(Darling 33) Gina Wilkins - Depois Das Seis

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Depois das Seis… After Hours

Gina Wilkins

Muita coisa pode acontecer num escritório, depois do expediente… Um vendaval de sensualidade devasta a sala austera quando Rhys Wakefield, ofegante, toma Angie nos braços e a deita no tapete, extravasando seu desejo sem limites. O corpo dela se arqueia, entre gemidos, quando ele acaricia os seios túrgidos. O torvelinho da densa paixão os alucina, mas Rhys reage. Não pode envolver Angie em sua vida vazia. Só tem para oferecer-lhe as amarguras de um domem mais velho e triste, desiludido, que a vida maltratou…

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Depois das seis…

Gina Wilkins

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Gina Wilkins CAPÍTULO 1

— …Além disso, poderei fazer várias sugestões no que se refere ao sistema de distribuição. Já fiz cursos na área e participei de um treinamento… Balançando a cabeça, Rhys Wakefield tentava aparentar interesse no monólogo da candidata, mas a verdade era que, no momento em que a jovem elegantíssima entrara em sua sala, decidira não aceitá-la. Nem ela nem o grupo de autoconfiantes universitários que entrevistara anteriormente. Eram do tipo que acreditava que seis anos em uma faculdade e um diploma dependurado na parede os tornavam especialistas em administração. Rhys começara de baixo e fora subindo à custa de muito trabalho, esforço e determinação. Tinha se endividado até o pescoço para conseguir comprar uma pequena indústria, mudara o nome dela para WakeTech Industries e em dez anos a transformara numa das líderes no ramo. Aquela empresa era sua vida, e queria ser amaldiçoado se deixasse um garoto que mal saíra das fraldas tornar-se seu assistente e determinar o que ele deveria ou não fazer com a sua empresa. Até então todos tinham tentado impressioná-lo com idéias brilhantes. O que diabos os fazia pensar que estava à procura de conselhos? O que ele queria, ou melhor, precisava, era um assistente, não um sócio! Desejava alguém leal, dedicado, entusiasmado e… que aceitasse receber ordens. Apesar de inteligência ser um requisito necessário, não fazia questão do grau de instrução, sexo, raça ou preferências religiosas. E, apesar disso, até aquele instante não achara ninguém qualificado. Dava graças a Deus por não ter cedido a sua administradora de pessoal, que insistira em selecionar o assistente. Seria capaz de escolher um recém-formado pretensioso. Preferia ficar sem assistente até achar um que se adequasse às suas necessidades. Com educação, mas firmeza, dispensou a jovem a sua frente, que o encarou incrédula, como se não acreditasse no que ouvira. Quando ela foi embora, Rhys ficou com a nítida impressão de que a moça acreditava piamente que a empresa iria à falência só porque ele se mantivera firme em não contratá-la. Sozinho no escritório, cansado e desanimado, passou as mãos nos cabelos e gemeu, sem esperança. Infelizmente ainda tinha mais um candidato para entrevistar naquela tarde. Deus, como odiava aquilo! Por que se deixara convencer a contratar um assistente? Pegando o interfone, pediu a June, a secretária, que mandasse o próximo entrar. A jovem, já acostumada com o jeito seco do patrão, seguiu a ordem sem hesitar. Rhys abriu o currículo a sua frente e não se dignou a levantar os olhos quando ouviu alguém entrar na sala. De acordo com o que lia, o nome da candidata era Angelique St. Clair. Pediu à moça que se sentasse, sem se importar em ser gentil. Consciente de que

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fora atendido, começou a ler o currículo, ficando cada vez mais interessado com o que descobria. Pelo que percebera das poucas informações que a jovem fornecera, Angelique St. Clair não tinha nenhuma qualificação para o cargo a que se candidatava. Tinha vinte e seis anos, formara-se em Artes numa universidade cara do Leste e só tinha experiência como secretária numa financeira desconhecida. Ela não dava referências nem idéias brilhantes. Era intrigante! Ao levantar os olhos cinzentos, ele examinou a moça com interesse. Ela se encontrava imóvel. É bonita demais!, foi seu primeiro pensamento. Parecia ter menos que vinte e seis anos, o que poderia ser um problema. Uma loira delicada que, provavelmente, se desmancharia em lágrimas na primeira vez que gritasse com ela. Tinha consciência de não ser dos patrões mais fáceis com quem se trabalhar. Observando-a melhor, percebeu que os olhos cor de violeta o fitavam com coragem e mal conseguiam esconder um brilho teimoso. Com certeza tinha temperamento difícil. Isso não o preocupava, pois sabia ser teimoso o suficiente para enfrentar o mais cabeçadura dos mortais, quanto mais uma jovem loira que não devia ter mais que um metro e sessenta. — Diga-me, srta. St. Clair, por que devo contratá-la como minha assistente? — interpelou-a de maneira abrupta, sem deixar de observá-la por um segundo. Angie respirou profundamente, determinada a não deixar aquele homem perceber o quanto a deixava nervosa. Esperara encontrar alguém mais velho e um pouco menos intimidador. Quando entrara na sala, julgara estar certa ao observar os cabelos castanhos, prateados nas têmporas, na cabeça curvada sobre o seu currículo, mas, quando ele levantara os olhos e a encarara, percebera o erro que cometera. Aquele homem tinha no máximo quarenta anos. Era pelo menos uns quinze anos mais novo do que imaginara, a julgar pela sua reputação. Ouvira dizer que era um verdadeiro filho da mãe, um homem de negócios duro, determinado a ser um dos primeiros no seu campo, além de um maníaco por trabalho, que pelo jeito, não tinha as mesmas necessidades que o resto dos mortais: comida, sono, divertimento… Diziam que ele controlava os seus bem pagos empregados com um mero erguer de sobrancelhas. Fora apenas isso que descobrira antes da entrevista. Aparentemente, ninguém se lembrara de mencionar que também era, de certa forma, jovem e tão atraente quanto aterrorizante. Seu tom de voz era grave e falava com secura. Não conseguiu distinguir nenhum sotaque, o que não deixava de ser estranho, pois desde que chegara a Birmingham sentiase cercada pela fala mansa e arrastada, típica do Sul do país. Algo a aconselhava a não blefar com Wakefield. Os olhos cinzentos eram capazes de descobrir uma mentira antes mesmo que fosse dita. Ela levantou o queixo, decidida a colocar as cartas na mesa. Talvez não conseguisse aquele cargo, mas, se o impressionasse bem, era capaz de ele arrumar-lhe uma outra posição na empresa. Valia a pena tentar. 4


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— Sei que não possuo o treinamento nem a experiência necessários para ser assistente executiva de uma organização do porte da WakeTech, mas asseguro que, se for contratada, serei a funcionária mais dedicada, leal e esforçada do seu quadro de pessoal. Aprendo rápido, não me importo de receber ordens, sei quando devo ficar calada e não tenho pretensões ao poder ou à fama. Preciso de um emprego! Não farei nada que me faça perdê-lo. Praga!, pensou Rhys, apesar de manter a expressão impassível. Mesmo tendo uma aparência frágil e o sofisticado sotaque de Boston, a jovem tinha possibilidades. — A senhorita não apresentou referências e nada informou sobre sua história pessoal. Importa-se de explicar por quê? Pronto! A recusa em fornecer aquele tipo de dado fizera com que ela perdesse todos os outros empregos aos quais se candidatara, desde sua chegada à cidade, havia um mês. Resistindo ao impulso de fazer figa, ou implorar, manteve a posição firme e enfrentou os olhos cinzentos. — Não tenho referências, sr. Wakefield, e não acredito que meu passado seja relevante na minha atuação como sua funcionária. Sem deixar de observá-la, Rhys manteve o silêncio tenso como uma corda de violino. Então, fechou o currículo. — Não sou um patrão fácil, srta, St. Clair. Sou justo, mas exigente. Pago bem, mas terá de dar duro para receber seu salário. As horas serão longas e cansativas; além disso, raramente terá dias de folga. Não faço elogios quando o serviço é bem-feito, mas não hesitarei em apontar os erros cometidos. E não gosto de treinar novos empregados. Por isso, quero que pense bem, pois não quero ser deixado na mão quando a coisa apertar. — Não desisto facilmente, sr. Wakefield, e, como já disse, preciso de um emprego — falou apressada, tentando não mostrar a esperança que a alegrava. — Esteja aqui amanhã de manhã, às oito, e tenha uma boa noite de sono, pois vai precisar. Antes de sair, dê uma passada no departamento de pessoal. Eles lhe darão os formulários que terá de preencher e o que mais for necessário. E, srta. St. Clair… — Sim, senhor? — Ela já se encontrava de pé, tentando não rir de felicidade. — Bem-vinda à WakeTech — ele respondeu, sorrindo. — Obrigada, senhor. Não se arrependerá da sua decisão. Ela virou-se e saiu da sala, a cabeça emoldurada pelos cabelos dourados e os ombros erguidos com orgulho. O conjunto cinza de casaco e saia acentuavam as pernas incrivelmente longas para uma mulher de apenas um metro e sessenta. Rhys quase engoliu em seco, sem estar muito certo do que acabara de fazer. — Como foi? — perguntou June Hailey, a secretária de Rhys, assim que Angie apareceu. O sotaque era tipicamente sulista e sua curiosidade, amigável. — Consegui o emprego — confidenciou, sem conseguir esconder a alegria por mais um minuto. 5


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Em seguida, o sorriso desapareceu do rosto bonito, sendo substituído por uma expressão mais profissional e distante. Não tinha interesse em fazer amigos no novo emprego, esperava apenas manter uns relacionamento agradável com os colegas de trabalho. Sua vida tinha se transformado num caos e sua auto-estima estava aos pedaços. Levaria um longo tempo para começar a confiar nas pessoas novamente. O que precisava no momento era um emprego, privacidade e o refúgio na pequena e confortável casa que a avó lhe deixara de herança. Um dia talvez sentisse falta de algo mais; porém, antes teria de provar que bastava para st mesma. Aceitando os cumprimentos calorosos de June de maneira um pouco brusca, Angie deixou o escritório com passadas longas e seguras, ao mesmo tempo que tentava se convencer de que o sorriso de Rhys Wakefield não havia mexido com ela. Nas semanas seguintes, Rhys foi ficando cada vez mais satisfeito com sua nova assistente. De maneira pouco sutil, testou-a assim que começou a trabalhar para ele. Quando ela escreveu seu nome da maneira como soava foneticamente, ou seja, “Reese”, corrigiu-a num tom ríspido. Apesar da expressão embaraçada, ela aceitou a crítica sem grandes problemas. Angelique trabalhava duro, aprendia rápido e não desmontava cada vez que gritava com ela, além do que mantinha suas opiniões para si mesma, a não ser que fosse inquirida a respeito. E, como bônus, existia o fato de que era um colírio para os olhos. O problema era que Rhys andava reparando demais nela, como mexia os cabelos loiros, a maneira com que encolhia os ombros, as longas pernas cruzadas a sua frente, quando tomava nota de cartas que ele ditava.. Sem perceber, começou a recordar esses detalhes quando estava sozinho no escritório ou em casa, nas raras ocasiões em que ali se encontrava. Já trabalhara com mulheres bonitas antes, mas nenhuma o interessara tanto quanto Angelique St. Clair. Contra a vontade, sua curiosidade a respeito dela aumentava. Seus raros sorrisos eram distantes, educados e profissionais. Nunca a ouvira dar uma risada. Se havia feito amigos na empresa, não estava a par. Nunca protestava quando lhe pedia para trabalhar até mais tarde ou nos fins de semana ou, ainda, que chegasse mais cedo. Logo, se tinha um namorado, não era dos mais exigentes. Por alguma razão, Rhys suspeitava de que não existia homem algum na vida da sua assistente. Havia muito mais a respeito de Angelique do que ela deixava transparecer. Senso de humor, um temperamento forte e paixão… Essas eram algumas das emoções que ele acreditava existirem debaixo da máscara de profissionalismo que ela adotara. Quando e por que isso acontecera? O que fazia uma mulher, que com certeza crescera entre os ricos da alta sociedade de Boston, em Birmingham, Alabama, trabalhar como sua assistente? Rhys sabia que a vida particular dela não era assunto seu. Tinha de respeitar sua privacidade, assim como esperava que ela fizesse o mesmo, afinal também mantinha distância dos outros. Na verdade, deveria se sentir aliviado. Certa vez tivera uma 6


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secretária que cometera o erro de se apaixonar por ele. A situação se tornara muito embaraçosa, até que fora forçado a despedi-la. Uma cena que jamais esqueceria. Não havia risco de isso acontecer com a srta. St. Clair. Ela era competente demais para perder o emprego por uma razão tão idiota. Portanto, era bom que parasse de sonhar com aquelas pernas longas, com o gosto dos lábios macios e aquele corpo maravilhoso debaixo do seu. Ele começou a se mexer na poltrona, inquieto. Maldição! Perdera a concentração por completo. Fazia tempo demais que não saía com uma mulher. Pena que não houvesse à disposição uma, tão interessante quanto sua assistente, que fosse descompromissada e que não fizesse exigências. Em sua sala, Angie virou a cadeira na direção da janela e fez uma careta, após desligar o telefone. Acabara de falar com um cliente na Califórnia que era um chato. Cansada e com fome, pois não tomara café da manhã nem almoçara, levantou o nariz e começou a imitar o cliente de maneira caricata, pois sabia estar sozinha, o que acabou fazendo-a dar uma risada e relaxar. — Deixe-me adivinhar. Esteve falando com Henderson, de Los Angeles —— soou uma voz, grave e arrastada, atrás dela. Angie fechou os olhos, mortificada. De todas as pessoas que poderiam pegá-la num momento de tolice, tinha que ser o sr. Wakefield? Recompondo-se, virou a cadeira, e seu palpite se confirmou. Algo nos olhos cinzentos chamou-lhe a atenção, naquele momento. Seria um brilho divertido? Ou ele a notara como pessoa pela primeira vez? Com certeza não! Abaixando os olhos para a mesa, disse: já tenho os dados que pediu. sr. Wakefield. Como poderá ver, são quase iguais aos que previu. E passou-lhe os relatórios que terminara, reparando que seus olhos haviam voltado ao normal, tornando-se distantes. Repreendeu-se por sentir-se desapontada com o fato. Durante o resto do dia tomou um cuidado especial para ser mais eficiente e profissional do que nunca. Se o patrão notara alguma mudança em seu comportamento, nada comentou… como de costume. Sozinha à mesa de um restaurante perto do escritório, Angie terminava de comer uma salada enquanto lia o Time Wall Street Journal, Almoço era uma raridade para ela. Rhys, como costumava denominar o patrão consigo mesma, normalmente a mantinha tão ocupada que nem tinha tempo para esse prazer. Como ele fora a negócios para Dallas, tinha a sua primeira folguinha desde que começara a trabalhar, havia quatro meses. Sem a presença dele chamando-a todo o tempo, tivera oportunidade para trabalhar e almoçar. Ao contrário do patrão, sentia falta de momentos em que pudesse relaxar. Ouviu vozes familiares do outro lado da divisória. Reconheceu a voz de Darla, uma das secretárias da empresa, e a de Gay, uma das processadoras de dados.

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— Você soube que o novo engenheiro tentou passar uma cantada na “ditadora” hoje? Parece que ele ainda está meio aterrorizado com a resposta que recebeu. Provavelmente levará ainda um bom tempo para que sua cor volte ao normal. — Pobre homem! — comentou Gay Webster, rindo. — Espero que ela não o tenha destruído por completo. É capaz de ter virado um iceberg. Como alguém tão bonita por fora pode ser tão fria e dura por dentro? Isso é algo que foge a minha compreensão. — Quer saber algo engraçado? Quando o sr. Wakefield contratou-a, pensei que fosse a amante dele. Não seria a primeira vez que um homem de negócios faria isso. Que engano! Os dois não têm as mesmas necessidades que o resto dos mortais. Eles são tão frios um com o outro quanto com o resto de nós. É provável que nem tenham vida sexual! — Os dois formam o par perfeito! — Gay concordou, rindo. — Ambos são difíceis, perfeccionistas e solitários. Não que se comportam de maneira desagradável com a gente, são até educados, a não ser que alguém saia da linha. Mas… Brrrr! Angie perdeu o apetite por completo. Empurrou o prato, dobrou o jornal, pegou a bolsa e levantou-se com cuidado, mas seus movimentos chamaram a atenção das duas mulheres na mesa ao lado, e ela notou que ficaram horrorizadas ao reconhecê-la. — Oi, Gay. Darla. Estão tendo um bom almoço? — perguntou com frieza, antes de sair calmamente, com o queixo levantado, sem esperar resposta. Confortava-a saber que um observador estranho jamais perceberia o quanto aquele comentário a magoara. Ecos de vozes do passado voltaram-lhe à mente, enquanto dirigia automaticamente de volta para o escritório. “Ei, anjo da festa, dê-nos um de seus belos sorrisos.” “Oh, Angie, você é tão divertida! Nunca fala a sério?” “Estamos de saco cheio, Angie. Faça-nos rir. “Céus! Como a invejo, Angie. Você é linda, rica e popular. Tem tanta sorte!’’ Sorte?! Angie bufou de maneira pouco delicada, ao estacionar o carro no seu lugar, em frente á WakeTech. Como as coisas tinham mudado! Como ela havia mudado! Ao desligar o automóvel velho, lembrou-se do carro esporte vermelho. Definitivamente mudara. Tentou não pensar nas palavras maldosas de suas colegas enquanto trabalhava durante a tarde. Tinha muito o que fazer, por isso ficou no escritório até umas sete horas. Queria deixar tudo pronto para a manhã seguinte, quando Rhys chegaria. Rhys… “Os dois formam um par perfeito…” As palavras de Gay não saiam da cabeça de Angie. Chegavam a doer fisicamente. Tomara tanto cuidado para esconder até de si mesma a atração que sentia pelo patrão! Nem sempre fora fácil. Mais de uma vez, um encontro de olhares, um toque acidental ou um momento em que tinham compartilhado algum divertimento haviam enfraquecido a sua resistência, fazendo com que reparasse em Rhys Wakefield como homem. Mas mesmo assim acabara conseguindo manter uma certa distância emocional. Ainda não se recuperara das mágoas do passado para se

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permitir um novo relacionamento. Não tinha a menor intenção de se envolver com o seu complexo, brilhante e insondável patrão. Não que tivesse algo a temer da parte dele, pensou consigo mesma, pois provavelmente nunca a notara como mulher. O que era muito bom, tentou se convencer. O problema é que estava acostumada a ser mimada e admirada, não só pela aparência e a fortuna que possuía como também por sua posição na sociedade. Seu ego feminino, vaidoso e ilógico, tirara algum conforto das cantadas que recebera, no início, dos colegas de trabalho, apesar de não ter aceito o convite de nenhum. E, depois de vários meses do “tratamento geladeira”, até o mais entusiasmado deles desistira. Às vezes algum novato na empresa aventurava-se, mas não dava em nada. E era exatamente assim que queria continuar: sozinha. Tinha razões de sobra para manter a situação daquela forma. Entretanto, não conseguia deixar de imaginar por que um homem tão atraente e saudável como Rhys parecia levar uma vida de monge. Era sempre o primeiro a chegar no escritório e o último a sair durante a semana, fins de semana e feriados. Se tinha uma namorada, ela não conseguia descobrir quando arranjava tempo para vê-la. Fechando a pasta com força desnecessária, repreendeu-se: a vida particular do patrão não era da sua conta. Tinha trabalho a fazer e problemas bastantes para resolver. Assim que terminou o serviço do dia, pegou a bolsa e aprontou-se para sair. Sentindo-se desarrumada, retocou a maquilagem e os cabelos. Algo na imagem refletida no espelho a perturbou. Quando os lábios a sua frente começaram a tremer, não notou as lágrimas que corriam pelo rosto bonito, pois tudo se transformou num borrão. Jogou o espelho de volta na bolsa, apoiou a cabeça nas mãos e engoliu um soluço indesejável. Rhys encontrava-se no umbral da porta. Franziu o cenho ao reparar na figura desconsolada sentada à mesa. Ela não o ouvira entrar. Por um instante pensou em sair de mansinho. Pela primeira vez, durante os quatro meses em que estivera trabalhando para ele, Angelique St. Clair aparentava vulnerabilidade, parecia estar sem saber o que fazer. E, pela primeira vez em sua vida, Rhys Wakefield tinha de lutar contra o desejo de tomar uma mulher nos braços e simplesmente abraçá-la, murmurando palavras de conforto. Palavras de conforto?! Estava totalmente confuso! Mesmo que cedesse a esse estranho desejo, não saberia o que dizer! Angelique iria achar que enlouquecera. Ela não era do tipo de mulher que gosta de chorar nos ombros dos homens e sim das que preferem resolver os próprios problemas. Ou será que não? Rhys tossiu discretamente. Angie ergueu a cabeça de sopetão e, quando o viu, cobriu a boca com a mão, horrorizada. Sem ar, tentou com desespero recompor-se, assumindo a expressão impassível que normalmente mantinha. Apenas um brilho triste permaneceu nos olhos cor de violeta ao comentar: — Pensei que só chegasse amanhã. — Parei aqui, pois quero levar alguns documentos para casa — replicou, para em seguida perguntar, pouco à vontade: — Bem… algo errado, srta. St. Clair? 9


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— Claro que não, sr. Wakefield. — Seu sorriso era forçado e claramente inseguro. — Deseja algo? — O relatório Garver. Está com a senhorita? — Sim, senhor. Aqui está. Algo mais? Ele pegou a pasta e continuou a observá-la. O queixo ligeiramente erguido, olhar direto e uma expressão inescrutável. Passado um momento, esclareceu que não desejava mais nada e sugeriu à moça que fosse embora devido ao adiantado da hora. Ela concordou, levantou-se e pegou a bolsa. — Boa noite, senhor. — Boa noite, senhorita. Durma bem — disse, num impulso. — Obrigada, sr. Wakefield. É o que pretendo — despediu-se e, se ficou espantada com o comentário, não demonstrou. No meio da madrugada, Rhys se pegou imaginando se ela estava realmente dormindo bem. Maldição! Ele não estava. Deitado na cama, olhando para o teto, posição familiar para alguém que sofria de insônia como ele, não conseguia tirar da cabeça a imagem dela quando a encontrara no escritório. O que atormentava Angelique St. Clair? O que no passado a traumatizara tanto que transformara uma jovem simpática num autômato solitário e obcecado pelo trabalho? Será que descobriria, algum dia? E queria descobrir? Receava que, se conhecesse melhor a linda e loira assistente, correria o risco de mudar sua vida irreversivelmente.

CAPITULO 2

Maio. Um sábado quente, bonito e perfumado. Angie tinha o dia de folga. O que era raro!

De manhã fez a faxina da semana, tirando com cuidado o pó dos móveis e enfeites, que continuavam do mesmo jeito desde que vovó Neal morrera, havia quase um ano. As lembranças mais felizes da infância que Angie possuía eram dos visitas aos avós maternos, que, apesar de nunca terem tido dinheiro, haviam lhe dado muito amor. Estava feliz naquela casinha. Especialmente agora que começara a fazer uma poupança com o que sobrava do seu salário. No primeiro mês em Birmingham, enquanto procurava por um emprego, vira desaparecer os poucos dólares que haviam lhe restado depois do julgamento do pai. Seu primeiro salário fora gasto em contas vencidas e roupas adequadas ao novo emprego, substituindo o guarda-roupa de modelos de grife que deixara em Boston. E orgulhava-se muito do que possuía, pois fora comprado com dinheiro limpo, ganho honestamente. 10


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Os negócios lucrativos e obscuros do pai a haviam mantido numa vida de luxo, mas não sentia gratidão por isso. Agora ele cumpria pena numa prisão-fazenda e seus supostos amigos, materialistas que eram, a tinham abandonado. Angie encontrava-se completamente sozinha. Suspeita de cúmplice nas negociatas, ela sofrera a vergonha de ser investigada, já que trabalhara na empresa do pai desde que se formara na faculdade. Fez uma careta ao lembrar o salário exorbitante que recebia para manter a agenda dele em dia e servir de anfitriã nas várias festas que organizava. Tudo o que possuíam fora vendido para pagar as multas e impostos que Nolam ignorara durante anos. Tudo se fora, os presentes caros, jóias… Mas ela sobrevivera. Apesar das dúvidas que o pai expressara quanto a sua capacidade de se sustentar sem um homem para guiá-la, conseguira. Seu coração amoleceu ao limpar um retrato dos avós que se encontrava numa mesinha. Eles teriam acreditado nela, pensou, ao estudar as feições mareantes do casal. Mesmo o avô tendo morrido havia muitos anos, lembrava que fora um homem honesto; trabalhara duro e citava a Bíblia com fervor. Sempre tinha uma palavra de encorajamento. Sua avó, a quem adorara, era boa, carinhosa e alegre, apesar de nunca ter compreendido por que sua única filha preferira o luxo ao amor. Margaret fora uma jovem linda e mimada, que partira para o Leste à procura do estrelato e acabara casando com um homem ambicioso, astuto, que lhe prometera o mundo e não se importara em como consegui-lo. Angie nunca soubera se a mãe estivera a par das atividades nem sempre legais do marido. Sentia-se culpada por ter sido tão complacente com a própria satisfação e indulgente com seu estilo de vida que não vira a dura realidade até que o pai fora preso. Ainda de luto pela avó que morrera um mês antes, tivera de suportar os meses tensos durante o julgamento de Nolam e se sentira doente com o que descobrira. Agora, lá estava, tentando fazer algo da própria vida, provando a si mesma que era mais do que uma socialite decorativa. — Gostaria que estivesse aqui, vovó — murmurou para o rosto adorado. — Sinto tanto a sua falta! Em certos momentos a solidão era insuportável. Mas como podia ter amigos antes de provar que merecia tê-los? Amigos de verdade, não hipócritas como os que deixara em Boston, que só queriam ser os mais elegantes, populares ou ousados. Angie nem sabia o que era a amizade, quanto mais o que era o amor. O som da campainha fez com que recolocasse a foto no lugar, franzindo o cenho. Não tinha idéia de quem seria. Ninguém a conhecia o bastante para vir visitá-la sem avisar antes. Ao dirigir-se à porta, imaginou se seria Rhys. De repente, começou a ter dificuldade para respirar. Ao descobrir um garotinho sardento, de uns sete anos, no umbral, teve de se convencer de que não estava desapontada por não ser Rhys. Um gatinho branco e preto 11


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se encontrava entre os bracinhos gorduchos. Era o filho dos vizinhos. Vira-o mais de uma vez brincando no jardim ao lado. Perguntou em que poderia ajudá-lo e o garoto abriu o maior sorriso, onde podia-se ver vários dentes faltando. — Minha gata teve filhotinhos e mamãe disse que teria de achar um lar para todos eles. Este é o último. A senhora quer ficar com ele? — Oh, eu… — Ela é uma boa gata — assegurou ele, com inocência infantil. Não tem de colocá-la para fora se tiver uma caixinha com areia, e lhe fará companhia. Já foi vacinada e é muito saudável. E não vai lhe custar um centavo, a não ser para a caixa e a comida, acho. Como é uma garota, vai ter de fazer uma operação. A minha gata vai fazer uma amanhã. Parece que assim ela não terá mais filhotes. Foi a única maneira de minha mãe permitir que eu fique com ela. “Companhia”, a palavra parecera gritar do meio do monólogo do garotinho. Angie olhou para o bichano que miava. Sentindo a vitória próxima, o menino olhou-a com uma expressão doce e estendeu-lhe o animal. — Quer segurá-la? Vai ver como ela é macia. Antes mesmo que se desse conta, Angie tinha nos braços uma bolinha peluda. Encostando o corpinho morno contra o rosto, ouviu um miado satisfeito. Quis saber qual era o nome da criaturinha. — Ela não tem nome, pode chamá-la como quiser, mas eu a chamaria de Florzinha. Angie olhou o menino com uma sobrancelha levantada de maneira questionadora, e ele esclareceu: — Ela é branca e preta, como o gambá. Não lembra de Bambi? —Angie continuava sem entender. — Bambi pensava que o gambá era uma flor, então chamava-o de Florzinha. De certa forma, fazia sentido. Angie experimentou o nome em voz alta. Que nome mais tolo para um gato!, pensou. Mas, como nunca pensara em ser a proprietária de um gato… — E qual é o seu nome? — Mickey. — Muito bem, Mickey. Obrigada pela gatinha. Tomarei conta dela com amor. E poderá vir visitá-la quando desejar — ofereceu, num impulso. O rosto redondo do garoto iluminou-se com imenso sorriso. — Caramba! Obrigado. Minha mãe vai ficar feliz por eu ter conseguido arrumar lugar para todos no mesmo dia. Tenho de ir, moça! Até logo! Ela fechou a porta e olhou espantada para o seu novo bicho de estimação. Seu primeiro amigo, pensou, sorrindo. Levou Florzinha para o quarto para fazer-lhe companhia enquanto troçava de roupa. Tinha de sair para comprar as coisas de sua amiguinha. Na segunda de manhã, no escritório, Angie sorria ao lembrar-se de Florzinha. Sentia-se culpada por sabê-la sozinha em casa, apesar de ter deixado comida, uma cama 12


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macia e brinquedos. Era muito boa a sensação de saber que alguém a receberia em casa quando voltasse, à noite. Os pensamentos agradáveis fizeram com que sorrisse para a pessoa que batia à porta de sua sala. Só quando percebeu as duas de pé na entrada, ficou séria. — Podemos falar com a senhorita? — perguntou nervosamente a ruiva do computador, Gay. Sem ter como recusar, Angie concordou e convidou-as a entrar. Darla, a secretária morena, entrou primeiro, seguida pela amiga, e respirou profundamente antes de falar. — Srta. St. Clair, Gay e eu sentimos muito pelo que ouviu na sexta-feira. Gostaríamos que nos desculpasse. — Considerem o caso esquecido — disse Angie, impassível. — Não é o bastante. — Gay balançava a cabeça, negando. — Sabemos que a magoamos e nos sentimos terrivelmente mal por isso. — Vocês não… — Angie começou e parou a seguir. — Sim, vocês me magoaram, mas estavam apenas dizendo o que pensavam. Darla mordia os lábios, tocada pela maneira com que Angie admitira ter sentimentos. — É que não a conhecemos direito e estávamos apenas fofocando, como tolas. Sei que não é desculpa, mas… — Compreendo. Não se preocupem. — Angie lembrava-se das várias vezes que fizera o mesmo com as amigas, no clube. — Vamos experimentar um novo restaurante italiano no almoço. Gostaria de ir conosco? — convidou Gay. Seu primeiro impulso foi recusar o convite com educação; no entanto, decidiu ser honesta consigo. Queria aceitá-lo! Estava cansada de almoçar sozinha. Se Rhys discordasse, diria que tinha direito ao horário de almoço, como qualquer um. Agradeceu o convite e pediu às duas moças que a chamassem de Angie, em vez do formal srta. St. Clair. As jovens se olharam como se não acreditassem que o convite fora realmente aceito. Combinaram de se encontrar na entrada e cada qual voltou para o respectivo setor. Encantada, Angie tomou consciência da coragem que tinham tido para fazer o que haviam feito. Lembrava-se dos comentários maldosos que ouvira durante o julgamento do pai. Nenhum dos seus ditos amigos da época havia se desculpado ou tentado retratar-se com ela. O processo a tornara persona non grata no círculo dos privilegiados. Acreditava que as duas funcionárias tinham mais caráter do que qualquer dos afortunados com quem convivera no passado. Será que aquelas moças a aceitariam como amiga, se soubessem sobre o julgamento? 13


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Um mês mais tarde, no fim de uma manhã de sexta-feira, foi interrompida pela voz de June. A secretária de Rhys estava com os braços cheios de papéis e fez uma careta ao perceber que atrapalhava o trabalho dela. — Desculpe-me perturbá-la, mas por acaso sabe do paradeiro do sr. Wakefield esta manhã? São mais de onze e não recebi nenhum telefonema dele. Não sei o que fazer com esses papéis que precisam ser assinados. Angie franziu o cenho. Já se perguntara por que Rhys não a havia chamado, como de costume. Pensara que ele estivesse muito ocupado. — Ontem ele disse que iríamos dar uma olhada no relatório de Londres, assim que chegasse. Estive aguardando que me chamasse durante a manhã — respondeu, preocupada. — Não sei o que dizer. — June não tinha idéia do que fazer. — Durante os seis anos em que trabalho para ele, nunca o vi faltar sem aviso… Ela trabalhava para Rhys só há cinco meses, mas concordava plenamente com June. Ele não era de sumir sem ao menos dar um telefonema avisando. Um dúzia de possibilidades passaram pela cabeça da jovem e nenhuma delas era muito agradável. Sentiu o estômago embrulhar, pegou o telefone e discou o número da casa dele. O telefone tocava sem ninguém atender, e ela tentava não entrar em pânico. Iria sentir-se uma estúpida se uma mulher ofegante atendesse, no caso de seu patrão ter escolhido tirar a manhã de folga por algo mais prazeroso. Teve de se convencer que tal pensamento só a perturbou porque respeitava demais Rhys como homem de negócios para se mostrar tão irresponsável. Mas, quando já estava no quinto toque, começou a se preocupar de novo. E se ele estivesse…? — O que é? A voz rouca fez com que ela relaxasse, aliviada. — Graças a Deus! — murmurou sem pensar. — Srta. St. Clair? — ele aventurou-se, depois de um momento. — Que horas são… Oh, inferno! — A voz dele era irreconhecível. — Está doente, sr. Wakefield? — indagou, apreensiva. Ele tossia. Ao responder, pareceu estar surpreso por algo tão prosaico quanto uma gripe tê-lo derrubado. — Parece que estou. Maldição! Resfriado, parece… — Estava dormindo? — Sim. Não consegui dormir ontem à noite, acho que… — Foi interrompido por um ataque de tosse, seguido por uma praga. Fazendo força para controlar o riso, imaginando o patrão na cama, os cabelos despenteados e o rosto corado de febre, Angie apertou o fone no ouvido com mais força. Ia perguntar-lhe como poderia ajudá-lo quando ouviu o barulho de algo caindo. — Sr. Wakefield, o que aconteceu? 14


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— Droga! Vertigem. — Deite-se e não pense em vir ao escritório hoje. Quem é o seu médico? — Não preciso de médico. E tenho de ir trabalhar. Preciso assinar uns papéis, os relatórios de Londres têm de ser lidos e… — Levo tudo para o senhor — interrompeu-o, com firmeza. — Posso levar o que mais precisa da sua atenção hoje, do resto o senhor cuida quando estiver melhor. — Está bem — concordou ele, relutante, depois de dar um longo suspiro. — Pegue a chave da minha casa com June e os relatórios Perkins. Ah, e… Angie anotou numa lista tudo o que ele julgou de extrema importância. Entretanto, ao fazê-lo, tomou a decisão de omitir vários itens. Sabia que Rhys ficaria furioso, mas já se acostumara. Afinal, ele estava doente, e a empresa não entraria em concordata só porque ficaria um ou dois dias fora. — Estarei aí em meia hora — ela prometeu. — Quinze minutos — ele discordou, antes de ela desligar. June ainda se encontrava por perto, então informou-a de que o patrão estava doente e precisaria de alguns documentos para poder trabalhar em casa. — O sr. Wakefield está doente? — June repetiu, apalermada. — O que ele tem? — Parece ser um resfriado forte ou uma gripe. Um risinho escapou da eficiente secretária. — Aposto como ele está detestando isso — comentou, colocando a pilha de papéis na mesa de Angie. — Foi vencido por uma simples gripe. Quem diria que um vírus teria a coragem de contaminá-lo? Angie não conseguiu se conter e caiu na risada. June olhou-a, surpreendida e satisfeita. Corando, Angie baixou os olhos e pegou o que precisaria, além de agradecer à secretária, que se despediu num tom mais amigável do que de costume. Sozinha novamente, Angie suspirou. Não estava conseguindo se manter afastada das colegas, corno pretendera. Apesar do almoço com Daria e Gay ter sido um pouco difícil, pois Angie não revelara muito sobre si, as duas jovens haviam-na convidado mais duas vezes. Infelizmente, fora obrigada a recusar, pois Rhys a mantivera tão ocupada que só tivera tempo para sanduíches. Entretanto, elas não ficaram ofendidas e sempre paravam no corredor para cumprimentá-la. Vira e mexe, Mickey visitava-a no começo da onde com o pretexto de ver o gatinho que crescia a todo vapor. Mas Angie achava que a razão principal era que passara a ter sempre biscoitos para o menino. Não bastasse tudo isso, tornava-se cada vez mais difícil manter distância de seu atraente patrão. Por que será que quando precisara de amigos todos haviam desaparecido, e agora, que desejava ficar sozinha, as pessoas se aproximavam? Sem entender os mistérios da vida, pegou tudo o que precisava e deixou o escritório.

