia dito que tinha de ir até a Escócia a trabalho e não conseguira providenciar a volta para a festa no dia 26. Claro que ele passou o Natal com Anna e as filhas. Uma verdadeira armação, e das piores. Quanto mais ela e Anna conversam, mais ela percebia como Keith tinha sido desonesto. Quando ele chegou e viu Anna, a cara de horror que fez confirmou tudo. Ela saiu de casa naquela noite mesmo e só voltou para pegar seu objetos pessoais, com Catherine, quando Keith estava no trabalho. Ele sequer poderia contestar seu pedido de divórcio, não com as provas que ela possuía. Catherine e Michael foram maravilhosos, insistiram que ela ficasse com eles, mas Catherine estava grávida do primeiro filho e Beth resolveu ficar pouco tempo. Logo comprou um sala-equarto com metade da herança deixada pelos pais. Ela precisava ter sua própria casa. No dia seguinte à mudança, Catherine e Michael lhe deram Harvey, que não passava de uma bolinha de pêlos com patas grandes demais e língua cor-de-rosa. - Um presente para dar alegria à casa nova - Catherine anunciou. - E agora que saí do trabalho


posso tomar conta dele nos dias em que você estiver no escritório. Certo? Beth reclamou que não queria um cachorro e que não seria prático. Mas sabia que Catherine estava preocupada com ela, com medo de que, sozinha, caísse em depressão. E Beth finalmente se deixou persuadir. No final das contas, Catherine estava absolutamente certa. Beth não imaginava como teria suportado os últimos 18 meses se não fosse por Harvey. E havia qualquer coisa de muito reconfortante em ter o cachorro com ela à noite e levá-lo quando tinha de visitar lugares mais distantes. Ele sempre a protegia com tanto afinco. E também foi uma verdadeira jóia com Catherine e o bebê quando Beth estava confinada no trabalho. Assim, com a ajuda de Harvey, ela foi conseguindo superar a combinação da perda dos pais com a traição de Keith, além do fato de estar trabalhando demais desde o divórcio. Mas agora, de acordo com o médico, ela estava à beira de um colapso nervoso e precisava descansar de verdade. Recusou-se sumariamente a tomar o remédio que ele prescrevera, mas aceitou tirar longas férias, não seria nada ruim. Em algum lugar totalmente quieto e isolado, resolveu. Queria sair do tempo. Ir para um lugar onde pudesse aprender a dormir direito novamente e recuperar o apetite. Um lugar onde não visse uma alma sequer se não quisesse. Apresentou seus requisitos a vários corretores, mas foi ao ver a Casinha Herb que ela se deu conta de ter achado seu pedacinho de paraíso britânico. Paraíso britânico! Beth riu com desdém, saiu da cama e ficou andando pelo banheiro da suíte, onde se serviu de um copo de água. Ficar exposta ao frio e ao vento naquela noite não teve nada a ver com paraíso. Pela manhã, quando voltasse para a casa que alugara, daria um jeito de fazer uma cópia a mais da chave na cidade mais próxima e escondê-la no jardim, para que aquela situação jamais se repetisse. Não conseguia acreditar que tivesse sido tão estúpida. Ela bebeu a água e voltou para a cama, deixando o abajur da cabeceira aceso. O quarto era bonito. Olhou ao redor antes de se enfiar debaixo das cobertas e fechar os olhos com determinação. Será que Travis Black costuma trazer namoradas ali para fins de semana românticos? Com certeza ele tinha mulheres de sobra para escolher, que viviam se oferecendo. Ele era deste tipo de homem. Franziu os lábios. Podia apostar que ele sabia dizer sempre a coisa certa, como Keith. Os homens sempre sabiam o que dizer para conseguir o que queriam, mas não se pode confiar. Eles diziam uma coisa, mas queriam outra. Ao menos, certos tipos de homem são assim, justamente os que costumam ter um charme especial, difícil de definir, mas que era bastante


real. Revirou-se na cama e enfiou o travesseiro na cabeça como se pudesse calar seus pensamentos. E foi assim, praticamente afundada nos macios travesseiros, que ela finalmente caiu no sono, mas só quando os primeiros raios da manhã já começavam a romper o céu.

Beth acordou na manhã seguinte com um forte barulho da porta sendo arranhada, e depois uma batida. Ela acordou de um pulo, com o coração acelerado, e momentaneamente desorientada. A porta da casa que alugara batera com a chave dentro; ela estava na casa de Travis Black. Seu coração disparou ainda mais. Quando a batida se repetiu, ela se recompôs. Apesar de ter dormido de calça de moletom e camiseta, se certificou se as cobertas estavam até o pescoço, e só então disse para ele entrar. - Oi. - Quando a porta abriu, Beth notou a voz de Travis, mas foi Harvey quem pulou em sua cama, angariando toda sua atenção. O grande cão esparramou as patas pesadas sobre seus ombros e começou a lamber seu rosto ansiosamente, ignorando as reclamações de Beth. Quando ela finalmente conseguiu afastá-lo, viu Travis ao lado da cama com uma bandeja. - Harvey está choramingando e andando de um lado para outro na cozinha faz uma hora. Acho que ele pensou que você o tinha abandonado - Travis disse, achando graça. Que ótimo. Após dispensá-la na noite anterior, Harvey finalmente se lembrou de suas obrigações, justo quando ela estava com o cabelo embolado como um ninho de pássaro e com cara de sono. Claro que não teria nada demais se Harvey estivesse sozinho, mas é claro que ele tinha que trazer Travis Black junto! Isso é o que Beth chamava de tornar pior o que já era ruim. Beth reuniu coragem para olhar para Travis. Ele usava calça jeans e camisa creme aberta no peito. Estava recém-barbeado e os cabelos negros ainda estavam úmidos do banho. Travis tinha coxas esguias e cintura estreita, e seus ombros eram largos até para a mais exigente das mulheres; sua aura de masculinidade era avassaladora. Beth se sentia em tamanha desvantagem que ficou difícil falar. Engoliu em seco, pensando como gostaria de ter nascido mais esperta. Pelo jeito, Travis não tinha reparado. Ou talvez achasse que ela fosse mesmo idiota. Beth pensou em dizer algo, mas não conseguiu mesmo. -Não sei se você prefere chá ou café. - Travis apontou com a cabeça o conteúdo da bandeja. Havia uma caneca com café e outra com chá, além de açúcar, leite e um pratinho de biscoitos.


- O café-da-manhã estará pronto em meia hora. - Ah, por favor, não se incomode. É só você me dar o número do corretor e eu largo do seu pé. Já lhe dei trabalho demais. - Sentiu que estava tagarelando e parou de repente. Ele devia estar imaginando o que se passava em sua cabeça. Seus olhos cinzentos a perscrutaram em silêncio. - Já falei com John e ele vai nos encontrar às 11 horas em sua casa. Prefere batatas fritas ou coradas? - Como? - Ele estava perto o bastante para ela sentir seu cheiro masculino com o leve toque do aroma de sua loção pós-barba. Ele estava levando seus hormônios à loucura. - Ah, fritas, por favor - ela conseguiu dizer, debilmente. Controle. Aquilo era só uma questão de controle. Ele balançou a cabeça, colocou a bandeja na mesa de cabeceira e saiu, fechando a porta. Harvey foi atrás. Estava claro que o cão depois que a viu viva e bem, decidiu voltar para suas companheiras caninas. Beth saiu da cama e viu seu reflexo no banheiro do espelho. Deu um suspiro. Aquele homem estava destinado a vê-la sempre com a aparência pelo avesso. Mas agora isto não importava, ela procurou se convencer. Claro que não. Travis Black não significava nada para ela, e depois do dia de hoje, ela provavelmente o veria apenas de relance, passando de carro. A questão era que, apesar de sua vida estar em frangalhos, ela ainda tinha respeito pela própria aparência. Beth fez uma careta para o espelho, voltou para o quarto e começou a beber seu café perto da janela. O quarto ficava nos fundos da casa e tinha vista espetacular. A propriedade de Travis era enorme e bem tratada, com gramados aparados, árvores grandes e arbustos competindo com enormes canteiros de flores, campos, cercas vivas que se estendiam por quilômetros, formando uma verdadeira guerra de cores sob o sol brilhante. - Lindo. - Beth sussurrou a palavra com os olhos concentrados em um pequeno bando de pássaros chapins, esvoaçando delicadamente pelos ramos de uma das faias perto da casa. Ali havia toda a paz e tranqüilidade que se pode desejar. Por alguma razão, isto tornava ainda mais surpreendente o fato de Travis morar em lugar tão afastado, mesmo que não fosse o tempo todo. Ele dava a impressão de ser um homem sempre à procura de ação.


E então Beth estranhou a si mesma. Não costumava ficar fazendo suposições sobre as pessoas, mas não conseguia parar de imaginar coisas sobre Travis. Terminou o café tentando tirá-lo da cabeça e foi tomar banho. Com certeza, iria se sentir melhor depois de voltar a parecer humana. Vinte minutos depois, ela desceu as escadas, os cabelos brilhantes emoldurando o rosto e emanando cheiro de maçã do xampu que encontrara no armário do banheiro. Era o melhor que ela podia fazer na falta de perfume ou sequer de um brilho para os lábios. Na verdade, ela estava se sentindo totalmente desleixada daquele jeito, descalça e de cara lavada, para não falar da ausência de roupa íntima sob a calça de moletom e a camiseta. Tinha por hábito se vestir bem para o trabalho. Até ao visitar construções, usava galochas e enormes capas de chuva que sempre tinha no carro para manter as roupas imaculadas. Keith costumava chamar isto de "o poder do estilo". Mais por brincadeira que maldade. Ela rebatia dizendo que, em um mundo dominado por homens, a imagem que ela projetava era muito importante. Seus cabelos louros, olhos azuis e curvas femininas bastavam para fazer alguns homens duvidarem do poder de seu cérebro: não seria se vestir de modo todo feminino que lhes daria mais motivo. Como na noite anterior, Travis estava em frente ao fogão quando ela entrou na cozinha, os três cães a seus pés. Beth se esforçou para a voz soar leve. - O cheiro está delicioso. Ele sorriu. Beth se perguntou qual seria a razão para que o sorriso de alguns homens fossem apenas um sorriso, enquanto o de outros parecia mais um estouro. O sorriso de Travis era um estouro duplo. -Achei que poderíamos comer aqui mesmo, de novo, tudo bem? - ele disse calmamente. - Na verdade, tenho uma sala de jantar, acredite ou não, mas aqui é mais... tranqüilo. Seria esta outra forma de dizer que aquilo não era nenhum café-da-manhã romântico e que ela não devia interpretar sua hospitalidade do modo errado? Beth se sentou à mesa da cozinha. Se fosse o caso, para ela tudo bem. - Com uma cozinha destas, eu pensei que você comia aqui o tempo todo. É o que eu faria. - É bem o caso - ele disse, colocando o bacon em um prato. Já havia uma garrafa de café, outra de suco de laranja, torradas e compotas na mesa. Agora, Travis estava vindo com pratos de ovos mexidos, salsichas, bacon, tomates fritos, batatas coradas e vários outros pratos. Beth achou que seria o suficiente para alimentar um exército.


- Sirva-se. - Ele se sentou à mesa também e imediatamente os sentidos de Beth tiniram devido à proximidade de Travis. O que era realmente irritante. Principalmente porque ele estava totalmente à vontade. - Obrigada. - Nos últimos meses, Beth andava sem apetite algum, e precisava se forçar a comer. Foi com certa surpresa que ela de repente percebeu que estava com fome. A comida era tão saborosa quanto aparentava, as salsichas e o bacon bem crocantes e tenros nos lugares certos. Aliás, todo o resto do café-da-manhã também estava perfeito. Beth terminou de comer, sentindo-se totalmente satisfeita, quando se deu conta de que Travis a observava com visível fascínio. - Você é pequenininha, mas com certeza sabe comer bem quando quer, não é? Ela não teve certeza se aquilo era um elogio ou um insulto. - Deve ser o ar do campo, não costumo comer tanto normalmente. - Não foi nenhuma crítica. O tom da voz de Travis soava como se ele estivesse achando graça, e Beth imediatamente corou. - Não achei que fosse. - Encarou os olhos cinzentos. - Não? - Ele arqueou as sobrancelhas, ironicamente. - Não. - Sua voz saiu bem firme. Firme demais? - Ótimo. - Estava na cara que ele não acreditou. - Não agüento mulheres que ficam beliscando alface o dia inteiro - ele disse, enquanto recolhia os pratos e os levava para a máquina de lavar. - É incrivelmente irritante. Aposto que é esse o tipo que você namora, Beth pensou com amargura. Modelos lindas que ficam deslumbrantes de qualquer jeito. Ele se virou e flagrou o olhar em seu rosto antes que ela pudesse disfarçar. Parecia que Travis tinha certo talento para pegá-la desprevenida. Ele parou o que estava fazendo e cruzou os braços. - Você não gosta de mim - ele disse, intrigado. - Por que, Beth? Ela sentiu as orelhas começarem a arder. Mortificada, murmurou: - Não o conheço, como posso não gostar de você? E você tem sido muito gentil comigo e com Harvey.


Ele fez um gesto de "deixa para lá" com a mão, mas sua voz parecia demonstrar mais constatação do que preocupação. - Achei que na noite passada você estava nervosa por causa da situação em que se encontrava, e entendo isto. Você sozinha com um estranho... - Os olhos cinzentos passearam pelo rosto quente de Beth. Apesar de seu intenso desconforto, Beth percebeu que era um desperdício um homem possuir cílios tão grossos e longos quanto os dele. - Mas não é por isso, não é? Você não gosta de mim. Ele não parecia incomodado. E ela, além de constrangida, começou a ficar irritada. - Como já disse, não o conheço. Ele pegou o prato com as três salsichas que sobraram e deu uma para cada cão. - Você não mente muito bem, Beth Marton. Ela teve vontade de sair correndo, mas manteve a voz baixa e o encarou desafiadoramente. - Como assim? Ele aceitou o desafio imediatamente. - Isso explica por que uma jovem com sua aparência e inteligência está se enfurnando no meio do nada por algum tempo. Arrogante, metido, presunçoso. - Você não sabe nada de mim, senhor Black. - Meu nome é Travis - ele disse calmamente, e olhou para o relógio. - É melhor tratarmos de ir ao encontro de John, senão nos atrasaremos. Aliás, peguei umas sandálias de dedo que minha irmã deixou aqui faz um tempinho. Imagino que você não vá querer pisar na lama, se puder evitar. - Obrigada - ela disse entre dentes. - Não há de que. - Travis inclinou a cabeça, mantendo os olhos nela. Ele estava gostando daquilo. Beth podia apostar que sim. Ela se levantou na esperança de mostrar alguma dignidade. - Vou pegar minhas coisas lá em cima. - Fez uma pausa. Por mais que odiasse perguntar, não podia carregar o pijama e chinelos que pusera de molho pingando pelo carpete dele. - Tem


uma sacola que eu possa usar? Deixei minhas roupas de molho ontem à noite. - Bem pensado. - Ele pegou uma sacola no armário da cozinha. - E as sandálias de dedo estão na primeira porta do armário. Ela balançou a cabeça e saiu com o nariz empinado. Ao chegar ao quarto, trancou a porta e fechou os olhos por um momento. Tudo aquilo estava acontecendo porque ela cometera o erro de acompanhar Harvey em sua saída noturna. Devia estar maluca. Harvey sabia muito bem cuidar de si mesmo. Foi até o banheiro e tirou o pijama e os chinelos da água. Ainda exalavam um vago cheiro ruim de algo impronunciável. - Não importa - ela disse em voz alta. - Simplesmente mantenha a calma e ignore qualquer coisa que ele venha a dizer. Logo você estará de volta à sua casa e jamais verá Travis Black de novo na vida. O que não aconteceria tão cedo no que dependesse dela. Por mais que Travis a tivesse salvado como uma espécie de bom samaritano, ele tinha razão. Ela não gostava dele. Ele era seguro demais, arrogante demais, e Beth achava seu jeito irônico simplesmente ofensivo. Ela era uma profissional experiente, tinha um bom emprego e sabia cuidar perfeitamente de si mesma. Bem, ao menos costumava ser assim. Realmente, a noite passada fora um verdadeiro contratempo, mas era o tipo de coisa que podia acontecer a qualquer um. Ele parecia achar que ela era uma cabeça oca. Jogou o pijama e os chinelos molhados na sacola, de cara feia. E agora tinha que lidar com este tal de John Turner, que sem dúvida também pensaria que ela era alguma cabeça de vento. Às vezes, a vida era mesmo injusta...

CAPÍTULO TRÊS

Pouco depois, quando chegaram à casa que Beth alugara, um gorducho de rosto rosado a esperava do lado de fora. Ele acenou, radiante, quando eles desceram da Mercedes, e, pelo jeito, não estava nem um pouco irritado pelo incômodo na manhã de sábado.


- Oi! - A voz jovial combinava com sua aparência. - Que confusão, hein? - ele disse diretamente a Travis - e a senhorita é Beth Marton? Prazer em conhecê-la, minha cara. - Desculpe pelo ocorrido. - Beth apertou a mãozinha do homem, vermelha de vergonha. Nem tanto pelo corretor de imóveis, mas por um certo olhar especulativo que ele deu para Travis. Estava na cara que John Turner estava tirando conclusões sobre ela ter passado a noite na casa de Travis. - Não se preocupe. Isto acontece, ficar trancada do lado de fora. Minha mulher faz isto o tempo todo. Agora vamos dar um jeito para você entrar, não é? - Ele se virou e abriu a porta da frente com a chave em sua mão. - Vai para o futebol esta tarde, Travis? Parece que a partida vai ser das boas. - Talvez. - John Turner então entrou na casa, mas Travis ficou onde estava. - Obrigada por me ajudar ontem à noite. - Aturdida, Beth estalou os dedos chamando Harvey, que estava farejando o jardim. - Vocês gostariam de tomar um café antes de ir? - Eu não, obrigado. Tenho milhões de coisas para fazer. - O corretor já estava voltando para o carro. Beth voltou-se para Travis, certa de que ele iria querer entrar e torcendo para que ele dissesse não. E foi o que ele fez, causando nela uma forte e desarra-zoada decepção. - Se precisar de mim outra vez, basta vestir aquela roupa cor-de-rosa e acenar - Travis acrescentou na maior cara-de-pau antes de dar as costas e ir embora. Beth ficou olhando para ele. Estava indo embora? Assim? Mas também, por que não iria? Afinal, ela havia deixado claro que mal podia esperar para vê-lo pelas costas. Mesmo assim... - E estas roupas. Quando estará em casa para que eu possa devolvê-las após lavar? Já na altura do portão, ele se virou, encarando-a por um momento com aqueles olhos cinzentos e brilhantes e o rosto sem expressão. - Não se preocupe com isso. Sandra tem zilhões de calças e camisetas como estas; nem vai dar pela falta. Eram roupas de sua irmã? Saber disso lhe deu uma satisfação que, em si mesma, representava um aviso. - Não posso ficar com elas. Preciso devolvê-las.


Ele deu de ombros. - Tem uma caixa de correio logo depois do portão. Está sempre destrancada. Se quiser, pode deixar lá. - Seu tom de voz indicava que ela estava sendo desnecessariamente pedante. - Certo. Farei isso - ela disse, mascarando o ressentimento pela evidente falta de inclinação de maiores contatos da parte dele. Harvey choramingou ao seu lado, e ela o segurou pela coleira. O cão não queria que Travis fosse embora e ela não podia deixar que ele corresse atrás dele. Então, tchau. - Tchau, Beth - Travis disse suavemente. - Foi um prazer conhecê-la.

O resto do dia foi de um verdadeiro anticlímax. Não foi preciso mais que meia hora para ela se acomodar em seu lar temporário e, após preparar a lareira para a noite, Beth levou Harvey para um longo passeio no bosque ao redor do terreno. Era um cálido dia de maio e a trilha em que estava descia para navegar um córrego que nascia nas colinas. Beth sentou na margem verdejante enquanto Harvey pulava na água, e o barulho que ele fazia incomodou os pássaros das árvores ao redor, que mostraram seu desprazer com gritos alarmados e revoadas enlouquecidas. Apesar das travessuras de Harvey, o passeio foi tranqüilo. Beth se recostou a um grande carvalho antigo, deixando sua mente vagar, mas não passou um minuto até ela perceber que estava pensando em Travis Black. E isto era loucura, mais que loucura. Beth não sabia o que estava acontecendo com ela. Sentou-se com as costas empinadas, irritada consigo mesma. Ele fora gentil, tinha de reconhecer, mas o episódio como um todo já era passado, então por que estava gastando um segundo que fosse pensando em um sujeito que era praticamente um estranho? Aliás, um estranho bastante atraente. Travis era o tipo de homem que devia trazer carimbado na testa algo como "Perigo para mulheres". Harvey resolveu se aproximar e se sacudir todo, o que efetivamente cortou de vez os devaneios de Beth. Durante todo o resto da caminhada, ela fez questão de manter Travis estritamente fora de seus pensamentos. Foi uma batalha, mas ela conseguiu se virar. O crepúsculo dourado aromatizava o ar quando Beth finalmente abriu o portão da Casinha Herb, bem mais tarde. Estava exausta, mas satisfeita. Harvey também parecia cansado e pronto para jantar.


Quase de imediato, viu que haviam deixado um enorme buquê de flores na entrada, e seu coração disparou. As rosas, frésias e mosquitinhos estavam enrolados em papel celofane e amarrados com um laço cor-de-rosa. No pequeno cartão estava escrito: "Um presentinho para inaugurar a casa." Assinado apenas "Travis". Ele lhe comprara flores, pensou com o coração disparado. Era a última coisa que ela esperava após aquela despedida um tanto tensa. Por que ele fizera aquilo? Abriu a porta, destravando-a para não repetir a performance da noite anterior. Caminhou até a cozinha, pôs as flores no escorredor da pia e ficou olhando para elas até Harvey lembrá-la de que estava com fome. Depois de alimentar o cão, Beth pôs as flores em um vaso com água. Eram lindas, absolutamente deslumbrantes. Mas não queriam dizer coisa alguma; era provável que ele estivesse apenas sendo gentil. Isso. O que não tinha nada de errado. As pessoas têm o direito de agir com gentileza sem nenhum motivo especial. Aquelas flores não queriam dizer que Travis estivesse interessado nela. Beth franziu a testa ao sentir o aroma doce das flores enquanto carregava o vaso para a sala. Mas o fato é que o gesto dele deixava as coisas... complicadas. Ela pôs o vaso sobre o guarda-louça estilo antigo e foi preparar uma salada e uma carne para o jantar. Comeu em uma bandeja na sala de estar, olhando para as flores, com Harvey a seus pés, cheio de esperanças de que a dona lhe desse o último pedaço de bacon. Aquelas flores não queriam necessariamente dizer que ela iria rever Travis Black. Tentou se convencer disso enquanto lavava a louça antes de se preparar para se recolher. Pelo que ele havia lhe dito, era um homem ocupado, tinha pouco tempo disponível. E como ela não queria mesmo vê-lo novamente, estava tudo certo. Entretanto, no pouco tempo que levou até cair no sono, ela não conseguiu evitar de pensar no dia seguinte, e se alguém viria bater em sua porta. E não gostou nada do jeito como seu coração bateu mais forte ao pensar nesta possibilidade. Não houve batida da porta, não no dia seguinte, nem nos próximos. Claro que Travis tinha voltado para Bristol depois do fim de semana no esconderijo. Beth pensou que estava imensamente aliviada, já que o episódio havia terminado bem. De certa forma, estava mesmo. Não queria rever Travis, não queria se envolver com nenhum outro homem, de modo que não conseguia entender por que se pegava pensando nele nos momentos mais estranhos. Lavou e passou a camiseta e a calça de moletom, embalou-os com um bilhete de


agradecimento pela hospitalidade e pelas flores, e pôs o pacote na caixa de correio de Travis no sábado de manhã. Então, sentiu-se melhor em relação a tudo. Escrevera o bilhete com educação e cordialidade, mas também ligeiramente distante, dando a entender que não tinha intenção de revê-lo. Dia após dia tranqüilo de maio, Beth foi percebendo que estava dormindo e comendo melhor que em muitos anos. Isto se dava em parte devido à calmaria e à paz, mas também porque os dias eram ensolarados e cálidos e ela e Harvey podiam caminhar à vontade pelo campo, voltando para casa ao cair da noite, cansados e felizes. Verdes vales e encostas arborizadas, fazendinhas antigas e casinhas brancas formavam cenários tão diferentes do clamor e agitação de Londres que Beth se sentiu transportada para outro mundo, bem longe da Inglaterra. Todo dia encontrava algo de encantador e diferente. O som de uma espécie de falcão vinha de um precipício rochoso, e também o dos patinhos em um pequeno lago detrás de um arbusto; a visão de pôneis correndo e brincando ao lado de um córrego e das folhas de plantas carnívoras no gramado perto do rio. Tudo parecia revelar uma magia da qual ela precisava desesperadamente. Sua pele ganhou uma tonalidade dourada e radiante do sol, seus cabelos louros ficaram mais claros, e sua mente se renovou. Subitamente, pensar no futuro ficou excitante e agradável, e não algo a enfrentar trincando os dentes e simulando sorrisos. Aqui, ela não tinha que fingir para ninguém. Fazia as compras no comércio local, mas excetuando este convívio superficial diurno, estava sempre reservada. Em Londres, era a mais gregária das criaturas, ali era uma completa ermitã. E a experiência se revelava maravilhosa, libertadora. Ela se sentiu renascida. E assim se passou o mês de maio, junho chegou trazendo uma onda de calor e o clima foi esquentando cada vez mais. Foi no dia 2 de junho, três semanas depois de se mudar para Shropshire, que Beth viu a Mercedes passando em frente de casa em uma noite de sexta-feira, quando ela estava no jardim brincando de bola com Harvey. Ficou estática, os olhos seguindo o veículo que sumiu da sua visão, sem parar. Até onde ela sabia, Travis não aparecera desde sua primeira noite na casa. Podia até estar por lá, mas ela não vira traço dele. Harvey latiu, chamando-a para continuar com a brincadeira, mas ela o fez mecanicamente, sentindo-se subitamente tensa. O que era simplesmente ridículo, embora Beth nada pudesse fazer quanto a isso.


