UM HOMEM MAIS VELHO Bárbara McMahon
Á mística do homem mais velho... A linda Jill du Mareei apaixonou-se por um homem mais velho. Um homem mais velho alto, moreno e experiente, que não queria de forma alguma se envolver com uma jovem que nada sabia da vida! E dessa vez nem mesmo sua irmã gêmea poderia ajudá-la! Jill teria de se virar sozinha. Como faria para conquistar o coração de Ken Davis? Ken Davis era um empresário objetivo e realista, que tinha mais o que fazer do que perder tempo com aquela garota. Se ela aparecia à sua frente com roupas provocantes, ele preferia fechar os olhos! Se ela agia de forma doce e compreensiva, ele virava as costas e ia embora! Se, porém, ela decidisse se atirar para aqueles vigorosos braços masculinos que estavam morrendo de vontade de abraçá-la, ele... sabia que seria incapaz de resistir. Digitalização: Marina Campos
CAPÍTULO I
Parada ao lado das roseiras plantadas ao longo da cerca, baixa, de madeira branca, Jill se sentia uma verdadeira adolescente. Estava completamente fascinada pelo homem que deveria surgir na esquina a qualquer momento, e desejava chamar-lhe a atenção sem deixar dar na vista o interesse que sentia por ele. Consultou o relógio de pulso. Eram quase seis e quinze daquela manhã de verão. Mais tarde o calca: aumentaria, e devia ser por esse motivo que o tal sujeito praticava sua corrida diária tão cedo. Jill estremeceu ao pensar que não o teria visto se tivesse permanecido fiel à sua rotina de dormir até tarde. Se bem que não havia necessidade de dormir até tarde; desde que chegara a Charlottesville, ela não fora se deitar nem uma noite depois das dez. Olhou novamente para a esquina distante. Ainda nenhum sinal dele, mas nos dois últimos dias fora àquela hora que ele passara correndo pela rua. E foi então que ela ouviu o ruído abafado dos tênis sobre o asfalto. Com o coração aos saltos, curvou-se para as roseiras, pois não queria que ele percebesse sua ansiedade. Ela se preparara toda para vê-lo, com a maquilagem impecável e os cabelos cuidadosamente escovados. Cortando alguns botões de rosas, prendeu a respiração. Olhando de soslaio para a esquina, viu que ele virava para sua rua e vinha se aproximando cada vez mais, as pernas fortes mantendo um ritmo cadenciado. Engolindo em seco, Jill ergueu a cabeça e sorriu. Seu ex-marido, diversos namorados e numerosos diretores de estúdio já lhe haviam dito que seu sorriso era capaz de iluminar um quarteirão inteiro. Mais do que nunca, ela esperava que eles tivessem falado a verdade. Usando um short jeans desbotado, uma camiseta molhada de suor e um par de tênis gastos, ele era um exemplo e tanto da perfeição masculina. Que ombros largos, que pernas e braços musculosos, que pedaço de homem! Seus cabelos negros cintilavam ao sol, úmidos de suor.
Vendo que Jill o fitava, ele deu um sorriso e, cumprimentando-a com um breve aceno de cabeça, prosseguiu em seu caminho. Haviam sido apenas alguns segundos, e aquele homem maravilhoso já aparecera e sumira sem diminuir o passo. Suspirando como uma adolescente deslumbrada, Jill virou-se para entrar novamente em casa. O ponto alto de seu dia já passara, e ela teria de esperar mais vinte e quatro horas para vê-lo novamente. Entrou na pequena cozinha do bangalô onde morava sua irmã gêmea, Lynn. Alguns meses atrás, quando Jill dissera que gostaria de visitar a mãe em Charlottesville, na Virgínia, Lynn lhe oferecera a casa para ficar. Lynn ia se casar e, até a ocasião do casamento, permaneceria na Califórnia com o noivo, Ray, e continuaria a pagar o aluguel da propriedade. De espírito inquieto e incapaz de ficar por muito tempo no mesmo lugar, Jill embarcara para a Europa logo após o noivado da irmã. Já fora casada com um francês muito rico chamado Jean du Mareei, mas nada cativava seu interesse de forma constante. Depois de restabelecer contato com a irmã, Jill fora ficando cada vez com mais vontade de visitar a mãe que não via há cerca de dez anos, e de conhecer melhor seus dois meios-irmãos e sua meia-irmã. E, há quatro dias, sem avisar a família, ela chegara ao bangalô onde Lynn morava antes de ir visitá-la na Califórnia. Seus pensamentos novamente se voltaram para o bonitão desconhecido que passava correndo em frente à casa todas as manhãs. Perguntando-se quem era ele e como faria para conhecê-lo, Jill preparou um rápido café da manhã. Mais tarde iria até a casa da mãe. Enquanto saboreava o desjejum pensava que não haveria dificuldade em conseguir ser apresentada a alguém em uma cidade pequena como Charlottesville, onde todo mundo conhecia todo mundo. Ela logo trataria de descobrir seu nome, onde ele trabalhava... e se era casado. No dia seguinte, talvez tomasse coragem de falar com o sujeito quando ele passasse pela rua. Se ele parasse para conversar por alguns minutos, ela conseguiria descobrir tudo o que desejava saber. Afinal, Jill du Mareei sabia
como lidar com os homens. Dezessete anos atrás os pais de Jill se haviam divorciado, e cada um ficara com uma das gêmeas para criar. Lynn fora para Charlottesville com a mãe, Peggy, enquanto Jill permanecera em Hollywood e depois fora para Beverly Hills com o pai, Steven Kennet, que era ator de cinema. Ser criada como se fosse a única filha daquele homem famoso lhe proporcionara uma vida sofisticada e movimentada, tornando-a uma garota que se sentia à vontade em qualquer lugar e em qualquer situação. E também a tornara uma pessoa extremamente solitária. Jill sentira muita falta da irmã gêmea e da mãe, e lamentara crescer sem irmãos e irmãs com quem brincar. Talvez a viagem a Charlottesville servisse para solidificar seu relacionamento com os meios-irmãos Andy e Jeff e com a meiairmã Kari. E se tivesse a oportunidade de conhecer seu atleta misterioso, quem sabe o que poderia acontecer? Algumas horas depois, caminhando por uma rua próxima, Jill tentava analisar a fascinação que estava sentindo pelo desconhecido. Ela já conhecera dúzias de homens bonitos, desde astros de cinema e surfistas bronzeados da Califórnia até playboys franceses da Riviera. Por um breve período, permanecera casada com um francês absolutamente lindo, Jean du Mareei. Depois do divórcio, tivera alguns casos discretos com homens atraentes e bem-sucedidos. A atração que sentia pelo tal atleta desconhecido, porém, era uma coisa completamente diferente. Para começar, ele era bem mais velho que ela. Tinha uma aparência sólida e substancial, não jovem e inconsistente. E tinha também um rosto e um corpo que o faziam parecer um top model da moda masculina. Jill precisava encontrar uma forma de ser apresentada a ele em uma ocasião em que ela pudesse estar com a melhor aparência possível. Lembrou-se dos coquetéis para angariar fundos de pesquisa para a universidade, eventos que, segundo sua mãe, constituíam-se nos acontecimentos sociais da maior importância na cidade. Antes de mais nada, entretanto, ela precisava descobrir quem ele era e
idealizar uma forma de conhecê-lo. E saber se ele era casado. Jill abriu o portão e subiu a entrada de carros da casa de sua mãe. Toda pintada de branco, a casa ficava mais para o fundo do terreno; na frente, estendia-se um gramado muito bem cuidado, ladeado por diversos canteiros de flores e dois carvalhos majestosos e antigos. A alta construção de dois andares refletia em suas paredes claras os raios do sol da manhã. Até os sete anos de idade, Jill fora criada naquela casa. Quando bateu à porta, porém, estava se sentindo uma verdadeira forasteira. A tarde ela já se sentia mais à vontade, jogando futebol no gramado com os irmãos e a irmã. Aceitara o convite para jogar porque desejava se integrar melhor à família, mas muito pouco entendia daquele esporte. Eram ela e Kari contra Jeff e Andy, e a distribuição dos "times" não parecia nada homogênea. Os dois garotos, de quinze e quatorze anos, tinham muito mais prática naquele tipo de jogo, o que deixava Jill e a menina Kari, de doze anos, em nítida desvantagem. Kari era o retrato da irmã quando pré-adolescente, e Jill experimentava a sensação extremamente agradável de finalmente estar fazendo parte da vida dos irmãos mais novos. Sempre invejara Lynn, que vivera ao lado deles desde que haviam nascido. O jogo estava sendo um verdadeiro massacre e, em certo momento, depois de levar um espetacular tombo, Jill deixou-se, ficar sentada no chão, rindo a bandeiras despregadas. Fazia muito tempo que não se divertia tanto. — Você está bem? Aquela voz profunda não pertencia a nenhum dos dois garotos, e Jill olhou para cima. Diante
dela
encontrava-se
um
par
de
pernas
longas
e
fortes,
acondicionadas dentro de uma calça jeans e posicionadas de uma forma tipicamente masculina, afastadas e com um dos joelhos ligeiramente flexionado. Uma camisa de algodão leve, com as mangas enroladas até pouco abaixo dos cotovelos e o colarinho aberto, deixava entrever um peito largo, musculoso e
coberto de pêlos negros, que não lhe era estranho. A mão bronzeada estendeu-se para ela, que, levantando ainda mais a cabeça, sentiu o coração dar um salto ao fitar um par de olhos cinzentos que exibiam uma expressão divertida. Era o tal desconhecido que não lhe saía da cabeça! Deus do céu, em vez de ser apresentada a ele em uma ocasião em que pudesse estar usando um vestido exclusivo, em um local tranqüilo, sofisticado e elegante, Jill se achava com os cabelos em desalinho, corada e suada de tanto correr de um lado para outro e com a roupa suja de terra e grama. Segurando a mão que o desconhecido lhe oferecera, ela se pôs rapidamente de pé e, apesar de ser mais alta do que a maioria das mulheres, sentiu-se pequenina ali diante dele. O desconhecido devia ter pelo menos quinze centímetros a mais que ela... e era ainda mais bonito de perto. Para decepção de Jill, naquele momento ele não estava usando o short e a camiseta de costume. Tinha os cabelos penteados, e ela sentiu falta das madeixas úmidas que se habituara a ver caídas na testa dele. — Obrigada — murmurou, profundamente perturbada pela sensação de formigamento que se irradiava da mão que ele ainda segurava para todo o seu corpo.
Tentando, porém, agir de forma natural, levantou o rosto para ele e deu um de seus irresistíveis sorrisos. — Meu nome é Jill du Mareei, muito prazer. — Ah, a moça das rosas — disse ele, apertando-lhe a mão e lhe provocando um arrepio de prazer ainda mais intenso. — O que está fazendo aqui? — perguntou, sorrindo também. — Quer dizer, além de jogar futebol. Neste jardim também há roseiras, mas você não está cuidando delas. — Esta é a casa de minha mãe — respondeu Jill e, percebendo que o desconhecido demorava para soltar-lhe a mão, sentiu um estranho calor espalharse por sua pele. Talvez ela não fosse a única dos dois a ter sido afetada por
aquela atração esquisita e imediata. — Não quero interromper seu jogo — afirmou ele, percebendo a presença dos garotos e finalmente soltando-lhe a mão. — Meninos — gritou Jill, voltando-se para os irmãos —, que tal um intervalo?! Está na hora de tomarmos um refresco. Jeff fitou a irmã com uma expressão desconfiada, e depois olhou para o desconhecido que se achava tão próximo dela. — Boa idéia — disse finalmente. — Vou ver se mamãe fez limonada. Podem esperar aqui mesmo, se quiserem. — Com uma piscadela para Jill, agarrou Andy pelo braço e arrastou-o para o interior da casa. — Gostaria de vir com a gente? — perguntou Jill, passando o braço em torno dos ombros de Kari. O desconhecido ainda não lhe dissera como se chamava. Com um rápido olhar para sua mão esquerda, ela viu que ele não usava aliança. Era verdade que nem todos os homens casados usavam aliança, mas aquela constatação lhe proporcionou uma pequena esperança. — Obrigado — disse ele —, mas vim aqui para falar com Gerald e não quero deixá-lo esperando. Só parei porque vi quando você caiu e quis saber se precisava de ajuda. — Vou buscar um pouco de limonada para você, Jill — disse Kari, saindo em direção à porta dos fundos. — Obrigada, docinho — respondeu a irmã mais velha, voltando-se novamente para o desconhecido. — Ora, aquele tombo não foi nada, apenas tropecei e Jeff caiu em cima de mim — afirmou, começando a caminhar ao lado dele para a porta da frente. — Mas não se machucou? — Ah, não, claro que não! A única coisa "machucada" em Jill era o amor-próprio. Tanto planejara estar linda e bem vestida quando fosse oficialmente apresentada a ele... E o encontro acabara acontecendo quando ela estava suja, descabelada e mais parecendo uma adolescente rebelde.
— Por que não vem jogar com a gente um dia desses? — É, uma hora dessas eu apareço. — Ele sorriu. — Pelo seu físico, parece que costuma praticar muito esporte — observou Jill à guisa de elogio. — Já joguei muito futebol, mas somente quando era mais jovem. Faz muito tempo. — Você ainda não me disse seu nome — lembrou ela em tom gentil. — Ah, é verdade, desculpe-me. Kenneth Davis, muito prazer. — Então seu apelido deve ser Ken,- não é mesmo? — perguntou Jill, detendo-se junto à escadinha que dava acesso à varanda. — É, é assim mesmo que o pessoal costuma me chamar — confirmou ele, observando-a atentamente. — Se me permite, vou tomar a liberdade de fazer o mesmo — murmurou ela em tom provocante, sorrindo novamente. — Fique à vontade. Ken aparentava estar chegando aos quarenta anos, mas evidentemente se achava em melhor forma do que qualquer dos outros pré-quarentões que Jill conhecia. — Veio aqui para comprar alguma apólice de seguro de Gerald? — perguntou ela. Gerald Hamilton, seu padrasto, era um dos maiores corretores de seguros de Charlottesville. — Não, nada disso. Ele me chamou para conversarmos a respeito da reforma da casa que herdou de uma tia. — Ah, quer dizer que você reforma casas antigas? — Faço isso também — disse Ken —, mas minha atividade principal é a de empreiteiro de obras. Fiquei feliz por Gerald ter ligado primeiro para mim; somos quase vizinhos há muito tempo. Moro aqui perto, na rua Centennial. — E costuma correr todos os dias? — Jül tinha de agir com presteza, se realmente quisesse "armar" um futuro encontro.
— Todo santo dia. E você, também corre? Ela fez que não com um gesto de cabeça, mas não desistiu de aproveitar a oportunidade que o momento lhe oferecia. — Por que não passa lá em casa amanhã? — sugeriu. — Poderemos tomar café juntos. Ken pareceu ficar indeciso, e seus olhos assumiram uma expressão aborrecida. Jill sentiu que ele se retraíra, o que começara como uma conversa informal entre dois conhecidos mudara de tom, e era evidente que ele não gostara disso. Apesar daquela constatação, ela não deixava de fitá-lo nos olhos um só instante, e sua pele formigava só de estar perto dele. Não, Jill queria porque queria saber mais a respeito daquele homem e não desistiria assim tão facilmente. — Ora, estou apenas lhe oferecendo um café, e não sugerindo que pule de uma ponte — acrescentou, em tom de brincadeira. — Vou pensar no assunto — respondeu ele finalmente, com a expressão de quem analisava os prós e os contras da situação. — Ótimo! — exclamou Jill. — Espero por você amanhã cedo. — Sabendo o momento certo de bater em retirada, dirigiu a Ken mais um de seus sorrisos devastadores e saiu correndo para retomar o jogo com os irmãos. Ken ficou observando enquanto ela se afastava, o olhar fixo no vai-e-vem de seus quadris. Não havia como negar que a garota era de tirar o fôlego, mas ele não estava gostando do calor que lhe dominava o corpo. Não tinha tempo a perder com garotas frívolas e namoradeiras, trabalhava somente com homens, e tinha pouco contato com o sexo feminino. Fazia anos que vinha evitando envolvimentos amorosos, e não tinha a intenção de mudar o rumo de sua vida. Além do mais, não poderia se sentir atraído por uma moça tão jovem. Já tinha quase quarenta anos, e ela parecia não ter muito mais de vinte. Ken organizara sua vida da forma como desejava. A última coisa de que precisava era se envolver com uma garotinha como aquela, por mais sexy e
atraente que ela fosse. Uma garota nova merecia um rapaz jovem, não um sujeito quase quarentão, que já se dera muito mal no amor e não queria saber de se arriscar novamente. Quem sabe, porém, pensou Ken ao subir os degraus que conduziam à porta de entrada, desse uma passadinha na casa dela só uma vez, apenas para conversar um pouco... Na manhã seguinte Jill levantou-se muito cedo, vestiu-se com capricho e escovou os cabelos castanho-dourados até fazê-los cintilar. Vestiu uma calça jeans, de marca famosa, e uma blusinha cor-de-rosa bem justa, que em nada contribuía para ocultar seus melhores atributos femininos. Após aplicar um pouquinho de sombra é rimei, contemplou-se no espelho e se sentiu satisfeita com a expressão misteriosa assumida por seus olhos cor de mel. Depois desceu correndo para a cozinha para preparar o "cenário". Tudo tinha de estar perfeito. Depois de verificar se todos os detalhes estavam a seu gosto, consultou o relógio e viu que já estava quase na hora. Vestiu uma jaqueta leve e, no fundo não acreditando que Ken realmente viesse, apanhou a tesoura como pretexto para estar mexendo nas rosas a uma hora tão matinal. Ao
sair
da
casa
e
se
aproximar
das
roseiras,
lembrou-se
do
comportamento de Ken no dia anterior e percebeu que ele não agira como outros homens que ela conhecera. Ken não forçara a situação para se tornar mais íntimo, não fizera elogios à sua aparência nem comentários maliciosos. Na tarde anterior, fora ela quem tomara todas as iniciativas. E então ouviu o ruído ritmado dos tênis no asfalto e, desapontada, percebeu que ele não ia parar. — Bom dia! — gritou sorrindo, quando Ken se aproximou; não iria deixar evidente sua decepção. Ele lhe acenou em resposta e prosseguiu, sem perder o ritmo. —Mas que droga! — murmurou Jill, profundamente desapontada, quando ele desapareceu à distância. Desde tempos de que quase não se lembrava mais, quando Jill du Mareei demonstrava interesse por um homem, ele sempre retribuía de forma imediata.
Pelo que parecia, entretanto, Ken Davis não era como a maioria dos homens. Ela precisava encontrar uma forma de conhecê-lo melhor... aquele homem a fascinava. Talvez até valesse o sacrifício de praticar corridas matinais somente para poder passar mais tempo com ele. A não ser que Ken fosse casado. Teria sido aquele o motivo de ele não ter parado? Se fosse, porém, não lhe teria dito quando ela o convidara para o café? Casamento... Jill já experimentara o casamento. Ela e Jean haviam se apaixonado, mas a paixão se desvanecera rapidamente. De uma coisa Jill tinha absoluta certeza: não queria nem ouvir falar de casamento novamente. O divórcio fora amigável, mas persistira no fundo de seu peito uma sensação de fracasso e abandono que ela jamais admitira para ninguém. Desanimada, Jill voltou para o interior da casa. Talvez no dia seguinte ele parasse. Ela preparou o café da manhã, ao mesmo tempo que lia o jornal local. E, quando estava no meio de um artigo sobre o cultivo de rosas, ouviu o inesperado ruído de alguém batendo à porta. Abrindo-a, ficou contemplando com um olhar atônito a pessoa que batera: Ken Davis. Ele havia tomado uma ducha, feito a barba e vestido uma calça jeans e uma camisa azul que fazia seus olhos cinzentos parecerem mais claros. — Resolvi aceitar seu convite para o café — disse ele, parecendo estar achando muita graça na expressão atônita de Jill. Tentando disfarçar sua surpresa, ela deu um largo sorriso. — Ótimo. Cheguei a pensar que... Não, deixe para lá. Vamos, entre. Ken entrou no bangalô e olhou em volta, com ar de curiosidade, depois baixou o olhar para Jill. — Quando passei correndo agora há pouco, vi que você pensou que eu não vinha mais. Mas você realmente achava que um homem de bem iria aparecer na casa de uma garota bonita todo suado e fedorento? O coração de Jill disparou. — N-não, não achava. Mas vamos deixar uma coisa clara desde já, Ken: não
sou nenhuma garotinha. — Se não é, você me enganou direitinho... — Ele lhe fez uma breve carícia no rosto com a ponta do dedo, segurou-lhe o queixo e finalmente, com visível esforço, afastou a mão. Jill estremeceu da cabeça aos pés. Fitando os olhos de Ken, sentiu o coração bater ainda mais rápido. Umedecendo os lábios com a ponta da língua, tentou sorrir despreocupadamente mais uma vez. — Hoje temos café e croissants. Ou pãezinhos de creme, se você preferir. — Para mim qualquer um deles está bom — afirmou ele, permanecendo a fitá-la nos olhos por mais um longo momento. Finalmente, virou-se para observar a cozinha. — Que casa bonita... — É onde mora minha irmã — explicou Jill. — Estou apenas passando uns tempos aqui. Não quer sentar-se? Ken puxou uma cadeira e acomodou-se, sem deixar de fitá-la um só instante. — E sua irmã, onde está? — Em minha casa, em Malibu, na Califórnia. Fica perto de Los Angeles. — Vocês duas costumam trocar de casas durante as férias? — perguntou ele, em tom de brincadeira. — Nem sempre. Acontece que Lynn foi me visitar em Malibu, e imediatamente se apaixonou pelo meu vizinho do lado. Eles vão se casar em breve, mas não suportam ficar longe um do outro. Assim, ela ainda está em minha casa e eu vim para cá visitar minha mãe. Retirando o guardanapo que cobria a travessa de pãezinhos, Jill virou-se para encher uma xícara de café. Depois colocou a xícara na mesa, ao alcance da mão dele, e lhe deu as costas, constrangida como uma adolescente e sem saber o que dizer. — Por quanto tempo pretende ficar em Charlottesville? — perguntou Ken após um longo silêncio. — Não planejei nada de específico — disse ela. — Um ou dois meses, sei lá...
Sentando-se diante dele dali a alguns instantes, com outra xícara de café nas mãos, Jill perguntava-se que fim havia levado sua habitual desenvoltura. Já enfrentara
situações
sociais
bem
mais
sérias,
e
sempre
se
sentira
completamente à vontade! Quando, entretanto, Ken se inclinou em sua direção para pegar o açucareiro, ela mal conseguia raciocinar, quanto mais fazer uma tentativa inteligente de estabelecer uma conversa. Ken deu uma mordida no pãozinho e perguntou a si mesmo o que estava fazendo ali. Quando fora convidado por aquela garota para tomar café, não tivera a menor intenção de aceitar. Porém, a despeito daquela decisão, não conseguira tirá-la da cabeça durante todo o dia anterior. O clima de interesse que se manifestara entre os dois fora surpreendentemente intenso, mas não passara de simples atração física. Não podia ter sido outra coisa. Eles nada tinham em comum. Ela era jovem, bonita e, evidentemente, gostava de flertar. E não ia permanecer por muito tempo na cidade. Ele, por sua vez, havia finalmente reorganizado sua vida; e um envolvimento passageiro com uma jovenzinha namoradeira não fazia parte de seus planos. Apesar disso, quando passara por ela cerca de meia hora atrás, percebera que a moça ficara desapontada. E fora atormentado pelo remorso durante todo o restante da corrida. Assim, quando chegara em casa, apressara-se a tomar uma ducha e trocar de roupa, somente para não deixá-la decepcionada. Além do mais, Jill era meio aparentada com Gerald. Valia a pena manter um bom relacionamento com os clientes. Tomando um gole de café, ele a fitou novamente. Sentira vontade de acariciá-la desde a primeira vez em que a vira, há alguns dias. O que tinha a pele daquela garota, que fazia seus dedos formigarem de desejo de tocá-la? — Quantos anos você tem? — perguntou Ken de repente. Assim que tivesse certeza de que Jill era realmente muito jovem, ele conseguiria refrear seus instintos. Terminaria de tomar o café da manhã com ela, iria embora e as coisas ficariam por isso mesmo. — Por que quer saber minha idade? — retorquiu Jill, surpresa. Seus olhos se estreitaram ligeiramente, fitando-o com uma expressão de desafio.
Ken percebeu a provocação no olhar dela, e quase sorriu. Frívola, namoradeira... O que mais poderia esperar daquela moça? Recusando-se a responder sua pergunta, ela já não deixara evidente a resposta? Era óbvio que Jill era jovem demais para ele. — Por nada — desconversou Ken. — Simples curiosidade. — E você, é casado? Ken sentiu uma pontada de dor no fundo do peito. — Já fui, não sou mais. E você? — Idem — respondeu ela com firmeza. — Muito bem... Agora que já esclarecemos os detalhes importantes, que tal me contar um pouco a respeito de seu trabalho? Se eu soubesse que os empreiteiros tinham uma aparência como a sua, mandaria reformar minha casa pelo menos duas vezes por ano! Para Jill, flertar era tão natural quanto respirar. Bastava dizer uma coisa provocante e esperar que ele respondesse. Assim, sorriu novamente e esperou pela reação de Ken
CAPITULO II
— Eram esses os detalhes importantes? — perguntou Ken. — Os mais importantes — disse Jill. — Eu não convidaria um homem casado para tomar café comigo. — E, se fosse casado, eu não aceitaria seu convite. — Muito bem. — Ela sorriu. — Isso quer dizer que agora sabemos um pouco mais a respeito um do outro. O que tinha aquele homem que fazia seus hormônios entrarem em ebulição? Jill estava completamente encantada. — O que faz na vida, Jill? — perguntou ele, erguendo os olhos e vendo que ela o fitava.
— Não tenho um emprego fixo. As vezes faço uma ponta em um filme de cinema. — Você é atriz? — admirou-se Ken. — Em que filmes trabalhou? — Em alguns. Foram apenas pontas, como eu lhe disse. Consigo esses papéis graças à influência de meu pai. — Gerald? — Não, Gerald é meu padrasto. O nome de meu pai é Steven Kennet, você o conhece? — Você é filha de Steven Kennet?! — exclamou ele, arregalando os olhos. — Claro que o conheço! Quem não o conhece? Ele estava ótimo em A Vida por um
Fio e A Fuga dos Bárbaros. — É, estava mesmo — murmurou Jill, louca para mudar de assunto. — Mas fale-me mais de você... Como entrou nesse negócio de reforma de casas antigas? — Meu trabalho normal é a construção de casas novas — explicou Ken. — A reforma de casas antigas é mais um hobby do que outra coisa. — Faz tempo que entrou no ramo da construção? — Quase vinte anos. Comecei ainda adolescente trabalhando, com meu pai, que também era empreiteiro. Jill ficou em silêncio por alguns instantes, tomando seu café. Vinte anos? Então ela não passava de uma garotinha quando Ken se iniciara na profissão. Isso, porém, não tinha importância, pensou. Dirigiu-lhe mais um de seus sorrisos irresistíveis e ficou bastante desapontada quando ele não reagiu como a maioria dos homens que ela conhecera. Ken quase não lhe deu atenção, limitando-se a pegar mais um croissant e comê-lo com toda a calma. — E por aqui existem bastantes casas antigas para mantê-lo ocupado? — insistiu ela, com medo de que seu visitante terminasse de correr e fosse embora. — Aqui em Charlottesville nem tanto, mas no Estado da Viigínia como um todo esse tipo de reforma não é incomum. Mas prefiro ficar o mais possível por perto de casa; afinal de contas, tenho uma empresa para administrar.