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Com os braços cheios com “quase” tudo o que o patrão pedira. Angie parou em frente à porta da casa. Era a primeira vez que via onde Rhys morava. Uma casa grande, mas simples, num bairro exclusivo, não muito longe da área mais modesta, onde ela residia. Hesitou em usar a chave que June lhe dera, havia algo de íntimo em simplesmente abrir a porta e entrar. Entretanto, não queria perturbar Rhys tocando a campainha. Respirou fundo e foi em frente. A decoração era minimalista, pensou, assim que entrou. E, mesmo sendo tudo da melhor qualidade, a mobília era simples, prática e um pouco escassa. Alguns quadros estavam dependurados nas paredes, sem levar em conta equilíbrio ou estilo. Não havia nenhuma foto ou qualquer lembrança pessoal. Pensou na sua ex-mansão em Boston, que era decorada no estilo mais em voga, com quadros de grandes mestres e lustres de cristal. Seu quarto tinha quilômetros de renda antiga e as famosas bonecas de porcelana de Madame Alexander em estantes de luxo. Mas na casa da avó só havia uma coleção de bibelôs lindos, mas baratos, um quadro da Última Ceia na sala de jantar e toalhinhas de crochê, além de tapetes feitos com retalhos espalhados por todos os aposentos. Sobre o piano encontrava-se um álbum com todos os desenhos que Angie fizera ao longo dos anos e enviara para os avós, uma coleção de fotografias da neta em vários estágios de crescimento. Angie não trocaria seu novo lar pela mais bela mansão em Birmingham ou outro lugar qualquer. Olhando em volta, incerta, dirigiu-se à escada, pois pressupunha que o quarto de Rhys ficasse no segundo andar. Esse pensamento a fez engolir em seco, nervosa. Lá em cima, encontrou a primeira porta à direita aberta. Deu uma olhadinha e descobriu a suíte principal. Era mobiliada apenas por uma cama de casal, uma cômoda, a mesa-de-cabeceira, com abajur, despertador e telefone. Em uma cadeira se encontrava o paletó que Rhys usara no dia anterior. Havia um quadro na parede, acima da cama: o cenário de uma tempestade à beira-mar. Ele encontrava-se esparramado entre as cobertas, dormindo. Na ponta dos pés, ela caminhou até bem perto e ficou observando o patrão. Sua aparência era quase igual a que imaginara: despenteado, corado e com a barba por fazer. Apesar de ter se preparado para o que iria encontrar, o que via fez com que parasse de respirar. Estava tão diferente do arrogante e distante homem para quem trabalhara nos últimos cinco meses! Parecia frágil. desamparado. Sabia que ele não desejava compaixão, mas sentia-se assim mesmo. Ao notar bem a cor do seu rosto, ficou imaginando se ele tirara a temperatura ou tomara algo para baixar a febre. Esticou a mão para tocá-lo, mas puxou-a de volta. Preocupada, porém, achou melhor tocá-lo para ver a febre. Ele dormia, não ia notar se… Sua mão mal tocara o rosto fervendo quando foi agarrada pelo pulso, com tanta força que deu um grito de dor.

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Ainda prendendo a palma da mão de Angie contra a testa, Rhys encarou-a. Os olhos cinzentos eram penetrantes, apesar de aparentar um certo ar de cansaço. Perguntou o que ela estava fazendo. — O senhor parecia febril — explicou, da maneira mais calma possível dentro das circunstâncias. — Por acaso tirou a temperatura? Tomou algum remédio? Aspirina? — Não. Não e não. — Se importaria de soltar a minha mão? — perguntou ela, com cuidado. — Vai deixar meu pulso marcado. — Desculpe, não quis machucá-la. — Soltou-a de imediato.— Não estou acostumado que me toquem quando estou dormindo. Sinto-me miserável — grunhiu, impaciente. — Sua garganta dói? E a cabeça? Tem alguma dor em outro lugar? — Angie tentava manter a calma. — Minha garganta dói, assim como minha cabeça e todo o resto do meu corpo. É isso o que queria ouvir? — perguntou ele, ríspido, erguendo-se a meio e apoiando o peso no cotovelo. O lençol que o cobria escorregou até a cintura. Angie quase soltou os papéis que segurava, pasmada. Rhys Wakefield estivera escondendo um corpo maravilhoso debaixo dos ternos escuros e clássicos que usava para trabalhar. Seu peito era largo, bronzeado e sólido. Tinha a musculatura de um atleta. Em contraste com os cabelos grisalhos nas têmporas, o do peito era escuro, formando uma linha fina que desaparecia debaixo do lençol. Sem conseguir controlar a imaginação, ela sentiu os joelhos amolecerem. Tentou falar, mas gaguejou. Tossiu ao perceber uma estranha expressão no rosto dele, que foi rapidamente reprimida. Disse, por fim: — É melhor ficar deitado. Tem um termômetro? — No banheiro, mas… Ela não lhe deu tempo para protestar. Deixou os papéis sobre a cama e correu para o banheiro. Precisava de alguns momentos sozinha para recuperar o bom senso. Ao retornar com o termômetro e com as aspirinas, sentia-se mais controlada. Encontrou-o tossindo terrivelmente. Apesar disso, ele lia os papéis que ela trouxera, com o cenho franzido. Assim que a viu, quis saber onde estava o relatório Perkins. Sacudindo o termômetro, ela respondeu com calma: — Ficou sobre a sua mesa no escritório. Não há nada nele que não possa esperar até segunda-feira. — Maldição! Eu… — Ele fechou a boca instintivamente ao sentir algo nela e, olhando-a feio, tirou o termômetro. — Você também não trouxe os papéis sobre o projeto de San Juan! — Não. Está tudo resolvido. Ela pegou o termômetro e colocou-o em sua boca novamente, mas ele o retirou no mesmo instante. — E quem resolveu? 17


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— Eu. E, se não mantiver esse termômetro na boca, serei forçada a colocá-lo num lugar bem menos digno! — ameaçou, zangada, perdendo o controle adquirido com tanto cuidado. Para sua surpresa, Rhys não reagiu; apenas olhou-a duro, por um longo minuto, depois obedeceu. Optando pelo bom senso, Angie decidiu não expressar sua satisfação. Evitando olhá-lo, virou-se para sair do quarto, murmurando: — Vou buscar algo para o senhor beber. Deve tomar bastante líquido. A cozinha era bem equipada, mas não muito usada. A geladeira estava abastecida com diversas latas de refrigerante com sabor de frutas: limão, uva, morango… Encontrou também uma jarra de suco de laranja, um litro de leite, meia dúzia de ovos, manteiga e geléia de amora. Encheu um copo de suco de laranja e decidiu primeiro perguntar se ele queria café da manhã antes de tentar fazer algo com as poucas provisões. Ao entrar no quarto, encontrou-o com o termômetro ainda na boca, aparentemente esquecido, lendo com atenção o que lhe trouxera. Colocou o suco na mesinha e pegou o termômetro. Assim que se viu livre, Rhys pediu uma caneta. — Um momento — ela replicou, distraída, tentando descobrir onde o mercúrio parara. Franzindo o cenho, comentou: — O senhor está com trinta e nove de febre. Tem certeza de que não quer um médico? — Tomarei algumas aspirinas — resmungou ele, sem nem sequer levantar a cabeça. — Onde está a caneta? Concluindo que ele não queria médico, ela deu um longo suspiro e passou-lhe o que pedia. — E quanto à comida? Poderia preparar uns ovos, torradas… — Não tenho fome. — Ele tossiu de novo. — Tem remédio para tosse? — Não. — Vou até a farmácia comprar. Se continuar tossindo desse jeito, vai ter dor no peito. Precisa de algo mais? — O relatório Perkins — respondeu ele, de pronto. Ela pegou a bolsa, disse que voltava logo e ia sair sem se dignar a fazer comentários sobre aquele assunto, mas ele segurou-a pelo braço, antes que pudesse se afastar, surpreendendo-a. Sua pele queimava no contato com a dela. Convencida de que era por causa da febre, olhou-o notou que ele sorria, o que fez seu coração dar um pulo. — Obrigado — agradeceu Rhys, com suavidade. — Não há de que, sr. Wakefield — conseguiu dizer, sem gaguejar com formalidade, para lembrar a si mesma e a ele que o relacionamento entre eles era apenas profissional. Ele soltou-a, Angie caminhou até a porta, onde parou ao ouvi-lo chamá-la: — Escute, aqui! — Sim?

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O sorriso desaparecera do rosto másculo, mas os olhos brilhavam de uma forma estranha, difícil de interpretar. — Um conselho: nunca faça ameaças que não esteja preparada para cumprir. Sabendo que ele se referia à ameaça do termômetro, ela pretendia apenas acenar e sair, mas aparentemente sua boca tinha dificuldade em manter-se fechada. — Nunca faço ameaças em vão, sr. Wakefield — replicou, com frieza. Saiu, depressa, pasma com a própria ousadia.

CAPÍTULO 3

Ao retornar das compras, Angie deixou tudo na cozinha, pegou uma colher, o xarope que o farmacêutico recomendara, e subiu as escadas. Ao entrar no quarto deu com a cama vazia. Onde diabos estava Rhys? Uma tosse vinda do banheiro chamou-lhe a atenção. Sem roupa, só de cueca branca, ele se encontrava encostado no batente da porta apoiado na maçaneta, olhando para a cama como se estivesse do outro lado de um campo cheio de obstáculos. Angie já vira os braços e peito musculosos. Agora tinha a oportunidade de observar um par de pernas soberbas, quadris estreitos e o ventre chato. O pano branco da cueca contrastava com o tom bronzeado da pele, além de ajustar-se à anatomia, revelando mais do que devia. Ficou na dúvida quanto à idade dele. Apesar das têmporas grisalhas e das pequenas rugas ao redor dos olhos, o corpo era o de um homem pelo menos dez anos mais novo do que os quarenta que ela imaginara. Foi aí que ele levantou os olhos e pegou-a em flagrante, avaliando-o. Com o rosto corado, Angie murmurou uma desculpa e ia sair. — Acho que não vou conseguir chegar até a cama sozinho — disse ele, retendo-a, e a frustração em ter de admitir aquilo era evidente na tensão do seu rosto. — Meus joelhos parecem que são de geléia. Esquecendo-se do próprio embaraço, Angie correu até ele. — Apóie-se em mim. Não deveria ter se levantado. — Não tinha escolha — gemeu ele, ao passar o braço pelos ombros dela. Angie sentia os joelhos tremerem e torcia para que fosse resultado do peso que carregava e não por sentir o corpo másculo, e quase nu, junto ao seu. Percebia seu calor e força, mesmo através da própria roupa. Não se lembrava da última vez que um homem a afetara tanto. Ou será que aquela era a primeira vez? Não estivera em situação tão íntima com um homem havia muito tempo. Ao contrário das mulheres da sociedade, não costumava ter casos de uma noite, que mais tarde seriam comentados durante o almoço

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no clube. Sempre se envolvera na esperança de se apaixonar, mas acabara se desapontando. Não ia permitir-se um envolvimento àquela altura, ainda mais com um homem que não lhe daria nada em retorno. — Quando foi a última vez que comeu? — perguntou, determinada a mudar o rumo dos pensamentos. Ele deu de ombros ao afundar na cama. Contou que não jantara no dia anterior, pois não tinha fome. — E o almoço de ontem foi apenas um sanduíche no escritório— comentou ela, com desaprovação. — É por isso que está fraco. Com falta de alimentação e a febre, estou espantada por ainda não ter desmaiado aos meus pés. — Está acostumada a ter os homens aos seus pés, Boston? A pergunta feita em tom arrastado tomou-a de surpresa. Franziu o cenho ao perceber o brilho divertido nos olhos que geralmente eram inescrutáveis. Jamais brincara com ela antes e sempre a chamara pelo formal srta. St. Clair. É claro que era difícil manter a formalidade quando vestia-se apenas um pedaço insignificante de pano branco. Mas, mesmo assim, não estava preparada para ter um relacionamento mais pessoal com ele. Decidida a ignorar a pergunta, na esperança de que ele entendesse a insinuação, afastou-se. — Comprei uma sopa e vou prepará-la. Tem certeza de que não quer um médico? O olhar que ele lhe deu foi suficiente para ela deixar o assunto de lado. Resistindo à vontade de suspirar de novo, foi para a cozinha, pensativa. Cuidar do patrão quase nu definitivamente não estava na descrição de suas tarefas de trabalho. Deveria levar-lhe um prato de sopa e depois voltar para o escritório, pensou, enquanto a preparava. Mas sabia que não o deixaria enquanto ele precisasse dela. Era a primeira vez que isso acontecia. Nunca se sentira necessária, e essa era uma das razões pela qual gostava tanto do trabalho: Rhys precisava de sua ajuda no escritório e ela podia ajudá-lo. E, naquele momento, também. Não iria simplesmente abandoná-lo à própria sorte. Rhys encontrava-se deitado, totalmente imóvel, os olhos fechados. Angie entrou no quarto com uma bandeja, decidida a não acordá-lo, se estivesse dormindo. Então, suas pálpebras se abriram lentamente, como se tivesse de fazer um grande esforço. Sentouse, e o lençol foi parar a cintura de novo. Angie tentou não demonstrar o alívio que sentiu ao vê-lo parcialmente coberto nem a preocupação com o seu estado. Afinal, só estava sendo uma funcionária dedicada, não é? Ou será que não?, perguntou-se, ao passar os olhos pelo peito musculoso, atraente. Colocou a bandeja sobre o colo dele e deu um passo atrás. — Telefone para o escritório e peça a June que cancele a reunião com Phelps, hoje à tarde, e que mande um boy para cá, com o relatório Perkins. A senhorita poderá levar esse papéis de volta e mandá-los, por fax, para Londres. 20


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Pelo jeito ele entendera a insinuação, e estavam de volta às formalidades. Não a queria muito perto. — Sim, sr. Wakefield. Tome a sopa. O olhar impaciente que ele lhe mandou perdeu seu efeito, pois foi seguido por um ataque de tosse. Angie teve de segurar a bandeja sobre o colo dele para que não corresse o risco de ser escaldado. — Esqueci de lhe dar o remédio de tosse — comentou ela. Esperava que ele não houvesse notado que a visão de seu físico a fizera se esquecer do xarope por completo. Pegou-o e encheu a colher que trouxera. Os olhos de Rhys encontraram os dela, quando colocou o remédio em sua boca. Ao retirar a mão, Angie percebeu que tremia. Maldito, por fazer aquilo com ela! Por que era tão suscetível a ele? Sem fôlego, informou-o que ia lavar a colher, mas, na verdade, queria sair dali. — Faça isso mais tarde — Rhys ordenou, irritado. — Está entrando e saindo desse quarto desde que chegou, há uma hora. Sente-se. Ela mordeu o lábio, não gostando do tom dele, mas obedeceu, sentando-se na beirada da cadeira, tomando cuidado para não amassar o paletó que se encontrava no espaldar. Rhys suspirou, praguejando mentalmente. Ela estava nervosa como uma gata em teto de zinco quente. Sabia que a situação encontrava-se fora dos padrões, mas trabalhava com ela havia cinco meses e passavam mais tempo juntos do que muitos casais. Até então, a moça parecia sentir-se bem ao lado dele. Por que, agora, o olhava como se fosse um assassino pronto a matá-la? — Por que não tira o casaco e fica mais à vontade? — sugeriu, cordial. — Precisamos discutir alguns assuntos, antes que volte para o escritório. Ela concordou e tirou o casaco do tailleur. Pegou a caneta e um bloco de anotações. Pronta para começar, sua aparência era de eficiência e cautela. Evitava olhá-lo, e ele lembrou-se da expressão em seu rosto, quando o encontrara na porta do banheiro. Com certeza já vira um homem de cueca ou com até menos que isso. Era jovem, mas também não “tão” jovem. — Quer relaxar, por favor? Sabe que não estou de bom humor, mas não vou atacála. Angie corou, adorável, mas Rhys tentou ignorar o fato ao vê-la se desculpar chamando-o de senhor. Meio ríspido, ordenou que parasse de chamá-lo daquela forma. O que a fez abaixar os olhos e morder os lábios, contrariada. Resistindo ao desejo de desculpar-se, ele começou a tomar a sopa. Depois de algumas colheradas, fitou-a de frente. — Está boa — murmurou. Tomando o elogio como uma espécie de pedido de desculpas, que fora exatamente a intenção dele, ela falou de maneira brincalhona: 21


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— Obrigada, mas não se precisa saber muito para rasgar um envelope e acrescentar água. Não é o tipo de sopa que sua mãe fazia quando o senhor ficava doente, claro, mas serve… Os lábios de Rhys retorceram-se num esgar. — Que me lembro, a única coisa que minha mãe fez para mim foi prender um papel na minha roupa, com o meu primeiro nome e data de nascimento. — Nem bem falou, ele quis morder a língua por ter aberto a boca, mas era tarde. O que, diabos, o tinha feito contar-lhe isso?, pensou. Não era algo de que costumava falar. A expressão de Angie demonstrava compaixão, e ele não gostava disso. Resolveu concentrar-se na sopa. — Foi abandonado? — perguntou ela, hesitante. — Sim. Fui deixado na entrada de um hospital, no Texas — respondeu ele, sem tirar os olhos do prato. — Que triste! Quantos anos tinha? Foi adotado? — ela perguntou com cuidado, mas sem conseguir controlar-se. — Não. As pessoas adotam bebês. Eu tinha três anos e nunca fui uma criança bonita. Podia sentir os olhos dela observando-o, enquanto acabava de comer. Ela fazia grande esforço para não perguntar mais nada, e ele notou o exato momento em que a curiosidade venceu. Angie indagou se tinha sido criado em um orfanato. — Por algum tempo. Outras vezes fiquei com famílias temporárias, até que me formei no colegial e fui convocado para a guerra. — Ele engoliu a última colherada de sopa. — Disse que só sabia o seu primeiro nome? — E a seguir ela comentou, tentando não magoá-lo: — A maneira como é escrito difere da fonética. — É galês. Talvez fosse um nome de família, por parte da minha mãe. Só Deus sabe. Não sei qual é o meu sobrenome verdadeiro. Wakefield foi idéia da assistente social. — Nunca tentou descobrir nada sobre sua mãe? — Não! — Deixou o prato de lado. Não queria falar sobre aquele assunto. Não sabia o que Angie pensava nem queria saber. — Quer voltar ao trabalho ou vamos ficar contando as histórias de nossas vidas? A reação dela ao comentário sarcástico foi fisicamente visível: ela encolheu-se para dentro de si mesma, como se tivesse algo a esconder dele. Não que isso fosse do seu interesse. Era uma boa assistente. No que lhe dizia respeito, seu passado não interferia no serviço. Quanto a sua curiosidade… Bem, isso ele teria de ignorar. Amaldiçoando a dor de cabeça e a fraqueza, ele começou a dar instruções em voz tensa. Queria que ela voltasse logo para o escritório, deixando-o dormir sossegado. Mas, ao mesmo tempo, relutava em mandá-la embora. Uma sensação de vazio surgia ao

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imaginar-se sozinho e sentindo-se mal. A febre devia estar afetando sua mente, pois não havia outra explicação para aquele sentimentalismo. Meia hora mais tarde, Angie fechava o caderno de notas e pegava a bolsa. Tinha de voltar logo para o escritório, se queria terminar todo o serviço que Rhys lhe dera para o dia. No entanto, ao vê-lo cansado, pálido, rosto vermelho e olhos brilhantes, sinal de que a febre não baixara, ficou na dúvida. O remédio ajudara, mas ainda estava tossindo bastante. Ela pegou a bandeja e levou para a cozinha, onde lavou tudo; serviu mais um copo de suco de laranja. — É melhor tomar outra aspirina — sugeriu, ao voltar para o quarto. — Tem de baixar a febre… Ele tomou o remédio sem protestar, o que a preocupou ainda mais, pois não era sua atitude normal. Talvez houvesse alguém que pudesse ficar com ele, amigos ou… uma amante? Não gostou nem um pouco da idéia. — Não posso deixá-lo sozinho. Não há alguém que possa vir ficar com o senhor? — Ficarei bem. — Ele balançava a cabeça negativamente, sem nem mesmo abrir os olhos. — É melhor que vá. Não se esqueça de telefonar para Ron Anderson. — Ele abriu um olho. — E, obrigado… por tudo. — Depois que terminar no escritório venho ver como está. Telefone-me se precisar de alguma coisa, certo? Angie percebeu que ele fez uma carranca ao fechar os olhos. Não sabia o que tinha dito que o aborrecera. Sentia-se estranhamente culpada por deixá-lo. Porém, ao sair, ele já dormia. No final da tarde, Angie lembrou-se de que ainda não comera nada. Resolvida a fazer um intervalo, pegou algum dinheiro e desceu para a lanchonete da empresa, onde os funcionários se reuniam para o intervalo do café. Ao entrar, vários rostos curiosos voltaram-se: ela nunca aparecia por lá! Ignorando a todos, comprou uma maçã e um refrigerante. Ao virar-se, à procura de uma mesa, ouviu a voz de Gay chamando-a. Gay e Darla estavam sentadas numa mesa retangular, com várias colegas que as olhavam surpresas diante da atitude amigável para com a altiva assistente do sr. Wakefield. Um pouco na defensiva, Angie sentou-se no lugar vago, ao lado delas, e deu um simpático sorriso na direção das duas amigas. As outras pestanejaram, surpresas, fazendo-a questionar-se quanto a sua maneira distante de resolver os problemas. Será que tinha intimidado as pessoas? Antes nunca tivera dificuldade em fazer amigos, se bem que aprendera que para muitos dinheiro e posição social eram mais importantes do que amizade. — June contou-nos que o sr. Wakefield está doente — comentou Darla. — Sabe o que ele tem? — Gripe, acho eu. Está com febre, dor de garganta, tosse e dores no corpo todo.

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— Você foi vê-lo, não? — perguntou Gay, olhando Angie com curiosidade. — Aposto como ele é um paciente terrível. — Levei alguns papéis para ele assinar. — E, não conseguindo segurar o riso, disse: — Ganharia a aposta, Gay. Ele não é fácil. Uma loira atraente, que Angie não conhecia, estremeceu ao dizer: — Ficaria aterrorizada se tivesse de enfrentá-lo em sua casa, doente e de mau humor. O sr. Wakefield me amedronta até mesmo quando nos cruzamos, no corredor. — Ele não é tão assustador. — Angie sentiu-se na obrigação de defendê-lo. — É apenas um típico trabalhador maníaco, ou seja, trabalha demais. Envolve-se com as responsabilidades e acaba se esquecendo das amenidades sociais. — Nem bem parara de falar, Angie corou, ao perceber como a descrição se aplicava a si mesma nos últimos tempos. Naquele momento decidiu ser mais amável com as colegas. Trabalhou até depois das seis naquela tarde. Cansada, ao entrar no carro teve de lutar contra o desejo de dar uma passada na casa de Rhys. Ele não lhe pedira que voltasse, argumentou consigo mesma. E não pretendia levar-lhe nada de trabalho, pois devia tirar o fim de semana de folga, para se recuperar. E ele era perfeitamente capaz de chamar alguém, se precisasse. Suspirando profundamente, ligou o carro, sabendo que passaria lá. Não conseguiria descansar sem ter certeza de que ele estava bem, coisa ridícula! Rhys Wakefield era um homem duro, auto-suficiente e talvez não apreciasse sua preocupação para com ele. Mas não tinha escolha, ainda não se esquecera da compaixão pelo menino abandonado, sem lar e sem família que ele fora. A mãe dela morrera e o pai fora preso, mas pelo menos eles haviam preocupado em dar a Angie uma infância razoavelmente feliz. Pobre Rhys. Ele acabaria com ela se descobrisse seus pensamentos, disse a si mesma: não gostava que sentissem pena dele. Foi então que o motor do carro começou a fazer um barulho estranho, e ela gemeu alto. Nem saíra do estacionamento da empresa. E não era a primeira vez que aquilo acontecia. Seu carro velho exigia mais manutenção do que ela podia pagar. Adoraria trocar por um novo, mas queria ter certeza quanto a sua situação financeira, antes de arrumar mais uma conta para pagar. Se o carro durasse ainda uns três ou quatro meses, talvez pudesse pensar em trocá-lo, estando firme no emprego. Forçando o pobre automóvel, conseguiu chegar à casa de Rhys. Em frente à porta, hesitou. Será que deveria usar a chave de novo, ou ele consideraria muito atrevimento da sua parte, já que dessa vez viera por vontade própria, pois não fora chamada? Tarde demais, concluiu que deveria ter ligado do escritório, antes. Era melhor tocar a campainha. E se ele ainda estivesse com tontura? Ao imaginar as escadas, Angie fez uma careta de desagrado, pois podia vê-lo rolando os degraus. Era melhor não arriscar!

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Abriu a porta com a chave. O máximo que poderia acontecer seria desculpar-se por estar invadindo e explicar porque não tocara a campainha. Ele poderia não concordar, mas ela teria como argumentar… Num ato impulsivo, Angie passou na cozinha e serviu um copo de suco de laranja. Sem fazer barulho, subiu a escada, parando apenas na soleira da porta do quarto. Rhys estava deitado de costas. O braço direito cobria os olhos e a mão esquerda movia-se de forma inquieta sobre o peito, como se tivesse dor. Um gemido abafado fez com que a jovem entrasse no quarto e o chamasse baixinho, pois não queria assustá-lo. — Sr. Wakefield? Está se sentindo pior? Ele baixou lentamente o braço e encarou-a, com um par de olhos vermelhos. — O que está fazendo aqui? Aconteceu algo errado no escritório? — Não aconteceu nada — assegurou-o, aproximando-se da cama e colocando o copo sobre a mesinha. — Estava a caminho de casa e parei para saber como vai… Está se sentindo melhor? Deu uma olhada se tem febre? Ele respondeu de forma resumida e abrupta. Tinha piorado. Depois de cinco meses, Angie já estava acostumada com a maneira ríspida de ele falar. E, pela sua expressão, soube que não tinha tirado a temperatura. Não pensou duas vezes e enfiou-lhe o termômetro na boca. Rhys cooperou, e seu olhar indicava que se lembrava da ameaça que ela fizera da outra vez. Apesar de ter assegurado àquela secretária que o patrão não a assustava, ela não sabia de onde tirara a coragem para ameaçá-lo. Ao ver o termômetro, Angie mordeu o lábio, preocupada. A febre não baixara. — Tomou alguma aspirina desde que saí? — Não precisou de resposta: teve certeza de que não. — Olhe aqui, se não quer um médico, o mínimo que poderia fazer é cuidar-se. Quer acabar num hospital? —perguntou, brava, enquanto pegava o vidro de remédio. Deu-lhe dois comprimidos e o copo de suco. Rhys tomou o remédio e olhou-a de maneira estranha. — Está me mimando, srta. St. Clair? — Creio que sim — admitiu ela. — Importa-se? — No momento, não. — Tentarei não fazer disso um hábito — replicou a moça, sorrindo. Se não o conhecesse bem, diria que ele ficara desapontado. O que era ridículo, é claro. Devia ter se enganado. — Por que não prepara um suco para você e acrescenta vodca nos nossos copos? — Eu não bebo. sr, Wakefield, Alem disso, com os medicamentos que está tomando, não pode ingerir bebida alcoólica. — Por que você não bebe? — Bem — ela começou, fazendo careta, — passei por uma experiência desagradável quando estava no segundo ano da faculdade. Fui a uma festa de colegas, bebi demais e passei o resto do ano na dúvida, sem saber se tinha feito alguma tolice naquela noite.

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Tenho baixa tolerância ao álcool. Não lembro nada do que aconteceu entre o terceiro copo e a manhã seguinte, quando acordei estava com vontade de morrer. — Acordou em alguma cama estranha? — Uma ameaça de sorriso brincava nos lábios rasgados, bem feitos. — Fui poupada disso, graças a Deus! Minha colega de quarto ficou compadecida e me arrastou para o apartamento, no começo da manhã. — Mais tarde me contou que eu recebera várias propostas e, o que era pior, tinha aceitado alegremente todas. — Então, é e tipo de bêbada amigável? — Evidentemente — concordou ela, sem acreditar que estava tendo aquele tipo de conversa com o patrão. Ele mostrava-se tão diferente de quando no escritório, ainda corado da febre, os cabelos despenteados como o de um garoto, acessível, tão simpático. — E não bebeu desde então? — quis saber Rhys. — Nem uma gota! Jamais quero perder a noção, como daquela vez. Gosto de saber o que estou fazendo. — Tornou-se seletiva com seus companheiros de cama? Ela teve de se controlar para não corar e responder a pergunta arrastada no mesmo tom de casualidade. — Exato. Prefiro ser admirada pela minha inteligência e não por ser o protótipo da loira fácil. — “Apenas Deus, minha cara, poderá amá-la por si mesma e não pelo seus cabelos dourados!” — ele disse, sorrindo. — Yeats?! — perguntou, incrédula. — O senhor já leu o poeta irlandês William Batler Yeats? — Sabe, de vez em quando leio por prazer também… — comentou ele, com certa ironia, fazendo-a corar novamente. — Não acha que essa história de senhor está meio ridícula para as circunstâncias? Por que não me chama de Rhys? Ela não esperava por aquele pedido. Todos na empresa o chamavam sr. WakefieLd, apesar de ela em pensamento chamá-lo de Rhys. Aquilo soara como ordem. Decidiu evitar o nome dele, a não ser quando absolutamente necessário, e concordou a contragosto. Resolveu mudar de assunto e perguntou se queria outro prato de sopa, ao que ele balançou a cabeça, negando, e fez uma carranca. — Não a pago para ser minha cozinheira. — Estou ciente disso — ela replicou, sem recuar —, mas alguém terá de fazê-lo, já que nem consegue se levantar sem ajuda. Aparentemente, ele não conseguiu arrumar nenhum argumento razoável e permaneceu em silêncio. Ela aproveitou a oportunidade para sair do quarto, determinada a fazê-lo comer algo.