Será que Travis havia reparado que ela estava no jardim? Beth então se conscientizou de que estava vestindo uma calça jeans velha e uma camiseta fina, sem maquiagem e com os cabelos presos em um rabo-de-cavalo. Estava com a aparência péssima. Ao constatar isto, Beth correu para dentro de casa, mas se conteve logo que entrou. Não iria escovar os cabelos nem trocar de roupa nem fazer coisa alguma. Qual o problema com ela, afinal? Ele não iria mesmo vê-la. Forçou-se a ir até a cozinha, se serviu de uma taça de vinho e então foi caminhar pelo jardim nos fundos da casa, que era grande o bastante para conter uma profusão de flores e velhos banquinhos de madeira. Gostava de ficar por lá nas últimas horas do dia, observando as gordas abelhas zunindo de flor em flor. Harvey se jogou a seus pés e logo começou a cochilar, volta e meia se revirando e gemendo em seus sonhos. Beth sentiu inveja de toda aquela calma. Não se passaram nem 20 minutos e bateram na porta da frente. Não podia fingir que não ouvira, até porque Harvey acordou de um pulo e começou a latir como louco. Ela então pôs a taça sobre a mesa, se forçou a caminhar calmamente para dentro de casa. Respirou fundo e abriu a porta. Não tinha dúvidas de quem era. - Oi! - Ao contrário dela, Travis parecia tranqüilo e sereno em sua camisa azul-escura aberta no peito e calça de algodão sem vincos. - Vim fazer uma visita para ver como vai minha vizinha. Tudo bem? - Eu? Estou ótima, obrigada. - Sentiu que tinha corado, o que era uma humilhação completa, principalmente em comparação com a aura impassível e confiante de Travis. Ela havia se esquecido de como ele era alto e atraente. - Quer... quer entrar um pouco? - perguntou com relutância ao ver que ele não disse mais nada. - Obrigado. - Ele entrou e Harvey começou a latir, entusiasmado com o encontro. - É bem aconchegante aqui. - Estou tomando uma taça de vinho no jardim. Quer me acompanhar? - Beth quis parecer menos agitada. - Boa idéia. - Ele deu um sorriso vagaroso e Beth sentiu seu pulso acelerar. Ela praticamente correu até a cozinha como se quisesse fugir daquela presença perturbadora, lembrando-se tarde demais que só havia um banco no jardim, o qual era espaçoso para um, mas um tanto apertadinho para dois. Ele ficou perto da porta enquanto ela pegava outra taça e servia o vinho, os penetrantes olhos cinzentos pousados no rosto dela.


- Obrigado. - Ele pegou a taça e ficou ao lado dela, esperando para ir para o jardim. De repente, Beth parecia ter se esquecido como caminhar. Irritada consigo mesma, ela tomou a frente. Já lá fora, Beth fez menção ao banco. - Por favor, sente-se - ela disse, com o tom mais casual possível, pegando sua taça e se sentando de modo um tanto perigoso na beira de um pequeno cercado que protegia uma horta, em frente ao banco. - E, mais uma vez, obrigada pelas flores. Não precisava. - Não? - Ele se sentou com as pernas cruzadas de modo bem másculo. Aliás, Travis era um homem extremamente masculino, ela pensou. - E por quê? - Por quê? - Por um momento seu cérebro deu voltas. - Depois de tudo que você fez para me ajudar, eu é que devia lhe comprar algo como agradecimento. Ele sorriu, dando de ombros. - Acho que não. Tudo que fiz foi lhe arrumar um lugar para dormir. Ela esperou que seu nariz não estivesse brilhoso, mas era quase certo que estava. Beth tentou ignorar o efeito que lhe causava aquela voz sedutora. - Mas eu não sei o que faria se você não tivesse aparecido. Eu estava em uma posição ridícula. Não é do meu feitio. Travis não respondeu a isso. Só perguntou: - Está se sentindo melhor agora? - Melhor? Não entendi. - Você disse que alugou esta casinha por uma temporada porque estava doente. - Ah, agora estou ótima - disse com firmeza. - De volta ao normal. - Era excesso de trabalho? -As sobrancelhas negras expressavam interesse. Ela não esperava que ele tocasse no assunto: ficou sem ação e demorou a responder. - Em parte, sim - forçou a dizer com a voz mais distante possível, sem ser ofensiva. De jeito nenhum iria discutir seu passado com Travis Black. De jeito nenhum. Com isto em mente, acrescentou: - O que eu queria era paz e sossego, e aqui encontrei isto. Não ter que acordar com o sol para me atirar no trânsito londrino, não ter que cumprir prazos, não ter que discutir com construtores nem tentar apaziguar clientes, não ter que lidar com as pessoas. Aqui não preciso ver ninguém, e é assim que gosto. - A dica estava dada. Era só captar.


Ele retorceu os lábios de forma a não deixar dúvidas de ter entendido a mensagem. Ele não era bem-vindo, era um intruso em seu mundinho. Beth se recusou a sentir culpa. Não o havia convidado para aparecer em sua casa. Ela de fato pedira sua ajuda naquela noite, três semanas atrás, até por que não tinha escolha, e agradecera mais de uma vez pelo favor. E não podia seguir esta linha de pensamento, do contrário seria mais difícil resistir à culpa. Tinha de ser forte ao lado daquele homem. - Pelo menos você trouxe um pouco de animação ao lugarejo - Travis disse secamente. - Você é o assunto do povoado. Sabia disso? Todo mundo está louco de curiosidade, ao que parece. Beth se alarmou. - Por que alguém poderia se interessar por mim? - Uma mulher bonita e misteriosa que aluga uma casinha no meio do nada e vive como eremita. O que você acha? Daria um bom livro. Ela ficou olhando para aquele rosto duro. Travis estava gostando daquilo, de alfinetá-la, ela pensou, observando-o enquanto ele bebia o último gole de seu vinho. Não queria ter de lhe oferecer outra taça. Fez a cara que sempre funcionava com os operários e clientes mais difíceis. - Lamento que as pessoas não tenham assunto melhor para falar. Devem ter vidas muito chatas. Mas Travis tirou de letra. Ele olhou para os sapatos, pensando nas palavras dela. Nesse momento teve a oportunidade de reparar como os cílios dele eram grossos, ou como o colarinho da camisa aberto revelava seus pêlos negros. Ele levantou os olhos e sorriu com leveza. - Não lamente, Beth. Deixe que eles tenham suas fantasias. Tenho certeza de que a verdade é muito mais maçante do que qualquer coisa que eles inventem. Mas que insolente. Começou a fuzilá-lo com os olhos, e levou alguns instantes para pensar que precisava não demonstrar emoção. Endireitou o rosto, forçou um sorriso e disse como quem não está ligando: - Com certeza, posso garantir. Um apito soou na cozinha, anunciando que a comida no forno estava pronta. Travis balançou a cabeça. - Precisa fazer alguma coisa?


- Tudo bem. É só meu jantar - ela disse, sem dar muita importância, esperando que ele entendesse a deixa, principalmente por ela não ter oferecido mais vinho. Mas ele disse: - Bem que eu senti um cheiro bom. O que é? - Guisado de forno. – A expressão das sobrancelhas negras continuava indagando. - Porco com pastinaga e maçã. - Ao menos ela esperava que tivesse gosto disso. Ele lambeu os lábios. - Parece bom. - E continuou ali sentado, como se aquela situação fosse a mais natural do mundo. A mente de Beth começou a dar voltas, lembrando-se de como ele a recebera bem. Mas agora era diferente, pensou. Totalmente diferente. E o fato de ela ter cozinhado o bastante para os dois não tinha nada a ver com isso. Ela terminou de beber o vinho em sua taça e se levantou, o que foi um alívio em si, pois estava muito mal acomodada na beira do cercado. Mesmo assim, Travis não fez sinal de se levantar. O silêncio agora era gritante e ela teve de reconhecer que ele havia ganhado a parada, de modo que perguntou: - Já comeu? - Eu? - ele indagou com uma mansidão que Beth não engolia. - Na verdade, não. Foi uma viagem infernal, cheia de engarrafamentos, e eu não via a hora de chegar. Tudo bem, tudo bem, não precisa se justificar. - Tem comida para dois se você quiser ficar - ela disse, sem entusiasmo nenhum, para dizer o mínimo. Travis, pelo jeito, não reparou. - É mesmo? Ótimo, adoraria. Se você insiste - ele sorriu, franzindo as sobrancelhas. Mas que desgraçado. Beth ignorou o efeito devastador que aquele sorriso causava em seu interior. - Está um pouco entulhado lá dentro, e não há mesa de jantar. Vai ter de se virar com uma bandeja no colo - explicou ela. Havia um lugar próprio para o café-da-manhã na cozinha, mas era uma tábua com dois banquinhos que costumava usar sozinha, e jantar ombro a ombro com Travis estava realmente fora de questão.


- Bandeja não é problema - ele disse, na maior tranqüilidade. A bandeja até que podia não ser problema, mas ele era, com certeza. Quando Travis se levantou, ela se apressou em dizer: - Não, fique sentado aí que eu chamo quando estiver pronto. A casa é muito pequena... - Ela pegou a taça dele. - Vou lhe trazer mais vinho. - Obrigado. Tem certeza de que não quer ajuda? Sinto-me culpado de lhe dar trabalho. Você já deu trabalho demais. - Não, tudo bem. Vai ser rápido. - Ela sorriu ligeiramente e saiu. Já dentro de casa, Beth olhou para Harvey, que havia entrado atrás dela. Como foi se meter em uma situação daquelas? Em um momento ela estava sozinha com Harvey, na maior tranqüilidade, aproveitando a noite de verão. Em seguida... Pôs mais vinho na taça de Travis antes que ele resolvesse ignorar o que ela havia dito e entrasse em casa. Ele estava esperando sentado com as pernas descruzadas e os olhos fechados, o rosto voltado para o pôr-do-sol. Travis era grande, firme e sexy além da conta, e ela viu emanar dele uma eletricidade que a atingia dos pés à cabeça. Engoliu em seco. - Aqui está seu vinho - e lhe entregou a taça, tomando cuidado para seus dedos não tocarem os dele. Beth voltou para dentro de casa e parou por um momento, apoiando-se sobre a pia da cozinha, com o coração aos pulos. Aquilo era estupidez. Ela precisava voltar à realidade. Fechou os olhos com força e os abriu, olhando para o nada. Forçou-se enfim a começar a arrumar duas bandejas com talheres e guardanapos, irritada de ver como suas mãos tremiam levemente. Respirou fundo algumas vezes, a cabeça a mil por hora. Tudo bem, tinha de admitir que sentia atração por Travis. Suspirou aliviada. Andou tentando lutar contra a realidade durante as últimas três semanas, mas esta não era a melhor forma de lidar com a situação. Tinha de ser honesta consigo mesma. Ela tirou o guisado do forno e pôs sobre a tampa do fogão. Era uma mulher adulta, tinha 30 anos de idade, pensou. Não era nenhuma colegial bobinha lidando com sua primeira paixonite. Atração sexual era uma coisa muito comum e que não quer dizer nada para quem tem força de vontade. Simples assim. Ela não ia se envolver em uma relação casual com homem nenhum, nem mesmo seu Príncipe Encantado seria capaz de tentá-la.


Ela havia acreditado em Keith, completa e totalmente, e se ela se enganou tanto uma vez, não havia garantia de que não pudesse acontecer de novo. Beth não estava preparada para correr este risco. Assim, sobrava apenas uma opção sensata. Não sairia machucada disto se não se mostrasse vulnerável. E a fórmula para não ficar vulnerável era não se aproximar de homem nenhum. Ela pegou um prato com batatas cortadas em tiras finas que estava na segunda prateleira do forno. Estavam crocantes e era delicioso o cheiro da manteiga e dos temperos que ela havia usado. Pelo menos desta vez tudo parecia delicioso. Ela conhecia várias amigas que se saíam muito bem em casos de uma só noite e relacionamentos sem compromisso, mas sabia que ela própria não era assim. Já tivera vários namorados, sendo que dois foram namoros sérios antes de Keith, mas jamais se comprometera completamente no sentido físico porque faltava aquele algo a mais. Keith foi o primeiro homem com quem fora para a cama, e pelo jeito seria o último. Ela fechou a cara e começou a arrumar o guisado e as batatas para servir. Melhor estar sozinha do que ser enganada outra vez. - Posso fazer alguma coisa? A voz profunda vinda da soleira da porta a assustou e Beth quase derrubou o prato de batatas. - Não, está tudo sob controle. Vá se sentar e já chego com as bandejas. - Pode deixar que levo sua taça e o resto do vinho, pelo menos. - Ele entrou na cozinha antes que ela pudesse detê-lo e pegou a garrafa, roçando no ombro dela, e de repente o aroma inebriante da sua loção pós-barba tomou conta dos sentidos de Beth. E ela não pôde deixar de sentir o tamanho daquele corpo poderosamente másculo. Beth ficou estática. Não conseguia respirar. Foi um enorme alívio quando ele se dirigiu à sala de estar. Idiota! Ela se forçou a continuar o que estava fazendo, mesmo sentindo leves arrepios em todos os nervos. Ela era uma completa idiota. Travis não estava a ponto de partir para cima dela, pelo amor de Deus, nem era nenhum estuprador ou depravado pervertido. Mas não era nada disso que a incomodava, disse uma vozinha em sua mente. O que realmente a deixava inquieta era a forma como ela reagiria se ele realmente tentasse beijá-la. Beth olhou para os dois pratos cheios e respirou fundo. Calma, garota, calma. Você lhe serve o jantar, ao menos isto você deve a ele, e então sua dívida estará saldada. Continue sendo


agradável e educada, mas distante. Ele vai entender a mensagem. Ela pegou os pratos, colocou-os nas bandejas, e então ofereceria uma delas a Travis. Uma hora, duas no máximo, e então ela podia dar aquilo por encerrado. Depois disto, não precisaria vê-lo novamente, a não ser ocasionalmente, e de relance, se ele passasse de carro quando ela estivesse no jardim. Travis era o tipo de homem que jamais poderia se queixar de falta de companhia feminina, isto era certo. Ora, na semana seguinte ou na outra ele estaria com uma loura, ruiva ou morena ao seu lado no carro. Talvez até uma série delas ao longo dos meses. E tudo bem, mesmo. Ela empinou o queixo e as costas. Foi assim, com a cabeça bem aprumada, que ela lhe levou a bandeja.

CAPÍTULO QUATRO

- Estava maravilhoso. - Travis parecia estar realmente satisfeito. - Que bom que você gostou - Beth disse, modestamente. Na verdade ela havia ficado surpresa ao provar a comida, que estava realmente boa. Para quem não sabia nem cozinhar ovos direito, a refeição foi um sucesso. - Mas lamento não ter torta de nozes nem bolo de maçã de sobremesa, só queijo e biscoitos, se você quiser. - Ela também precisava terminar direito sua refeição. - Adoro. - Ele sorriu. - E a torta de nozes e o bolo de maçã foram comprados, a propósito. Aconchegante demais, íntimo demais. Beth se levantou da cadeira rapidamente, mas quando foi pegar o prato de Travis, ele também se levantou. - Permita-me - ele disse com firmeza, pegando o prato dela e caminhando até a cozinha, onde pôs a louça suja na pia antes que ela pudesse protestar. Beth ficou parada perto da porta da cozinha, que era pequena demais para os dois. - Por favor, deixe, vou lavar mais tarde - ela disse, enfim. - Venha tomar mais uma taça de vinho. - Estou quase acabando. - Foi questão de um minuto ou dois até ele se virar para ela,


encostando-se na pia, braços e pernas cruzados e olhando para ela com seus olhos intensos. Você sofreu algum tipo de abuso? Quero dizer, abuso sexual? - ele perguntou sem a menor cerimônia. - O quê? -Não podia acreditar em seus ouvidos, e seu rosto foi inundado pela vermelhidão. Claro que não. -Não existe isso de "claro que não". Estas coisas acontecem. -Bem, mas não aconteceu comigo. - Beth não conseguia acreditar que ele havia lhe perguntado uma coisa daquelas. Queria morrer de tanta vergonha. - Então, por que você parece que vai pular como gato em teto de zinco quente se eu fico a menos de um metro de você? - Não é nada disso. Não seja bobo. - Eu acho que você é quem é. - Aproximou-se dela. Beth procurou controlar todos os seus músculos, ficou quieta e resoluta e o encarou. - Só porque eu vim para cá em busca de paz e sossego não quer dizer que eu tenha algum problema terrível - ela disse, muito controlada. - Simplesmente não quero ficar socializando. Não é nenhum crime, é? - De forma alguma. Ele não a estava tocando, mas estava tão perto que ela quase sentiu as batidas de seu coração, e foi preciso usar de todo seu autocontrole para não recuar. - Portanto, se você me der licença, vou pegar os biscoitos e o queijo. - Se você não foi molestada sexualmente, então o que é? Porque tem alguma coisa, não tem? Algo que faz você se afastar da raça humana. Ou ao menos da parte masculina. Você não veio parar aqui só por causa do trabalho. Ela não soube como lidar com aquela gentil persistência. Os segundos pareceram se esticar por uma eternidade antes que ela conseguisse dizer: - Você é sempre assim? Tão... - Direto? - Eu ia dizer ofensivo. - Sempre. - Ele não sorriu. - Então, o que é? Beth sabia que seu rosto estava em chamas.


- Você nunca ouviu falar que é falta de educação invadir a privacidade dos outros? Ele ignorou a pergunta. Ela sentiu que ele sempre ignorava o que não queria responder. - Qual é o nome dele? - Travis perguntou, delicadamente. - Do homem que a decepcionou? Ela olhou para ele enquanto sua mente dava voltas. Tergiversar era inútil: dava para ler nos olhos dele que não estava disposto a deixar esta história de lado. - Keith. - Apesar de ser difícil, ela se forçou a encará-lo firmemente. - O nome dele é Keith, está bem? Ele foi meu marido por um tempo, até que eu descobri que ele havia se esquecido de mencionar que tinha outra mulher e dois filhos. Ela percebeu que ele ficou chocado. - Lamento. - Sua voz era profunda e sincera. - Não posso imaginar como você se sentiu. Alguma coisa naquele rosto másculo lhe deu vontade de chorar, mas ela já havia derramado um oceano de lágrimas nos últimos meses. Para combater sua fraqueza, ela falou com um tom deliberadamente impertinente: - Foi um começo bastante duro, mas, no final, tudo não passou de um grão de areia na imensa praia da vida. Pode ser que alguma mulher consiga ser a esposa e a outra ao mesmo tempo, mas eu, não. Sinto muito por Anna, contudo. Ela também não sabia de mim, e tem de pensar em suas duas crianças. Keith era muito esperto, dividindo seu tempo entre as duas casas. Devia haver outras mulheres além de nós, isto não me surpreenderia. - Então você o deixou? - Travis perguntou baixinho. - Ah, sim. Na hora. Estamos divorciados e agora isto é passado. Mas tudo ficou pior ainda porque eu e minha irmã tínhamos acabado de perder nossos pais em um acidente, e eu tive de me esforçar muito para superar. Grande erro. Daí que você pode ver que não há grande mistério em minha decisão de vir para cá. Simplesmente decidi dar um tempo antes de voltar à loucura da vida urbana. Só isso. - E quanto à raça humana? - Desculpe? - Ela franziu o cenho. - E quando você está pensando em voltar à loucura da vida urbana? Fazer a ponte entre você e o resto do mundo? Comunicar-se, se divertir? Namorar? Essas coisas normais. Beth fuzilou-o com os olhos. - Isto é assunto meu. - Será que ele não percebia como aquilo tudo era devastador? Será que


ele não era capaz de entender coisa alguma? Ele levantou as mãos, rendendo-se de brincadeira. - Tudo bem, tudo bem, não vá se ofender novamente. Só estava imaginando quanto tempo você pretende deixar esse homem dominar sua vida e fazer sombra sobre seu futuro. Meses, anos? - Como é? - Beth estava perplexa. Como ele ousava! Ele a encarou, o rosto sem expressão. - Bem, como você chama isto? O cara era obviamente um sujeito desprezível que não vale o ar que respira, em todas as gerações aparecem alguns assim. São perigosos, mas só até se perceber quem eles são. Depois eles voltam para o buraco de onde vieram e você continua com sua vida. Do contrário, são eles quem vencem no final. E esta não é uma opção que se deva sequer levar em consideração. Beth não se lembrava de sentir tanta raiva em muito tempo. - É fácil assim, não é? Bem, a bobalhona fui eu de não perceber que a vida é um mar de rosas e a lua é feita de queijo. Daqui a pouco vou acreditar em Papai Noel e na fada dos dentes. Ele teve a coragem de sorrir. - Se lhe apetece... Pela primeira vez desde que era bem pequena, Beth se pegou batendo pé. Em família, recebera o apelido de Neddy devido à sua tendência a bater pé e ter crises de raiva. A rápida perda de controle foi como se arremessassem gelo na fogueira de sua raiva. Ela respirou fundo. - Acho melhor você ir embora - disse Beth. - Por que eu lhe disse a verdade? - ele retrucou preguiçosamente, sem arredar pé. - Você com certeza é bastante crescidinha para agüentar a verdade, não é? Ela quase saiu batendo pé de novo. Arrogante, insuportável. - A verdade segundo Travis Black. - Pense no que eu disse e verá que tenho razão. -Não estava mais sorrindo. - Você é bonita, calorosa e vigorosa demais para se fechar desta maneira, Beth, e se não tomar cuidado, quanto mais continuar afastada do mundo, mais difícil será retornar a ele depois. - E se eu não quiser mais voltar? Com certeza esta decisão é só minha. Sei pensar por mim


mesma. - Acredite em mim, não duvido disto. - Sua voz saiu seca. - Por favor, vá embora. - Ela se virou e foi até a sala, imaginando o que fazer se ele não a seguisse. Ele seguiu. Beth abriu a porta e ele parou em frente a ela. - Venho pegar você para almoçar no domingo ao meio-dia. Em ponto, certo? Ela olhou para ele absolutamente estupefata, surpresa demais para sequer se sentir revoltada. Enfim conseguiu dizer: - Você é a última pessoa no mundo com quem eu sairia para almoçar, Travis, por isto não perca seu tempo. - Meio-dia em ponto. - Ele a beijou ligeiramente nos lábios e saiu. Desapareceu em meio às sombras sem olhar para trás. Ela não esperou para ver se ele havia chegado ao carro para fechar a porta, contra a qual se encostou ao sentir as pernas bambas. Harvey estava a seus pés, choramingando, e só percebeu como estava trêmula ao acariciar-lhe o pêlo grosso para demonstrar que estava tudo bem. Foi o mais breve dos beijos, se é que se podia chamar aquilo de beijo, então por que a afetara tanto? A sala em silêncio não deu resposta. Não que ela estivesse esperando por isto. Após um ou dois minutos, Beth reuniu forças para se afastar da porta, ir até a cozinha e guardar o que restara do guisado. Estava sendo ridícula, pensou, tentando se convencer de que aquele beijo não significava nada para um homem como Travis. Uma forma educada de se despedir ao fim de uma festa ou jantar. Ela levou as mãos ao rosto quente, a cabeça girando com tantos pensamentos e emoções. Não ajudava nada o fato de seus lábios estarem ardendo onde foram tocados pelos lábios dele. O cheiro, a força, a energia que emanava dele ainda permaneciam, e ela não queria isso. Não queria sentir nada daquilo. Não queria que ele a afetasse. Ela gemeu, lamentando a própria fraqueza. Se Beth achava que Keith era um homem perigoso, Travis ocupava uma categoria particular. O que ela ia fazer? Ainda se perguntava isso quando foi dormir naquela noite, física e mentalmente esgotada. Após repassar cada palavra dita, cada gesto, cada nuance da voz de Travis, ficou mais confusa do que nunca. De uma coisa tinha certeza, disse a si mesma ao se deitar no quarto


escuro e sentir o cheiro de rosas que vinha do jardim. Ela não iria almoçar com ele no domingo. Mal podia acreditar no que escutara. Aquilo só provava como ele era arrogante. Uma coruja piou no bosque ao redor da casinha, confortando-a. Beth puxou o lençol de linho até as orelhas e fechou os olhos com determinação, os pensamentos subitamente se acalmando. Não podia impedir que Travis viesse no domingo, mas podia evitar que ele entrasse. E não era questão de covardia. Simplesmente não queria nada com ele. Nada.

Apesar de sua convicção de estar fazendo a única coisa possível de acordo com as circunstâncias, e de que isto era bem melhor do que ficar de bate-boca na porta de casa, Beth não conseguia deixar de se sentir desordenadamente culpada ao sair da casinha às 10 horas da manhã de domingo. Preparara um piquenique e pretendia passar o dia de verão caminhando com Harvey pelos montes e vales que havia por perto. E não iria pensar em coisa alguma. O dia inteiro. Ela passou o que se podia chamar de um dia sossegado respirando ar puro e voltou para casa ao entardecer. A grama verde sob seus pés era suave e cintilava à luz noturna, soprada pelo vento cálido. Os pássaros cantavam nas árvores e arbustos, preparando-se para a escuridão, e ela passou por um rebanho de ovelhas plácidas e silenciosas no campo perto de casa. Ao se aproximar do portão de casa, oito grandes pássaros revoaram sobre Beth enquanto o sol terminava de se pôr. A beleza daquele momento foi de tirar o fôlego. Então, por que ela estava se sentindo tão infeliz mesmo tendo passado um dia adorável com Harvey, em meio a tanta paz e tranqüilidade? Havia lutado o dia inteiro para não pensar em Travis, mas, mesmo assim, ele insistia em não sair de sua mente. E ela não havia feito nada de errado, não mesmo. Ela disse que não iria almoçar com ele, de modo que Beth não tinha culpa se ele achou que ela fosse. Não podia se sentir responsável pela teimosia de Travis. Estava quase na porta da casinha quando ouviu um carro se aproximando. Seu coração disparou, mas sabia que mais cedo ou mais tarde teria de encarar Travis, então, que fosse logo de uma vez. Quando o carro se aproximou, ela parou e ficou segurando Harvey pela coleira, sem saber como estava defensiva e frágil sob a parca iluminação noturna. Quando o veículo parou, Travis saltou e uma linda morena também saiu do lado do passageiro.


- Você deve ser Beth! - Antes que Travis pudesse dizer uma palavra, a moça já estava caminhando em direção ao portão. - Ouvi falar muito de você. Acho sensacional que tenha resolvido viver sozinha por um tempo, mandando para o inferno o resto do mundo. Completamente perplexa, Beth forçou um sorriso. - Obrigada... acho - ela disse, tentando não olhar para a enorme figura masculina que vinha por trás da moça. - Sou Sandra, irmã de Travis, e não a culpo por fazê-lo dar com a cara na porta na hora do almoço de hoje. - Sandra estendeu a mão para Beth, que apertou, se sentindo um pouco atordoada. - Eu faria o mesmo se fosse você. - Oi, Beth. - A voz de Travis foi seca e seu rosto estava impassível. Beth não conseguiu pescar qualquer impressão naquele rosto. Beth respondeu à Sandra, mas olhando para Travis. - Eu não o fiz dar com a cara na porta. Eu disse que I não ia almoçar com ele. Na verdade, deixei isto bem claro. - Mas ele não aceita não como resposta, certo? Este é meu irmão. Posso lhe contar várias histórias. Ele realmente é bem cabeça-dura. Quando ele quer alguma coisa... - Você já se apresentou a Beth, Sandra. Agora está na hora de voltar para o carro. - A voz de Travis saiu suave e tranqüila, cortando o papo da irmã de um modo que deixava claro se tratar de uma ordem, não de um pedido. Beth percebeu que Sandra chegou a abrir a boca para contestar, mas desistiu ao olhar para o irmão. - Até breve - ela disse para Beth, e voltou para dentro da Mercedes. O estômago de Beth dava voltas, mas seu rosto não transpareceu sua agitação ao olhar para ele e tentar ignorar sua beleza. - Eu disse que não ia sair para almoçar. Lembra? - Lembro. Você disse qualquer coisa sobre eu ser a última pessoa no mundo com quem você sairia para almoçar. Certo? - Certo. Portanto, não pode dizer que eu lhe fiz dar com a cara na porta. - Empinou o queixo desafiadoramente. - Eu não disse. Quem disse foi Sandra. - Ele sorriu.