— Ah, sei... — Você se importaria em dizer por que me convidou para vir aqui? — perguntou ele de repente. — Foi porque... É que ainda não conheço quase ninguém da cidade, à exceção de minha família. E achei que seria interessante conhecer gente nova. — E por que não escolheu alguém mais próximo de sua idade? — insistiu Ken. — Ora, mas que pergunta! A idade nada tem a ver com a amizade. — Ou com uma tentativa de intimidade, que também rimava com idade, com um homem espetacular como aquele. — Certo — observou ele, com uma expressão zombeteira —, então agora sabemos um pouco mais a respeito um do outro. — Eu sei um pouco a seu respeito, mas o que você sabe sobre mim? — objetou Jill, frustrada com a falta de interesse dele em obter mais informações com referência a ela. — Já sei o bastante, moça. Sei que você significa problema com P maiúsculo. Que, para você, flertar é tão natural quanto respirar. E que qualquer homem em seu juízo perfeito trataria de ficar o mais longe possível de você, se quiser preservar a própria sanidade mental. Jill encarou-o por alguns segundos, e finalmente deu um enorme sorriso quando o significado daquele elogio finalmente lhe penetrou na mente. — E você tem certeza de que quer preservar sua sanidade mental? — perguntou com voz rouca e provocante, inclinando-se ligeiramente para ele. — Certeza absoluta — afirmou Ken, levantando-se. — Muito obrigado pelo café, mas agora preciso ir trabalhar. Jill praticamente pulou da cadeira. — Ah, não, ainda é cedo! Por que não toma mais uma xícara de café? — Eu gostaria muito, mas já estou atrasado. Hoje vou ter um dia difícil. — Venha tomar café comigo amanhã de novo — murmurou ela, em tom de súplica. Não queria que Ken fosse embora, principalmente porque ele nada dissera
a respeito de um futuro reencontro. Ken baixou os olhos para ela e ergueu-lhe o rosto com a ponta do indicador. Jill ficou a fitá-lo com seus grandes olhos cor de mel, com uma expressão mista de frustração e insegurança. — Não se preocupe, Jill — consolou-a. — Logo fará novos amigos. Quanto a mim, tive um prazer maior do que esperava vindo tomar café com você — acrescentou, observando-lhe atentamente o rosto. Ela era tão linda... E, então, cedendo a um impulso irresistível, inclinou-se e lhe deu um rápido beijo nos lábios. Depois endireitou-se, deu-lhe as costas e saiu. Ainda não conseguia entender sua atitude. Nos cinco anos decorridos desde a morte de Em mas ele podia contar nos dedos de uma mão as vezes em que saíra com mulheres. E as únicas a quem beijara haviam sido aquelas que conhecia há muito tempo. Fazia apenas um dia que conhecia Jill... Primeiro a acariciara, depois a beijara... Será que estava perdendo a cabeça? Tinha experiência suficiente para perceber quando uma garota estava se oferecendo a ele. E a única coisa que conseguia pensar era em beijá-la novamente, da próxima vez por mais tempo e com maior intensidade. Tudo que desejava era envolver nos braços o corpo macio e sensual de Jill, sentir seu perfume e acariciar-lhe os cabelos sedosos. Jill gostaria de saber se sua mãe sentia-se tão desajeitada quanto ela nas ocasiões em que estavam juntas. A exceção do iminente casamento de Lynn, as duas quase não tinham assunto para conversar. E ainda faltavam mais de dois meses para a cerimônia, que iria acontecer ali mesmo em Charlottesville. Jill e Peggy passaram a manhã toda perambulando pelas lojas da cidade, fazendo compras para o casamento. Depois foram almoçar em uma simpática lanchonete na rua que conduzia à universidade, e Jill pagou a conta. — Minha querida, você não deveria ficar gastando dinheiro comigo — disse Peggy enquanto elas esperavam ser servidas. — Ora, mamãe, tenho bastante dinheiro. Além do mais, faço questão de lhe pagar um almoço de vez em quando. Mas diga-me, será que Lynn realmente vai
querer todas as damas de honra vestidas de cor-de-rosa? Estou achando um pouco de exagero. — Foi o que ela me disse pelo telefone ontem à noite — respondeu Peggy. — Não é fácil fazer os preparativos para o casamento com Lynn morando na Califórnia. Mas, em compensação, você veio me ver, querida. Fiquei contente, estava com muita saudade. — Eu também, mamãe. — Jill deu um sorriso constrangido e desviou o olhar, sem saber o que dizer em seguida. Tinha tão pouco em comum com a mãe... — Eu queria saber uma coisa — disse finalmente: — Gosta mesmo de morar aqui? Quer dizer, se não tivesse se divorciado de papai, você teria viajado pelo mundo inteiro com ele. — Que nada — Peggy sorriu —, eu adoro esta cidade. Gosto de conhecer meus vizinhos, estar envolvida com as atividades da igreja, estabelecer tradições para meus filhos. Estou plenamente satisfeita com minha vida. Jill observou atentamente a mãe. Peggy transmitia uma serenidade que ela invejava profundamente. Assim que terminaram de comer, as duas voltaram para casa. Estava fazendo muito calor e, ao entrar na cozinha, Peggy sugeriu que fossem se sentar no balanço da varanda e tomar um chá gelado. Cansada e encalorada, Jill concordou imediatamente. Ao passar pelo escritório a caminho da varanda, ouviu vozes masculinas vindas do outro lado da porta fechada. Gerald já devia ter chegado. Tinha o hábito de trabalhar em seu escritório pela manhã e passar as tardes em casa. Enquanto continuasse a administrar sua empresa, estaria sempre disponível para os filhos. — Puxa, que alívio já estar livre daquelas compras — comentou Peggy, abrindo a porta da cozinha com o quadril; suas mãos estavam ocupadas com uma bandeja que continha uma grande jarra de chá gelado e quatro copos. — Está esperando visita? -- perguntou Jill. — Gerald está com um amigo — disse Peggy. — Ken Davis, acho. Achei que eles gostariam de parar de falar de negócios por alguns minutos e tomar um chá com a gente — acrescentou, sentando-se ao lado de Jill no balanço e servindo
dois copos de chá. — Ken Davis? — repetiu Jill. Só de ouvir o nome dele seu coração saltava dentro do peito. Sabendo que Ken se achava a apenas alguns metros dali, ela foi ficando mais e mais distraída. Queria lhe causar uma boa impressão. A julgar pelo comentário dele, naquela manhã, parecia que a diferença de idade era muito importante para Ken. — Jill? — Sim, mamãe? — Ela se assustou. Será que Peggy lhe perguntara alguma coisa? — Perguntei quais eram seus planos para esta tarde — respondeu a mãe, observando-a com uma expressão de curiosidade. — Não sei... Acho que vou ficar por aqui e brincar um pouco com os garotos e Kari. — Ah, mas eles só voltam para casa na hora do jantar, querida. Hoje todos eles têm atividades extracurriculares depois da escola. Por que não vai comigo fazer uma visita à sra. Stanthrop? E uma senhora muito idosa de nossa igreja, que quase não sai de casa. — Não, mamãe, obrigada — disse Jill, tomando um gole de chá. — Pode deixar que arranjo alguma coisa interessante para fazer. — O que ela realmente gostaria era de passar a tarde na companhia de Ken Davis. — E que você não conhece quase ninguém aqui da cidade, meu bem. Não quero que se sinta solitária nem chateada. — Conheço Ken Davis — esclareceu Jill, com um sorriso. Bastava pronunciar o nome dele para que seu coração se enchesse de alegria. — É mesmo? — Peggy surpreendeu-se, endereçando-lhe um olhar interrogativo. — E que ele passa todos os dias correndo na frente da casa de Lynn. E acabamos nos conhecendo ontem, quando ele veio conversar com Gerald e eu estava jogando futebol com os meninos. Não havia necessidade de mencionar o café da manhã, nem as reações que
aquele homem lhe provocava. Jill não estava acostumada a partilhar seus sentimentos com ninguém. O que poderia dizer a sua mãe? Que estava louca por Ken Davis? Jill não sabia como Peggy reagiria a essa revelação, e não estava com a menor vontade de suportar um sermão materno àquela altura de sua vida. — Que eu saiba, esse rapaz é um bom sujeito — comentou Peggy. — Gerald o conhece há anos, e recomenda os serviços dele quando a companhia de seguros tem de cobrir despesas
de reformas ou consertos de casas. Estou contente
porque -O Ken vai poder se encarregar da casa de tia Mattie... O trabalho dele é de primeira qualidade. — E depois que Ken terminar o serviço, vocês pretendem vender a casa? — quis saber Jill. — Acho que sim. E vamos conseguir um preço muito melhor depois de uma boa reforma. — Achei que tinha ouvido sua voz, minha querida. — Gerald Hamilton saiu da sala para a varanda, o rosto no chão cheio de alegria por ver a esposa. Logo atrás dele vinha Ken Davis, com a aparência de quem acabava de sair de uma obra. Suas pesadas botas de trabalho estavam sujas e esfoladas, a calça jeans gasta e manchada de tinta. A camiseta azul que modelava seu peito musculoso estava limpa, mas desbotada. Aos olhos de Jill, ele parecia mais lindo do que nunca. Ele a fitou e cumprimentou-a com um breve aceno de cabeça. Jill continuou a olhá-lo e sentiu que seus batimentos cardíacos se aceleravam. Aquele era, sem dúvida alguma, o homem mais sexy e atraente em que já pusera os olhos. Ken fitou-a de cara fechada, mas sorriu, cheio de charme, quando se voltou para Peggy. — Preparei uma jarra bem grande de chá gelado — disse a mãe de Jill. — Por que os dois cavalheiros não se sentam um pouco conosco para descansar? — Ótima idéia, querida — concordou Gerald, puxando uma das poltronas de
vime mais para perto da mesinha. — Vamos, Ken, sente-se aqui perto da gente. Hesitando por alguns instantes, Ken finalmente assentiu e apanhou outra poltrona, olhando de soslaio para Jill. Ela o fitava por cima da borda de seu copo de chá, com uma expressão cínica e provocante. Posicionando sua poltrona ligeiramente de lado, Ken sentou-se junto à mesa; não queria ficar de frente para Jill. Mesmo assim, as imagens que lhe povoavam a mente eram apenas dela, e cheias de sensualidade e erotismo. Peggy serviu chá gelado para o marido e o convidado. — E então, Peggy, como vai você? — perguntou Ken, sorrindo para a anfitriã. — A ponto de derreter de tanto calor — brincou ela. — Jill é eu passamos a manhã inteira entrando e saindo das lojas, fazendo compras para o casamento. Depois de tanta canseira, eu não via a hora de me sentar em um cantinho arejado e ficar sem fazer nada! O olhar dele se voltou para Jill. Seria ela a noiva? Seriam para o casamento dela aqueles preparativos? Estaria Jill se atirando para cima dele somente para ter uma última aventurazinha antes de se casar? Ela parecia jovem demais para já estar no segundo casamento. E o que teria acontecido com o primeiro marido? Ele quase lhe perguntara a esse respeito quando ela lhe contara que já havia sido casada, mas reprimira sua curiosidade. O melhor era manter-se a distância de toda aquela tentação em forma de mulher. — E quando é o casamento? — perguntou ele a Peggy, como quem não quer nada. — Lynn e Ray chegam no final do mês que vem, quando faltarem três semanas para o grande dia. E éomo ela decidiu permanecer na Califórnia, Jill e eu estamos nos encarregando dos preparativos. — Lynn é sua outra filha? — quis saber Ken. — Minha irmã gêmea — intrometeu-se Jill. — Gêmea? — Surpreso, ele voltou-se para ela, sentindo-se incapaz de
deixar de fitá-la. — Pois é — confirmou Jill, e deu um vagaroso sorriso, com uma expressão de triunfo no olhar. Percebera que Ken tentava ignorá-la e acabara encontrando uma forma de lhe chamar a atenção. Ken tomou um rápido gole de chá e desviou os olhos, mas seu corpo foi dominado por uma irresistível sensação de calor. — Hoje de manhã você me disse que estava hospedada na casa de sua irmã — disse ele a Jill —, mas eu não liguei uma coisa com a outra. Jill engoliu em seco e olhou depressa para a mãe. Peggy também olhou para ela, com ar de surpresa. — Hoje de manhã? — perguntou, em tom de curiosidade. Ken ficou sem saber o que dizer. A última coisa que desejava era que os Hamilton pensassem que havia alguma coisa entre eles. — É que parei lá para conversar um pouco depois da corrida — explicou, em tom pretensamente despreocupado. Depois, terminando rapidamente seu chá, colocou o copo na mesa e se levantou. — Bom, está na minha hora. Ainda tenho muito o que fazer hoje. Muito obrigado pelo chá, Peg-gy. Gerald, entro em contato com você assim que o orçamento estiver pronto. — Ótimo. Até logo. — Ah, Ken... — disse Peggy assim que ele virou-se para sair. — Será que pode dar uma carona a Jill? Também estou ocupada e está quente demais para ela ir a pé até sua casa. Você não se importa, não é mesmo? — Não, Peggy, é claro que não me importo — mentiu; e, descendo a escadinha, esperou que Jill o alcançasse. E ela veio, com aquele sorriso provocante nos lábios. — Se você não quiser me levar — disse em tom malicioso —, posso ir a pé. Mamãe parece considerar todos os homens cavaleiros andantes com armaduras brilhantes, e todas as mulheres umas coitadinhas indefesas. — E de indefesa você não tem nada, não é mesmo? — rosnou Ken. — Vamos, entre — acrescentou, abrindo a porta do passageiro. Quando passou por ele, Jill deixou no ar aquela fragrância especial que era só dela, uma mistura de seu
perfume preferido e de seu cheiro natural de mulher, e ele não pôde evitar fechar os olhos e respirar fundo. Tratou, porém, de se controlar. Bateu a porta e, acomo-dando-se ao volante, atirou a planta da reforma da casa no assento entre os dois. — Eu gostaria de ver a casa que você vai reformar — disse Jill —, caso esteja indo para lá agora. Ken introduziu a chave na ignição, recusando-se a olhar para ela. — Estou indo para lá, mas para trabalhar. Não tenho tempo de levá-la até lá e depois sair de novo e levá-la para sua casa. É melhor deixarmos para outra vez. — Ora, Ken, leve-me até lá agora... Não tenho nada para fazer até a hora do jantar. Não vou atrapalhar você... Vamos, Ken, por favor... — insistiu Jill, chegando mais para perto dele e empurrando o rolo de papel para o chão. Depois, apertou-lhe sugestivamente o braço e, com uma voz doce e provocante, tornou a insistir: — Vai me levar, não vai? Ken se voltou para ela e fitou-a de cara fechada. — Eu levo, mas com uma condição. — Que condição? — Que você pare de jogar charme para cima de mim! — O quê?! — exclamou Jill, afastando-se dele. — Só estou tentando ser gentil. Há algum mal nisso? — Não sei e nem quero saber. Só sei que ou você aceita minhas condições ou não vai! — Muito bem, caro senhor — disse ela por entre os dentes. — Vou me comportar direitinho, está bem assim?
CAPÍTULO III
— A casa fica muito longe? — perguntou Jill. — Não muito, a uns dez minutos daqui. — Ken fitou-a de relance. — Você vai ao casamento de sua irmã? — É claro. Ela me pediu para ser sua dama de honra. — E ela, foi dama de honra no seu casamento? — insistiu. Ken queria saber mais a respeito do casamento dela. — Para dizer a verdade, ninguém de minha família compareceu. — Como assim? — Eu estava em Paris quando decidi me casar — suspirou ela. — Foi uma decisão de última hora, e não houve tempo para que ninguém viajasse até lá. Além disso, Jean e eu não fazíamos questão de uma cerimônia tradicional, com uma grande festa e tudo o mais. Queríamos apenas nos casar logo e ser felizes para sempre. — E quanto tempo durou esse "felizes para sempre"? — Cerca de um ano e meio. — Que idade você tinha? — ele quis saber. — Dezenove quando me casei e vinte e um quando me divorciei. E já sei o que você vai dizer em seguida: que eu era jovem demais. — E era mesmo. — Pois é — concordou Jill. — Mas aprendi muita coisa durante aquele tempo. E agora, que já estou com quase vinte e cinco, tive tempo para aprender ainda mais. — Ken deu um suspiro. Ela não passava de uma menina... — E como as mulheres amadurecem mais depressa que os homens, quando eu tiver trinta e quatro vou ser mais experiente que você. — Trinta e quatro? — É, trinta e quatro anos. Não é essa a sua idade? — Bem que eu gostaria — disse ele. — Já faz quatro anos que deixei os
trinta e quatro para trás. — Deus do céu, mais dois anos e ele já teria quarenta. E aquela menina ainda não teria saído da casa dos vinte. — E mesmo? Pois não parece. Deve ser por causa de todo o esforço físico que seu trabalho exige. Para se manter em forma, Jean tinha de freqüentar uma academia. Ele é empresário, e passa quase o dia inteiro sentado. — Ah, seu ex-marido é empresário? — Do ramo de fibras têxteis — prosseguiu Jill. — E é também filho do presidente de uma das maiores multinacionais da França. — Vendo-se diante de uma oportunidade de impressioná-lo, ela foi adiante: — Tenho um grande conhecimento da comunidade empresarial internacional, sabia? Não pense que, só porque conheço muita gente da indústria do entretenimento, sou alguma bobinha sem cérebro. Sou eu mesma a responsável pela administração de minhas próprias ações e investimentos. Ken já sabia que os estilos de vida dos dois não combinavam, e ali se achava mais uma comprovação desse fato. Jill havia se casado com um milionário, evidentemente se sentia à vontade no mundo dos sofisticados empresários internacionais e chegava a administrar os próprios investimentos. Quanto a ele, seu investimento mais ousado não passava de um fundo de pensão de trabalhadores autônomos, para poder se aposentar mais tarde com uma renda decente. Não podia se queixar de sua empresa de construções; era um negócio bemsucedido, mas não chegava nem aos pés de uma grande multinacional. — E então seu casamento chegou ao fim e você voltou para a casa da mamãe — comentou, incapaz de reprimir a própria curiosidade. — Não foi bem assim — objetou Jill. — Depois do divórcio comprei uma casa em Malibu, e já faz dois anos que moro lá. E agora vim visitar minha família. — E por que não se hospedou na casa de seus pais? — E que mal os conheço — respondeu ela. — Não os conhece? — surpreendeu-se Ken. — Como isso pode ser possível? — Se quer saber, fazia mais de dez anos que eu não via minha mãe. — E por que não?
— O que posso lhe dizer? Foram as circunstâncias da vida. Eu me mantenho em contato com eles por carta ou por telefone. E você, por acaso vê os seus pais com freqüência? — retorquiu ela, em tom de desafio. — Com certeza — disse Ken. — Eles moram aqui mesmo na cidade, e vou visitá-los pelo menos duas vezes por mês. — Bom, então você é um sujeito de sorte — murmurou Jill. — E você é uma pobre menina rica, não é mesmo? — provocou. — Não sou nenhuma menina — objetou ela. — Sou uma mulher, caso não tenha notado. — Certamente... — declarou Ken com uma risadinha, virando a caminhonete para a entrada de carros da velha casa que pretendia reformar. Assim que a viu, Jill torceu o nariz. — Puxa, que construção simples e sem graça! — E o que você esperava? — retorquiu ele. — Ela foi construída no fim do século dezoito. É simples, mas funcional. Os pioneiros daquela época não precisavam de luxo nem de sofisticação, e esta era apenas a casa de um fazendeiro. Pertence à sua família há centenas de anos. — A família de Gerald — objetou Jill. Quando a caminhonete parou, ela abriu depressa a porta e desceu. — Aqui está a chave — disse ele. — Fique à vontade para olhar tudo o que quiser. Tenho muito o que fazer. — Atirando o chaveiro para ela, Ken apanhou uma prancheta. — Se você vai apenas fazer medições e tomar notas, eu posso ajudá-lo. — A curiosidade de Jill pela casa não era tanta, o que ela realmente desejava era ficar perto dele. — Tudo bem — disse Ken depois de hesitar um pouco. — Você segura a ponta da trena para mim e anota as medidas que eu disser, está bem? — Ótimo! Pode deixar comigo. Dali a menos de dez minutos, ele estava arrependido até a raiz dos cabelos. Quando posicionava a extremidade da trena em um determinado ponto
de uma parede ou do chão de um cômodo, os dedos de Jill se enroscavam com os dele ao trocar de lugar, seu braço roçava no dele e deslocava a trena, seu sorriso sedutor o distraía. Por duas vezes, Ken chegou quase a esquecer se a medida que acabara de tirar era de largura ou de comprimento. — Jill, pelo amor de Deus, você está me atrapalhando! É melhor ficar quietinha e não sair daqui! — exclamou ele em certo momento, segurando-a pelos ombros e empurrando-a em direção a uma parede. Ela tropeçou e Ken a segurou com mais força para ajudá-la a recuperar a equilíbrio. E foi aí que, baixando o olhar, Ken percebeu a tolice que fizera. Jill se achava muito perto dele... perto demais. Respirando fundo, ele percebeu que seus sentidos se inundavam com o perfume daquela mulher. Ela o fitava com seus grandes olhos cor de mel, e ele viu que seus lábios rosados e úmidos se achavam ligeiramente entreabertos. Ah, não podia mesmo haver autocontrole que agüentasse tanta tentação. As paredes do cômodo se desvaneceram no ar, tudo o que restou foram eles dois e o sangue que pulsava ruidosamente nas veias dele. Incapaz de resistir mais, Ken baixou a cabeça e beijou-a selvagemmente. Jill abriu um pouco mais a boca e colou seu corpo ao dele, deixando a prancheta cair ruidosamente no chão ao erguer os braços e envolvê-lo pelo pescoço. Depois, segurando-o com mais força, deixou que sua língua se enroscasse com a dele, em uma dança exótica e frenética que inflamou os sentidos de Ken e o deixou ainda mais louco de desejo Eu jamais reagira daquela forma a mulher alguma. O que sentia por Jill era fome e sede, e isso o deixava totalmente atônito. Os dois se achavam sozinhos naquela casa. Ainda restavam algumas peças do mobiliário. Será que havia uma cama em algum lugar? Caso não houvesse, sempre se poderia apelar para o próprio chão... Por que não ceder de uma vez à luxúria que dominava a ambos? Afinal de contas, os dois eram livres; ela, divorciada, e ele, viúvo.
Viúvo. Marido de Emma, sua querida esposa que morrera. Ken levantou a cabeça e se afastou de Jill, fitando seu rosto afogueado. Seus olhos brilhavam de paixão e desejo, e ela respirava com dificuldade. Não, aquela mulher não era para ele. Ele fora casado e perdera a esposa. E não estava à procura de ninguém para tomar o lugar dela. — Ken Davis... — arfou Jill. — Onde foi que aprendeu a beijar assim? — Durante as licenças que tirava quando estava servindo a Marinha — respondeu ele em tom de brincadeira, desviando o olhar. — Você serviu a Marinha? — surpreendeu-se ela, encostando-se na parede. — Quando? Por onde viajou? — Dos dezoito aos vinte e dois anos — respondeu Ken, inclinando-se para apanhar a prancheta e entregando-a a Jill. — Passei quatro anos em um portaaviões. Naveguei por todo o Pacífico e pelo Mediterrâneo — acrescentou, atravessando o cômodo para pegar a trena e disfarçar seu mal-estar. Não se sentia assim desde que era adolescente. — E por que não permaneceu na Marinha? — Bom, um dos motivos foi que queria voltar para casa e dedicar-me seriamente à construção civil. — E o outro? Ken fitou-a, mas por um instante enxergou a imagem de Emma. Fora uma pena que não tivessem tido filhos, mas ela lhe proporcionara uma vida tranqüila e sempre fizera tudo para agradá-lo. Deus do céu, como ele a amara! — Porque achei que já estava na hora de me casar com minha noiva — respondeu finalmente. — Eu lhe pedira que esperasse por mim enquanto eu servia a Marinha. — Um noivado de quatro anos? — admirou-se Jill, com uma expressão atônita. — Pois é. Bem diferente de seu casamento apressado que não pôde sequer esperar pela chegada de seus pais, não é mesmo? — Ken mal acabara de falar e já se arrependera. Jill era evidentemente uma garota inquieta, vibrante, mais cheia de vida do que qualquer outra que ele já conhecera. Aquilo, porém, não lhe dava o
direito de ofendê-la. Jill corou até a raiz dos cabelos e baixou o olhar para a prancheta. — Ah, Jill, por favor, perdoe-me. Eu não devia ter dito isso... A maneira como vive sua vida não é de minha conta. — E o que acabou acontecendo com seu casamento? — perguntou por fim. — Depois de tantos anos de espera, vocês dois deviam ter certeza do que realmente queriam. — E tínhamos mesmo. Emma morreu,há. cinco anos. — desculpe-me — gaguejou ela, desviando o olhar. — Eu não sabia. — Bom, acho que já tirei todas as medidas de que precisava para começar a comprar o material — comentou Ken, mudando repentinamente de assunto. — Agora vou dar uma olhada com mais atenção em cada cômodo, para ver o que precisa ser feito. — Ken, por favor, não precisa se preocupar comigo — disse Jill com firmeza, recusando-se a deixar a conversa morrer. — Não vou ficar por muito tempo em Charlottesville, e não estou à procura de um novo marido. Mas quero que saiba que sinto uma grande atração por você. — Fitando-o diretamente nos olhos, acrescentou: — Se quiser um romance rápido e calmo, sem complicações nem compromissos, aqui estou eu. É só dizer que sim. — Minha nossa! Você é a mulher mais objetiva que já conheci! — Imagino que sua esposa não era assim, era? — Emma? Emma era tímida e delicada, e não tinha a ousadia de tomar certas iniciativas. Não costumava se atirar para cima dos homens. — Bom — declarou Jill calmamente —, eu sou uma mulher dos anos noventa. Quando quero uma coisa, não fico esperando que caia do céu... Vou atrás e luto pelo que quero. — Vou me lembrar disso — disse ele, começando a ficar furioso. Era daquela forma que ela levava a vida? A quantos homens já dissera a mesma coisa? — Ótimo. — Jill apanhou o lápis e ficou esperando com a prancheta na mão. — E agora, que mais posso fazer para ajudá-lo?