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Por que ela voltara?, pensou Rhys, ao deitar-se na cama, depois de um passeio perigoso até o banheiro. Por que sua assistente encontrava-se em sua cozinha lhe preparando o jantar? Haviam trabalhado juntos por cinco meses, e a jovem jamais mostrara-se interessada nele, a não ser como patrão. Mas naquele dia parecia preocuparse com ele. Algo que não acontecia desde… Quando? A última vez que alguém se preocupara por ele estar doente fora quando tinha dezesseis anos e morava com a última das mães provisórias, “tia” Íris. Ela realmente se importara, ou melhor, ainda se importava, pois tratava-se de uma das duas pessoas no mundo que gostavam dele. E era melhor não começar a imaginar Angelique St. Clair como a terceira: era apenas uma funcionária da empresa, uma excelente assistente que se preocupava em manter o patrão saudável. Nunca poderia acontecer nada entre eles: ela era jovem, vulnerável demais, e ele não se dava muito bem em relacionamentos duradouros. Já desistira deles havia muito. Fora um garoto introvertido e desconfiado, receoso de afeiçoar-se às pessoas com quem morara, sabendo que eram ligações apenas temporárias. Mudara tanto de lugar que se transformara num solitário ao longo dos anos. E no Vietnam nada mudara, a não ser que lá conhecera seu único e melhor amigo, Graham Keating. Sabia que seus funcionários o consideravam frio, inacessível e intimidador. Essa imagem ajudava para que fosse obedecido. Mas em certos momentos tinha de admitir para si mesmo que era muito só. As mulheres não o complementavam, pois em geral escolhia aquelas que não exigiam mais do que podia oferecer-lhes. Acabara se isolando numa torre de marfim… Ao ouvir os passos de Angie, decidiu, irritado, que estava ficando sentimental. Talvez fosse a idade. Ao deparar com a figura da assistente à porta, carregando uma bandeja, as roupas ligeiramente amassadas e os cabelos dourados já não tão bem penteados, foi assaltado por uma onda de desejo tão intensa que deu graças pela parte inferior de seu corpo estar coberta pelo lençol. Maldição! O que essa mulher estava fazendo com ele?, pensou, zangado. Angie ficou até Rhys tomar a última gota de sopa, e mesmo então relutou em ir embora. Queria ter certeza de que ele tomaria a aspirina, de quatro em quatro horas, e o xarope. Apesar de ele assegurar-lhe que ficaria bem, ela não relaxou. — Vou deixar o meu telefone na mesinha. Promete ligar se precisar de qualquer coisa? Não me importarei se o fizer. — Prometo que telefono. Vá para casa, precisa descansar. Ele parecia estar genuinamente preocupado com ela, o que, apesar de não querer, emocionou-a. Concordou em sair, mas antes tocou a testa dele num ato impulsivo para ver a febre. Aliviada, observou que a temperatura baixara. Rhys segurou-a pelo pulso, prendendo-a naquela posição, inclinada sobre ele.

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— Está me mimando de novo? — indagou, suave, fazendo-a notar como seus rostos estavam próximos Ela ficou sem ação e murmurou algumas palavras ininteligíveis, certa de que interpretara mal a expressão dele. Não era possível que estivesse pensando em beijá-la! Ou era? Confusa, despediu-se, avisando que ligaria para ter noticias, e saiu, tentando manter a dignidade. Tinha muito o que pensar naquela noite. Provavelmente não conseguiria dormir.

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Gina Wilkins CAPÍTULO 4

No sábado de manhã, Angie chegou a pegar o telefone três vezes até ter coragem de ligar para Rhys; queria saber como ele estava… Não conseguia parar de pensar naquele momento em que achara que seria beijada. E uma parte de sua mente a atormentava, curiosa em saber como teria sido. Impaciente, repreendeu-se. Tinha de acabar com aqueles pensamentos. Era terrivelmente pouco profissional da sua parte ter aquele tipo de fantasia com o patrão. Ligou, por fim, e ele atendeu ao terceiro toque. Apesar de ainda rouco, sua voz soava melhor do que no dia anterior. — Como vai? — indagou, alegre. — Bem — respondeu ele. — Ainda tenho uma maldita tosse, mas é só… — Que bom! — Devia estar satisfeita e não desapontada. Será que inconscientemente queria-o dependente dela? E, se fosse, por quê? —Precisa… ahnn… que eu vá até aí? Posso preparar algo para comer e… — Não! — exclamou, ríspido; depois adoçou a rejeição com uma explicação: — Já estou de pé, a tontura passou, de modo que posso cuidar de tudo. Não há motivo para que venha. Ele não necessitava mais dela, pelo menos não na sua vida particular. Era isso o que lhe dizia, de fato. Angie deveria estar contente, mas retorcia o fio do telefone, com uma sensação de estranho vazio. — Fico feliz que esteja melhor. Vejo-o segunda, no escritório, então. — Certo. E, a propósito… Obrigado por se preocupar, Angelique. Ela ficou olhando para o fone, depois de Rhys desligar repentinamente. Ninguém jamais a chamara de Angelique, e ficara surpresa com o som de seu nome dito por ele. Desligou, pensando que ficaria feliz quando tudo voltasse ao normal na segunda-feira. Retornariam ao sr. Wakefield e srta. St. Clair. Seria melhor e mais seguro. Em algum momento no meio da noite, Angie acordou com um gemido e a pulsação disparada. Em seu sonho Rhys a chamara de Angelique, e depois tinham se beijado com ardor. Ao se lembrar do resto, ela escondeu o rosto no travesseiro, embaraçada. Sua atração por Rhys Wakefield estava fugindo ao controle. Tinha de tomar as rédeas da situação, antes que começasse a afetar o trabalho. Não podia envolver-se com ele, lembrou. Ainda não estava pronta para um relacionamento. Não queria que ele descobrisse sobre o pai, sentia-se humilhada só com a idéia de que isso acontecesse. E se a desprezasse pela falta de ética do pai? Era tão inescrupulosamente honesto em seus negócios! 29


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Seus relacionamentos antigos, tanto de amizade como amorosos, a haviam decepcionado, deixando a sensação de vazio e de ter sido usada. Mesmo que Rhys quisesse ter um caso, o que nunca indicara, não ia correr o risco de perder o emprego quando tudo terminasse, o que provavelmente não levaria tempo para ocorrer, já que ele não estava interessado em compromissos. E, mesmo se estivesse, ela não tinha nada a oferecer. Devia se controlar e manter distância dele. Ou seria tarde demais? Rhys já se encontrava no escritório quando Angie chegou, na segunda-feira de manhã. Um pouco pálido e tossindo de vez em quando, mas quase recuperado. A primeira reação dela ao vê-lo aparecer na porta da sala foi corar até a raiz dos cabelos. Tentou disfarçar o comportamento estranho, deixando a caneta cair “acidentalmente” e abaixando-se para pegá-la, ao mesmo tempo que ordenava a si mesma que deixasse de ser a tola. Ele não podia adivinhar o que ela sonhara na noite anterior. — O que fez com eles? — ele trovejou, assim que ela levantou. — O que fiz com o quê, sr. Wakefield? Ele olhou-a feio. Angie não sabia se era porque voltara a ser formal ou pela resposta insatisfatória. — O relatório Perkins, maldição! A senhorita recusou-se a levá-lo para mim na sexta-feira, e agora não consigo encontrá-lo. — Já resolvi o assunto. Foram entregues ao sr. Perkins, para assinatura, e devem estar de volta hoje à tarde. Como sabia que estava ansioso para fechar o negócio, eu… — Se quisesse que cuidasse disso, teria lhe informado, srta. St. Clair — interrompeu-a, mordaz. — No futuro, lembre-se de que a empreguei para ser minha assistente, apenas. Se preferisse alguém qualificado para tomar as providências, teria empregado um daqueles pretensiosos recém-formados. — Sim, senhor. — Angie mordeu os lábios, sem conseguir fazer nada para esconder o rosto, que corara ainda mais. Ele ficou olhando-a feio por alguns minutos; então saiu, marchando, porta afora. Pela primeira vez desde que começara a trabalhar para Rhys, Angie estava a ponto de chorar. E ela que tinha se preocupado em envolver-se afetivamente com ele. Que ironia! Ele deixara bem claro que não havia perigo de isso acontecer. Se sentia algo, mesmo uma leve gratidão, não ficara evidente na maneira como a tratara. No momento, era uma funcionária qualquer com quem não estava satisfeito. Na ânsia de ajudá-lo, acabara ultrapassando a linha que ele erguera entre si e o resto do mundo. Não cometeria esse erro de novo. Respirou fundo e atirou-se ao trabalho, para manter-se ocupada. Pelo menos nessa área sabia exatamente o que precisava ser feito ou não.

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Rhys sentia-se um monstro. Não havia necessidade de pular no pescoço dela com as garras à mostra. Com os olhos fixos na porta fechada da sua sala, surpreendeu-se fazendo uma auto-análise e chegou à conclusão de que fora rude com Angelique porque tentava retomar o relacionamento profissional que existira entre eles antes do fim de semana. Sentia-se incomodado em saber que ela o vira na pior, doente e impossibilitado de andar do banheiro até a cama sem ajuda. Sem mencionar o sonho que tivera na noite anterior, no qual sua assistente tinha papel principal e decididamente erótico. Naquela manhã, fora para o trabalho certo de que tinha tudo sob controle, até o momento em que entrara na sala dela e a encontrara sentada atrás da mesa. Tivera a sensação de que sua mente se transformara num vazio. Ela era tão linda, meiga e desejável que sentira a boca secar de repente. Enquanto pensava em algo para dizer, ela derrubara a caneta, e a única coisa que lhe viera à mente fora o relatório Perkins. No fim, ficara bravo porque a moça tentara ajudá-lo enquanto estava doente. Sabia que Angie tinha competência para resolver aquele caso e agira como um completo idiota, especialmente depois de ela ter sido tão atenciosa na sexta-feira. Atenciosa… Imagens da atenção que ela lhe dera no sonho tomaram conta dos seus pensamentos, fazendo-o sentir-se excitado. Fazia tempo demais que estivera com uma mulher, decidiu, mal-humorado. Devia-lhe um pedido de desculpas. Engoliu em seco. A última vez que se desculpara com alguém fora há vinte e cinco anos, quando tinha quinze e tia Íris o pegara roubando dinheiro de sua bolsa. Dera-lhe um sermão e tanto, o que o fazia sorrir ainda hoje, pois a boa senhora tinha a metade da altura dele e conseguira torná-lo do tamanho de um verme, com suas palavras furiosas. Assim que terminara, ele sentira-se afogando em remorso, o queixo enfiado entre os ombros, os olhos baixos, e… pedira desculpas. Bem, ela o obrigara a se desculpar, para ser mais exato, mas fora honesto ao fazê-lo. A partir de então, tornara-se seu amigo mais devotado, pois ela fora a primeira pessoa que se importara com ele o suficiente para dar-lhe uma bronca. A enérgica assistente o fazia lembrar-se de tia Íris. E, agora, tinha de pedir-lhe desculpas. Pegou o telefone, mas colocou-o de volta. Ia desculpar-se, mas ainda não estava pronto. Mais tarde… Angie parou do lado de fora da sala de Rhys, com o coração na mão. Se existisse alguma outra maneira de fazê-lo assinar aqueles papéis… Mas June saíra para o almoço, e não seria muito profissional da sua parte enfiar os papéis por debaixo da porta. Talvez estivesse com sorte e ele não se encontrasse na sala; então, poderia entrar correndo, jogar tudo sobre a mesa, deixar um bilhete explicando e, depois, pedir a June que pegasse os documentos. Bem, fez figa e bateu na porta.

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Ao ouvir a voz ordenando que entrasse, endireitou os ombros, determinada. Não deixaria perceber como a magoara com a repreensão daquela manhã. Tratava-se apenas de trabalho. — Sr. Wakefield, preciso que assine esses papéis para o departamento de pessoal — explicou, assim que pisou dentro da sala, evitando olhá-lo. Ele assentiu silenciosamente e esticou a mão, pegando os documentos. Apesar de estar com os olhos fixos na gravata dele, sentia que a estava observando; por fim, abriu a pasta e leu rapidamente o conteúdo, antes de assinar os papéis. — Algo mais? — perguntou, ao devolver-lhe a pasta. — Não, senhor. — Ela virou-se, mal controlando a pressa, aliviada de já ter liquidado o assunto. Se, pelo menos, conseguisse sair sem… Vã esperança. — Angelique? — A voz dele soou profunda e rouca. Céus! Firmando as pernas, ela virou-se, relutante. Ele respirou profundamente. Se não o conhecesse melhor, juraria que o patrão estava nervoso. Ridículo, é claro. — Quanto ao contrato Perkins… Não de novo!, pensou, tentando não revelar o que sentia. — Desculpe-me por ter gritado — ele falou, tão rápido que parecia uma palavra só. — A senhorita era perfeitamente capaz de resolver a questão, e tenho certeza de que acabaria lhe entregando o problema de qualquer forma. Perdi o controle esta manhã e quero que me desculpe por isso. Angie sentiu que arregalava os olhos e fez um tremendo esforço para não derrubar tudo o que carregava. — Ahnn… não foi nada, sr. Wakefield… — Rhys, maldição! — explodiu ele, inesperadamente. — Por que não usa meu primeiro nome? — Ao vê-la dar um pulo de susto e gaguejar umas desculpas, ele passou a mão pelos cabelos, tentando relaxar. —Angelique, como consegue fazer eu me desculpar num instante e gritar com você no seguinte? Ele tinha de parar de chamá-la daquela forma ou ela ia acabar se derretendo aos seus pés! De que jeito Rhys fazia seu nome soar tentador, enquanto os outros homens nada conseguiam, nem mesmo usando adjetivos carinhosos? Esperando que ele entendesse a insinuação, comentou que todos a chamavam de Angie, apenas. — Meu nome — ele disse, como se ela não tivesse falado nada. —Diga! Diga meu nome, sem o “senhor”! Ele levantara e encontrava-se a menos de meio metro de distância dela. Encarava-a com intensidade enervante. Confusa com a inesperada insistência com algo tão sem importância, Angie tossiu, sentindo o rosto corar.

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— Muito bem, Rhys. Mas, se não se importa, prefiro continuar a chamá-lo de sr. Wakefield quando não estivermos sozinhos. É mais profissional. Ele assentiu, concordando, a satisfação evidente nas feições arrogantes, depois voltou para a cadeira atrás da mesa. — Mais alguma coisa, Angelique? Entendendo a mensagem, de que ele não era todo mundo, Angie percebeu que Rhys iria chamá-la como bem entendesse. — Não, senh… isto é, nada mais. Ele fez um som que parecia uma risada abafada e dispensou-a, enquanto pegava o telefone. O lado espírito de porco de Angie aflorou: numa pose militar, ela fez continência e, antes de bater em retirada, disse: — Sim, senhor! Agora mesmo, senhor! — Ereta, saiu ao som da risada do patrão. A jovem conseguiu chegar até a própria sala antes de os joelhos dobrarem, trêmulos. Desabando, sentando-se na cadeira, Angie abanou-se com a pasta. Se ele podia deixá-la naquele estado apenas sorrindo, imagine o que aconteceria se a beijasse? No meio da tarde, resolveu descer para encontrar as novas amigas e beber algo. Afinal, estava tão distraída que o dia não rendera nada. Gay e Darla achavam-se sentadas com a turma de costume. Pegando um refrigerante, a jovem foi sentar-se junto com elas, que, desta vez, ficaram menos surpresas em vê-la do que na última sexta. Até deram um sorriso cauteloso de boas-vindas. — Como está o patrão, hoje? — perguntou a curiosa Daria. — Sarou da gripe? Ninguém o viu sair da sala esta manhã. — Está tentando colocar o serviço em dia. Um fim de semana de folga e ele dá a impressão de que passou a semana toda fora. — Ela sorria, ao lembrar-se da insistência dele em chamá-lo pelo primeiro nome. — Gosta mesmo de trabalhar em contato direto com ele? — perguntou a loira que temia Rhys. Angie descobrira que seu nome era Priscilla. Avaliou a pergunta por alguns minutos. Não tinha certeza se podia ser imparcial quanto a essa questão. Não se tratava mais de apenas um emprego, e ele não era mais apenas o patrão. — Sim. Gosto — admitiu, certa de estar sendo honesta. Gostava de trabalhar com ele e, se fosse franca consigo mesma, reconheceria que gostava dele. Esse era um assunto perigoso, que poderia rapidamente se transformar em fofoca. Uma das moças trouxera fotos da família em férias e as mostrou a todas, inclusive a Angie, que percebeu ter sido aceita pelas colegas de trabalho. Apesar de não saber o que elas diriam se descobrissem a verdade sobre o pai, sentia-se satisfeita com as amizades que desenvolvera e esperava que fossem duradouras. Sentia falta de amigos, mesmo tendo se desapontado com os velhos conhecidos. 33


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Não se surpreendendo ao descobrir que Rhys trabalharia até mais tarde e que esperava que ela fizesse o mesmo para ajudá-lo, Angie concentrou-se no serviço. Com o passar das horas, acostumou-se a chamá-lo pelo primeiro nome, enquanto ele continuou a usar seu nome formal, em vez do apelido. Se não fosse por alguns olhares intensos e desconcertantes, Angie juraria que o relacionamento deles voltara a ser o que devia: de patrão e funcionária, nada mais. Quando terminaram, cansada, com fome e emocionalmente esgotada, a jovem entrou no velho carro e descobriu que o motor se recusava a funcionar. Praguejando, ela virou a chave no contato várias vezes, injetando gasolina no motor. Depois de diversos ruídos estranhos, o silêncio reinou, absoluto. Socando a direção, começou a praguejar com fé e vontade. Aquele era o pior dia para o carro resolver enguiçar. Era tarde, todos já haviam ido para casa, exceto Rhys e alguns guardas de segurança. Pedir a ajuda do patrão estava fora de questão, então resolveu tentar um dos guardas. Entretanto, o problema foi decidido sem que pudesse optar, pois, ao sair do carro, deu de cara com Rhys, que logo quis saber o que havia. — Meu carro não pega — respondeu ela, relutante, segurando a bolsa com força, em frente a si. — Ele vem ameaçando parar há várias semanas, e receio que desta vez seja sério. — Sabia que algo estava errado com o seu carro e não fez nada a respeito? — Com as mãos nos quadris, ele exigia uma resposta. — E se o carro tivesse parado num lugar perigoso, a esta hora da noite? Não agiu da forma mais inteligente! Mordendo a língua para não responder-lhe no mesmo tom, Angie apenas concordou com um assentir de cabeça. Ele apontou para o próprio carro e ordenou que entrasse, pois iria levá-la para casa. E o pior é que acrescentou que “eles” resolveriam o problema dela no dia seguinte. Furiosa com a oferta ríspida e com o uso do pronome no plural, quanto a algo que era problema dela, Angie foi obrigada a agradecer e aceitar, pois não tinha saída. Quando os dois já se encontravam dentro do carro, ele ligou o motor e virou-se para sua passageira, a fim de perguntar-lhe onde morava, mas ficou paralisado ao dar com os seios dela delineados sob o tecido azul do vestido, por causa do cinto de segurança que lhe atravessava o peito. Tentando disfarçar a situação, ele baixou os olhos, o que tornou as coisas ainda piores, pois entrou no seu campo de visão um par de pernas incrivelmente longas e delgadas, cruzadas à altura dos joelhos, onde a barra da saia terminava. Droga! Como aquela mulher era bonita! — Onde mora? — perguntou, mais ríspido do que pretendia, olhando firmemente para a frente. Ao descobrir que passava pelo bairro dela todo dia quando ia e voltava do escritório, Rhys ficou desconcertado. Seguindo as indicações de Angie, levou-a até uma casinha distante menos de um quilômetro do seu caminho para casa. 34


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Sem disfarçar o interesse, observou a casa simples, que claramente precisava de alguns consertos e não combinava com a assistente refinada, que se comportava de maneira tão sofisticada e viera da alta sociedade de Boston. Parando em frente à garagem, num tom suave, perguntou-lhe há quanto tempo morava ali. — Desde que me mudei para Birmingham. Era a casa dos meus avós. Minha avó faleceu este ano e deixou-a de herança para mim. Rhys podia notar o prazer no belo rosto, enquanto ela admirava a velha construção. Pelo jeito, sua ligação com a casa era forte. Engraçado, não a imaginara como sendo do tipo sentimental. É estranho como o amor dela pelo local o atraía ainda mais. Num impulso, sem parar para analisar o próprio comportamento, convidou-a para jantar, prometendo trazê-la de volta assim que terminassem. — Jantar? — ela repetiu, insegura. — Sim, jantar — repetiu, sorrindo. — Sabe… comida? Ele não ficou muito satisfeito com a expressão que surgiu no rosto dela. Quase podia jurar que era pânico e, antes mesmo que ela respondesse, soube que iria recusar. — Obrigada — disse, educadamente. — Fica para uma próxima vez. Foi um dia longo, e estou exausta. — Cansada demais para comer? — insistiu, ao vê-la com a mão na maçaneta da porta. — Cansada demais para comer fora — ela replicou. Rhys aceitou a derrota, pois desejava um tempo para pensar sobre o que vira nos olhos cor de violeta e descobrir o que significava a expressão de pânico. Que razão tinha para ter medo dele? Ofereceu-se para acompanhá-la até a porta, ao que ela recusou rapidamente, alegando não ser necessário. — Está bem — concordou. — Então, até amanhã… quinze para as oito? Ela olhou-o sem entender. Sempre chegava ao escritório às oito. — Quer que eu chegue mais cedo, amanhã? Ele balançou a cabeça em negativa, pacientemente. — Lembra-se de que não tem como chegar até o escritório? Pego-a às quinze para as oito, aqui… — Não há necessidade de fazer isso. Eu posso… — Está no meu caminho — interrompeu-a. — Não há problema. Angie passou a língua pelos lábios, nervosa, e Rhys teve de lutar contra o desejo de beijá-la e admitir a atração existente entre eles. — Obrigada — acabou concordando, dando um sorriso fraco. — Boa noite, sr. Wak… Ele cobriu os lábios dela com os dedos, calando-a. — Não diga — avisou-a. — A não ser que esteja preparada para sofrer as conseqüências. 35


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Sentiu os lábios macios e úmidos tremerem em contato com seus dedos. Olhando intensamente os olhos de um azul-violeta, teve certeza de que ela sabia o que significava a ameaça e que… uma partezinha dela estava tentada a experimentar. Mais uma informação na qual teria de pensar naquela noite. — O que era mesmo que ia dizer? — perguntou, depois de tirar a mão, num tom forçadamente casual. — Boa noite, Rhys — disse ela, e tossiu embaraçada. — Boa noite, Angelique — respondeu ele, sorrindo satisfeito. Só partiu depois de ter certeza de que ela se encontrava segura dentro de casa. Angelique St. Clair tinha medo dele, refletiu mais tarde, já na cama. No escritório sabia que ela não se intimidava com o patrão, mas, quando se tratava de algo mais pessoal, sentia-se aterrorizada. O que significava que Angelique sentia-se tão atraída por ele quanto ele por ela, concluiu, sorrindo.

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Gina Wilkins CAPÍTULO 5

Rhys achou graça na expressão de Angie quando ela abriu a porta, na manhã seguinte, e deu de cara com ele. Sua aparência era das mais profissionais possíveis. Usava um tailleur tão severo que estaria melhor num convento, os cabelos loiros e macios estavam puxados para trás, num coque antiquado, fazendo com que as maçãs do rosto ficassem mais em evidência do que o usual. As costas estavam tão retas e duras que se poderia colocar copos de água em seus ombros e não derrubaria uma gota. — Bom dia, Angelique. — Bom dia, Rhys — ela respondeu, após um segundo de hesitação, em que ficou desconcertada. Saiu, fechou a porta e disse: — Mais uma vez agradeço por ter vindo me pegar. — Você é bem-vinda — disse ele, acompanhando-a até o carro. Se aquela era a maneira com que ela queria brincar, então seguiria as regras. Seria tão frio, neutro e imparcial quanto Angie. Pelo menos por enquanto. A pose da bela assistente vacilou apenas uma vez ao longo daquele dia, quando Rhys informou-a de que mandara seu carro para uma oficina a fim de que fizessem uma revisão geral. Ela quis saber por que ele fizera aquilo sem consultá-la, além de informá-lo, perturbada: — Não tenho como pagar uma revisão geral! O mais provável é que não compense o gasto que vai dar. O carro é muito velho. — Não se preocupe — ele respondeu, virando a página do relatório que lia. — As providências serão tomadas. O silêncio que se seguiu foi tão longo que Rhys acabou levantando a cabeça para estudar a expressão da moça. Se o fogo nos olhos cor de violeta fosse real, refletiu com interesse, ele já teria queimado. Indagou qual era o problema. — Não quero que pague o conserto do meu carro — replicou a moça, ríspida. — Não é a minha intenção. A empresa pagará. — Sua voz era firme, como a de um patrão falando com um funcionário recalcitrante. — Como minha assistente, é imperativo que tenha um veículo confiável. O seu cargo é novo, e esqueci de autorizar um automóvel da companhia para o seu uso. A partir de hoje deve usar o que lhe for designado, tanto no que se refere a sua vida profissional como pessoal. O que vai fazer com o outro carro não me interessa. O seu cargo lhe dá o direito a um carro, como um benefício. Minha explicação acalma o seu orgulho ultrajado, srta. St. Clair? — Como quiser, sr. Wakefield —ela replicou, como rosto ainda mais corado, mas tentando manter a dignidade.

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Voltando à leitura do relatório, Rhys deu algumas ordens, e ela encaminhou-se até a porta para atendê-lo, mas, antes de sair do aposento, parou, fazendo com que ele a olhasse novamente, curioso. — Algo mais, senhorita? — perguntou, seco. Ao perceber que ela não conseguia olhá-lo, Rhys concluiu que ela sentia-se do jeito que se sentira quando lhe pedira desculpas, quanto ao relatório Perkins. — Sobre o carro — ela murmurou, enfim, — obrigada. — Foi um prazer, Angelique. Agora, por favor, telefone para o Henderson. Angie não perdeu tempo em sair, deixando-o a encarar a porta que se fechara. Balançando a cabeça, ele começou a rir. Entretanto, antes de voltar ao que lia, ficou a imaginar se algum dia entenderia sua bela e decidida assistente. Rhys voltou à rotina na semana que se seguiu: o primeiro a chegar na empresa e o último a sair. Não ocorreu nenhum outro conflito ou interlúdio romântico entre ele e Angie. Nada de convites para jantar. Ele estava dando um tempo, para ver como as coisas se desenvolviam. Se percebeu que o patrão estava temporariamente seguindo o desejo dela de manter o relacionamento em nível profissional, mas que logo mudaria de tática, ela nada revelou. Aparentemente não ocorreram mudanças entre os dois naquela sextafeira em que ele ficara doente. No entanto, ele não conseguiria explicar por que mudara o trajeto de carro quando ia para o trabalho e voltava, passando todos os dias na frente da casa dela. Descobriu mais dados sobre a assistente ao observar a pequena e simples casa. O carro da companhia quase sempre se encontrava na garagem. Pelo que notara, Angie nunca tinha visitas. As luzes estavam sempre acesas, quando passava no começo da noite. Quando saía do escritório, altas horas, ela já estava dormindo, deixando apenas uma luz acesa na sala. Será que a severa assistente tinha medo do escuro? Por que era tão solitária? Sua curiosidade ameaçava fugir-lhe ao controle. Tinha até pensado em mandar investigá-la, mas sua consciência se revoltara contra a idéia de invadir a privacidade de Angie. Mas não era simples curiosidade, estava preocupado com ela. Havia um segredo em sua vida. Exceto por tia Íris, que não estava bem de saúde nos últimos anos, nunca se preocupara com outra pessoa, até então. O que acontecera na vida de Angelique para torná-la uma reclusa? Reparara que começava a fazer amigos na empresa, mas ainda era muito solitária em casa. Tinha certeza de que a solidão não era algo natural para ela. Alguma experiência traumática a transformara. Em alguns momentos, quando ela baixava a guarda, podia notar uma expressão assombrada em seus olhos, mesmo agora, após seis meses. O que seria? Tinha medo? Será que um homem a magoara profundamente? E, ainda mais importante, esse homem ainda a interessaria? Essa era uma pergunta que costumava incomodá-lo de madrugada, quando se encontrava na cama com insônia e atormentado por imagens dela.

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Não podia continuar daquele jeito. Não importava o quão firmemente ela o mantinha a distância, ou ele tentava controlar o desejo, a tensão entre eles se tornava cada vez maior. Mais cedo ou mais tarde, iria explodir. Por um lado, estava ansioso para que isso acontecesse e pudesse descobrir o que estava acontecendo, mas, por outro lado, temia que eles não sobrevivessem intactos ao confronto. Apesar de estar ouvindo com atenção as palavras de Rhys, parte da mente de Angie achava-se hipnotizada pela maneira com que a luz indireta da sala fazia brilhar os cabelos prateados nas têmporas dele. Encontravam-se sentados um ao lado do outro no sofá no canto da sala do empresário, havia meia hora, revendo as anotações feitas durante uma reunião naquela manhã com os membros de uma consultoria. Ele achava que esclarecia suas idéias quando podia expô-las a Angie. E ela acreditava que ser uma boa ouvinte era uma das exigências do seu cargo. Sempre imaginava com quem ele costumava falar antes de tê-la contratado. — O que pensa disso? A pergunta a tomou de surpresa. Ele nunca lhe perguntara a opinião antes, por isso repetiu a questão como uma tola, fazendo-o franzir a testa em desagrado. — Foi exatamente o que perguntei. Tem uma opinião a respeito, não tem? — É claro que sim. Mas nunca quis saber o que penso — declarou ela, com ousadia. Os lábios masculinos desenharam um meio-sorriso que ela começava a antecipar com prazer. — A maioria das pessoas não espera que eu pergunte, para dar-me suas opiniões de como devo administrar o meu negócio. — Contratou-me como assistente, lembra? Se quisesse alguém com opinião, teria contratado um daqueles recém-formados pretensiosos… — Em vez disso contratei uma ex-secretária pretensiosa. — Os olhos cinzentos se estreitaram. — Nunca vai me deixar esquecer o que disse naquele dia? — Provavelmente, não — ela replicou, rindo. Rhys encarou-a por tanto tempo que o sorriso acabou sumindo do rosto bonito, fazendo com que ela se mexesse, pouco à vontade. — Tem um sorriso bonito — ele comentou, por fim. — Devia sorrir com mais freqüência. — Mudou de assunto abruptamente: — O que acha da opinião dos consultores? Perturbada pela expressão que vislumbrava no rosto do chefe, antes que ele voltasse ao assunto de negócios, Angie procurou se esforçar para dar uma resposta inteligente. Não queria que ele se arrependesse de ter pedido a sua opinião, mas sua mente se transformara num vazio. Por que tivera de olhá-la como se quisesse jogá-la sobre o ombro e carregá-la para casa? Sentiu-se salva quando a porta do escritório se abriu, num estrondo. Ninguém entrava ali sem bater antes. Quem… Um ruivo sorridente, com dentes muito brancos, 39


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simplesmente invadiu a sala, deixando Angie estupefata ao presenciar o sujeito atacar o patrão, dando-lhe no peito murros com força suficiente para derrubá-lo e gritando insultos. Ficou ainda mais pasma quando percebeu que Rhys não se incomodava e parecia até estar gostando. Observando-o, entrou em estado de choque ao ver o sorriso que se abriu no rosto dele, e seu corpo todo estremeceu. Meu Deus!, pensou, sem ar. Se alguma vez Rhys sorrir assim para mim, estou perdida! — O que está fazendo por aqui? — Rhys perguntou ao estranho. — Negócios. Teria telefonado antes, mas fiquei sabendo que vinha de última hora. Não podia deixar de vê-lo. — Teria cortado sua cabeça se não aparecesse para uma visita, idiota! — replicou Rhys, só então lembrando-se da presença de Angie. Ao virar-se para ela, corou ao perceber-lhe a expressão surpresa. — Graham, quero apresentar-lhe minha assistente, Angelique St. Clair. Esse é Graham Keating, um velho amigo do tempo do Exército. Angie cumprimentou-o educadamente, estendendo a mão, que desapareceu dentro da enorme mão masculina. O homem inspecionou-a da ponta dos cabelos à ponta dos pés, enquanto dizia: — Bem… Bem… — Como pode perceber, Graham gosta muito de conversar — observou Rhys, secamente. — Cala a boca, Rhys! — Sem tirar os olhos de Angie ou soltar-lhe a mão, ele replicou num tom macio: — Como uma garota bonita e simpática veio trabalhar para um filho da mãe como Rhys, Angelique? — Angie — corrigiu Rhys, antes mesmo que a jovem pudesse responder à pergunta brincalhona. Ela olhou-o interrogativamente, mas ele ainda encarava o amigo. — Todo mundo a chama de Angie. Todo mundo menos Rhys, Angie completou mentalmente. — O nome combina: Angélica, anjo… — Com a mão livre, Graham tocou os cabelos dourados. — Um dia gostaria de pintá-la. Rhys já estava rosnando, além de olhá-los feio. — A única coisa que sabe pintar é paredes de estábulos! — Cala a boca, Rhys! Não vê que estou tentando seduzi-la? Já era a segunda vez que aquele homem mandava Rhys calar a boca, refletiu Angie, e ele ainda estava de pé. Surpreendente! Ela tentou libertar a mão, mas só conseguiu ser puxada mais para perto do amigo excêntrico do patrão. — Então, rosto de anjo, gostaria de jantar comigo esta noite? Estou sozinho na cidade. Não tem pena de um visitante solitário, sem saber onde comer? Era impossível não gostar dele! O riso nos olhos verdes contagiava. Era um homem atraente, mas Angie não conseguia deixar de compará-lo a Rhys e achava o patrão muito mais fascinante, ia recusar o convite quando mais uma vez ele adiantou-se. Passou o braço 40


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por seus ombros, puxou-a para trás, colando-a a si. Sem mesmo saber como fora parar grudada a Rhys, ela olhou-o surpresa e percebeu que o sorriso desaparecera das feições marcantes, que se haviam transformado numa carranca. — Sinto muito, Graham, mas ela não está livre para jantares ou sedução! Apesar de as palavras terem sido ditas num tom brincalhão, não havia dúvidas quanto ao seu significado. Graham olhou de Rhys para Angie e depois voltou a observar o amigo. Com seu entusiasmo característico, passou o braço sobre os ombros de Rhys, incluindo Angie no abraço de urso. — Não se preocupe, que entendi o recado, amigo! Tenho de reconhecer o seu bom gosto, Rhys. Ela é um tesouro. Beleza e inteligência. Angie, querida, faça-o tratá-la bem. Se começar a agir de maneira ofensiva, avise-me, que o coloco na linha. Ele soltou-os abruptamente, dizendo que tinha de estar em uma reunião em menos de meia hora. — Até a próxima, companheiro — declarou, saindo correndo. — Graham, espere! — gritou Rhys, indo atrás do amigo. — Por que não janta conosco esta noite? — Não posso. Tenho de estar de volta em Houston ainda hoje, mas obrigado pelo convite. — Então, que história era aquela de jantar com Angie? — Oh, isso — começou Graham, sorrindo pretensiosamente —, só queria saber o que faria se eu cantasse a sua garota. Estava pronto para avançar no meu pescoço, heim? Já não era sem tempo! — comentou, saindo e fechando a porta atrás de si. Angie e Rhys permaneceram na mesma posição por um momento, até que ela se desvencilhou e, sentindo-se como se tivesse sobrevivido a um tornado, exigiu saber o que fora aquilo. Rhys passou a mão pelos cabelos, exasperado, ao mesmo tempo que tentava dar um sorriso. — Aquele é um lunático barulhento, sem tato, chauvinista e algumas vezes arrogante. Ele também é generoso, tem coração mole, é corajoso e confiável. É o melhor amigo que já tive, ou melhor, meu único amigo — confessou, honesto. Emocionada com a confissão, Angie quase fraquejou; mas reagiu: — Por que quis que seu amigo pensasse que eu e você… que nós… — Rhys tossiu, sem saber o que dizer. Enfiou as mãos nos bolsos, deu de ombros e declarou que fora para protegê-la. Incrédula, Angie sentia que estava perdendo controle, enquanto Rhys explicava: — Gosto muito de Graham, mas ele é… um mulherengo, tem uma péssima reputação. — E quem pensa que é, para proteger-me de Graham ou qualquer outro? — Ela olhava-o feio, com as mãos nos quadris, batendo um pé no carpete de maneira irritante. — Não gostei nem um pouco do que fez! Sou perfeitamente capaz de tomar conta de mim.