Um sorriso que não combinava com os olhos incisivos. - Foi ela quem interpretou os eventos desta maneira, não eu. Eu tinha 99% de certeza de que você não estaria em casa. Está bem? Beth percebeu que ele estava falando sério. - Então por que se deu ao trabalho? - Na esperança de cair no 1%. Boa noite, Beth. – Ele deu as costas e se afastou. Ele já havia chegado ao carro quando ela se forçou a dizer: - Travis? Desculpe. Não é que eu não quisesse almoçar com você, é que eu não quero almoçar com ninguém, mas esta minha atitude foi tão... - ela não sabia como dizer. Ele parou com a mão na porta do carro. Havia um sorriso mínimo em seus lábios. - Desagradável? - ele sugeriu muito suavemente. - Grossa. - Ela engoliu em seco. - Porque não costumo ser assim. Ao menos acho que não. Apesar de que mudei depois do divórcio, então talvez este seja meu verdadeiro eu. Mas espero que não. - Ela parou abruptamente. Estava tagarelando, saberia disto mesmo que ele não demonstrasse. - Seja como for, me desculpe - disse com sinceridade. - Jura? - O quê? - Que está mesmo arrependida? Aponto de aceitar almoçar ou jantar comigo sem achar que eu vou agarrá-la, arrancar suas roupas e levá-la para a cama? Sabe, a verdade é que você não é o tipo de mulher que me atrai sexualmente, Beth, mas você me interessa como pessoa. Aliás, isto é um elogio. Tem poucas pessoas, sejam homens ou mulheres, que eu acho interessantes. Ela ficou tão chocada que ligou o piloto automático. - Sei - disse, soando entorpecida. Que encantador. Absolutamente encantador. - Somos vizinhos próximos, e por aqui isto significa que um acaba procurando pelo outro, como todo bom vizinho - ele continuou animadamente. - Entendeu? Você vive uma vida tão solitária que eu odeio pensar que possa ficar doente, ou sofrer algum acidente, ou qualquer coisa que ninguém fique sabendo. - Eu falo o tempo todo com minha irmã por telefone, f E com meus amigos - ela tratou de acrescentar logo, antes que ele pensasse que ela era um caso de tristeza irrecuperável. Mas parecia que ele já estava pensando isto. O tempo todo ela havia acreditado que ele se


interessava por ela, mas, na verdade, estava era com pena. Ela queria cair no chão e se enfiar em um buraco. - Claro que sim - ele disse de modo tão confortador que ela teve vontade de lhe dar um soco no queixo. - Mas não é a mesma coisa que encontrá-los pessoalmente, é? Ela não conseguiu conter o frio na espinha, apesar de saber que Travis teria ainda mais piedade se soubesse que ela estava inventando ambigüidades para o que ele dizia inocentemente. Com o rosto em brasa, ela tentou se recompor. - Sou perfeitamente capaz de tomar conta de mim mesma, por isso não se preocupe. - Como ele ousava sentir pena dela? Ela não precisava de nada vindo de Travis Black. - Mesmo assim, gostaria de poder ligar ou que você me ligasse caso precise. Entende? O que estou querendo dizer é que seria bom se pudéssemos ser amigos, Beth. Certo? Ela jamais se sentira tão insultada em toda sua vida. Não conseguia tirar este pensamento da cabeça, apesar de saber que não estava sendo nada razoável, além de ser uma contradição. Não queria que ele se interessasse por ela, queria? Claro que não. Era disto que ela tentava se convencer desde sua chegada a Shropshire. E o que ele oferecia era uma amizade platônica e sem maiores ligações. Ela poderia ficar aliviada. Mas não se sentia aliviada, se sentia... Ah, não sabia como estava se sentindo, o que era ainda mais enlouquecedor. Ciente de que ele estava esperando uma resposta, ela fez uma careta na intenção de sorrir e disse: - Sim, claro, entendo. Está bem, tudo bem. - Ótimo. - Ele deu um sorriso como quem diz "um dia você vai ficar bem". Ao menos foi assim que ela interpretou, e sentiu o sangue ferver. - Estou feliz por termos tido a chance de esclarecer tudo. Vou embora, mas que tal um almoço ou algo assim da próxima vez? Depois de tudo isto, ela não teria como recusar. Rangendo os dentes, disse que sim. - Ótimo. - Ele fez que ia abrir a porta do carro, mas depois mudou de idéia. Quando ele caminhou novamente em direção a ela, Beth sentiu o estômago se contorcer. - Até breve, então - ele disse rapidamente, e novamente a beijou de leve nos lábios. Uma despedida educada. Sem intenção sexual. Amigável. Ao menos, era claramente um beijo social para ele. Em seguida, ele partiu com Sandra acenando de dentro do carro. E Beth ficou pensando amargamente que Travis não se sentia atraído por ela. Mas ela...


Ela se sentia atraída por ele. Mas era uma coisa puramente física, tentou se convencer. Não havia nenhuma emoção envolvida, apenas hormônios em ebulição. O que de certa forma era compreensível. Com Keith, ela tivera uma vida sexual intensa que de repente acabou. Era natural que quando começasse a se sentir melhor novamente seu corpo a lembrasse de que ela era uma mulher de carne e osso. Caminhou de volta para casa, onde Harvey a esperava na porta. O grande cão se levantou à chegada de Beth, já de língua de fora e abanando o rabo, ansioso para jantar. Beth sorriu para ele, acariciando-lhe o pêlo enquanto pensava que a coisa não era com Travis Black, podia ser com qualquer homem a despertá-la novamente para este lado da vida. Passou o resto da noite tentando se convencer disto.

CAPÍTULO CINCO

A semana seguinte transcorreu com incrível lentidão, e Beth reconheceu que isto talvez se desse por ela não conseguir parar de pensar em Travis. Onde ele estava, o que estava fazendo e com quem. E nada conseguiu calar estes pensamentos, apesar de tentar diferentes terapias, desde caminhadas intermináveis com Harvey até fazer faxina na casa toda, algo que não ocorria fazia algum tempo, como percebeu ao afastar os armários da cozinha. E isso sem falar em escrever cartas aos montes para todo mundo, dizendo como estava muito melhor. Quando o fim de semana foi se aproximando, ela se pegou contando as horas, e estava verdadeiramente perplexa com a própria fraqueza. Especialmente porque não conseguia discernir se o sentimento que fazia seu coração bater descompassado era excitação ou nervosismo. Fosse o que fosse, não conseguiu dormir tranqüila nem ter paz durante os dias. Isto a deixava furiosa e ainda mais perturbada. Na sexta pela manhã, seu celular tocou quando estava com Harvey no pequeno jardim do quintal, tomando café e comendo biscoitos de chocolate, e seu coração disparou até ela se lembrar de que Travis não tinha seu número, de modo que não podia ser ele ao telefone. - Beth? - A voz de Catherine estava toda borbulhante. - Adivinhe! A mãe de Michael se


ofereceu para ficar com James por uns dias para passarmos o fim de semana a dois, e Michael fez reserva em um hotel perto de Shropshire. Então pensamos em chamar você para almoçar conosco, o que acha? Ah, Neddy, mal posso esperar para revê-la. Parece que faz séculos! O fato de Catherine usar o velho apelido de Beth indicava que estava falando sério. Ela só a chamava assim quando estava realmente sentimental. - Mas o final de semana é para você e Michael, será que ele não vai se importar? - ela tentou sair pela tangente. Beth se dava bem com o cunhado, que era um tipo simples e comum, mas não queria tirar vantagem de sua boa índole, algo que Catherine costumava fazer de vez em quando. - Querida, foi Michael quem sugeriu isto e reservou o hotel, juro. Ele sabe como sinto sua falta. E vai ser apenas por algumas horas. Pode ter certeza de que vou recompensá-lo regiamente pelo sacrifício. - Ela deu risada. - Então, pode ser amanhã à noite? Que tal às seis? Você pode me contar as fofocas. Vai ser maravilhoso. - Cath, aqui não vejo uma alma viva, e é isso que eu adoro, mas venha sim, se tiver certeza que pode dividir um pouquinho do precioso tempo. Vai ser maravilhoso encontrá-la, mas só se você tiver certeza. - Certeza total. E vou levar as últimas fotos de James. Você não vai acreditar o quanto ele mudou em um mês. Então nos vemos amanhã. Amo você, irmãzinha. Muito. - Também amo você e mal posso esperar para nos vermos. Beth desligou o aparelho, sentindo o aroma envolvente do café com avelã e lambendo a espuma com a ponta da língua. Estava esperando que Travis ligasse antes de domingo para que ela deixasse claro que pretendia sair à noite. Isto iria ensiná-lo a não dar a entender que ela possuía tantos amigos quanto Annie, a pequena órfã. Então, ela se aprumou na cadeira, irritada consigo mesma por se importar com o que ele fosse pensar ou deixar de pensar. Pelo amor de Deus, qual era o problema com ela? Estava deixando que Travis monopolizasse seus pensamentos de uma forma que jamais acontecera antes. Tinha que parar com isso! Estava ficando neurótica. Bebeu o café e dividiu os biscoitos com Harvey, que babava de vontade, e depois saiu para uma longa caminhada. Ao voltar para casa, ficou trabalhando no jardim pelo resto do dia. Após conferir, através de John Turner, se não havia problema com o dono, decidiu criar uma cerca de flores na frente um tanto sem vida da casa, e comprou vários tabuleiros de prímulas vivamente coloridas, margaridas, esporas de jardins e outras plantas resistentes. Podia não


ser a coisa mais sensata a fazer em termos financeiros, mas ela achou que aquela casinha estava lhe dando tanto que queria retribuir de alguma forma. Ela ficou trabalhando até a tarde cair, com seu aroma delicado, se recusando a admitir que passara as últimas horas esperando pelo som de um carro se aproximando. Já estava escuro quando ela entrou em casa com Harvey, meio desapontado por causa das broncas que levara por ficar cavoucando a terra e jogando flores para todos os lados. Talvez Travis não tivesse vindo para casa neste fim de semana. Ao fazer o jantar, Beth tentou se convencer de que não estava nem aí. Quem sabe fora detido em Bristol por compromissos de trabalho ou até coisas mais pessoais. Ele era um homem muito atraente; certamente havia pencas de mulheres de olho nele. Ela não sabia por que se sentia tão insatisfeita e irritadiça ao se recolher, nem por que continuou acordada por umas duas horas antes de cair em um sono perturbado, cheio de sonhos complicados e imagens sombrias. Ou quem sabe ela apenas não quisesse saber. Fosse o que fosse, buscar o autoconhecimento agora não era uma opção.

Catherine e Michael chegaram às 18 horas em ponto no dia seguinte. Harvey ficou alegre de ver seus velhos amigos e os recebeu efusivamente, o casal ficou encantado com a casinha e com o local. Aliás, com Shropshire como um todo. - Dá para ver porque você escolheu este lugar - Catherine disse depois de Beth lhes mostrar os arredores, quando estavam no sofá da sala bebendo refrigerante. - Este lugar é tão tranqüilo! Mas eu não gostaria de ficar aqui sozinha no inverno. - Estarei em Londres quando chegar o inverno -Beth sorriu, apesar de sentir um aperto no coração ao pensar em partir. Aquela casinha já parecia seu lar. Catherine assentiu. - E ele, o seu cavaleiro na armadura brilhante? - ela perguntou em tom brincalhão. - Já o reencontrou depois que ele apareceu para salvá-la? - Não foi bem um salvamento. - Beth riu, torcendo para que a irmã não reparasse que era um sorriso forçado. A irmã já havia deixado claro mais de uma vez que a melhor maneira de esquecer Keith era encontrar outro homem. Na verdade, quase chegaram a discutir por causa disso antes de Beth sair de Londres. Às vezes discordavam frontalmente. - Então, já o viu outra vez? - Catherine insistiu, ignorando o olhar incisivo de Michael, que


indicava que ela estava sendo muito abelhuda. - Travis é o nome dele, não é? Beth fez que sim. - Umas duas vezes, de passagem - disse casualmente, e acrescentou - e cadê as fotos de James que você falou? Estou louca para ver. Beth conseguiu desviar o assunto. Catherine tinha verdadeira adoração pelo filho e confessou que já tinha ligado para a mãe de Michael seis vezes depois que saíram de Londres, só para se certificar de que estava tudo bem. Beth ficou deslumbrada com as fotos do sobrinho, o bastante para satisfazer até mesmo Catherine, mas estava pensando mesmo em Travis, que não havia aparecido. Seria bom mostrar a ele que estava longe de ser a ermitã que ele podia estar pensando que ela era, mas por outro lado, Catherine poderia entender tudo errado. E quando Catherine enfiava algo na cabeça, não tinha jeito. Michael reservara uma mesa no restaurante do hotel em que estava hospedado com Catherine, a meia hora de carro da casinha alugada por Beth. Apesar de Beth se sentir ligeiramente culpada pelo deslocamento, procurou se lembrar de que era sugestão de Michael, e que no fundo achou a idéia das melhores. Não havia chance de esbarrar em Travis se ele resolvesse chegar tarde, ao passo que o centro da pequena cidade podia representar um perigo. Beth passara algum tempo se arrumando antes da chegada de Catherine e Michael, determinada que estava a apresentar uma imagem alto-astral para a irmã. Sabia que Catherine se preocupava com ela e caprichou na aparência: escolheu um vestido leve de chiffon azul-profundo que ressaltava o azul de seus olhos, um cinto grande com lantejoulas e sandálias delicadas de tiras. Foi bom usar maquiagem e arrumar o cabelo pela primeira vez em séculos. Agora era um prazer, já que não tinha a obrigação de fazer isso todos os dias. Michael sugeriu sair às 19 horas e Beth ficou pronta rapidamente após pegar sua bolsa e seu cardigã. Disse a Harvey para ficar "de guarda", o que o fez entender que ele não iria junto. Catherine gracejou perguntando se Beth tinha certeza de estar levando a chave, e quando Beth ia responder no mesmo tom, perdeu as palavras. Seus olhos se arregalaram e ela olhou horrorizada para Travis, que naquele instante baixou a mão que ia bater na porta. Ele estava simplesmente sensacional. - Oi, Beth.


Foi o bastante para Catherine cutucar a irmã e dizer prontamente: - Oi. Não ouvimos você bater, não é, Beth? Eu sou Catherine, irmã de Beth, aliás. E como parece que ela não vai apresentar ninguém, este é Michael - ela apontou o marido, que teve a educação de não correr à porta e ficar olhando como a esposa -, meu marido. Beth respirou fundo para se recompor. - Desculpe - disse calmamente -, é que você me espantou, só isso. Beth, Michael, este é Travis Black. Acho que falei que ele me ajudou na primeira noite que passei aqui. - Quando você bateu a porta de casa com a chave dentro e ele a levou para casa e lhe ofereceu um quarto e café-da-manhã? - Catherine teve o descaramento de dizer. - Claro que lembro. - Não se esqueça que o pacote incluiu também um ótimo jantar. - Travis sorriu para Catherine e Beth teve de se afastar para que Catherine apertasse a mão estendida de Travis. - Prazer em conhecê-la, Catherine. Catherine sorriu com suas covinhas e apertou a mão de Travis. - Quase que você não nos pega aqui - Catherine disse animadamente. - Viemos pegar Beth para jantar fora. Já jantou, senhor Black? - Travis, por favor. Não, ainda não. Na verdade, eu vim fazer o mesmo convite a Beth. Mas, é claro, como você estão aqui... - Ah, não, você precisa vir conosco - Catherine tratou de dizer antes que Travis desse meiavolta. - Nós insistimos, não é, Michael? Reservamos uma mesa no hotel em que estamos hospedados, The Larches. Conhece? Pelo que sei a comida é maravilhosa. Travis assentiu, e seus olhos cinzentos focalizaram o rosto tenso de Beth. - Talvez Beth prefira ficar a sós com vocês. Tenho certeza de que vocês têm muito o que conversar. - Não mesmo. - Catherine se virou e viu a expressão pétrea de Beth, e se voltou para Travis novamente. - Falamos ao telefone por horas quase todos os dias e adoraríamos lhe agradecer por cuidar tão bem dela, afinal, aquele incidente poderia ter dado em coisa pior. Estavam falando de Beth como se ela tivesse de repente ficado cega, surda e muda. - Já que você não jantou, claro que você pode vir - ela disse docemente a Travis, ciente de que já estava decidido mesmo. Nem um caminhão


poderia impedir Catherine quando ela resolvia alguma coisa. - Nem em sonhos eu deixaria um amigo com fome sendo a solução tão simples. A boca de Travis se curvou em um sorriso tão sexy que Beth teve certeza de que ele havia praticado por horas para conseguir efeito tão devastador. - Então, obrigado, será um prazer. -Voltou-se para Catherine. - Que tal se eu e Beth formos no meu carro? Assim, vocês não terão de voltar só para deixá-la após o jantar. -Bem, se tem certeza... - Catherine sorriu para ele. - Certeza total. - Ele devolveu o sorriso. Ótimo. Beth desejou ter 2 anos de idade para poder dar um ataque de raiva. Mas não era mais criança, nem Travis. Ele era um homem, e dos mais másculos. Sua boca estava seca e ela teve de engolir em seco antes de poder dizer: - Agora que está tudo resolvido, podemos ir? - Claro. Este é nosso primeiro fim de semana a dois desde o nascimento de nosso filho, sabe. A mãe de Michael está cuidando dele. - Catherine deu o braço a Travis e continuou tagarelando enquanto passavam pelo jardim, e Michael só pôde pedir desculpas silenciosas a Beth. Ela sentia penetrantemente o tamanho e largura de Travis ao roçar de leve nele. Sua calça preta e camisa branca ressaltavam as pernas esguias e ombros poderosos. Ela também sentiu o cheiro gostoso de loção pós-barba cara naquela pele máscula, e tentou encontrar alguma desculpa para sua dificuldade de respirar. Havia algo de profundamente forte e sensual em Travis, mas também havia um lado fascinantemente delicado em sua dura masculinidade. Atração animal. Um tipo básico de luxúria. Usou as palavras deliberadamente. Uma puxou a outra. Simples. Era isto que fazia o mundo girar no reino animal e também sobrava para a humanidade toda. Keith também tinha aquela química, de um modo diferente de Travis, mas tinha mesmo assim. As mulheres ficam caídas por estes homens a despeito de serem ou não comprometidos com outra, e ele nem precisava levantar o dedo. Isto era perigoso, e havia grande chance de desastre para a mulher que estivesse com ele, mas a verdade é que alguns homens só precisam sorrir para fazer as mulheres perderem a cabeça. Mas ela, não. De novo, não, nunca mais. Beth estava tão perdida em seus pensamentos que quase não reparou no carro de Travis, a não ser quando já estava bem perto, e mesmo então o que lhe chamou atenção foi sobretudo a voz de Catherine, abertamente maravilhada com o carro esporte.


- Uau, isto deve ter lhe custado uma fortuna. - Catherine era bem direta. - Michael morre de vontade de ter um destes, não é Mike? É o sonho de qualquer homem de sangue quente. Michael concordou obedientemente e Beth prestou atenção nas linhas elegantes do Aston Martin estacionado ao lado do carro de Catherine e Michael. - Não é este o carro que você costuma usar - Beth disse acusadoramente enquanto Travis abria a porta para ela. Travis a observou com o olhar atencioso que parecia guardar para ela. Um olhar de "lá vamos nós outra vez" que sugeria extrema paciência e indulgência, Beth pensou com irritação. - A caminhonete é para quando as cadelas viajam comigo - disse calmamente. - Devido à pressão dos negócios, saí tarde hoje e tenho que voltar amanhã depois do almoço. Não valia a pena levá-las, já que podiam perfeitamente ficar com o caseiro em Bristol. Ele tinha uma Mercedes, um Aston Martin, aquela casa maravilhosa e ainda outra, com caseiro. Quanto estava ganhando um desenhista industrial nos dias de hoje? Já dentro do carro, Beth pensou que devia ter insistido para ir com Catherine e Michael. Claro que seria ridículo para ela, além de demonstrar ingratidão e egoísmo para com Michael, que teria de voltar de carro só para deixá-la em casa, mas valeria demais a pena. Agora estava presa com Travis naquele carro loucamente sexy, e ele encontrava-se tão perto que ela corria risco de sofrer hiperventilação. Beth se sentou rapidamente enquanto ele manobrava o poderoso carro. O pulso estava disparado. No perímetro de sua visão, ela sentia a presença daquelas mãos poderosas e muito masculinas ao volante e notava o modo como sua calça apertava as coxas musculosas. Era desconcertante. Começaram a seguir o outro carro pela alameda e Travis se ajeitou mais confortavelmente em seu assento, Beth sentia o movimento de cada célula de seu corpo. Ela engoliu em seco, fingindo olhar para a paisagem na janela como se esta fosse totalmente nova para ela. - Sua irmã não se parece muito com você - Travis observou friamente. Beth olhou para ele pelo canto do olho e viu que Travis estava perfeitamente à vontade e relaxado. O ressentimento que ela sentiu a permitiu dizer sem se alterar: - Na verdade, as pessoas sempre disseram que somos muito parecidas. Catherine é apenas dois anos mais velha que eu, e já passamos por gêmeas na adolescência. Nossos tios mais velhos sempre nos confundiam.


- Não estava me referindo à aparência. - Ah, não? - De alguma forma ela sentiu que estava em desvantagem na comparação. Ela não queria perguntar e passar recibo de ter se incomodado, mas não resistiu a perguntar: - A que exatamente se refere, então? Ele deu de ombros, pensou e escolheu as palavras antes de murmurar. - Ela é simpática, animada, e imagino que seja destemida. Beth olhou para aquele queixo quadrado e rígido. A barba começava a nascer, escurecendo a pele do rosto. Beth não soube por que, mas sentiu um gelo no estômago. Então disse com voz inflexível: - Do jeito que você fala, parece até que ela é um cocker spaniel. Ele deu um sorriso de canto de boca. - Não foi minha intenção, garanto. Sabia que não devia perguntar, seria a coisa mais insana que poderia fazer, portanto foi com certo alarde que ela se ouviu dizer: - Então, se vê Catherine como uma cocker spaniel, como me vê? - De modo bem diferente. Ela não teve certeza se era imaginação ou se a voz dele estava realmente soando mais turva, mas estremeceu de qualquer forma. Ainda bem que ele estava concentrado na estrada e não reparou. Esforçou-se para soar alegre e disse: - Isto me coloca na categoria de um sossegado cão pastor ou de um cão de caça? Algo assim? - Jamais sequer sonharia em compará-la a um cachorro, Beth - ele disse, dando risada. O fato de ele estar se divertindo com aquilo a fez sentir um alívio que percorreu seu corpo delator. Passou um longo tempo em silêncio, respirando com as narinas infladas. - Mas admira o atrevimento de Catherine? - Beth manteve a voz tranqüila, como se não se importasse. Procurou se convencer de que não se importava realmente. - Há gosto para tudo. Sem dúvida, mas isso não era o que se podia chamar de resposta. Ela deu uma olhada de soslaio naquele perfil duro. Seu sorriso agora era quase nada, mas indicava que ele havia reparado.


Miserável. Ela se revirou no banco, mas logo se conteve. Calma e controlada, era assim que tinha de ser para lidar com Travis Black. Não podia deixar que ele a tirasse do sério. Resolveu mudar completamente de assunto. - É evidente que você tem estado bem ocupado no trabalho. Fico surpresa que você tenha aparecido por aqui neste fim de semana. - Fica mesmo? - Seus olhos cinzentos brilharam sobre o rosto dela por um momento antes de voltar a atenção ao volante. Ela esperou que ele dissesse algo mais e foi ficando cada vez mais tensa ao ver que ele não ia dizer nada. Após alguns minutos de silêncio elétrico, ela rompeu a pausa. - Para quem exatamente você trabalha em Bristol? - Para as empresas Black. - Empresas Black? Que coincidência, não é? A empresa tem o mesmo nome que... - Ela parou. - Você é dono de seu negócio, claro. - Sou. - Chegaram à estrada principal, e, quando ele virou o pescoço, Beth reparou nos pêlos que lhe escapavam pela gola da camisa. Pêlos grossos, viris, pujantes. - A empresa é de família? Quero dizer, foi seu pai quem a criou? - Não - ele disse, balançando a cabeça. - Meu pai morreu quando eu tinha 10 anos e minha mãe se casou de novo quando eu estava com 18 anos. Não me dou com o marido dela, mas na época eu freqüentava a faculdade e não convivia muito com ele. Eles emigraram para a Nova Zelândia pouco depois, levando minha irmã junto, mas ela voltou para a Inglaterra assim que pôde. Na época minha empresa estava indo muito bem e eu pude dar um emprego a ela. - Então você cuidou dela? - Beth não gostou de estar descobrindo um lado dele que considerava fascinante. Travis retorceu os lábios. - Se Sandra ouvir você dizendo isso vai ficar revoltada. Não, não foi bem assim. Nós somos parecidos demais para tanto, mas ela trabalhou para mim por um tempo antes de se mudar para o seu próprio pedaço, Londres. Ela é assistente pessoal em uma grande fábrica de roupas, e está adorando. - Ela parece exuberante. - Ah, e é mesmo, Beth. Bastante exuberante - disse secamente. - E totalmente voltada para a


carreira. Não era a primeira vez que ela sentia que Travis não aprovava o estilo de vida da irmã, e agora a impressão ficou mais forte. Talvez o incomodasse o fato de ela competir e se dar bem em um mundo predominantemente masculino. Será que no fundo ele não passava de um machista? Seria ele o tipo de homem que gosta de mulheres que "sabem qual é o seu lugar"? E, com certeza, ela, uma arquiteta, não se enquadraria nesse tipo. Quem sabe fosse por isso que ele não se sentia atraído por ela? Beth voltou a olhar a paisagem pela janela. Percebeu então como ficou abalada pelo que ele havia dito. O que era um erro. Afinal, a opinião dele não importava. - Conversar com você é como caminhar vendado sobre campo minado. A voz de Travis soou suavemente e suas palavras custaram a fazer sentido. Quando fizeram, ela o encarou incisivamente. Haviam acabado de parar num sinal de trânsito atrás de Catherine e Michael, de modo que ele pôde lhe dar atenção, os olhos cinzentos corno raios laser sobre os dela. - Não faço a menor idéia do que está dizendo - Beth disse agressivamente. - Estou falando do jeito como você está franzindo a testa, olhando pela janela. - Levantou as grossas sobrancelhas zombeteiramente. - Não estava, não. - Endireitou a expressão, mas já era tarde. - Não quero ser grosseiro, mas você não engana ninguém assim - disse com toda sinceridade. - Qual é exatamente sua objeção ao que eu disse? Rangendo os dentes de exasperação, Beth respondeu com meia verdade. - Não sei qual é o motivo para você não gostar do fato de sua irmã viver a vida como quer, de ter uma carreira. Estamos no século XXI, afinal. - Não é isso. -Aparentemente, ele estava surpreso por ela pensar assim. - É só que ela deixa de exercitar seu considerável número de células cerebrais quando se trata da própria saúde, e acaba se desgastando demais. Ela já teve dois colapsos nos últimos 18 meses. Apagou. Não quero que aconteça pela terceira vez. - Ah! - Ela ficou desconcertada. Mas logo completou. - Mas é a vida dela, e se ela está feliz... - Ela não está feliz - Travis interrompeu, o sinal abriu e seus olhos voltaram para a estrada. Ela fez a burrice de dar o fora no amor de sua vida antes de partir para Londres, pensando que não podia ter os dois ao mesmo tempo, ele e a carreira que tanto queria. Estava errada. É


possível ter os dois. Só é preciso se esforçar um pouco mais. Beth imediatamente lamentou por Sandra. - Coitadinha. Que coisa terrível. - Foi terrível para o cara em questão, também. Que é amigo meu.