— Bom, eu... Ken levou cerca de meia hora andando de um cômodo para outro, ditando para ela o material de que necessitava para a reforma da casa. Quando terminou, Jill lhe entregou a prancheta e saiu em direção à caminhonete. — Vou esperar lá fora enquanto você fecha a casa — disse em tom pretensamente despreocupado, torcendo para que ele não percebesse como se sentia constrangida. Era a primeira vez em que "se oferecia" a um homem, que tomava a iniciativa de propor um relacionamento daquela espécie. Tudo o que conseguira com sua ousada sugestão, porém, fora obter o desprezo de Ken. — Muito calor? — perguntou ele, aproximando-se da caminhonete. — Agüente um pouco, que já vou ligar o ar-condicionado. Durante o trajeto até sua casa, Jill tentava compreender o que estava lhe acontecendo. Se um simples beijo a levara praticamente à loucura, como seria fazer amor com aquele homem? Será que teria a oportunidade de descobrir? Provavelmente não, após a proposta que lhe fizera. Ken parecia ainda mais distante, mais inatingível. — Malibu fica perto de Hollywood? — perguntou ele, para puxar conversa. Mais quinze minutos e aquela tentação sairia de sua caminhonete. E de sua vida. — Não fica muito longe. E minha casa fica à beira da praia. Mas por que não me conta sobre suas viagens pelo Mediterrâneo? — Bom — começou Ken —, conheci Marselha e vi uma parte da Riviera. Depois fui para a Espanha e a Itália. — Qual o local de que mais gostou? — Gibraltar. Mas talvez tenha sido porque lá eles falam inglês. Você fala francês, não é mesmo? — Ah, sim — confirmou Jill. — E um pouco de espanhol. Mas papai fez questão de que eu aprendesse bem o francês. E foi bom, senão Jean e eu teríamos tido sérios problemas de comunicação.
— Vocês provavelmente nem teriam se conhecido nem se casado — observou ele. — Provavelmente. — Está arrependida? — perguntou Ken ao virar a caminhonete para a entrada de carros ao lado da casa de Lynn. Jill detestava falar naquele assunto, mas não conseguiu deixar de ser sincera. — Lamento muito pelo divórcio, fiquei com a sensação de ter fracassado em algo muito importante. Mas são necessárias duas pessoas para manter um casamento, ou até mesmo um simples relacionamento. Por mais que uma delas deseje fazer com que as coisas dêem certo, se a outra se afasta vai tudo por água abaixo. Voltando-se para ele, fitou-o demoradamente e acrescentou: — Ninguém melhor do que você para saber disso. Seu relacionamento com sua mulher terminou quando ela morreu. — Pode ter terminado — observou Ken —, mas isso não significa que eu esteja à procura de outra pessoa. — Eu sei. E você não quer nem ouvir falar de um relacionamento sem compromissos — disse ela, abrindo a porta e descendo do veículo. Depois virou-se e se inclinou para dentro da cabine. — Quer que eu vá ajudá-lo amanhã novamente? — Tudo bem, mas dessa vez vista roupas velhas. — Certo — Jill despediu-se com mais um de seus sorrisos devastadores, fechando a porta e saindo em direção à casa. — Mas que droga! — vociferou Ken, dando ré na caminhonete e saindo para a rua com os pneus cantando. Aquela garota o deixava maluco! Jill alugara um conversível azul para sua estada em Charlottesville. Naquela manhã, logo depois das oito, baixou a capota do carro, colocou no banco traseiro a pequena geladeira portátil que continha sanduíches e refrigerantes e se acomodou ao volante. Ken não passara correndo diante de sua casa naquele dia. O que acontecera? Será que a estava evitando?
Havia duas caminhonetes estacionadas no gramado fronteiriço à velha casa, e ela parou o conversível ao lado da que pertencia a Ken. — Olá! Alguém em casa? — gritou dali a alguns instantes, abrindo a porta da frente. — Estamos aqui! — respondeu-lhe uma voz desconhecida. Um rapaz que ela jamais vira antes entrou no hall, vindo da sala de jantar. Era corpulento e bonitão, e ficava muito bem com a camisa xadrez e a calça jeans que estava usando. Fitando-a acintosamente do alto da cabeça até a ponta dos tênis, ele deu um sorriso de orelha a orelha e falou: — Mas a única pessoa com quem vale a pena conversar sou eu. Kevin Gamlin, muito prazer. E com quem tenho o imenso prazer de falar? — Meu nome é Jill du Mareei, sou a enteada de Gerald Hamilton. Por acaso Ken está por aí? — Ele já vai descer. Está dando uma olhada na fiação elétrica. Será que posso ajudá-la em alguma coisa? — Não, obrigada — respondeu ela, começando a subir a escadaria. — Vim aqui para ajudar Ken. No pavimento superior, começou a entrar em cada um dos cômodos à procura dele. Tentando abrir uma das portas e achando que estava emperrada, deu-lhe um vigoroso empurrão e viu que ela batera de encontro a uma escada. — Ei, espere! Que diabo... Ouviu-se um ruído rascante e assustador, enquanto a escada escorregava pela parede abaixo e, em seguida, um baque de arrepiar os cabelos. Espiando pela porta entreaberta, Jill viu Ken estatelado no assoalho, junto à parede do outro lado do quarto. — Ken! — gritou ela, apavorada, correndo na direção dele. — Mas que droga! Que diabo você pensa que está fazendo? — Segurando o braço direito com a mão esquerda, Ken rilhava os dentes de dor. — Ah, meu Deus! Você se machucou?
— Jill, por favor, saia daqui! — disse ele, sentando-se e se encostando na parede. — Não acha que já causou problemas suficientes? — Patrão, o que aconteceu? — exclamou Kevin, que entrara correndo no quarto. — Caí da escada — rosnou Ken, fechando os olhos. — Meu pulso está doendo como o diabo! — Espere um pouco, deixe-me ver — pediu Jill, ajoelhando-se ao lado dele. Ken abriu um par de olhos em sombrecidos de raiva e dor, e a fitou com uma expressão praticamente indescritível. — Eu sei, eu sei — acrescentou ela —, fiz uma grande besteira. Sinto muito, não foi de propósito... Eu não sabia que a escada estava atrás da porta. Mas me deixe ver seu pulso, por favor, tenho treinamento em primeiros socorros. — Está bem, mas cuid... Ai! Cuidado! Com toda delicadeza, ela segurou o braço dele e examinou-o. A pele do pulso dele já começara a inchar e adquiria uma coloração arroxeada. — Esse pulso está no mínimo deslocado — disse Jill por fim — , mas pode também estar fraturado. — Ah, que beleza... — vociferou ele por entre os dentes cerrados. — Vou levá-lo ao hospital, patrão — ofereceu-se Kevin, ajudando Ken a se levantar. — Não, deixe que eu levo — disse Jill em um tom de voz contido e preocupado. — A culpa foi minha. — Mal podia acreditar no que acontecera. Como conseguira fazer com que ele levasse tamanha queda e se machucasse daquela forma? — Kevin, termine o trabalho que tínhamos começado — ordenou ele. — Devo estar de volta em uma ou duas horas. Se meu pulso estiver quebrado, eles vão engessá-lo e pronto. Jill tentou passar o braço pela cintura dele, mas Ken se afastou para o lado, furioso. — E o meu braço que está machucado — rosnou —, não as minhas pernas. Sou perfeitamente capaz de andar sem a ajuda de ninguém.
Já era quase meio-dia quando o hospital o liberou. — Ken — insistia Jill caminhando ao lado dele no estacionamento —, desculpe-me, por favor! — Jill, pelo amor de Deus! — exclamou Ken, em tom de zombaria. — Esta deve ter sido a milésima vez em que você me pede desculpas! — Bom — disse ela, olhando-o de soslaio e vendo-o disfarçar um sorriso —, pelo menos não foi uma fratura muito grave. E ficar com o braço engessado por oito semanas também não é o fim do mundo. — Não, não é. — Mas você vai ter dificuldades no trabalho, não é mesmo? Acho que não vai poder usar o martelo, por exemplo. — Brilhante conclusão. — Oh, Ken, não fique assim... Olhe, vou ajudá-lo em tudo o que puder. Vou tomar notas para você, dirigir sua caminhonete, martelar tudo o que você precisar. Vou ser o seu braço direito! — concluiu Jill, com um radioso sorriso.
CAPÍTULO IV
— E agora, para onde vamos? — perguntou Jill quando os dois chegaram ao conversível. — Voltar para a obra, é claro — disse Ken. — Já perdi meio dia de trabalho. — O melhor mesmo seria você descansar pelo resto do dia — observou ela com um sorriso nervoso, sentando-se ao volante. — Não vou poder fazer nenhum esforço físico com o braço inchado e doendo desse jeito — disse Ken. — Vou apenas deixar umas instruções com Kevin e depois ir para outra obra ver como estão as coisas. — Ah, quer dizer que está envolvido em mais de uma construção?
— Tenho várias equipes trabalhando em diversos projetos, mas acho que pelos próximos dois meses terei de me limitar a bancar o supervisor. — Desculpe-me, novamente, Ken... — Jill estava se sentindo terrivelmente mal. Sabia que, quando passasse o efeito da injeção que ele tomara no hospital, o pulso dele iria doer ainda por vários dias. — Você costuma se machucar muito em seu trabalho? — Para dizer a verdade, essa foi a segunda vez em que tive uma fratura. Mas não se preocupe, logo vou ficar bom. — Então pelo menos me deixe ajudá-lo. — É, parece que vou ter mesmo de aceitar sua ajuda até me acostumar com o gesso. — E não vai poder fazer nada hoje — advertiu ela. — Tem de esperar o gesso secar bem. — Ouvi muito bem as instruções do médico — replicou Ken, com ar de quem já estava perdendo a paciência. — Olhe, vire aqui à direita. — Não, ele se recusava a se deixar enredar pelo jeitinho doce de Jill. Trataria de voltar ao trabalho e mandá-la de volta para casa. — E então, patrão? — exclamou Kevin, que aparecera na varanda ao ouvir o ruído do carro. — Como foram as coisas no hospital? — Quebrei o pulso — disse Ken, exibindo o braço engessado ao mesmo tempo que acionava a maçaneta com a mão esquerda e abria a porta com o pé — e vou ter de agüentar esta porcaria durante dois meses. Jill já havia descido do conversível e apanhado a caixa de isopor que ainda se encontrava no banco traseiro. — Muito bem, hora do almoço — disse, em tom firme. — Que almoço que nada! Eu já... — Sei muito bem que já perdeu meio dia de trabalho, mas tem de se alimentar, não tem? — Humm... Acho que estou mesmo com fome. — Ótimo. Vamos nos sentar à sombra daquela árvore.
— Está bem. Jill saiu em direção a um velho olmo que ficava a alguns metros da casa e se sentou agilmente na grama. Ken ainda permaneceu alguns minutos conversando com Kevin, que finalmente assentiu com um movimento de cabeça, sorriu de longe para Jill e voltou para o interior da casa. Quando Ken se sentou a seu lado sob a copa da árvore, Jill retirou a tampa da caixa de isopor e a usou como uma bandeja improvisada, colocando sobre ela os pedaços de frango frito, o pão, o queijo e a geléia que trouxera. — Pode se servir, Ken. Eu não trouxe cerveja, só refrigerante. — Ainda bem. Não permito bebidas alcoólicas no ambiente de trabalho. — E, tem lógica — observou ela. — Alguém pode ficar bêbado e causar problemas. — E eu já tenho problemas suficientes, não acha? — Ken, desculpe-me, por favor... — Escute, Jill — interrompeu ele —, sei que não causou aquele acidente de propósito. Já aceitei seus pedidos de desculpas, e não precisa mais repeti-los. Para dizer a verdade, não quero que me peça desculpas novamente! — É que estou me sentindo tão mal com tudo isso... Queria fazer alguma coisa para compensar o mal que causei. — Vou pensar em algo — declarou Ken. Como convidá-la para morar com ele e satisfazer a todos os seus caprichos, fazer com que preparasse suas refeições, o ajudasse a tomar banho... — Conte-me como pretende fazer a reforma desta casa — pediu ela após alguns instantes de constrangedor silêncio. Aliviado
com
a
mudança
de
assunto,
Ken
começou
a
discorrer
animadamente a respeito das modificações que tencionava executar na velha propriedade. — Pois saiba que eu realmente gostaria de ajudar — disse baixinho, quando ele terminou a descrição dás reformas. — É mesmo? — retorquiu Ken com ar descrente e, por pura força do
hábito, estendeu a mão direita para sua latinha de refrigerante. Antes que ele tivesse tempo de mudar de idéia e usar a mão esquerda, Jill apanhou-a, abriu-a e colocou-a na mão dele. — Estou falando sério — insistiu, em tom firme. — E, estou vendo. Tudo bem, você me ajuda por um ou dois dias e eu observo o que é capaz de fazer. Se achar que vai ser realmente útil, eu lhe dou uma chance; caso contrário, não se esqueça de que o patrão aqui sou eu. E não vou admitir discussões. — Combinado, chefe. — Ela sorriu. Dali a alguns minutos, quando os dois terminaram de comer, juntou os restos da refeição e recondicionou-os cuidadosamente na caixa de isopor. — E o braço, como vai? — perguntou, ajoelhando-se ao lado de Ken. — Acho que o efeito da injeção está passando — disse ele. — A dor está começando a voltar. Com todo o cuidado, ela introduziu a ponta do indicador por dentro da extremidade do gesso. — Não está muito apertado, está? — insistiu, deixando a mão permanecer sobre a dele e fitando-o intensamente nos olhos. — Jill, não comece, por favor — sussurrou Ken. — Eu só queria ver como está seu braço — respondeu ela, também com um sussurro. Depois, umedecendo os lábios com a ponta da língua, baixou o olhar para aquela tentadora boca masculina, lembrando-se do beijo faminto que ele lhe dera no dia anterior. — Jill, eu... — Vendo-a umedecer os lábios com a língua, Ken se sentiu como se tivesse levado um soco no baixo ventre. E então, sem pensar no que fazia, segurou-a pela nuca com a mão esquerda, puxou-a vagarosamente para si e se apossou de sua boca. Depois, muito devagar, explorou-lhe os lábios com a ponta da língua. Mordeu-lhe delicadamente o lábio inferior e, surpreso com o gemido abafado que ela deixou escapar, envolveu-a pela cintura e esmagou-lhe os seios macios contra a dureza de seu peito musculoso.
Somente recuperou a sanidade quando sentiu uma violenta pontada no pulso quebrado. E então soltou-a, afastou-se dela e, com o rosto contraído de dor, segurou o braço engessado contra o peito. Jill estava mais linda do que nunca, sorrindo de felicidade e com os olhos brilhando. — E então, está na hora de trabalhar? — perguntou animada. — E, parece que sim. Ken levantou-se desajeitada mente e saiu em direção à casa, não se detendo sequer para esperar que ela o alcançasse. O que lhe dera na cabeça para beijá-la daquela forma? Jill não entendeu aquela repentina mudança de. estado de espírito e, vagarosamente, levantou-se e apanhou a caixa de isopor. Antes de entrar na casa, ela apanhou a tipóia que ficara esquecida no banco da frente. Ken e Kevin se encontravam na cozinha, abaixados junto a uma parede, examinando o encanamento no local onde antes ficava a pia. Entretidos na conversa, os dois não a viram entrar e, encostando-se na parede, Jill ficou observando e ouvindo. Por duas vezes Ken mexeu com o ombro e movimentou os dedos da mão direita. Ela percebeu que ele deveria estar sentindo dor, e notou também que Ken não era homem de se deixar dominar pelo sofrimento físico. Pelo que parecia, era tão obstinado quanto ela. Ao se levantar, ele virou-se e a viu. — O braço está incomodando? — perguntou Jill, afastando-se da parede. — Um pouco. — Você deveria usar isto — disse ela, mostrando-lhe a tipóia —, como o médico mandou. Kevin sorriu, observando-a do alto da cabeça até a ponta dos pés. — Vou usar, sim — rosnou Ken, olhando feio para o rapaz. — Deixe que eu coloco — disse ela em tom provocante, aproximando-se e
erguendo os braços para amarrar as pontas da tipóia por trás de seu pescoço. Era evidente o esforço de Ken para se manter impassível. Podia se esforçar o quanto quisesse para parecer imune à proximidade dela, mas não o era. — E então, ficou bom? — Ficou ótimo — respondeu ele por entre os dentes. Jill acomodou-lhe o braço dentro do pedaço triangular de pano e mais uma vez passou os braços em torno de seu pescoço, com o pretexto de verificar se o nó estava firme. — Jill, por favor, afaste-se. Ela sorriu e deu um passo para trás. Não, Ken não era tão indiferente quanto queria fazer parecer. — Está melhor? — Está, mas não preciso de enfermeira, obrigado. Jill fitou-o bem no fundo dos olhos. — É mesmo? Então do que é que você precisa, Ken? Kevin deixou escapar uma risadinha, e tentou disfarçá-la com uma tosse forçada.
Ken segurou-a pelo braço e arrastou-a para fora da cozinha. — Não vê que só está me causando problemas? Por favor, Jill, vá para casa! — Não posso — objetou ela. — Tenho de levá-lo até a outra obra, e depois preparar o seu jantar. — Leve-me até a outra obra e depois vá para casa. Depois eu decido o que fazer com o jantar. — Mas o gesso ainda não secou! Deixe que eu o ajude hoje, e amanhã já poderá ficar sozinho. Por favor, Ken, deixe-me fazer alguma coisa para compensar meu erro! — Está bem — concordou ele. — Vamos terminar logo com isso. — Voltando-se em direção à cozinha, gritou para Kevin: — Estamos indo para a obra da rua Montgomery. Volto só amanhã. — Até amanhã, patrão — respondeu o rapaz. — Divirta-se!
— Preciso de minha caminhonete, Jill — disse Ken, detendo-se na varanda. — Ela é um verdadeiro escritório sobre rodas. — Tudo bem — tranqüilizou-o ela. — Eu vou dirigindo a caminhonete e depois volto para buscar meu carro. Ken deixou escapar um gemido abafado e, com relutância, saiu em direção à caminhonete. Assim que o gesso endurecesse o suficiente para lhe permitir usar o braço, ele trataria de se livrar daquela "ajuda". Jill ficou encantada com a casa ampla e elegante que a outra equipe de Ken estava construindo em um enorme terreno da rua Montgomery. Enquanto ele conversava com o mestre-de-obras, ela ficou vagando pelos cômodos, observando tudo. A tarde já chegava ao fim quando Ken foi procurar por Jill. Sentada na tampa traseira da caminhonete, que se achava abaixada, ela conversava com um dos rapazes da equipe. Quando viu Ken, saltou para o chão e sorriu. — E então, hora de ir para casa? — perguntou. Ele assentiu com um gesto de cabeça e foi em direção à porta do passageiro. — Tenho de ir embora — disse ela ao rapaz. — Muito obrigada pela informação. — De nada — respondeu ele com um sorriso, fechando a tampa traseira da caminhonete. — A gente se vê por aí, está bem? — acrescentou, acenando para ela e voltando para o interior da casa. — Mais uma conquista sua? — perguntou Ken, em tom irônico, quando Jill se acomodou ao volante. — Mais uma? — retorquiu ela, com uma expressão provocante. — Quem foi a primeira? Você? — Eu não! — disse Ken em tom firme. — Claro que não. E então, vamos embora? — Vamos. Eu lhe indico o caminho.
Em menos de dez minutos Jill virava a caminhonete para a entrada de carros da casa de Ken. Era uma propriedade simples e igual às outras, em uma rua tranqüila e silenciosa. Ken desceu do veículo e, parando um pouco para se espreguiçar, foi para a porta da frente. Ela o seguiu e, abrindo a porta, ele lhe fez sinal para que passasse à frente e entrasse. — Humm... — fez Jill, observando a sala organizada e bem arrumada. — Onde fica a cozinha? — Ali no fim do corredor. Vou pegar um saco plástico para proteger o gesso; quero tomar uma ducha. Você consegue se virar sozinha? — É claro, pode deixar comigo. Jill não fazia a menor idéia do que iria preparar para o jantar. Abrira o refrigerador e não encontrara nenhum prato congelado, coisa que havia às dúzias na geladeira de sua casa. Em contrapartida, o refrigerador de Ken estava repleto de verduras, legumes, ovos, carne e outros ingredientes para o preparo de comida caseira. O problema era que Jill mal sabia ferver água. Dali a uns quinze minutos, quando entrou na cozinha, Ken a viu de pé diante do fogão. Durante alguns segundos foi assaltado pela lembrança de Emma, que era excelente cozinheira. — O que é isso? — perguntou Ken, aproximando-se e espiando a frigideira. — Parecem ovos mexidos... — E são ovos mexidos. Preparei também um pacote de sopa, e coloquei pão na torradeira. Você poderia pegar a manteiga? — E claro — disse, indo até o refrigerador. — Aqui está a manteiga. Dali a cinco minutos Ken se sentou à mesa e contemplou o jantar: um prato fundo de sopa de pacote e um prato raso de ovos mexidos, ressecados e ligeiramente queimados. — E então, está bom? — perguntou Jill, em tom de ansiedade. — Está ótimo — garantiu ele, sentindo o coração se apertar diante da expressão mista de preocupação e desespero que via nos olhos dela.
O alívio de Jill foi mais do que evidente. Ela parecia mais jovem do que nunca, e extremamente insegura. — Graças aos céus! — exclamou. — E que não entendo muito de culinária... Ken espetou com o garfo um pedaço de omelete e colocou-o na boca. Ressecado, mas comível. — Está ótimo — repetiu, estendendo a mão para uma torrada. — Que bom! — disse Jill, com um enorme sorriso. — O que você costuma preparar para comer em sua casa? — perguntou ele. — Bom, para dizer a verdade — respondeu ela —, na maioria das vezes saio para comer fora. Ou coloco pratos congelados no microondas. Nunca aprendi a cozinhar, meu pai sempre teve cozinheiras em casa. — Imagino que Jean tenha se apaixonado por você em razão de outras qualidades além de sua habilidade na cozinha. O sorriso que ela deu deixou-o atônito. Sem dúvida alguma, aquela era a mulher mais bonita que ele já vira na vida. — E sua esposa, cozinhava bem?
CAPÍTULO V
— Emma cozinhava muitíssimo bem — disse Ken. — Vivia experimentando receitas novas, e fazia bolos e tortas absolutamente maravilhosos. Eu adorava tudo o que ela preparava para mim. — Ela era uma mulher de sorte — murmurou Jill. — Ken, por favor, pare de comer essa porcaria. Os ovos mexidos estão ressecados e sem gosto, e a sopa está horrível. A única coisa que vale a pena comer são as torradas, mas elas não serão suficientes para satisfazer seu apetite — acrescentou, levantando-se e pegando o telefone. — O que vai fazer?
— Pedir uma pizza, o que mais? — Ah, Jill, isso não é necessário — garantiu ele. — O jantar está ótimo, e sou muito grato pelo seu esforço — declarou, levantando-se também e apertando o botão que desligava o aparelho. Jill permaneceu de olhos baixos, fazendo tudo para reprimir as lágrimas. Sentia-se a própria imagem do fracasso, e sabia que jamais seria capaz de competir com Emma, a rainha da perfeição. Não fazia a menor idéia de como proceder para cuidar de uma casa e de um homem. Antes isso não fizera a menor diferença em sua vida, mas naquele momento fazia, e muito. Ken segurou-lhe delicadamente o queixo e fez com que voltasse o rosto para ele. — É verdade, Jill. Seu jantar está muito bom. — Você é um homem de bom coração — sussurrou ela, com a voz embargada. — Mas não precisa mentir para poupar meus sentimentos. Sei distinguir perfeitamente quando a comida está ruim. Não sei cozinhar, mas sei comer. Além do mais, você precisa comer mais do que um pouquinho de ovos mexidos para conservar suas energias. Vamos, deixe-me pedir uma pizza, eu também estou morrendo de fome. — E, assim que acabou de falar, não pôde evitar que uma lágrima lhe deslizasse lentamente pela face. — Tudo bem, então — disse Ken, enxugando-lhe a lágrima com o polegar. — Vamos comer pizza. Quer sair para ir a uma pizzaria? — Eu preferiria comer aqui mesmo, se você não se importa — respondeu Jill, dando-lhe as costas e passando a mão nos olhos molhados. Depois pegou novamente o telefone e discou o número do "Disque-Pizza". — Vou dar um jeito na cozinha enquanto esperamos pela entrega — disse após ter feito o pedido. — Vá se sentar na sala e ler o jornal, ou fazer o que costumava fazer quando Emma era viva. — Para dizer a verdade, eu costumava me sentar aqui mesmo e ficar olhando enquanto ela cozinhava, só para passar mais tempo ao lado dela. — Ah, sei... — Por um momento, ela se sentiu dominada por uma profunda inveja da falecida.
Era evidente que Ken adorava a esposa, da mesma forma como Gerald amava sua mãe. Jill, porém, jamais tivera uma experiência como aquela. — Bom, então sente-se e me conte mais a respeito de Emma — pediu, recolhendo os pratos e abrindo a torneira da pia. — Como é que ela era? — Doce, delicada e amável... Adorava animais e crianças. — Por que vocês dois não tiveram filhos? — perguntou Jill, voltando-se para ele e encostando-se na pia. — Sei lá... Simplesmente não aconteceu. Queríamos muito ter filhos, mas Emma jamais engravidou. Jill percebeu o tom dolorido da voz dele e se arrependeu de ter feito aquela pergunta. Ken ergueu os olhos para ela, o braço engessado apoiado contra o peito largo. — Por que não me conta um pouco a respeito de Jill du Mareei? Sendo filha de Steven Kennet, você deve ter tido uma infância e uma adolescência muito movimentadas. — É, foi bom. Quando criança eu não sabia que minha vida tinha alguma coisa de especial. Pensava que a infância de todo mundo era igual à minha. — E mais recentemente — insistiu ele —, aconteceu algo de interessante em sua vida? — Ah, nada demais — desconversou Jill. — Será que vão demorar muito para entregar a pizza? — Acho que não — disse Ken, levantando-se. — Venha comigo até a sala, vou lhe mostrar uma fotografia de Emma. Que maravilha, pensou Jill ao acompanhá-lo pelo corredor. Ela estava fazendo tudo para lhe chamar a atenção e ele a levava para ver uma foto da esposa. Sem dúvida, havia momentos em que os homens não viam um palmo adiante do nariz! Ken deteve-se ao lado de um pôster pendurado na parede. Jill chegou um pouco mais perto e contemplou o rosto da loira tímida que sorria desajeitada mente para a câmera. — Ela era bonita — murmurou, em tom não muito convincente.