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Além do que —ela ficava mais brava a cada minuto que passava —, e se eu quisesse sair com ele? Mesmo nas fantasias mais loucas, Angie não imaginara o quão potente o beijo de Rhys poderia ser. Nem sequer o vira mexer-se e, no momento seguinte, encontrava-se em seus braços, segura firmemente, e os lábios dele apoderando-se dos dela. Como não havia muito que pudesse fazer, agarrou-se ao paletó dele, com a impressão de que o escritório, anteriormente tão sossegado, fora tomado por um vendaval. O beijo nada tinha de delicado: ao contrário, era tempestuoso. Nunca fora beijada daquela forma. Com um gemido abafado, ela abriu os lábios para a língua insistente, sentindo-se incapaz de não corresponder. Fantasiara aquele instante por tempo demais e podia sentir o calor do corpo masculino através dos tecidos. O corpo que assombrava seus sonhos desde que ele estivera doente. Os lábios dele eram quentes, hábeis e incrivelmente macios. Não imaginara que poderiam ser tão maravilhosos. E as mãos… firmes, grandes e possessivas, que acariciavam lentamente suas costas, fazendo-a tremer e querer mais. O desejo, cada vez mais intenso, fez com que ela se afastasse dele, receosa de cometer alguma tolice. Ficaram se encarando por um longo e intenso segundo. Finalmente, trêmula, ela conseguiu perguntar-lhe por quê. — Se não sabe, então não é tão inteligente quanto imaginei — ele replicou, numa voz rouca, irreconhecível. Suas palavras e seu olhar fizeram com que ela recuasse. — Rhys, não. Não quero. Não posso… — Ela levantou as mãos como que para mantêlo a distância. — Não posso envolver-me. Não dessa maneira. Apenas trabalho para você e quero manter o nosso relacionamento em nível profissional. Levantando a cabeça, ele olhou-a, ameaçador, certamente ofendido pelo pânico em sua expressão. — Relaxe, Angelique. Nunca precisei forçar uma mulher e não vou começar agora. Quis me beijar tanto quanto eu quis beijá-la… e correspondeu. — Não pode acontecer de novo — declarou ela, com a voz mais firme e adquirindo confiança. — Não, se me quer trabalhando para você. Espero que possamos continuar aqui juntos, como antes, e que esqueçamos o que aconteceu. Ao perceber como ele se isolava e se distanciava de novo, de repente, foi que Angie tomou consciência de como Rhys mudara sua atitude para com ela nos últimos seis meses. Ele amolecera. A única outra pessoa com quem ele se descontraía era o homem que chamava de amigo. Sentiu uma pontada de dor ao perceber o que perdera. Não podia se dar ao luxo de ter um caso com o patrão. Teria de esquecer o que acontecera. Já sofrera demais para se permitir um relacionamento destinado a dar errado. — Bem, se é assim que quer, não vejo por que não poderíamos continuar a trabalhar juntos — ele replicou friamente. Seu rosto era inescrutável. — De fato, temos muito

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trabalho a fazer. Gostaria que marcasse uma reunião com todos os chefes de departamento. Peça a June que lhes envie memorandos… Angie anotou o resto das instruções, com o rosto sem expressão. Sabia que ninguém adivinharia pela sua aparência que seu coração sangrava. Se estava tão magoada agora, imagine como ficaria se tivesse deixado a situação evoluir? — E, srta. St. Clair, faça tudo o mais rápido possível. — Sim, senhor — ela garantiu, firme, apesar de sentir a garganta apertar quando notou a volta da formalidade. Não percebera como gostava de ser chamada de Angelique, até que ele parara de fazê-lo. Rhys ficou sozinho, parado no mesmo lugar, assim que ela saiu. De repente virou-se e socou a parede mais próxima. Estava cansado de lutar contra um inimigo desconhecido. Pretendia descobrir exatamente quais eram as suas chances com Angelique St. Clair. Pegou o telefone e deliberadamente discou o número de um detetive que contratara no passado. Na semana seguinte, Rhys viajou a negócios. Coube a Angie a responsabilidade de cuidar do escritório, resolver o que fosse possível, entrar em contato com ele quando necessário e contemporizar no que fosse preciso, até que voltasse. Ela deu graças a Deus, tanto pelo trabalho quanto pela ausência dele. Precisava daquele tempo para recuperar o equilíbrio, algo que não conseguia desde o beijo. A tensão entre eles se tornara dolorosamente incômoda, apesar de ambos não deixarem que isso interferisse nos negócios. A formalidade fria com que Rhys a tratava só a fazia lembrar o beijo que haviam trocado. Sentia falta das brincadeiras, dos sorrisos, das conversas e do relacionamento tranqüilo que tinham desenvolvido ao longo dos seis meses. Sentia saudade dele. Não andava dormindo bem, seu apetite desaparecera e no geral sentia-se péssima. Estava até pensando em procurar outro emprego, se bem que duvidava que fosse achar um que pagasse tão bem e fosse tão interessante. Não acreditava que muitos empresários se arriscariam a empregá-la, como Rhys fizera. Mas como podia continuar ali, se desconfiava estar a ponto de se apaixonar pelo patrão? Como podia manter distância dele, quando sentia vontade de derreter-se em seus braços? Devia estar satisfeita com sua ausência, mas nem conseguia entrar em seu escritório. Sabia que estava se aproveitando da amabilidade de June, pedindo-lhe a todo momento algo que lá se encontrava, mas era doloroso demais encontrar a sala vazia. Para compensar, passara a ser especialmente simpática com a secretária, que com isso se tornara mais cordial. June, que era extrovertida e boa companhia, afeiçoou-se a Angie, passando a trazer-lhe presentes como bolinhos feitos em casa e a repreendendo por estar emagrecendo. 43


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— Está trabalhando demais. Devia informar ao sr. Wakefield que é humana, precisa de tempo para descansar e comer. Humana. Esse era o problema. Imaginava o que a outra diria se soubesse que ela sofria de um caso sério de desejo pelo patrão. Naquela tarde Rhys ligou para discutir o desenvolvimento das negociações, tomando o cuidado de não referir-se a ela pelo primeiro nome. Pelo menos não voltara a chamá-la de srta. St. Clair de maneira sarcástica, como no dia em que discutiram. Ao desligar o telefone, percebeu, horrorizada, que chorava. Secou as lágrimas, determinada a não demonstrar o que sentia e a retomar seu controle. No começo da noite, naquele mesmo dia, Angie brincava com Florzinha, quando a campainha tocou. Ela levantou a cabeça abruptamente e olhou a porta como se assim pudesse descobrir quem se encontrava do outro lado. E se fosse… É claro que não poderia ser. Rhys só voltaria na tarde do dia seguinte. E, mesmo que tivesse chegado antes, não iria… Ou iria? Ela não sabia ao certo se ficou desapontada ou aliviada ao descobrir que o visitante era o pequeno Mickey. — Oi! Como vai? — perguntou, dando um sorriso tão largo quanto o do garoto. — Ganhei um relógio novo. Mamãe disse que poderia vir mostrar-lhe. Não é legal? Tem uma calculadora, um alarme, diz a data e bipa a cada hora completa. Meu avô que deu! Angie admirou o presente com o entusiasmo esperado e convidou-o a entrar. — Mamãe disse que eu não poderia demorar. Onde está… Olhe ela ali. Oi, Florzinha! — Mickey passou por Angie e, ajoelhado no chão, começou a brincar com a.gatinha. — Ela está crescendo! Ela concordou e percebeu que o menino olhava esperançoso para a cozinha. Entendendo a indireta, convidou-o a comer biscoitos. Ele abriu um sorriso onde se notavam quatro dentes faltando e aceitou a oferta. — Já jantou? — Comi um cachorro-quente e batatas fritas. Angie, então, levou-o para a cozinha e serviu-lhe um copo de leite com biscoitos. Com a boca cheia, ele observava Angie com curiosidade. — Não está doente, não é, Angie? — indagou, assim que engoliu. — Não. Estou bem — respondeu ela, surpresa. — Por que pergunta? — Não sei. Parece estranha — comentou ele, dando de ombros e pegando mais um biscoito. — Por que nunca tem ninguém aqui a não ser você, Angie? Não tem amigos? Não se sente só? — Você é meu amigo. — Angie orgulhou-se de conseguir continuar sorrindo. — Tenho amigos no trabalho, mas às vezes me sinto solitária, como todo mundo que mora sozinho. Por isso gosto tanto das suas visitas. 44


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A campainha tocou e, olhando para o teto, exasperado, Mickey afirmou que era sua mãe. Ele estava certo. Kim, a mãe do garoto, se encontrava à porta querendo saber se o filho estava atrapalhando. Angie garantiu-lhe que não e que apreciava as visitas do menino. Já encontrara a vizinha várias vezes e, apesar de não terem conversado muito, simpatizara com ela. — Você é muito paciente com ele. Sei que Mickey é uma peste quando quer! — Puxando o garoto para fora, disse: — Venha, Mick. Seu avô quer sua companhia quando nos visita. — Ela olhou Angie. — Gostaria de jantar conosco amanhã? Será um prazer. — Obrigada, mas não posso. É a festa de despedida do vice-presidente da empresa em que trabalho, e terei de comparecer. Quem sabe um outro dia — Angie sugeriu, timidamente. — Eu telefono. Vamos embora, Mickey. O garoto hesitou e então, num impulso, abraçou Angie pela cintura e agradeceu os biscoitos. Sabendo que o amigo estava preocupado com sua solidão, ela retribuiu o abraço, emocionada, depois fechou a porta devagar, tentando lembrar quando fora a última vez que recebera um abraço. Fora tão bom! Será que algum dia receberia um abraço do próprio filho? No momento as perspectivas não eram muito promissoras. Teve de dizer a si mesma que era apenas por coincidência que justamente naquele momento pensara em Rhys. Iria vê-lo na tarde seguinte. Estava pronta e tinha tudo sob controle. Cruzou os dedos, para garantir, e foi preparar o jantar.

CAPÍTULO 6

Rhys permaneceu em pé no umbral da porta da sala de Angie por vários minutos, antes que ela levantasse a cabeça e o visse. Aproveitou a oportunidade para observá-la à vontade. Não se esquecera do quanto era bonita, mas nunca cansava de olhá-la. Os cabelos macios estavam soltos pelos ombros, algo que raramente ocorria. O vestido era mais esportivo do que os sérios tailleurs que costumava usar. O tom de azul do tecido acentuava o rosado de sua pele. Provavelmente já viera preparada para a festa de despedida de Atwood, no fim do dia. Com certeza não teriam chance de ir para casa trocar de roupa, pois tinham muito trabalho para colocar em dia. Sentira saudade dela durante a semana em que estivera fora. Até então não percebera que Angelique tornara-se uma parte integrante de sua vida nos últimos seis meses.

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Assim que chegara ao escritório encontrara um envelope “pessoal” sobre a mesa. Não havia remetente, mas logo que abriu soube de quem era. Hesitara em ler o relatório, mas não mudara de idéia. Precisava descobrir sobre o passado de Angie e os fantasmas que a atormentavam. Acima de tudo, queria saber por que ela achava que não podia se envolver e se ele tinha alguma chance. Bem, agora já sabia! Ainda estava na dúvida se queria tomá-la nos braços ou colocá-la sobre os joelhos e dar-lhe umas palmadas. Será que realmente acreditava ser importante o fato de ter o pai na prisão? Sabia que ela não fora considerada cúmplice, havia sido apenas ingênua. Quem a conhecesse, jamais poderia culpá-la de algo no gênero. Gostaria de poder dizer-lhe tudo o que pensava a respeito, mas não podia. Ainda não. Não até ter a sua confiança. Mais cedo ou mais tarde acabaria conseguindo. — Oi, Angelique… Ela levantou a cabeça, rápida. O rosto corou ao lembrar-se da última vez que tinham se visto. E, antes de que se lembrasse de ser mais formal, exclamou, contente: — Olá, Rhys! Satisfeito em ouvi-la, ele sorriu, Já era tarde demais quando ela percebeu o que dissera, mas apenas um leve tremor de lábios traiu sua frustração. Calma, indagou sobre a viagem. — Foi boa. Está linda hoje! Gosto dos seus cabelos soltos. Era óbvio que ela não esperava por uma resposta daquela. Ele observou-a passar a língua pelo lábio e sentiu a garganta apertar-se diante de um gesto tão inconscientemente erótico. Durante a semana que passara, fora atormentado pela lembrança do gosto dos lábios doces dela. — Ahnnn… obrigada… — murmurou a moça. — Não há de quê. Tem tempo para me pôr a par do que aconteceu enquanto estive fora? — Diante da resposta positiva dela e de sua óbvia pressa em liquidar o assunto, ele acrescentou: — Não precisa se apressar, temos a tarde toda para isso. Rhys teve vontade de rir diante do desconforto dela. Pelo jeito, sua assistente não sabia o que fazer com um patrão tão amigável. Entretanto, durante a tarde, não fez outros comentários do gênero. Trataram apenas de negócios. O plano consistia em avançar e recuar, fazendo com que ela se sentisse segura com ele. Desconfiava que se avançasse demais iria fazê-la fugir, em pânico. Como ambos haviam previsto, trabalharam até o início da festa. Sem que Rhys se desse conta, Angie escapuliu e desceu antes que pudesse acompanhá-la. Quinze minutos mais tarde, ele desceu, certo de que ela não quisera entrar no salão acompanhada pelo patrão. Exasperado, exortou-se a ter paciência. Sua hora chegaria. Angie ficou satisfeita ao perceber as manifestações de amizade que recebeu ao entrar no salão. Não sabia como acontecera, mas acabara sendo aceita pelos funcionários da empresa. Até os engenheiros dos quais recusara os convites para sair mostravam-se 46


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simpáticos. Um deles até lhe ofereceu um drinque e, quando explicou-lhe que não bebia, ele não se ofendeu e, sorrindo, foi lhe buscar um suco de frutas. Ela aceitou a bebida com um sorriso e acabou se distraindo, pois Gay e Darla se aproximaram, arrastando os respectivos maridos para serem apresentados, num clima descontraído e alegre. Como não comera nada desde o café da manhã e o suco de frutas era uma delícia, aceitou um segundo copo, assim que terminou o primeiro. Mais tarde tentaria pegar algum salgadinho para comer. Absorvida pela conversa com os amigos, não percebeu os olhares satisfeitos e maliciosos que os engenheiros trocavam. Mesmo enquanto conversava com os colegas, Angie estava intensamente consciente do olhar fixo de Rhys, que se encontrava do outro lado da sala, conversando com alguns empresários. Seu olhar chegava a tocá-la fisicamente e sua expressão era clara. Desejo. Rhys Wakefield decidira que a queria, e o que desejava, geralmente, conseguia. Tentando ignorá-lo, Angie tomou um longo gole de suco. Rhys não era muito de festas, só as freqüentava quando absolutamente necessário, como naquela noite. Em geral, ia aos eventos, dizia algumas palavras adequadas e desaparecia à francesa. Naquela noite, não adotara seu procedimento usual e ficara a observar Angie. Ela era linda, e ele não era o único que reparara nesse fato. Todos os homens solteiros, e alguns casados, a rodeavam. Parecia que, agora que começara, Angie decidira se dar com todo mundo. Era espontânea demais para manter distância das pessoas. Cedo ou tarde perceberia que os erros de seu pai não importavam e então estaria pronta de novo para voltar a viver de fato. Não se iludia, achando que Angie ficaria com ele quando isso acontecesse, pois tinha pouco a oferecer. Era velho e solitário demais para ela, além de inapto no que se referia a relacionamentos pessoais. Mas, se ficasse com ele agora, enquanto ainda estava ferida e magoada, bem, então talvez quando ela o deixasse não sentiria tanto, teria tido seu amor… Atwood agradeceu a festa, e Rhys presenteou o homem que se aposentava com um relógio de ouro e, como de costume, discursou desejando-lhe felicidades. Quando voltou a observar Angie, franziu o cenho em desagrado, reparando no comportamento suspeito dos três engenheiros que havia mais de uma hora faziam-lhe companhia. Sabendo do problema dela com bebida e notando como eles não a deixavam de copo vazio, resolveu verificar. Antes mesmo que chegasse perto, foi detido por vários de seus diretores que queriam discutir algum assunto de trabalho. Quando finalmente conseguiu cruzar a sala, vários minutos haviam se passado. Ao observar Angie de perto, teve as suspeitas confirmadas. Seus olhos brilhavam, estava corada e ria mais do que o normal. A eficiente e distante assistente estava bem mais do que um pouco “alta”. Aproximando-se, pôde 47


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ouvi-la recusar o convite de um dos engenheiros, de levá-la para casa. Quando parou ao seu lado, ainda ouviu outro convite ser recusado. Pensou, satisfeito, que Angelique não era uma bêbada tão “amigável” quanto receara. Tocou o ombro dela, querendo saber se estava gostando da festa. — Oh, sim — replicou com um sorriso meio vago. — E você? — Hum… — murmurou, prestando atenção nos engenheiros que ficaram preocupados quando Rhys se dirigiu a eles. — Talvez a srta. St. Clair tenha se esquecido de mencionar que não bebe, não é, senhores? Um deles, que já tinha um copo pronto para Angie, empalideceu, confirmando as suspeitas de Rhys. Os três homens estavam se divertindo em deixar a assistente executiva bêbada. — Oh, mas contei para eles, Rhy… sr. Wakefield — ela assegurou, tocando o braço dele. — É apenas suco de frutas. Ele segurou-a pela mão, enquanto olhava furioso para os pálidos subordinados. Com delicadeza, informou-a de que haviam colocado álcool na sua bebida, que estavam brincando com ela. Angie olhou para o copo vazio e depois para os três sorumbáticos rapazes que se encontravam a sua frente. — E eu que pensei que estava ficando tonta por falta de comida— gemeu, morta de vergonha. Vendo June um pouco mais adiante, Rhys pediu-lhe que fizesse o favor de acompanhar Angie até a entrada, que ela não estava sentindo-se bem e que a levaria para casa. — Vamos, querida — concordou June, de imediato. — Meu Deus, como está pálida! Sabia que estava trabalhando demais essa semana —repreendeu, enquanto levava Angie até a entrada. Rhys aguardou que as duas se retirassem, para indicar aos três engenheiros que deveriam acompanhá-lo até um canto mais reservado. Ciente dos olhares curiosos em sua direção, manteve o tom de voz baixo ao dizer o que pensava do comportamento dos três, que, no final, aliviados por ainda terem emprego, escapuliram assim que o patrão se despediu e deixou o salão. June eslava no meio de um sermão sobre trabalhar demais e nenhum momento de descanso ou diversão, quando Rhys foi pegar Angie. — Os dois são iguaizinhos — ela continuou, ao ver o patrão. — Deveriam se cuidar! Faça com que ela coma alguma coisa e descanse, senhor. — Farei isso, June. Obrigado por ter ficado com ela. — Não foi nada. Boa noite, senhor. Boa noite, Angie. — Boa noite, June. Obrigada. — Com os olhos pesados, ainda conseguiu dar um sorriso fraco para a secretária. Ao sentir o braço de Rhys mantendo-a firme, pois começava a oscilar, olhou-o agradecida e apoiou-se nele.

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— Rhys, estou terrivelmente cansada, além de me sentir uma idiota. Leve-me para casa, por favor. — Não se preocupe, Boston — replicou ele, passando um braço pela cintura dela. — Não sabia o que estava acontecendo. Fazendo uma careta ao perceber o olhar de June, que ainda se encontrava por ali, ele pegou a bolsa de Angie e saiu, mas mesmo assim percebeu no rosto da secretária um sorriso aprovador. Rhys colocou Angelique no carro e prendeu seu cinto de segurança, tentando parecer o mais impessoal possível. Só Deus sabia por quanto tempo ainda agüentaria manter aquele tipo de comportamento nobre. Não precisava ter se preocupado com seus pensamentos pouco inocentes, pois, nem bem saíram do estacionamento, Angie já se encontrava profundamente adormecida. Enquanto dirigia, Rhys lançava olhares avaliadores na direção da sua passageira. Notou que ela havia perdido peso na última semana. Pelo jeito não andava comendo direito nem dormindo bem, pois, apesar da posição pouco confortável, dormia como uma pedra. Será que passara as noites atormentada por lembranças do beijo que haviam trocado e fantasias sobre o que poderia ter acontecido? Ou será que ele estava se iludindo? Passou pela casa dela sem nem mesmo diminuir a velocidade do carro. Sabia que deveria deixá-la ali, mas, no estado em que estava, achava melhor que não ficasse sozinha. Angelique nem acordou, quando Rhys carregou-a para dentro da casa dele. Era tão pequena, pensou surpreso, mal sentindo seu peso ao subir a escada. Aconchegada ao largo peito, parecia tão frágil e delicada que ele sentiu-se tomado por uma estranha e primitiva emoção. Ajeitou-a na cama, acariciou seus cabelos e chegou à conclusão de que queria protegê-la. Não sabia lidar com o que sentia e sabia que sua jovem e independente assistente não veria com bons olhos aquele tipo de sentimento. No entanto, era como se ela lhe pertencesse, e devia cuidar do que era seu! Tirou os sapatos dela, mas hesitou quanto ao resto. O vestido, apesar de bonito, não parecia ser muito confortável para dormir. Como se concordasse com ele, ela franziu o cenho, sem, no entanto, acordar. Tentando não pensar, Rhys levantou-a e baixou o zíper do vestido. Ela se mexeu, mas não protestou. Sabendo que não estava sendo muito gentil, ele tirou o vestido dela, as meias, a cinta-liga. Seu controle começava a fraquejar. Nobreza não era uma das suas características mais fortes. Sem conseguir resistir, observou-a por algum tempo antes de cobri-la com o lençol. Ela era elegante. A pele sedosa, as pernas longas e macias tinham a perfeição da porcelana. Os dois pedacinhos de renda rosada que usava como roupa de baixo deixavam pouco à imaginação. Gemendo de desejo reprimido, doloroso, ele puxou o lençol sobre ela, inclinando-se para ajeitá-lo. Angie murmurou algo e abriu as pálpebras pesadas, revelando os olhos cor de violeta, fora de foco, a centímetros dos dele. 49


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A última vez em que tinham estado naquela posição, ele é que estava deitado e ela se inclinava. Lembrava-se que desejara beijá-la daquela vez. Queria beijá-la agora, também. — O que está fazendo? — ela perguntou, num tom meio pastoso. — Colocando-a na cama — respondeu ele, bruscamente. — Volte a dormir, Angelique. — Vai me dar um beijo de boa-noite? — perguntou ela, observando os lábios masculinos, antes de fitar-lhe os olhos. Rhys sentiu uma onda tão violenta de desejo que quase o sufocou. Limpando a garganta antes, confessou que pensara a respeito. — Oh! — Ela considerou a resposta por um segundo, antes de dar um sorriso brilhante e levantar o rosto num convite. — Por que está demorando tanto? — Não é uma boa idéia, Angelique. — Ele estava cada vez mais próximo dos lábios entreabertos. — Mentira. Já lhe disseram que beija muito bem? — Não ultimamente — ele conseguiu murmurar, sentindo a boca secar. Passando os braços pelo pescoço dele, Angie pediu-lhe que a beijasse ao puxá-lo contra si. — Se lembrar disso amanhã, vai querer cortar o meu pescoço — ele falou, ainda resistindo. — Mas sou eu quem estou pedindo! — reclamou ela. — Beije-me e não pense no amanhã… — Algo me diz que não fará muita diferença… — murmurou ele, no fim da força de vontade. Chegando à conclusão de que nada tinha de nobre e que esse jamais fora o seu estilo, Rhys tocou os lábios delicados com os seus. Então, sem saber como acontecera, viu-se na cama, colado a Angelique, as pernas presas ao lençol que os separava, os braços ao redor um do outro e as línguas a se tocarem com ardor. O beijo que haviam trocado antes fora intenso, apesar da resistência de Angie, mas o que compartilhavam no momento ia muito além, pois as inibições dela haviam sido esquecidas devido à bebida e à exaustão, além de se encontrarem na intimidade do quarto e não no ambiente austero do escritório. Sabia que seria daquela forma quase que desde a primeira vez que encontrara os olhos cor de violeta a fitá-lo, quando ela achava que seria recusada como candidata ao cargo de assistente. Por seis meses ficara lembrando a si mesmo as mil razões para que o envolvimento entre eles não ocorresse. Por seis meses tentara se interessar por outras mulheres, apenas para descobrir que seus pensamentos viviam voltando para Angelique. Por seis longos e frustrantes meses a desejara, sabendo que não podia tê-la. E agora ela se encontrava em seus braços, pronta e receptiva. Naquela noite iria possuí-la e parar de se atormentar com fantasias e com a loucura de ficar imaginando como seria fazer amor 50


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com ela. Naquela noite iria descobrir se era tão sensacional como previra. E talvez, apenas talvez, a deixaria ir embora na manhã seguinte, depois que estivesse saciado. Talvez a posse o libertasse da obsessão que sentia. Descendo a boca dos lábios úmidos e trêmulos para o pescoço alvo, ele ouviu-a murmurar seu nome com ardor, ao mesmo tempo que se ajeitava para melhor recebê-lo. Com uma das mãos sobre um seio, podia senti-la incentivando-o a beijar o bico rosado mesmo sobre a renda. Ela ergueu o corpo, numa entrega completa de quem deseja e confia. Confia? Rhys hesitou uma fração de segundo para se em seguida gemer, praguejar e afastar-se dela. Lamentando, surpresa, Angie tentou puxá-lo para si, ao mesmo tempo que o chamava. Oh, Angelique, pensou, não faça isso. Ele se levantou com pressa, como se os lençóis estivessem em chamas. — Volte a dormir — ordenou secamente, recusando-se a olhá-la. — Não é isso que quer, e não posso aproveitar do lato de você estar bêbada… Sem dar tempo a Angie de protestar, dirigiu-se à porta com passos longos. Nem olhou para trás, verificando se era obedecido. Saiu do quarto, desceu as escadas e foi direto para o bar. Nunca precisara de uma bebida tanto como naquele momento. Sabia que se tratava de um pobre substituto para Angelique, mas era o melhor que podia fazer nas circunstâncias. Odiava aquele sentimento de nobreza que o forçara a se afastar, pensou selvagemente, enchendo um copo de uísque. — Oh, Deus! — Angie sentou na cama, a cabeça latejava e ela esforçava-se ao máximo para o enjôo passar. Tinha a absoluta certeza de que ia morrer, só não sabia se o fim estava próximo ou não. Cuidadosamente baixou as mãos que cobriam o rosto e abriu um olho. Foi então que arregalou os olhos, em horror, quando o ambiente em que se encontrava entrou em foco. Aquele não era o seu quarto! Mas era um que parecia familiar. Gemendo alto, o que fez sua cabeça começar a latejar de novo, cobriu o rosto com as mãos, certa de que ia vomitar. Estou na cama de Rhys Wakefield, vestida apenas com a calcinha e o sutiã!, pensou, horrorizada. Aqueles malditos, deliciosos, refrescantes e inocentes sucos de frutas! Como fora idiota! Uma estúpida confiante! Sua fúria logo achou alvo melhor que não ela mesma: os engenheiros. Como tinham tido a coragem de enganá-la, mentir e se divertir à sua custa? Infelizmente era frustrante ficar brava com pessoas que não se encontravam por perto. Precisava de alguém com quem pudesse gritar… Rhys Wakefield! Uma memória vaga de beijos ardentes e vorazes atormentavam-na ao colocar o vestido que encontrara caprichosamente dobrado sobre a cadeira, perto da cama. O que 51


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será que tinha acontecido? Infelizmente, ou felizmente?, não conseguia lembrar de nada. O que mais a perturbava era ter se esquecido dos detalhes. Ia dizer-lhe exatamente o que pensava de um homem que se aproveitava de uma mulher indefesa, em especial quando sabia por que isso acontecera. Nem que perdesse o emprego, diria o que ele merecia. Desceria as escadas e… Ela parou imóvel assim que saiu do quarto. A porta em frente ao quarto em que estava encontrava-se aberta. Estivera a ponto de cometer um erro pior do que confiar nos engenheiros na festa. O quarto do outro lado do corredor tinha menos móveis do que o do dono da casa. Apenas um armário e uma cama, sobre a qual, esparramado e ainda vestido, encontrava-se Rhys, dormindo. Mesmo no estado deplorável em que se encontrava, Angie viu que era óbvio que ele não se aproveitara dela na noite passada. “Rhys, Rhys, por favor.” A lembrança de que pedira beijos e muito mais fez Angie ranger os dentes. Corada de embaraço, reconheceu que se oferecera a ele, e só não tinham ido até o fim porque Rhys afastara-se. Em vez de descontar sua raiva nele, devia lhe agradecer, o que era ainda pior e irritante. Tomando o maior cuidado possível para não acordá-lo, ela saiu do quarto e foi direto para o banheiro; no armário, sabia que encontraria um vidro de aspirina. Tomou dois comprimidos, penteou os cabelos com os dedos. Voltou ao quarto de Rhys à procura do telefone, queria chamar um táxi e ir embora antes que ele acordasse. Sabia que não estava sendo muito corajosa, mas não se importava. Não havia dado nem dois passos quando deu de cara com ele, no umbral da porta. — Bom dia, Angelique. As pessoas não morrem de ressaca, muito menos de vergonha, lembrou a si mesma, tentando aparentar alguma dignidade. — Bom dia, Rhys. — Não vou perguntar como está — começou ele, depois de observá-la com atenção —, pois é óbvio. Um pouco pálida, mas sobreviveu. — Não acredito que tenha visto meus sapatos, ou viu? — Debaixo da cama. Fiquei com medo que se levantasse no meio da noite e tropeçasse neles. — Oh… obrigada — murmurou, certa de que seu rosto apresentava um tom interessante de vermelho. Começou a se abaixar, quando Rhys impediu-a, rindo. Disse que faria aquilo, pois não sabia se a cabeça dela agüentaria. Agradecida, pois tivera sérias dúvidas a respeito, Angie não protestou. Se tivesse conseguido abaixar-se, provavelmente não levantaria sem ajuda. — Tomou alguma coisa para a dor de cabeça? — Rhys perguntou, enquanto a observava colocar os sapatos. Diante da resposta afirmativa dela, comentou: — Daqui a pouco deve fazer efeito. Vai se sentir melhor depois de comer alguma coisa. 52


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— Não tenho fome — replicou, sentindo o estômago revirar. — Claro que tem, só não sabe ainda. — Puxou-a pelo braço porta afora. — Vou preparar o café da manhã. — Não, Rhys. Não quero. Não poderia comer nada. — Quando foi a última vez que comeu? — Bem — tentou lembrar —, tomei café da manhã ontem. Meio sanduíche e suco de laranja… — Não é à toa que ficou bêbada ontem. Por que não almoçou ou jantou? — Na hora do almoço trabalhei para deixar tudo pronto para sua volta e depois trabalhamos até a hora da festa — replicou ela, na defensiva. — Quando foi a última vez que você comeu? Ele parou no meio da escada e, relutante, admitiu que fora o café da manhã no dia anterior. Sorriu, depois passou a rir. — Somos um par e tanto, não? Vamos, Boston. Preparei café para nós dois. Pode confiar. Não vai ficar doente com a minha comida. Confiar nele? Como poderia deixar de fazê-lo depois do que acontecera na noite anterior? Não só a salvara de um vexame, como resistira quando lhe implorara para fazer amor. Tentava se convencer de que não era importante a razão da resistência, mas seu orgulho feminino esperava que fosse porque decidira ser nobre. Odiaria saber que ele nem se sentira tentado. Ela quase gemeu ao tomar consciência do que estava pensando. Honestamente, Angie! Tem de continuar a agir como uma tola, no que se refere a esse homem?, pensou, exasperada. Encontrava-se obedientemente sentada no banco da cozinha, enquanto Rhys mexia na geladeira. Ele virou-se, pegou-a observando-o e sorriu. Nas mãos segurava alguns ovos. Engraçado, mas antes não notara como os olhos cinzentos ficavam quase prateados quando ele sorria. Será que ainda resistiria se ela resolvesse ignorar os escrúpulos e o atacasse ali mesmo na cozinha? Segurando as têmporas com as mãos, tentava se convencer de que era a ressaca que a fazia ter aquele tipo de pensamentos e impulsos loucos. O difícil, mesmo, era acreditar nessa teoria.