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- É mesmo? - Beth até então não percebera que era tão parecida com Catherine, mas sabia que a irmã ficaria orgulhosa se a ouvisse agora. - Neste caso, você não pode ajudar a juntá-los novamente? Tentar bancar o cupido? Travis fez que não. - Sandra levou tempo demais para cair em si e então Colin já havia se casado com outra. Beth ficou horrorizada. - Mas Sandra não era o amor da vida dele? - Eu disse que ele era o amor da vida dela; é diferente - Travis disse baixinho. - Não sei como Colin se sentiu no final. Talvez Sandra fosse apenas uma das mulheres com quem ele poderia ser feliz. Talvez a esposa seja o amor de sua vida. Não sei, nunca conversamos sobre isso. - Então... - Beth estava pisando em ovos. - Você acredita que as pessoas possam ser felizes com várias outras, mas que existe uma em específico que é o verdadeiro amor de sua vida? - Exatamente. - Não olhou para ela ao continuar. - E é muita sorte quando a gente encontra esta pessoa. Poucos conseguem. E a sorte é ainda maior se o amor é correspondido da mesma forma. Acontece, mas é raro. Beth ficou olhando para ele enquanto a paisagem verdejante passava ao fundo. Era uma noite suave, ainda banhada pela luz solar, mas parecia que a tranqüilidade estava toda fora do carro. - Esta é uma forma muito negativa de encarar os relacionamentos - ela disse, ignorando o fato de que nos últimos meses andava totalmente cética em relação à vida e ao amor. - Isto quer dizer que a maioria das pessoas nunca é feliz de verdade, ou ao menos não é tão feliz quanto poderia ser. - Daí a incidência de divórcios. E não se esqueça dos milhões de casais que vivem juntos por anos e acabam se separando sem se casar. No tempo de nossos avós, os casais ficavam juntos acontecesse o que acontecesse e tentavam extrair o melhor da convivência a dois. Quantos amigos seus estão no segundo, terceiro ou até no quarto relacionamento? Estão todos


buscando por esta coisa elusiva que sabem que existe, mas têm pouca chance de achar. Beth estava pasma. Não havia dúvida da sinceridade das palavras de Travis. Após alguns instantes, ela disse: - Então para você o mundo é um lugar triste. - O mundo pode ser um lugar triste - ele corrigiu. - Isto se você se ligar à pessoa errada, se não reconhecer a pessoa certa ou se não for correspondido. Mas aqueles que encontram seu par entram no paraíso. Meus pais se amaram assim, e minha mãe buscou a segunda opção ao se casar de novo. Talvez ela estivesse se sentindo solitária ou com medo de envelhecer sozinha, não sei, mas seria melhor continuar solteira. Ela vive mais infeliz casada com meu padrasto do que viveria sozinha. - Então, se você nunca conhecer o amor de sua vida, ficará solteiro para sempre? - Como sabe que não a conheço? - ele perguntou bem suavemente após consideráveis segundos. - Porque se você a conhecesse, seria casado. E você não é casado, é? - Não sou, não. - Ele sorriu. - Mas isto é porque não sou correspondido. Beth sentiu como se alguém tivesse lhe dado um soco no plexo solar. O que era chocante, muito mais chocante do que a conversa que estavam tendo. Por que ela se importaria se Travis estava loucamente apaixonado pelo amor de sua vida? Ela não se importava, não. Tentou se convencer disto. Ao menos não se importava em nível pessoal. Apenas lamentava por ele, como faria por qualquer pessoa naquela situação. Após toda a mágoa e desilusão que sentiu pelo súbito término de seu casamento, sabia quando uma pessoa estava sofrendo, só isso. Limpou a garganta. - Lamento - disse baixinho. Ele deu de ombros. Passaram-se uns bons quilômetros até ele perguntar: - Seu marido era o amor de sua vida, Beth? Foi por isto que se casou com ele? - Como? - Ela virou a cabeça para olhar para ele tão rapidamente que seu pescoço chegou a estalar. - Seu marido. Ele era o amor de sua vida, ou apenas um dentre muitos homens com os quais você poderia ser feliz se as coisas não dessem errado?


Ela quis responder que não era da conta dele, mas depois que Travis se abrira daquela forma com ela, não tinha como. Ele se virou para ela por um momento, olhando-a nos olhos, e depois voltou a se concentrar no volante. O carro partiu, engolindo os quilômetros com facilidade. A mente de Beth estava dando voltas, tentando articular uma resposta. Como poderia responder a uma pergunta daquelas? Quando Anna foi lhe falar naquele dia, foi como se o mundo estivesse caindo sobre ela, que jurou jamais confiar novamente em homem nenhum, mas... Seu cérebro parou de remoer lembranças e ela arregalou os olhos. Era uma sobrevivente. E a perda repentina de seus pais a fez trabalhar demais para esquecer quando o casamento foi por água abaixo. Engoliu em seco. - Não sei - disse, um minuto depois. - Não sei se Keith era o amor de minha vida. - Não sabe? Isto é verdade ou é uma maneira de me calar? - É verdade - disse, abalada. - Como posso saber? - Então ele não era. Falou de modo tão definitivo, tão autoritário que Beth imediatamente se rebelou. - Você não pode dizer isto - reclamou. - Não sabe o que sinto. - Verdade, mas o que sei é que se ele fosse o cara, você saberia. Ela não estava acreditando naquilo! Como ele ousava resolver por ela? - Não aceito isto! - disse com veemência. - Existe uma ferida aberta em seu coração que você sabe que jamais se fechará a não ser que volte com este sujeito? - Sua voz transmitia praticidade. Honestamente, ela não podia dizer que fosse o caso, mas reconhecer isto seria lhe dar razão. - Não estou preparada para continuar discutindo este assunto. - O que já é uma resposta em si, e prova que tenho razão - ele disse de um modo que Beth considerou imensamente arrogante. - E você deveria se considerar sortuda. Pelo pouco que me disse, seu ex era um canalha que não vale o ar que respira. Que alguém o agüente, mas não você. Está livre dele, livre para uma nova vida. - Isto não ajuda Arma e suas crianças em nada - ela disse, tentando fazer com que ele se sentisse culpado. Não deu certo. Mas ela nem esperava que desse. - Depende de ela continuar com ele ou não. Ela teve escolha, como você. E não venha me


dizer que ela ficou presa a ele por causa das crianças - ele acrescentou quando Beth abriu a boca para falar. - Qualquer um com um mínimo de bom senso veria que é muito melhor para as crianças ficar longe de um pai adúltero que vai lhes fazer tão mal quanto parece ter feito à mãe. Ela olhou para ele. - Acho que nunca conheci um homem com opiniões tão rígidas quanto você - ela disse com o máximo desdém possível. Mas a resposta dele foi um sorriso. - Se formos considerar o papo que acabamos de ter, fico até feliz de você pensar assim - ele disse alegremente, parando para dar passagem a uma senhora com o que parecia ser uma dúzia de pequenos poodles em coleiras azuis e cor-de-rosa. Levaram séculos para atravessar. Ele se virou para ela e Beth olhou nos olhos dele. Ela viu que ele estava realmente se divertindo com aquela conversa. Dinamite. Foi o que ela pensou, e a troca de olhares se aprofundou. Ela não conseguiu desviar o olhar e não sabia por que, mas seus nervos pulsavam e demonstravam vigor. Ela não saberia dizer quanto tempo durou o momento, poderia ter sido segundos ou horas, mas quando o caminho ficou livre, ele voltou à direção, quebrando o contato visual. Beth ficou sentada em absoluta quietude, sentindo todas as células do corpo. O que havia acabado de acontecer? Não sabia. De qualquer maneira, era o equivalente a ser atropelada por um rolo compressor. Percebeu que estava prendendo o ar e se forçou a regular a respiração e relaxar as mãos, que ela agora notava estarem fechadas e tensas. Dinamite, ela repetiu mentalmente. Era isso que ele era. Perigoso como um explosivo. E ela, que nem gostava de chegar perto de fogos de artifício! Sentiu vontade de gemer. Mas por mais atração que sentisse por ele, e era só isso, atração física, ele não correspondia, então tudo bem. Ela estava em segurança. Quando um não quer, dois não brigam. Continuou a respirar profundamente e, em poucos minutos, sentiu o corpo sob controle novamente e, apesar de estar sentada com as costas empinadas, sentiu-se amolecer. Era ridículo, mas se sentia tímida como se tivessem acabado de fazer amor. Ou mais ainda. Por favor, meu Deus, ele não pode achar que gosto dele, Beth pediu em pensamento pelo resto da viagem. Afinal, ele havia deixado claro que, para ele, eu sou como um manequim de


vitrine. Não se desculpou pelo exagero, achando que as circunstâncias justificavam. Sabia que morreria se ele soubesse, morreria mesmo, e ainda tinha mais uns cinco meses de estadia em Shropshire. Apesar de ele só aparecer de vez em quando, ela ficaria em um estado de nervos deplorável se tivesse de se preocupar em evitá-lo. Travis seguiu o carro de Michael e Catherine ao estacionamento do hotel, que parecia bastante agradável, e só então Beth se deu conta de que haviam chegado. Não sabia se estava ou não aliviada. Apesar de ser bom sair da intimidade do carro e se juntar a Catherine e Michael, estava preocupada com o possível comportamento da irmã durante o jantar. Catherine parecia determinada a bancar o cupido para ela e Travis, só porque ele lhe prestara ajuda. - Você está tensa. Não fique. - Ele pegou na mão de Beth. - Já sei como é, está bem? Você pretende ficar em sua torre de marfim e afastar invasores. E tudo bem, se é o que você quer. Ele fez uma pausa. - E mesmo isso que você quer, Beth? Beth olhou para aquele rosto moreno. Não sabia o que queria. Na verdade, jamais se sentira tão confusa antes. E era tudo culpa dele. Ele e suas teorias petulantes sobre tudo. Queria jamais ter conhecido Travis Black. - Está franzindo a testa de novo - ele disse tranqüilamente, como quem não se importa, e continuou com a mão sobre a dela. Por que ele se importava com o que ela queria? Ele não se interessava pelo seu corpo, que dirá por seu coração. Mas sentir a pele quente de Travis na sua fez seu coração acelerar como um carro na marcha errada. Mas tudo estava errado naquela noite. Tudo. Se fossem apenas os dois... Aquele pensamento e a sensação cálida que lhe veio na parte mais íntima do corpo a fizeram soltar a mão dele abruptamente, dizendo: - O que espera que eu faça se você me vem com essa conversa boba? Não estou em torre de marfim nenhuma, mas estou vivendo a vida à minha maneira e pretendo continuar assim. Tenho cabeça e pretendo usá-la. - Fico feliz em ouvir isto. Beth olhou para ele, que tinha uma expressão indecifrável no rosto. - E qual é a sua maneira? - ele perguntou quando Catherine e Michael saíram do carro e começaram a caminhar em direção a eles. Antes que ela conseguisse responder, ele baixou o vidro da janela e disse à irmã dela, que parou ao lado de sua porta: - Só um instante. Já vamos


encontrar vocês em um segundo. - Ah, tudo bem. - Catherine pareceu surpresa, mas contente, e Beth grunhiu por dentro. Agora sua irmã ficaria pensando todo tipo de coisas e agindo de maneira mais errada ainda. - E então? - Travis voltou-se novamente para ela. - Quais são as regras? Fique à vontade para explicar, Beth. Ela se arrependeu de .ter começado com aquilo. Respirou o aroma delicioso que emanava dele e reiterou por dentro pela milésima vez que jamais deveria ter entrado naquele carro. Deu de ombros da maneira mais casual que conseguiu. - Por que quer saber? - disse, um tanto ofegante E acrescentou então com mais firmeza: -Você disse que não se sente atraído por mim e que quer ser apenas meu amigo. Então é claro que estas regras não podem ser de seu interesse, certo? - Ah, mas eu menti, Beth. - Os olhos cinzentos continuaram encarando-a. - O quê? - Foi pega de surpresa. - Menti. - Um sorrisinho se formou no canto da boca de Travis e ela sentiu que estava boquiaberta. -Sabe? Faltar com a verdade? Inventar? Deturpar? - Sei o que significa mentir - ela rebateu, não tão incisivamente quanto gostaria. Era difícil ficar furiosa ao mesmo tempo que sentia pequenos arrepios de cima a baixo da coluna. - Por quê? Por que mentiu sobre... - Sobre não me sentir atraído por você? - ele completou, e ela ficou ainda mais arrepiada. Porque você parecia prestes a entrar em pânico, e não quero perturbá-la e fazer com que se mude da casa que alugou. Começamos com o pé esquerdo, eu sei disso, mas sair para caminhar no campo por horas para me evitar me pareceu um ato de desespero. Mas menti apenas em parte. - Em parte? O que quer dizer? - Disse que acho você interessante como pessoa, e acho. - Ele se aproximou, e ela sentiu cada nervo de seu corpo. - Não sou nenhum adolescente volúvel, Beth, cuja única idéia de relacionamento é descobrir como nascem os bebês. Já tive mulheres, não nego, e seria mentira dizer que não quero levá-la para a cama. Mas não agora, só quando você quiser. Quero conhecê-la e quero que você me conheça, e então, se você quiser que as coisas prossigam... - E se eu não quiser? - Ela tremia tanto que tinha certeza de que ele estava percebendo. - O que vai acontecer?


- Então cada um segue seu rumo. Ela passou a mão trêmula pelo rosto. - Não... não estou pronta para entrar em um relacionamento, por mais lentamente que seja. Ainda é cedo demais... depois de tudo que aconteceu. Ele se posicionou de um modo que ela sabia que iria beijá-la. Algo aconteceu e mudou no último instante, algo indefinível, mas muito potente. Ela olhou bem no fundo dos olhos dele intensamente cinzentos e então sua boca juntou-se à dela, mas não da maneira leve e educada das outras vezes. Agora, seus lábios estavam quentes e ansiosos, inebriantes. Ele não fez menção de abraçá-la quando o beijo se intensificou, mas nem precisava. Um calor ardente fluía pelas veias de Beth. Ela sabia que ele devia beijar deste jeito. Desde o primeiro momento que o vira e até pelos leves beijos casuais que dera em seus lábios. Uma sensualidade de quem sabe das coisas era evidente em cada movimento e gesto que Travis fazia, no jeito como ele se comportava, em sua indolente autoconfiança e tranqüilo auto-controle. E então, ele levantou a cabeça e voltou a se ajeitar no banco do motorista, deixando-a tão desolada que ela quase o puxou de volta. Beth ficou olhando para ele, totalmente estupefata devido às sensações que ele lhe provocara. Nunca, nem mesmo no começo do relacionamento com Keith, quando achava que ele era o máximo, ela sentira algo parecido. Era assustador. Muito assustador. Mas também era revigorante e emocionante. Ela não sabia que era possível se sentir tão viva. - Eu quero você, Beth - ele disse com notável tranqüilidade - mas, como disse, não tenho pressa. Nunca fiquei com mulher nenhuma que não quisesse plenamente o mesmo, na mente e no corpo. E você não será a primeira. Prometo. Certo? Ela assentiu, impotente. Não conseguia falar. - Então vamos nos ver quando eu aparecer por estes lados, nada pesado demais. Assim, podemos nos conhecer melhor. Podemos gostar do que descobrirmos, ou não. - Os olhos penetrantes baixaram por um momento com seus longos cílios negros, e quando ele voltou a encará-la, disse: - Vai ser um bom verão - disse preguiçosamente. - Bom mesmo.

CAPITULO SEIS


Catherine estava realmente corada quando os dois entraram no bar do hotel alguns minutos depois. Olhava para a irmã com olhos perscrutadores. Beth tentou ignorar a pergunta silenciosa no olhar de Catherine e se juntou ao papo social de Travis, mas foi difícil. Seu cérebro ainda tentava lidar com o que acabara de acontecer no carro. E, além disso, Travis pegara sua mão ao caminharem e parecia não ter pressa de soltar. Ela gaguejou e conseguiu entrar na conversa, enquanto as palavras fluíam para Travis sem esforço e ele se transformava numa companhia encantadora. Foi um grande alívio quando o garçom apareceu. Após escolherem do extenso cardápio, não demorou 30 segundos para Catherine dizer que ia ao toalete e convidar a irmã para acompanhá-la. Beth encarou a irmã. Era melhor satisfazer logo a curiosidade de Catherine, senão ela a pressionaria durante todo o jantar. Já no toalete, Catherine não fez cerimônia. - Então? - Catherine estava toda ansiosa. - O que está acontecendo? - Como assim, o que está acontecendo? - Beth saiu pela tangente. - Vocês estavam de mãos dadas. E a conversa no carro parecia séria. Não vá me dizer que estavam falando do tempo. Beth amava a irmã, amava mesmo, mas naquele momento desejava que ela estivesse em qualquer outro lugar que não ali. Como poderia explicar a Catherine o que nem mesmo ela própria conseguia entender? De alguma forma, acabou concordando que estava tendo um namorico com Travis não fazia nem uma hora. Pouco antes, teria dito que a idéia era absurda. Beth respirou fundo. - Somos amigos. - Mas a irmã deu um riso debochado. - Apenas amigos. Estou falando sério, Catherine. Vamos nos encontrar vez ou outra quando Travis estiver por aqui, mas de modo bem casual. Sem compromisso, só tranqüilidade. - Mas você concordou em sair com ele de vez em quando? - Catherine se entusiasmou. - Acabei de dizer isso, não é? - Beth tentou não demonstrar irritação, mas o sorriso da irmã dizia "eu avisei" nas entrelinhas. - Mas sem compromisso - repetiu. - Eu vi o jeito como ele olha para você. Está caidinho.


- Catherine. - Beth franziu o cenho. - Não é nada disso. Escute, ele me contou que já se apaixonou antes sem ser correspondido e que nunca vai esquecê-la. Bem, praticamente. Beth pensou. - Então não adianta ficar cheia de esperanças, além do mais, você sabe o que penso da idéia de me amarrar de novo. Nunca mais. - Nunca é tempo demais. - Não neste caso - Beth disse com firmeza. - Pode acreditar. - E aposto que se existe alguém que pode fazer você mudar de idéia, este alguém é Travis. - Vai perder a aposta, Cath. Ficaram se encarando por um momento e depois Catherine suspirou, desapontada. - Certo, vou aceitar sua palavra... Por enquanto. - Obrigada - disse Beth. - Melhor para você. - Mas, se quer saber, acho que ele é perfeito. - Acho que ele não tem nada de perfeito. - Você entendeu. Ele é lindo, Beth. E sei que você gosta dele. Não é verdade? Está na cara. Beth tirou o brilho labial da bolsa e fingiu se concentrar em retocar a maquiagem. - Claro que sim, quem não gostaria? Mas não sou o tipo de mulher que se jogaria na cama dele, atrás de sexo. - Então talvez você deva mudar - retrucou Catherine. Agora Beth estava chocada. - Você nunca defendeu, este tipo de coisa - ela acusou. - E normalmente continuo não defendendo. Mas esta é uma exceção. Faz meses que sua vida não é normal. Keith foi um verdadeiro patife e não vou fingir que sei muito bem tudo o que você sentiu ao passar pelo que passou, principalmente com a morte de nossos pais. Mas sei que já passou da hora de você se divertir um pouco mais. Está na hora de você perder um pouco da compostura, de você... - Ser mais irresponsável e volúvel? - Eu ia dizer que está na hora de você paquerar mais. Se bem que ser mais irresponsável e


volúvel também não seria nada mal. E acho Travis ótimo para iniciá-la neste estilo de vida. Tem cara de ser um animal entre os lençóis. Beth mal podia crer que aquela era Catherine falando. Apesar de seu jeito extrovertido, a irmã sempre esteve mais do lado dos caretas. Catherine a sacudiu pelos ombros, e disse, risonha: - Corra atrás dele, garota. Este é meu conselho. Tenha um verão memorável. - Travis disse algo parecido. - Disse? Então. - Beth lançou um olhar severo à irmã, que pegou seu rosto com as mãos. - Não deixe que Keith lhe estrague mais um dia, nem mais uma hora, sequer um momento, Neddy. Ele não vale isso, nunca valeu. - Eu sei. - Beth estava tocada pelo amor que emanava do rosto da irmã, mas como poderia explicar que perdera algo de si quando descobriu que estava casada com um estranho? Catherine e Michael eram tão felizes e ela ficava tão feliz por isto, mas como a própria irmã dissera, não podia saber como ela se sentia por dentro. E ainda bem que Catherine jamais saberia. A capacidade de confiar em alguém do sexo oposto fora arrancada dela naquela noite em que ouvira Arma falar. Quando Catherine entrou em um dos compartimentos do toalete, Beth ficou se olhando no espelho com olhos pensativos. Subitamente, se sentiu impaciente consigo mesma. Tudo bem, então talvez não pudesse jamais confiar de novo em homem nenhum, mas isto não queria dizer que tinha de passar o resto da vida longe de companhias masculinas. Tinha todo o resto da vida pela frente e podia fazer o que quisesse. Travis disse que não havia problema em fazer as coisas devagar, de modo que ela não tinha nada a perder. Sentiu-se melhor. Quando Catherine voltou, Beth disse com leveza: - Muito bem, irmã, vou aceitar seu conselho desta vez. Vou ficar saindo com Travis por enquanto e ver no que dá, e não vou descartar a possibilidade de ir para a cama com ele. Que tal? - Bom. Muito bom. - Catherine se olhou no espelho, ajeitando-se rapidamente, deu o braço à irmã e as duas saíram do banheiro.

Apesar de Travis - e Michael também - não saberem nada de sua conversa no banheiro das mulheres, Beth ficou tímida como se os homens tivessem ouvido tudo. Mas logo Travis os


estava fazendo rir com seu jeito tranqüilo, como seja conhecesse Catherine e Michael há anos. Beth se pegou rindo como não fazia desde o fim de seu casamento. Na verdade, desde antes disto, já que Keith não tinha grande senso de humor. Enquanto isto, Travis era divertido e ferino, apesar de um pouco cínico às vezes. A comida estava deliciosa e eles se estenderam em cafezinhos e licores por bastante tempo. Mas no anal, Beth deu a entender que queria ir embora. Era uma verdadeira loucura, mas seu coração parecia saltar pela boca só de pensar em ficar a sós com Travis outra vez. Excitação, ansiedade sexual e medo puro competiam em seu peito, e ela não sabia qual venceria. Travis era diferente de todos os homens que já conhecera. E este era o problema. Foi o que ela pensou depois de se despedir de Catherine e Michael, quando ela e Travis estavam caminhando de volta para o carro. Não era só o fato de ele ser excessivamente sexy, e ele era. Nem o fato de o conjunto todo, visual, personalidade, tudo emanava um magnetismo letal. Era o outro lado dele, o lado carinhoso e atencioso que ela percebeu algumas vezes que agora se tornava intensamente atraente. Ou quem sabe fosse a combinação de tudo isso. - Você se divertiu? - ele perguntou com voz lânguida, abrindo a porta do carro para ela, que entrou antes de responder. - Sim, foi maravilhoso rever Catherine e Michael - ela disse, sabendo que não era essa a pergunta. - E eu?- Ele entrou no carro e algo de quente emanou atingindo todas as suas terminações nervosas. - E foi maravilhoso me rever também? Ele estava rindo com aquele brilho demoníaco nos olhos. Infelizmente, o cérebro de Beth foi invadido por imagens dele nu e ela sentiu que tinha que dar um corte apropriado. Mas o que fez foi dizer, tropegamente: - A noite foi boa, não foi? - Ah, sim, Beth - disse solenemente. - A noite foi mesmo boa. A primeira de muitas, espero. Beth deu um suspiro fundo. A proximidade física entre eles era dolorosamente real. - Mas houve umas coisinhas que não foram muito de meu agrado. Ela soube então que, se não quisesse beijá-lo, não devia perguntar que coisinhas eram essas. A expressão naquele rosto marcado indicava claramente. - Que coisinhas? - perguntou debilmente.