— Eu também acho. Desde a primeira vez em que nos vimos, quando estudávamos na quarta série, eu soube que um dia ela seria minha esposa. — Está falando sério? — exclamou Jill, atônita. Depois, tentando mudar logo de assunto, perguntou: — Mas diga-me, não é cansativo morar no mesmo lugar a vida inteira? Você não sente vontade de mudar de ares de vez em quando? — Não, não. Gosto muito daqui. Conheço meus amigos desde pequenos, meus pais moram aqui perto, a casa de minha irmã e da família dela fica a menos de dez minutos da minha. — Pois eu sou completamente diferente... Nunca consigo permanecer muito tempo no mesmo lugar. — Por quanto tempo pretende ficar em Charlottesville? — perguntou ele. — No máximo até o casamento de Lynn, em outubro. — E depois? — Depois não sei... Acho que vou simplesmente sair por aí, ao sabor do vento. Jill ouviu um carro parar diante da casa e, aliviada, foi abrir a porta. Não estava com vontade de conversar a respeito de sua partida, mas aquele era o modo como levava sua existência. E, com o passar do tempo, esse padrão de vida a vinha satisfazendo cada vez menos. O que realmente desejava era encontrar um lugar a que pudesse chamar de lar. Só que, àquela altura de sua vida, já deveria saber que aquilo jamais aconteceria. — Poderíamos ir comer lá fora... no quintal — sugeriu Ken ao voltar para a cozinha, equilibrando a caixa redonda de papelão na mão esquerda. — Agora que o sol está se pondo, já não deve estar fazendo tanto calor. — Ótima idéia! Vou pegar alguma coisa para bebermos. Quer uma cerveja? — Não, é melhor não misturar álcool com remédio contra a dor. Prefiro chá gelado. Há uma jarra grande no refrigerador. — Seu quintal é muito gostoso — disse Jill dali a alguns minutos, quando a
pizza já se achava pela metade. Tomando um gole de chá, ela olhou a seu redor. O gramado estava cuidadosamente aparado, e os canteiros de flores se achavam livres de ervas daninhas e repletos de botões coloridos. — Conte-me como é sua casa em Malibu — pediu Ken, pegando mais uma fatia de pizza. — Ah, ela é toda moderna, com muito metal e vidro, e fica à beira da praia. Gosto de olhar o mar a toda hora, por isso não tenho cortinas nem persianas nas janelas que dão para a praia. O pôr-do-sol costuma ser espetacular, mas fora isso é uma casa como qualquer outra. . — Ken! — gritou uma voz masculina vinda da frente da casa, ao mesmo tempo que se ouvia o tilintar da campainha. Ken levantou-se e foi atender, entrando em casa pela porta da cozinha. Jill deixou-se ficar onde estava, pensando em como era agradável poder sentar-se calmamente e aproveitar a companhia de outra pessoa em um cantinho tão agradável do mundo. — Jill, é o Kevin — disse Ken da porta da cozinha. — Ele veio trazer seu carro, e o Sam está esperando para dar uma carona a ele. Quer que eles lhe mostrem o caminho de volta para sua casa? — Ah, sim, claro — respondeu ela, levantando-se e se esforçando para que ele não percebesse o tom decepcionado de sua voz. Ken não via a hora de se livrar de sua presença, e isso era mais do que evidente. — Obrigada pelo jantar — acrescentou. — Talvez uma noite dessas eu possa retribuir a gentileza. — Não precisa se incomodar — desconversou ele, acompanhando-a até a varanda da frente. — Obrigada por trazer meu carro — disse Jill a Kevin, com um sorriso. — O prazer foi todo meu — respondeu o rapaz. — Ainda bem que você esqueceu as chaves no contato. Quer que eu vá dirigindo até sua casa? Sam pode vir atrás de nós.
— Claro, por que não? Até logo, Ken — disse ela, acenando em despedida e se voltando para o conversível. Ele ficou olhando enquanto Jill entrava no carro e dizia alguma coisa a Kevin. Quando o rapaz caiu na risada, Ken apertou os lábios. Aqueles dois formavam um casal muito mais adequado; ambos eram jovens, livres e despreocupados. O som do riso de Jill, enquanto Kevin afastava o conversível da calçada, intensificou ainda mais a pontada de ciúme que o assaltara. Vagarosamente, Ken voltou para o interior da casa agora vazia e silenciosa. Jill em breve iria embora de Charlottesville. Ele talvez a visse mais uma ou duas vezes, e depois... Detendo-se diante da fotografia de Emma, Ken sentiu que, pela primeira vez, seu coração não se contraía de dor ao fitar o rosto da esposa falecida. Já fazia cinco anos que ela morrera. Ele ainda sentia sua falta, mas o tempo amenizara o sofrimento. A vida tinha de continuar. Jill agradeceu a Kevin pela gentileza, recusou o convite de sair para beber alguma coisa e se despediu dele e de Sam. Já era quase noite fechada e, passando ao lado das roseiras, ela contemplou a rua. Ken ficaria algum tempo sem praticar sua costumeira corrida matinal. Entrando na varanda, ela se sentou no balanço. Pelo que parecia, aquela história de varandas e balanços era coisa que os sulistas gostavam muito. Na casa de sua mãe também havia uma varanda com um balanço. A casa de sua mãe... Jill também queria criar raízes, encontrar uma base de onde jamais sentisse vontade de partir. Como acontecera com Peggy, queria encontrar alguém com quem partilhar sua vida, a quem oferecer e de quem receber amor. Como o amor que Ken partilhara com Emma. Só que Emma estava morta, e já era tempo de Ken seguir em frente com a vida. Ele não queria ter um caso passageiro. O que mais, entretanto, se podia ter no mundo de hoje? Jill não iria se iludir acreditando ser capaz de atrair por muito tempo a atenção de um homem bonito, bem-sucedido e solidamente estabelecido como aquele... Mais cedo ou mais tarde teria de ir embora e prosseguir com sua busca, a
busca da felicidade que Peggy encontrara ao lado de Gerald, que Lynn encontrara nos braços de Ray. No dia seguinte ela passaria a tarde com a família e tentaria aprender mais a respeito deles, para se adaptar melhor. Quem disse que não havia um lugar no mundo para ela? Jill levantou-se bem cedo, desceu para a cozinha e ligou a cafeteira, olhando o tempo todo pela janela. E, para sua profunda surpresa, viu Ken virando a esquina, só de tênis, short e uma banda em torno da testa. Seu corpo brilhava de suor, e o braço engessado se destacava em branco contra o bronzeado de seu peito. Passou correndo, sem se deter nem diminuir o passo. Ela ficou à janela, com o coração aos saltos. Não imaginara que ele sairia para correr logo no dia seguinte ao acidente, e da posição em que se encontrava não lhe fora possível enxergá-lo com clareza. Será que Ken voltara o rosto para o jardim, na expectativa de vê-la? Tentada a saltar para dentro do carro e ir voando até a casa dele, Jill obrigou-se a prosseguir calmamente com seu café da manhã. No dia anterior ela já se constituíra em uma verdadeira pedra no sapato de Ken, e sabia que não era essa a forma correta de provocar o interesse de um homem. Agora era a vez dele. Se Ken não se manifestasse, então ela saberia que a atração que sentia por ele era apenas unilateral. Jill acabara de tomar o último gole de café quando o telefone tocou. — Alô? — Jill? Acordei você? Era ele! O coração dela quase parou de bater. — Não, imagine! Já estou terminando de tomar café. — Pensei que ainda estava dormindo. Não a vi no jardim quando passei por aí agora há pouco. — Ah, é... — Ela sentia vontade de gritar de alegria. Ken sentira sua falta! — É que as rosas que colhi ontem ainda estão frescas. Mas e o seu braço, como
vai? — Está dando para agüentar bem — disse ele, e depois permaneceu em silêncio por vários e constrangedores segundos. — Sabe, liguei para lhe pedir um favor... — Pois não, o que é? — É que tentei fazer a barba, mas não consigo dobrar o pulso direito e não sei fazer nada com a mão esquerda. Será que você poderia me ajudar? — Certamente — respondeu ela. — Daqui a pouco estou aí. Jill saiu com tanta pressa em direção ao conversível que por pouco não tropeçou nos próprios pés. E, em menos de cinco minutos, já estava tocando a campainha da casa dele. Ken abriu a porta, e ela arregalou os olhos. Ele estava descalço e apenas de calça jeans, com o botão de cima ainda aberto. Seu ventre era firme e rígido, e a pele de seus ombros e peito musculosos era lisa e queimada de sol. O braço engessado formava um estranho contraste contra a pele bronzeada. Seus cabelos escuros ainda estavam úmidos, e a parte inferior de seu rosto achava-se coberta de creme de barbear. — Olá — disse ele, ficando com uma expressão engraçada com aquela "barba" de Papai Noel. — Esse creme não vai secar e grudar no seu rosto? — perguntou Jill com um sorriso, aproximando-se dele. Foi-lhe necessária uma enorme força de vontade para manter o tom de voz o mais natural possível, e para reprimir o ímpeto de estender as mãos para ele e acariciá-lo. — Se isso acontecer, eu lavo o rosto e você aplica mais um pouco para mim. Mas ainda não secou. Venha, entre. Jill acompanhou-o escadas acima, passou por um quarto com uma cama de casal ainda desarrumada e entrou finalmente no banheiro da suíte dele. Com uma expressão divertida no rosto, Ken observou enquanto ela olhava em volta. Depois, com a mão esquerda, estendeu-lhe o aparelho de barbear. — Você vai ter de se sentar em algum lugar — disse Jill, torcendo para que ele não percebesse seu intenso nervosismo.
— Ah, sim, claro. — Ken abaixou a tampa do vaso e se sentou. Ela abriu a torneira da pia e, respirando fundo, virou-se para ele e estendeu o aparelho de barbear em direção a seu rosto. — Vai ficar mais fácil se você chegar mais perto — observou ele, afastando as pernas e puxando-a para o espaço entre elas. Para se equilibrar melhor, Jill apoiou a mão esquerda no ombro dele, sentindo o calor da pele bronzeada atravessar-lhe a palma e invadir-lhe o corpo inteiro. E então, segurando o aparelho com firmeza na mão direita, começou a passá-lo pelo rosto ensaboado de Ken. Um pouco aqui, mais um pouco ali... Interrompendo-se para enxaguar o aparelho sob a torneira da pia, respirou fundo mais uma vez e prosseguiu. Que medo de deixar a mão tremer e cortá-lo! O olhar de Ken não lhe abandonava o rosto nem por um segundo, dificultando-lhe a concentração. — Feche os olhos, faça o favor — ordenou ela, em tom autoritário. — Você está me atrapalhando! — Ken sorriu e obedeceu. — E pare de sorrir, senão posso cortá-lo sem querer. — Não tenha medo, vá em frente — disse ele quando Jill lhe chegou ao pescoço. Engolindo em seco, ela prosseguiu, tomando um imenso cuidado para não machucá-lo naquela região tão delicada. E, quando finalmente terminou, deu um imenso suspiro de alívio, percebendo somente naquele momento que estivera segurando o fôlego. — Prontinho! — exclamou em tom de triunfo. Não lhe fizera um único corte no rosto, por menor que fosse! Ken passou lentamente a mão esquerda pelo rosto. — Ótimo trabalho, moça — disse, levantando-se e se contemplando ao espelho. Depois curvou-se e enxaguou o rosto na pia. — Quer passar loção após barba? — perguntou Jill. Ken assentiu e, abrindo o armário, apanhou o vidro de loção e entregou-o a ela. Jill despejou um pouco do líquido em uma das mãos, esfregou-as uma contra a outra e passou-as delicadamente pelas faces, queixo e pescoço dele.
Curvando-se ligeiramente, Ken permaneceu imóvel durante a operação, mas o que ela realmente gostaria era de que ele a envolvesse nos braços e a beijasse até deixá-la sem ar. — Muito obrigado — disse Ken em vez disso, endireitando o corpo e se afastando dela. — Vou terminar de me vestir. — Não vejo por quê — observou Jill com uma expressão maliciosa, lavando as mãos na pia. — Você está tão bem assim... — Preciso ir trabalhar — respondeu ele em tom seco, dando-lhe as costas e saindo do banheiro. Ela o acompanhou e, no quarto, Ken vestiu desajeitada mente uma camiseta, ocultando aos olhos dela aquele magnífico corpo musculoso e queimado de sol. Que desperdício, pensou Jill. — Posso lhe dar uma carona até o trabalho — sugeriu ela. — Pode deixar que eu me arranjo sozinho — objetou ele. — Se for até a obra, você vai ficar presa lá o dia inteiro. Já a incomodei bastante, e ainda tenho mais um favor a lhe pedir — acrescentou, sentando-se na beirada da cama e calçando as botas. — Que favor, amarrar seus cadarços? — Cadarços? Ah, sim, eu tinha me esquecido disso. — E o que mais? — insistiu ela. — Minha calça. Não consigo fechá-la. Jill fitou a calça jeans de Ken, ainda aberta na cintura. E ele queria que ela a abotoasse... — Às suas ordens, caro senhor — disse, aproximando-se dele com um amplo sorriso. E sentiu contra os dedos a pele quente e os músculos rígidos do abdômen de Ken, tendo de lutar para resistir à tentação. Em vez de fechar o botão, sua vontade era de lhe abrir o zíper e... Finalmente, graças a um imenso autocontrole, introduziu o maldito botão metálico na casa e retirou as mãos o mais rapidamente possível. Por mais que tentasse fingir naturalidade, Jill ardia de desejo. Queria
muito mais do que Ken estava disposto a lhe oferecer, e não sabia se havia algo que pudesse fazer a esse respeito.
CAPÍTULO VI
Com o pretexto de ter negócios urgentes a resolver, Ken acompanhou Jill até o exterior da casa. Depois entrou na caminhonete e saiu às pressas, rumo à segurança de seu local de trabalho. Sem outra opção, ela foi até a casa da mãe. Apesar de ainda ser de manhã, o dia já estava quente quando ela virou o conversível para a entrada de carros e foi estacionar à sombra. Dirigindo-se para a porta dos fundos, percebeu, pelo silêncio reinante, que os garotos já haviam saído para a escola. — Olá, querida — saudou-a Peggy, com um amplo sorriso. — Olá, mamãe — disse Jill, beijando-a no rosto. — Já tem café pronto? — perguntou, perambulando pela cozinha e mexendo nos utensílios domésticos da mãe. — E claro que sim. O que a traz aqui tão cedo? — quis Peggy saber, servindo duas xícaras de café. — É que, se você não estiver muito ocupada, eu gostaria de ter uma... aula de culinária. Você ficaria horrorizada com o resultado de uma recente experiência que tive na cozinha — respondeu Jill, contando à mãe todo o episódio do acidente com Ken e da desastrosa tentativa que ela fizera para lhe preparar o jantar. — Tenho certeza de que ele reconheceu sua boa vontade — disse Peggy, quando a filha terminou o relato. Jill permanecia de cabeça baixa, contemplando sua xícara de café e se sentindo estranhamente constrangida. — É, Ken foi muito educado.
— Ainda bem. Muitos homens dizem o que lhes vêm à cabeça, sem se importar se estão ferindo os sentimentos das mulheres. Quer dizer que você quer aprender a cozinhar? — E, mamãe — confirmou Jill, com um sorriso constrangido. — Acho que poderíamos começar com bife e batatas fritas, o que acha? — Ótima escolha — Peggy sorriu. — Os homens adoram bife e batatas fritas. — Muito bem, sou toda ouvidos. Jill escutou com toda a atenção, chegando até a tomar notas, enquanto sua mãe a instruía com respeito à refinada arte de preparar aquele prato tão simples. — Não me conformo com a negligência de seu pai — observou Peggy assim que a aula terminou — em não providenciar para que você aprendesse a cozinhar. Essa é uma habilidade que todo mundo precisa aprender! — Acho que isso nunca passou pela cabeça dele, mamãe. Papai nunca pareceu se interessar pelo que eu fazia ou aprendia. É de admirar que ele tenha concordado em ficar comigo quando vocês dois se divorciaram. Peggy fitou a filha com uma expressão de surpresa. — Concordado em ficar com você? De que está falando, Jill? Seu pai fez
questão de ficar com você. O que ele queria era ficar com vocês duas, mas eu bati o pé e o fiz ver que também tinha meus direitos. Para dizer a verdade, eu também queria que você e Lynn ficassem morando comigo, mas acabamos entrando em um acordo, e eu fiquei com Lynn e Steven levou você com ele. Só que eu não sabia que ele iria praticamente cortar o contato comigo e com sua irmã, e fazer com que meu relacionamento com você ficasse reduzido a quase nada. — Papai quis ficar comigo? — insistiu Jill, atônita. — Ah, minha filha — disse Peggy em um tom de voz cheio de carinho —, você sempre foi a menina dos olhos dele. Não que Steven não gostasse de Lynn... Ele adorava vocês duas, e costumava dizer que eram iguais como duas gotas d'água. Mas você sempre foi mais parecida com ele, mais ousada, mais atirada... Não era tímida e quieta como sua irmã, e isso deve ter feito com que ele conseguisse se relacionar com você com mais facilidade. Mal posso acreditar que você pensou que Steven concordou em levá-la com ele. A verdade é que nós dois
brigamos muito até entrar em um acordo quanto a isso. — Quer dizer que estive enganada durante todos esses anos... — murmurou Jill para si mesma. Isso significava que Peggy não a havia abandonado, dando preferência a Lynn, e sim lutado para ficar com ela também. Será que se ela e a mãe tivessem morado mais perto uma da outra, se tivessem tido a oportunidade de se ver com mais freqüência, Jill não teria sido dominada por aquela sensação de perda que a perseguia desde criança? Ou, caso seu pai lhe tivesse dedicado mais atenção, ela teria se sentido menos insegura? — Estou tão feliz por você ter vindo nos visitar, querida — declarou Peggy. — Já pensou por acaso em vir morar aqui em ? Não me conformo em pensar que Lynn vai morar na Califórnia, e que você também vai voltar para lá. — Obrigada pelo convite, mamãe, mas não sei. Vou ter de pensar cuidadosamente no assunto. Por um instante a emoção que a dominava ameaçou transbordar. Jill, porém, levantou a cabeça e se recusou a ceder ao sentimentalismo. — Muito bem — Peggy sorriu —, agora venha me ajudar nas tarefas domésticas. Quero ver se você sabe como cuidar de uma casa. — Ora, mamãe — protestou Jill —, posso contratar um batalhão de empregadas para fazer isso para mim. — Minha filha, quem não sabe fazer não sabe mandar. Deixe de corpo mole e venha comigo. Tenho certeza de que isso um dia vai ser de grande utilidade para você... Seguida pela filha, Peggy subiu as escadas e entrou no quarto dos meninos. Aquilo parecia uma área de calamidade pública após a passagem de um furacão. Sem se deixar impressionar, Peggy começou a andar de um lado para outro, recolhendo as roupas jogadas pelo chão. Jill seguiu as instruções da mãe e mergulhou de cabeça no trabalho. Juntas, as duas logo terminaram a limpeza e
arrumação do andar superior.
Depois desceram, e Peggy pediu à filha que passasse o aspirador enquanto ela se encarregava da máquina de lavar roupa.
Enquanto trabalhava, Jill perguntava-se como seria a vida de uma dona de casa cuja única ocupação fossem as tarefas domésticas. Principalmente se precisasse cuidar de um homem. Será que elas não se cansavam daquela mesma rotina, dia após dia? Jill dedicou toda a atenção e capricho ao trabalho de passar o aspirador de pó em cada cômodo do andar inferior. Tinha dinheiro suficiente para contratar quantas empregadas desejasse, mas agora já conhecia os rudimentos da limpeza de uma casa. E sabia como fazer para deixá-la arrumada e organizada. Quando chegou a hora do almoço, a casa cintilava de tão limpa. — Você faz essa faxina todos os dias? — perguntou JUl enquanto comia a deliciosa salada de frango que a mãe preparara. — Ah, não. — Peggy riu. — Uma vez por semana é mais do que suficiente. — E o que faz no restante do tempo? — Bom, faço parte de diversos comitês da cidade e de várias equipes de trabalho da igreja. Mas, quando estão em casa, as crianças sempre me mantêm mais ocupada. — A esposa de Ken era apenas dona de casa, mas eles não tiveram filhos. — Ele é casado? — Não, viúvo — esclareceu Jill. — A mulher dele morreu já faz alguns anos, e Ken ainda mora na mesma casa. Não consigo imaginar como ela preenchia o tempo, tendo apenas uma casa pequena e o marido para cuidar. — Talvez gostasse de costurar — sugeriu Peggy —, de bordar e de fazer coisas para decorar a casa. Ou quem sabe gostasse de jardinagem ou de culinária. — Ah, sim, Ken disse que ela cozinhava muito bem. Ele parece ter tanto orgulho da esposa falecida... — Mais uma vez veio à tona uma antiga mágoa de Jill: ninguém jamais sentira orgulho dela. — Gosta de Ken Davis, minha filha? — Gosto — A resposta de Jill foi lacônica e objetiva. — Ele é bem mais velho que você, não é? — Ken é apenas um amigo, mamãe. E é somente alguns anos mais velho que
eu. — Alguns anos... — murmurou Peggy. — Uns dez ou quinze, pelo que parece. — Não precisa se preocupar, mamãe. Ken não se esquece nem por um segundo de nossa diferença de idade, e faz tudo para que eu também não esqueça. — Jill fitou a mãe nos olhos e sorriu. — Só que estou fazendo tudo o que posso para mudar essa situação... A tarde, quando voltaram da escola, os garotos entraram em casa como se estivessem disputando cem metros rasos, correndo para abraçar a mãe e reclamando que estavam morrendo de fome. Vendo que Jill se achava presente, os três atropelaram uns aos outros para abraçá-la também. — Preciso ir ao shopping — declarou ela com um sorriso. — Alguém quer ir comigo? Podemos tomar um lanche e um sorvete, que tal? Os três adolescentes pularam de alegria e saíram correndo, brigando pelo caminho para ver quem iria sentar-se no banco da frente do carro da irmã. — Tem certeza de que sabe o que está fazendo, minha filha? — perguntou Peggy com uma risada. — Pensei que sabia, mas agora já não tenho tanta certeza — disse Jill, sorrindo também e abraçando a mãe. — Mas pode deixar que eu controlo aqueles três monstrinhos, e estaremos em casa na hora do jantar.
Durante o curto percurso até o shopping, Jill voltou a descrever o conversível vermelho que deixara na Califórnia, citando todos os detalhes que conseguia se lembrar a respeito do carro. E, quando já se achavam na lanchonete, cada um diante de um gigantesco
sundae depois de ter consumido uma tonelada de hambúrgueres e Milk shakes, Jeff e Andy continuaram a bombardear a irmã mais velha com perguntas e mais perguntas. Jill queria fazer parte da vida deles, mas os irmãos pareciam considerá-la como uma celebridade em visita a Charottesville. Tal atitude talvez se devesse à diferença de idade. Quando terminaram de comer, os quatro começaram a passear pelo
shopping. Quando encontravam algum amigo ou amiga, os adolescentes paravam para conversar, às vezes apresentando Jill, às vezes não. Kari trouxe duas meninas de sua idade para conhecer a irmã mais velha, que segundo ela era uma famosa estrela de cinema. Depois de percorrerem o shopping de ponta a ponta, os garotos pediram para dar uma volta de carro pela proximidade das casas dos amigos, somente para exibir o conversível de Jill. Foi a vez de Jeff sentar-se no banco da frente, e ela começou a desconfiar de que os dois garotos não acreditavam na igualdade entre os sexos. Quando deu por si, Jill estava entrando na rua onde Ken morava. A casa de um dos amigos de Andy ficava em frente à dele. A caminhonete não se encontrava na entrada para carros; era evidente que ele ainda estava trabalhando. Jill tentou imaginar o que Ken pretendia providenciar para o jantar... Ela deveria ter-se oferecido para ajudá-lo. Agora que se tornara uma especialista em bife com batatas fritas, poderia preparar para ele uma refeição relativamente decente. — Será que sobrou lugar para o jantar? — perguntou Peggy apontando para a barriga de Jeff, assim que os quatro entraram na cozinha algum tempo depois. — No que me diz respeito, com certeza — declarou Jill, colocando a bolsa sobre o aparador. — Tomei apenas um sorvete no shopping. Posso ajudar em alguma coisa? — Pode arrumar a mesa, querida — disse Peggy. E, voltando-se para os garotos: — Vão dizer "olá" para seu pai, depois subam e troquem de roupa. O jantar está quase pronto. E nada de jogar as roupas pelo chão, estão ouvindo? Jill arrumou a mesa e serviu chá gelado em todos os copos. Depois ajudou Peggy a trazer a comida para a mesa e sentou-se no lugar que lhe fora designado desde o primeiro dia, enquanto a mãe ia chamar o restante da família. Cumprimentou Gerald e observou que ele afastava a cadeira para que Peggy se sentasse, e ordenava aos garotos que fizessem a mesma gentileza com Kari. Assim que todos se acomodaram, Gerald fez uma breve oração de graças
pelo alimento e sorriu para a esposa: — Humm, a comida parece deliciosa. Jill disfarçou um sorriso. Seu padrasto dizia a mesma coisa todas as noites. E, ao final da refeição, nunca deixava de parabenizar Peggy pelo capricho com que preparara os pratos. Aquela atitude carinhosa era extremamente tocante. Jill comeu em silêncio, pensativa. Fazia uma semana que chegara a Charlottesville e, com exceção da noite anterior em que comera pizza com Ken, estivera presente a todos os jantares da família. E ainda não se sentia completamente à vontade na companhia deles, que conversavam a respeito de pessoas que ela não conhecia e de acontecimentos que lhe eram estranhos. Sabia que eles não faziam de propósito para excluí-la da conversa. O fato, porém, é que a história de vida de que Peggy, Gerald e os garotos partilhavam remontava a vários anos. O que será que Ken havia preparado para o jantar? Se soubesse cozinhar, Jill teria insistido em preparar a refeição dele e passaria mais algum tempo em sua companhia. Sentia tanta falta dele... Queria saber como fora o seu dia, se o braço quebrado o havia incomodado. Estaria ele se arranjando bem com aquele gesso, ou será que precisava de ajuda? Subitamente Jill ficou com vontade de ir embora, de ir para casa e telefonar para Ken. Ansiava por ouvir sua voz, saber se passara bem o dia. O costume de Gerald e Peggy, de conversar com os filhos na hora do jantar a respeito dos acontecimentos do dia, era um fator que estreitava ainda mais os laços familiares. E Jill também desejava ter essa experiência. Com Ken. Já passava das nove da noite quando ela chegou em casa. Consultando o relógio, perguntou-se se teria realmente coragem de ligar para ele. Não fazia a menor idéia se isso o aborreceria ou agradaria. Finalmente, respirando fundo, de -
cidiu esclarecer essa dúvida da única maneira possível. O telefone tocou várias vezes, e Jill já ia desligar quando Ken finalmente atendeu. — Alô? — A voz dele estava abafada, indistinta. — Ken? É Jill. Liguei para saber como você está. Fez-se um longo período de silêncio. — Estou bem. — Como se arranjou ontem para jantar? — perguntou ela. — Comi uns hambúrgueres em uma lanchonete. — Havia algo de estranho com a voz dele. — Seu pulso não está doendo, está? — Agora não está mais. — Mais um longo silêncio. — Tomei uns comprimidos quando cheguei em casa — acrescentou ele com dificuldade. — Quantos comprimidos tomou? Você parece meio dopado! — E, acho que estou mesmo — disse Ken com uma risadinha. — Eu estava dormindo quando o telefone tocou. — Forçou demais o braço hoje, não forçou? — insistiu Jill, em tom de censura. — Juro que não martelei um único prego. — Mas aposto que fez outras coisas que não deveria ter feito: Francamente, Ken, você precisa de alguém para vigiá-lo! — Está se oferecendo como voluntária? — Com certeza — retorquiu ela com voz firme. — Amanhã vou levá-lo ao trabalho e ficar o tempo todo de olho em você, para impedi-lo de fazer alguma bobagem. — Acho que já sou bem crescidinho para precisar de babá. — Não serei sua babá, e sim... uma espécie de assistente pessoal. Estarei aí amanhã bem cedo para ajudá-lo a se barbear, e depois iremos junto para a obra. Sugiro que não saia para correr amanhã.