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CAPITULO 7

Rhys estava certo; depois das duas primeiras garfadas, Angie deixou de sentir enjôo e aproveitou a refeição preparada por ele. Quando estava quase terminando, notou que Rhys a observava comer e agradeceu: — Obrigada pela comida. Ainda me sinto uma idiota quanto a ontem à noite — confessou, encarando-o. — A última vez que caí nesse tipo de brincadeira foi no colegial. — Se isso a faz sentir-se melhor, não creio que aqueles três apliquem o mesmo golpe de novo. — Você… — começou, olhando-o, assustada — os despediu? — Ela ficara furiosa, mas não desejava que perdessem o emprego. — Espero que não os tenha demitido. — Não, Angelique. — A expressão de Rhys, que até então era inescrutável, descontraiu-se em aprovação ao que ela dissera. — Disse-lhes apenas que achava de muito mau gosto o que tinham feito, que esperava que meus funcionários agissem com maturidade e profissionalismo, fosse a negócios ou socialmente, pelo menos em relação à empresa. Acho que entenderam o recado. — O mais provável é que tenham molhado as calças — Angie murmurou, ao imaginar a cena. 54


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— Nossa, srta. St. Clair! Que grosseiro — comentou Rhys, quase sem conter o riso. Ela olhou-o estupefata, só então percebendo que falara alto o que estava pensando. Os dois riram com vontade, até que Rhys ordenou-lhe que bebesse o suco de laranja. Não resistindo, ela pegou o copo e disse: — Sim, senhor! — Não comece com isso de novo. Maldição! — Ele ficou furioso, deixando-a pasma com a veemência do comentário. — Só estava brincando, Rhys — disse, ao baixar o copo. Ele soltou uma exclamação ininteligível e olhou-a, quase que envergonhado com a própria atitude. Ficou sério por um momento; em seguida esticou o braço e passou o dedo pelo lábio inferior dela. Quando viu Angie prender a respiração, explicou: — Estava sujo de suco. Ela agradeceu, sem jeito, e baixou a cabeça, tentando esconder com os cabelos o rosto que corara. Fingiu estar concentrada na comida, apesar de sentir o lábio sensível onde ele tocara. Assim que terminou, levantou-se, rápida, começou a tirar a mesa e lavar a louça. — Obrigada pelos primeiros socorros, Rhys — disse, enquanto trabalhava. — Fico lhe devendo. — Na verdade, não precisava de ajuda — murmurou, sem tirar os olhos dela. — Estava se saindo bem. Fique sossegada: não é a loira fácil que imagina quando bebe demais. Somente com você, Angie completou em pensamento, sentindo o rosto queimar ao lembrar o que implorara na noite passada. Se fosse honesta, deveria reconhecer que mesmo sóbria não tinha muita força de vontade no que se referia a Rhys. Tentando parecer natural, informou que ia pegar a bolsa e depois telefonaria para um táxi vir pegála, saindo em seguida. — Não precisa de táxi — ele replicou, seguindo-a. — Quando estiver pronta, eu a levo para casa. Angie não se deu o trabalho de discutir, pois conhecia bem aquele tom de voz. Pegou a bolsa, no quarto, e virou-se para sair, dando de encontro com o tórax largo. Ele segurou-a pelo braço, equilibrando-a, e não fez o menor esforço para se afastar. — Está bem? — indagou, fitando os lábios delicados. Não, não estou. Quero que me beije de novo. Quero…, pensou a moça. — Oh, Rhys — sussurrou, olhando-o em muda rendição. Até então ele a beijara com intensidade, quase selvagemente, mas dessa vez agia com calma, seduzindo-a devagar. Angie sentiu que derretia em seus braços. A bolsa caiu no chão sem que notassem. Ela levantou os braços, enfiando os dedos nos cabelos escuros. Sentiu a língua masculina brincar com a dela, fazendo-a estremecer de desejo, sem controle. Dessa vez ele acabara com as suas defesas. Não conseguia pensar em nada a não ser o quanto queria ser amada por ele. 55


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Rhys murmurou o nome dela, apertando-a mais contra si. Será que alguma vez desejara uma mulher tanto quanto desejava Angelique? O fogo parecia que ia consumi-lo. Seu corpo todo vibrava e, levando-a para a cama, teve certeza de que nunca se sentira assim. Ao deitá-la sobre os lençóis, Angie puxou-o sobre ela e protestou, brava, quando ele afastou os lábios. Rindo, satisfeito em saber como ela o queria, voltou a beijá-la. Na noite anterior fora uma tortura cruel tirar as roupas dela, sabendo que não poderia ter os tesouros que descobria. Agora, cada peça que tirava se transformava numa deliciosa tortura, pois o aproximava do momento de possuí-la. Como há tempo não tinha uma mulher, além do quanto fantasiara com ela, ele receou não conseguir se controlar até tirar toda a roupa de Angelique. Mas ela se encontrava tão impaciente quanto ele e ajudou-o, com ansiedade. Depois, com os olhos semi-cerrados, observou-o despir-se apressado. Um corpo tão bonito, pensou ao examiná-lo com avidez, tão perfeito! Quando Rhys se inclinou sobre ela, Angie olhou para o rosto másculo. Como pudera achar os olhos cinzentos frios? Eles queimavam de paixão, que julgara ser desconhecida àquele homem. Os cabelos despenteados, os maxilares tensos, com o esforço desesperado que ele fazia para manter o controle, os lábios entreabertos, o rosto corado. — Um homem tão bonito! — ela murmurou, comovida. — Você é que é linda — gemeu ele. — Tão linda! — conseguiu dizer antes de beijála, acariciando os cabelos dourados. Angie ficou pasma ao notar o tremor das mãos fortes. Saber que Rhys era vulnerável tornava-o ainda mais sedutor. Abraçou-o com força, pensando: Então é isto que significa amar. Tentando ir mais devagar, Rhys pensava, maravilhado: Então, isso é que significa ser amado! Nunca na vida se sentira tão querido. Com os lábios, acariciou o pescoço delgado e macio, onde podia sentir as batidas rápidas do coração e as vibrações dos gemidos que ela dava. Era uma sensação maravilhosa. Escorregou os lábios até a curva dos ombros, acariciando-a com a língua, fazendo com que estremecesse. Os bicos dos seios estavam duros e intumescidos, róseos com os raios de sol que entravam pela janela. Fascinado, Rhys observou-os antes de prová-los. Impaciente, Angie arqueou as costas, e ele atendeu-a, sugando o bico rosado. Ela gemeu alto e, inquieta, moveu as longas pernas contra as dele. Rhys passou a acariciar as coxas macias, tentando mantê-la quieta, ou acabaria indo depressa demais. Estava determinado a dar-lhe todo o prazer que sabia possível. Pela primeira vez, em sua vida vazia, era mais importante satisfazer a mulher com quem se encontrava do que a si mesmo. Só isso o excitava mais do que fazer amor, propriamente. Momentos mais tarde, com os seios úmidos e inchados, a respiração rápida e curta, Angie implorou: — Por favor, Rhys. Oh… 56


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Seria possível que o quisesse tanto quanto ele a queria? Com a mão, abriu a gaveta na mesinha do lado da cama e pegou o envelopinho quadrado que ali permanecera por tanto tempo, sem utilidade. Sabia que ela não estava protegida, pois não fazia amor havia tanto tempo quanto ele. Minutos depois, voltou a deitar sobre ela, entre suas pernas. Ansioso, parou. Ela era tão pequena, e ele estava tão excitado… Com os dedos, sentiu-a por dentro. Era estreita, quente e molhada, o que fez o desejo tomá-lo como num raio. Sentiu-a mexerse, fazendo com que os dedos a penetrassem ainda mais, como se não suportasse nem mais um minuto de espera. Sem conseguir se conter, posicionou-se e, com um movimento firme dos quadris, penetrou-a o mais fundo que pôde. Ficou imóvel, desejando que o tempo parasse, fazendo aquele momento durar para sempre. Pela primeira vez sentia que pertencia a algum lugar, a alguém. Mas a natureza não podia ser ignorada, e ele começou a se mover num ritmo mais antigo que os tempos. Angie seguiu-o de perto, em dança erótica, até alcançarem o limite, quando ela gritou em delírio, exultante. Rhys acompanhou-a na explosão do clímax. Enterrando o rosto no pescoço dela, desejou nunca ter de se afastar daquela mulher que amava profunda e dolorosamente. Ela sabia que não devia fazer amor com Rhys, mas não se arrependia. Como poderia? Relutante, tentou levantá-lo com delicadeza, pois estava tendo dificuldade para respirar. Ele virou de lado, seus corpos se separando, e puxou-a consigo, fazendo com que deitasse sobre seu ombro. — Melhor? Angie balançou a cabeça afirmativamente, satisfeita. — Está arrependida? — Não. Mas não acho prudente ter um caso com o patrão. — Ela sentiu-o relaxar ao ouvir a resposta e levantou a cabeça para olhá-lo. Por que imaginara que seria mais fácil ler sua expressão se fizessem amor? Ele ainda se escondia dela… — O que aconteceu não foi uma noite de sexo entre patrão e funcionária. — Ele franziu o cenho, em desagrado. — Foi algo… algo que nenhum de nós dois conseguiu controlar — prosseguiu, pela primeira vez sem palavras para se expressar. Apoiando o cotovelo na cama e a cabeça sobre a mão, com a outra Angie alisou a testa morena e preocupada. Adorava poder tocá-lo à vontade. Por tanto tempo quisera fazê-lo! Ele segurou a pequena mão, depositou um beijo sobre a palma e ficou olhando-a. — O que está pensando? — ela perguntou suavemente, intrigada com a expressão de Rhys.

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— Ela é tão pequena! — murmurou ele, escondendo-a na própria mão. — Você é tão pequena, tão jovem e ainda assim tem o poder de me deixar de joelhos. Imagino se tem consciência disso… — Suponho que já deveria ter aprendido a não me fazer perguntas, a não ser que esteja preparado para uma resposta honesta — respondeu ela, sentindo a garganta apertada. Fechou os olhos por um segundo, antes de abri-los de novo. — Não quero deixálo de joelhos, Rhys. Nem tenho certeza se alguém tem poder para isso. Você é tão forte… tão auto-suficiente! — Sim, exceto no que se refere a você. — E agora? — ela perguntou, voltando a deitar a cabeça no peito dele. — Não sei. Não sou muito bom em relacionamentos, Angelique. Não quero fazer promessas que não estou certo de poder cumprir. — Não estou exigindo promessas; nem sei se as quero. Não as queria, naquele momento, não até que ele soubesse sobre a feia verdade a respeito do pai. Então, seria diferente… — Gostaria que soubesse, se isso significar alguma coisa: o que sinto por você nunca senti por outra mulher, O que aconteceu entre nós foi a experiência mais incrível que já tive, Angelique… — Isso significa muito para mim — sussurrou ela, emocionada, a ponto de chorar, levantando a cabeça e beijando-o. — Quero-a de novo — ele murmurou contra os lábios dela. — Preciso de você, Angelique! — Oh, Rhys. Me ame! Saber que ele precisava dela fez com que a paixão ressurgisse fremente. Rhys andava pela casa de Angie, observando, curioso, os bibelôs, as toalhinhas de crochê, as tapeçarias, a profusão de fotos e lembranças. Por fim, comentou: — Esse lugar me lembra a casa de tia Íris. Por todo lado ela tem objetos ou fotos das várias crianças que abrigou. Angie estivera observando-o. Ele parecia necessitar tanto de laços, de lembranças de família, que a fazia doer por dentro. A sua própria infância não fora das mais ideais, mas pelo menos tivera uma família, pessoas que se importavam com ela. Rhys nada tivera, a não ser uma mãe adotiva, que lhe fora designada por acaso e tarde demais para lhe dar a segurança de que precisara tanto. Então, ela percebeu que poderia amá-lo como ele desejava ser amado. Mas não podia se permitir isso, pelo menos não ainda. Ele se encontrava em frente ao piano, sorrindo ao observar a coleção de fotos de Angie em vários estágios de crescimento. — Única neta? — Pegou uma delas, para ver melhor.

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— Sim… — Ela tirou a foto das mãos dele, recolocando-a sobre o piano. Será que ele tinha fotos da infância? — Lembra da sua mãe, Rhys? A expressão dele transformou-se de divertida em impassível. — Não… — Hesitou. — Algumas vezes tenho vislumbres, mas não estou certo de serem reais. — Conte-me — pediu, apoiando a mão no braço dele. — Acho que me lembro dela rindo. — E, aparentando indiferença, ele deu de ombros. — Talvez cantando. Outras vezes me lembro… —Sua voz sumiu, seus olhos pareciam focalizar o passado. — O quê? — insistiu a moça, suave. — De acordar no meio da noite, andar pelos aposentos escuros chamando pela minha mãe. De achar a cama dela vazia. Enfiava-me debaixo dos lençóis, sabendo que estava sozinho. — Ela o deixava sozinho, à noite? — perguntou, horrorizada. — Acho que sim — respondeu ele, bruscamente. — Como disse, não tenho certeza. E, desde que nunca localizaram minha mãe, não há jeito de confirmar. Não me lembro de ter sido deixado no hospital, acho que bloqueei essa parte da minha memória. Disseram que por muitos anos tive pesadelos, mas também não me lembro disso. Acho que eles eram irritantes para as pessoas que me criaram. Ela escondeu o rosto no ombro dele, incapaz de conter as lágrimas. Rhys puxou-a para trás, tentando ver-lhe o rosto. Com o dedo traçou o caminho salgado das lágrimas. — Não chore por mim, Angelique. Foi há muito tempo. — Não estou chorando por você — sussurrou, acariciando o rosto querido — não pelo homem honrado, forte e bem-sucedido em que se transformou, mas sim pelo menino solitário e com medo. O menino crescera, mas o homem ainda procurava o amor, apesar de não estar ciente disso. Rhys necessitava de tanto apoio, e ela achava que tinha tão pouco a oferecer! Um passado familiar degradante, onde fora uma menina mimada e inconseqüente. Começara de novo, estava construindo uma vida nova e reciclando seus valores, mas será que Rhys acreditaria que mudara? Ou pensaria que o queria apenas como um meio de recuperar o dinheiro e status social que perdera? Seria capaz de aceitar um sogro na cadeia? Casamento!? Meu Deus, como podia estar pensando em casamento? Com o rosto escondido no ombro dele, começou a pensar… Será que…? Não era possível! Mas apaixonara-se por Rhys Wakefield. Além de todas as outras dúvidas que já tinha quanto a se envolver com um homem como ele, não sabia se alguém que nunca conhecera o amor poderia aprender a compartilhá-lo. Apesar de tê-la enroscada contra si, Rhys sentia que por alguma razão Angelique se afastara emocionalmente. Será que ela não rejeitaria o envolvimento com alguém com uma infância dramática e tão diferente da sua, rica e cheia de privilégios? O que estaria 59


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pensando?, perguntou-se, frustrado. Ela ia acabar partindo o seu coração. Nunca entendera o significado dessa frase, que julgara exageradamente dramática; agora entendia e desejava que esse não fosse seu caso. Quase podia senti-la tentando controlar as emoções, afastando-se, assumindo uma postura inexpressiva. Fia sorriu, alegre e vazia, ao perguntar: — Quer almoçar? — Automaticamente ajeitou os cabelos. — Deixe-me trocar de roupa e vou… — Não faça isso. Maldição! Não comigo! — exclamou ele, num ataque de fúria, segurando-a entre os braços não muito gentilmente. Angie arregalou os olhos surpresa, apoiando-se nele, incerta. — Não faça o quê? — perguntou, num murmúrio. — Não me dê um desses sorrisos educados que nada significam e não fale comigo como se fosse um conhecido com quem está tendo uma conversinha agradável! Se tem algo a dizer, diga! “Diga que acabou entre nós”, desafiaram os olhos cinza. “Diga que não me quer mais!” Ela, entretanto, nunca reagia como ele esperava Sua expressão distante transformou-se em encantamento, ao exigir que ele a beijasse, deixando-o louco. Ela o desafiava, algo a que Rhys era incapaz de resistir. Esmagou os lábios dela com os seus, sentindo o corpo inflamar em resposta ao desafio. Satisfeito, notou que, quando, finalmente, levantou a cabeça, os olhos dela estavam enevoados e achava que o mesmo ocorria com os seus. — E agora? — perguntou ele, com voz rouca. — Agora faça amor comigo. — Suas mãos deslizavam com ousadia no peito largo. Rindo em aprovação. Rhys mais uma vez baixou o zíper do vestido azul, que àquela altura já estava todo amassado. Era fim de tarde quando almoçaram. Rhys ficou brincando com Florzinha, enquanto Angie preparava uni salpicão. Recusara-se a chamar o gato pelo nome, pois o considerava idiota demais. Sentado no chão, balançava os dedos na frente do bichano, desafiando-o a pegá-los. Ao ouvir um grito, um palavrão. Angie foi ver o que acontecera. Rhys examinava um dedo com marcas de dentes afiados. Serviu o almoço, ainda cismando em como se sentia à vontade com ele. Vestida com um jeans e um blusão vermelho, nada tinha do ar profissional e superior que tantos comentários gerara logo que começara a trabalhar na WakeTech. A bem da verdade, era difícil manter um ar distante quando se acabara de sair da cama e fazer amor, pensou, desconcertada. — Não devia tê-la desafiado. Ela não sabe que deveria temer o poderoso Rhys Wakefield — comentou, divertida. 60


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— Parece que ela tem muito em comum com a dona — resmungou Rhys, levantando e indo lavar a mão, na cozinha. —É melhor tomar cuidado com o que fala. Se for bonzinho, deixo que sente à minha mesa. — Que bondade a sua! — Exatamente o que penso — replicou Angie, começando a comer, contente ao notar que ele ria, relaxado. Observando-o durante o almoço, decidiu que Rhys precisava rir e brincar mais. Faria com que isso acontecesse com mais freqüência, pelo menos enquanto estivesse por perto. Rhys parecia não ter pressa em ir embora, depois do almoço, nem Angie estava ansiosa para que fosse. Quando sugeriu que jogassem aquele jogo de formar palavras, ele reagiu com espanto, mas aceitou. Enquanto arrumava os quadradinhos de madeira com as letras sobre a mesa de café, ela perguntou: — Nunca brincou com esse jogo? — Não. Ela explicou as regras, quis saber se estava pronto, e começaram. Angie nunca rira tanto na vida, pelo menos não no ano que passara. Ele jogava da mesma maneira como dirigia seu negócio. Escrevia numa folha de papel, de forma ordenada, as palavras que formava com os cubinhos, a maioria de quatro ou cinco letras. Já ela rabiscava palavras, algumas de apenas três letras e muitas inventadas, o que o deixava confuso. Quando ele resolvia checá-las no dicionário, ela caía na gargalhada. Quando, no meio de uma discussão sobre uma palavra inventada, ele decidiu ser magnânimo e deixar que ela ficasse com os pontos ganhos ilicitamente, Angie jogou uma almofada nele, que não o acertou por pouco. Exasperado, Rhys exigiu saber a troco do que ela fizera aquilo, mas distraiu-se com um barulho na porta da frente. — O que foi isso? — perguntou, sério. — É o carteiro — replicou a moça, levantando e indo até a porta. — O que pensou que fosse? Um ladrão? Obteve como resposta apenas um resmungo zangado. Ao dar uma olhada na correspondência, seu sorriso desapareceu por completo. Junto com várias contas e folhetos de propaganda, encontrava-se uma carta cujo endereço do remetente era da prisão. Imóvel, observou a carta do pai por alguns minutos. Por que estaria escrevendo para ela? Já não haviam discutido tudo o que deviam? Na última vez que tinham se encontrado, informara ao pai o que pensava sobre suas práticas ilegais e falta ao que ele replicara que ela jamais quisera saber de onde vinha o dinheiro que recebia para roupas e carro do ano. Isso a deixara possessa porque era verdade. — O que há de errado? — indagou Rhys, indicando que ela não conseguira esconder as emoções como desejara. — Preocupada?

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— Não, não é nada — respondeu, forçando um sorriso. — Apenas algumas contas. Detesto recebê-las… Colocando a pilha de papéis sobre uma escrivaninha, ela separou a carta do pai, que jogou no cesto de lixo. Não estava interessada no que ele tinha a dizer. Reparou que Rhys observava o lixo, mas respirou aliviada quando nada comentou a respeito. Animada, propôs uma nova partida. Ela inclinou a cabeça, observando-o: ele estava sentado no chão, com a camisa aberta até o meio do peito, a calça delineando os músculos bem desenvolvidos das pernas longas e a luz refletindo-se nos cabelos castanhos, fazendo cintilar os fios de prata das têmporas. Era difícil acreditar que podia passar a mão pelo corpo maravilhoso quando bem desejasse. Com um sorriso malicioso, decidiu o que realmente queria fazer e, rindo, atirou-se sobre ele, apanhando-o de surpresa, fazendo-o cair deitado sobre o tapete. Prendendo as mãos fortes acima da cabeça dele, contra o chão, ela informou: — Sei de um jogo muito melhor! — Então, vamos a ele! — sorriu ele, os olhos cinzentos brilhando, divertidos. Imóvel, lembrou-a: — Vai ter de me ensinar as regras, de novo… — Acho que posso dar conta disso, mas vai ter de cooperar, ou não terá graça alguma! Sentada sobre o ventre dele, ainda prendendo-lhe as mãos, Angie inclinou-se e beijou o queixo forte, quadrado. — Acho que pode dar conta do que quiser, Boston… — murmurou ele, entrecerrando os olhos. Angie, por um instante, perguntou-se se de fato podia dar conta de Rhys. Ele parecia ter mais confiança nela que ela mesma. Deixando as dúvidas de lado, concentrouse no homem deitado sob si, tão tentador. Correndo a língua pela orelha dele, disse: — Acho que sei o nome desse jogo novo. — Qual é? — sussurrou ele, num tom rouco. Angie estava maravilhada: pela primeira vez tinha o poderoso Rhys Wakefield sob controle. Imaginava quanto tempo ele se contentaria em permanecer imóvel, deixando-a ditar as regras. — É este: “Deixe o homem louco”. Erguendo-se um pouco, mexeu-se sobre ele, lentamente, roçando-o de leve. — Tem feito isso desde que entrou no meu escritório pela primeira vez — ele falou entre dentes, inquieto. Ela beijou as maçãs do rosto e foi até os lábios dele. Provocando, mordeu o lábio inferior e beijou os cantos da boca, convidando-o a aprofundar o beijo, mas escapou. Com a ponta da língua fez o contorno dos lábios firmes. Rhys tinha uma boca maravilhosa, pensou, já se perdendo no calor da paixão. Sentiu as mãos dele estremecerem sob as suas. Podia perceber a impaciência crescente nele, assim como sentia o membro 62


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intumescido sob si. Sabendo-se desejada, Angie resolveu ser mais ousada. Indicando-lhe que devia permanecer imóvel, com os olhos presos aos dele, ela começou a tirar-lhe a camisa. Correu a mão sobre o tórax largo, traçou círculos eróticos ao redor do bico do peito, sentindo que a respiração dele se tornava mais difícil e rápida. Inclinando-se mais, deu um beijo molhado no peito musculoso e foi escorregando, até que seus lábios chegaram ao estômago chato. Desabotoou o jeans, desceu o zíper e, respirando fundo, enfiou uma mão pela abertura. Acariciou-o, vibrando ao senti-lo quente, duro e cheio de vida. Rhys gemeu alto e, sem perceber, começou a se mexer, em ritmo lento. — Está me matando, Boston! — gemeu, num murmúrio. — Apenas comecei, Rhys — prometeu ela, num tom abafado. Foi então que abaixou a boca até o membro rijo, fazendo-o estremecer como se tivesse levado um choque. Gemendo de prazer com as regras daquele jogo, Rhys conseguiu permanecer imóvel por apenas mais alguns segundos. Murmurando o nome dela, rolou e deitou-se sobre ela, já com as mãos ocupadas em despi-la. Deixando que ele tomasse a liderança, Angie arqueou o corpo. Gostara de liderar, enquanto pudera. Faria isso outras vezes, em breve, decidiu. Esse foi seu último pensamento coerente.

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CAPÍTULO 8

— Então vai casar com ela, ou não? Rhys afastou o fone do ouvido e olhou-o fixo, pasmo com a pergunta que ouvira assim que atendera o telefone. — Graham? — chutou, assim que aproximou o aparelho de volta. — Claro que é Graham. Quem diabos pensou que fosse? Responda à minha pergunta! — Ahnnn… que “ela”? Graham rosnou uma palavra bastante significativa, antes de dizer: — Encontro uma bela loira em seu escritório, você quase me arranca a cabeça quando a convido para sair e ainda tem a coragem de me perguntar que “ela”? Acho que tem um parafuso solto! — Graham — começou Rhys, depois de olhar para o teto exasperado estragou a paz da minha tarde de domingo para conversar ou apenas para me insultar? — Telefonei para fazer-lhe uma pergunta, que ainda não foi respondida. Vai se casar ou não? E se me perguntar com quem, sou capaz de cometer um ato de violência. — Não será necessário. — Rhys suspirou resignado. — Está falando de Angelique. E, se precisa mesmo saber, ainda não conversamos sobre o assunto. Faria diferença se lhe dissesse para se meter com a própria vida? — Por acaso o fez, no passado? — Não — admitiu o outro, suspirando. — Então, já a pediu em casamento? — insistiu Graham. Rhys acomodou-se, as pernas cruzadas à frente, olhando os mocassins sem na verdade vê-los. — Não vou me casar com ela. — Por que diabos não vai? — rugiu o outro, fazendo com que o amigo afastasse o fone do ouvido, com uma careta. — Por várias razões, a principal delas é porque não creio que ela esteja interessada em casamento. 64


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— E por que não estaria? No momento, está interessada em você, não? Ele reviu os últimos dias. Só deixara Angie naquela manhã porque precisava desesperadamente de algumas horas de sono e sabia que não conseguiria dormir estando sob o mesmo teto que ela. A julgar pelas olheiras que circundavam os olhos cor de violeta, Angie encontrava-se no mesmo estado. Dirigira para casa, sem nem pensar em parar no escritório, tomara um banho e caíra na cama, dormindo por três horas ininterruptas. Estaria preocupado com a idade, se não fosse pelo fato de que nem quando era adolescente fizera amor tantas vezes em tão pouco tempo. — Ela está interessada, no momento, sim — reconheceu, enfim. — E o que o faz pensar que não vai durar? — Ora, Graham! Você a conheceu. Ela é jovem, bonita e inteligente. Sou catorze anos mais velho que ela! — E tem o corpo de um homem de trinta, mente de um adolescente de doze anos. E dai? — Maldição, Graham! — Rhys não conseguiu conter o riso. — Muito bem. Se não a quer… eu vou me casar com ela. Sou um ano mais novo que você e muito mais atraente. Uma melhora e tanto. Rhys deixou claro, e de maneira não muito educada, o que esperava que o amigo fizesse consigo mesmo. — Então, pare de ser um cretino, Wakefield! É óbvio até para um cego que está caído por ela. E por alguma razão incompreensível ela parece corresponder. Em vez de aproveitar a melhor coisa que lhe aconteceu nos últimos tempos, o que você faz? Fica sentado reclamando que não é bom o suficiente para ela. — Está se vingando porque disse que aquela Lena Michelson só estava atrás do seu dinheiro, não é? Acabou descobrindo que eu tinha razão e nunca me perdoou. — Claro que perdoei! Salvou-me de um destino pior do que a morte, mas também abriu precedente para interferências bem-intencionadas. Estou só seguindo o exemplo. É o melhor amigo que já tive.., e não espere que eu repita isso, pois tenho certeza de que um de nós vai acabar vomitando se eu repetir. De qualquer forma, se já vi um homem que precisa de esposa e filhos, esse homem é você. — Então, por que nunca seguiu o próprio conselho? — Rhys resolveu não retrucar o argumento, pois terminariam numa discussão sem sentido. — É que estava à procura de uma mulher com rosto de anjo, voz de um instrumento musical e olhos inocentemente tentadores. Pena que a encontrou primeiro, meu velho! Rhys não pôde deixar de sorrir diante da descrição forcada do amigo. Angelique odiaria se ouvisse, mas ele não podia discordar. — Nem saberia o que fazer com uma esposa e filhos — tentou escapar. — Iria amá-los — Graham respondeu, sério —, com a mesma devoção com que dirige essa sua maldita empresa. Pense a respeito. Tenho de ir! Até mais tarde.