- Primeiro que havia gente demais. - Ele levou a mão ao rosto corado dela e fez um carinho. O que levou ao segundo problema: não pude ceder ao impulso de fazer isto. O beijo foi longo e sedento e incrivelmente intenso. Beth conjeturou se ele sabia como beijava extraordinariamente bem. Devia saber. Com certeza. Então ela parou de pensar e se entregou ao prazer insano que ele estava lhe proporcionando. Quando Travis voltou para o banco do motorista, Beth se sentia viva, o corpo pulsando da cabeça aos pés. - Você tem gosto de brandy e chocolate com menta - ele disse, e deu a partida no carro sem olhar para ela novamente. E tudo bem quanto a isso. Ela precisava de cada segundo possível para se recompor. Ficou aliviada ao ver que sua voz saiu bem normal, ao contrário do que sentia por dentro, ao responder: - Foi você quem insistiu para eu beber o brandy, lembra? Por mim, eu ficava apenas no café. - Ah, não estou reclamando. - O poderoso carro saiu do estacionamento e ganhou a estrada com a graça de um grande felino. - Inclusive, peço que me lembre para sempre tomar meu brandy desta maneira. Ela sorriu. - Está bem. - Ela podia fazer isto. Podia flertar também. Ele deu um sorriso lânguido e voltou a se concentrar na estrada. Seguiram em silêncio e Beth continuava se fazendo perguntas a cada quilômetro. Os beijos de Travis a fizeram entender que o sexo podia ser muito melhor do que ela imaginava, pois Keith não lhe despertava nem um décimo do que Travis conseguia. Nem um centésimo. Só o que a amedrontava era que ele a deixava vulnerável. E ela prometera a si mesma que jamais ficaria assim de novo. Mas não estava vulnerável, pensou. Não de uma forma que pudesse ser seriamente magoada outra vez. Era só uma coisa de pele, não dava para comparar com a devastação que sentiu ao fim abrupto de seu casamento. Quando entraram na avenida que levava à sua casa e à de Travis, Beth começou a pensar se ele iria sugerir um encontro no dia seguinte, ou se iria querer entrar em sua casa. Ele havia dito que queria levar as coisas devagar, mas o que seria devagar para um homem como ele? Beth começou a ficar assustada. Dera a entender a Catherine que era possível que dormisse


com Travis no futuro. Como podia pensar uma coisa dessas? Como podia considerar ir para a cama com um homem que não a amava, que apenas sentia atração física por ela? Mas, por outro lado, Keith a amara? Ela pensava que sim, embora tenha ficado provado que estava errada. Quando Travis estacionou o carro, Beth percebeu que não estava pronta para um caso amoroso. Se ele quisesse entrar, ela teria de deixar claro que o máximo que podia esperar era um beijo de boa noite. Mas ele não fez menção de entrar. Simplesmente saiu do carro e deu a volta para abrir a porta para ela, ajudá-la a saltar e abrir o portão de sua casa. - Vou esperar você entrar. - Então a beijou com tanta intensidade que ela chegou a sentir seu corpo de músculos fortes, e sua excitação. Mas foi ele quem encerrou o beijo, fazendo-a entrar com pernas vacilantes. Harvey veio correndo assim que ela abriu a porta e, após as boas-vindas efusivas, saiu correndo em direção a Travis. - Ele não costuma ser assim - Beth disse, se desculpando. - Ele adora você. Travis deu um meio-sorriso. - Se isto for me ajudar com minha querida, por mim, tudo bem. - Ele se aproximou mais e levantou-lhe o queixo. - E eu preciso de toda ajuda possível, não é, Beth? Ele sabia que ela estava entrando em pânico. - O problema não é você. É que eu não estou pronta... Travis, ainda estou muito confusa em relação a muitas coisas. - Eu sei. Senão você estaria na minha cama agora mesmo. Boa noite, Beth. E ele então partiu, após um rápido beijo nos lábios dela. Não falou em encontrá-la de novo. Será que ela o estava afastando com seu nervosismo? Talvez ele não quisesse tanto assim se envolver com uma mulher que trazia uma bagagem tão pesada. Ele podia ter a mulher que quisesse, não precisava perder tempo com ela. Harvey veio para perto e Beth sentiu o focinho frio e molhado em sua mão. Abaixou-se para acarinhar o corpo peludo. - O que estou fazendo, Harvey? Será que enlouqueci? Será que a solidão deformou meu cérebro?


A resposta foi uma lambida no nariz com aquela língua enorme e rosada. Beth riu e se levantou. Estava pensando demais. Havia se tornado um hábito desde o fim do casamento. Tinha de fazer o que Catherine aconselhara e viver um dia por vez. Se Travis queria se encontrar com ela de vez em quando, tudo bem. Podia continuar tendo suas namoradas em Bristol. Entre eles era só uma coisa casual, de amigos, só isso. O resto dependeria dela, isto ele deixara claro. Olhou para o céu noturno, estalou os dedos para Harvey e foi para dentro de casa, recusandose a reconhecer que seus lábios ainda estavam latejando por conta do beijo que ele lhe dera. Fechou a porta, olhou para a sala que deixara poucas horas antes e pensou como tudo parecia diferente agora. Então percebeu o que estava diferente. Ela estava feliz.

CAPÍTULO SETE

Na manhã seguinte, Beth acordou de um sono profundo e sem sonhos quando ouviu alguém batendo na porta. Sentou-se na cama e, ao mesmo tempo, Harvey começou a latir histericamente e o despertador soou o alarme. Não era a forma mais tranqüila de começar o domingo. Desligou o despertador, pegou o robe e vestiu sobre a camisola diminuta, apertando bem o cinto enquanto caminhava em direção à porta. Ainda tonta de sono, ela sequer penteou os cabelos. Era Travis, sorrindo e segurando algumas sacolas. - Oi. Trouxe o café-da-manhã. O dia está lindo e achei que não devíamos desperdiçar nem um segundo, já que tenho de ir embora hoje à noite. Beth se sentiu uma verdadeira marmota que fora rudemente acordada durante sua hibernação. Tentou se recompor e perguntou que horas eram. - Já são 9 horas - ele disse, como se todo mundo estivesse acordado àquela hora. Ela afastou uma mecha de cabelos do rosto. - Nem tomei banho ainda - retrucou Beth, notando que ele parecia novinho em folha. - Não? Para mim você está ótima. Gosto de mulheres despenteadas e sensuais.


Ela devia estar tão sexy quanto se estivesse virada pelo avesso. - Entre - ela disse relutantemente. - Vou fazer café. - Não precisa - ele disse, e entrou, tomando-a nos braços para beijá-la de um modo que a fez acordar, e rapidamente. Era uma bela maneira de despertar. Então, Travis a soltou e seguiu até a cozinha. - Os croissants ainda estão quentes e trouxe geléia de amora e compota de groselha, então venha logo. Eu faço o café. Já no banheiro, Beth tomou uma rápida chuveirada e tentou se arrumar um pouco, mas pensando que ele não podia esperar muito de sua aparência já que havia resolvido aparecer de surpresa. Ao voltar para a cozinha, a expressão no rosto de Travis deixou claro que ele não estava querendo vê-la toda produzida. Sorriu para Beth sensualmente e disse: - Você sabe que é linda, não sabe? Até cheia de lama no rosto você é linda. -Aquilo não era exatamente lama, Travis - ela replicou secamente. Ele sorriu. - Estava sendo educado. - Certo. - Beth estava determinada a manter as coisas leves e descomplicadas. Técnica de sobrevivência. Ela olhou para a pequena tábua fazendo as vezes de mesa com dois banquinhos, agora com pratos de frios deliciosos, queijos, salmão, frutas frescas, diferentes tipos de pãezinhos ainda quentes, caixinhas de cereais e uma jarra de mel, além dos croissants que ele havia mencionado. Ela arregalou os olhos. - Você trouxe tudo isso? - Da maravilhosa delicatéssen do vilarejo. A propósito, o mel é produzido pelas próprias abelhas deles, e é o melhor que já provei na vida. - Travis apontou para duas bandejas que trouxera. - Pensei em comermos lá fora. Faça seu prato e vamos. Beth resistiu à maneira como ele dominara a situação. - Por enquanto vou só tomar café, obrigada. Vou dar uma chance para meu estômago acordar de verdade. - Tudo bem. Eu resolvo isto. Ele estava tão despreocupado que Beth logo se sentiu uma mal-educada. Olhou para Harvey, que estava se empinado sobre as patas traseiras, de olho em um saco sobre a pia.


- O que ele tem? - ela perguntou, surpresa. - Ele sabe que tem um osso aqui para ele. - Sorriu. - Não sou imune a subornos e corrupção. - Com Harvey, nem precisa. Acho que ele já gosta mais de você do que de mim. - E não estava brincando. - Não estava falando de Harvey - ele disse, servindo duas xícaras de café. -Vá para o jardim que eu levo o osso para Harvey comer enquanto tomamos café. Enquanto Harvey devorava seu enorme aperitivo, um osso ainda com carne suficiente para alimentar uma família de quatro pessoas, Beth e Travis se ajeitavam no único banquinho do jardim. Ela sentiu tanto o calor da coxa dele junto à dela pelo tecido leve do vestido quanto o do braço dele estendido atrás de suas costas. O café estava escaldante, mas ela bebericou mesmo assim, tentando dispersar as vibrações que pulsavam do fundo da sua alma. Não adiantava pensar que podia controlar o efeito daquela poderosa química sexual entre os dois. Quando ele se aproximava daquele jeito, ficava impossível disfarçar. Com a desculpa de se aproximar de Harvey, ela se ajoelhou e acariciou o pêlo do animal, ganhando um sorriso canino e uma lambida na mão, e então Harvey voltou a se deliciar com o osso. - É um animal de boa índole, não é? - disse Travis. - Alguns cães não gostam de ser tocados quando estão com um prêmio destes entre as patas. - Eu posso tirar o que quiser de Harvey - Beth disse baixinho. - Ele confia em mim. - Há quanto tempo você o tem? Isto não ia dar certo. Não podia sentar e ficar conversando com Travis ao mesmo tempo que sentia o toque e o aroma deliciosos que vinham dele, deixando-a de pernas bambas. - Harvey foi presente de minha irmã quando eu me mudei para meu apartamento, cerca de ano e meio atrás. Ele era um filhotinho na época. Travis olhou para as poderosas mandíbulas do cão que destroçavam o osso. - Nem tão pequeno assim agora. Você o leva junto quando vai trabalhar? Beth assentiu. - Quando não posso, Catherine fica com ele. Meu sobrinho, James, o adora e Harvey é dócil como uma ovelha com ele. Nunca tive cachorro antes e jamais pensei em ter, mas hoje não sei o que seria de mim sem Harvey. Ele é mais que um cão, ele é... - Ela parou, imaginando se ele


a acharia boba. - Um amigo? - Travis disse suavemente. Beth concordou novamente. - Meu melhor amigo - ela respondeu, com certa petulância. - Ele me ajudou no momento mais difícil de minha vida e serei eternamente grata a ele. - Imediatamente, se arrependeu do que disse. Mas agora era tarde. - Amor incondicional. - Ele terminou o café de um gole só. - Os animais têm de sobra, mas é uma qualidade rara no homo sapiens. - Ele se aproximou ligeiramente e ela sentiu todos os nervos do corpo vibrando. - Deve ter sido duro. Lamento que você tenha de ter agüentado algo tão terrível sozinha. Às vezes a vida é uma droga. - Quando olho para trás, o que mais dói é ter perdido meus pais da maneira que perdi. - Ela falou tão baixinho que ele teve que se aproximar ainda mais para ouvi-la melhor. - Eram pessoas maravilhosas, os melhores pais do mundo. Engraçado, mas meu pai nunca se deu com Keith. Minha mãe o achava adorável; Keith tem jeito com as mulheres - sua voz emanou certa melancolia neste momento -, mas meu pai sempre teve um pé atrás com ele. Ele queria que esperássemos mais um pouco para nos casarmos, mas... - Deu de ombros. - O amor é cego. - Beth, qualquer um pode ser enganado por quem realmente está determinado a isso. Coisas ruins acontecem a pessoas boas. Ela ficou olhando para ele com olhos grandes e sombrios; estava pasma ao se dar conta de como acabara se abrindo com ele, apesar de sua determinação em contrário. - Algumas pessoas são mais ingênuas que outras. - O tom em sua voz indicava estar dizendo algo muito importante. - Eu não achava que era assim, mas devo ser. Do contrário, por que teria me casado com Keith e o teria amado sem perceber quem ele realmente era? Eu não teria acreditado que era possível se não tivesse acontecido comigo. - É possível. - Com ternura, ele tocou-lhe a boca com o dedo, a voz profunda e rascante. - Mas, como já disse, no seu caso não foi questão de ingenuidade. Keith não tinha moral nem princípios, e isto lhe deu certo tipo de poder. Você teve a má sorte de cruzar com ele, mas teve força e coragem para tomar uma atitude. Ele não vai se dar bem, Beth. No final da história, não vai. Ele não vai ter o respeito dos filhos, e pode até ser que os filhos não o amem nem queiram saber dele quando forem adultos. Além disso, praticamente todas as mulheres com quem ele vier a se envolver vão acabar descobrindo quem ele é. Ele vai acabar morrendo sozinho e amargo.


- Você não sabe. - Ela balançou a cabeça, a voz trêmula. - E como pode dizer que não sou ingênua? Por que meu caso é diferente de tantos outros nos quais as mulheres são enganadas sucessivas vezes? - Eu conheço você. - Não. Nós nos conhecemos algumas semanas atrás. Você mal sabe sobre mim. Eu poderia ser uma assassina em série. Travis deu um meio sorriso. - Eu conheço você - repetiu suavemente. - E não tem nada a ver com tempo. Às vezes é assim. Você é tão vítima quanto eu. Ela estava pálida, seus olhos assombrados avisando-o de que ele a levara ao limite de sua resistência no momento. Ele se levantou, a voz prática e objetiva como se estivessem falando sobre o tempo, e disse: - Quero comer alguma coisa, e você? Venha escolher o que você quer? - Você... vá se servir. Eu vou daqui a pouco, quando terminar meu café. Quando ele entrou em casa, Beth viu que estava tremendo. Tomara que ele não tivesse reparado, ela pensou. E o que ele quis dizer quando falou que a conhecia? Ela levou a mão ao coração, que estava disparado no peito. Esta história de ficarem se vendo não era boa idéia. Ela precisava dizer que tinha mudado de opinião. Não estava lá para se envolver com homem nenhum, menos ainda um homem tão peculiar, na falta de termo melhor, quanto Travis. Ela ficou de pé, decidida a acabar de uma vez com aquilo tudo. Com o estômago revirando, ela entrou na cozinha e parou, surpresa, ao ver que estava vazia. Pouco depois Travis apareceu, com seu jeito tranqüilo e a voz macia de sempre. - Esqueci os jornais no carro. - disse Travis, carregando a bandeja com um prato tão cheio que seria o bastante para alimentar um time de rúgbi. - Espero você lá fora, não demore. Travis saiu antes que Beth conseguisse dizer alguma coisa, e quando ela o encontrou no jardim dois minutos depois, ele estava sentado na ponta da cerca que ela já usara antes, absorto, comendo enquanto lia o jornal aberto no chão à sua frente. Deixara o banco só para Beth. Ela foi se sentar, sentindo-se um pouco confusa. Não sabia como começar agora. De alguma forma a atmosfera mudara outra vez. - Você não parece muito confortável empoleirado aí. - Estou bem. - Ele não levantou a cabeça do jornal, e sua voz soou ensimesmada.


Beth desistiu e pegou um jornal da pilha que ele colocara na outra ponta do banco, mordiscando um croissant enquanto começava a ler. Depois falaria com ele, havia tempo de sobra. Era uma cálida e preguiçosa manhã de domingo. Quando terminaram de comer - e Travis comeu uma quantidade absurda - Beth fez mais café e continuaram a ler os jornais sob a luz do sol, agora sentados lado a lado no banco. Gordas abelhas zuniam por entre as flores, uma família de pardais tagarelava enquanto terminavam com o pedaço de torta que Beth pusera no alimentador de pássaros, e Harvey estava de barriga cheia, cochilando e sonhando aos pés de Beth e Travis. Seria o perfeito idílio de verão, ou teria sido se Beth não estivesse tão irritadiça. Mas, como na noite anterior, Travis se transformara na mais encantadora das companhias. Após esticar as longas pernas, ele pareceu cochilar um pouco, até que subitamente se levantou e a fez ficar de pé também. - Vamos caminhar - ele disse. - Perder um pouco das calorias para depois irmos almoçar. Harvey ouviu a palavra mágica e logo despertou. Com o cão pulando na frente, eles caminharam por entre as árvores, respirando o cheiro delicioso de terra molhada, até chegar à margem de um rio tranqüilo e cintilante. Por várias vezes, Travis a fez dar risada durante a caminhada, e Beth foi gradualmente relaxando e curtindo a bela manhã. Margaridas, ranúnculos amarelos, trevos brancos e muitas outras flores selvagens cujo nome Beth não sabia pontilhavam na grama a seus pés, e o forte perfume de pinho impregnava o ar. Travis pegou a mão dela no começo do passeio, Beth não fez objeção e ficou pensando se ele pararia em algum momento para beijá-la. O que ele não fez. Manteve a conversa amena, divertida e inofensiva, e ela só não sabia se de propósito ou espontaneamente. Só o que sabia agora era que seus sentimentos mudaram novamente e dizer a ele que não queria mais encontrá-lo estava fora dos planos. Isto fazia dela a mais volúvel das mulheres, teve de reconhecer para si mesma enquanto faziam o caminho de volta para casa. - O que foi? - Beth percebeu tarde demais que devia estar olhando fixo para ele. - Qual o problema? - ele perguntou. - Nada. - Ela forçou um sorriso. - Não há problema nenhum. Ele parou e a tomou nos braços, mas sem muita proximidade.


- Não caio nessa. No que estava pensando? - Eu estava apenas imaginando como você arrumou essa cicatriz no rosto - ela disse, pensando rápido e tocando-lhe a marca. Ele a olhou de um jeito desconfiado, e Beth percebeu que ele não tinha acreditado no que ela disse, mas não insistiu. Pegou sua mão novamente, entrelaçando os dedos e voltaram a caminhar. - Eu tinha um irmão - Travis começou a contar, sem emoção na voz. - Kirk. Ele era dois anos mais velho que eu. Pouco tempo depois de minha mãe conhecer meu padrasto, ele nos levou para pescar. Meu padrasto estava querendo se exibir, fez manobras perigosas e o barco virou. Kirk ficou preso em plantas no fundo do rio e não conseguiu voltar à tona. Eu gritei para que meu padrasto me ajudasse, mas ele estava mais preocupado em salvar a própria pele. Quando consegui achar Kirk, eu já havia tido que respirar na superfície milhões de vezes. Ele não teve chance. - Tocou a cicatriz no rosto. - Havia todo tipo de coisa no rio; não sei em que arranhei o rosto. Na hora nem senti. Só começou a doer quando chegamos ao hospital. - Ah, Travis. - Beth ficou arrasada. Parou, fazendo-o parar também. - Sinto muito. Que coisa horrível. Ele balançou a cabeça. - E, foi mesmo. - Por um momento, algo se mostrou na expressão de seu rosto e então ele se controlou de novo. - Meu padrasto insistiu em dizer que só não me ajudou porque não sabia nadar e só conseguiu chegar à margem por sorte. Mas eu vi que ele sabia nadar, sim. Minha mãe optou por acreditar nele. - Deu um sorriso amargo. - Você falou sobre amor incondicional outra hora, e este era um caso de amor incondicional. No seu caso, não houve aviso. Mas ela foi avisada. Todos os sinais de perigo estavam latentes. Beth ficou olhando para ele. - Sandra acreditou em você? -Na época, não, mas depois passou a acreditar, quando estava morando com eles depois que se casaram. Ele é um homem... desagradável. - Mas sua mãe continua com ele? - Ela não vai largá-lo. É lealdade mal direcionada. Ela notou como aquilo o afetava. De repente, ela teve o ímpeto louco de tomá-lo nos braços e beijá-lo, e se sentiu inundada por uma onda de ternura. Foi o bastante para seu emocional recuar.


- Lamento muito - ela disse, e voltou a caminhar. Ao voltarem para casa o assunto havia morrido, a caminhada de volta, mais as peripécias de Harvey - que cheirava mal depois de rolar na lama e abocanhar algum animal morto - ajudaram a deixar o clima leve novamente. Travis teve a gentileza de se oferecer para dar banho em Harvey antes de saírem para almoçar em um pequeno pub que ele conhecia, e Beth aceitou. Harvey estava realmente com um cheiro terrível. Mas quando Travis tirou a camisa para dar banho no animal, Beth se perguntou se aquela era mesmo uma boa idéia. Quando terminaram, Harvey estava cheiroso e Travis estava tão sexy que Beth teve certeza de que a idéia não tinha sido nada boa. Ele estava molhado, como dava para ver por sua calça jeans, e seu torso musculoso e brilhante fez o sangue de Beth ferver. Os pêlos cacheados em seu peito cintilavam com gotículas de água e as coxas davam uma visão de força e poder dentro da calça jeans. Era um corpo masculino e tanto. Viril. Forte. Beth apenas olhou, não conseguia deixar de olhar. - Ele está meio chateado. - Travis apontou Harvey com a mão e só então ela conseguiu se recompor e agir naturalmente, brincando com Harvey enquanto Travis vestia a camisa. Ele nu devia ser um espetáculo. - Vou pegar minha bolsa - ela murmurou e correu até o quarto, parando por um momento, encostada à porta fechada, para se recompor. Levou as mãos ao rosto ardente. Graças a Deus ele não era capaz de ler sua mente, pois certamente pensaria que ela estava desesperada por sexo. Bem, talvez estivesse mesmo. Deu um sorriso mordaz ao sentir que seu senso de humor estava aparecendo para salvá-la. Agora que descobrira o bota o para ligar sua libido, parecia que simplesmente não sabia mais desligar. Quando ela voltou, Travis estava recomposto, com sua persona urbana de sempre. Harvey, por sua vez, estava totalmente mal-humorado, aborrecido. Beth sorriu para Travis e afagou Harvey, querendo na verdade afagar Travis e sorrir para Harvey. - Quer trocar de calça antes de sairmos para almoçar? Travis balançou a cabeça. - Logo secarei ao sol - disse vagarosamente. - O lugar aonde vamos tem um jardim que leva ao rio e fiz reserva para uma mesa do lado de fora. Enquanto saíam da casinha em direção ao carro de Travis, Beth torceu para não parecer tão aturdida quanto realmente estava. Ridículo, mas ela se sentia quase como se o tivesse visto sem roupas. Não era a primeira vez que veria um homem nu, pelo amor de Deus. Keith não tinha vergonha de mostrar o corpo. Então, por que ver Travis daquele jeito havia mexido


tanto assim com ela? Ela ainda estava ponderando sobre seus caprichos vinte minutos depois, quando eles chegaram ao charmoso pub em estilo antigo. A construção centenária tinha o teto coberto de palha e ornamentos de latão, além de uma fogueira enorme e antiga. A casa estava cheia, mas logo apareceu uma loura oxigenada, baixinha e gordinha, muito sorridente. - Travis! - Ela o envolveu com os braços e deu-lhe um beijo estalado nos lábios. - Estava na hora de dar as caras por aqui. Outro dia mesmo eu estava dizendo a Dave que fazia semanas que não o via! - Desculpe, Mavis. - Travis se desvencilhou do abraço e trouxe Beth para perto. - Gostaria de lhe apresentar Beth - disse suavemente. - Beth, esta é Mavis, a dona do estabelecimento, que também é casada com meu grande amigo Dave. Foi quando vim passar uns dias na casa deles que fiquei sabendo da casa à venda e resolvi comprá-la para os fins de semana aqui. - Prazer em conhecê-la, Beth. Mavis se virou para ela e Beth sentiu os olhos azuis fortemente maquiados examinarem seu corpo de cima a baixo. Um pouco atônita, ela murmurou: - Oi, Mavis. Prazer em conhecê-la também. - Eu guardei sua mesa, Dave disse que você vinha - Mavis disse a Travis. - Está com a calça molhada. Que diabo andou fazendo? - Dando banho no cachorro de Beth. Fomos dar um passeio com ele depois do café-da-manhã e ele conseguiu ficar imundo. - Certo. - Mavis assentiu. - E vocês também, não é? Beth viu o brilho em seus olhos ao olhar para os dois. Desta vez, Beth não demorou a dizer: - Travis apareceu lá em casa pela manhã depois de comprar a maioria das guloseimas de uma delicatéssen, portanto, se eu não fizer justiça à sua comida, a culpa é dele. - Ah, não se preocupe, querida, temos de tudo à escolha aqui. Se quiser algo leve, o salmão com camarão ao molho de endro é uma delícia. Vocês podem ir para o jardim que vou levar as bebidas. O que vão querer? Depois de fazer o pedido a Mavis e acenar para Dave, que estava no bar, Travis pegou-a pela mão e saíram para o jardim. Não era o que Beth esperava: o local tinha um clima quase caseiro, o que era raro. As pequenas mesas e cadeiras de ferro estavam espalhadas aqui e ali por entre canteiros luxuriantes e arbustos perfumados, com várias árvores oferecendo


sombras agradáveis. O jardim ficava em uma pequena encosta que terminava nas margens do rio, e havia uma cerca para proteger as crianças das águas profundas e um exército de patos e cisnes espalhados ao longo da outra margem do rio. Travis parou em uma pequena mesa para dois que ficava ligeiramente à parte, sob a sombra de uma bétula. Só depois que estavam acomodados ele perguntou baixinho: - Por que está tão na defensiva, Beth? É realmente tão impossível alguém imaginar que somos amantes? Ela o encarou, corando. - Não entendo o que quer dizer - ela mentiu. - Ninguém disse nada sobre sermos amantes. - Eu vi seu rosto. - Ele não piscava os olhos. -Travis... - O que há comigo que a faz pensar que termos intimidade seria algo tão repugnante? Ele estava com raiva. Estava escondendo isto sob o exterior controlado, e sua voz não tinha calor, mas ela sabia que ele estava com raiva. Engolindo em seco, ela murmurou: - Não é nada disso. Já lhe disse que não consigo me envolver com ninguém; não quis que Mavis pensasse que existe algo sério entre nós, só isso. - Não é que você não possa se envolver, Beth. Você não quer. - O quê? - Ela desviou o olhar, o rosto ardendo. - Você disse que não consegue se envolver com mais ninguém. Não é verdade. Você é livre. Pode fazer o que quiser com o resto de sua vida. Eu disse que não tenho expectativa nenhuma e que podemos levar a coisa bem devagar, então pode me fazer o favor de ao menos fingir que está à vontade e aproveitar nossos momentos juntos? Está ficando um pouco desconfortável essa sensação de que você parece pensar que eu vá pular sobre você a qualquer momento. - Não estou. - Um nó se formava em sua garganta. De repente, tudo pareceu estar errado e ela ficou abalada pela rapidez com que isto aconteceu. E certamente não era por achar que ele ia forçar a barra sexualmente; na verdade, era medo de não conseguir manter as mãos longe dele por muito mais tempo. Precisava dizer alguma coisa, mas não sabia o quê. - Não? - Ele se aproximou mais e pegou sua mão. - Então por que está tremendo agora? Que droga, você me faz sentir como se eu fosse o Marquês de Sade. Autoproteção mesclada com confusão e culpa. Ela não queria fazer Travis se sentir mal, mas não sabia como explicar sem se abrir demais, ficando vulnerável além da conta. Travou uma batalha interna por momentos que pareciam intermináveis, mas respirou fundo.