— Nem precisa sugerir — murmurou ele. — Se amanhã meu braço estiver doendo tanto quanto doeu hoje, correr será a última coisa que me passará pela cabeça. — Eu devia ter ido com você hoje... — Ora, Jill... Sou perfeitamente capaz... de cuidar... de mim mesmo. — Ken, quantos comprimidos tomou, afinal? — Um ou dois a mais do que recomendava a bula, acho. — Pelo visto, você exagerou — admoestou-o Jill. — Isso pode ser perigoso, sabia? — Silêncio. — Ken? — O que foi? — Nunca se sente se solitário? — perguntou ela, surpresa com a própria ousadia. — Às vezes. — Por que não se casou com outra mulher tão devotada quanto Emma? — Não tenho a menor intenção de me casar de novo. — E por que não? — insistiu Jill. — Pensei que você tinha sido feliz com ela. — E fui mesmo — disse Ken —, e é exatamente esse o motivo. Não quero ser abandonado novamente. É um milhão de vezes pior que um pulso quebrado, e não sara em dois meses. — Não acredito que pretenda passar o resto da vida solteiro. — Ora, e você? Não é exatamente essa a sua intenção? Jill ia responder, mas se calou. Antes de vir para Charlottesville não lhe passava pela cabeça voltar a se casar. Sentira-se tão decepcionada depois do divórcio que decidira apenas aproveitar a vida e se divertir. Depois, entretanto, de presenciar o amor que reinava na casa de sua mãe, de testemunhar o carinho que aquela família partilhava, começara a desejar uma vida semelhante para si mesma. Queria também ter um lar. — Não sei... — respondeu finalmente. Quem sabe àquela altura desejasse
encontrar um companheiro, um homem a quem dedicar um amor verdadeiro e com quem construir uma família. — Daqui a cinco minutos já terá mudado de idéia. — Ora, Ken, não seja cínico. Pelo que tudo indica, seu casamento com Emma foi tão bom quanto o de minha mãe com Gerald. Depois de viver um amor tão grande, como consegue viver sozinho? — Para uma garota rica e mimada — disse ele —, você faz muitas perguntas indiscretas sobre assuntos que não são de sua conta. Não quero amar mais ninguém, nunca mais. Se a pessoa for embora, ou morrer, vai ser demais para mim. Estou muito feliz com meu novo estilo de vida. — Ainda sente falta de Emma? — Sinto, sim... E vou sentir para sempre. — Mas você precisa seguir com sua vida — objetou Jill, inconformada. — Por que não tenta encontrar outra forma de felicidade? — Por que me sinto muito bem do jeito como estou — repetiu. — Sim, sendo obrigado a aceitar a ajuda de alguém de fora porque não consegue sequer se barbear pela manhã! — Ora, Jill, você não é "alguém de fora" — sussurrou ele. — É mesmo — respondeu ela, sentindo o coração bater mais forte —, eu tinha me esquecido. Tudo bem, a gente se vê amanhã. — E desligou depressa o telefone. Agora já tinha certeza da opinião de Ken acerca de um novo casamento: era coisa fora de cogitação. Ken desligou o telefone e passou a mão esquerda no rosto. Aquela garota era uma tentação capaz de tirar do sério um frade de pedra. O que ele precisava naquele momento, porém, era reunir forças para chegar até a cama. Depois de tomar os comprimidos, havia adormecido no sofá, assistindo à televisão. Apanhou o barbeador elétrico e levou-o para cima. Onde estava com a cabeça quando concordara em deixar Jill vir ajudá-lo na manhã seguinte? Pois comprara o barbeador com o específico objetivo de não precisar mais da ajuda dela!
A última coisa de que necessitava era sentir novamente. Aquele corpo sensual apertado entre suas pernas. Quase perdera o controle naquela manhã, quando ela se encostara nele para barbeá-lo. O calor daquele corpo macio, o toque daquela mão delicada em seu ombro quase o haviam levado à loucura. Será que conseguiria se controlar novamente no dia seguinte? Tinha de admitir que ela o ajudaria muito levando-o de carro de uma obra para outra. Seu pulso doía terrivelmente, resultado direto de ter utilizado a mão direita o dia inteiro. Fechou os olhos e viu a imagem de Jill. Abrindo-os depressa, tentou concentrar-se em recuperar a imagem de Emma. Ela é que era o amor de sua vida. A atração que sentia pela jovem Jill du Mareei não passava de... Ken não fazia a menor idéia de quê. Sabia apenas que bastava se lembrar dos beijos que ha viam trocado para se sentir enrijecer de desejo. — Mas que diabo! — rosnou para si mesmo, deixando-se cair na cama e recusando-se a continuar a pensar em Jill. Segundo a previsão meteorológica do rádio, o dia prometia ser ainda mais quente do que o anterior. Jill não via motivo para passá-lo abafada dentro de uma calça jeans, uma vez que Ken não pretendia deixá-la executar trabalho algum em suas preciosas obras. Assim, remexendo na cômoda da irmã, apanhou um short e uma camiseta justa e sem mangas. Para ficar mais à vontade, ela decidiu dispensar o uso do sutiã; o tecido de algodão da camiseta era suficientemente espesso para que ninguém pudesse acusá-la de atentado ao pudor. Puxando os cabelos para o alto, Jill prendeu-os com uma presilha, feliz por tê-los deixado crescer um pouco e poder afastá-los do pescoço. Depois, em vez de maquilagem, passou uma boa camada de filtro solar no rosto e deu apenas um toque de rimei nos cílios. Sua aparência nada tinha de glamorosa, pensou ao contemplar a própria imagem no espelho. Para dizer a verdade, estava mais parecida com Lynn do que consigo mesma... Deu um sorriso preguiçoso; quem sabe Ken fosse do tipo que prefere
garotas simples e bem-comportadas. E isso era coisa que ela logo iria descobrir.
CAPITULO VII
Abriu a porta praticamente antes de Jill retirar o dedo da campainha, e ficou olhando para ela com uma expressão atônita. — Deus do céu, você está parecendo uma adolescente! O que vão pensar de mim? Ela deu risada e entrou na sala, decepcionada por ver que dessa vez Ken vestira uma camiseta além da calça jeans. — Acho que vai ser um bocado divertido! — O amplo sorriso de Jill fez com que ele risse também, e um cintilar de desejo surgiu nos olhos dela ao contemplar de alto a baixo aquele sensual corpo masculino. — Você não trouxe outras roupas? — perguntou Ken ao fechar a porta. — O rádio disse que hoje vai fazer muito calor. Já que vou ter de trabalhar, achei que era melhor ficar o mais à vontade possível. — Pois o problema é justamente o trabalho. Vestida desse jeito, você vai levar os rapazes à loucura e atrasar o cronograma. Jill deu risada e começou a subir as escadas. — Obrigada pelo elogio, mas é exagero seu. Você sabe mesmo como agradar o meu ego — acrescentou, detendo-se no terceiro degrau e se voltando para ele. Ken aproximou-se, fitando-a intensamente. Parou um degrau abaixo, com o rosto no mesmo nível do dela. — E quem lhe disse que seu ego precisa de incentivo? — perguntou, em tom irônico. — Pensei que já estava bom do jeito como está... Jill estendeu a mão e passou a ponta dos dedos no rosto dele, sentindo-lhe a barba por fazer.
Ken segurou-lhe a mão e a impediu de continuar. — Para que isso? — Só para ver quanto vou ter de raspar hoje. — Ela sorriu, aumentando o brilho dos olhos. — Vim aqui para ajudá-lo, não vim? — perguntou, com uma voz que mais parecia o ronronar de uma gata. Depois apoiou a outra mão no ombro de Ken, inclinou-se para ele e beijou-o leve e rapidamente nos lábios. — Humm, que gostoso... E uma delícia beijar um homem logo cedo, antes de ele se barbear. — Jill sabia que estava brincando com fogo, mas pouco se importava. — Você tem um bocado de experiência nesse campo, não é mesmo? — Um pouco. As outras mulheres também não achavam isso gostoso? — Que mulheres? — Ora, as outras mulheres com quem você já dormiu. — Não foram mulheres, foi apenas uma mulher. Pelo menos até agora. — Como assim? — exclamou ela, atônita. Ken, entretanto, não respondeu e começou a empurrá-la rapidamente pela escada acima. — Está na hora de fazer a barba. Comprei um barbeador elétrico, e talvez consiga usá-lo com a mão esquerda; aí você não vai precisar me barbear. — Espere um minuto. Quero uma explicação para o que você disse antes. Que história é essa de apenas uma mulher até agora? — insistiu ela, de tendo-se no meio da escada e obrigando-o a se deter também. — Com sua vasta experiência — respondeu ele por entre dentes e sem olhar para Jill —, você deveria saber muito bem do que estou falando. — Deveria, mas não sei. — Para dizer a verdade, o assunto não é de sua conta. — Então você não deveria ter dito nada — objetou Jill. — Eu não entendi. — Pois então vou explicar: Emma foi a única mulher com quem já dormi. A
única que já havia me beijado antes de eu fazer a barba, até você fazer o mesmo há alguns minutos — acrescentou, voltando-se para ela e fitando a com expressão ameaçadora. Jill ficou olhando-o. Aquele homem poderia atuar como modelo de revista, incorporando o espécime masculino perfeito. A sensualidade máscula de Ken abalava as profundezas de sua feminilidade, e ela sentia ímpetos de seduzi-lo até levá-lo à loucura, para que ele a levasse à loucura também. E Ken havia sido fiel à esposa a vida inteira? Mesmo após a morte dela? — Já faz cinco anos que ela morreu — sussurrou Jill, profundamente surpresa com aquela revelação. — E daí? — retorquiu ele, desviando o olhar e voltando-se em direção à suíte. — Mas então o que você faz para... — Ela se calou de repente, percebendo que aquele assunto realmente não era de sua conta. Seguindo-o em silêncio até o quarto e entrando no banheiro com ele, mal podia acreditar que aquele homem saudável e viril tivesse permanecido fiel à esposa, mesmo tanto tempo após o falecimento dela. E que não pretendia se casar de novo. Que caminho solitário Ken escolhera para si mesmo... E ela não podia suportar vê-lo tão sozinho. Queria fazê-lo rir e aproveitar a vida, queria lhe oferecer felicidade e amor.
Amor? De onde lhe surgira aquele pensamento? Tudo o que pretendia era passar ao lado dele algumas semanas de diversão, nada mais. Jill não acreditava muito no amor. Será que, como lhe acontecera em relação a Jean, seus sentimentos por Ken se intensificariam até um ponto quase insuportável e depois perderiam a força, terminando por desaparecer? Ela não queria pensar naquilo. Ken precedeu-a no banheiro, pensando em como fora idiota ao fazer semelhante confissão àquela garota. Os encontros sexuais casuais eram um aspecto comum da vida de Jill, mas para ele aquele método de vida não servia. — Muito bem, podemos começar — disse, fechando a tampa do vaso e se sentando. — Quer que eu passe o creme de barbear para você? — perguntou ela,
apanhando o tubo. — Por favor — disse Ken, sem deixar de fitá-la um só segundo. Jill podia não deixar transparecer, mas por dentro devia estar morrendo de rir de sua limitada experiência sexual. Ela espremeu um pouco de creme na palma da mão, esfregou-as uma contra a outra e o espalhou pelo rosto e pescoço dele. Depois lavou as mãos na pia e pegou o aparelho de barbear. Ken separou as pernas e, segurando-a pela cintura, puxou-a para si até acomodá-la no espaço aberto. As coxas macias de Jill se pressionaram contra as dele através do tecido da calça jeans, e de repente Ken percebeu a intimidade daquele gesto. Emma jamais o havia barbeado... E a proximidade de Jill o deixava tonto, embriagando-o com aquele perfume suave e natural. Ele não estava brincando quando comentara que ela estava parecendo uma adolescente. Jill parecia tão jovem quanto sua irmãzinha Kari, e duas vezes mais doce. Mas Ken sabia que de doce ela não tinha nada... Era provocante, excitante, experiente e sensual como o diabo, mas doce não. Ken mal podia acreditar que lhe fizera aquela confissão. Sabia que a deixara chocada. No mundo de Jill os homens e mulheres deviam ir para a cama juntos tão despreocupadamente como quem vai jantar em um restaurante. Ele, porém, jamais desejara outra mulher senão Emma, e jamais procurara o sexo com o simples objetivo de se divertir. Até aquele momento. E se relaxasse um pouco e deixasse as coisas seguirem seu curso, só para ver o que acontecia? Talvez, afinal de contas, um romance rápido não fosse o fim do mundo. Emma não quereria que ele permanecesse de luto para o resto da vida. — Aí está! — exclamou Jill de repente. — Prontinho, caprichado e sem nenhuma gota de sangue à vista. — Deslizando por entre as mãos de Ken, ela voltou-se para a pia. A próxima iniciativa teria de partir dele. Jill derramou um pouco de loção após barba na mão em concha e se aproximou para passá-la no rosto de Ken. Ele a envolveu pela cintura, puxou-a
para si e, com a mão esquerda, segurou firmemente o braço engessado por trás das costas dela, aprisionando-a entre seus braços. Ela o fitou bem dentro dos olhos, e o que Ken viu em seu olhar foi o fogo do desejo. Levantando-se devagar, sem soltá-la por um segundo sequer, ele a abraçou com mais força, apertando-a contra seu corpo, esmagando-lhe os seios macios de encontro a seu peito musculoso e prendendo-lhe as longas pernas entre suas coxas firmes. Depois baixou a cabeça e, sem deixar de fitar-lhe o rosto um único instante, tocou-lhe delicadamente os lábios com os seus. E então fechou os olhos e beijou-a com paixão. Os lábios de Jill se entreabriram antes mesmo de que a língua de Ken forçasse sua entrada. Seus braços o envolveram pelo pescoço e, bem devagar, ele explorou cada centímetro daquela deliciosa boca feminina, mordiscando-lhe a língua e sugando-lhe sugestivamente o lábio inferior. A paixão e o desejo foram atingindo níveis inacreditáveis. Com o braço engessado, Ken a apertava contra si e, com a mão esquerda, acariciava cada curva daquele corpo tentador e sensual. Em certo momento sua mão deslizou junto ao seio direito de Jill. Surpreso por perceber que ela não estava usando sutiã, ele a afastou de si o suficiente para obter um pouco de espaço entre os dois. E então apossou-se do seio de Jill e, com o polegar, acariciou-lhe o bico enrijecido de desejo. Ao ouvir o gemido abafado de prazer que ela deixou escapar, Ken sentiu o próprio coração se acelerar e seu corpo se contrair em um espasmo de luxúria. Ele desejava aquela mulher. Queria tê-la sob si, nua e dominada pela loucura da paixão. Queria ver os olhos dela cintilarem de desejo por ele. Queria vê-los brilhar de êxtase quando ela atingisse o clímax com ele. As mãos de Jill acariciavam-lhe os cabelos, os ombros e as costas, deixando um rastro de fogo por onde passavam. Ela introduziu a mão por baixo da camiseta dele. O contato daquela mão macia com sua pele nua mais pareceu um choque elétrico. E quando Jill passou delicadamente a ponta da unha no mamilo de Ken, ele pensou que ia perder a cabeça de uma vez por todas.
Jill traçava com os lábios um úmido caminho de beijos e mordiscava o pescoço dele, acrescentando delicados toques com a ponta da língua em sua pele ardente. Aquela deliciosa tortura fazia com que Ken se sentisse a ponto de explodir. Subitamente ele a afastou um pouco de si e, com um único puxão, arrancou a própria camiseta. Jill imediatamente se colou de novo a ele, com tanta força que Ken teve de dar um passo para trás para não perder o equilíbrio. — Agora é a sua vez — sussurrou ele com voz rouca, levando a mão à barra da camiseta dela. E, dali a menos de um segundo, Jill se achava nua da cintura para cima. — Ah, eu quero você! — Ela gemeu, esfregando os seios contra o peito de Ken. — Eu também quero você — murmurou Ken, erguendo-a nos braços e contraindo o rosto ao sentir uma dolorosa pontada no pulso quebrado. A cama se achava a apenas alguns passos, e poucos segundos depois Jill já se encontrava deitada sobre os lençóis. — Tem certeza de que quer fazer isso? — perguntou ao se deitar ao lado dela e recomeçar a acariciá-la. — Tenho, sim... Certeza absoluta... Apoiando-se no cotovelo dobrado, Ken passou a ponta do dedo em torno do bico enrijecido do seio esquerdo de Jill e viu que ele se contraía ainda mais. Como resultado, sentiu em sua masculinidade um espasmo quase impossível de suportar. Ela começou a gemer baixinho e a imitar os movimentos de Ken, traçando um estreito círculo ao redor do mamilo dele e depois arranhando-o delicadamente com a ponta das unhas. Ele fechou os olhos e também deixou escapar um gemido rouco, mal acreditando no turbilhão de sensações deliciosas que aquela carícia fora capaz de provocar. Muito devagar, deixou a mão deslizar para o interior do short dela, acariciando-lhe o ventre e depois descendo até os pêlos macios que serviam de
guardiões para a parte mais recôndita da feminilidade de Jill. Ela agarrou o cós da calça dele, lutando para abrir o botão. — Jill, eu... — Por que não tira isso de uma vez? —- perguntou ela em um sussurro. — Está bem — assentiu Ken, levantando-se e começando a descalçar as botas. Se soubesse o que iria acontecer, teria esperado por ela enrolado em uma toalha, para ganhar tempo. Como, porém, poderia imaginar que iria acabar na cama às sete da manhã com aquela garota? Ou com qualquer outra garota? Não, ele não devia estar em seu juízo perfeito. Jill soergueu os quadris e empurrou o short pelas pernas abaixo. Depois chutou os tênis e o short para o chão e se recostou de novo na cama. E, quando viu Ken completamente despido, deu um enorme sorriso. — Minha nossa! Tudo isso só para mim? Ao ouvir aquelas palavras, Ken se sentiu dominado por uma ponta de orgulho. Em seguida, entretanto, lembrou-se de um detalhe importante e hesitou. — Puxa vida... Não tenho nenhum preservativo, e... — Não se preocupe — disse Jill —, estou tomando anticoncepcional. Venha, venha logo para a cama. — Ken se deitou ao lado dela. Jill arqueou o corpo com um gemido rouco quando ele tomou nos lábios o bico de um de seus seios, sugando-o e mordiscando-o delicadamente. Puxando-lhe a cabeça de encontro a seu peito, ela começou a mexer os quadris mais e mais depressa. — Venha para mim, Ken, por favor, agora! Ken se posicionou cuidadosamente por cima de Jill. Ela era tão delicada que ele ficou com medo de esmagá-la com seu peso. Tudo o que Jill fez, porém, foi fitá-lo nos olhos e sorrir. Ken afastou as pernas dela e penetrou no interior de sua úmida e macia feminilidade. Assim que a preencheu completamente, permaneceu imóvel por alguns segundos, limitando-se a contemplar-lhe o rosto sem nada dizer. Ele não se lembrava de nenhuma outra ocasião em que se sentira tão
dominado pelo desejo, como se suas entranhas estivessem prestes a explodir. Recuando alguns centímetros, investiu novamente, e foi repetindo o movimento em um ritmo cada vez mais intenso, que Jill logo começou a acompanhar. Incapaz de resistir, ele baixou a cabeça e beijou-a nos lábios, com os olhos ainda abertos. Sentindo que os músculos internos de Jill se contraíam, Ken aumentou ainda mais o ritmo de suas investidas, até que, reprimindo um grito de prazer, ela foi assaltada por convulsivos espasmos e se agarrou a ele ainda mais freneticamente. Fitando-a no rosto, Ken viu que Jill reabria os olhos e contemplou-lhes as profundezas no exato momento em que ela atingia o clímax. Dali a alguns segundos, incapaz de se conter mais, ele também se rendeu ao prazer que o conduziu às nuvens em uma espiral de sensações indescritíveis. Exausto e quase sem fôlego, Ken abraçou-a com ternura e fechou os olhos. Jamais em sua vida tivera uma experiência erótica tão fantástica, e provavelmente nunca mais voltaria a tê-la. Jill também o envolveu nos braços e beijou-o. Jamais havia sido amada de uma forma tão maravilhosa, e nunca se sentira tão emocionada ao final do embate. Estava tão feliz que tinha vontade de chorar. O que realmente desejava era ficar abraçada com ele para sempre, poder dizer-lhe que o amava... Nenhum outro homem jamais a fitara nos olhos enquanto fazia amor com ela. Nenhum outro homem jamais a fizera se sentir tão querida, jamais a envolvera nos braços com tanto carinho. Só que aquele não fora um encontro de amor, tratava-se apenas de uma intensa atração entre duas pessoas. A emoção que a dominava, porém, era repleta de ternura e sentimento, como se fosse o despertar de um novo amor. Jill tratou de descartar aquele pensamento. Tanto ela quanto Ken haviam deixado bem claro que não pretendiam se envolver em um relacionamento duradouro. Como se sentiria, contudo, se conseguisse fazer com que ele a amasse? Se soubesse que ele lhe seria fiel para sempre? Ken voltaria para casa todas as noites; os dois fariam amor, dormiriam lado a lado e construiriam uma
vida juntos. Pena que Jill não era o tipo de mulher que ele precisava. Não sabia cozinhar, costurar e nem cuidar adequadamente de uma casa. Jamais morara no mesmo lugar por mais de um ou dois anos. Será que conseguiria permanecer em Charlottesville para o resto da vida? O beijo que ele lhe deu no ombro interrompeu o curso de seus pensamentos. — Foi tão bom... — sussurrou Jill. Aquele momento era tudo o que lhe importava. Deixaria para se preocupar com o futuro em outra ocasião. — Muito melhor... — murmurou Ken em seu ouvido. Depois ergueu o corpo apoiando-se no braço esquerdo, e perguntou: — Você está bem? — Estou ótima. Ainda bem que você ainda está em cima de mim, senão eu poderia sair flutuando pelo ar. — Quem sabe se eu não sairia flutuando com você... — A voz dele era rouca e sensual. O telefone tocou e, com um gemido abafado de impaciência, Ken rolou para o outro lado e atendeu. — Davis — disse em tom seco, virando-se para olhar para Jill. Dominada por uma súbita e inexplicável timidez, ela estendeu a mão para o lençol e se cobriu. Em seguida, prestando atenção à conversa, percebeu que estavam ligando para avisar que um dos pedreiros se machucara. Assim que Ken se sentou à beira da cama para continuar a conversa, Jill se levantou, apanhou suas roupas e foi para o banheiro. Pelo jeito, ele teria de ir o mais rapidamente possível para a obra onde ocorrera o acidente. Quando ela saiu do banheiro, Ken já havia desligado o telefone mas ainda se achava sentado na cama. — O que aconteceu? — perguntou Jill. — Tenho de ir para a obra da rua Montgomery — disse ele, levantando-se. — Já estou pronta. Espero por você lá embaixo.
— Espere um pouco... — pediu Ken, aproximando-se dela sem demonstrar o menor pudor pela própria nudez. — Posso não ter muito jeito para essas coisas, mas queria saber se você está realmente bem. Jill engoliu em seco e olhou-o de alto a baixo. Sua vontade era arrancar novamente as próprias roupas e arrastá-lo mais uma vez para a cama. Em vez disso, porém, limitou-se a sorrir e assentir, torcendo para que ele não percebesse como se sentia insegura. — Ótimo — acrescentou Ken, voltando-se para pegar a calça. — Estarei pronto em cinco minutos. — Está bem. Jill desceu as escadas e saiu pela porta da frente, confusa. Era evidente que ele não sentia o menor constrangimento em desfilar diante dela completamente nu, mas dessa vez fora ela quem ficara envergonhada. O que estaria acontecendo? Será que estaria se transformando em uma garota tímida como sua irmã gêmea? Devia haver algum motivo além do sexo ha atração que sentia por ele. E se Ken tivesse decidido apenas aceitar sua proposta de romance rápido, ciente de que ela pretendia partir logo após o casamento da irmã? . Subitamente deprimida com esse pensamento, Jill desceu a escadinha da varanda e olhou para o céu. Era um lindo dia e fazia um calor terrível. — E então, podemos ir? — perguntou Ken, saindo e trancando a porta. — Às suas ordens, patrão — brincou ela, evitando olhar diretamente para ele. Ken entregou-lhe as chaves da caminhonete e deu a volta para o lado do motorista, abrindo gentilmente a porta para ela. Depois indicou-lhe o caminho até a obra. — Será que você vai demorar muito? — perguntou Jill quando chegaram. — Devo ficar esperando aqui? — Ah, não, você vai derreter nesse calor. É melhor entrar comigo. Lá dentro está mais fresco. — Ken fitou-a com mais atenção e acrescentou: — Mas que diabo, esqueci de lhe dar outra camiseta para vestir!
— Estou muito bem assim — respondeu ela, com um sorrisinho malicioso. — Eu lhe disse que queria me sentir mais à vontade. — Mas você poderia ter se preocupado um pouco com o meu conforto — retorquiu ele, abrindo a porta da caminhonete. — A cada vez em que olho para você, minha temperatura sobe mais dez graus. Com uma risada, Jill abriu sua própria porta e saltou do veículo. — Vamos, patrão, deixe de conversa e me mostre por onde se entra nesta construção. Durante todo o resto da manhã ela o acompanhou de um lado para outro, tentando ser útil. Assim que eles entraram na casa, Ken colocou-lhe um capacete de segurança e quando Jill protestou, ele se limitou a fitá-la. Ela pegou a prancheta e foi tomando nota de tudo que ele indicava. O pedreiro acidentado havia caído do andar superior para o inferior através do forro que cedera. Seus ferimentos haviam sido leves, mas Ken o mandou direto para o hospital e lhe disse que só aparecesse novamente na obra quando fosse liberado pelos médicos. De vez em quando Jill percebia que um dos homens a contemplava com um olhar cheio de interesse, mas fingia não perceber. Por alguma razão, não queria que Ken tivesse motivo para criticá-la. E o que acontecera naquela manhã na casa dele, que influência teria no relacionamento dos dois? Ela não conseguia parar de pensar nisso. Em certo momento em que Ken conversava com o mestre de obras, Jill ficou algum tempo a observá-lo. Lembrando-se de toda a paixão que ele demonstrara, ela sentiu-se novamente dominada pelo desejo, e percebeu que corria o perigo de perder o próprio coração para aquele homem. E aquilo era uma coisa que Jill se recusava a fazer. Depois, aproveitando um intervalo em que Ken se achava ocupado com a revisão da fiação elétrica, ela pegou o celular dele e ligou para a mãe. — Por que você dois não vêm jantar com a gente? — sugeriu Peggy, ao ser informada de que a filha pretendia passar o dia inteiro servindo de assistente de
empreiteiro. — E por quê, em vez disso, não levo todo mundo para jantar fora? Seria bom para você tirar uma folga da cozinha. Poderíamos ir àquele restaurante de que Gerald falou outro dia. Será que vocês podem telefonar e fazer a reserva? Vou falar com Ken. — Boa idéia, querida — concordou Peggy. — Que tal sairmos às sete horas? — Ótimo. Até mais tarde. — Jill desligou o telefone e olhou em volta, à procura de Ken. Ele ainda se achava no andar de cima, inspecionando os condoesses que haviam sido instalados no dia anterior. O calor estava de matar, e Jill não entendia como aqueles homens conseguiam trabalhar a uma temperatura daquelas. Enrolando a barra da camiseta, ela a puxou para cima e lhe deu um nó entre os seios. Depois, abanando-se com a prancheta, começou a perambular pelos cômodos inacabados do andar inferior, sorrindo para os pedreiros e tentando imaginar como seria decorar aquela casa enorme depois de pronta, — O que pensa que está fazendo? — trovejou subitamente a voz indignada de Ken, interrompendo-lhe o devaneio.