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Rhys ainda chamou o amigo, mas, frustrado, percebeu que falava com um telefone mudo. Sentia a cabeça estourando, o que não era incomum depois de uma conversa com Graham. O telefonema o deixou inquieto e meio deslumbrado. Por meia hora andou pela casa inteira, pela primeira vez notando a falta de móveis. Morava ali havia quatro ou cinco anos e nunca lhe dera importância. Comprara-a porque odiava apartamentos, com tanta gente sob o mesmo teto. Quando mudara, levara consigo a mobília que adquirira ao longo do tempo. Será que Angelique gostaria de ajudá-lo a decorar a casa? Pensou em ir ao escritório, mas não havia nada urgente para fazer lá. Pensou em Angelique de novo, e seu corpo reagiu de imediato. Decididamente, aquela mulher era um perigo! E, como suas reações físicas o deixavam nervoso, fez um esforço para não ligar para ela. Precisava de tempo para se recompor, além de se preparar para encontrá-la no trabalho, no dia seguinte. Não saberia dizer que impulso o levou àquilo, mas pegou o telefone e discou para tia Íris. A voz da velha amiga soou ainda mais frágil do que da última vez que haviam conversado, menos de uma semana atrás. Preocupado, quis saber como ela estava. — Estou bem — respondeu a amiga, sem se intimidar com o tom brusco de Rhys. — Como você está? — Tudo ok! — Anda trabalhando demais, não come o suficiente e não tem tempo para descansar — traduziu a velha senhora. — Algo no gênero — concordou ele, sorrindo com carinho. — Recebi o cheque que me mandou ontem. Tem de parar de ser tão extravagante, Rhys. Sabe que tenho a minha aposentadoria, trabalha duro para ganhar dinheiro e não devia… — Gasto meu dinheiro como bem desejo. E me faz bem mandar um pouco para a senhora, tia Íris. Peça a Polly para comprar-lhe aqueles chocolates que gosta e um novo penhoar, para quando eu for visitá-la, no mês que vem. Ela está tomando conta da senhora direito? — Sim, é uma garota adorável. O que não me espanta, com o generoso salário que lhe paga… Ah, e Polly já comprou os chocolates, Rhys, fique tranqüilo. — A senhora foi o que de melhor aconteceu na minha adolescência — replicou ele, sem jeito. — Devo-lhe muito mais que dinheiro; além do que, tenho demais só para mim. — Então, arrume uma família para mimar — ela retrucou de imediato, assunto esse que já era bem conhecido dos dois. Tia Íris se preocupava mais do que Graham com o isolamento de Rhys, e isso o incomodava, pois não queria lhe dar preocupações. Então, sentindo-se um adolescente prestes a revelar aos pais que arrumara a primeira namorada, falou: — Estou saindo com uma moça… A senhora gostaria dela. 66


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— Conte-me a respeito — pediu a senhora, com uma nota de interesse na voz. Rhys tentou descrever Angelique com palavras, sua aparência adorável, a competência no trabalho e um pouco sobre seu passado infeliz. Satisfeita, tia Íris concluiu que a jovem precisava dele. — Não. Ela precisa de alguém no momento, não necessariamente de mim… o que, acho, não vai durar muito. — Se ela tem algum juízo, vai durar, sim! E, pelo que me contou, parece ser uma moça de bom senso. Gostaria de conhecê-la. E, Rhys, o jovem que conheci não deixaria a única mulher que amou escapar, sem uma boa briga… — Não disse que estava apaixonado por ela. E, se ainda estivermos juntos o mês que vem, vou levá-la para conhecê-la, tia Íris, — Bom! Ah, quanto a estar apaixonado, não precisava dizer! — comentou ela, gentilmente, com certo divertimento. — Posso perceber no seu tom de voz cada vez que diz o nome dela. — Não sei muito sobre amor. Não tenho grandes experiências nessa área — confessou ele, verbalizando um de seus receios no que se referia ao relacionamento com Angelique. — Meu querido menino, tem mais potencial para amar do que qualquer homem que conheci. Olhe a forma como toma conta de mim. Cuidei de vários garotos ao longo dos anos, e você é o único que me faz sentir como se realmente tivesse um filho. Tem tanto a oferecer a uma esposa e filhos! Todo esse amor só precisa de um objeto, para tomar força. Eu o amo e quero que seja feliz, Rhys! Ele resmungou um “eu te amo também” e torceu para que tivesse sido ouvido. Não era algo que lhe dissera ao longo dos anos com muita freqüência, pois ainda tinha dificuldades em fazê-lo. Será que amava Angelique? E, se fosse verdade, teria coragem de dizer-lhe? Tia Íris anunciou que estava na hora do seu descanso e despediu-se dele, com recomendações para que não deixasse Angie escapar. Rhys ordenou que a amiga se cuidasse, antes de desligar. Não estava muito certo se a conversa o ajudara, mas pelo menos sentia-se melhor. Só ficara um pouco preocupado com a saúde da velha senhora. Angie tentou manter a compostura ao entrar no escritório na manhã de segundafeira. Tinha um desejo ridículo de entrar de fininho, sem se deixar notar. Algo nos sorridentes cumprimentos que recebeu nos corredores indicou-lhe que era o assunto mais quente nas fofocas locais, desde sexta-feira a noite. Já podia imaginar que falavam da sua bebedeira e de como o chefão, que em geral não ligava para ninguém, a defendera e a levara para casa, depois. Provavelmente suspeitavam de que os dois tinham um caso. Antes estavam errados, mas agora acertavam em cheio. Será que um dia e uma noite de amor, incrível e maravilhoso, poderia ser chamado de caso? Iria repetir-se? Se ia ter continuidade, por que Rhys não telefonara, na noite 67


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anterior, quando o esperara até a meia-noite? Estava lhe dando tempo para se recuperar ou se arrependera de se envolver com uma funcionária? Aparentemente, estava cheia de perguntas e sem nenhuma resposta. Ao passar pela mesa de June, foi cumprimentada com interesse e inquirida sobre a saúde, como se uma ressaca pudesse durar três dias. Conformada, respondeu que estava bem. — Muito bom, está com uma aparência ótima hoje. Por falar nisso, o sr. Wakefield também está muito bem. Calmo, animado… June parecia satisfeita como se fosse a autora do bom humor do patrão, o que fez Angie desviar o olhar e comentar algo sem sentido. Ao parar à frente da porta de Rhys, notou que sua mão estava meio trêmula. Seria cumprimentada com um sorriso de derreter ou apenas como uma funcionária competente? Mais perguntas, pensou, só que, pelo menos, aquela seria respondida em breve. — Bom dia, Angelique — Rhys cumprimentou-a, assim que entrou. — Como estamos quanto ao projeto Phoenix? Verificou os dados? Não muito certa do que pensar, Angie respondeu de modo automático. Apesar de as perguntas de Rhys serem estritamente sobre negócios, seus olhos, sorriso e tom de voz eram carinhosos, íntimos e cheios de lembranças compartilhadas. Ele ordenou-lhe que sentasse e quis saber sua opinião a respeito do que discutiam. Minha opinião, Rhys Wakefield, pensou, é que estou encrencada, porque o amo, porque estou a ponto de implorar-lhe que faça amor comigo aqui mesmo, sobre a mesa! Apesar do que lhe passava pela mente, Angie conseguiu responder à pergunta com certa coerência. Rhys passou a maior parte do dia sem perder o pouco controle que o afastava de Angie. Esforço que o deixou exausto. Quando colocavam o trabalho em dia, ele se encontrava sentado a poucos metros dela. Podia sentir-lhe o perfume, observava de esguelha as longas pernas que quase podia sentir ao redor de si, os seios por debaixo da blusa… Não sabia como estava conseguindo falar sem gaguejar e engasgar. O que era um milagre. Não soube, ao certo, o que fez com que perdesse o controle, no fim da tarde. Enquanto a observava ler um relatório que June datilografara, começou a suar como um louco, tendo até de soltar a gravata. Quando ela fez um comentário divertido, encarandoo, tentou pegar um copo de café, porém derrubou todo o líquido sobre a mesa e na própria calça. Talvez fosse apenas um ser humano e não poderia dominar o desejo nem mais um minuto. O fato é que levantou-se da cadeira com violência, fazendo com que ela o olhasse, surpresa, arrancou-lhe da mão o lápis que segurava e abraçou-a, antes mesmo que a jovem conseguisse dizer uma só palavra. O relatório que June gastara quatro horas para aprontar espalhou-se pelo chão. Fazia trinta e duas horas desde a última vez que a beijara, calculou, com a sensação de que haviam sido trinta e dois dias. Sorveu os lábios delicados, como se 68


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estivesse morrendo de sede. Depois de hesitar, em um momento em choque, Angie passou os braços pelo pescoço dele e correspondeu com ardor. Rhys afastou-se um segundo, apenas para respirar, e, em seguida, impaciente, retomou o beijo. — E se alguém…? — ela conseguiu murmurar. Ele não lhe deu chance. Sabia que estava preocupada com alguém entrando e dando com aquela cena, o que era improvável. Exceto Graham, ninguém ousaria entrar em sua sala, sem bater na porta antes. Nem Angie o fazia. Ele continuou a beijá-la sem pensar em mais nada, a não ser em como ela se encaixava bem em seus braços e na saudade que sentira do corpo macio. Vários minutos mais tarde, lenta e relutantemente, ele afastou-se. Mais um pouco e se sentiria tentado a testar a privacidade de seu escritório de maneira muito mais ousada, pensou. Angie tinha um ar deslumbrado. Sorrindo-lhe, ele tocou o rosto corado e disse, num tom brincalhão, em desacordo com seu olhar: — Obrigado. Estava precisando disso. — Eu… ahnnn… não esperava por… — murmurou, trêmula. — Pois deveria. Não consegui pensar em outra coisa o dia todo. Ela ficou ainda mais corada. Tentou ajeitar os cabelos e tocou os lábios inchados, com os dedos. — Devo estar com o ar de quem foi realmente beijada. — Pelo menos não está com o ar de quem foi realmente amada! — Rhys! — repreendeu-o, retendo o riso. — Quer jantar comigo hoje à noite? — perguntou, rindo da expressão chocada dela. — Num restaurante? — perguntou, desorientada, molhando os lábios secos e tentando-o a beijá-la de novo. — Não, numa livraria — respondeu ele, olhando-a enviesado. — E se alguém do escritório nos vir juntos? Não está preocupado com a fofoca? — Que se danem os comentários! — respondeu Rhys, de modo pouco educado, aborrecido por ela insinuar manter o relacionamento deles em segredo. — Quer jantar comigo ou não? Não daria a mínima se o mundo descobrisse que Angelique lhe pertencia, mas era melhor ir devagar, lembrou-se. Aprendera cedo na vida que desejar e conseguir eram duas coisas diferentes. — Quero — disse ela, gentilmente, tocando-lhe o rosto com os dedos. — Adoraria jantar com você. Rhys segurou-lhe as mãos, cuidadoso. Em tom rouco, recomendou que fosse para casa trocar de roupa; iria pegá-la às sete. Ela olhou para o relógio, surpresa. Passava pouco das cinco horas. — Quer que eu vá embora agora? 69


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— A não sei que queira testar as possibilidades do meu sofá… — respondeu ele, malicioso. — Se não, é melhor ir. Ela arregalou os olhos e sorriu, sedutora. — Apesar de a idéia ser tentadora, vou seguir seu conselho e ir para casa. Ele concordou e ficou observando-a sair. Já da porta, Angelique voltou-se e sorriu, deixando-o ainda mais ansioso. Suas intenções eram as melhores. Pretendia levá-la a um bom restaurante e provar-lhe que não se envergonhava de que os vissem juntos. Chegou a fazer as reservas. Mas, no momento em que Angelique abriu a porta, num vestido preto estonteante, sapatos de salto alto, com aparência sexy e elegante, ele não conseguiu pensar em mais nada a não ser em jogá-la sobre os ombros e carregá-la até o quarto. Estava tão incrivelmente linda! Ao notar o brilho do desejo nos olhos cinzentos, ela jogou a bolsa sobre uma mesa, estendeu as mãos para ele e sugeriu que poderiam jantar mais tarde. Rhys gemeu, tomou-a nos braços e, acariciando-a, concordou. Horas mais tarde, ele gemeu de novo, desculpando-se. Inquieto, queria saber se Angelique o perdoava. Com esforço, ela levantou a cabeça dos ombros dele, onde descansava. — E por que tem de ser perdoado? — Confusa, não entendia ao que ele se referia, depois de terem feito amor de maneira tão gloriosa e sensível. — Prometi levá-la para jantar fora. Agora é tarde demais. — Com o cenho franzido, continuou: — Não estou com receio de ser visto em público com você. É que quando a vi… — Foi tomado por um desejo incontrolável — terminou por ele, satisfeita. — Podemos arrumar algo para comer aqui mesmo. Como posso ficar brava com o que aconteceu? — perguntou, inclinando-se para beijá-lo. Rhys abraçou-a num gesto tão natural, doce e inesperadamente romântico que Angie sentiu os olhos encherem de lágrimas. Pegou o robe, vestiu-o e quis saber o que ele queria comer. Quinze minutos mais tarde, Angelique se encontrava frente ao fogão, grelhando dois hambúrgueres, enquanto ele preparava os pães e acompanhamentos, vestindo apenas a calça do terno e a camisa desabotoada, com as mangas arregaçadas. Sua aparência era tão tentadora que ela teve dificuldade em não deixar a carne queimar. Como ele queria hambúrguer mal passado, ela colocou o dele entre duas metades de pão, enquanto deixava o dela grelhar um pouco mais. — Amanhã à noite iremos jantar fora — ele prometeu, colocando seu prato sobre a mesa. — Podemos ir logo depois do trabalho, assim não teremos distração no caminho. Pelo jeito, Rhys acreditava que passariam muito de seus tempos livres juntos. Angie não podia reclamar, mas ficava imaginando por quanto tempo tudo aquilo iria durar. No fundinho da alma, receava que, quanto mais tempo juntos passassem, mais difícil seria

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para ela quando Rhys se cansasse. Concordou, relutante, fazendo-o olhá-la intrigado. Mas ele não fez comentários. Durante o jantar, conversaram um pouco de tudo, até que acabaram falando sobre tia Íris. Rhys comentou que telefonara para ela, fazendo Angie perguntar sobre a velha senhora. — Parece estar mais fraca do que da última vez que conversamos. No último ano, sua saúde tem piorado a olhos vistos. — Deve estar preocupado — comentou, solidária, segurando-lhe a mão. — Por que não vai visitá-la? — Vou no mês que vem. Contei a ela sobre você. A expressão da moça foi de surpresa, mas não de desagrado, Rhys notou, observando-a disfarçadamente antes de prosseguir: — Ela quer conhecê-la, então comentei que talvez fosse comigo na próxima visita. Segurando a mão que a acariciava, ela olhou-o com cuidado. — Por quê? — perguntou, num sussurro. — Se quiser que eu a conheça, terei prazer em ir… — Porque é importante para mim — declarou ele, hesitante. — Quero muito que vá. Queria dizer-lhe tantas coisas, mas, estranhamente, não sabia o que falar. Então, depois de responder-lhe, ele concentrou-se na gatinha que miava, pedindo comida, evitando encará-la. Afastando o prato de lado, Angie inclinou-se sobre a mesa e, interessada, quis saber mais sobre a mulher. E Rhys acabou falando sobre si, coisa que há anos não fazia. Contou sobre o adolescente sem raízes, rebelde, desapontado e pouco seguro, que dificilmente recebia um abraço e que traíra a confiança da senhora que o recebera de braços abertos e com um sorriso. Contou o sermão que ela lhe dera ao descobri-lo roubando, falou de quando gastara o pouco dinheiro que guardara para comprar-lhe uma jaqueta cara, só porque os outros garotos da escola as tinham… Disse das lágrimas que tia Íris derramara quando fora chamado para a guerra, das visitas esparsas, cartas que lhe mandara e telefonemas que lhe fazia. Contou como ela relutara em aceitar o dinheiro que lhe oferecera, mas acabara concordando ao compreender que ele necessitava que aceitasse… — Você a ama — concluiu Angie, com delicadeza, quando ele terminou, corado de embaraço por ter falado tanto. Pouco à vontade, ele concordou, pois ela era a família que jamais tivera. — Mal posso esperar para conhecê-la. Ela é especial. — É. Vai gostar dela. Especial como você, pensou ele. — Conte-me sobre a sua família, Angelique — falou, tentando desviar o rumo de seus pensamentos.

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Querendo parecer casual, Rhys desejava que ela partilhasse seus segredos com ele, voluntariamente. Mas Angie ficou tensa e apenas contou que a mãe morrera, que não se dava bem com o pai. Levantando-se em seguida, sugeriu que ele fosse ver televisão enquanto ela arrumava a cozinha, recusando sua oferta em ajudá-la. Era só falar no passado que Angelique se fechava, pensou o rapaz, já na sala, em frente à tevê. Conformado, lembrou que ela prometera visitar tia Íris, indicando que o relacionamento entre eles não ia terminar. Por hora, era o suficiente.

CAPÍTULO 9

Rhys tentava esquecer o quão perto Angie estava enquanto trabalhavam, na tarde do dia seguinte. Maldição!, pensou, olhando feio para os relatórios a sua frente. Se queria continuar a tê-la como assistente, tinha de aprender a controlar-se. Fez uma careta ao lembrar o número de vezes que perdera a concentração na reunião daquela manhã. Chegara até a ficar olhando fixo para as pernas dela, tendo se esquecido por completo do 72


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que falavam e causando um certo desconforto entre os funcionários. Felizmente ninguém se manifestara a respeito. Era até cômico que seus funcionários o considerassem tão fanático pelo trabalho e reclamassem que ele não ligava para nada além disso. Sorriu ao imaginar o espanto de todos se descobrissem como o patrão e a assistente tinham rolado no tapete, brincando, na tarde de sábado. Será que algum dos seus colegas conseguia imaginar a paixão que Angelique escondia sob a fachada de competência e eficiência? Provavelmente, nem sequer fantasiavam o ardor que ela o fazia sentir. Notando que seu sorriso deixava vários dos subordinados nervosos, ele voltou a apresentar uma expressão impassível e tentou concentrar-se nos negócios. Mesmo assim, não demorou muito e pegou-se de novo a observar apreciativamente as qualidades de Angelique, além de fantasiar sobre as várias utilidades que um sofá de couro, ou uma mesa, teria… Será que chegaria o dia em que conseguiria ficar no mesmo lugar que ela sem desejá-la com tanto desespero? Relutante, voltou a prestar atenção no trabalho e pediu determinado relatório a Angie. Perturbado, foi mais ríspido do que o normal. Aparentemente, isso não a afetou, pois Angie levantou-se, ajeitando a saia, o que o fez olhar de novo para as longas e belas pernas, e caminhou até a mesa para pegar o processo que ele pedira. Deus! Ali estava uma mulher que sabia como andar, pensou, gemendo mentalmente. Ela abriu a gaveta e, antes que Rhys se lembrasse do relatório do investigador particular que ali se encontrava, ela já o lia, para ver se era o que ele queria. — Angelique, espere! — gritou, mas já era tarde. Lentamente, ela levantou a cabeça. A expressão magoada nos olhos cor de violeta fez o estômago dele revirar. Baixando o olhar para os papéis incriminadores, ela disse num tom estrangulado: — Mandou investigar a minha vida! — Deixe-me explicar… — pediu ele, levantando e estendendo os braços num mudo pedido de desculpas. Ela fechou a pasta, colocando-a sobre a mesa e, com o rosto totalmente sem expressão, comentou: — Entendo. Como sua assistente, tenho acesso a informações confidenciais e preciso ser digna de confiança. Fiquei surpresa quando me contratou sem pedir mais dados pessoais. — O tom de sua voz era baixo, abafado, e ela evitava olhá-lo. — Só gostaria que tivesse me contado, especialmente depois… — …que nos tornamos amantes — ele completou. — Não mandei que a investigassem por causa do seu cargo, mas por razões pessoais. Rápida, ela encarou-o, e seus olhos soltaram faíscas de raiva. — Invadiu a minha privacidade porque estava curioso? Ou eu era boa o suficiente para trabalhar com você, mas não para ser sua amante, a não ser que descobrisse tudo

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sobre mim? — Ela estava incrédula e indignada. — Como se sentiu ao saber que foi para a cama com a filha de um criminoso? Ela tremia de fúria, o que deu a ele uma idéia de como a magoara. Nem o deixou responder. Batendo sobre a mesa, continuou: — E pensar que acreditei em você, ontem à noite. Mas não era com a fofoca de escritório que estava preocupado, não é? Não queria que o vissem em público acompanhado pela filha de Nolam St. Clair! — Basta! — Ele segurou-a pelo braço com tanta força que era provável que Angie apresentasse alguns hematomas na manhã seguinte, por isso soltou-a em seguida. — Sabe muito bem que não ligo para isso! Sabe que pretendia levá-la ao restaurante como planejado, não sabe? Ela encarou-o, pronta a responder, mas hesitou quando seus olhares encontraramse. Desviando os olhos primeiro, Angie concordou num murmúrio, apesar de relutante. Satisfeito com essa pequena vitória, Rhys explicou, sombrio: — Fiz isso porque estava preocupado com você. Já sei há algum tempo sobre seu pai, e o que ele fez não me importa a mínima, a não ser pelo fato de que ainda a magoa. — Estava preocupado comigo? Por quê? — perguntou, ansiosa ao ouvir uma confissão tão inesperada. Será que ia ter de soletrar para ela entender?, pensou Rhys. — Você era tão solitária; então, ficou óbvio que alguém a magoara e eu quis saber se podia fazer algo para ajudá-la, porque… Porque você é importante para mim, maldição! Angie mordia os lábios, pensando no que ouvira. Rhys não costumava mentir para ela nem para os outros. Se alegava estar preocupado, nada havia a fazer a não ser acreditar. Sabia que ele se sentia atraído por ela e que o relacionamento deles ia além do físico. Mas até então tomara todo o cuidado para não esperar muito dele. Havia já algum tempo sabia estar apaixonada por ele, mas nunca esperara que esse sentimento fosse correspondido ou que tivessem um final feliz. Não era melhor contentar-se com o que tinha, apesar do que ele dissera? Talvez estivesse apaixonado por ela, agora, mas quanto tempo poderia durar? Logo ele começaria a se aborrecer com a história sórdida da sua família. Não ia querer como mãe dos seus filhos uma mulher com aquele tipo de escândalo no passado. Seu pai, os amigos de Boston, namorados, todos tinham dito que se importavam com ela… E olha só o que acontecera! Havia sido magoada profundamente, abandonada e proscrita do círculo seleto dos privilegiados. Como podia botar fé em um homem tão complexo, que nada aprendera sobre o amor? Tinha um medo terrível de se ferir de novo, como já ocorrera. Abraçando o próprio corpo, como a se proteger dos calafrios que sentia, Angie afastou-se de Rhys. — Gostaria de ir para casa mais cedo hoje. Preciso de algum tempo sozinha. Era a primeira vez que fazia um pedido daqueles durante os meses em que trabalhava ali. 74


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— Deixe-me levá-la, e passaremos a tarde juntos. Podemos conversar sobre o assunto. Precisamos conversar, Angelique! Angie não conseguiu conter a exclamação de surpresa. Rhys estava disposto a ignorar um projeto importante, só porque ela estava perturbada? Seria possível que era, realmente, tão importante para ele? Decidida, recusou, pois queria ficar só. Ele concordou resignado, porém com mágoa. — Muito bem. Telefone-me se mudar de idéia, ok? Nem sempre é preciso resolver tudo sozinha, querida… Ela virou-se, depressa, para evitar o impulso de se atirar nos braços dele. Antes de conseguir sair, Rhys abraçou-a e, olhando-a intensamente, murmurou: — Desculpe-me, Angelique. Não queria feri-la, só ajudar… Angie sentiu o coração disparar e a boca secar. Mesmo depois de tudo, não conseguia deixar de querê-lo. Ao soltar-se, percebeu que tremia e que o mesmo acontecia com ele. — Eu sei… — sussurrou, emocionada. — Ligue-me, se precisar. Sem poder responder, ela fugiu da sala. Trancada no refúgio que era a casa da avó, Angie, vestida num robe confortável, tinha Florzinha no colo e olhava para o vazio, na mesma posição havia horas. Não jantara. Estava se escondendo, admitiu a si mesma. Escondendo-se do passado, de Rhys e dos próprios sentimentos confusos. Sentia-se a salvo rodeada pelos objetos e lembranças da avo. Será que algum dia teria coragem de sair daquele paraíso particular? Abraçou a gatinha, até que ela miou em protesto, pulou no chão, correndo na direção da tigela de comida. Observando-a, a jovem concluiu que havia apenas um problema com o seu santuário: a solidão. Sentia falta de Rhys. E imagens dos dois juntos fez com que desejasse que isso fosse um fato e não apenas uma fantasia. Estaria ele sentindo-se sozinho também?, pensou, com tristeza. Estaria naquela casa vazia, pensando nela, sentindo-se mal com o que fizera e desejando que ela o perdoasse? Nunca duvidara de que acabaria perdoando… Claro que no começo ficara furiosa e magoada. Saber que ele pagara a um estranho para mexer em seu passado fazia com que se sentisse mal. Mas, pelo que conhecia de Rhys, ele provavelmente usara o meio mais direto e prático para descobrir o que queria. E fizera tudo por um único motivo: preocupação. Sabendo disso, como poderia não perdoá-lo? Amava-o tanto! Deveria estar brava, mas, em vez disso, estava emocionada. Ele agira com arrogância, falta de tato, e invadira sua privacidade, mas nunca alguém tivera tanto trabalho por ela. Ele tinha tão pouca experiência no que se referia a importar-se com os outros ou deixar que alguém tomasse conta dele! Precisava desesperadamente do amor que ela 75


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tinha a lhe oferecer, mesmo que não soubesse como correspondê-lo. Pela primeira vez na vida sentia que alguém precisava dela. Talvez, apenas talvez, pudesse ensiná-lo a amar, a compartilhar, pensou, começando a ficar otimista. Considerando o próprio passado, sabia que também não tinha muita experiência nessa área, mas tivera o exemplo dos avós, do que um verdadeiro relacionamento poderia ser. Se a história do pai não interferisse de fato entre eles, só tinha de lutar com a desconfiança e insegurança de Rhys. Só?, pensou, sorrindo pela primeira vez desde que voltara para casa. Tinha uma boa chance, mas não poderia se esconder e evitar falar com ele. Determinada, levantou-se e começou a tirar o robe, dirigindo-se para o quarto. Rhys tentara relaxar, tomando um banho e vestindo um abrigo confortável. Procurava ler o jornal quando a campainha soou. Eram mais de nove horas da noite. Seu coração disparou, ansioso, abriu a porta de sopetão e deparou com Angelique, parecendo tão jovem e vulnerável num suéter rosa e calça jeans velha. Os cabelos loiros estavam presos num rabo-de-cavalo, com uma fita rosa. — Tinha razão, Rhys. — Ela retorcia as mãos, nervosa. — Nem sempre consigo resolver as coisas sozinha. Preciso de ajuda. Ele tomou-a nos braços, murmurando que podia contar com ele. Aconchegada contra o tecido macio do abrigo, Angie suspirou de prazer, feliz em ouvir aquilo pela primeira vez na vida. Talvez o que tinham juntos não durasse para sempre, mas no momento era o suficiente. Levando-a para a sala, Rhys perguntou-lhe se gostaria de conversar. Angie hesitou um momento, mas depois sorriu e enfiou as mãos por debaixo do blusão dele, dizendo que não. — Oh! — exclamou, respirando mais rápido. Provocando-o, ela correu a mão pelo elástico da calça de moletom. — Está brincando? — perguntou Rhys, depois de tossir, engasgado. Ela foi abaixando as mãos e descobriu o quanto ele estava excitado. A ponto de perder o controle, Rhys ergueu-a nos braços e subiu a escada, com impaciência. Angie recostou a cabeça no peito largo e fechou os olhos. Sentindo-se protegida, teve certeza de que a ligação entre eles era mais do que atração física, apesar do desejo que os consumia. Não ia perder tempo imaginando quanto tempo o relacionamento duraria ou se sobreviveria quando acabasse. No momento, tinha coisas melhores a fazer. Muito melhores… Nas duas semanas que se seguiram, os dois passaram bastante tempo juntos, fora do horário de trabalho. Como que para provar que não se envergonhava dela, Rhys levou-a a restaurantes, ao teatro, jogos de beisebol e shows. Duas vezes encontraram colegas do 76


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escritório. Ela sabia que os comentários estavam à toda, mas pela primeira vez não ligava. Se era o preço que tinha de pagar para estar com Rhys, que fosse. Além do que, se acostumara a que falassem de si, pensava, com certo humor. Ela fazia contínuas descobertas agradáveis sobre ele. Embora não tivesse tido muito tempo para se divertir nos últimos anos, Rhys adorava comédias e aventuras sofisticadas. Um dia abrira um armário no estúdio dele e descobrira uma coleção de álbuns de rock antigos, além de um sistema estéreo caríssimo. — Não sabia que gostava tanto de música — comentara, animada. — É — admitiu ele, envergonhado, interrompendo a leitura de uma revista especializada em negócios. — Em geral, gosto de ouvi-la, quando estou em casa, sozinho. — Por que não me contou? — O assunto nunca foi mencionado… — desconversou ele. Ela ficou fascinada com a variedade: Beatles, Rolling Stones, Elvis, Buddy Holly, The Doors, Joe Cocker, Country Joe e muitos outros, alguns dos quais ela nunca ouvira falar. Quis saber por que a coleção dele só ia até a época em que o estilo heavy metal surgira. Ele garantiu-lhe que nada decente aparecera desde então. Ela levantou-se, pronta para a luta: — Prepotente! Surgiu muita música boa nos últimos dez anos. — A maioria são dos mesmos grupos que tocavam na década de sessenta — replicou ele, jogando a revista de lado, disposto à batalha. —Stones, Beach Boys, Tina Turner, The Who, Rod Stewart… — E Bon Jovi! Você tem alguns metaleiros, como Led Zeppelin e Iron Butterfly! — São clássicos. O resto é besteira — declarou ele, com superioridade. Ela plantou as mãos nos quadris e desafiou: — E Madonna? — Comparada com Tina Turner? — gemeu, dramático. — Por que não acrescenta na lista Barry Manilow, também? — Pois eu gosto dele — informou ela, com frieza. — E também gosta de abacaxi na sua pizza. Definitivamente, o seu gosto é muito questionável, moça! Ela olhou-o, ultrajada, e jogou-se sobre ele, caindo em seu colo com força suficiente para fazê-lo perder o ar. Passando os braços pelo pescoço forte, murmurou: — Seu rato arrogante! Gostaria de lembrá-lo de que gosto de você. O que tem a dizer sobre o meu gosto? Não o deixando falar, beijou-o com intensidade. — Diria que tem uma técnica bem especial para ganhar uma discussão — riu o rapaz, quando ela, por fim, o soltou. — Estou surpresa! — Ela aconchegou-se mais a ele, sorrindo. — Pensei que sua preferência fosse por música clássica.

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— Fachada, apenas. O tipo clássico é mais respeitado e impressiona melhor. Quase que fui a Woodstock. Ela começou a rir ao imaginá-lo de cabelos compridos, enfeitado com flores, exibindo o símbolo de “Paz e Amor”. Quis saber o que o impedira de ir. — Tio Sam resolveu me convocar naquele verão — comentou ele, como se não fosse importante. — Não deixou que eu desse uma paradinha em Woodstock no caminho para o Vietnam. — Teve medo? — perguntou Angie, suavemente, e o sorriso desaparecera por completo do seu rosto. — Quantos anos tinha? — Dezoito. — Seu tom de voz era amargo. — E detesto admitir, mas por diversas vezes fiquei apavorado. — Tão jovem… — Ela engoliu em seco. — É, mas amadureci rápido. — Ficaram em silêncio, até que ele praguejou. — Oh, inferno! — O que foi? — Estava calculando quantos anos você tinha naquele verão. Aposto que nem lembra do Vietnam, de Woodstock, do primeiro homem na Lua, muito menos do assassinato de Kennedy. — Ainda não havia nascido quando o presidente Kennedy foi assassinado. Tinha quatro anos na época de Woodstock e do primeiro homem na Lua; nove, quando as nossas tropas voltaram da guerra, do que me lembro bem… Quer dizer, um pouco. — Eu tentava proteger o meu traseiro numa trincheira cheia de barro, enquanto via meus companheiros morrer, e você ainda usava fraldas! — Eu não usava fraldas aos quatro anos! — Modo de dizer — suspirou ele, pensativo. — Estava no jardim-de-infância. De vez em quando esqueço como é jovem! — comentou, distante. — Isso o incomoda? — perguntou ela, surpresa. — Só quando penso a respeito. — Não é importante a diferença de idade, temos muito em comum. Ambos gostamos de música. Aposto que existem várias que nós dois conhecemos. — Ao perceber o olhar cético dele, murmurou: — Tem discos diversos nessa sua coleção. Gostamos de filmes de aventuras e ambos trabalhamos demais — acrescentou, com um sorriso, ao notá-lo mais otimista. — E temos… Ela puxou a cabeça dele para baixo até que seus lábios se tocaram num beijo longo, intenso e exigente. — Sim, temos isto! — gemeu Rhys, num tom rouco, antes de beijá-la de novo, fazendo com que deitasse no sofá.

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Por duas semanas não mais falaram sobre o relacionamento que tinham, nem sobre o futuro. Angie não sabia ao certo se fora por escolha sua, dele ou covardia mútua. Só sabia que ambos evitavam falar sobre assuntos sérios. Começaram a planejar a visita a tia Íris, e ela aguardava o encontro com ansiedade. Queria conhecer a mulher que fora tão boa para Rhys, que fizera tanta diferença na vida dele, que trouxera à tona o potencial dele para aprender a amar. Ele assegurou-lhe que a velha dama queria muito conhecê-la. Apenas uma vez durante esse período idílico a tensão reapareceu entre os dois. Arrastando-se para fora da cama de Angie certa manhã, bem cedo, para ir para casa trocar de roupa antes de seguir para o escritório, Rhys resmungou: — Estou ficando velho demais para isto. Seria muito mais fácil se você mudasse para a minha casa. As palavras deixaram-na atordoada. Viver com ele? Só o pensamento a fazia entrar em pânico. Deixar a casa da avó? Jamais! Não conseguiria. — Não creio que estejamos prontos para dar tal passo — conseguiu replicar, de maneira razoável. Rhys não apreciou nem um pouco a resposta dela, muito menos a expressão de terror que surgiu nos olhos cor de violeta. Sentia a relutância dela em deixar aquele santuário e se ressentia. Não lhe pedira para vender a casa, apenas sugerira que a queria com ele dia e noite. E sua casa era maior e melhor. Fazia mais sentido, mas resolveu não pressionar. Algo lhe dizia que não seria sábio, que o relacionamento deles era ainda muito frágil. Determinado, decidiu que faria o mesmo pedido mais adiante. Sentia-se cansado de acordar sozinho, mesmo que isso não ocorresse com muita freqüência. Angie era dele, e já estava na hora de conscientizar-se disso. June entrou na sala de reunião tão discretamente que de início apenas Angie a viu. Franziu o cenho diante da atitude inesperada da secretária. Deveria ser algo importante, para fazê-la interromper uma reunião crucial com os acionistas. Com um pressentimento ruim, parou de tomar notas, apesar de Rhys continuar falando, e pegou o bilhete que June lhe estendeu antes de retirar-se. Cada vez mais ansiosa, Angie preparou-se. O que teria acontecido? Nem bem terminara de ler a mensagem, fechou os olhos, tomada de pesar. Pesar pela mulher que jamais conheceria e por Rhys, que ficaria desolado. Surpreendendo a todos, Rhys parou no meio de uma frase e encarou Angie. — Angelique? — perguntou, esquecendo-se pela primeira vez de usar o formal srta. St. Clair na frente dos acionistas. — O que aconteceu? Ela respirou profundamente, levantou, ainda agarrada ao caderno de notas, tentando imaginar como afastá-lo dali para lhe dar a notícia. Ele resolveu o caso quando tomou o bilhete das mãos trêmulas e leu. 79


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Angie ficou ainda mais perturbada ao notar que a expressão dele não se alterara, conforme tomava conhecimento do ocorrido. O único sinal de emoção que pôde notar foi uma súbita tensão dos lábios. Sentia o coração doer por ele, pois sabia o sofrimento que escondia por detrás da máscara impassível. Rhys dobrou o bilhete, assentiu na direção dela, colocou o papel no bolso e retomou o que falava anteriormente, ignorando o silencio questionador que surgiu. Chocada demais para se preocupar em ser discreta, Angie exclamou: — Rhys! Não acredito que pretenda continuar com esta reunião! Ele olhou-a desgostoso, ciente dos olhares surpresos com que eram observados. — Sim, srta. St. Clair, pretendo. Não há razão para que seja adiada. — Não há razão? — No que lhe dizia respeito, só ela e ele se encontravam no aposento. — Como pode dizer uma coisa dessas? — perguntou, aproximando-se dele. — Não posso fazer nada agora. Ninguém pode — disse ele, calmo. — Pode sentir a dor da perda — Angie sussurrou, tocando o rosto querido com a mão. — Se não por ela, por você. — Angelique… Ela virou-se abruptamente e encarou os rostos curiosos que cercavam a mesa. — Faleceu um parente da família do sr. Wakefield. Estou certa de que entenderão a interrupção da reunião. Marcaremos uma outra, daqui a alguns dias. Todos se mexeram, pouco à vontade, e olharam para Rhys, querendo confirmar a decisão. Ele hesitou, mas acabou pedindo que se retirassem e entrassem em contato com June. Ninguém perdeu tempo em sair. Menos de cinco minutos mais tarde apenas Angie e Rhys permaneciam na sala. — Você é a única pessoa que vai escapar viva, depois de uma atitude dessas. — Seu tom era seco, e ele inclinou-se na direção dela visivelmente tenso. — Como pôde usurpar a minha autoridade? Por quê? Ignorando o sermão, ela abraçou-o pela cintura e disse: — É uma pena, Rhys. Sinto muito. — Oh, inferno! — exclamou ele, relaxando os músculos. Abraçou-a e apoiou o rosto nos cabelos loiros. — Falei com ela antes de ontem. Parecia bem. Se soubesse que tinha piorado, teria ido vê-la! — Eu sei. Mas o bilhete diz que morreu enquanto dormia, ontem à noite. Talvez não soubesse que o fim se aproximava. — Acho que não — concordou o empresário, depois de um longo silêncio. — Teria gostado dela, Angelique. Vou sentir saudade! Lágrimas corriam pelo rosto da jovem, que lembrava da morte da avó. — É como se uma parte especial da gente se fosse — ela disse, olhando para ele, que reparou nas lágrimas. — Está chorando por mim, de novo? 80


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— Não posso evitar — admitiu. — Não suporto saber que está sofrendo. Gostaria de poder ajudar. — E está ajudando… — sussurrou ele, beijando-a de leve. — Obrigado. Ela ficou na ponta dos pés e abraçou-o o mais apertado que pôde. Aquele homem não recebera sua cota de abraços, nem quando magoado. Talvez fosse por isso que, em geral, não encorajava esse tipo de intimidade. Com Rhys não se podia esperar um convite; então, lhe oferecia carinho sem que pedisse, e ele aceitava a oferta com uma gratidão tocante. A pedido de Rhys, não houve cerimônia de funeral, por isso ele não chegou a sair da cidade. Passaram uma noite calma, prepararam o jantar juntos e mais tarde sentaram-se no estúdio e ouviram música abraçados. E, quando ele voltou-se para ela, com expressão de dor nos olhos, Angie abriu os braços, oferecendo o próprio corpo e a paixão como conforto! Fizeram amor com uma ternura que a fez chorar. Depois, dormiram abraçados na imensa cama de casal. Angie acordou no meio da noite e descobriu que ele ainda a segurava apertada contra o peito. Sorrindo, acomodou-se melhor e voltou a dormir. CAPÍTULO 10

Ele era o primeiro a reconhecer quando não estava de bom humor. Não sabia dizer exatamente o que havia de errado… ou melhor, sabia. Fazendo uma carranca, pisou fundo no acelerador, Angelique o enlouquecia com sua teimosia, recusando-se a ir morar com ele. Era tarde, sentia-se cansado e deveria estar indo para casa passar uma noite agradável com sua garota. Em vez disso, ia passar pela casa dela no caminho para a sua. Seu rival era um imóvel velho, cheio de recordações do passado. Mesmo depois de tudo o que haviam partilhado no mês após a morte de tia Íris, mesmo que a paixão entre eles se tornasse cada vez mais forte, Angie não confiava o suficiente nele, ou nela mesma, para abandonar seu santuário e arriscar um futuro juntos. O que poderia fazê-la sentir-se segura com ele, como se sentia em relação à velha casa?, pensou, ao entrar na rua em que ela morava. Era fim de tarde, e as luzes começavam a acender nas ruas, casas e jardins. As crianças se despediam dos amigos para atenderem às mães, que as chamavam para dentro. Era um bairro de classe média, tradicional, do tipo que Rhys sonhara em viver quando criança. Com mães de avental, pais disponíveis para uma conversa, alguns irmãos, um cachorro e um carro grande. Era óbvio porque AngeLique sentia-se segura ali. Seria isso de que necessitava?, refletiu tenso. Casamento? Crianças? Um arranjo permanente e legal, além das alianças de ouro?