- Tenho medo de acabar gostando de você mais do que quero - ela disse, enfim. - Eu não estava pronta para conhecer ninguém quando nos encontramos. Não queria sentir atração por homem nenhum por muito, muito tempo. Os olhos dele continuaram fixos sobre ela. - Só isso? - Só isso? - Que atrevimento. Ela acabava de expor a alma para ele, e Travis agia como se não fosse nada. Ele suspirou levemente, mas a expressão de seu rosto ficou mais suave e ele voltou a parecer o Travis que ela conhecia. - Beth, nunca tive dúvida de que você precisa se reequilibrar. E, francamente, prefiro que a mulher que está na minha cama tenha cem por cento de convicção de que quer estar lá. Entendeu? Não é só seu corpo que quero em meus lençóis - ela estremeceu, foi incontrolável, e então ele abaixou os olhos cinzentos -, quero você. Está bem? Mente, alma e espírito. O céu estava muito azul às costas dele e Beth ouviu o grasnido dos patos enquanto sentia os raios de sol aquecendo-lhe a pele. Ficou pensando em qual seria a reação dele se lhe pedisse para levá-la para a cama, pois era isso que cada fibra de seu corpo desejava. Iria de encontro a tudo que ela disse, mas mesmo assim, as palavras estavam na ponta da língua. - Então, aqui está. Desculpe o atraso, mas isto aqui está uma loucura. - Mavis trouxe a garrafa de vinho que Travis havia pedido, duas taças e dois menus. -Dave vem vê-lo depois - ela disse a Travis -, e ele já disse ao cozinheiro para separar duas pernas de carneiro, caso você peça o de sempre. Ele deixa marinar no vinho do porto e molho de groselha. - Voltou-se para Beth, incluindo-a na conversa. - Mas é claro que há vários outros pratos, se quiserem. Vou deixá-los escolher. - Deu um sorriso luminoso para ambos. - Volto daqui a pouco para pegar o pedido. E saiu. - Ela é cheia de energia. - Travis reparou na expressão levemente divertida de Beth. Enquanto Dave é a criatura mais reservada do mundo. Típico caso de opostos que se atraem, mas seu casamento é sólido como uma rocha. - Há quanto tempo são casados? - Beth perguntou, ansiosa em mudar de assunto, e internamente perplexa de como quase havia renunciado àquela história de fazer as coisas devagar. Por sorte, Mavis apareceu na hora certa. - Dez anos. Estávamos todos na faculdade, mas eu conheço Dave desde o colégio. Ele se mostrou um bom amigo quando Kirk morreu.


Beth ficou olhando para ele. Travis começou a servir o vinho com a mão firme, a voz estável, mas ela sabia que era doloroso para ele pensar no irmão. Para evitar que a conversa fosse por aquele caminho, ela então perguntou: - Eles têm filhos? - Cinco. - Travis sorriu ao ver como ela ficou boquiaberta. - Mas há dois pares de gêmeas. Na família de Mavis há muitos casos. Primeiro tiveram um menino, depois vieram as meninas. Dave diz que às vezes é uma loucura. - Uau. - Beth estava realmente impressionada. - Eu entregaria os pontos no terceiro filho. - Mas você deve levar em conta a paixão - Travis disse gravemente. - Pelo que entendi, a última gravidez foi resultado de uma daquelas noites loucas em que precauções nem passam pela cabeça. Beth se recusou a corar, pois sabia que era isso que ele esperava. Também se recusava a se render ao encanto de sua voz nebulosa e àquele seu jeito de olhar. - Felizardos. - Ela pegou sua taça de vinho e deu alguns goles. Pronto, assim era melhor. Estava voltando ao controle de si mesma. - Mas imagino que a vida deve ser meio frenética com cinco filhos. Ainda mais com um pub para tomar conta. - Os pais de Mavis moram com eles no pub; eles trabalham juntos e estão sempre disponíveis para ajudar - Travis passou-lhe o cardápio. - Para mim não daria certo; eu quero minha vida só para mim. Mas eles vivem muito felizes. Ele se aproximou novamente, tocando com as pontas dos dedos a fina alça caída do vestido dela e puxando-a de volta para o ombro. Seu toque deflagrou um incêndio na pele de Beth, que gemeu por dentro. - Sua pele parece seda. Seda esquentada pelo sol, suave e delicada. Um homem pode se perder em tamanha suavidade, sabia? Ela quis fazer algum comentário leve e dispersivo, algo que mudasse o tom do momento sem criar embaraço, mas não conseguiu. Ficou apenas olhando para ele, sentindo o coração trovejar. - Quero fazer amor com você até você esquecer o dia em que está, o mês, o ano, até que não haja nada no mundo a não ser nós dois e o que estaremos fazendo um com o outro. Seria deste jeito, eu sei. O resto do mundo desaparecendo como se não existisse. - Então ele se recompôs na cadeira e pegou o cardápio, com a voz de repente chocantemente prosaica: - Mas


até então eu terei de ser paciente. A propósito, a perna de carneiro é fantástica. Eu recomendo enfaticamente que experimente.

CAPÍTULO OITO

A perna de carneiro estava mesmo fantástica, bem como o resto da comida. Quando tomavam o cafezinho após a refeição, o jardim estava praticamente deserto e o pub, fechado. Mavis e Dave foram até a mesa deles e se sentaram para uma longa e divertida conversa. Em determinado momento, os pais de Mavis chegaram com as crianças. O menino, que parecia ter seus 7 ou 8 anos, adorava Travis e insistiu em ficar sentado em seu colo o tempo todo. A avó saiu logo, pois teve de levar as meninas para dormir. Beth reconhecia que achava estranho ver Travis com o menino. Para um homem tão grande e másculo, ele chegava a ser extraordinariamente delicado com o garoto, e perfeitamente à vontade no papel de "tio Travis". Ela não sabia por que, mas não esperava que ele fosse tão natural com crianças. Daria um ótimo pai. Saíram às 17 horas, para que Mavis e Dave pudessem se preparar para abrir novamente às 18h30. Várias impressões diferentes começaram a girar na cabeça de Beth, tanto que chegou a pensar que ficaria com enxaqueca. A cada encontro, Travis parecia mostrar um lado diferente de sua personalidade, ou, quem sabe, ele estava simplesmente se abrindo mais. Fosse o que fosse, era desconcertante. Ela esperava ficar cada vez menos atraída por ele à medida que o fosse conhecendo melhor, mas estava acontecendo o contrário. O que não era bom. Ou era? Ele pouco falou durante o caminho de volta, e Beth estava imersa em seus pensamentos. Todos sobre ele. Fazer sexo com um homem que era praticamente um estranho, só pelo sexo em si, nunca passara por sua cabeça. O problema é que Travis não era mais um estranho. Longe disso. Na verdade, era impressionante como já sabia tanto sobre ele apesar de conhecêlo há tão pouco tempo. Mas ainda assim, sentia que não sabia tudo. O que não fazia sentido. Aliás, nada fazia sentido. A única coisa consistente em toda aquela história era a inconsistência dela própria, pensou com amargura. Por que Travis foi se importar com ela, não sabia. Para ele, devia parecer uma louca. Chegaram à casa dela. Beth percebeu com certo choque que não reparou quando ele estacionou o carro. Travis saiu do Aston Martin, abriu a porta para ela, e a acompanhou até a


entrada de casa. Quando ela foi procurar a chave ele segurou sua mão. - Prefiro me despedir antes que Harvey apareça - ele disse com ironia bem-humorada, tomando-a em seus braços antes que ela pudesse dizer qualquer coisa. Levou sua boca à dela com tamanha certeza que não deixava margem para objeção, não que Beth quisesse resistir. Na verdade, ela estava esperando por este momento nas últimas horas, acabou inevitavelmente percebendo. Ela se rendeu à indescritível sensação que a inundava, tremendo à medida que o beijo se intensificava. Travis pôs a mão em seu traseiro enquanto ela se encaixava a ele, que estava com as pernas ligeiramente abertas, se deliciando ao sentir o corpo de Beth, o calor de seus lábios. Quando ela começou a corresponder o beijo, ele soltou um gemido gutural e lhe abarcou um dos seios com a outra mão, e Beth sentiu agulhadas de prazer por toda sua pele. Beth levou a mão aos ombros dele, sentindo a força dos músculos sob os dedos com uma espécie de triunfo curioso. Era bom demais saber que podia despertar tamanho desejo em um homem como Travis, e, sem dúvida, ele a desejava. Seu coração martelava o peito sólido, ele estava arfando e ela sentia a manifestação feroz de seu desejo contra os contornos delicados de seu ventre. Assim, foi um choque quando ele tirou seus lábios dos dela pouco depois, afastando-a de si, ao mesmo tempo delicado e firme. - Tenho de ir. Até semana que vem, Beth. Ela ficou olhando para ele; por um segundo não conseguiu assimilar que ele estava indo embora. Não queria que ele fosse. - Travis... - Boa noite, Beth. Sonhe comigo, está bem? Voltara ao controle, apesar de ainda estar respirando com dificuldade, o peito subindo e descendo sob o fino tecido da camisa. Os olhos dele continuavam concentrados e alertas, sua boca ligeiramente contraída enquanto se afastava. Ela não podia dizer mais nada; as palavras lhe fugiram enquanto o observava voltar para o carro. Tudo dentro dela gritava para que corresse atrás de Travis, implorando para ele continuar o que havia começado. Mas o fato de ele ter conseguido deixá-la é que a deteve. Ela não o entendia. Não entendia como ele conseguia ir embora em um momento daqueles, pensou febrilmente, enquanto o potente veículo desaparecia em uma nuvem de poeira. Afinal


de contas, ele era um homem experiente, mundano, acostumado a interpretar sinais sexuais e desejos não verbalizados. E não se pode dizer que ela tivesse escondido o que estava sentindo. Foram os latidos ressentidos de Harvey que a trouxeram de volta à realidade. Abriu a porta rapidamente e o cão a olhou com reprovação antes de sair de dentro de casa, só para voltar a encará-la com expressão de desagrado. - Sim, é isso, ele foi embora - Beth disse, irritada. - E também não estou contente por isso, certo? Mas parece que ele pode nos pegar ou largar, então é melhor ir se acostumando. Harvey a observou por mais um momento com seus comoventes olhos castanhos e voltou para dentro de casa, dando a entender que, já que ela o deixara preso em uma gloriosa tarde de verão, além de tê-lo privado da companhia de seu humano favorito, o mínimo que podia fazer agora era preparar seu jantar.

A noite estava quente demais, mesmo sendo verão. O equilíbrio de Beth começou a se restabelecer quando ela se recolheu. Teria sido um erro impulsivo ir para a cama com Travis, pensou pela enésima vez. Um erro gigantesco. Ele lhe fizera um favor ao interromper. Sem dúvida. Ela só queria que tivesse sido ela a interromper, só isso. Era irritante saber que ele conseguia resistir a ela a seu bel-prazer. O piado da coruja lá fora não a emocionou como de costume. - Não vou pensar nisto nem mais um instante. - Falou em voz alta, esperando que o som de sua voz deixasse as coisas mais claras. - Só vou revê-lo daqui a uma semana, e tudo bem. Se ele aparecer no fim de semana, sem dúvida vai ser agradável. Se não... Houve vida antes de Travis Black e continuaria havendo depois dele. Não havia problema nenhum, a não ser que ela o criasse. Simples. Agora tudo que ela precisava fazer era dormir. Beth já tinha tomado uma aspirina para a enxaqueca antes, e agora se pôs a empregar técnicas de relaxamento que aprendera depois que terminou seu casamento. Toda vez que seu pensamento se voltava para Travis, ela retomava o controle. Não era fácil, mas ela persistiu. E persistiu. E persistiu. Não obstante, já era bem tarde quando finalmente conseguiu cair num sono cheio de sonhos perturbadores, de que não conseguiu se lembrar ao acordar. Só sabia que Travis havia estado em todos eles.


Os próximos dias transcorreram à moda agradavelmente preguiçosa que já lhe era costumeira desde que mudara para Shropshire. Saindo para caminhadas com Harvey, comendo quando sentia fome, dormindo quando o sono chegava. Mas agora isto não bastava. Estava faltando alguma coisa. Ela não teve coragem de examinar exatamente o que era, mas à medida que se aproximava a sexta-feira, ela foi ficando eriçada como gato em teto de zinco quente. Na quinta-feira, Beth passou o dia limpando a casa até estar tudo brilhando, e na sexta, cuidou do jardim. O tempo continuava bom, apesar das previsões de chuvas pesadas ao fim da onda de calor. Ouviu o carro se aproximando muito antes de vê-lo. Era o meio da tarde e ela estava cuidando de novos canteiros de flores que criara no jardim da frente. Com o coração aos pulos, ela ficou de pé e levou a mão um pouco trêmula para proteger os olhos ao se voltar para a avenida em frente de casa. Harvey evidentemente também reconheceu o som do carro, pois saiu pulando em direção ao portão e começou a gemer, animado. Quando Travis saiu de sua Mercedes, ela já havia conseguido se recompor. Sua voz soou simpática e o sorriso foi caloroso, mas não em excesso. - Oi - ela disse. - Saiu, do trabalho mais cedo desta vez, não é? Ele abriu e fechou o portão, dando tapinhas em Harvey para depois se dirigir a ela. - Fiz questão - disse, a voz obscura como veludo. - Nada me impediria de vir. - Ótimo. - Ela não sabia mais o que dizer, não com ele tão perto e tão apetecível. Ele observou o rosto dela por um momento com um meio sorriso nos lábios. - Suave como seda, cabelos despenteados, boa de beijar - ele murmurou. - Pensei nisto a semana toda. - Então a envolveu em seus braços. Foi um beijo apaixonado, mas contido, e Beth sentiu o controle total que ele tinha sobre si mesmo. Depois ele a afastou de si, mas a força de seu corpo, seu cheiro, seu toque já a deixaram em um estado de ansioso prazer misturado a um profundo desejo. - Que tal você se limpar enquanto ponho Harvey na caminhonete com Sheba e Sky e vamos jantar lá em casa? Estou trazendo uns filés e outras coisas. Ela fez que sim, principalmente porque não acreditava que pudesse falar direito naquele exato momento. Ele a beijou outra vez e foi para o carro com Harvey. Beth ficou satisfeita de ter tempo para se recompor enquanto tomava banho e trocava a camiseta e short por um suave vestido de verão. Sentira falta dele naqueles dias, reconheceu


para si mesma enquanto escovava os cabelos. Só não sabia que tinha sentido tanta falta assim, até ouvir a caminhonete se aproximando. Mas ela não perdeu a mensagem que seu beijo lhe enviou. O beijo dizia que ele queria jogar limpo, no tempo dela. O que era bom. Ou seria, se ela soubesse qual era seu tempo. Quando Beth saiu de casa para encontrar Travis e os cães na caminhonete, o primeiro dos pingos grossos de chuva começou a cair, e um trovão irrompeu no céu. Mas tudo bem. Nada importava mais porque ela teria o fim de semana inteiro com Travis. Só de pensar ficava inebriada. Olhou para ele pela janela do veículo e seus olhos, cinzentos como as nuvens que se espalhavam pelo céu azul, mas ainda assim muito claros, sorriram para ela. Beth sentiu seu coração saltar. - Estava pensando em fazer um churrasco, mas talvez seja melhor algo à luz de velas dentro de casa. Que tal? - Ótimo. - Ela entrou no carro torcendo para aparentar mais tranqüilidade e controle do que na verdade tinha. - Parece ótimo. Ele se aproximou, o rosto bem perto, os olhos de cílios pesados cintilando, concentrados nela. Ele tocou-lhe o queixo com o dedo e continuou descendo lenta e sensualmente pelo pescoço até o meio dos seios. - Belo vestido - sussurrou ele, beijando-a nos lábios, e então deu partida no carro. - Obrigada. - De nada. - Sorriu para ela com um olhar atrevido, o que a fez pensar se não devia ter escolhido um vestido com decote mais discreto. Mas aquele vestido sem mangas, todo branco e com enfeites em azul profundo, deixava à mostra boa parte de seu recém-adquirido bronzeado. E ela queria ficar bonita para ele. Bonita... A palavra soou como um deboche. Não queria apenas ficar bonita para Travis, queria... Beth interrompeu os pensamentos rudemente, se recusando a reconhecer a perceptível eletricidade no ar, e que nada tinha a ver com o tempo cada vez mais fechado, e sim com aquele homem alto e moreno ao seu lado. - Sua semana foi boa? - ela perguntou. -Mais ou menos. Jantares solitários, desjejuns ainda mais solitários.


Beth engoliu em seco. Se ela estava entendendo bem... - Não precisa ficar sozinho por minha causa - ela disse cuidadosamente. - Quero dizer, não espero que você mude sua vida porque estamos saindo quando você vem para cá. Se você quiser... sair com outras mulheres, tudo bem. - Mudar minha vida? - Sua voz estava firme, até impessoal, mas havia alguma coisa que a fez perceber que o havia irritado. - Que tipo de vida você acha que eu levo, Beth? Uma orgia de casos de uma noite só? Uma ciranda de mulheres em minha cama? Talvez você ache que eu tenho uma agenda de telefones secreta? Não, ela não achava nada disso. Travis não era promíscuo, ela podia apostar. Era um homem extremamente consciencioso e inteligente que queria mais do que mero prazer físico de qualquer mulher com quem se envolvesse. Como ela podia saber disso, não sabia ao certo, mas sabia. - Não quis insinuar isto. - Baixou os olhos para as próprias mãos, imaginando por que parecia destinada a estragar as coisas entre ela e aquele homem. - Não acho mesmo que seja assim. - Não? Tem certeza? Ela levantou a cabeça e olhou para aquele perfil duro. - Sim, tenho certeza - disse com firmeza. Por um momento, explosivo silêncio tomou conta do ar. - Ótimo. - Uma única palavra, e sua voz estava calorosa novamente. - Mas, para seu governo, quero apenas enfatizar que uma mulher de cada vez é mais que suficiente para mim, especialmente se a mulher em questão for uma arquiteta de olhos azuis. Certo? Aconteça o que acontecer entre nós dois. Entende o que digo? - Só estava querendo dizer... - Eu sei o que você estava querendo dizer, Beth - ele disse com tom impessoal. Desta vez o silêncio foi mais curto, mas tão carregado quanto o anterior. - Mas quero fidelidade também; a regra vale para os dois. Assim a gente sabe onde está pisando. Será que ele realmente achava que haveria a mínima chance de ela se interessar por outro homem tendo ele por perto? - Nem em meus sonhos eu sairia com outro - ela disse com verdadeira indignação. - Claro que não.


- E nem eu. - Ele sorriu, e havia graça em sua voz. - Então, tudo bem. Estamos de acordo no que é essencial, o que é realmente um bom começo para qualquer relacionamento. É bom deixar as coisas claras, não é? Deixar as coisas claras? Ela não respondeu, mas tinha consciência das brumas nas quais mergulhava mais e mais, fazendo-a perder o rumo. Ele lhe dava medo. Ele a fascinava e a perturbava e lhe fazia trazer à tona todo tipo de loucos pensamentos e sentimentos, que semanas atrás poderia jurar ser incapaz de sentir. Mas, apesar de tudo, não conseguia tirá-lo de sua vida. Ainda não. Ficaria arrependida depois se o fizesse. Esta... atração entre eles tinha que seguir seu curso para depois desaparecer lentamente, como sempre acontecia. Só assim ela poderia descartar esta história como um acidente de percurso. Chegaram à casa dele. Travis abriu a parte de trás da caminhonete e os três cães saltaram. Harvey parecia extremamente contente. As duas cadelas o aceitavam plenamente e ele estava feliz da vida com a companhia canina. A fina chuva de verão havia se transformado em temporal, e ao entrar na casa, Beth estava ensopada. Travis foi ao armário no andar de baixo e voltou com uma toalha felpuda. - Tome. - Deu-lhe a toalha, sacudindo os próprios cabelos sem se importar com os respingos. Vou fazer café, ou talvez você prefira uma taça de vinho? Preferia, sim. Precisava de algo mais forte que café após ver Travis molhado e sexy daquele jeito, sua masculinidade acentuada pela camisa moldando o peito musculoso e pela barba já crescendo. Ao chegar à enorme cozinha, Beth se sentou em um banco e tentou fingir que estava calma, tão calma quanto a chuva batendo na janela e os trovões aterrorizantes no céu. Ela nunca ficava confortável durante tempestades, mas com três cães tranqüilos como monges e Travis inteiramente à vontade, ela podia morrer que não demonstraria medo. Entretanto, quando um raio especialmente luminoso riscou o céu, ela se sentiu encolher e logo aqueles olhos cinzentos e penetrantes estavam em seu rosto. - Tudo bem? - Travis perguntou suavemente. Beth assentiu. - Tudo bem. Foi só um susto. - As tempestades de verão são as piores. Ela abriu a boca para concordar com ele, mas não conseguiu, pois o mais tremendo estrondo


que ouvira na vida fez tremer todas as janelas. Não conseguiu se conter e soltou um grito, mas quando os cães ficaram de pé, latindo como loucos, seu grito se perdeu na confusão. Travis a envolveu em seus braços e murmurou tranquilizando-a: - Está tudo bem, não entre em pânico. Acho que o raio atingiu algo lá fora, não a casa. - Mas foi barulhento demais. - Ela estava tremendo. Ele a fez se sentar no banco novamente e foi até a janela olhar para o selvagem entardecer, a chuva escorrendo pela janela. - Parece que foi um daqueles carvalhos antigos - ele disse, depois de alguns instantes. - O raio o partiu em dois. Beth foi até a janela também e levou a mão à boca de horror e fascinação ao ver metade da árvore caída no chão, com os galhos quase atingindo o muro da casa. - Coitadinha - murmurou. - Não tem recuperação, não é? - Realmente um galho dos grandes foi arrancado do tronco, mas você ficaria espantada de ver como a natureza se recupera. Vou chamar um arborista, com jeitinho ele pode conseguir recuperá-la. De repente, Travis parou de falar. Beth olhou para ele, que a tomou nos braços novamente. Seus beijos eram doces e inebriantes, suas mãos largas, poderosamente gentis e experientes começaram a lhe dar prazer. Beth sentiu o calor de seus dedos através do tecido fino do vestido, em um ataque sensual lento e lânguido, mas encantadoramente erótico. Beth tremeu, levando a língua aos dentes. Aquelas mãos operavam milagres em sua pele sedosa; ela arfava descontroladamente. Com a boca, ele lhe percorreu o rosto, as orelhas, o pescoço, seus beijos ficando mais intensos até que estavam ambos quentes e ardentes. Travis estava lhe despertando um prazer atrás do outro com as mãos e a boca, e aos poucos, foi mergulhando o nariz nos recônditos perfumados de seu colo e murmurando seu nome com uma voz nebulosa que a fez tremer dos pés à cabeça. O gosto, o cheiro dele, fez sua cabeça girar e Beth viu que quanto mais perto de Travis, melhor. Gemidinhos saíram de sua garganta quando ela abraçou seus ombros largos. Ele lhe despertava um desejo que a fazia incendiar por dentro, um fogo que se espalhava perigosamente, e ela nem pensou em se afastar ou tentar cortar o encanto entre eles. Aquele era um mundo diferente, um universo à parte, todo o resto desaparecera.


Quando ele a pegou no colo, soube para onde estavam indo e nada fez para impedi-lo. Por isto, mal pôde crer quando, ao invés de subir as escadas como ela havia pensado, ele a levou para a sala cheia de imponentes móveis de carvalho e se sentou em um sofá com ela em seu colo. Então, começou a beijá-la novamente e Beth parou de pensar. Não se importava mais para onde iam, contanto que continuasse nos braços dele. Seu corpo suave combinava bem com a máscula rigidez do corpo dele, parecia que haviam sido criados para isto. Seus beijos e carinhos foram ficando mais ousados, mais sedentos, levados pelas reações positivas de Beth. Seu corpo revelava o desejo que sentia por ele, tanto quanto os grunhidos guturais e a excitação de Travis, que estava rígido como pedra, confirmavam o que ela despertava nele. Não dava para saber quanto tempo ficaram naquele enlace sensual, mas à medida que a chuva foi parando e a claridade começou a voltar lá fora, Beth percebeu que Travis não pretendia avançar mais. Seus beijos ficaram mais suaves, mais leves, suas mãos pararam seu percurso e ele lhe ajeitou o vestido e se levantou, ainda com ela nos braços. Gentilmente, a pôs no chão. Incredulidade e desejo se misturavam em sua mente. - Travis? Foi um murmúrio confuso, por um momento algo cintilou naqueles olhos cinzentos, fazendoa pensar que ele ia mesmo levá-la para cima. - Ainda é cedo - ele disse baixinho, respondendo à pergunta estampada no rosto dela. - Tudo isto é muito novo para você, não é? Seu corpo diz isto. Ela ficou tensa, a rejeição lhe empalidecendo o rosto. - Já fui casada - observou rispidamente. - Já fiz amor antes. - Acho que não. - E, quando ela quis responder, ele pôs o dedo em seus lábios. - Você já foi usada por um homem antes - continuou bem lentamente -, mas não é a mesma coisa. Ele não lhe deu tempo para despertar, para lhe trazer à vida. Ah, ele provavelmente lhe deu algum prazer, não estou lhe dizendo que a forçou. Mas estava mais preocupado com o próprio prazer do que com o seu. - Como pode dizer isto? Você não conhece Keith. - Por um momento, ela se perguntou por que estava discutindo com ele, já que havia sido ela quem insistira em não se envolver, nem fisicamente nem de jeito nenhum. - Por você, já sei de tudo que preciso saber sobre ele. - Enquanto o nervosismo a fazia falar com sílabas curtas, Travis estava calmo e tranqüilo. - Ele não lhe reverenciou com o corpo,


Beth. Ele não passou horas a conduzindo a píncaros de prazer até você achar que fosse morrer de êxtase. Ele não passou a noite toda tocando-a, dando e recebendo. Não teve finesse, não quis saber o que você queria, do que precisava. Eu sei disso. E agora, pela primeira vez na vida, você está sentindo como as coisas podem ser entre um homem e uma mulher, e está perplexa. Ele deu um passo para trás, o rosto duro, sem expressão alguma. - E que bom que está. - Ele deu um sorriso indecifrável. - Já é um começo. Mas quero mais do que sua curiosidade, seja em termos de sexo ou o que for. Assim, vamos nos conhecer melhor primeiro, como combinamos. Beth achou que ela havia decidido assim. Agora já não tinha tanta certeza. Olhou para Travis sentindo o chão lhe faltar sob os pés novamente, logo agora que ela havia conseguido chegar à terra firme. Então, foi novamente tomada pelas mesmas sensações de antes, de vergonha, humilhação e rejeição que vieram depois da traição de Keith. A despeito do que Travis dissesse, ele não a queria, não a queria o suficiente, senão a teria levado para a cama no momento em que soube que ela o desejava. - Eu a quero, Beth. - Como já fizera diversas vezes antes, ele leu a mente dela. -Vou lhe provar isso. Juro. Mas agora você tem de confiar em mim. Beth desviou o olhar, mas eleja havia capturado o que seus olhos transmitiam, como demonstrou por suas próximas palavras. - E você ainda não está pronta, está? Então... Vamos esperar. Até você entender. - Entender o quê? - O ar ficou pesado outra vez. - Um dia você vai entender. - Ele pegou a mão de Beth com firmeza. - Vamos terminar aquele vinho.

CAPÍTULO NOVE

Nas semanas seguintes, Beth ficou pensando que quanto mais conhecia Travis, menos o entendia, e a si mesma, também. Agora aceitava que ele a havia persuadido a sair de seu retiro, ao menos nos fins de semana. Ele a apresentou a seus amigos no distrito. Sandra apareceu algumas vezes, e as duas se deram muito bem.