CAPITULO VIII
Atônita, Jill fitou o rosto contraído de raiva de Ken. — O que estou fazendo? Esperando por você, ora! — Com a roupa deste jeito? — vociferou ele, agarrando-a pelo braço e arrastando-a para fora. Depois, levando-a para trás da caminhonete, virou-a de frente para si. — Será que não tem consciência do que faz? O modo como amarrou a camiseta destaca ainda mais o contorno de seus seios, e você está sem sutiã! Deus do céu, onde eu estava com a cabeça quando a trouxe para cá? — Está fazendo muito calor! — protestou Jill. — E não acho que esteja vestida de maneira indecente. Não estou perturbando ninguém!
— Está perturbando todos os membros da equipe — objetou Ken. — Mesmo machucado, Jed não conseguia seguir minhas instruções de tão concentrado em tentar ver onde você estava. Os rapazes que instalaram o encanamento vão ter de fazer tudo de novo, pois se distraíram tanto olhando para você que não prenderam os suportes direito. Eu deveria saber que estava fazendo uma bobagem! — Ele agarrou a camiseta de Jill e tentou baixá-la, mas o nó resistiu. — Desamarre logo esta droga! — Do jeito como você fala, parece que sou uma vagabunda! — exclamou ela, indignada. — Eu só estava tentando me refrescar... — acrescentou em um sussurro, soltando o nó da camiseta. E, antes que tivesse tempo de arrumá-la, Ken puxou-a rudemente para baixo. — Pronto! Agora você está mais decente. — Ken, quer fazer o favor de se acalmar? Eu não estava fazendo nada de errado, e minhas roupas estão perfeitamente adequadas para esse calor insuportável. Jill tirou o capacete e passou a mão nos cabelos úmidos de suor. Não conseguia entender por que Ken estava tão nervoso. — Cometi um grande erro — murmurou ele por entre dentes. — Que erro? Trazer-me aqui? Ou o que aconteceu hoje cedo na sua cama? — Acho que as duas coisas. Apesar de se sentir profundamente magoada por aquelas palavras cruéis, Jill empinou o nariz e sorriu. Tinha anos de experiência na arte de ocultar seus verdadeiros sentimentos. — Não concordo com você, mas respeito sua opinião. — Se Ken achava que o que acontecera fora um erro, nada mais fácil de remediar! — Tome — disse ela, empurrando a prancheta e o capacete contra o peito dele. — Achei que podia ajudá-lo, mas pelo que parece não fui capaz. Vire-se sozinho — acrescentou, dando-lhe as costas e saindo em direção à rua. — Jill! Aonde vai? — gritou Ken. — Para casa — respondeu ela sem se deter, lutando para reprimir as lágrimas. Talvez o melhor fosse sair à procura de uma piscina, nadar um pouco
para se refrescar e tratar de tirar Ken da cabeça. Não queria ir para a casa da mãe e ter de admitir que fracassara mais uma vez. — Espere um pouco! — exclamou Ken novamente. Respirando fundo, Jill acabou por parar e se voltar para ele. A raiva ainda fervia sob a superfície, mas ele tratou de se controlar. — Leve-me até a obra da rua Stemmons — ordenou, em tom autoritário. — Depois temos de ir até a casa de Gerald. Fique me esperando na caminhonete que já venho. — E se eu lhe disser que perdi a vontade de ajudá-lo? — retorquiu ela, com uma expressão petulante. Ken fitou-a por alguns instantes e, finalmente, deu um longo suspiro. — Você me deixa louco, sabia disso? Não deveríamos ter feito amor hoje cedo. E eu jamais deveria tê-la trazido até aqui. — Não me arrependo nem um pouco do que fizemos. — Um de nós deveria ter tido um pouco mais de juízo — murmurou ele, desviando o olhar. — Não vejo por quê — murmurou Jill, profundamente magoada. Para ela fora tão maravilhoso... Como Ken pudera não ter sentido o mesmo? — Não estou acostumado a me envolver em sexo por diversão. — E acha que para mim foi uma simples diversão? — perguntou ela. Aproximando-se um pouco, esperou até que ele a fitasse novamente. — Foi especial, Ken. Muito especial. — Desculpe-me, Jill — pediu ele em voz baixa. — Acho que estou descontando minha raiva em você. — Não precisa ficar com raiva de mim, nem de si mesmo. Eu havia me oferecido para dirigir para você, não havia? Pois vou esperá-lo na caminhonete. Jill entrou depressa no veículo. Sua vontade era de fazer um buraco no chão e se esconder ali até que a dor em seu peito diminuísse. Como Ken podia estar arrependido de ter feito amor com ela? Alguns minutos depois, quando ele entrou na cabine da caminhonete, Jill já
recuperara o controle e decidira adotar uma atitude despreocupada. Estava acostumada a manter um escudo erguido diante do coração. Deu a partida e, determinada a não proporcionar a Ken nenhum motivo de queixa, manteve-se em silêncio durante o percurso até a outra construção. Teve a sorte de encontrar um lugar à sombra para estacionar, e ficou esperando na caminhonete. Nada tinha para fazer a não ser pensar. E aquilo a apavorava. Seus pensamentos iam e voltavam e acabavam retornando para o mesmo ponto: Ken. Jill sabia que os dois tinham muito pouco em comum, que ele não estava interessado em construir um futuro ao lado dela... Cada vez mais, porém, Jill se inclinava nessa direção. O ruído da porta a assustou. — Podemos parar no caminho para comer alguma coisa — disse Ken, acomodando-se no banco que fervia de tão quente. — Ah, tive notícias de Jed. Foram apenas alguns arranhões e manchas roxas, e ele está bem. Avisei-o para que voltasse para o trabalho amanhã. — Que bom que não foi nada de grave — murmurou ela, ligando o motor. Ken indicou o caminho para uma lanchonete e os dois logo saíram de lá com uma sacola de papel repleta de hambúrgueres, batatas fritas e latas de refrigerante. — Alguns desses sanduíches são para Kevin — observou Ken. — Você e eu vamos comer embaixo da árvore da casa velha, está bem? — Ótimo. — Jill sorriu, novamente animada. Os dois iam comer sob a copa da árvore deles, e talvez Ken a beijasse mais uma vez... Ao ouvir o ruído da caminhonete, Kevin debruçou-se em uma janela do andar superior e acenou para eles. — Eu trouxe sanduíches, você quer? — gritou Ken. — Quero sim, obrigado — respondeu o rapaz. — Tenho de ir ao banco, e posso ir comendo pelo caminho. Momentos depois Kevin saiu pela porta da frente e se aproximou da caminhonete. Jill sorriu para ele e se perguntou por que não se sentia dominada pelo desejo quando o via. O jovem era um bocado bonito, e parecia muito menos
ligado a convenções do que Ken. Apesar disso, ela não sentia a menor atração pelo rapaz que, perto de Ken, parecia infantil e inexperiente. — Olá, Jill — disse ele, correspondendo ao sorriso. — Olá, Kevin. — Aqui está — intrometeu-se Ken. — Pegue seus sanduíches. — E entregou ao rapaz dois hambúrgueres e um saquinho de batatas fritas. — Se não conseguir comer toda a sua parte, Jill — brincou Kevin, a caminho de seu carro —, guarde um pouco para mim. Às vezes sinto fome durante a tarde... Jill pegou a sacola de papel e foi direto para debaixo da copa da árvore. Mesmo ali, à sombra, o calor era quase insuportável. Assim que ela sentou-se na grama, Ken se acomodou a seu lado. — Nem todos os dias de verão são assim tão quentes — observou ele. — A gente acaba se acostumando. — Sabe, Ken... — disse Jill dali a alguns minutos. — Eu queria convidá-la para jantar fora hoje. — Jantar fora? — Pois é — confirmou Jill. — Depois daquele jantar maravilhoso que lhe preparei, acho que não resta dúvida de que a culinária não é minha especialidade. — E aonde pretende ir? — A um restaurante que Gerald recomendou, perto do Fórum. Como fui eu quem fez o convite, irei buscá-lo em sua casa. Vamos no meu conversível, mas devo avisá-lo que teremos de levar meus irmãos para casa. Eles adoram aquele carro. — Seus irmãos também vão? — Ah, sim, convidei minha família inteira. Como jantei na casa deles toda noite desde que cheguei, achei que já estava na hora de levá-los para jantar em um restaurante. — Então agradeço muito pelo convite, mas sou obrigado a recusar. — Por quê? — exclamou Jill, sem entender. — Não pode cozinhar com esse
braço engessado! — Posso parar no caminho de casa e comer alguma coisa em uma lanchonete. — Ken fitava-a com uma expressão pensativa, o olhar atraído por suas longas pernas bronzeadas. — É apenas um jantar, puxa vida! Não o estou convidando para saltar de um precipício comigo! — Mas sua família também vai — observou Ken. — E daí? — Em primeiro lugar, vou me sentir muito constrangido na presença deles depois do que aconteceu hoje cedo. Mas o importante é que não há necessidade de iludi-los com uma coisa que não existe. — Do que você está falando, afinal? — insistiu ela, cada vez mais atônita. — De um relacionamento para valer, Jill. Aqui na Virgínia, uma garota somente leva um homem para jantar com os pais quando existe um compromisso mais sério. — Quer dizer que não vai aceitar o convite porque meus pais podem pensar que existe alguma coisa entre nós? — Existe alguma coisa entre nós, Jill — disse Ken, desviando o olhar —, mas isso nada tem a ver com seus pais. — Mas sairmos todos juntos para ir a um restaurante não é a mesma coisa que eu levar meu futuro marido para jantar em casa! O que é que isso tem de mais? — Nada — desconversou ele. — Você me convidou e eu não aceitei. Fim da discussão — acrescentou, pondo-se de pé. — Tenho de voltar para o trabalho. — Espere um pouco — pediu Jill, levantando-se também e segurando-o pelo braço. — Vou ligar para minha mãe e dizer que não posso ir. E então poderemos ir a algum lugar, só nós dois. — Jill, você já os convidou. Agora vai ter de ir. — Mas eu queria que você também fosse. — É uma pena, mas eu não vou — repetiu Ken, libertando o braço e saindo
em direção à caminhonete. — Mas que droga! — Jill não conseguia compreender. Os homens do sul podiam ser muito gentis, mas às vezes eram uns verdadeiros cabeças-duras. — Vou entrar para trabalhar — gritou ele lá de longe. Reunindo as embalagens vazias, ela foi atrás de Ken, que já havia desaparecido no interior da casa. Sabia, contudo, que de nada adiantaria insistir; ele não voltaria atrás. — Será que vou incomodar se ficar por aqui? — perguntou Jill à porta da sala de estar inacabada. — Não há mais ninguém por perto, e não vou distrair sua atenção. — Você distrairia a atenção de um frade de pedra — objetou Ken. — Vá pegar o cortador de grama no barracão e dê um jeito naquele gramado — ordenou, pegando uma tábua e colocando-a sobre dois cavaletes. — Machão autoritário — murmurou ela, saindo para procurar o tal barracão. — Ken, será que pode me ajudar? — perguntou Jill dali a dez minutos. — Ajudá-la a fazer o quê? — retorquiu ele, em tom impaciente. Havia tirado a camisa e amarrado uma banda em torno da testa. A serra circular achava-se a seus pés, e ele posicionou cuidadosamente a tábua na lateral da lareira. — Como foi que serrou essa tábua? Está pretendendo pregá-la aí? — Segurei a serra com a mão esquerda, e é claro que pretendo pregar a tábua. Ou você acha que ela vai parar no lugar só pela força da gravidade? — Ah, isso é uma coisa que faço questão de ver — disse ela, demorando o olhar naquele musculoso peito nu. — Ver o quê? — Ver um tolo, muito teimoso, martelando um prego com o braço quebrado. — Mas não posso simplesmente ficar parado sem fazer nada! — protestou Ken. — Tudo bem, vá em frente. Depois não reclame se tiver de ficar com o
braço engessado por uns seis meses em vez de dois. Ken segurou a tábua na posição correta, fez o mesmo com o prego e apanhou o martelo. — Mas que porcaria! Esforçando-se para não cair na risada, Jill achou melhor não dizer nada. Pelo que parecia, só de erguer o martelo e tentar segurá-lo Ken já se convencera de que era cedo demais para usar a mão direita. — Quer que eu faça isso para você? — perguntou ela. — Ótima idéia! — exclamou ele, sarcástico. — É o melhor jeito de eu ficar com os dois braços engessados! — Que tremenda injustiça... Quer apostar que eu acerto o prego logo na primeira tentativa? — Jill, se você errar, vai acertar a minha mão ou na madeira. E não quero engessar também o braço esquerdo nem estragar a tábua. — Confie em mim, homem de pouca fé — disse Jill, tomando o martelo da mão dele e fixando o prego no lugar. — Fique quieto e segure a tábua. Concentrando-se um pouco, ergueu o martelo e... Acertou direitinho no prego. E, com mais quatro marteladas, enterrou o até o fim na madeira. Ken olhou para o prego, para a tábua intacta e finalmente para Jill. — Está vendo? — Ela riu. — Não sei cozinhar, mas não sou uma inútil completa. Onde quer que eu bata o próximo? Ken acocorou-se e segurou o outro prego junto à base da tábua. — Aqui — disse. Jill inclinou-se e segurou o prego, roçando os dedos nos dele. Depois, concentrando-se novamente, martelou-o direitinho até o fim com apenas três golpes. — Nada mal para uma garota — murmurou ele. — Garota nada — corrigiu ela, fitando-o no fundo dos olhos. — Mulher. — Eu sei, eu sei — sussurrou Ken com voz rouca, segurando-a pela nuca e puxando-a para si.
Deixando-se cair de joelhos, Jill apoiou as mãos nos ombros dele para não perder o equilíbrio, e Ken apossou-se famintamente de sua boca, como se ela fosse um banquete e ele estivesse morrendo de fome. Vagarosamente, Ken se sentou no chão e puxou-a para seu colo, traçando uma trilha de beijos ao longo do pescoço dela. Jill estremeceu de prazer e, quando ele introduziu a mão por baixo de sua camiseta e lhe empalmou o seio, sentiu que o bico se enrijecia e se projetava contra a palma dele. Ela acariciava os ombros de Ken com os lábios, beijando-os, mordiscandoos e utilizando a ponta da língua para sentir o sabor salgado da pele bronzeada. — Tire minha camiseta... — sussurrou. — Você está sem camisa, não está? Ele sorriu e fez o que ela pedia. Os seios de Jill eram empinados e firmes e, acariciando-os delicadamente com a ponta dos dedos, Ken lhe provocou mais um estremecimento de prazer. — Gosto tanto quando você faz assim... — murmurou ela, resvalando as unhas pelos mamilos dele e vendo que eles também se enrijeciam. — Eu também gosto... — respondeu Ken baixinho, inclinando-se e tomando na boca o bico rosado do seio direito de Jill. Ela deixou escapar um gemido. Desejava-o tanto ou ainda mais do que naquela manhã, mas já sabia o que esperar e estava começando a ficar impaciente. Ken colocou-a deitada de costas no assoalho e se deitou por cima dela. Jill agarrou-se freneticamente ao corpo dele e mais uma vez se rendeu àquela tentadora boca masculina. Vibrando de desejo, achava-se quase fora de controle de tanto prazer. Subitamente Ken ergueu o corpo e ficou atento, à escuta. — O que foi? — perguntou ela, desesperada. — Kevin voltou — sussurrou ele, levantando-se e correndo para olhar pela janela da frente. — O quê? — Vista a camiseta, depressa. Vou sair e segurá-lo um pouco lá fora.
Jill ouviu o ruído da porta da frente; Kevin não levaria mais do quê alguns segundos para chegar até ali. Olhando em volta à procura da camiseta, ela saiu engatinhando pelo chão para permanecer abaixo do nível da janela e, depois, vestiu-se às pressas. — Mas que droga! — vociferou, correndo para os fundos da casa. Ouvia a voz dos dois homens conversando e sabia que Ken não conseguiria impedir por muito tempo que o rapaz entrasse, sem levantar suspeitas. Correndo o mais depressa que podia, Jill saiu pela porta da cozinha e deu a volta para a frente. — Ken, será que podia me ajudar? Ah, olá, Kevin. Viu, Ken, encontrei o cortador de grama, mas não sei fazê-lo funcionar. Se você puder ligar o motor para mim, pode deixar que eu dou um jeito no gramado. Ken olhou-a, surpreso, e aos poucos seus lábios foram se curvando em um sorriso. Ao ver a expressão do rosto dele, Jill ficou toda orgulhosa de si mesma. — Você vai cortar a grama? — perguntou Ken. Colocando as mãos nos quadris, ela o fitou como se ele tivesse feito a mais ridícula das perguntas. — Mas não foi justamente isso que você me mandou fazer agora há pouco? — Ah, a! Isso é uma coisa que faço questão de ver com meus próprios olhos. — Por que, acha que não sou capaz? — Ah, Jill — disse ele com uma expressão significativa —, aprendi que não devo duvidar de suas palavras! — Bom — intrometeu-se Kevin, dirigindo-se para a porta da frente —, vou subir para trabalhar. Ao se aproximar dela, Ken segurou-lhe o queixo e levantou-lhe o rosto. — Você é mesmo uma feiticeira, sabia? Faz os seus feitiços e depois aparece por aí com a carinha mais inocente deste mundo... — Ora, Ken... — disse ela, chegando mais perto. — Quem sabe se não foi você quem me enfeitiçou? — Calma, garota — Ken tornou, adivinhando as intenções dela —, você tem
de cortar a grama. Além disso, não acho que um assoalho seja o melhor lugar para o que pretendo fazer com você. — Vamos deixar a grama crescer por mais alguns minutos — sussurrou Jill. — E se você não acha o assoalho adequado, que tal o barracão? Incapaz de se conter por mais tempo, Ken abraçou-a e beijou-a freneticamente. Jill sentiu que o desejo reprimido voltava a explodir de forma incontrolável, e que somente aquele homem seria capaz de satisfazê-la. Ken introduziu a mão por baixo da camiseta de Jill e começou a lhe acariciar os seios, beijando-lhe o rosto, os olhos e o pescoço, intensificando ainda mais o fogo da paixão. Subitamente ouviu-se o ruído do bater de uma porta no interior da casa. — E melhor irmos pegar o tal cortador de grama — disse Ken, afastandose dela. — Vamos, vamos, sim. O barracão ficava do outro lado da garagem, impossível de ser visto a partir da casa. Por um momento Jill pensou que Ken pretendia seguir sua sugestão, mas ele se limitou a arrastar o cortador de grama para fora e abrir o reservatório de combustível para ver se havia gasolina. Desapontada, ela ficou escutando pacientemente enquanto Ken lhe explicava como dar a partida no motor, esvaziar o saco receptor e onde descarregar a grama já cortada. Dali era possível ouvir Kevin se movimentando no interior da casa, assobiando despreocupadamente. Jill sentia vontade de entrar correndo e lhe dar uma pancada na cabeça! — E então, entendeu tudo? — perguntou Ken por fim. — Entendi como dar partida nesta porcaria e como empurrá-la de um lado para outro, se é isso que você quer saber — disse Jill, de má vontade. Ele hesitou durante alguns segundos, e depois lhe acariciou o rosto afogueado. — Ainda quero você — sussurrou. — Pensei que se fizéssemos sexo eu
conseguiria me acalmar. — Se fizéssemos sexo? Pensei que tínhamos feito amor... Ken permaneceu alguns instantes em silêncio, fitando-a no fundo dos olhos. — Nós fizemos amor — admitiu finalmente. E então beijou-a levemente nos lábios e se afastou antes que ela tivesse tempo de reagir. Jill deu a partida no motor do cortador, tendo de puxar várias vezes a cordinha até que ele pegasse. Depois começou a empurrá-lo pelo gramado, debaixo de um sol escaldante. Ela começara pelo gramado dos fundos e, quando o saco receptor começou a ficar pesado, parou e esvaziou-o sobre a pilha de restos orgânicos que Ken lhe mostrara. Estava morrendo de calor, suada e coberta de pedacinhos de grama cortada. Antes de recomeçar, entretanto, contemplou o trecho do gramado por onde já passara e viu que ele se transformara em um lindo tapete verde. Subitamente, Jill se sentiu cheia de entusiasmo; e, dali a pouco, já se entregara de corpo e alma ao trabalho, esquecendo-se completamente do calor e do desconforto. Daquela forma, pelo menos, conseguiria tirar Ken da cabeça por algum tempo.
CAPITULO IX
Jill contemplou o gramado com orgulho. Conseguira! A grama recémcortada parecia um tapete de veludo verde. — O serviço ficou perfeito, Jill! — exclamou Ken, aproximando-se. — Obrigada. — Ela sorriu. — Só não consegui fazer o cortador chegar suficientemente perto das árvores e da beirada do cimentado. — Esse acabamento se faz manualmente — explicou Ken. — Quer fazer isso amanhã? — Jill assentiu, e depois baixou o olhar para si mesma. Estava
coberta de partículas de grama, suada e suja de terra. — Você está linda — mur murou ele —, uma típica moça americana. — Ah, que maravilha — gemeu ela, empurrando o pesado cortador de grama de volta para o barracão. — Quanta sofisticação! — Sentia dor nos ombros, braços e costas, e não via a hora de tomar uma ducha. Mas fizera um bom trabalho, e ficara muito feliz por Ken ter notado. — E então — perguntou ele, começando a caminhar ao lado dela —, chega por hoje? Você precisa ir para casa se preparar para o jantar. — Eu sei. — Fitando-o de soslaio, ela sentiu o coração sè acelerar ao ver como Ken estava bonito. Ele se lavara, vestira novamente a camiseta e retirara a banda da cabeça. Ken, por sua vez, também a observava disfarçadamente. Pensara que Jill era uma garota bonita e mimada que jamais erguera um dedo para fazer coisa alguma. E aquela desastrosa tentativa de preparar uma refeição servira apenas para reforçar essa imagem. Naquele dia, porém, ela o surpreendera; martelara os pregos com precisão e eficiência, e cortara toda a grama sem reclamar, apesar da inclemência do sol da tarde. — Estou orgulhoso de você — sussurrou ele. — O quê?! — exclamou Jill, fitando-o com a expressão de quem não acreditava no que acabara de ouvir. Ken não tivera a intenção de falar em voz alta, mas, quando repetiu o que dissera, os olhos de Jill se iluminaram e seus lábios se entreabriram em mais um daqueles seus fantásticos sorrisos. — Ninguém jamais me disse isso antes — confessou ela. Ken sentiu-se dividido entre a descrença e a compaixão. — Mas será que seu pai não... — Ken, meu pai é a criatura mais egocêntrica deste mundo. Tenho certeza de que, se por acaso eu me tornasse uma atriz famosa, ele se queixaria de eu estar roubando a bilheteria dos filmes dele. — E você não morou com sua mãe tempo suficiente para que ela lhe dissesse isso... — acrescentou ele, sentindo pena da garotinha solitária que Jill
devia ter sido. — Acho que nunca fiz nada de que minha mãe pudesse se orgulhar — murmurou ela, trancando cuidadosamente a porta do barracão e evitando olhar para Ken. — Nesse caso, deixe-me ter a honra de declarar que estou realmente orgulhoso do que você fez hoje. É evidente que jamais havia cortado grama antes, e o calor estava quase insuportável. Mas, em vez de choramingar e reclamar, você enfrentou o desafio e fez um ótimo trabalho. Caminhando a seu lado, Jill passou o braço pelo dele, e Ken sentiu uma espécie de choque elétrico que o deixou arrepiado da cabeça aos pés. E, quando ela ergueu o olhar para seu rosto e sorriu novamente, ele teve vontade de envolvê-la nos braços e nunca mais deixá-la partir. Controlando-se, porém, limitou-se a continuar andando até a caminhonete. O percurso até a casa dele foi rápido demais. Dali a pouco Jill iria embora para jantar com a família e ele teria de esperar até o dia seguinte para vê-la novamente. Ela o deixou na porta de casa, e dali a alguns segundos o conversível virava a esquina e desaparecia da vista de Ken. Ele foi assaltado por uma onda de solidão e, ao entrar em casa, achou-a mais vazia do que nunca. Como sua vida. Já fazia cinco anos que sua esposa morrera, e durante todo aquele tempo Ken nada mais fizera a não ser trabalhar e visitar os parentes. Sentia-se como se estivesse preso sob uma grande redoma, vendo e ouvindo tudo o que se passava lá fora mas incapaz de tocar em nenhuma daquelas coisas. Até que Jill du Mareei aparecera em sua vida. Ken sacudiu a cabeça, arrependido de ter recusado o convite para jantar. Se tivesse aceitado, poderia depois trazê-la para sua casa e retomar o que estivera fazendo com ela na cama quando o telefonema os interrompera. Sabia que Jill partiria após o casamento da irmã, mas queria tê-la a seu lado até o último minuto. O telefone tocou e, de um salto, Ken atendeu antes do segundo toque. Se fosse Jill insistindo com o convite, ele aceitaria imediatamente. — Alô, Ken? É Cissy Morane.
— Cissy? Ah, ccomo vai? Esforçando-se para disfarçar o desapontamento, Ken começou a conversar com sua vizinha. Cissy fora uma grande amiga de Emma e, juntamente com o marido, passara muitas horas em companhia dela e de Ken. O casal continuara a convidá-lo para jantares e outras atividades, mas ele raramente aceitava. — Vamos fazer um churrasco no próximo sábado — disse ela — e queremos que você venha. — Churrasco? — Isso mesmo. Convidamos todos os nossos amigos, e já passou da hora de você sair da concha e se divertir um pouco. Você vem, não é mesmo? Ken hesitou por alguns instantes. — Bem... Será que posso levar uma pessoa? — Mas é claro! — exclamou Cissy — Será melhor ainda. É alguém que eu conheço? — Acho que não. É uma moça da Califórnia que veio visitar a família. É enteada de Gerald Hamilton. — Ah, sim... Ótimo, Ken. Vamos começar lá pelas seis da tarde, está bem? Estou achando muito bom que... Bem, o que quero dizer é que estou feliz por saber que você está saindo com uma moça. — Ela está me ajudando na reforma da antiga casa de Mattie Tyler — disse ele. — Jill é uma moça muito simpática. E também capaz de um bocado de dor de cabeça. Depois de se despedir de Cissy, Ken procurou na lista telefônica o número de Lynn Bennet e ligou para Jill. Quem atendeu, porém, foi a secretária eletrônica. Depois de desligar o telefone e subir as escadas a caminho do chuveiro, ele percebeu que pela primeira vez em vários anos estava se sentindo novamente jovem, cheio de energia e entusiasmo. Jill teria uma grande surpresa quando ele a convidasse para sair! Sentado no quintal às escuras com uma lata de cerveja na mão, Ken ouviu o telefone tocar e atendeu imediatamente.