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Pensativo, franziu a testa ao ver a casa dela a distância. A idéia era tentadora. Adoraria apresentá-la como sua esposa. Não considerara o casamento antes, pois acreditava que fracassaria nessa área. Só agora via como consumira todo o tempo no trabalho, não sobrando nada para o resto. Casara com a empresa. Mas agora, com Angelique, talvez… Impulsivamente, virou a direção e estacionou na entrada da garagem. Não fora sua intenção parar, nem fora convidado, mas lá estava ele. O máximo que ela poderia fazer era fechar a porta na sua cara, e era melhor que não fizesse isso!, concluiu, decidido. — Rhys! Não o esperava.

Angie estava na porta, vestida num robe macio, os cabelos molhados e o rosto corado. A gatinha espiava por detrás da dona e saudou-o com um miado. Era assim que deveria ser sempre!, reconheceu ele, de imediato. Após o trabalho, iriam para casa relaxar juntos. Se, pelo menos, conseguisse convencê-la a mudar para a casa dele… — Vai me deixar entrar? — perguntou, tentando parecer brincalhão. Ela afastou-se e fechou a porta assim que ele passou. — Parece cansado — comentou, decidida a aceitar a presença dele sem questionamentos. — Quer um drinque? E algo para comer? Já comi uma salada, mas posso preparar alguma coisa. — Um sanduíche de atum parece bom — insinuou ele. — Está com sorte, tenho uma lata de atum — sorriu a moça. — Obrigado. Vou pegar algo para beber. Ele foi direto para a geladeira, onde ela passara a manter vários sucos de frutas. Tirou um suco de uva, porém, estava mais interessado em Angelique. Entretanto, isso teria de esperar. — Maldita gata! — praguejou, quando tropeçou nela, derrubando a bebida, embora não estivesse bravo. — Ela está bem? — Angie perguntou preocupada, virando para ver o bichano indignado. — Está — respondeu ele, secamente. — E eu também. Obrigado por perguntar. — Achei que conseguiria se virar sozinho — disse, rindo ao observá-lo secar o chão com toalha de papel. Levantando-se na ponta dos pés, deu-lhe um beijo e continuou: — Coitadinho, vai querer batatinha frita com o seu sanduíche? — Eu… ahnnn… o quê? — Ficou paralisado, na mesma posição. — Quer batatinha frita, Rhys? — repetiu, olhando-o com estranheza. — Oh, sim, por favor. Ela era perigosa. Bastava que lhe desse um beijo e fizesse um comentário carinhoso e ele era reduzido a um gago incoerente. Um homem que não tomasse 82


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providências para tornar uma mulher dessas sua para sempre era um completo idiota. Já fora chamado de muita coisa, mas nunca de idiota. Lembrando-se da toalha que tinha na mão, jogou-a na lata de lixo. Ia fechar a tampa, quando reparou num envelope no chão. Parecia que o tinham jogado fora, mas errado o alvo. Pegou-o, notando a escrita caprichosa do remetente e que não fora aberto. Devia ser do pai dela. Perguntou a Angie se era para jogar fora. Ela olhou de relance para o envelope e franziu o cenho. Depois, colocou o prato dele na mesa, avisando que estava pronto. — Mas Angelique… — Rhys, por favor, jogue fora. — Ela encarou-o, e não havia dúvidas quanto à mensagem que transmitia: não queria interferência naquele assunto. — Não há nada que meu pai tenha a dizer que eu esteja interessada em ouvir ou ler. — E se ele estiver sentindo-se solitário? — sugeriu Rhys, com suavidade. Não sabia ao certo por que insistia, mas algo lhe dizia que ela jamais seria feliz se não entrasse em acordo com seu único parente vivo. Pelo menos parcialmente. — E daí? — Angie falava em tom de voz duro, que ele nunca ouvira antes. — Está colhendo o que plantou. Se não é tão agradável quanto imaginou, é culpa dele, por não ter sido um pouco mais criterioso em suas ações. Rhys puxou uma cadeira, virou-a e sentou a cavalo nela. Deu uma mordida no sanduíche, mastigou, engoliu e então arriscou mais um comentário: — Sei que ele cometeu erros, mas não é o primeiro nem será o último a errar. Lembro que me disse que sua infância não foi exatamente infeliz. Não sente mais nada por seu pai? — O que fez acabou com qualquer sentimento que eu tinha por ele. — Ela empertigava-se na cadeira. — As coisas que fez… que disse para mim, jamais esquecerei. — É sempre tão dura e rígida? — Colocou o resto do sanduíche no prato. — Por que está me pressionando? — Angie encarava-o, indignada. — Que importância tem isso para você? Rhys não gostou daquilo e, quando respondeu, com certeza, seu tom o indicou: — Não posso deixar de imaginar se não fará a mesma coisa comigo, se eu fizer algo que a desaponte. Todos cometemos erros, Angelique. Não posso prometer-lhe que jamais a magoarei acidentalmente ou que estarei por perto sempre que precisar. E, se acontecer, vai querer acabar com o nosso relacionamento da mesma forma que fez com seu pai? Ela olhou-o por um longo e tenso momento, antes de esticar a mão e tocar, com a ponta dos dedos, os lábios dele. — Jamais vou querer acabar com o nosso relacionamento. Ele segurou-lhe a mão e sentiu o peito apertar. Uma vozinha dentro de si dizia: “Diga agora, antes que perca a coragem”.

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— Então, vamos torná-lo permanente — resmungou, sem conseguir ser diplomático quando tinha tanto a perder. — Case comigo. Ela soltou uma exclamação surpresa e sua mão amoleceu com o choque. Repetiu a palavra temida como um eco. Rhys segurou a mão pequena com mais firmeza. Ela não ficaria tão aparvalhada se ele tivesse dado um tapa em seu rosto, pensou desapontado. Procurou explicar-se: — Nós pertencemos um ao outro. Não apenas para um caso ou namoro de escritório. Para sempre. Preciso de você na minha vida. Diga que aceita! — Rhys, eu não esperava por isso — replicou ela, roucamente, tendo dificuldade para engolir. — Tem de me dar um tempo. — Quanto? — perguntou, com os olhos grudados nos dela. Angie mexeu-se, inquieta, na cadeira, apesar de ele ainda segurar sua mão. — Não sei! Não posso lhe dizer quando ou marcar uma data! — Quero uma resposta, Angelique. E não tenho muita paciência. — Eu que o diga! — exclamou ela, com uma careta, tentando aliviar o ambiente. De repente, entretanto, seus olhos encheram-se de lágrimas. — Rhys, significa muito para mim que tenha… Ele olhou-a, aborrecido e irritado. — Não ouse vir com aquela ladainha de que se sente honrada com o pedido, mas que não pode aceitar! Ela suspirou, brava por ele não tê-la deixado terminar. — Mas é uma honra, quer você queira ou não. Pensa que não sei o que um casamento significa para você? Por que espera que eu reaja como se tudo fosse uma brincadeira, que poderia aceitar, sem pensar seriamente a respeito? — É que eu esperava que já soubesse a resposta — admitiu ele, desconcertado. — Que já tivesse pensado a respeito. Será que agira como um idiota? Será possível que ela nunca tivesse pensado em casamento? Se não, pensou com teimosia, já era mais do que hora que o fizesse. — Confesso que a idéia me passou pela cabeça uma vez ou outra. Mas é algo que me assusta, amedronta. — Amedronta? — perguntou ele, gentilmente, erguendo as sobrancelhas. — Pensar em dar um passo desses, tão sério, é que me assusta. Não é você que me amedronta — tentou explicar, ao perceber que ele se magoara. Puxou a mão, mas Rhys a reteve, apertando-a tanto que os dedos ficaram brancos. — Tente entender. — Tentarei, se quiser me explicar… — No ano passado — começou ela, depois de alguns minutos em que tentara organizar os pensamentos — meu mundo virou de cabeça para baixo. Perdi tudo que tinha. Minha avó, o respeito pelo meu pai, quase todos os meus bens, tudo. Isso me deixou perdida, assustada e sem saber quem eu realmente era. Então, vim para cá e construí uma nova vida para mim. Comecei um trabalho para o qual não fui treinada e, por incrível que 84


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pareça, me dei bem. Aí… começamos a sair juntos e eu… eu me apaixonei por você. Mas — continuou, apressada, ao perceber que ele ia interrompê-la — não estou certa de estar pronta para mudar minha vida. No momento sinto-me feliz e satisfeita. Tenho medo de arriscar e perder tudo de novo, se agir sem pensar ou se não tiver certeza de que nós dois sabemos o que queremos fazer. — Eu sei o que quero fazer… Você é que não. — Ele indicou o aposento em que estavam. — Criou um pequeno e seguro esconderijo aqui. Algumas vezes dá uma saidinha, até que as coisas fiquem difíceis e tenha de se arriscar a viver de novo. Então, corre de volta para suas coisas, suas lembranças e seu gato. Não estou pedindo que desista disso, Angelique. Mantenha a casa e tudo o que tem, se quiser. Seu emprego não mudará, e jamais pediria que deixasse de encontrar os amigos que fez. Até aceito a gata como parte do pacote. — Ele inclinou-se para ela, a urgência de convencê-la deixava-o tenso; por isso, mais duro no jeito de falar. — Diz que me ama, mas tem medo de confiar em mim, de confiar no que encontramos juntos. Até que o faça, não teremos a menor chance de que nosso relacionamento dê certo. — Preciso de tempo, Rhys! — Ela quase implorava. — Não me pressione! — Pressionar? — bufou ele, sem poder esconder a amargura. — Quer dizer do tipo “casa comigo ou está tudo acabado”? — Ao perceber que ela assentia, apreensiva, ele balançou a cabeça numa negativa. — Nunca. Nem se achasse que isso resolveria a questão. De qualquer forma, seria um blefe. De jeito nenhum vou deixá-la, agora que a encontrei. Mesmo que tenha de continuar arrombando esta fortaleza que construiu a sua volta, até que admita que não tem a menor chance sem mim. Terá o seu tempo, mas, Angelique, não demore muito… — concluiu, deixando uma dúvida pairando no ar. Angie suspirou, gemendo, e arqueou o corpo, facilitando o acesso para Rhys, que mordiscava a parte interna da sua coxa. Se a intenção dele era deixá-la louca, estava fazendo um bom trabalho. Já perdera a noção do tempo desde que ele escorregara o robe por seus ombros e a deitara sobre a cama, começando a acariciar cada pedacinho de pele que encontrava. Transformara-a num corpo inerte, tão cheio de prazer, que até esquecera de corresponder às carícias. Ele usava as mãos, a boca, a língua e o que mais pudesse, até fazê-la gritar, certa de que endoideceria se ele não parasse e que morreria se parasse. Com o pouco fôlego que ainda tinha, Angie sussurrou o nome dele. Ao ouvi-la, Rhys murmurou contra os lábios dela: — Diga o que tanto quero ouvir, querida… Angie sabia o que ele queria, embora não o dissesse. Não era a primeira vez que fazia aquele pedido desde que a levara para a cama. — Te amo. Te am… Com a língua, Rhys provou as palavras que saíam dos lábios de Angie, como se quisesse absorvê-las. Com uma mão acariciando um dos seios, Rhys penetrou-a, seus

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quadris prontos para iniciar o ritmo sensual que a levaria às alturas. Angie cravou as unhas nos ombros dele, gemendo de prazer, esquecida do mundo e de si mesma. Arqueando o corpo, ela abraçou-o com as pernas para tê-lo mais dentro de si. Gemendo, gritou seu nome e, chorando de prazer e desaponto, estremeceu próxima do orgasmo, sabendo que o fim estava próximo, tentando adiá-lo. Nunca fora mais feliz do que quando se encontrava abraçada intimamente a Rhys, quando deixavam de ser dois corpos separados, tornando-se um único ser. — Angelique, eu… — Ele interrompeu o que falava com um gemido, estremecendo com o clímax avassalador que alcançava. Ela desejou que Rhys tivesse terminado o que dizia. Queria tanto ouvi-lo dizer que a amava. Seria a primeira vez, embora exigisse que ela repetisse que o amava a todo instante. Sabia o quão difícil seria para ele dizer tais palavras, mais do que fora pedi-la em casamento. — Estou te esmagando? — perguntou ele, querendo sair de cima dela. — Não. — Abraçou-o com força, não deixando que se movesse. — Estou bem. Rhys murmurou algo que ela não entendeu e ajeitou a cabeça sobre os seios macios, ainda palpitantes. Voltando aos próprios pensamentos, Angie tentou imaginar como seria estar casada com Rhys. Ele a acusara de não confiar nele. Estava errado. Nos últimos meses, aprendera que não havia ninguém no mundo em quem confiasse mais do que Rhys. Ele não a desapontaria, como o pai fizera, nem mentiria, como os amigos, e jamais seria infiel. Para Rhys o voto do matrimônio era como se tivesse dado sua palavra. E não cumprir o que prometera seria como perder a honra, que era tão importante para ele. Então, do que tinha medo? De perdê-lo, respondeu a si mesma, de imediato. Não para outra mulher ou uma cela de prisão, mas por desinteresse. Quando a novidade de ser amado se tornasse um tédio, quando admitisse que os riscos dos negócios eram estímulos mais do que suficientes para tornar a vida interessante… Talvez ela ainda estivesse lutando contra a própria sensação de fracasso e dúvidas, quanto ao que tinha a oferecer a um homem como Rhys, mais velho e experiente, bemsucedido e confiante. Ele respirou profundamente e virou o corpo, deitando-se de costas, puxando-a consigo até acomodá-la contra o corpo, com a cabeça apoiada no ombro largo. — Diga de novo. — As linhas de cansaço do rosto másculo relaxaram-se num sorriso. — Eu te amo… Ela atendeu-o, feliz. Rhys parecia ser insaciável e precisava dela. Sabendo que ele não poderia vê-la, Angie fez uma careta diante de tanta vulnerabilidade. Saber que um homem tão forte, auto-suficiente e orgulhoso como Rhys precisava tanto dela era algo a que não conseguia resistir. 86


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Apesar de seus medos, reconhecia ser uma futilidade desafiá-lo. Se ele decidira casar-se com ela, então era o que aconteceria, pois não tinha força nem vontade para recusar-lhe algo tão importante. — Está bem. Eu caso, Rhys… As palavras ditas num tom baixo deixaram Rhys repentinamente alerta. Apoiando o cotovelo na cama, inclinando-se sobre ela e observando-a fixamente, perguntou: — Casa? Decidiu neste minuto? Por quê’? Angie sorriu. Só mesmo Rhys para desconfiar quando conseguia algo que desejava. — Porque o amo e porque quero, satisfeito? — Sim. — Ele sorriu e beijou-a. — Quando? — Não estamos com pressa, estamos? — tentou despistar, não querendo começar a fazer planos naquele momento. Mas, ao notar que o sorriso dele desaparecera e que a olhava ameaçador, suspirou e disse: — Não estou tentando pular fora ou te enrolar. Só não quero apressar algo tão importante. Quero tempo para fazer as coisas direito. Tenho de resolver certos problemas antes. — Ok! — aceitou ele, embora não estivesse satisfeito. — O que fará com a casa? — Não sei. — Não há pressa. Pensaremos em algo. Enquanto isso, quero fazer alguns consertos. Fico preocupado que aconteça… — Se pensa que vou concordar que pague as minhas contas — começou ela, interrompendo-o ao colocar os dedos sobre os lábios dele — agora que estamos noivos extra-oficialmente… — O noivado é oficial — interrompeu-a, afastando-lhe a mão. — E espero que me deixe pagar algumas despesas. Tenho dinheiro e, como minha esposa, metade é seu. Inferno! Pode pegar tudo, se quiser. E não precisa ficar na defensiva: sei que não vai se casar comigo por causa de dinheiro! Deixe-me ajudar com os consertos e deixarei que marque a data do casamento para quando quiser. Dentro de um limite razoável, é claro! — Riu. — É um descarado, sem-vergonha! — Adorava ouvi-lo rir daquele jeito. — Está querendo mudar de idéia? — Começou a beijá-la. — Não, mas posso tentar reformá-lo… — respondeu Angie, antes de se esquecer do resto do mundo.

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CAPÍTULO 11

No dia seguinte, à hora do almoço, Rhys queria comprar um anel de noivado para Angie, mas ela o convenceu a esperar até o fim de semana, quando teriam mais tempo. Não foi fácil conseguir que a deixasse dormir algumas noites sozinha, durante o resto da semana. Para Rhys não fazia sentido viverem separados, já que tinham concordado em se casar. Angie sabia que tanto isso como sua ansiedade para comprar um anel eram sintomas da incerteza de Rhys quanto aos sentimentos dela. Com o passado dele, era compreensível que tivesse algumas reservas ou achasse que algo poderia dar errado. Seqüelas de fracassos do passado, de erros cometidos. Ela não podia falar nada, pois sabia que também tinha problemas do passado não resolvidos. O que sentira ao perder tudo da primeira vez era apenas uma amostra do que sentiria se acontecesse de novo, especialmente se no pacote estivesse incluído Rhys. Desejava tão desesperadamente casar com ele, construir um futuro juntos. E se estivesse tendo apenas um exemplo do que era o paraíso e perdesse tudo? Aprendera o suficiente, ficara bastante forte para reconstruir a vida de novo? Ou seria destruída para sempre? — Espero que não se importe de eu perguntar — Gay começou, hesitante, durante o horário do cafezinho, na tarde de uma sexta-feira, quando a maioria já tinha voltado para o trabalho e na mesa só se encontravam as duas, Darla e a tímida Priscilla. — Tem um

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falatório correndo, bem… que não sabemos se é verdade. Fui escolhida para descobrir a verdade direto da fonte. — O que é? — Angie já sabia do que se tratava, pois estava acostumada com a rede de informações da WakeTech. Gay hesitou de novo, olhou para Darla, preocupada se a questão não era absurda demais para ser dita em voz alta. — Você e o sr. Wakefield… Bem, ouvimos que vocês dois tinham ficado noivos… — falou apressada, quase se engasgando. — Onde ouviu isso? — Angie sorriu amarelo, corada. — De June. Ela disse que o sr. Wakefield lhe contou. Nunca soube que June costumasse mentir, mas achamos que talvez estivesse nos gozando. Vai casar, mesmo, com o patrão? — Ela não estava gozando — Angie respondeu, depois de respirar profundamente. — É verdade. — É verdade? — exclamou Darla, toda alegre. Angie sorriu diante das expressões de descrédito que a cercavam e confirmou de novo. — Por quê? — A tímida Priscilla nem bem falou e já tapava a boca com as mãos, ficando vermelha de vergonha. — Sinto muito. Eu… ahnnn… só… ar… — Tudo bem — assegurou Angie, divertida. — Sei que Rhys é um pouco intimidante algumas vezes… — Só um pouco? — murmurou Gay, olhando para o teto. — Está bem. Muito intimidante. — Riu junto com as outras, ao perceber como estava sendo parcial. — Ele não é assim de verdade. E… Não sabia como descrevê-lo para pessoas que nunca tinham visto seu lado mais doce e suave, que não sabiam sobre o garotinho abandonado, sobre o jovem que fora mandado para o Vietnam, em vez de Woodstock, e que precisava tanto ser amado. Acabou concluindo que tímido era uma boa palavra. Só então percebeu o quanto isso era verdade, já que ele tinha tanto medo de ser rejeitado. Erguera barreiras para defender-se. — Tímido?! — repetiu Gay, incrédula. — O sr. Wakefield? Angie mexeu as mãos, frustrada ao perceber as reações ao redor. — Sei que é difícil de acreditar, mas teriam de conhecê-lo melhor para entender. — Não podemos conhecê-lo melhor porque ele não deixa que ninguém se aproxime o bastante para ser seu amigo — disse Gay. — Já estou dando um jeito nisso — prometeu Angie. — Ele é uma pessoa maravilhosa. — Está apaixonada por ele, não está? — perguntou Gay, de olhos arregalados, ao perceber a verdade. — Sim, estou. — E ele…? 89


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— Estou dando um jeito nisso também. — Ele ainda não dissera que a amava, pensou Angie, amarga. Sabia que Rhys a amava, tinha certeza. — Tinha de amá-la! Talvez algum dia se sentisse à vontade para dizer-lhe. Só esperava que isso acontecesse logo. Precisava ouvilo falar de amor tanto quanto ele, descobriu. Olhando em volta, percebeu que suas três companheiras trocavam olhares preocupados. — É claro que ele a ama — assegurou Darla, com um meio-sorriso. — Seria um tolo se não amasse. — Obrigada — agradeceu Angie, emocionada. — É melhor eu voltar para o trabalho. Estar noiva dele não o impede de me passar um sermão quando demoro no cafezinho. — Ela virou-se e saiu apressada. Sem perceber que Angie ainda poderia escutá-las, Priscilla comentou com as duas colegas: — Eu realmente espero que ela saiba o que está fazendo. Detestaria vê-la magoada. Não se preocupe, Priscilla, pensou Angie. Entendo perfeitamente bem a sensação. Também espero que isso não ocorra. Com as mudanças que implantava, Rhys teve de trabalhar até tarde naquela noite, sendo acompanhado por Angie. Quando, em uma pausa, ele fixou o olhar na mulher amada e percebeu que ela tinha uma expressão de cansaço estampada no rosto, falou: — Vá embora, querida. Você está exausta. — E completou: — Vou dormir em casa esta noite. Assim, não a acordo quando chegar. Vê se consegue descansar um pouco. A semana que vem vai ser um inferno e no fim de semana vamos comprar o seu anel. Estou impaciente para tornar público nosso noivado. — Já alcançou o seu objetivo — repreendeu-o ela, rindo. — Sabia que se contasse a novidade a June ela espalharia para todos na empresa. Ele sorriu, nem um pouco envergonhado do truque que usara. Todos sabiam que June era confiável no que se referia a negócios, mas que adorava contar uma fofoca. Fizera de propósito, assim nem um engenheiro novo iria tentar cantar sua noiva, pensou satisfeito, antes de mandá-la para casa e avisar que a pegaria às dez horas no dia seguinte. Suspirando, Angie pegou a bolsa, pois sabia que não adiantaria insistir com ele. Beijou-o e disse: — Boa noite. Não demore para ir embora… Precisa descansar também. E dirija com cuidado. Fico preocupada quando guia à noite e cansado. — Tomarei cuidado — prometeu, adorando ser mimado. Mais de uma hora depois, ele obrigou-se a guardar tudo e ir para casa. Enquanto dirigia, pensava em Angelique. Preferia estar na cama com ela, dormindo ao seu lado, a ir

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para uma casa vazia. Queria casar logo. Era bom que ela resolvesse a data para dali a pouco tempo. Não pretendia passar mais noites sozinho. Seguindo o hábito que adquirira havia meses, ele saiu um pouco do seu caminho para passar em frente à casa de Angie. Estava inquieto naquela noite. Talvez fosse apenas cansaço. As luzes da casa dela estavam todas apagadas, exceto por um abajur, na sala. Não porque ela tivesse medo do escuro, contara-lhe certa vez, mas para não tropeçar na mobília se levantasse no meio da noite para beber água. Ele ouvira a explicação e fora generoso o suficiente para não lembrá-la de que não deixava a luz acesa quando ele passava a noite lá. Tentado a parar e arriscar a juntar-se a ela na cama, Rhys reduziu a velocidade ao aproximar-se. Não!, decidiu. Tinha de deixá-la descansar e a veria dali a apenas algumas horas. Iriam comprar o anel que a tornaria dele, para toda a vida, fosse ele merecedor de tal destino ou não. Depois, não saberia dizer o que o impediu de seguir em frente, para sua casa. Estreitando os olhos ao observar a construção velha, sentiu a garganta apertada. Estava sendo tolo. Porém, de repente, ouviu uma explosão e sentiu seu carro balançar. Praguejando, ele virou a direção, parou na frente da garagem e saltou do carro correndo. A casa dela estava em chamas! Gritando o nome de Angie, tentou abrir a porta, que obviamente estava trancada. Não havia tempo de pegar a cópia da chave que estava com ele no carro. Então, meteu o pé na madeira e por sorte conseguiu arrebentá-la. Lá dentro era um inferno de calor e fumaça. Gritando o nome dela e abrindo o caminho com fúria, foi na direção do quarto. Tossindo, suando, rezando incoerentemente, ele pôs abaixo a pilha de madeira queimada que fora a parede da sala. O piano queimava. Chutando o que encontrava no caminho, sussurrava num tom rouco entre acessos de tosse: — Não a deixe morrer! Oh, Deus, não a deixe morrer! Se isso acontecesse, ia querer ir com ela. Encontrou-a meio soterrada, com as pernas presas. Sentiu o coração bater quando percebeu sangue nos cabelos dourados e a imobilidade estranha. Não reparara que chorava, até que foi obrigado a secar os olhos para verificar a situação. Ajoelhou-se ao lado da jovem, sem prestar atenção à própria segurança. — Angelique. Estou aqui, querida. Acorde, meu bem. Fale comigo. Te amo, Angelique! Não me deixe perdê-la agora! Ela se mexeu e gemeu de choque e de dor. Rhys soluçou, aliviado porque ela estava viva. Como um louco, começou a retirar tudo o que se encontrava em cima dela. Sabia que o teto poderia despencar a qualquer momento, matando-os. — Está tudo bem, meu amor. Vou tirá-la daqui. O ar começou a ficar mais abafado e as chamas se aproximavam. Molhado de suor e lágrimas, mas só pensando em Angie, queria tirá-la de lá e levá-la para o hospital mais próximo. 91


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Pegando-a com cuidado, levantou-se, murmurando sem parar palavras carinhosas, tentando assegurá-la de que estava tudo bem, ao mesmo tempo que continuava rezando. Vagamente viu um gato apavorado passar por ele na direção da porta da frente, mas não parou para ver o que acontecia. Ouviu algo despencar atrás de si quando alcançou a saída. Sentia as chamas queimarem-lhe o pescoço, mas era indiferente à dor. Sua atenção estava focada na mulher inconsciente em seus braços. Quando desceu da varanda, meio tropeçando, vários vizinhos correram para ajudálo. Respirava fundo, tentando injetar ar fresco nos pulmões que queimavam. Alguém tentou tirar Angie dos seus braços, mas ele impediu e colocou-a no chão a uma distância segura da casa em chamas. Ela gemeu, e Rhys sentiu o estômago se contrair. Não agüentava vê-la sofrendo. Ansioso, fez um inventário dos ferimentos. Suas pernas tinham ferimentos que vertiam sangue. Provavelmente estavam quebradas. Tinha um corte na testa e vários hematomas. A respiração mostrava-se difícil devido à quantidade de fumaça que inalara, mas era freqüente, o que o deixou mais tranqüilo. Conseguira tirá-la da casa a tempo. Parecia em estado de choque, mas algo dizia a Rhys que não sofrera nenhuma lesão interna. Angelique ia sobreviver, concluiu, aliviado, desmoronando ao lado dela. Ouviu as sirenes e o burburinho de vozes. Tranqüilizado, sabia que chegava ajuda para Angie. — Rhys? — ela murmurou, virando a cabeça de um lado para o outro, inquieta. — Estou aqui, querida — disse, rápido, segurando-lhe a mão com força e sentindo que alguém jogava um cobertor sobre eles. — Onde está Florzinha? — perguntou uma voz jovem e sonolenta. Rhys olhou em volta e viu um garotinho, vestido com o pijama do Batman, descalço, atrás da mulher que trouxera o cobertor. Era o amiguinho de Angie, Mickey, que lhe dera a gata. Olhando para a casa queimada, Rhys lembrou como ela amava a maldita gatinha. Soltando-se de Angie, levantou-se. A mãe de Mickey tomou seu lugar. Viu que uma ambulância se aproximava junto com os bombeiros. Amaldiçoando-se por ser um tolo, Rhys respirou fundo e correu de volta para dentro da casa. Várias pessoas tentaram impedi-lo, mas ele continuou em frente. Lembrava-se de ter visto a gata correr na direção da porta. Esperava que ainda estivesse ali. Protegendo o rosto e a cabeça com os braços, entrou. — O homem entrou na casa, mamãe. Acha que foi buscar a gata? — Oh, meu Deus! Ele vai se matar! — gritou a mãe de Mickey. — Rhys? — Angie tentou abrir os olhos ao ouvir a exclamação assustada de Kim. Tentou sentar-se, mas suas pernas doíam terrivelmente. Algo estava errado. — Ele entrou lá? Kim tentou fazê-la deitar de novo, assegurando-lhe que Rhys estaria bem. Os homens da ambulância se aproximaram. Angie gritava o nome do noivo, mas foi interrompida por um acesso de tosse que fazia todo seu corpo doer. 92


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— Calma, senhora. Deixe-me colocar isso sobre sua boca, vai ajudá-la a respirar — disse um homem de branco, segurando uma máscara de oxigênio. Sentindo que ia ficar inconsciente, Angie lutou contra a máscara, prestando atenção na dor para tentar manter-se alerta. Só ficaria em paz quando soubesse que Rhys estava a salvo. Chamou-o, mas nenhum som saiu de seus lábios. Quando sentiu uma picada no braço, chorou em protesto. De repente, uma dor intensa nas pernas venceu-a por completo, e ela desmaiou. Angie lembraria as horas seguintes como uma agonia de dor, períodos de consciência alternados com inconsciência, burburinho de vozes estranhas, luzes fortes, mãos gentis que a tocavam, fazendo com que gemesse de dor. Sempre que tentava perguntar por Rhys, algo acontecia, impedindo-a. Algumas vezes teve a impressão de ouvir a voz dele repetindo o quanto a amava, mas sempre que abria os olhos tudo o que via eram rostos estranhos e preocupados. Precisava dele. Quando a casa desmoronara, ele estava lá para ajudá-la. Onde estaria agora? Ao lembrar de Mickey perguntando por Florzinha, chorou, chamando por Rhys. Ouviu alguém dizer que ela estava com dor e em seguida gritar alguma instrução. Percebendo que a pessoa que falara ia dar-lhe medicação para dormir, Angie tentou recusar, mas não teve chance. Ainda chamava por Rhys quando dormiu de novo. Acordou mais tarde, com gemidos altos. Levou algum tempo para perceber que era ela mesma quem gemia. Forçou-se a abrir os olhos e franziu e cenho ao tentar reconhecer onde estava. Encontrava-se numa cama de hospital, com uma agulha presa ao braço. Usava uma camisola de hospital e um lençol cobria parte do seu corpo. Parecia ter as duas pernas imobilizadas sobre uma armação. Sua cabeça doía. Com cuidado, levantou o braço livre e tocou a testa, onde encontrou um curativo. O relógio de parede em frente à cama marcava quatro e meia. Como o sol ainda brilhava na janela a sua esquerda, concluiu que era fim de tarde. Seria sábado? Tentou se concentrar e lembrou da explosão, de madeiras e vidro voando, a cama que despencara, dor, calor, Rhys implorando-lhe para não morrer, mais dor, ele levantando-a, a fumaça e o fogo. Fechou os olhos com força, tentando segurar as lágrimas. Perdera a casa e todas as lembranças dos avós. As fotos, a mobília, as tapeçarias… tudo se fora. Perdera tudo, mais uma vez. Sofria ao pensar na injustiça de perder o que lhe era caro duas vezes, quase no mesmo ano. Nem sabia se tinha forças para recomeçar. Mas, não! Não era como da última vez. Seus pensamentos começavam a clarear. Mordendo o lábio inferior, pensativa, tentou abrir os olhos. Dessa vez tinha Rhys ao seu lado para ajudá-la, com quem podia contar, cujos braços iriam confortá-la. Alguém… Rhys! Arfando, angustiada, Angie olhou em volta, desesperada para vê-lo. Lembrava-se de que após a explosão Mickey dissera que ele volta-na para dentro da casa 93