No final de agosto, quando já se conheciam por três meses, Travis resolveu dar uma grande festa em seu aniversário de 35 anos, convidando vários amigos de Bristol e de todo o país, além do pessoal de Shropshire. Catherine e Michael também compareceram, e a irmã de Beth reafirmou sua aprovação total a Travis ao longo do fim de semana. - Ele é lindo, Neddy. Mas você sabe disso, não sabe? - Catherine disse, suspirando sonhadoramente naquela tarde de domingo. Elas estavam sentadas em uma cadeira de balanço sob a sombra de uma árvore enquanto os outros saboreavam um churrasco debaixo do céu azul brilhante, em meio ao barulho de conversas e risadas. Sim, Beth respondeu. Sabia disso. - Quero dizer que ele é tudo que uma mulher pode querer. - Catherine garfou um suculento camarão e então acrescentou com sagacidade. - E aposto que eu estava certa no quesito cama, não é? Ele é pura dinamite, pode dizer. Beth deu um sorriso frágil. - Você sabe que não sou de contar estas coisas. - Abra uma exceção. Só desta vez... - Desculpe. - Beth comeu um pedaço do filé. - De qualquer forma, sei que tenho razão. - Catherine sorriu, feliz. - Já vi o jeito como vocês olham um para o outro. Vocês dois pegam fogo. Beth deu um beliscão de leve nas costas da irmã e ambas deram risada, mas quando o domingo acabou e Beth ficou sozinha novamente, aquela conversa não lhe saiu da cabeça. Catherine não acreditaria se ela dissesse que ela e Travis ainda não tinham ido para a cama. Ninguém acreditaria. Todos achavam que eles dois eram um casal no sentido pleno da palavra, por isso todos ficaram surpresos quando, no fim da festa, ela voltou para casa. Não que alguém tivesse dito algo de concreto, claro. As pessoas eram educadas demais para fazer algo assim, mas Beth reparara em seus rostos e sabia exatamente o que estavam pensando. Ela ficou com vergonha, sentindo-se mal. Mas Travis, não. Beth ficou se perguntando. De fato, ele parecia não ligar a mínima para o que as pessoas pensavam. Típico dos homens. Ou seria típico de Travis? Porque Travis, definitivamente, não era um homem comum. Não encontrava palavras para classificá-lo. Era um indivíduo muito táctil, cheio de experiência na arte de fazer amor, isto com certeza, mas sempre parava antes que as coisas fossem longe demais. Para sua consternação, várias


vezes ela ficou a ponto de implorar que ele fosse até o fim, pois seus beijos e carícias lhe despertavam tamanho desejo que o orgulho desaparecia. Mas algo a detinha. Uma palavrinha só. Confiança. Se Travis lhe perguntasse, como ela sabia que perguntaria, ela não daria a resposta que ele queria. Não confiava nele. Nem em homem nenhum. Jamais confiaria de novo. Suicídio emocional não era uma opção. Suspirou tão pesadamente que Harvey veio pôr sua cabeça enorme em seu joelho, interrogando-a com seus olhos castanhos. Haviam acabado de tomar o desjejum e normalmente ela saía para o jardim, ou o levava para caminhar imediatamente depois que terminava de comer. Mas o fim de semana fora particularmente desconcertante, provavelmente por ter enfatizado algo que ela já estava tentando ignorar por semanas. Não podiam continuar daquele jeito. Aquilo era ridículo. A coisa toda ficava mais ridícula a cada semana. Haviam chegado a um impasse. - Vamos dar uma caminhada? - sugeriu a Harvey. A palavra mágica o fez correr para a porta da frente e, apesar de seus pensamentos, Beth teve de sorrir com tanta exuberância. Como Harvey se acostumaria novamente com a rotina de Londres, não sabia. Sentiu um arrepio. Saberia deixar Shropshire quando chegasse a hora. Saberia deixar Travis quando chegasse a hora. O dia e a hora certa. Parou para encher sua pequena mochila com duas garrafas de água e um lanche e saiu, determinada a caminhar para espantar a tristeza. Sempre dava certo, daria certo agora também. Faria dar. Só que não deu. As colinas verdejantes, a estranha casinha enfiada entre os pomares e cercas vivas, os rios brilhantes serpenteando por entre as árvores e montes de todos os tamanhos e formatos, tudo continuava lá. Alamedas íngremes, pontes de pedra, picos, arbustos escuros, campos sossegados... Beth e Harvey passaram por tudo isso. Mas a paz que este cenário costumava lhe dar não estava mais lá. O ar perfumado, a alegria de Harvey, nem mesmo o martim-pescador vivamente colorido que avistou, nada disso a entusiasmou. Qual era o problema com ela? A tarde estava caindo e ela ainda tinha mais uns dois quilômetros pela frente, mas se sentou à margem do rio e Harvey aproveitou a situação para beber da água cristalina. Pássaros gorjeavam nas árvores, a tarde tinha tudo para ser perfeita. Só que ela... estava só. Não, não estava só. Estava solitária. Era diferente. E estava sentido falta de uma só pessoa. - Não - ela disse em voz alta, como se falar ajudasse a negar o que sentia. Estaca com


saudades de Travis. Despedira-se dele na noite anterior, mas já sentia sua falta. E, ultimamente, os dias entre domingo e sexta estavam se tornando cada vez mais longos. E não era só a emoção de estar em seus braços. Era o seu humor, suas conversas, seu tempo juntos. Tudo junto. - Não quero isto. - Mais uma vez ela falou em voz alta, e agora percebeu o pânico em sua voz. Não o queria em sua vida. Ela já havia passado por aquilo e não queria de novo. Era para ser apenas um interlúdio romântico, só isso. Não era para ela se apaixonar. Apaixonar? De onde ela havia tirado aquilo? As palavras reverberaram em sua cabeça. Amor. Ela levou a mão ao coração, que estava batendo tão forte que ela chegava a se sentir mal. Ela o amava. Nunca teve coragem de admitir, mas sabia o tempo todo. Ela amava Travis Black... Beth se levantou de um só pulo, chamou Harvey, que veio correndo, mais do que pronto para voltar para casa e jantar. Não queria amar Travis, não podia amá-lo. Com o amor vinha todo tipo de complicação que não precisava ter. Caminhou de volta para casa devagar, a mente tão distraída que ficou quase surpresa ao ver a casinha banhada pela serena luz do entardecer. Travis não queria que ela se apaixonasse por ele mais do que ela mesma queria, pensou febrilmente pouco depois de servir o jantar de Harvey. Ah, ele queria sua amizade e confiança, e seu corpo também, como deixou claro. Queria que estivessem de igual para igual, tanto emocional quanto fisicamente, assim um caso entre eles não deixaria gosto ruim na boca ao terminar. Mas isto era bem diferente de amor. Um milhão de anos-luz de distância, de fato. Travis lhe dissera no começo do relacionamento que já amara e perdera o amor de sua vida, dissera com todas as palavras. Na hora, ela não entendeu como se ele a estivesse avisando de que seus compromissos com mulheres eram limitados, mas talvez aquilo fosse uma dica. Sim, pensando melhor agora, tinha certeza de que era isso mesmo. Quando Harvey acabou de comer, Beth pegou sua cumbuca e pôs dentro do tanque. Fez um pouco de café e foi com sua xícara para o pequeno jardim dos fundos, que agora estava escuro e tranqüilo. O aroma de rosas e lírios brancos carregava o ar quente, o luar iluminava discretamente, e tudo que havia era o perfume das flores e a mais perfeita tranqüilidade no ambiente. Ela poderia ser a única pessoa no mundo inteiro. Com Harvey esparramado aos seus pés, Beth ficou sentada no banco, a madeira ainda guardando o calor do dia, bebericando do cheiroso café. Como foi se deixar tomar por aquele


amor? Quando a atração sexual e a fascinação se transformaram em algo mais profundo? Ela não sabia especificar, mas que havia mudado, havia. Quem sabe não viera acontecendo pouco a pouco, ao longo das últimas semanas, quando Travis foi passando a fazer parte de sua vida, conversando com ela, revelando tanto de si, fazendo-a rir, enlouquecendo-a, apenas sendo Travis! Seria possível amar sem acreditar na pessoa? Amor e confiança eram realmente companheiros inseparáveis? Por que questionar o óbvio? Ela era a prova viva disto. Ela o amava, amava tanto que morria de medo e, se fosse fazer uma comparação, o que ela sentira por Keith fora um pálido reflexo do que sentia agora. Mas ela não confiava em Travis. Ele era homem, e era extremamente atraente, poderoso, bem-sucedido; um homem que precisaria apenas estalar os dedos para ter uma fila de mulheres à disposição. Talvez se ele fosse um "cara comum", um homem de família sem nada que o destacasse da massa, talvez assim houvesse chance de baixar a guarda o suficiente para deixá-lo entrar. Mas Travis estava muito distante de ser um "cara comum". A sua festa de aniversário indicou como eram as coisas. Todos os homens queriam ser como ele e todas as mulheres, mesmo as bem-casadas, como Catherine, achavam Travis lindo de morrer, e não escondiam isso. Quando pensava na quantidade de mulheres que olharam de forma diferente para ele... Como seria esta mulher que menosprezou o amor de Travis? Beth se pegou pensando no assunto com tamanha ênfase que segurou com força a xícara de café, teve até receio de quebrar a porcelana, e então procurou relaxar. Como alguma mulher no mundo seria capaz rejeitar Travis? Ainda mais se ele estivesse apaixonado. Ela mordeu o lábio com força e continuou sentada em meio à penumbra. A paz que aquele lugar costumava lhe dar não estava mais lá. Cinco minutos depois, se levantou ao ouvir o celular tocar na mesa da cozinha. Olhou para o relógio ao passar pela sala. Eram 11 horas. Um pouco tarde para Catherine. Seu coração começou a bater forte. Travis começara com aquele hábito de ligar para ela no fim do dia, uma ou duas vezes por semana. Até agora ela ainda se recusava a reconhecer que ficava decepcionada nas noites em que ele não ligava. - Oi, Beth. - Sua voz era profunda e cálida. - Não a acordei, acordei? Sei que está um pouco tarde para ligar. - Não, eu estava tomando café no jardim. - Do jeito como seu coração estava disparado, Beth


achou que respondeu de modo até bastante normal. - Algo errado? - perguntou cuidadosamente. - Demais. A primeira delas é o fato de eu estar em Bristol e você em Shropshire. - Houve uma pausa, a qual Beth se viu totalmente incapaz de quebrar. Então ele perguntou, muito suavemente: - Sentiu saudades de mim? Queria que eu estivesse com você? Tanto. Forçando-se a transmitir leveza na voz, Beth disse: - Ontem você foi embora tarde. - Não foi isso que perguntei. Ela fechou bem os olhos. Ultimamente, viviam brincando um com o outro, mas agora, sabendo que o amava, ela não podia continuar fazendo aquele jogo. Sabia que estava há meses mexendo com fogo. Devia saber que não era uma questão de se iria se magoar, mas quando. Pensou que havia chegado ao ponto mais baixo de sua vida quando Keith a traiu tão cruelmente. Pois estava errada. Tirar Travis de sua vida seria muito pior. Mas tinha de ser feito. Por causa de ambas as partes. Ela respirou profunda e silenciosamente e torceu para ser capaz de usar as palavras certas. Ele jamais poderia saber do poder que tinha sobre ela. Keith não foi capaz de quebrá-la, mas Travis seria. Não que ele quisesse; ela não acreditava que fosse má pessoa, longe disso, mas tudo que podia ser errado para eles como casal estava de fato errado. Ela jamais teria um momento de paz caso se tornasse mulher dele no sentido pleno. Desde o primeiro momento em que os dois dormissem juntos, ela ficaria esperando que ele se cansasse dela e fosse procurar outra mulher. E era certo de acontecer. - Beth? - A voz dele ainda estava calorosa, mas ela percebeu uma ponta de preocupação. Qual é o problema? - Problema nenhum. - Ela desejou beber algo mais forte do que café para lhe dar coragem de fazer o que estava para fazer. - Eu ia ligar amanhã, na verdade. Eu queria que você fosse o primeiro a saber de minha decisão. Estou me sentindo tão melhor que resolvi que está na hora de voltar ao trabalho, retomar minha vida. Houve um breve silêncio. - Sei. - Sem expressão nenhuma, ele continuou. - Achei que você quisesse ficar aí por um semestre. Não era este o plano? - Inicialmente, sim. - Engoliu em seco. - Mas, como disse, estou me sentindo bem agora e...


isso aqui às vezes é um pouco chato. - Tentou mentir convincentemente. O silêncio foi ainda maior. - Conversamos sobre isto no fim de semana, certo? - ele disse, enfim. Nada certo. Sabia que era covardia, mas se o visse de novo ficaria aterrorizada com o que poderia revelar. Tinha de cortar todo tipo de contato. Abriu a boca para dizer que já não estaria mais lá no fim de semana, mas algo a deteve. Travis era bem capaz de pegar o carro e vir falar com ela pessoalmente. Ficaram tão próximos nos últimos meses, próximos demais. Travis esperaria mais que o término do relacionamento a distância, e infelizmente Beth reconhecia que ele tinha todo direito. Se alguém fizesse com ela o que ela estava planejando fazer, Beth consideraria uma canalhice das mais baixas. Mas não agüentaria vê-lo novamente. - Beth? - Mais uma vez ele a pressionou, sua voz agora carregando uma nota de preocupação que a fez se sentir terrivelmente baixa. - Aconteceu alguma coisa? Você está bem? Não, não estava bem. Jamais ficaria bem de novo pelo resto da vida. Por que ele a fez amá-lo? Como pôde ser tão boba de achar que saberia lidar com a situação? - Estou bem - ela disse, impessoal. - Não está soando como se estivesse - ele disse, com raiva. Ela usou a desculpa universal. - Estou com dor de cabeça, só isso. Acho que é o calor. - Dor de cabeça. - Como era de se esperar de Travis, ele deixou claro que não estava acreditando na desculpa. - Tomou alguma coisa? - perguntou ceticamente. - Aspirina, paracetamol? - Claro. - Como ele podia sempre saber quando ela estava mentindo? Ele era um detector de mentiras ambulante. - Bem, vou desligar para que você possa ir para a cama. Boa noite, Beth. - Soou abrupto e frio. - Durma bem. Ele sequer esperou pela resposta e desligou. Beth ficou confusa. Ele não tentou persuadi-la a se abrir. Não que ela fosse se abrir, mas ele podia ao menos W tentado. Ficou parada na cozinha, com o estômago dando voltas. Ela era uma louca. Travis a enlouquecera. E sua honestidade nata a fez corrigir isto: não, não era justo. Não podia jogar a


culpa disto tudo aos pés de Travis. Depois de chorar bastante e de ficar dez minutos andando dentro de casa para lá e para cá, quase ligou para Travis, mas se conteve a tempo. Até que finalmente ela se arrastou até a cama, e o som das corujas a manteve acordada até as 4 horas da manhã. Provavelmente, caíra no sono pouco depois disso, pois a luz do sol já iluminava o quarto quando acordou ao ouvir baterem na porta da frente. - Bom dia. - Travis parecia um modelo ou coisa do tipo dentro do impecável terno claro e da elegante camisa azul-escura; seus cabelos negros cintilando à luz da manhã. Beth olhou para ele incrédula, tentando arrancar um discurso coerente do emaranhado que se formou em sua mente. -Posso entrar? - ele perguntou. - Sim, claro, entre. - Ela abriu passagem para ele, fazendo de tudo para ignorar o efeito que causava em seus hormônios aquele delicioso cheiro cítrico de loção pós-barba. Fechou a porta da frente e conseguiu perguntar: - O que está fazendo aqui? - Vim vê-la. - Não sorriu. E desta vez não trouxe croissants nem nada, ela reparou, com o coração começando a disparar. - Café? - ela ofereceu debilmente, estalando os dedos para Harvey, que como sempre recebeu Travis efusivamente. - Sim, obrigado. - Vou só soltar Harvey primeiro. - Ela abriu a porta da frente novamente e deixou o cão sair para fuçar o jardim, como de costume, e então voltou para a cozinha para fazer uma xícara de café instantâneo. Travis estava parado exatamente no mesmo lugar desde que chegou. E ainda não estava sorrindo. Ele pegou a xícara de café e agradeceu com um movimento de cabeça, recusando o convite para se sentar. Esperou que ela se sentasse no sofá para falar. - E então? - Seus olhos cinzentos a fitavam, incisivos. - O que foi isto, Beth? Pode dizer. Nenhuma tentativa de beijá-la ou abraçá-la. Uma gorda abelha entrou pela porta aberta, zumbiu alto perto da janela até achar um pote de planta. O ambiente estava profundamente silencioso.


- Isto? - ela saiu pela tangente, odiando-se por sua covardia. Mas com Travis na sua frente, a coragem da noite passada era apenas uma lembrança. - Por favor, me corrija se estiver errado, mas quando você falou em partir, não estava falando apenas de Shropshire, certo? - Não disse isso. - Ela o encarou com impotência. - Mas quis dizer - ele persistiu. Ela podia dar alguma desculpa qualquer. Rechaçar o que seria um terrível adeus. - Sim. Eu quis dizer isto. Eu... eu acho que vai ser mais simples se encerrarmos as coisas por aqui. - Mais simples? - Os olhos de Travis estavam duros como granito. - Para quem? - Para nós dois - ela disse, já com uma ponta de desespero. - Nós... Nós nos divertimos, e foi bom demais, mas em Londres vai ser difícil nos encontrarmos. A distância... - Não significa nada - ele cortou friamente. - E você sabe disso. Ele estava olhando diretamente para Beth, mas ela não soube dizer em que estava pensando. Suas expressão parecia fechada, sem emoção, como um jogador de pôquer determinado a não entregar o jogo. Ela subitamente entendeu o que fazia dele um homem de negócios tão bemsucedido. Era um oponente formidável. - Claro que significa - ela argumentou. - Relacionamentos a distância nunca dão certo. - Não estamos falando de continentes, Beth, e sim de alguns quilômetros entre uma cidade e outra. Então, vamos parar de desculpas, vamos direto ao ponto. Achei que estava tudo indo muito bem entre nós. O que mudou da noite para o dia? Alguém a aborreceu no último fim de semana? Alguém disse alguma coisa? O que foi? Ela sentiu a garganta secar e o café não ajudou em nada quando bebericou alguns goles. - Você não pode simplesmente aceitar que é melhor acabarmos por aqui? - Não posso, não, Beth. - Seu corpo estava muito rígido e controlado. - Desta vez você vai conversar comigo. Abrir esta maldita caixa fechada em sua mente. Ambos sabemos que por várias vezes eu poderia tê-la levado para a cama, e que você estava a fim. Você não é do tipo de mulher que aceita fazer amor facilmente. Estávamos conseguindo alguma coisa. Era bom. Eu pensei... - ele parou abruptamente. - O quê?


Ele fez um gesto impaciente com a mão. - Esqueça. A questão não sou eu, e sim você. Então, o que nos fez voltar à estaca zero? O que deu tão errado para você pensar em sair de fininho sem me conceder sequer a cortesia de uma explicação? Travis sabia. Não adiantava ela negar, seu rosto fortemente corado dizia tudo. Beth queria quebrar o contato visual com ele, mas não conseguia. - Eu... eu lhe disse desde o começo como eram as coisas comigo. Não vim aqui atrás de um relacionamento... - Até que me conheceu - ele interrompeu com majestosa arrogância. - E tudo mudou. Ela no começo evitou seu olhar. Sua garganta estava dolorida, sentiu ao engolir em seco. Não queria magoá-lo, pensou freneticamente, mas ao menos era só seu orgulho que seria atingido. Em poucas semanas, talvez até dias, ela seria substituída. Ele podia até encontrar alguém que suplantasse seu amor perdido. Ela ignorou a dor cega que aquele pensamento lhe trouxe, e sua voz soou oca ao dizer: - Não posso ser o que você espera de mim, Travis. Você já devia saber disto a essa altura. Ele soltou um palavrão, entre dentes, mas de maneira selvagem, e por um momento a máscara caiu. - Não quero que você seja ninguém a não ser você mesma. Nunca quis. Achei que tinha deixado isto bem claro. - Você quer que eu acredite em você. - E isto é querer muito? - Para mim, é. - Ela estava gritando agora, mas não se importava. - Não consigo. Simples assim. Não consigo acreditar em você. - Errado. - Em comparação a Beth, Travis estava mortalmente calmo. - Você não quer fazer isso. Há uma diferença. - Não posso, não quero, seja o que for. - Seu corpo inteiro tremia. Outra vez ele soltou um palavrão, agora mais de irritação que de raiva. Caminhou até o sofá e a fez levantar pelos braços, e Beth não teve força de vontade para resistir. Mas ele não tentou fazer amor com ela, como esperado. Só o que ele fez foi abraçá-la com seu corpo forte, e dizer com a voz suave sobre sua cabeça:


- Por que está fazendo isso consigo mesma agora, meu bem? Não há limites de tempo a não ser na sua cabeça, tenho certeza de que sabe disso. Foi o "meu bem" que detonou tudo. Ela teria suportado sua raiva ou desprezo, mas não agüentava sua ternura. Lágrimas correram por seu rosto e ela se desvencilhou dele, cobrindo o rosto com as mãos. - Vá embora, por favor. Não quero você aqui. Isto tem que acabar agora. Por favor, Travis. Ele não tentou abraçá-la novamente, mas sua voz soou inflexível quando disse: - Não vou embora, Beth. - Por favor. - Ela jamais sentiu tamanha dor e desesperança. - Não. - E então ela estava em seus braços de novo. - Não antes de eu tentar pôr algum juízo nesta sua cabeça. Não vou deixar o idiota do seu ex-marido arruinar nossas vidas. Você foi feliz nestas últimas semanas, sabemos que foi. Tudo bem, posso não ser perfeito, mas sei quando alguma coisa dá errado ou dá certo, e nós damos certo juntos. Talvez eu não devesse ter esperado, talvez devesse ter ido para a cama com você semanas atrás, mas isto pode ser resolvido agora mesmo. Mas primeiro quero lhe dizer uma coisa. Eu quis esperar, quis lhe dar mais tempo para se acostumar à idéia de ter alguém em sua vida novamente, mas você forçou a coisa. Não quero um caso com você, Beth. Nunca quis. Já tive relacionamentos demais assim para saber quando bate a química. - O quê? - ela não entendia. Ouviu o que ele estava dizendo, mas as palavras se misturavam em sua mente e ela não conseguia extrair sentido delas. Ele a afastou ligeiramente de si, os olhos cinzentos apertados e focados em seu rosto pálido. - Eu amo você. Apaixonei-me por você desde o momento em que a vi com aquele pijama corde-rosa ridículo e coberta de sujeira. Quero me casar com você, Beth. Quero acordar ao seu lado todos os dias pelo resto de minha vida. - Não. - Ela se sentiu uma tapada. - Não, você não pode me amar. Você disse que perdeu a mulher que amava. Você disse. - Eu disse que a mulher que amei não me correspondia. Não é a mesma coisa. - Mas... mas você me fez acreditar que... Não sabia como, mas sabia o que ele estava querendo dizer. - Você ficaria morta de medo e voltaria correndo para Londres se eu lhe dissesse o que sinto.


Ora, eu mesmo fiquei com medo, se quer saber. E ainda tenho medo. - Mas você não me conhece de verdade. Amor à primeira vista é ilusão, todo mundo sabe disso. Não acontece na vida real. - Eu já a conhecia em minha alma antes mesmo de conhecê-la fisicamente, é a única explicação que posso dar. E antes que você reclame, se alguns meses atrás alguém mais me dissesse que eu viria a falar algo assim eu daria risada. Eu estava apenas curtindo a vida, não queria me apaixonar. Gostava de não dever satisfação a ninguém e de ser livre como um passarinho. Mas tudo isto mudou de uma vez só. - Travis. Por favor, não diga mais nada... - Fiquei pisando em ovos pelos últimos três meses, Beth, para mim chega. Diga por que está pronta para abandonar o que temos? Eu amo você! Ele levantou a voz, mas logo retomou o controle. - Eu amo você - repetiu. - E, diga o que disser, não acredito que você seja indiferente a mim. Você mudou nas últimas semanas, baixou a guarda. Eu saberia se fosse diferente. Não vou deixá-la terminar o que construímos só porque acha que todos os homens são iguais ao seu ex-marido. Por pior que tenham sido as coisas com ele, você precisa entender que não pode viver dentro de uma bolha. - Você não entende. - Beth levantou o rosto, e mal conseguia enxergá-lo em meio às lágrimas. - Não, não entendo, e não vou fingir que entendo. Não fui casado antes, não passei pelo que você passou. Mas amei e perdi, e sei como dói. Kirk me ensinou a perder uma pessoa amada. - Eu... perdi meus pais, entendo o que quer dizer. Mas é totalmente diferente. - Sim, é diferente, mas está mais do que na hora de você acabar com esta pena de si mesma e achar que o mundo gira em torno de si. Beth ficou chocada. Ele nunca falara com ela daquela maneira. - Tem gente que passa por coisas piores do que você passou. Não estou fazendo pouco do que aconteceu com você. Mas você sobreviveu. Por pouco, talvez, mas sobreviveu. Quer dizer que foi tudo por nada? Que você vai deixar este cretino rir por último? Onde está a coragem que a levou a pedir o divórcio? - Como ousa falar comigo assim? - Ela o fuzilou com os olhos. - Como ousai - Porque eu amo você, por isso. - Quero que você vá embora.


- É duro. Tem muitas coisas que quero e não consegui. Beth lutou para manter a compostura ao se levantar para encará-lo. - Esta é minha casa, mesmo que temporariamente, e você não é mais bem-vindo. - Não podia fraquejar. Ele disse que a amava, e talvez amasse, mas isto não alterava o fato de Travis ser quem era. Como ela, Beth Marton, podia esperar compromisso com um homem daqueles? Ela não tinha os requisitos, sabia disso. Ela era comum, não tinha nada de especial. Se ela não havia sido suficiente para Keith, porque seria para Travis? - Você não acredita que eu a amo? - Talvez você acredite que ama. - Sua voz transmitia angústia. - Acho até que você acredita. - Mas não tem certeza. - Suavizou a expressão do rosto. - Então vamos continuar como antes até você ter certeza. Você acha que pode me amar um dia? Eu não devia perguntar, mas... Beth virou o rosto. A noite em que acabara o casamento com Keith era agora como um borrão em sua mente. Ela se lembrou de todas as acusações mútuas, das mentiras de Keith e de tudo o que ela sentira. Beth perguntara a ele por que tinha feito aquilo, se casado com ela, tido filhos com Anna, se dizia que a amava. Keith olhara para ela e dissera a única coisa verdadeira naquela noite. - Porque eu pude. Porque você me deixou fazer isto. Nunca questionava nada do que eu dizia. Nunca reclamava quando eu chegava tarde ou viajava a trabalho. Você aceitou tudo sem questionar desde o começo. E quando Beth alegou ter feito isto porque o amava, porque acreditava nele por inteiro, Keith olhou para ela e deu de ombros. Aquilo quase a destruíra. Ela levantou o rosto, o coração disparado, apavorada. Desta vez, Travis tinha que acreditar na mentira que ela ia dizer. - Não. Eu não posso amar você. Ela viu o sangue fugir do rosto dele e, por um momento terrível, ela quase se agarrou a ele pedindo perdão, dizendo que o amava, que ele era tudo que ela esperava de um homem. Um medo paralisante a deteve. A mesma emoção a permitiu ficar de pé, dura como pedra, enquanto ele balançava a cabeça vagarosamente. Fez-se um silêncio desalentador, até que ele disse, monocordiamente. - Então, realmente não há mais nada a dizer. Adeus, Beth. Ela observou, entorpecida e incrédula, enquanto ele abriu a porta, pela qual Harvey entrou correndo, e depois saiu, sem olhar para trás.