— Olá, Ken, é Jill; recebi sua mensagem. Queria falar comigo? — Pensei que você voltaria para casa mais cedo — disse ele. — Já passa das onze. — É que ficamos até tarde no restaurante, e depois meus irmãos pediram para dar uma volta de carro pela cidade. — E o jantar, foi bom? — Foi... — respondeu ela, depois de hesitar por alguns instantes. — É, acho que foi. Pelo menos acho que eles se divertiram. Mamãe e Gerald levaram Kari para casa, e mais tarde cheguei eu com Andy e Jeff. Havia algo de estranho no tom de voz dela, mas Ken não conseguia distinguir o que era. — Mas por que me ligou? É sobre o trabalho de amanhã na casa? — Não, o assunto nada tem a ver com trabalho. É que fui convidado para um churrasco no próximo sábado, e queria saber se você gostaria de ir comigo. — Um churrasco? Claro que sim! Muito obrigada pelo convite! — É apenas uma reuniãozinha entre amigos — observou ele. — Nada de parecido com as festas sofisticadas da Riviera Francesa. — Melhor ainda! Assim vou ter a oportunidade de conhecer alguns de seus amigos. Mal posso esperar! Ken também não agüentava mais esperar. O dia seguinte parecia que ia levar uma eternidade para chegar. — Gil... — Sim? — Venha para cá. — Agora? — Por que, está muito cansada? — Chego em menos de cinco minutos. — O clique do telefone indicou que ela estava falando sério. Ken recolocou o fone no gancho e se perguntou se não teria acabado de
cometer um enorme erro. Se tivesse, porém, aquilo já não tinha importância. Tudo o que desejava era conversar um pouco, tomar uns drinques com Jill... Ah, mas a quem estava tentando enganar? Ele a queria, ele a desejava, não podia ficar nem mais um minuto sem ela. Desaparecera completamente a sonolência que sentira durante as horas em que estivera no quintal à espera de que Jill respondesse a seu recado. Ken mal podia crer no que estava lhe acontecendo. Desde a morte de Emma, jamais sentira interesse algum por outra mulher. Isso até o aparecimento de Jill. E, depois de tê-la conhecido, começara a se sentir como se estivesse se afogando e ela fosse o ar de que precisava para sobreviver. Com o coração aos saltos, Jill estacionou o carro diante da casa de Ken. Custava a acreditar que ele lhe pedira para vir àquela hora da noite. Ainda confusa, desceu do conversível e se dirigiu para a casa. — Olá — disse Ken, que a esperava com a porta já aberta. — Olá... — Jill subiu correndo os três degraus da entrada e se atirou nos braços dele, sendo recebida com um beijo longo e faminto. Feliz da vida, retribuiu entusiasticamente, pois passara o jantar inteiro pensando nele. — Assim vou acabar sendo preso — disse Ken, afastando-a um pouco de si e olhando para um lado e outro da rua. — Venha, entre logo. — Sorrindo, Jill entrou e abraçou-o novamente, acariciando-lhe os cabelos negros e espessos. — Ah, Jill, você é mesmo uma garota fora do comum. — Acha mesmo? — retorquiu ela com uma expressão provocante. — O que eu gostaria de saber é se isso significa que sou muito boa ou muito ruim... — Na maior parte do tempo, muito boa — disse Ken, apertando-a ainda com mais força contra o peito musculoso. — Que alívio... — sussurrou Jill, erguendo o rosto para beijá-lo de novo. Ela se sentia como se estivesse voltando para casa. O corpo sólido de Ken era o refúgio que procurara durante toda a sua vida. Os beijos dele a excitavam profundamente, mas aquilo era mais que uma simples reação física. Havia em Ken alguma coisa que abalava o mais profundo de seu ser. Pensou que seria muito bom se Ken estivesse se apaixonando por ela.
Com medo de admitir a verdade, Jill tentava se perder nas carícias de Ken. Não queria pensar, queria apenas fechar os olhos e sentir os braços dele em torno de si. Ele tomou-lhe o rosto entre as mãos. — Até que horas você pode ficar? — perguntou, fitando-a no fundo dos olhos. — O patrão aqui é você — brincou Jill, em voz baixa e rouca. — A que horas precisa estar na obra amanhã? A resposta de Ken foi erguê-la nos braços e começar a subir as escadas com ela no colo. — Ken! — gritou Jill, rindo. — Ponha-me no chão! Você vai machucar o pulso! — Não estou usando o pulso — retorquiu ele. — Sou pesada demais, ponha-me no chão! — Ora, não é mais pesada do que uma pilha de tábuas ou um saco de cimento... — Ah — exclamou ela, lutando para reprimir o riso —, está me comparando a um saco de cimento? Você ensaia essas frases românticas ou elas vêm naturalmente à sua cabeça? Entrando no quarto, Ken se deteve junto à cama e colocou Jill no chão, fitando-a com uma expressão séria. — Eu poderia, por exemplo, dizer que o seu é o rosto de mulher mais lindo que já vi na minha vida. Ou que seu sorriso faz meu coração vir parar na garganta. Ou que sua boca é a coisa mais gostosa que já provei. Ou ainda que perto de você eu me sinto como se fosse mais uma vez adolescente, jovem, livre e totalmente aberto para novas experiências. Jill ficou olhando-o, fascinada pelas palavras que se derramavam sobre seu coração como se fossem mel. Homem algum jamais se expressara de forma tão sincera diante dela. Introduzindo as mãos por baixo da camiseta de Ken, ela acariciou a rígida musculatura de suas costas.
— Você é o homem mais atraente, mais sexy que já conheci. E sabe também falar bonito... Mas o que será que faz melhor, falar ou agir? — Ah, posso lhe garantir que sei agir muito bem — sussurrou ele, apossando-se dos lábios de Jill. Ela fechou os olhos, deixando-o demonstrar como agia bem. Ken despiu-a com rapidez e eficiência, não parando de beijá-la nem por um instante. Jill não entendeu como ele conseguira tirar-lhe a blusa sem que ela percebesse, mas o choque elétrico provocado pelos lábios de Ken em contato com sua pele a fez perceber que estava nua. Ken ergueu-a nos braços e a depositou sobre a cama. Em seguida, arrancou a própria camiseta e jogou-a no chão. Jill ouviu o ruído rascante de um zíper sendo baixado, e percebeu o momento em que ele se livrou da calça. A única iluminação vinha das luzes acesas lá embaixo. Na penumbra, o quarto parecia ainda mais aconchegante. Ken deitou-se ao lado dela, abraçou-a com força e, com o coração aos saltos, Jill envolveu-lhe o corpo com os braços e as pernas. — Ah, Ken... — gemeu, quando ele se soltou de seus braços e começou a beijar-lhe o pescoço, os seios, o ventre... — Se você pretende passar a noite toda comigo — disse ele —, podemos ir um pouco mais devagar. — Se formos mais devagar —- suspirou Jill, fechando os olhos para melhor saborear a sensação que aqueles beijos lhe provocavam —, acho que vou explodir! — Deixe-me chegar mais perto — murmurou Ken com a boca colada à pele lisa do ventre de Jill, introduzindo vagarosamente a mão por entre suas pernas. Estremecendo com aquela carícia quase insuportavelmente deliciosa, Jill entreabriu as pernas. Ele foi deslizando a boca cada vez mais para baixo, beijando a leve reentrância que separava seu ventre e sua coxa, roçando os lábios pelos macios pêlos que guardavam o centro de sua feminilidade e chegando mais e mais perto daquele pequeno ponto extremamente sensível e vibrante de desejo. — Ai... — gemeu ela, quando os lábios de Ken alcançaram o objetivo. Dominada por uma sensação de prazer indescritível, estremeceu da cabeça aos pés.
Ken segurava-a pelos quadris enquanto provava o sabor de seu mel, e não demorou muito para que Jill se sentisse explodir em fragmentos de luz como fogos de artifício, atingindo o mais delicioso êxtase que já experimentara na vida. Ken posicionou-se por cima dela, introduzindo imediatamente sua rígida masculinidade no turbilhão ainda pulsante de prazer que se ocultava entre as coxas macias de Jill. Mais alguns segundos e ele também explodiu em uma cascata de sensações, com gemidos e convulsivos espasmos que fizeram com que Jill se elevasse novamente até as nuvens. Ofegante, esgotada e saciada, ela o abraçou com toda a força. Aquela experiência fora gloriosa, fantástica e perfeita. Jill jamais sentira tanta intimidade com um homem em sua vida. — Você está bem? — perguntou Ken dali a alguns instantes, com a respiração voltando lentamente ao normal. — Um, dizer que estou ótima é muito pouco. Ah, Ken, não tenho palavras para descrever como me sinto... — Não sou pesado demais? — Não. Não saia daí. — Se eu ficar em cima de você a noite toda, vou amanhecer deitado sobre uma panqueca. — Bom, talvez daqui a alguns minutos eu o deixe se levantar. Por enquanto ainda estou flutuando. — Estive pensando naquele barracão... Seria uma experiência nova e interessante. Acho que vou mandar Kevin trabalhar em outra obra amanhã. — Acho que devíamos mesmo experimentar cenários diferentes — murmurou Jill. — Você precisa se soltar um pouco, ampliar seus horizontes... — Até me tornar livre e despreocupado como você? :— Não lhe faria mal algum, eu garanto. — E quando você for embora, como é que eu fico? — perguntou ele baixinho. Jill abriu os olhos de repente.
— Talvez eu não vá embora... — Acha mesmo que podemos ter um romance em que ninguém saia magoado no final? — retorquiu Ken, deixando-se escorregar para o lado. — Bom, poderia ser um romance de longa duração... — argumentou Jill. Para que discutir aquele assunto? Ela ia mesmo partir após o casamento de Lynn... — Acho que é melhor eu ir para casa — disse por fim. — Não! — exclamou ele, envolvendo-a nos braços e fazendo-a apoiar a cabeça em seu ombro. — Durma aqui, Jill. Quero que fique comigo. Além do mais, você tem de me ajudar a me barbear de manhã. Ela relaxou, admitindo que queria mesmo ficar. Estava exatamente onde desejava estar. — Fale-me a respeito de sua família — pediu baixinho. — Falar o quê? — Ah, sei lá... Você sabe tudo sobre o meu pessoal... Afinal, conhece Gerald, minha mãe e os garotos. E, quando conhecer Lynn, vai ver que somos gêmeas idênticas, mas com personalidades completamente diferentes. Minha irmã é recatada e doce, e nisso não se parece nada comigo. Você vai gostar dela. — Do jeito como fala — observou Ken —, parece que não gosto de você. — Pois é... Essa é uma de minhas dúvidas. — Ora, Jill, gosto muito de você — garantiu ele, abraçando a ainda com mais força. — Nem sempre compreendo as coisas que você faz, mas estou começando a entender que a maneira como foi criada desempenhou um papel muito importante no modo como encara a vida. Acariciando-lhe os cabelos, acrescentou: — E agora durma. Temos muito o que fazer amanhã. Sonolenta, ela se deixou levar pela ternura de Ken e pela deliciosa sensação de intimidade que experimentava ao lado dele. O sol já ia alto no horizonte quando Jill despertou e viu que estava sozinha na cama. A noite anterior havia sido fantástica. Ken acabaria por deixá-la malacostumada, e nenhum outro homem seria capaz de satisfazê-la. Acontece, porém, que Jill não queria mais saber de homem algum a não ser
ele. Estava se apaixonando por Ken Davis, e pela primeira vez aquele pensamento não lhe provocou uma sensação de pânico. — Já acordou? — perguntou ele da porta. — Já, sim. — Fechando os olhos, ela desejou poder adormecer novamente e não ter de pensar em Ken, no significado da palavra amor e no que iria fazer de sua vida dali para a frente. — Vou sair para dar minha corrida — disse Ken. — Na volta paro em algum lugar e compro alguma coisa para o café da manhã, está bem? Ainda de olhos fechados, Jill ouviu-o entrar no quarto e se aproximar da cama. — Você costuma se levantar assim tão tarde? — perguntou ele, acocorando-se ao lado dela e acariciando-lhe os cabelos. — Vamos, preguiçosa, levante-se. Ela abriu lentamente os olhos e, vendo-o sorrir, sentiu um aperto no coração. Queria ver aquele sorriso todos os dias, de manhã, pelo resto de sua vida. Como reagiria Ken se soubesse desse seu desejo? Ele a beijou e se levantou. Dali a alguns segundos Jill ouviu a porta da frente se fechando.
CAPÍTULO X
Jill reservou duas horas da tarde de sábado para se preparar para a festa. Finalmente conseguira a oportunidade de usar um de seus vestidos de griffe, um modelo colante de seda, leve e sensual. Deitada na banheira, imersa na água tépida e cheia de espuma, ela recapitulava os acontecimentos dos últimos dias. Aprendera muita coisa a respeito de jardinagem e do cultivo de plantas, um assunto que começará a achar fascinante. Os canteiros de flores da casa antiga achavam-se fertilizados, podados e livres de ervas daninhas.
Ken trabalhava na casa durante uma parte do dia. Como já não precisava de Jill para dirigir a caminhonete, saía por conta própria para supervisionar as outras obras e a deixava livre para se ocupar do jardim. Ela e Kevin haviam desenvolvido uma espécie de cumplicidade; Ken representava exatamente o modelo do que o rapaz desejava ser quando ficasse mais velho: um empreiteiro bem-sucedido. Kevin adorava conversar a respeito de seu ídolo, e ela adorava ouvi-lo falar. Jill
se
perguntava
se
na
primavera
seguinte
ainda
estaria
em
Charlottesville para ver os resultados de seus esforços no jardim. Ainda não conseguira tomar uma decisão definitiva acerca de seu futuro. Afinal de contas, quais seriam os reais sentimentos de Ken por ela? Parecia gostar de sua companhia, e evidentemente adorava fazer amor com ela; mas será que era apenas isso que aquela relação significava para ele, uma intensa atração física? Toda vez em que Jill sugeria que os dois jantassem juntos, ele se recusava, alegando que ela precisava passar mais tempo com a família. Apesar disso, na última semana Jill passara mais uma noite na casa dele; e o teria feito todas as noites se Ken a tivesse convidado. Só que ele não a convidara. Quando recebeu o convite para uma recepção na embaixada francesa em Washington, a primeira coisa que lhe veio à cabeça foi convidá-lo para ir com ela. Será que ele aceitaria? Jill saiu da banheira, enxugou-se e começou a cuidar do penteado e da maquilagem. A última providência foi o vestido, um lindo modelo de seda vermelha que lhe caía como uma luva. A abertura lateral deixava entrever uma generosa porção de sua coxa bronzeada, e as sandálias pretas de saltos altos tornavam suas pernas ainda mais longas. O complemento foi um deslumbrante colar de rubis e diamantes, e Jill acabava de ajustar o fecho da jóia quando ouviu a campainha da porta. Dando uma última olhada em sua imagem no espelho, ela deu um sorriso. Dessa vez, com certeza, Ken iria ter uma surpresa. Quando abriu a porta, e o viu, entretanto, Jill sentiu o estômago se contrair. Ken usava uma camisa de algodão xadrez com o colarinho aberto e as mangas enroladas, uma calça jeans e os tênis de corrida. Imóvel e sem dizer uma
só palavra, ele a fitava de olhos arregalados. — Jill, pelo amor de Deus — desengasgou-se ele por fim —, vamos a um churrasco na casa de amigos e não a uma recepção na Casa Branca! Morta de vergonha, tudo o que ela desejava era cavar um buraco no chão e se esconder lá pelo restante de seus dias. — Desculpe-me, Ken, acho que entendi mal... Mas não levo nem um minuto para trocar de roupa, está bem? Jill subiu correndo para o quarto, mas tão cedo ele não conseguiria apagar da memória aquela belíssima imagem feminina. Jamais a vira tão linda. Nunca sequer chegara a imaginar que uma mulher pudesse exibir uma aparência tão fascinante. O vestido se ajustava como uma segunda pele àquele corpo jovem e esguio, e os diamantes que cintilavam em torno de seu pescoço lhe caíam de forma tão natural quanto o penteado sofisticado. Jill fora feita para jóias, sedas e festas grandiosas, e não para churrascos provincianos em que todo mundo usava jeans ou shorts. Durante os últimos dias Ken começara a acalentar a esperança de que ela encontrasse em Charlottesville algo que a fizesse ter vontade de ficar. Após tê-la visto com aquela aparência, porém, ele percebera como aquela idéia havia sido tola. Ken deveria ter deixado bem claro o tipo de festa para a qual a convidara. Depois daquele constrangedor incidente, Jill provavelmente haveria de ficar duplamente decepcionada com a simplicidade da reunião. O melhor talvez fosse ligar para os Morane, dar uma desculpa e desistir de comparecer de uma vez por todas. — Jill, eu... —- começou ele a dizer assim que ela desceu novamente as escadas. — Não demorei muito, demorei? — interrompeu-o Jill. — Desculpe-me por tê-lo feito esperar. Ela havia trocado de roupa e colocado um vestido de malha estampada, leve e delicado, em um modelo tomara-que-caia. Cuidadosamente escovados, seus
cabelos haviam retornado ao estilo descontraído de costume. O coração de Ken começou a bater mais forte quando ele notou como o corpete do vestido se ajustava aos seios e à cintura de Jill. Sua vontade era erguê-la nos braços, levá-la para a cama e mandar para o inferno aquele maldito churrasco. — Puxa, como você está linda... — Acha mesmo? — Jill sorriu. — Ótimo, então vamos tratar de nos divertir! Quando os dois chegaram, a festa já estava animadíssima. Adolescentes brincavam na piscina, adultos conversavam e riam no enorme quintal, a cerveja e o vinho corriam soltos. Vinha uma música suave das caixas de som colocadas à janela da sala dos fundos, e da churrasqueira emanava o tentador aroma da carne e do frango assado. — Olá, Ken, que bom que você veio! — exclamou Cissy, cumprimentando-o e depois se voltando para Jill com um amplo sorriso. — Esta é Jill du Mareei — disse ele. — Jill, Cissy Morane. — Muito prazer — respondeu Jill, retribuindo o sorriso e estendendo a mão para a anfitriã. Ken viu a expressão de surpresa nos olhos de Cissy. Vários de seus amigos lhe acenavam de longe. Será que todos eles iriam expressar sua admiração por vê-lo ali, e ainda por cima acompanhado? Ou a admiração seria pela evidente diferença de idade entre ele e Jill? — Ken nos disse que você mora na Califórnia — comentou Cissy. — Seu rosto me parece familiar... Será que já fomos apresentadas em alguma outra ocasião? — Não, acho que não. Minha mãe, meu padrasto e meus irmãos moram aqui em Charlottesville, mas eu moro em Malibu. Ah, você deve ter conhecido minha irmã gêmea, Lynn Bennet. Ela trabalha na biblioteca. — Ah, é isso mesmo! — exclamou a outra. — Sua irmã é uma moça muito simpática. Mas agora venha, deixe-me apresentá-la ao pessoal. — Vou pegar alguma coisa para bebermos e já volto — declarou Ken. Conhecendo a casa dos Morane tão bem quanto a sua própria, ele foi para a
cozinha. Pegou uma cerveja para si e uma taça de vinho branco para Jill, pois já sabia da preferência dela, e saiu novamente para o quintal. — Ora, vejam só quem está aqui! — Sorrindo de orelha a orelha, Hank Morane lhe deu uma afetuosa palmada nas costas. — Acabo de conhecer Jill... Que moça linda! Ela disse que ficou encantada com minhas roseiras e pediu que eu lhe desse algumas dicas sobre o cultivo de rosas. — Jill está muito interessada em jardinagem — murmurou Ken, procurando-a com o olhar no meio da multidão. Conversando e rindo no meio de um pequeno grupo de convidados, ela parecia perfeitamente à vontade. Ken olhou de soslaio para o anfitrião, à espera do inevitável comentário a respeito da pouca idade de Jill. Para sua surpresa, porém, Hank fitou-o com uma expressão que somente poderia ser definida como de ternura masculina, e a observação que fez nada teve a ver com o que Ken antecipara. — Fico contente por vê-lo aqui hoje, companheiro. Nestes últimos anos nenhuma de nossas festas teve a mesma graça sem a sua presença e a de Emma. Ken assentiu, mas não queria pensar em Emma naquela noite. Sua falecida esposa evidentemente desejaria vê-lo seguir em frente com a vida, mas com certeza pensaria que ele perdera a cabeça ao se envolver com uma garota da idade de Jill. Não que ele estivesse se apaixonando por ela, é claro. O relacionamento deles baseava-se apenas em atração física. Além do mais, Jill logo partiria de volta para a Califórnia. Atravessando o quintal, Ken cumprimentou velhos amigos, parou aqui e ali para conversar um pouco, e Jill se aproximou dele. — Esse vinho é para mim, não é mesmo? — perguntou ela com um grande sorriso, estendendo a mão para a taça e correspondendo ao brinde que lhe fez com a lata de cerveja. A festa foi um grande sucesso. Para sua surpresa, Ken divertiu-se muito, e Jill pareceu ter apreciado a reunião tanto quanto ele. Observando-a enquanto ela conversava com os outros convidados, Ken notou que, apesar de ter a aparência de mulher bonita e sem cérebro, Jill estava mais uma vez demonstrando que as aparências enganam. Participava tranqüilamente de todas as conversas e estava
completamente à vontade no meio dos amigos dele. Já era tarde quando os convidados começaram a se dispersar. Jill não fizera o menor esforço para ocultar seu relacionamento com Ken. Passava o braço pelo dele enquanto os dois conversavam de pé com outras pessoas, ficava de mãos dadas com ele quando se sentavam nas cadeiras que ladeavam a piscina. Ken aceitara aqueles gestos de intimidade como um aspecto normal de seu relacionamento com ela, o que a deixara muito satisfeita. Jill desejava sentir-se ligada a ele de alguma forma e o contato físico lhe proporcionava uma sensação de confiança e equilíbrio. — A festa foi uma delícia — comentou Jill quando Ken abriu a porta da caminhonete para ela, e, acenando em despedida para os anfitriões, subiu para a cabine. — Que bom que você se divertiu — sussurrou Ken, debruçando-se para dentro e beijando-a. — Humm — disse Jill assim que ele se afastou—, isso também é uma delícia. — Esperando que ele desse a volta e se acomodasse ao volante, acrescentou em tom provocante: — Se formos bem depressa para casa, poderemos fazer coisas ainda mais interessantes... — Seu desejo é uma ordem, madame — brincou Ken, ligando o motor. — É mesmo? Então está em suas mãos a oportunidade de satisfazer mais um desejo meu. — Do que se trata? — O que acha de passar o próximo fim de semana em Washington comigo? — Em Washington? — surpreendeu-se ele. — De todos os lugares do mundo, por que justamente em Washington? — E que recebi um convite para uma recepção na embaixada da França. Podemos ir para Washington no sábado de manhã e passar o dia passeando pela cidade. Depois comparecemos à festa no sábado à noite e teremos o domingo todo livre para fazer o que nos der na cabeça. Vamos nos divertir à beca! O que me diz? A expressão de Ken ficou subitamente séria.
— Digo que não é uma idéia nada boa. — Por quê? — Recepções em embaixadas não fazem o meu estilo, Jill. — É apenas uma festa, Ken! — exclamou ela, começando a ficar nervosa. — Você me convidou para uma e eu o estou convidando para outra! — São duas coisas completamente diferentes — insistiu ele. — Não são, não. Uma festa é uma festa, e nada mais. — Ora, Jill, não tente se fazer de boba — retorquiu Ken, manobrando a caminhonete e começando a descer a rua. — Hoje fomos a um churrasco na casa de amigos, e agora você está falando de diamantes, rubis e chefes de Estado. Mas compreendo perfeitamente por que quer ir a essa recepção; a reunião de hoje deve ter sido um bocado enfadonha em comparação ao tipo de diversão a que está acostumada. Estou até admirado por você ter ficado tanto tempo em Charlottesville! Esta vidinha do interior já deve estar levando-a à loucura. Jill ficou olhando-o por alguns instantes, mal acreditando no que ouvira. — Você está maluco? Para sua informação, eu me diverti muito no churrasco. Adorei conhecer seus amigos e conversar sobre as coisas que são importantes para eles. Qual é o problema, Ken? Eu apenas o convidei para ir comigo a uma festa! — Ora, vamos, Jill, você sabe muito bem que não se trata de uma simples festa. Pelo amor de Deus, é uma recepção em uma embaixada Você está acostumada com essas coisas, mas eu ficaria como um peixe fora d'água. — Tão fora d'água como eu fiquei durante o churrasco! — protestou ela, indignada. — Acha que eu parecia deslocada na casa dos Morane, Ken? Gostei muito de conhecer alguns de seus amigos, embora eles sejam um pouco mais velhos... — Meus amigos são muito mais velhos que você, Jill. Precisa encarar a realidade: você não tem nada em comum com eles. — Está querendo dizer que não posso me dar bem com eles porque não somos todos da mesma idade? Nunca ouvi absurdo maior em minha vida. Pelo que parece, sou muito boa para ir para a cama com você, mas não sirvo para me
relacionar com seus amigos! — Cale-se, Jill, eu não quis dizer nada disso! — exclamou Ken, a ponto de perder a paciência. — Acontece que, dependendo da idade, as pessoas têm interesses diferentes; e meus amigos não têm nenhum interesse em comum com uma garota de vinte anos! — Vinte anos coisa nenhuma, já tenho quase vinte e cinco. E não é essa a questão. Tenho amigos de todas as idades, desde adolescentes até... Quer saber de uma coisa? Não vou mais discutir com você. Continue dirigindo e me deixe em paz. Jill ficou olhando pela janela sem nada enxergar, espumando de ódio. Como Ken tivera a coragem de recusar mais um convite seu, com base em um raciocínio idiota sobre diferentes idades e interesses? Subitamente ela percebeu em que rua o veículo acabara de entrar. Ken não a estava levando para a casa dele, para passar a noite em sua companhia, e sim para o bangalô de Lynn. Ah, ele então não a queria? Pois ela trataria de aplicar o antigo conceito popular de que "quem não me quer não me merece". Ken mal tivera tempo de frear a caminhonete junto à calçada quando Jill abriu a porta e desceu. — Escute, Jill, eu... — Muito obrigada por ter me levado ao churrasco — disse ela por entre os dentes cerrados. — Caso mude de idéia a respeito da viagem a Washington, é só me dizer. — E, batendo a porta com toda a força antes que ele tivesse de responder, Jill lhe deu as costas e entrou no jardim sem olhar para trás. Ken pisou violentamente no acelerador e saiu cantando os pneus. Assim que entrou em casa, ela se arrependeu da atitude que tomara. Não precisava ir àquela recepção. Seria muito agradável poder se vestir com sofisticação, principalmente depois de ter bancado a idiota na ânsia de ficar bonita para ele... Mas se Ken não queria ir, os dois poderiam ficar em casa e pronto. Acontece, porém, que ele simplesmente se livrara dela e se recusara a discutir o assunto com racionalidade.