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à procura de Florzinha. Apreensiva, sussurrou o nome dele, agarrada ao lençol, apavorada. Ele voltara para aquele inferno em chamas só para buscar sua gatinha de estimação… Fizera isso por ela! Por favor, Rhys. Não se machuque! — Implorou em pensamento. — Sobreviverei à perda da casa e das lembranças que lá existem, mas nunca conseguiria viver sem ele. Oh, Rhys! Uma leve batida na porta fez com que ela virasse a cabeça abruptamente, o que provocou dor, fazendo-a gemer. — Angie, querida — disse June que entrava, preocupada. — Está bem? Está com dor? Quer que eu chame alguém? Com a cabeça latejando, Angie esticou o braço, tentando interromper a enxurrada de perguntas. — Está tudo bem, June. Só mexi a cabeça rápido demais. Onde está Rhys? — perguntou, com o coração na mão. — Está descansando num quarto no fim do corredor. Os médicos tiveram de ameaçar anestesiá-lo para fazê-lo sair do seu lado. Ele estava exausto, a ponto de ter um colapso. — Ele está bem? O coração de Angie voltou a bater normalmente, mas teve de respirar várias vezes para acalmar-se. — Está, querida. — June sorriu-lhe e deu uns tapinhas tranqüilizadores na mão da jovem. — Tem algumas queimaduras e hematomas, mas nada sério. E, antes que se preocupe com as queimaduras, asseguro-lhe que não é nada grave — garantiu, ao perceber que Angie ficava ansiosa de novo. — Poderá verificar com os próprios olhos assim que ele acordar. Nunca vi o sr. Wakefield no estado em que o encontrei esta manhã — comentou, meio pasma. — Quando ouvi sobre a explosão, no rádio, e o seu nome, corri para o hospital. Ele estava na sala de espera, andando de um lado para o outro, enquanto a operavam. Não deixou que cuidassem dele até ter certeza de que você ficaria bem. Ele… — Fui operada? — Angie interrompeu, franzindo o cenho. — Ninguém lhe contou sobre os seus ferimentos? — Acabei de acordar. — Oh, bem. Tiveram de colocar um pino no seu tornozelo esquerdo. O osso quebrou feio. Fraturou a outra perna, mas pelo que entendi não foi tão grave. E uma mulher de sorte, Angie. É um milagre que não tenha morrido. Se Rhys não tivesse passado pela sua casa quando a explosão ocorreu, provavelmente não teria sobrevivido. As pernas doíam e a cabeça de Angie latejava sem parar. Tentou lutar contra a fraqueza, pois queria saber de tudo que acontecera. — Rhys voltou mesmo para dentro da casa para pegar o meu gato? — Sim, querida. — Ela olhou para o teto, como se não acreditasse que alguém pudesse se comportar de tal forma. — Foi quando ele se queimou, mas conseguiu salvar a 94


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gatinha. Sua vizinha passou aqui e disse que o filho dela vai cuidar do bichano até que você fique boa. Rhys estava em segurança e salvara Florzinha. Angie fechou os olhos e fez uma prece de agradecimento, além de pedir perdão por ter reclamado a perda de coisas materiais. Mal ouvia June falar: — Estou tão feliz com o noivado de vocês, Angie. Fez maravilhas para o sr. Wakefield. Ele a ama profundamente. Está na cara. “Te amo, Angelique. Não me deixe perdê-la agora!” Será que ele dissera mesmo que a amava ou fora parte da fantasia dela, num momento de delírio? A porta se abriu num baque surdo e Angie virou a cabeça, com mais cuidado dessa vez, na esperança de que fosse Rhys. Deparou com um médico jovem demais, com sardas no rosto e um sorriso alegre. June despediu-se, prometendo voltar mais tarde. Mal a porta fechara, Angie já perguntava por Rhys. — Pelo jeito está bem alerta, não? — o rapaz na, balançando a cabeça de cabelos castanho-aloirados. — Já não era sem tempo. Sou o dr. Kent. Vocês dois se merecem! Ele não queria deixar-nos tratar dele na noite passada, até ter certeza de que você seria cuidada primeiro. Agora, aqui está você perguntando dele, sem nem querer saber sobre os próprios ferimentos. Deve ser amor… — Deve — ela concordou, sorrindo. — Como ele está? — Está bem. Dei-lhe uma medicação para dor, assim conseguiu dormir. É provável que não acorde nas próximas horas. Espero poder escapar antes que descubra que foi dopado! — acrescentou, rindo. — Aquele seu homem sabe ser intimidante quando quer. Não foi fácil para a equipe tratá-la, com ele nos nossos pescoços, ameaçando todo mundo se você não recebesse o melhor tratamento. — Esse é o Rhys que conheço — admitiu ela, com carinho. Relaxou ao ter a confirmação oficial de que o noivo estava bem. Ouviu o jovem médico sobre seus ferimentos e salientar que a recuperação seria lenta e muitas vezes dolorosa, mas que, com o tempo, ela recuperaria todos os movimentos. Foram interrompidos por um boy, com um maço de flores enviados pelos amigos do escritório. Os cartões eram carinhosos e tocantes. Angie começou a chorar, culpando a fraqueza que sentia por isso. O médico, ao reparar na sensibilidade dela, resolveu retirar-se. Antes, quis saber se queria mais medicação para dor. — Não, não preciso. — Ela não se sentia muito bem, mas não queria dormir. — Obrigada. — Está certo… Chame a enfermeira se as dores piorarem. Vou deixar uma receita. Veja se consegue descansar um pouco.

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Angie agradeceu de novo, esperando não precisar de mais remédio, apesar de seu corpo todo doer, principalmente os pulmões. Queria Rhys, mas em vez dele apareceram Gay e Darla. — Oh, Angie! — exclamou Gay, que entrava carregada de pacotes. — Estávamos preocupados. Como se sente? — Já tive dias melhores, mas tenho sorte de estar viva. — Não vamos ficar muito tempo — Darla prometeu. — Queríamos só ver se tudo está realmente bem. As noticias que corriam eram terríveis. Angie inclinou a cabeça curiosa, depois arrependeu-se. Passou a mão na têmpora numa tentativa inútil de afastar a dor. — Que notícias? — Saiu tanto no rádio como na televisão. Descreveram a explosão, o fogo e a maneira como sr. WakefieLd salvou-a. Teve sorte de ele ter chegado na hora. — Ela não perguntou por que o patrão estava na casa da assistente àquela hora da noite, Angie reparou, divertida. — Trouxemos algumas coisinhas para você. Sabemos que suas roupas foram destruídas no fogo, então fizemos uma vaquinha no escritório para comprar algumas camisolas, um robe, chinelos, roupas de baixo, maquiagem e outras coisinhas… Se precisar de roupa emprestada até poder fazer compras, é só avisar, certo? Pela segunda vez em uma hora, Angie sentiu os olhos encherem-se de lágrimas. — Obrigada. Foram muito atenciosas em se lembrarem disso. — Queríamos fazer algo para ajudar. — Daria deu de ombros como se não tivessem feito nada importante. — Angie — começou Gay, depois de respirar profundamente —, queríamos dizerlhe que sentimos muito por tudo que tem passado nos últimos tempos. Ouvimos as notícias sobre o seu pai, falaram nele na televisão quando contaram sobre a explosão na sua casa.

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CAPÍTULO 12

Angie começou a tossir, de choque e de nervosismo. — Meu… ahnnn… meu pai? Mencionaram meu pai? Gay corou quando Daria olhou-a feio, exasperada. — Bem, acho que os repórteres reconheceram o seu nome ou pesquisaram seu passado, quando souberam que estava noiva do sr. Wakefield… Sabe como é? Ele é famoso na região. De qualquer forma, falaram que seu pai teve problemas em Boston e que foi… preso. Agora entendemos por que relutava tanto em falar no passado, mas gostaríamos que soubesse que para nós não faz diferença. Quero dizer… Céus! Todo mundo tem uma ovelha negra na família. Meu tio… — Gay! — Darla interrompeu-a, com expressão desaprovadora. —Angie deve estar cansada, é melhor irmos embora. Se precisar de ajuda, é só ligar. Voltaremos outro dia, certo? Angie conseguiu dar um sorriso, agradecer e despedir-se. Rhys rompeu quarto adentro, antes que as duas moças saíssem. Seu cabelo estava despenteado, a camisa suja e rasgada, a calça não tinha salvação, cheirava a fumaça e exibia vários curativos brancos ao longo do corpo. Angie achou-o maravilhoso. Sem notar as duas funcionárias, Rhys atravessou o quarto em três passadas largas e despencou na beirada da cama. Seus olhos cinzentos, tempestuosos, prenderam-se aos de Angie, quando levantou a cabeça dela, com cuidado, e beijou-a nos lábios, como se fosse feita de porcelana. Ao terminar, ele respirou profundamente. — Oh, meu Deus, Angelique — murmurou, afundando o rosto nos cabelos dela. Sobre o ombro, Angie viu Gay e Darla na porta olharem-se fascinadas e aturdidas, antes de saírem. Esquecendo-se de imediato, a jovem se concentrou no homem que a abraçava com tanto desespero e gentileza. Queria fazer o sofrimento desaparecer dos olhos dele. Como pudera achá-lo duro quando o conhecera? Parecia impossível que um dia tivesse tido tal idéia, pensou, ao observar o rosto expressivo e emocionado, sem nenhuma máscara. — Estou bem, Rhys. Sossegue… — Tem dor? — exigiu saber, olhando-a de cima a baixo. E, antes mesmo que ela pudesse responder, disse: — É claro que tem. Suas pernas… 97


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— Não é tão ruim assim — mentiu Angie, deslavadamente. — Claro que é! — A expressão dele era clara de que não acreditara nela. — E sua cabeça dói, também, não? Ela estava ocupada demais, verificando seu homem, para responder. Tinha um curativo no pescoço, atrás, outro na maçã do rosto. Os dois braços estavam enfaixados e algumas queimaduras menores nas mãos. Provavelmente tirara as faixas que as protegiam. — Tem alguma queimadura que eu não possa ver? — Não. Estou bem. Não se preocupe com isso. — Salvou a minha vida, Rhys — murmurou ela, olhando-o com intensidade. — Jamais alguém fez algo tão corajoso por mim. — Não… Angelique. — Corou de maneira adorável. — Fiz o que qualquer outro faria. — O tipo comum de herói, não é? — Ela sorriu, trêmula, ao perceber o embaraço dele. Tocou-lhe o rosto. — O tipo que faz isso todo dia! Ele apertou a mão dela contra a própria face, beijou-a e fechou os olhos. Quando falou foi num tom dolorido: — Não há nada de heróico no que fiz. Tinha de tirá-la de lá. Se tivesse morrido, eu teria morrido com você. Não sabia? Ela murmurou o nome dele, emocionada demais para falar, e, quando abriu os olhos, viu que Rhys chorava, fazendo com que também chorasse. — Tenho estado sozinho desde que tinha três anos… Inferno! Durante toda a minha vida não tive ninguém! Pensei que tivesse algo errado comigo, que por alguma razão não merecesse ser amado. Tia Íris e Graham… Bem, eles me ensinaram muito, mas tinha a própria vida para cuidar. Mas você… você precisava de mim. Dizia a mim mesmo que era temporário, que é jovem e auto-suficiente, por isso poderia ter quem quisesse ou o que quisesse. — Eu quero você. — Ela mal conseguia falar, emocionada. — Eu sei. Por alguma razão incompreensível, você me quer. E eu a quero tanto… Preciso muito de você. E não vou perdê-la, Angelique! — Seu tom era intenso. Beijou-lhe a palma da mão. — Portanto, o que fiz não foi heróico. Provavelmente, foi um dos atos mais egoístas da minha vida. — Eu te amo! — declarou Angie, chorando e acariciando o rosto dele. — Eu te amo, Angelique. — Inclinando-se, ele beijou-a de novo, depois levantou a cabeça alguns centímetros e deu-lhe um sorriso trêmulo. — Agora, salvar a sua gata… isso sim foi heróico — falou, brincalhão, sentindo necessidade de aliviar a tensão, mas recebeu um olhar feio dela. — Você podia ter morrido! Isso não foi heróico, foi idiotice! Como pôde arriscar a sua vida por causa de uma gata? — Era a sua gata — disse ele, com simplicidade. — De qualquer forma, eu sabia onde ela estava.

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Estava tão agradecida que não conseguiu repreendê-lo. Ao pensar na sua gatinha morrendo queimada, estremeceu de horror. Agradeceu, feliz, apesar de deixar claro que ele não devia ter se arriscado tanto. Rindo, o rapaz mostrou a mão, na qual tinha um arranhão feio. — Pena que a gata não se sentiu agradecida. Estava assustada, brava, e não gostou de ser puxada de seu esconderijo, debaixo de uma cadeira. Já ouviu um gato tossir? Pois ela tossia e praguejava. Angie levantou uma sobrancelha, desconfiada, mas em seguida teve de disfarçar uma careta de dor. Rhys não ia gostar de saber que um gesto tão simples fazia sua cabeça latejar. — Florzinha praguejando? — repetiu, surpresa com a brincadeira e, quando ele garantiu que sim, sério, duvidou: — Tem certeza de que não era você que praguejava? — Confesso que dei minha contribuição. — Finalmente, soltou a mão dela, ajeitou o lençol e levantou. — Está com ar cansado, meu bem. Por que não tenta dormir um pouco? Sabendo que ele provavelmente não dissera a verdade em relação à aparência dela para não preocupá-la, Angie concordou e tentou ajeitar-se melhor, mas tudo doía. — Vou pedir que lhe dêem mais remédio contra dor — informou Rhys, ao ouvi-la gemer baixinho. — Vai ajudá-la a descansar. Angie ainda tentou protestar, mas ele já chamara a enfermeira, olhando-a de forma ditatorial, sem ligar para a opinião dela. Quando lhe convinha, bem que Rhys sabia esconder o seu lado mais gentil e vulnerável. Não seria fácil conviver com ele, refletiu, fechando os olhos. Ia levar ainda muito tempo para ele se acostumar a demonstrar suas emoções, se bem que já provara que poderia ser eloqüente quando inclinado a fazê-lo. E ela o amava tanto que até doía. Não mudaria nada nele, mesmo se pudesse. Aquele era Rhys, e lhe pertencia… para sempre. Angie fez uma careta ao ler o artigo de domingo. Naquela manhã, uma das enfermeiras lhe trouxera um jornal com o café da manhã. Depois de um relato objetivo sobre a explosão, que seria investigada mais tarde, a história tratava do salvamento dramático da srta. St. Clair por um dos industriais mais proeminentes e ricos de Birmingham, fazendo algumas insinuações sobre o horário em que Rhys chegara à casa da noiva. Depois do que, o repórter informava que a srta. St. Clair era filha do famoso financista de Boston, que fora condenado à prisão no ano anterior por não pagar impostos e por atividades escusas. Depois de uma noite mal dormida, aquela não era exatamente a maneira que Angie teria escolhido para começar o dia. Um pouco mais tarde o telefone ao seu lado começou a tocar. Gay, Darla, June e Kim ligaram, querendo saber como estava e se precisava de algo. Mickey quis falar com ela, assegurando-lhe de que cuidaria de Florzinha até que saísse do hospital.

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Pensativa, ela considerou que todos já sabiam sobre seu pai e não lhes fazia diferença. Será que os amigos de Boston tinham sido apenas interesseiros, os de Birmingham eram menos críticos ou era ela que tinha mudado? Talvez tivesse escolhido os amigos antigos por razões erradas e fosse culpada por ter dado mais valor a dinheiro e posição social do que à amizade. Depois, não tendo nada, pudera dar mais de si mesma aos novos amigos, conseguidos pelo que ela era… Refletindo sobre o assunto, ficou olhando para o lençol sem ver, com o cenho franzido. Rhys, que entrava no quarto naquele momento, logo quis saber o que doía, num tom urgente. Angie olhou-o, meio exasperada. Sua aparência era bem melhor do que a da noite anterior, quando finalmente convencera-o a ir para casa. Desejava poder dizer o mesmo de si, mas sua aparência era péssima. — Não estou com dor, Rhys… Bem, pelo menos não muito. Estava apenas pensando. — Foi então que ele viu o jornal e quis saber como o conseguira. — Uma das enfermeiras me deu. E, antes que saia por aí pronto a brigar com a moça, quero que saiba que está tudo bem. Ela pensou que eu gostaria de ler o artigo. E estava certa quanto a isso. — Você não queria ler esse lixo — refutou ele, bravo. — Não, mas precisava saber o que andam dizendo por aí. Não é tão ruim quanto imaginei. Pelo menos, não fazem referência à investigação que fizeram comigo, durante o julgamento. — Não precisavam nem ter mencionado o nome do seu pai! — exclamou o rapaz, desgostoso. — Ele não tem nada a ver com o que aconteceu na sua casa. — O repórter só fez o trabalho dele. Pesquisou se havia algo de interessante na vida da futura esposa do presidente da WakeTech e encontrou. — O trabalho dele é informar fatos, não fazer sensacionalismo! — Você veio aqui para me ver ou discutir ética jornalística? —repreendeu-o a jovem, de brincadeira. — Para te ver. — Sorrindo, inclinou-se e beijou-a. — Como passou a noite? Descansou? — Já tive noites melhores. Senti sua falta — admitiu, mas acrescentou, ao perceber a expressão dele: — Antes que diga que o coloquei para fora, quero informá-lo de que precisava descansar e… de um banho. — Já tomei algumas chuveiradas desde que saí daqui ontem — replicou Rhys, divertido. — Uma assim que cheguei em casa e outra esta manhã, depois de ir dar uma olhada na sua casa. — Sorriu pouco à vontade, ao notar a pergunta nos olhos dela. — Queria verificar o estrago. Receio que nada sobrou. O fogo espalhou rápido demais e os bombeiros não conseguiram controlá-lo. Foi uma sorte nada ter acontecido aos vizinhos. Angie engoliu em seco. Não ia chorar, disse a si mesma, endireitando os ombros. Afinal, o que importava era que ela e Rhys estavam bem, juntos e sentia-se feliz por ninguém mais ter se machucado. 100


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Meio desengonçadamente, Rhys estendeu um pacote marrom, que estivera segurando desde que entrara no quarto. — Achei isso. Foi a única coisa que encontrei que não estava estragado demais. Como ainda estava com um braço imobilizado, Angie pediu a ele que abrisse o pacote. Ele abriu e tirou um retângulo de prata que entregou a ela. O vidro estava quebrado, a prata enegrecida, mas por algum milagre a foto dos avós não sofrera nenhuma avaria. — Oh, Rhys! — murmurou Angie, os olhos se tornando mais brilhantes. — Sinto muito, Angelique — murmurou ele, sentando-se ao lado dela e acariciando os cabelos dourados. — Sei que não é muito, mas… Angie balançou a cabeça, em negativa, as lágrimas caindo. — Não, não estou desapontada. Isso é o que eu teria salvo, se tivesse tido alguma escolha. Obrigada, Rhys. Com o dedo, ele secou as lágrimas no rosto bonito. — Sei que a maioria dos seus objetos não podem ser substituídos, por razões sentimentais, mas vamos entrar em contato com a seguradora amanhã de manhã. Suas amigas se propuseram a fazer algumas compras, até que esteja boa, e é claro que vai ficar comigo. Não tem com que se preocupar, quanto à parte financeira. Sabe disso, não é? Tomarei conta de você. — Eu sei que sim, Rhys. — Angie não o lembrou de que era perfeitamente capaz de tomar conta de si mesma, pois ele precisava ser necessário. Como se sentia da mesma forma em relação a ele, podia compreender. — Não quero que tenha pena de mim, ouviu? As pernas vão sarar, e estarei de pé antes do que imagina. O médico prometeu que não terei muitas cicatrizes, se bem que não estava muito preocupada com isso. — Ele achou que estava… A maioria das mulheres incrivelmente lindas tendem a ser vaidosas. Apenas você é diferente! — E você, um galanteador — replicou, pegando a mão dele e beijando-a. Sabia que estava toda roxa, pálida e abatida. Só mesmo ele podia dizer uma coisa daquelas naquele momento. — O que estou tentando dizer, Rhys, é que me considero uma pessoa de sorte. Quando o meu mundo desmoronou da primeira vez, nada restou… família, amigos, dinheiro, auto-respeito… Desta vez nada tenho, a não ser essa foto, mas não me importa, pois os amigos que fiz sabem a respeito do meu pai e não se incomodam. Sustentei-me por um bom tempo e agora tenho certeza de que sou capaz. E, o que é mais importante, tenho você. Como posso reclamar? — Vai se casar comigo imediatamente. Agora que a imprensa está de olho na gente, não quero que digam que vivemos juntos sem a bênção do casamento. — Rhys — começou rindo — isso é tão antiquado! Ninguém se importa se estamos casados ou não.

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— Eu me importo. Sinto se esperava ter um grande casamento, mas… — Interrompeu-se quando ela negou com a cabeça. — Bom, então vamos casar aqui mesmo, antes que saia do hospital. — Aqui?! — ela repetiu, olhando em volta. Verdade que não esperava um grande casamento, mas também não imaginara ter um hospital como igreja. Nem imaginava estar de cama e com as pernas quebradas no Grande Dia. Rhys, entretanto, não deu chance a discussão. Estava decidido. Queria protegê-la de tudo o que estivesse ao seu alcance, fosse fogo, engenheiros metidos a conquistadores ou falatórios, pensou ela. Teria de falar com ele a respeito de sua tendência de ser super protetor, mais tarde. — Está bem — concordou. — Se é o que deseja. — Sorriu. — Estou feliz que tenha me pedido em casamento antes de isto tudo acontecer. Detestaria deixá-lo na dúvida se estou casando com você por causa de dinheiro, agora que não tenho nada. Levantando a cabeça com arrogância, ele disse: — Se achasse que era esse tipo de mulher, jamais a teria pedido em casamento! Voltara a ser o homem seguro que intimidava aqueles que não o conheciam bem, como ela. Rhys não era do tipo que faria papei de tolo mesmo com a mulher na qual estivesse interessado. Entrelaçando os dedos aos dela, ele falou, evitando olhá-la: — Nunca tive família, Angelique, e sempre quis uma. Prometo que serei um bom marido e um bom pai, apesar da minha falta de experiência na área. — Sei que vai ser, querido! — Sentia o peito apertado e, quando ele olhou-a com intensidade, murmurou: — Eu te amo!… — E eu a amo desde a primeira vez que entrou no meu escritório. — A emoção fazia a voz dele sair dura. — Tão confiante, desafiando-me a não aceitá-la. Percebi que fora magoada profundamente e que ainda não se recuperara, apesar da tentativa corajosa de se esconder atrás de uma postura profissional. — Ele corou e se mexeu, pouco à vontade. Angie observava-o, atenta. — Brincou comigo porque leio Yeats. Toda vez que a olhava, naqueles primeiros meses, quando a desejava desesperadamente e achava que jamais a teria, eu lembrava de algo que ele escreveu. — O que? Ele fez uma careta e ficou mais vermelho. — Nunca fui do tipo de recitar poesia para uma mulher, mas… “Quantos amaram seus momentos felizes e graciosos, sua beleza com verdadeiras ou falsas paixões, mas apenas um homem amou sua alma errante e as mágoas que no rosto expressou.” Ela piscou, tentando esconder as lágrimas que o deixariam ainda mais sem jeito. Conseguiu dar um sorriso leve.

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— É lindo! Obrigada… Tenho uma citação de Yeats que creio ser apropriada: “Mas eu, pobre que sou, tenho apenas meus sonhos, os quais coloco aos seus pés. Use-os com carinho, pois são sonhos”. — Eu te amo — disse ele, num tom rouco e intenso. Estava sendo totalmente sincero, e ela sabia que os votos de casamento seriam ditos de maneira tão solene quanto aquelas palavras. — Eu te amo, Rhys… — Sua voz era um fio de emoção. Abraçando-a com cuidado, ele escondeu o rosto nos cabelos embaraçados. Com os olhos úmidos, ela aconchegou-se mais. Sentia-se tocada com a vulnerabilidade daquele homem tão forte, duro e solitário. Jurou que nunca o abandonaria. Talvez tivesse existido um dia em que Angie sonhara com um véu e grinalda, damas de honra e todo o aparato. Agora sabia que nada poderia superar a simples cerimônia de seu casamento com Rhys. Seu vestido foi uma camisola branca de rendas, que ganhara de presente das colegas de trabalho; a capela, o quarto de hospital, decorado com as flores que os amigos tinham lhe enviado; o padre, capelão do hospital, vestia um terno escuro e sorria, todo feliz. As únicas testemunhas foram June e Graham. Rhys colocou uma grossa aliança de ouro no dedo dela, olhando-a por um longo e intenso momento. Quando a beijou, sentiu os lábios dele queimarem, marcando-a para a vida toda. Seu marido era um homem possessivo, pensou, resignada, mas sabia que também estava disposto a colocar o mundo aos seus pés. Não tinha do que reclamar. June, chorando, cumprimentou o casal quando o enlace terminou. Abraçou Angie e depois ofereceu um abraço tímido ao patrão, que aceitou de boa vontade. Então, Rhys virou-se para Graham, com um sorriso a suavizar a expressão comovida e séria: — Gostaria de apresentá-lo a minha esposa, Angelique — disse, como se tivesse treinado muito e não agüentasse mais esperar para dizê-lo. Sorrindo através de um véu de lágrimas, Angie viu o exuberante amigo do marido tomá-lo num abraço apertado. — Já era mais do que tempo, diabo! — exclamou Graham, provocando um sobressalto no capelão. — Mais do que tempo! Rhys concordou, com fervor.

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EPÍLOGO

Resmungando imprecações, Angie jogou a bengala de cobre num canto, assim que entrou na casa. Odiava ter de usar aquilo. Seu mau humor desapareceu quase de imediato quanto entrou na sala, mancando, olhando em volta. Conseguira transformar a casa de Rhys, que antes quase não tinha móveis, num lar de verdade, desde o casamento, há um ano e dois meses. A mobília era confortável, sóbria, mas moderna. Nas paredes encontravam-se quadros que ela e o marido haviam escolhido com carinho. Por todo lado se viam lembranças das ocasiões especiais daquele casamento recente, mas feliz. Um porta-retrato de prata, quase que a cópia exata do que queimara, emoldurava a foto dos avós de Angie. Rhys lhe dera de presente ao completarem um ano de casados. Era um lar, ela amava sua casa e tudo o que tinha dentro. Entretanto, subia que se fosse preciso se afastaria de tudo sem olhar para trás, desde que estivesse ao lado de Rhys. Florzinha entrou na sala e deu um miado de boas-vindas. Angie abaixou-se, desajeitada, a barriga grande evidenciando a gravidez bem adiantada. — Pode tirar esse ar de satisfação do rosto, sua gatinha malandra! — Acariciou o bichano, que se deleitava. — Nunca vai ficar no mesmo estado que eu, não é? Com um miado de desgosto, pois sofrera a operação para não ter filhotes, a gata virou-se e foi para outro aposento. Angie endireitou-se e apoiou a mão no ventre volumoso. Rhys já devia ter chegado. Fora a uma reunião em Montgomery, mas não ia parar no escritório na volta. Agora definira muito bem suas prioridades. Trabalho no horário comercial e família à noite, nos feriados e férias. Não ficara surpresa quando ele voltara a ser super-protetor ao saber da gravidez dela. Por isso, tivera de voltar a usar a amaldiçoada bengala de novo, havia cinco meses. Seu tornozelo ainda estava frágil, o que deixava Rhys apavorado. Ela acabara cedendo, porque sabia que ele ficaria doente de preocupação com ela e o bebê, se não o fizesse. Jamais se esqueceria da expressão dele quando lhe contara que estava grávida. Desde então vinha tentando definir as emoções que vislumbrava no rosto querido. Alegria, apreensão, orgulho, expectativa e preocupação com a saúde dela. Talvez um pouco de terror ao perceber que seria pai aos trinta e nove anos, depois de sempre 104


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acreditar que isso não ocorreria. Angie não se preocupava, pois sabia que ele seria um pai maravilhoso. Achava que até ela seria mãe razoável. Juntos formavam uma boa dupla. — Angelique? — Como sempre. Rhys chamava-a antes mesmo de fechar a porta. — Esqueceu de pegar a correspondência e jogou a bengala no canto! Ela riu, voltou-se e derreteu-se com o sorriso especial que Rhys lhe reservava. Ele trazia as cartas. — Oi, para você também! Prometi usar a bengala na rua, mas não dentro de casa. Recuso-me! Rindo, ele atravessou a sala para beijá-la. — Tudo bem, vamos ficar no meio termo, mas não se afaste das cadeiras. — Para o caso de eu me sentir tonta quando sorri para mim? — provocou-o, passando os braços pelo pescoço dele. Ele abraçou-a e concordou, feliz. Angie quis saber como fora a reunião. — Chata, mas produtiva. Henderson ligou? — Sim… Você realmente o assustou quando gritou com ele, na semana passada. Foi mais claro e eficiente do que nunca. Não me chamou de baby, desta vez. — Bom. Talvez não chegue a despedi-lo. — Senti saudade — ela murmurou, puxando-lhe a cabeça para um beijo. Os olhos de Rhys brilhavam de prazer, mas com um toque de ansiedade, o que fazia o coração dela se apertar. Ainda era difícil para Rhys acreditar que alguém o amava por completo, alguém que o colocava sempre em primeiro lugar. Ele propôs que fossem jantar fora, e ela concordou; depois, contou-lhe que Graham telefonara, enquanto ele dava uma olhada rápida na correspondência. — Ele queria alguma coisa de especial? — perguntou Rhys, parando de ler uma carta. Angie sacudiu a cabeça, negando e rindo. — Queria saber como eu estava. Jurou que já comprou um pônei para o bebê. Acha que fez isso, mesmo? — Não apostaria contra. Espero que esteja só brincando. — Ele puxou um envelope branco do meio dos outros. — Carta do seu pai. — Vou ler mais tarde, quando voltarmos. — Angie pegou-a. — E vai responder? — perguntou ele, tentando parecer casual. — Sim, Rhys — replicou Angie, com paciência. — Vou responder. Não tenho respondido a todas, neste último ano? Desde o casamento, Rhys vinha fazendo campanha, tentando aproximá-los, alegando que ela nunca teria paz consigo mesma se não resolvesse os problemas com o pai. Nolan ficara agradecido e emocionado, ao perceber que não perdera por completo o contato com a filha. Que Angie lembrasse, fora a primeira vez que ela e o pai tinham sido totalmente honestos um com o outro. Havia muitas mágoas e anos de distanciamento emocional entre eles, mas achava que conseguiriam manter um relacionamento amigável, 105


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se houvesse boa vontade de ambos os lados. Nolan ficara encantado com a notícia de que seria avo. — Sabe — Rhys começou, com expressão cuidadosa — seu pai vai ser solto em condicional no ano que vem. — Angie assentiu e ele continuou: — Vai precisar de um emprego… e com o seu passado não será fácil conseguir um. — Rhys… — a voz dela soou presa, tensa. Ele estendeu a mão, interrompendo-a. — Escute, antes de dizer não. Pensei em oferecer-lhe um emprego na WakeTech. Até você tem de admitir que ele é bom no que faz. — Sei que não faria isso se não fosse meu pai… — Provavelmente não — admitiu ele. — O parentesco pode fazê-lo conseguir o emprego que deseja, mas não o ajudará a mantê-lo. Vai ter de provar que pode dar conta do trabalho e que trará benefícios para a minha empresa. Qualquer encrenca e estará fora num segundo. Deixarei isso claro, desde o começo. O que acha? — Rhys, tem certeza? O que as pessoas vão dizer? — Isso não me preocupa — replicou ele depois de olhá-la como se dissesse que ela já deveria saber a resposta. — Desde que a WakeTech esteja dando dinheiro, ninguém tem o direito de dizer como devo administrá-la. A sua é a única opinião que me interessa. Se não gostar da idéia, não farei a oferta. Deixando passar a arrogância típica de Rhys, Angie colocou a carta sobre a mesa para ler mais tarde e disse: — Vou pensar no assunto. Gostaria de saber que ele tem um lugar para trabalhar, depois que for solto, algo que o mantenha fora de confusões. Só espero que você saiba o que está fazendo. — Sempre sei o que estou fazendo — respondeu, altivo, provocando-a. — É um homem muito especial, Rhys Wakefield! — Ela levantou a mão e tocou o rosto dele. — Eu te amo… — Se sou especial em alguma coisa, é porque você me ama… — Com os olhos cinzentos brilhando, ele inclinou-se, beijou-a e murmurou contra seus lábios: — Eu te amo, Angelique. — Endireitando-se, disse: — Vai trocar de roupa ou está pronta para jantar? — Estou é morrendo de fome! Ele sorriu e olhou-a da ponta dos pés aos cabelos, detendo-se mais tempo no ventre arredondado. Passou o braço pelos ombros da esposa e caminhou para a porta. Angie ainda olhou mais uma vez para a casa que amava tanto e seguiu com o marido, que a segurava para que não tropeçasse. Era uma mulher de sorte, pensou, feliz, e isso não tinha nada a ver com dinheiro ou posição social. O amor de Rhys era toda a riqueza que desejava na vida. FIM 106


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