Beth só despertou após ouvir o carro dando a partida. Sem pensar, saiu correndo atrás dele, gritando seu nome. Harvey foi atrás, latindo ansiosamente. Mas era tarde demais. Ele havia partido. E desta vez, ela sabia que ele não voltaria mais.

CAPÍTULO DEZ

- Você fez isto? - Catherine olhou para ela, totalmente horrorizada. - Terminei com Travis - Beth repetiu. - Ontem de manhã. Acabou mesmo. - Mas por quê? Achei que estava tudo indo bem... Beth fora à casa da irmã para conversar. De início, fez de conta que era uma visita normal, e, quando estavam à mesa tomando café com bolo, deu a notícia, que caiu como uma bomba. - E voltei para meu apartamento. Ontem à noite. A vida voltou ao normal. Catherine olhava para ela como se a irmã estivesse louca, e Beth até que entendia. Sentia que estava mesmo ficando maluca. - A vida voltou ao normal? - Balançou a cabeça em desaprovação. - A vida sem Travis? Ouvir aquilo era como um soco no estômago. Mas ela merecia isto e pior, Beth pensou, cheia de infelicidade. - O que ele fez de errado? - Catherine tomou um gole do café. - Ele me pediu em casamento. Catherine quase gritou. - Só isso? Nem você seria tão idiota. O que mais aconteceu? - É complicado. - Ou talvez terrivelmente simples, não tinha certeza. - Pelo que conheço de você, deve ser. Mas então ele não a traiu, nem ficou violento, nem confessou ter sido um assassino? - Claro que não. - Então, o cara diz que ama você, que lhe dá um chute. É isso? - Eu falei que queria terminar com aquilo antes que ele dissesse que me amava - Beth explicou, sabendo que não era justificativa.


- Ah, tudo bem, então. Você dispensou um cara raro como ele por que razão, Beth? Quer dizer, me diz, porque realmente quero saber. - Você está dificultando as coisas. - Na verdade, era mais fácil lidar com o antagonismo de Catherine do que se ela demonstrasse compaixão. - E tenho razões para isso. - Catherine mordeu um pedaço de biscoito de chocolate com tanta força que o esfarelou todo. - Acho que você está louca de pedra. Até porque, você gosta dele, não gosta? E não negue, você sabe que gosta. - Não ia negar. - Hummm. Por que terminou com ele, então? Beth, isto é loucura. - Porque não daria certo - Beth disse, com uma voz infeliz. - Quem disse? Até onde vi, estava dando certo, sim. Vocês se amam. Ele a pediu em casamento, pelo amor de Deus. Qual é o problema? - Catherine, não é como você pensa. - Beth esfregou os olhos. - Nós... não chegamos a dormir juntos, para começar. Não que Travis não quisesse, mas no começo, eu havia pedido um tempo antes de irmos para cama e ele prometeu respeitar meu ritmo. Eu... o amo, mas não posso correr o risco de ver tudo desmoronar novamente. Não estou preparada para um relacionamento, que dirá para um casamento. Acho que nunca estarei preparada. Catherine disse uma palavra muito grosseira. - É Keith, não é? Você está deixando que ele influencie seu modo de pensar. Pelo amor de Deus, Beth. Travis não é Keith. Você não vê? Como pode deixar Keith arrumar sua chance de felicidade? - Foi o que Travis disse. - E ele tem razão. - Também disse que está na hora de eu parar de autocomiseração, e que muita gente passou por coisa pior. - Ele disse? - Catherine pareceu impressionada. -Também concordo, mas não ousaria dizer isto. Beth se levantou, arrasada. - Então quer dizer que ele está certo, eu estou errada e estraguei tudo? Catherine assentiu.


- Mas fico impressionada por Travis ter aceitado o término. Se vocês se amam, imagino que ele lutaria até o fim por você. - Ele... não sabe que eu o amo. - Não sabe? - Catherine arqueou as sobrancelhas. - Você não disse? - Pior que isto. Eu disse que não o amava quando ele perguntou. Beth esperou pela explosão que não veio. A irmã ficou em silêncio por alguns momentos, e então ordenou: - Ligue para ele e diga o que sente. Ande, menina, vá! Mas antes, você precisa encontrar Keith pessoalmente para eliminar este fantasma de sua vida. Beth tentou argumentar. - O quê? Enlouqueceu? Encontrar Keith? Eu sei que você está tentando ajudar, Cath, mas... - Tente me escutar ao menos uma vez - Catherine interrompeu. - Vou lhe dizer agora: jamais gostei de Keith. Ele era meloso demais, bonzinho demais, puxa-saco demais com nossos pais, sempre dizendo a coisa certa. Você nunca mais o viu depois que o largou, o que foi um erro. - Cath, não quero entrar em contato com Keith. Nem sei onde ele está, e não quero saber. - Tente no trabalho primeiro. Ele deve continuar no mesmo emprego. Se não estiver lá, você sabe onde Arma mora. -Você não está me ouvindo - Beth retrucou, o rosto tenso. - Não, você é que não está me ouvindo. Sou sua irmã mais velha, sou uma pessoa lógica e racional. Francamente, o que tem a perder, Neddy? Ao menos prometa que vai pensar. - Certo. Vou pensar. Mas se não fizer sentido, não vou procurá-lo. Beth foi embora, pensando no assunto na volta para casa, em meio ao trânsito enlouquecido de Londres. Mal pôde acreditar em si mesma quando se pegou ligando para o trabalho de Keith.

Às 11 horas, quando se olhou no espelho, Beth ficou satisfeita com o que viu. O lindo vestido estilo imperial com estamparia vibrante ressaltou o bronzeado adquirido em Shropshire. Deixou os cabelos soltos, emoldurando seus grandes olhos azuis. Usou o mínimo de maquiagem, pois não queria que Keith achasse que ela estava se produzindo para ele. Além


do mais, o bronzeado que adquirira era inimitável e não podia ser superado por maquiagem alguma. Para sua grande surpresa, considerando-se como estava por dentro, se sentiu confiante, orgulhosa e bonita, pronta para ter o mundo aos seus pés. - Como o espelho pode mentir. - disse para si mesma. Chegou ao Bailey's ao meio-dia em ponto. Keith já estava esperando em uma mesa para dois que já fora seu lugar favorito quando eles formavam um casal. Ao se aproximar lentamente, Beth notou que eleja não parecia mais tão bonito assim. Tão diferente de Travis. Quando ele a viu, sua boca irrompeu em um sorriso fácil que a teria conquistado antigamente, mas agora não significava nada. Nada. - Beth. - Ele se levantou educadamente, parte de seu charme cultivado. - Você está maravilhosa. - Obrigada. - Ela sorriu, e logo se sentou para evitar contato físico. Não devolveu o elogio. - Não preciso nem perguntar como vai você - ele continuou, ao se sentar novamente. Beth reparou que ele olhou para sua mão esquerda, preparando-se para a pergunta: - Está com alguém? -Estou, sim. - Bem, deveria estar, e mesmo que Travis não existisse, ela teria respondido o mesmo. - E você? Como vão Anna e as crianças? Ele ficou olhando como quem não acredita que era ela mesma quem estava lá. - Anna não mora mais na Inglaterra. Ela conheceu uma pessoa. Está casada. Moram nos Estados Unidos. Acho que em Michigan. Algo assim. - E as crianças? - Estão com a mãe. - Seus lábios se afinaram de tensão, e ela quase sentiu pena dele. Quase. Travis tinha razão. O fim de Keith seria solitário. Beth quase disse que ficava feliz por Anna, estava na ponta da língua, mas pareceria revanchismo. Ela então tomou um gole do café que ele já havia pedido e perguntou sobre o trabalho. Manteve a conversa voltada para assuntos gerais durante os minutos que levou para terminar o café. O chocolatprélat que ele também havia pedido continuou intocado. E então ela se levantou, estendeu-lhe a mão e disse: - Adeus, Keith. Estou me mudando para longe, de modo que não haverá chance de nos


vermos outra vez. Espero que você encontre o que procura. Ele ficou tão atônito que não se mexeu por alguns segundos, até que murmurou: -Você já vai? Pensei... Quer dizer, por que você me ligou? Beth sorriu. - Para fechar este velho capítulo de minha vida e assim poder entrar de coração limpo em uma nova fase. Você me conhece, comigo é tudo ou nada. Ele apertou a mão de Beth frouxamente. - Quem é ele? - murmurou, ressentido. - Você não conhece. - Deu-lhe um amplo sorriso. -Adeus. E saiu do bar em direção ao sol brilhante, largando para trás o peso que carregara nos ombros por 18 meses. Chamou um táxi e, já a caminho de casa, pensou se Travis a perdoaria. O que ela iria fazer? Quando anoiteceu, Beth sabia bem o que fazer. Como dissera a Keith, com ela era tudo ou nada. Cometera um erro gigantesco ao rejeitar Travis, e só um gesto de arrependimento gigantesco poderia consertar. Tinha de mostrar a ele que o amava de verdade, mas que estava apavorada demais para admitir. Na manhã seguinte, ligou para John Turner para avisar que estava voltando para Shropshire. Para surpresa dele, não só resolveu completar os seis meses de aluguel que pagara adiantado, como solicitou a casinha por mais seis meses. O segundo telefonema foi para o escritório de arquitetura para o qual trabalhava. Após conversar com o sócio principal, que foi maravilhosamente compreensivo, ficou combinado que Beth comunicaria por escrito seu desligamento, e receberia uma boa carta de recomendação. Mais tarde, naquele dia, tratou de pôr seu apartamento em Londres à venda, aos cuidados de um corretor. Não estava muito preocupada com dinheiro, pois a venda do apartamento a sustentaria por um bom tempo, mesmo que não arrumasse trabalho imediatamente. Então ligou para a irmã e avisou o que estava fazendo. Finalmente, ligou para o celular de Travis, com o coração quase saindo pela boca. Cada toque parecia uma eternidade, mas ao ouvir a voz calorosa de Travis, notou que era uma mensagem gravada. Para sua surpresa, Beth caiu em prantos.


Várias tentativas depois, deixou um recado. - Aqui é Beth, Travis. Preciso conversar com você. Sinto muito, sinto tanto. Fui uma perfeita idiota. Você tem razão, tem gente que passou por coisas piores do que eu, e andei mesmo bancando a coitadinha. Será que você me perdoa? Vou entender se não perdoar. -Respirou fundo. -Aliás, não vou entender, não. Porque você disse que me amava. Eu... - Estava chorando de novo. - Eu estou voltando para minha casinha em Shropshire. Vou ficar lá. Não quero ir embora. Eu... O apito avisou que a gravação tinha acabado. Ela havia dito que o amava? Não se lembrava agora. Devia ter dito. Ou não? APÓS se reinstalar com Harvey - para enorme alegria do cão - na casinha, pegou o carro e foi com ele até a casa de Travis. As luzes estavam acesas no andar de baixo, e havia dois carros estacionados. Dois? A Mercedes dele, mais um Range Rover. Travis tinha visita. Beth sentiu o estômago revirar. Mas não precisava ser necessariamente uma mulher. Inundada por emoções caóticas como uma tempestade no mar, Beth saiu do carro. Harvey saiu correndo, feliz da vida. Esperou um pouco antes de tocar a campainha. Quanto tocou, ouviu a voz profunda de Travis falando com alguém que estava dentro da casa. Então, ele abriu a porta e ficaram olhando um para o outro. Ele a encarou sem expressão, como se não a conhecesse. Beth reuniu o que podia de coragem e disse: - Oi, Travis. - Beth. Achei que estivesse vendo coisas. Harvey entrou correndo na casa, sem querer saber se era convidado ou não, e então uma voz feminina chamou: - Travis? Tem outro cão aqui. - Você tem visita. - É minha veterinária. Harvey, venha cá - ele chamou, e o cão atendeu prontamente. Travis pegou o cão pela coleira. - Vou levá-lo para meu escritório, com Sheba. Entre e me espere. Já volto. - Ele não demorou nada e, ao voltar, perguntou: - Achou que eu estava aqui com alguma mulher?


A mulher era veterinária, pelo jeito havia algum problema com Sky. - E qual o problema? - Achou que eu estava com outra? - Só por um momento. - Ela não ia mentir. Jamais mentiria para Travis de novo. - Você não retornou meu telefonema, e então ouvi uma voz de mulher, o que poderia pensar? Eu... eu fiz você ir embora. Não seria culpa sua se estivesse com outra. - Telefonema? Que telefonema? -No celular, hoje. - Deve estar no carro. - Ele respirou fundo. - Por que ligou? - Para dizer que menti para você. Eu amo você. Mas tinha medo de admitir... As palavras de Beth foram cortadas pela boca de Travis na sua e por seus braços envolvendoa. Sua boca estava sedenta, faminta, mas ela não se importava. Achou que teria de implorar para ser ouvida, mas bastaram três palavras. - Travis? - A voz soou distante do mundo que os dois juntos formavam. Ele tirou os lábios dos dela e disse: - É Sky, tenho de ajudar... Beth não sabia o que esperar ao acompanhar Travis até a cozinha, mas não imaginava ver Sky cercada por quatro filhotes pequeninos e barulhentos. A veterinária, uma atraente mulher de meia-idade, sorriu para eles. - O último acabou de nascer. - Ah, que lindos - disse Beth, maravilhada. - Você não me contou nada! - disse a Travis. - Ele não sabia - respondeu a veterinária. - Achei que ela estava ficando gorda, mas do jeito que estas cadelas comem... - Bem, Travis, você tem agora quatro filhotes saudáveis aumentando a família. E quem é o felizardo pai? Eu conheço, por acaso? Travis olhou para Beth. E sorriu. Ela levou a mão à boca. - É Harvey? - O único macho que ela encontrou em meses. Só espero que Sheba ainda seja casta e virgem.


Droga -sua voz transmitiu pânico. - Eu acabei de trancar Harvey com ela no escritório! - Se quiser eu a examino antes de ir embora - a veterinária ofereceu. Pouco depois ela voltou. - Não se preocupe mais. O trabalho já foi feito faz algum tempo. Os eventos desta noite se repetirão em no máximo três semanas. Travis fechou os olhos. Beth ficou vendo os filhotes, que agora mamavam, enquanto Travis levou a veterinária até a porta. Quando ele voltou, Beth imediatamente pediu desculpas. - Travis, peço desculpas por Harvey, todos estes filhotes... - Força da natureza. - Travis então a envolveu em seus braços, acariciando-lhe o rosto e calando suas palavras com os lábios. - Diga de novo - ele murmurou com os lábios junto aos dela. - Diga que me ama. Esperei a vida inteira para ouvir isto. - Eu amo você - ela disse, arfante, sentindo os filhotes fungando e choramingando a seus pés. - Eu o amo mais do que jamais achei possível amar alguém. - E confia em mim? - Também. Juro que confio. Subitamente, todas as coisas que pensou ter perdido para sempre, um lar com o homem amado, filhos, companheirismo, estavam de volta à sua frente. - Você é o amor de minha vida, Beth. E se você permitir, quero passar o resto da vida lhe dando provas disto. Quer se casar comigo? Por um segundo, o mais ínfimo dos segundo, a grandiosidade do que estava fazendo se abateu sobre ela. Então, Beth olhou bem no fundo daqueles olhos cinzentos e firmes, que brilhavam com tanto amor, e se sentiu como uma rainha. - Sim - ela respondeu, com os olhos cintilando. - Ah, Travis. Sim, sim, sim!

Beth nunca sonhara com um casamento grandioso, preferia algo só para a família e amigos próximos como Mavis, Dave e as crianças. Concordaram em dar uma festança para o resto do pessoal ao voltarem da lua-de-mel. Eles se casaram na igrejinha da paróquia de Shropshire, dois meses depois que Travis pediu-


lhe a mão, em uma fresca tarde de outubro. Depois da cerimônia, todos seguiram para o jardim da mansão de Travis, onde ele havia mandado erguer uma marquise. Foi uma maravilha de informalidade, com crianças correndo de um lado para outro, rindo e brincando, enquanto os adultos batiam um papo animado ou dançavam ao som da bandinha que Travis contratara. O champanhe correu solto, as pessoas comeram à vontade do delicioso bufê e todos foram cumprimentar Travis pela noiva linda e simpática. Beth não deixou de perceber que todas as mulheres presentes, até as bem-casadas, não conseguiam tirar os olhos de Travis. Sua beleza áspera emprestava um ar de Heathcliff do Morro dos Ventos Uivantes ao refinado casamento, deixando tudo mais emocionante e romântico. Mas Beth não se importava que olhassem. Travis era dela, para todo o sempre. E, agora, ela tinha certeza absoluta disso. Os filhotes, quatro de Sky e outros cinco de Sheba, foram o sucesso do dia entre as crianças. Harvey ficou se pavoneando como um sultão no harém, e Beth concluiu que, de certa forma, ele era mesmo. Até os filhotes que ela e Travis haviam escolhido para ficar eram fêmeas. Arranjaram bons lares para os outros sete cãezinhos: Catherine e Michael ganharam o enorme primogênito de Sky, que Catherine considerou cópia fiel do belo pai. - Você é a noiva mais linda do mundo, estão todos comentando - Travis sussurrou na orelha de Beth, enquanto dançavam ao som da canção romântica que a banda tocava. Era verdade. O vestido de seda branca estilo duquesa podia passar por simples, mas a maneira com que enfatizava a cintura fina e a perfeita silhueta de Beth era de tirar o fôlego. No lugar do véu, ela usava uma profusão de botões de rosa cor-de-rosa arranjados nos cabelos presos no alto da cabeça, as mesmas flores que ela carregava no buquê. A expressão no rosto de Travis, quando ele se virou para vê-la caminhando em direção ao altar, fez todas as mulheres presentes caírem em lágrimas antes mesmo que a cerimônia começasse. Beth se aproximou e esfregou os lábios no aroma delicioso detrás da orelha de Travis, sentindo tanto desejo que chegava a doer. Como sempre, ele leu sua mente. - Quando será que eles vão para casa? - Travis murmurou em seu ouvido, e seu corpo dava provas irrefutáveis de como estava excitado. - Será que ainda vão demorar muito? Beth deu uma risada. - Não vão tão cedo. Todo mundo está se divertindo tanto que acho que ficarão até o fim. - Então vamos ter de nos despedir e deixá-los por aqui.


- Não podemos. - Beth ficou chocada de verdade. - O que as pessoas vão pensar? - Que eu não agüento mais esperar para tê-la só para mim, no que estão cobertos de razão Travis respondeu. - Vamos, vamos embora. Sandra e a mãe de Travis - para alívio geral, o padrasto havia dado a desculpa de que estava assoberbado de trabalho para não ir ao casamento - iam ficar por lá cuidando dos cães até eles voltarem da lua-de-mel na Itália. Travis reservara a suíte de um hotel local, e de lá partiriam na manhã seguinte. Travis então lhe beijou a palma da mão de um jeito que deixou Beth de pernas bambas. - Está bem - Beth concordou. Aquela seria a primeira vez dos dois juntos e ela queria tanto quanto ele. Os demais convidados deixaram de ter tanta importância. Na noite em que nasceram os filhotes, Beth havia se oferecido timidamente para acompanhálo ao quarto principal, mas ele lhe segurou as mãos, mantendo-a ligeiramente afastada de si e disse: - Obrigado por seu amor e por confiar em mim, minha querida, e eu a quero mais do que posso dizer em palavras, mas vamos fazer a coisa direito. Não vou fingir que não tive outras mulheres, Beth, você sabe. Mas você é diferente, isto é diferente. Nossas vidas estão começando agora, e vão começar da maneira certa. Quero que você seja minha esposa, mãe de meus filhos, o que lhe coloca em uma categoria à parte. Entende o que digo? Vale a pena esperar por você. Ela assentiu, apesar de ligeiramente perplexa. - Isto posto, minha nobreza não vai muito além - Travis continuou, ironicamente. - Este noivado será curto, está certo? Bem curto. O táxi com os dois saiu da festa debaixo de arroz e confete, e Sandra pegou o buquê que Beth jogara de dentro do veículo. Ficaram sentados pertinho na traseira do carro, de mãos dadas. As sombras da noite eram longas e um cheiro suave vinha da escuridão o que envolvia o mundo lá fora, mas Beth só tinha consciência do marido e do que ele representava para ela. E ele representava tudo: era seu sol, sua lua e suas estrelas. Travis disse que aquele seria o começo do resto de suas vidas e ela acreditava nele. Tudo que havia se passado antes - Keith, seu primeiro casamento, o desastre em que se transformou ficou para trás. O futuro era deles, e eles fariam o que quisessem, e ela pretendia que tudo fosse maravilhoso.


Quando saíram do táxi, havia um aroma perfumado das lareiras no cálido ar outonal; o céu parecia veludo pontilhado por estrelas e inundado pelo pálido luar. Uma sensação discreta de calmaria permeava aquela noite perfeita, atemporal e encantadora, enquanto o som do carro desaparecia na estrada. Travis parou com o braço na cintura dela, a cabeça levantada em direção à lua cheia. - Haverá outras noites como esta - ele murmurou com voz rascante, quebrando o silêncio noturno que os envolvia. - Uma vida inteira de noites assim. E um dia, quando as crianças tiverem crescido e tomado seu rumo, seremos apenas nós dois de novo, e vou lembrá-la desta noite. Vou lhe dizer que você é linda e que eu a amo, e que sou um homem de muita sorte. - E eu vou lhe dizer que você me salvou - Beth murmurou, e tocou seu rosto com a palma da mão. - E que eu o amo mais que minha própria vida. A suíte de núpcias era suntuosa e moderna, em tons marfim e dourado, havia champanhe no gelo e uma enorme cesta de morangos esperando por eles. Travis e Beth só tinham olhos um para o outro. Ele a despiu lentamente, aproveitando cada momento tão esperado, e ela o recompensou se entregando por completo. Quando o vestido caiu no chão, ela foi até Travis, se deliciando com a expressão que viu no rosto dele. - Quero que faça amor comigo - disse muito seriamente. - É o que quero desde que nos conhecemos. Travis sorriu. - Então, por que diabos foi preciso tanto tempo, se ambos queríamos? O mundo desapareceu por uma fração de segundo e os dois deixaram seus corpos responderem, unindo-se com avidez. Travis tirou as próprias roupas, e Beth o ajudou com dedos febris até ficarem totalmente nus, envolvidos pelo aroma e pelo toque mútuos, enquanto rolavam no meio do opulento quarto. Beth deixou o corpo responder por si mesmo e encaixou os quadris nos dele, começando a arfar à medida que ele foi descendo a boca por seu pescoço até alcançar os seios fartos. Travis já estava muito excitado, mas tinha um autocontrole impressionante, sua mente e seu corpo estavam em alerta enquanto ele a acariciava e provava seu gosto, até que ela perdeu as últimas reservas de força. Ele a carregou até a ampla cama e a pôs em meio aos lençóis e travesseiros cheirosos,


continuando o ataque sensual e murmurando palavras de tanto amor e paixão que Beth nem tentou disfarçar o quanto queria chegar à união total de seus corpos. Ainda assim, ele não tomou este rumo, ficou beijando cada parte dela e criando um desejo tão cru e primitivo que Beth o envolveu com as pernas, quebrando o que ainda lhe restava de compostura. Ela arfou quando ele a penetrou, e cravou-lhe as unhas nos ombros enquanto respirava ofegante. Jamais pensou que pudesse existir prazer tão intenso, mas o ritmo incisivo com que ele a possuía a consumiu de tal maneira que Beth foi levada a um lugar desconhecido, onde havia apenas eles dois e o resto do mundo deixava de existir. Parecia ter se passado muito tempo quando ela conseguiu se mexer ou mesmo abrir os olhos, mas quando o fez, o olhar de Travis a aguardava. - Então, senhora Black? - Ele percorreu o rosto de Beth com dedos lânguidos. - Valeu a pena esperar? Ela tocou-lhe os lábios com os dedos, a voz cheia de encantamento. - Jamais imaginei - murmurou fragilmente. - Nunca antes... Ele sorriu. - É a sorte grande, meu bem - afirmou, com sua voz rascante. - O paraíso na Terra. É isto que acontece quando você se encaixa em um todo perfeito. - Você sabia que podia ser assim tão... - Se está me perguntando se já cheguei perto de sentir algo assim antes, a resposta é não. - Ele a apertou junto a si, e ela ficou inebriada pela batida lenta e forte de seu coração e pela sensação de força daquele corpo. - Se quer saber, você me deixa louco, mulher. Você é tudo que sempre sonhei. Minha perfeita, linda e maravilhosa Beth. - Ele segurou-lhe o rosto com as mãos fortes e a beijou ternamente nos lábios. - Para sempre - sussurrou de encontro à pele quente do rosto dela. - Isto a incomoda? Amedronta? Pode dizer, eu não ligo. - Claro que não. - O amor em seus olhos bastava para ele como resposta. - E os demônios foram todos vencidos? - Travis perguntou, abrindo o sorriso. - Eles não tiveram chance desde que eu o conheci. - Vou fazer valer a pena cada minuto de infelicidade que você passou, compensar cada lágrima derramada. - Subitamente, o clima de brincadeira passou e ele falou seriamente, para valer, acariciando-lhe o rosto com muita delicadeza. - Não posso mudar o passado, minha querida, mas posso fazer com que o futuro seja nosso, e ele será maravilhoso.


Beth ficou imaginando se ele notara a lágrima que havia derramado pela ausência da mãe naquela manhã, triste por ela não ter podido vê-la tão bem-vestida naquela data especial. Achou que sim. Ele parecia tão terno. -Vamos ser mais felizes que qualquer casal na história do mundo. Acredita nisso? - ele perguntou junto aos lábios dela. - Sente isto no fundo do seu coração? Ela assentiu. As mãos de Travis estavam novamente operando sua magia e ela viu que era impossível conversar. Ele apertou seu corpo com força em seus braços, e quando Beth se aproximou para o beijo, ficou pensando o que teria feito para merecer um amor como aquele. A medida que seu corpo se derretia junto ao dele, Beth soube que não desejava nada além de ter aquele homem ao seu lado pelo resto da vida. Muito tempo depois, caíram no sono, um nos braços do outro, enlaçados e encaixados como um perfeito quebra-cabeça gigante, plenos de felicidade. Duas vidas unidas pela eternidade, dois corações batendo em uníssono. A despeito de qualquer contratempo, eles acabaram se encontrando - o sonho virou realidade. Eles estavam em casa.


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