Andando de um lado para outro na pequena sala, Jill se sentia frustrada e com raiva. E finalmente decidiu que não só iria à recepção como também passaria uns dez dias em Washington, para descobrir de uma vez por todas o que Ken sentia por ela. E também para descobrir se ela própria seria realmente capaz de passar o resto da vida em Charlottesville, caso os acontecimentos tomassem o rumo que seu coração desejava. O melhor, porém, era não pensar nessa eventualidade naquele momento. Dali a nove dias Jill entrava novamente na casa da irmã, carregando as malas que levara na viagem. Washington estava quente e úmida, e ela sentira falta das noites mais frescas de Charlottesville. A recepção estivera muito elegante, com um número imenso de convidados. Fora muito interessante rever os amigos e trocar opiniões com alguns dos políticos de Washington, mas Jill sentira uma enorme saudade de Ken. Desfazendo rapidamente as malas, ela vestiu um short e uma camiseta e voltou para a sala. A luz da secretária eletrônica estava piscando e, rebobinando a fita, Jill ouviu os recados. Subitamente seus lábios se entreabriram em um sorriso de alegria: um deles era de Ken! "Jill, é o Ken. Pensei que você ia cuidar do jardim da casa de Mattie Tyler. Kevin me disse que você não apareceu lá a semana toda." O sorriso desapareceu. Kevin dissera a ele que ela não aparecera na obra? Então era evidente que Ken também não fora lá durante todo aquele tempo. A secretária se desligou; não havia mais nenhum recado dele. A decepção foi quase insuportável. Jill pensara que ele sentiria sua falta, mas havia apenas um recado que, segundo o registro da máquina, fora deixado na quarta-feira. Era evidente que Jill estava apenas se iludindo. Talvez já fosse hora de aceitar o fato de que tudo o que Ken queria com ela era um caso sem maiores conseqüências. Nesse momento o telefone tocou e o coração de Jill deu um salto, enchendo-se novamente de esperança.
CAPITULO XI
— Alô, Jill? — Mamãe? O-olá, como vai? — Jill sentou-se na beira do sofá, esforçandose para evitar que o desapontamento transparecesse em sua voz. — Liguei só para saber se você havia chegado bem, querida. — Está tudo bem, mamãe. Cheguei agora há pouco. — Não vou tomar o seu tempo — declarou Peggy. — Sei que deve estar cansada. Apareça em casa amanhã e me conte tudo sobre a viagem. Jill concordou e desligou rapidamente o telefone. Queria deixar a linha livre para o caso de Ken ligar. — Por que será que o amor tem de causar tanto sofrimento? — murmurou para si mesma a caminho de seu quarto. Talvez no dia seguinte as coisas parecessem melhores. Jill levantou-se cedo e se vestiu às pressas. E, na hora em que normalmente Ken passava correndo em frente à casa, ficou escondida atrás das cortinas, espiando a rua pela janela. O tempo foi passando e, depois de cerca de meia hora, ela deu um suspiro e desistiu da espera. Será que, o braço dele estava doendo muito? Ou teria Ken simplesmente mudado o percurso de sua costumeira corrida matinal? Jill preparou o café da manhã e tomou-o lendo o jornal. Depois colocou as roupas usadas na máquina de lavar e fez uma rápida limpeza na casa. — Pare de fazer hora — admoestou a si própria. — Ele não vai ligar... pouco está se importando com você. Deixe de ser boba e volte para a Califórnia. Reunindo os presentes que comprara em Washington, levou-os para o carro. Feliz com as lembranças que trouxera para todos os familiares, tomou o caminho da casa da mãe. Ainda bem que ao menos tinha a família para visitar. O calor já não estava tão forte quanto há duas semanas, percebeu Jill ao estacionar o conversível no quintal da casa de Peggy. O outono já se achava a caminho.
Jill tentou imaginar como seriam os invernos ali nas montanhas da Virgínia. — Olá, querida — saudou-a a mãe, esperando com a porta aberta. — Como vai, mamãe? — perguntou ela, beijando Peggy no rosto e entregando-lhe as diversas sacolas de papel. Dali a pouco a mesa da cozinha se achava abarrotada de pacotes. — O que é isso tudo, minha filha? — Presentes que eu trouxe para todo mundo — declarou Jill, toda animada, remexendo nas sacolas e apanhando uma caixinha estreita e comprida. — Este é para você. — E, sem dar tempo para que a mãe a abrisse, pegou uma outra caixinha, menor e quadrada. — E espere só para ver o que eu trouxe para Kari! — exclamou, abrindo a tampa e exibindo um par de lindos brincos de diamante. Depois olhou para a mãe e sorriu. — Não — disse Peggy, estendendo a mão e fechando a caixinha que a filha segurava. Em seguida, entregando-lhe também a caixa comprida, fechou os dedos de Jill em torno dos presentes. — Você não vai dar esses brincos a Kari, e também não vou aceitar o que trouxe para mim, seja o que (br. E se todos esses presentes forem do mesmo estilo — acrescentou, em tom firme —, pode pegá-los e levá-los de volta para o carro agora mesmo. — Não estou entendendo — murmurou Jill, atônita. — Desde que chegou, minha filha, você tem gastado dinheiro conosco como se fosse água. Já comprou um vídeo game para Kari, equipamento esportivo para os meninos, roupas e mais roupas para os três... — Ora, mamãe, dinheiro é coisa que não me falta. Por que não posso gastálo com vocês? — Não é essa a questão. O problema é o relacionamento que você tem com esta família. Jilí jogou as caixinhas sobre a mesa, puxou uma cadeira e se sentou. — E o que tem o meu relacionamento com a família? — O que fizera de errado? Não estava entendendo nada. Peggy sentou-se a seu lado e deixou escapar um longo suspiro. — Jill, fiquei encantada quando você apareceu para passar uns tempos
conosco. Desde que seu pai a levou embora, tenho sentido sua falta a cada dia de minha vida. Assim, quando você chegou, pensei que nós duas ficaríamos mais íntimas, que você conheceria melhor seus irmãos e sua irmã e lhes daria a oportunidade de também conhecê-la melhor. Jill assentiu com um gesto de cabeça, cada vez mais apreensiva. — Só que você preferiu ficar na casa de Lynn. — Eu não queria atrapalhar... — Atrapalhar? Ora, querida, você é minha filha! Hospedar-se com a família não significa atrapalhar. O que não é certo é aparecer de vez em quando, carregada de presentes. — Não entendo muito de adolescentes — defendeu-se Jill, engolindo em seco. — Pensei que eles gostavam de meus presentes. — E gostam muito, mas não é disso que se trata. O problema é você tentar conquistar a afeição deles subornando os com coisas materiais. — Eu não tentei... — Jill interrompeu-se e desviou o olhar. — É que não faço a menor idéia de como me relacionar com eles, mamãe. — Tudo o que precisa fazer é dedicar-lhes mais tempo, dar-lhes atenção e descobrir seus interesses. Brincar com eles... Os garotos adoram isso. E assim que se demonstra carinho. Jill, você é uma pessoa muito especial, e todos queremos descobrir quem essa pessoa realmente é. Jill tentou sorrir, mas fracassou miseravelmente. — Especial nada — murmurou. — A verdade é que ninguém gosta de mim — acrescentou, mordendo o lábio inferior e baixando os olhos. Mal podia acreditar que dissera tais palavras em voz alta. Durante todos aqueles anos, mantivera suas mágoas trancadas a sete chaves dentro do coração. — Do que é que está falando, minha filha? — surpreendeu-se Peggy. — Estou falando da minha vida. Você me deixou com papai. Ele me deixou com empregadas, que também acabaram me deixando e indo embora. Meus colegas de escola desapareceram e nunca mais me procuraram. Jean se cansou de estar casado comigo. E Ken, agora... — Jill engoliu em seco, tentando reprimir as lágrimas.
— Ken? Ken Davis? — perguntou Peggy, espantada. — Onde é que ele se encaixa nessa história? — Em lugar nenhum, pelo que parece —respondeu Jill, com a voz embargada. — Filha, pensei que já havia deixado claro por que permiti que seu pai a levasse. Ninguém pode imaginar quanto me doeu ter de me separar de uma de minhas princesas queridas. Quanto a Steven, ele pode ser egoísta e parecer indiferente, mas ama você tanto quanto eu. Se a deixava sozinha, era porque o trabalho o obrigava; mas sempre voltava para casa, não voltava? — E verdade — murmurou Jill. — Agora que já sou adulta compreendo tudo isso, mas essa compreensão não vai me devolver todos os anos que passei sozinha. — Coitadinha da minha filha... — sussurrou Peggy, inclinando-se para envolver Jill nos braços no exato momento em que ela rompia em lágrimas. — Ah, mamãe, não sei o que fazer da minha vida. A solidão é uma coisa tão triste... Gosto tanto daqui, e estava me esforçando tanto para me dar bem com Andy, Jeff e Kari... Queria que eles gostassem de mim, queria que você gostasse de mim... — Mas eu já gosto de você, Jill. Eu a amo do fundo do coração, sempre amei e sempre vou amar. Você é minha menininha querida, a princesinha adorada da mamãe. — Peggy abraçou a filha ainda com mais força. — Ah, minha filha, como pôde pensar que seu pai e eu não a amávamos? Se ficar junto à sua família, nunca precisará se sentir solitária. Jill chorou muito tempo no ombro da mãe, sentindo que aquele amor se derramava sobre seu coração e o expurgava de todas as antigas mágoas. Quando finalmente se acalmou, endireitou-se na cadeira e enxugou os olhos com o lenço de papel que Peggy lhe deu. — Ainda não sei o que fazer — sussurrou. — Talvez o melhor seja voltar para Malibu e pensar melhor na minha vida. — Voltar para Malibu coisa nenhuma — objetou Peggy. — Você vai é pegar suas coisas e se mudar para cá hoje mesmo. Os meninos a ajudarão a carregar seus pertences para o carro e depois levá-los para o antigo quarto de Lynn. Você vai é ficar aqui conosco! E agora me conte o que está acontecendo entre você e
Ken Davis. — Para dizer a verdade, nada — disse Jill, esforçando-se novamente para reprimir as lágrimas. Deus do céu, será que já não chorara o suficiente? — O que quer dizer com isso? — insistiu Peggy. — Ele está furioso comigo. — Jill suspirou. — Por quê? — Porque o convidei para ir comigo à recepção na embaixada da França. — A recepção? E isso é motivo para ficar furioso? — Sei lá, não entendi. Ele não quis ir, mas achou que eu queria. E eu queria mesmo, mas só para rever alguns amigos; não tinha a intenção de me mudar para Washington. Mas Ken acha que sou cabeça-oca e... jovem demais para ele. — Está apaixonada por Ken Davis, minha filha? — Tão apaixonada que às vezes me falta até o ar. Ken é a pessoa mais maravilhosa que já conheci na vida, e tenho tanta possibilidade de conquistá-lo quanto de sair voando até a Lua. Ele foi casado com uma esposa perfeita, mas ela morreu; e não tenho condições de competir com uma mulher que ele conheceu desde a infância e a quem foi fiel a vida inteira, mesmo depois da morte dela! — Jill contou tudo a respeito de Ken Davis e, quando terminou, ficou olhando para a mãe com uma expressão cheia de esperança. — Uma coisa de cada vez, minha querida — disse Peggy. — Primeiro você se muda para cá... depois nos ocupamos dos preparativos para o casamento de Lynn. E, finalmente, veremos o que podemos fazer a respeito de seu problema com Ken. Tenho a impressão de que, quanto mais tempo você permanecer em Charlottesville, mais ele vai se convencer de que você não tem a intenção de ir embora. — Se eu arranjasse aqui um trabalho de verdade, acho que Ken se convenceria — observou Jill. — Acho que vou me dedicar a um negócio próprio. — Que tipo de negócio? — Jardinagem — respondeu Jill. — Ah, mamãe, adorei cuidar do jardim da casa de tia Mattie. O simples ato de cortar a grama me proporcionou uma
sensação de realização tão grande! Eu poderia descobrir se as pessoas gostariam de que eu cuidasse de seus jardins e gramados, poderia pesquisar o assunto em livros e revistas, e até mesmo fazer cursos de paisagismo e cultivo de flores. — Tenho certeza de que você faria um ótimo trabalho — garantiu Peggy. — E com isso também subiria no conceito de Ken Davis. — Eu teria também de aprender a cozinhar, mamãe. — Para isso sabe que pode contar comigo. Mas deixe que eu lhe dê um conselho: não tente imitar a falecida esposa de Ken. Não tente fingir que é uma pessoa que não é. Seja você mesma, alegre, ousada e entusiasmada. Com o dinheiro que você tem, pode muito bem contratar uma cozinheira. — Puxa, mamãe, você é mesmo genial! — exclamou Jill, com um amplo sorriso. — E eu poderia também contratar alguém para limpar e cuidar da casa. Vamos tratar do casamento de Lynn e Ray, e depois estarei pronta para iniciar o cerco ao coração de Ken!
Sou mesmo um grande idiota, pensou Ken ao entrar com a caminhonete na rua em que Jill morava. Durante toda a semana que se passara, ele tentara não dar atenção à dor que o torturava no fundo do peito. Naquele dia, porém, percebera que não conseguiria mais suportá-la. Ele havia permanecido a distância, mas Jill não lhe telefonara, nem mesmo para responder ao recado que ele deixara em sua secretária eletrônica na quarta-feira. Será que ela havia mesmo ido à tal recepção na embaixada? Reencontrado velhos amigos, retomado antigas rotinas? Teria Jill percebido que Charlottesville nada tinha a lhe oferecer no campo do entretenimento e sofisticação? No que dizia respeito a Ken, Jill ainda se encontrava em Washington. Ele sentira tanta falta dela... Se fora assim que reagira a uma ausência de uma semana, o que faria quando Jill voltasse para a Califórnia?
E se eu fosse morar lá com ela?, perguntou a si mesmo. Mas que diabo, aquela garota o enfeitiçara! Desde que Jill fora viajar, ele não deixara nem um só minuto de pensar nela. Pois é, Ken acabara permitindo que uma moça linda, atirada e despreocupada entrasse em sua vida e a virasse literalmente de cabeça para baixo.
E que lhe proporcionasse um novo significado. Ken voltara a se sentir jovem e cheio de energia, e tudo o que desejava era estar ao lado de Jill. Ao se aproximar da casa, ele diminuiu a velocidade da caminhonete. O conversível se achava na entrada para carros, com a capota baixada e a tampa do porta-malas aberta. Andy Hamilton saiu da casa carregando uma caixa, e, colocando-a no porta-malas, entrou novamente. Ken parou a caminhonete atrás do carro e olhou mais de perto: no porta-malas já havia várias outras caixas e duas malas grandes. Seu estômago se contraiu. Jill estava indo embora. Frustrado, ele desferiu um soco no volante, fazendo uma careta ao sentir uma violenta dor no pulso quebrado. Com todos os diabos, ela não podia partir assim! Não se comprometera a ajudá-lo até que ele se livrasse do gesso? Se Ken estava com o braço engessado, a culpa era dela. Diante das circunstâncias, uma pequena chantagem emocional parecia perfeitamente justificável. Jeff
saiu
do
bangalô
carregando
uma
valise
em
cada
mão
e,
cumprimentando Ken com um gesto de cabeça, acomodou-as no banco traseiro do conversível. — Olá, Ken. Está querendo falar com minha irmã? — E o que pretendo — confirmou ele —, e parece que cheguei bem a tempo. Jill está indo para casa? — Está, sim. Mamãe nos mandou ajudá-la a transportar as coisas dela. — Preciso muito conversar com sua irmã, Jeff. — Humm... — fez o garoto, com uma expressão constrangida. — Não acho que agora seja uma boa hora. Ken não sairia dali sem falar com Jill. Se ela pretendia pegar um avião, era melhor ir mudando de idéia. Ele desceu da caminhonete e começou a andar em direção à porta da frente. — Jill liga para você daqui a pouco — insistiu Jeff, seguindo-o. — Eu digo a ela que você...
— Vou falar com Jill agora mesmo — insistiu Ken. Não podia deixá-la partir antes de esclarecer as coisas, e somente o faria se ela declarasse com todas as letras que realmente não suportaria morar em Charlottesville. — Jill! — gritou Jeff. — O Ken quer falar com você! — Diga a ele para ir embora — respondeu ela lá do quarto. — Nem morto! — murmurou Ken para si mesmo, encaminhando-se para as escadas. — Jill, ele está subindo! — Kari, feche a porta! — Agora é tarde — disse Ken, entrando no quarto por onde parecia ter passado um furacão. Havia uma pilha de roupas em cima da cama, sapatos jogados pelo chão, maquilagem e perfumes espalhados sobre a penteadeira. — Kari, por favor, deixe-nos sozinhos — ordenou ele, olhando em seguida para Jill, que, tendo-lhe dado as costas, olhava pela janela. ^ — Vá embora, Ken. Não tenho mais nada para conversar com você. — Jill, posso ir chamar Jeff e Andy se você quiser — sugeriu Kari. — Não é preciso, menina — retorquiu Ken. — Não vou machucar sua irmã. — Não vai, é? — murmurou Kari. — Pois já machucou, e muito! — Quer ficar quieta, Kari? — ordenou Jill. — Mas não pretendo machucá-la de novo — disse ele baixinho. A garotinha saiu do quarto, e Ken fechou a porta. Depois de um longo e constrangedor silêncio, perguntou: — Quer dizer que está indo para casa? — É, mais ou menos — disse ela, ainda de costas. Mais uma longa pausa. — Como foi a recepção na embaixada? — Foi uma festa como qualquer outra — respondeu Jill, dando de ombros. — Uma oportunidade de rever amigos que eu não via há muito tempo. Com
exceção das roupas dos convidados, não foi muito diferente do churrasco na casa dos Morane. Convidei você porque queria que conhecesse meus amigos, como eu havia conhecido os seus. — Esse tipo de festa não faz parte do meu mundo. — Como é que você sabe? Já compareceu a alguma recepção em uma embaixada? — Não, nunca — admitiu ele, e Jill se limitou a dar de ombros mais uma vez. Que estranho, aquela atitude distante não fazia o estilo dela. — Você não respondeu ao meu recado — insistiu Ken após mais uma longa pausa. — Só peguei seu recado na secretária ontem à noite. E, como você não teve a menor pressa em me telefonar, achei que também não precisava me apressar para ligar de volta. — Pensei que ia me ajudar até eu tirar o gesso — observou Ken, decidindo aplicar o recurso da chantagem emocional. — Você nem se deu conta de que fiquei fora durante a semana passada, não é mesmo? — retorquiu ela em tom de censura. — Eu estava muito ocupado nas outras obras — justificou-se ele. — Só fui à casa antiga na sexta-feira, e Kevin me disse que você não havia aparecido lá a semana inteira. — Depois dos absurdos que você me disse no dia do churrasco, resolvi ir para Washington com alguns dias de antecedência. — Pois saiba que não vou abrir mão de sua oferta de ajuda — declarou Ken com voz firme. — Você não vai a lugar nenhum, Jill. — Ah, é? — exclamou ela, indignada. — E quem é que vai me impedir? Ken decidiu mostrar quem ia impedi-la. Atravessando o quarto em duas passadas, aproximou-se dela e, segurando-a pelos ombros, obrigou-a a se voltar para ele. E foi então que viu aquele rosto avermelhado, aqueles olhos inchados; e se sentiu como se tivesse sido esmagado por uma tonelada de tijolos. — Você estava chorando? — perguntou, surpreso, passando delicadamente a ponta do dedo nas pálpebras de Jill.
— Isso não é de sua conta — retorquiu ela; desviando o olhar. Ken sentiu o coração se apertar diante da expressão de sofrimento daquele rosto geralmente tão alegre e, envolvendo-a nos braços, apertou-a com força contra o peito. Sua boca imediatamente se apossou dos lábios de Jill, que, depois de uma débil tentativa de resistência, envolveu-lhe o pescoço com os braços e se entregou febrilmente àquele beijo pelo qual tanto esperara. Ken não saberia dizer por quanto tempo permaneceu ali de pé, com os lábios colados aos dela. Sua única certeza era de que não fora pelo tempo suficiente. Ele desejava aquela mulher mais do que qualquer outra coisa na vida. Para conservá-la junto a si, lançaria mão de chantagem, seqüestro, prisão domiciliar ou do que mais fosse necessário. Apesar disso, não fazia a menor idéia de como mantê-la em Charlottesville, a não ser que para tanto tivesse de se casar com ela e engravidá-la tantas vezes que Jill não tivesse opção a não ser ficar a seu lado. — Por que essas lágrimas, Jill? — Por nada — desconversou ela. — É que tive uma longa conversa com minha mãe e acabei chorando. — E conseguiu esclarecer as coisas? — Acho que sim. Mamãe realmente quer que eu vá morar na casa dela, e descubra o que é uma verdadeira vida em família. — Então está se mudando para a casa de sua mãe? Pensei que estivesse indo para a sua casa! — E estou — declarou Jill com voz firme. — A casa de minha família é que é a minha casa. — Ou quem sabe a minha casa possa passar a ser também a sua casa — sussurrou ele cautelosamente, com medo de que ela se arrancasse de seus braços por não acreditar no que ele dissera, ou que, pior ainda, acreditasse e caísse na risada. Para sua surpresa, porém, Jill não fez nenhuma das duas coisas, limitandose a ficar subitamente imóvel.
— O que foi que você disse? — perguntou baixinho, junto ao ouvido dele. Embora temeroso do que iria Ver, Ken a afastou um pouco de si e a fitou no fundo dos olhos. — Jill, você sabe que sou quase quinze anos mais velho que você, não sabe? — começou ele. — Sei. — E sabe também que fez uma verdadeira revolução em minha vida, não é verdade? — Deus do céu, por que não parava de fazer rodeios e dizia de uma vez o que tinha para dizer? — Jill, quando Emma morreu senti que alguma coisa também havia morrido dentro de mim. Mas você apareceu em minha vida e me fez sentir novamente vivo, jovem, alegre e cheio de energia. Perto de você sinto-me tão poderoso que me dá vontade de sair por aí e conquistar o mundo! — Ah, Ken, não precisa fazer isso — sussurrou ela. — Para mim basta que me dê espaço no seu mundo... — Pois para mim o meu mundo é você. Eu a amo, Jill, do fundo do coração. O que acha de ficar em Charlottesville e se casar comigo? Jill ficou olhando-o por um longo período de silêncio. — Está me pedindo em casamento aqui neste quarto, no meio desta bagunça? — perguntou por fim. — Ah, não é possível... Que fim levou o romantismo deste mundo? — Que diferença faz se é neste quarto, no topo do Himalaia ou no meio do deserto do Saara? Responda à minha pergunta! — Que diferença faz? — replicou Jill. — Essa é muito boa! Uma mulher quer se lembrar para sempre do dia em que foi pedida em casamento. Quer recordar o momento em que o homem que ela ama finalmente admitiu que também a amava e lhe pediu que passasse o resto de sua vida com ele. Uma mulher quer poder se lembrar de tudo isso mais tarde, e contar a seus filhos e netos como foi esse dia tão especial de sua vida. E eu vou ter de dizer às crianças que você me propôs casamento na casa de minha irmã, em um quarto totalmente revirado? Muito devagar, os batimentos cardíacos de Ken começaram a voltar ao normal. Jill estava dizendo que sim! Ele a beijou mais uma vez, longa e
intensamente. — Quer dizer que aceita se casar comigo?! — exclamou, mal acreditando no que ouvira. — Não vai querer viajar para a França ou fugir para a Califórnia quando eu menos esperar, não é mesmo? Por favor, querida, pense bem no que vai fazer. Sim, porque não vou deixá-la ir embora depois de um ano e meio, como Jean fez. Se nos casarmos, vai ter de ser para sempre. — Isso mesmo — disse Jill. — Para sempre. Eu amo você, Ken Davis. Eu o amo desde a primeira vez em que o vi passar correndo em frente à minha casa. E prometo que vou tentar ser a melhor esposa deste mundo! — Tudo o que desejo é que você seja você mesma, meu amor. Eu sei cozinhar, podemos dividir entre nós dois as outras tarefas da casa... E, no tempo que sobrar, quero que faça apenas o que lhe proporcionar satisfação... desde que eu esteja incluído, é claro. — Jill, está tudo bem aí dentro? — gritou Jeff do lado de fora do quarto, esmurrando a porta. — Está tudo ótimo —- respondeu ela, sorrindo. — Já vamos sair, não se preocupe. E, voltando-se novamente para Ken, acrescentou: — Se você não estiver incluído, meu querido, nada do que eu fizer vai ter graça. Eu o amo tanto! Quero criar raízes nesta cidade, quero construir uma vida a seu lado. Sei que sou jovem, mas já passei por muita coisa por que muita gente mais velha ainda não passou. — Quanto a mim — sussurrou ele -—, não consigo mais imaginar meu futuro a não ser a seu lado. Fiquei apavorado quando cheguei e vi seus irmãos carregando sua bagagem para o carro. Pensei que você estava de partida para a Califórnia. — Mais cedo ou mais tarde vou ter de ir até lá — observou Jill —, para vender a casa. Mas você irá comigo, não é mesmo? Faço questão de que conheça meu pai e alguns de meus amigos. — Vou gostar muito de conhecê-los, meu amor. Criei todo aquele problema quando me convidou para ir a Washington porque tive medo de que, depois, você se sentisse ainda entediada com a vida calma que levamos aqui em Charlottesville.
— E se você soubesse como fiquei entediada em Washington... Nada tinha graça, porque você não estava lá comigo. Senti tanta saudade, e fiquei tão magoada depois da briga que tivemos... — Então chega de brigas, não é mesmo? — entusiasmou-se Ken. — Vou lhe dizer uma coisa, caro senhor — declarou ela, rindo —, se o senhor nunca me contrariar, e se jamais tentar me obrigar a fazer algo que eu não queira, acho que nunca mais vamos ter uma briga. — Pois está me pedindo uma coisa absolutamente impossível, madame. — Mas você sabe que, mesmo que voltemos a brigar, eu jamais vou deixar de amá-lo, não sabe? — Sei sim, sua cabeça-dura. — Ele riu. — E quero que saiba que, por mais que eu tenha amado Emma, o amor que sinto por você é tão forte, tão grandioso e tão surpreendente que mal posso acreditar em minha sorte! — Sinto contradizê-lo, mas se existe aqui alguém que tem sorte, esse alguém sou eu. — Não, senhora — objetou Ken. — Ser amado por você é que é a maior sorte do mundo. — Escute aqui, Ken, é melhor não me contrariar... Esqueceu-se de que eu lhe disse que... Jill foi obrigada a se calar, pois uma das coisas mais difíceis do mundo seria tentar falar com os lábios colados aos do homem por quem esperara toda a sua vida.
BARBARA MCMAHON mora com duas filhas, um cachorro, dois gatos e quatro coelhos, em sua confortável casa localizada na baía de São Francisco. Antes de trabalhar como escritora, Barbara foi aeromoça e pôde conhecer os lugares mais belos do mundo. Assim, seus livros quase sempre descrevem localidades exóticas e paisagens pitorescas. No entanto, Barbara sempre faz questão de dizer que seu lugar preferido é Sierra Nevada e que um dia ainda vai realizar seu sonho de morar naquele pedaço encantado do planeta Terra...