Helen Bianchin - A Farsa Do Casamento (Sabrina1074)

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A FARSA DO CASAMENTO (The bridal bed) Helen Bianchin Sabrina 1074

Digitalização: Pamina Revisão: Rejane

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De quem seria o casamento?

Suzanne ficou encantada ao saber que a mãe ia se casar novamente. Mas todos esperavam que ela comparecesse à cerimônia em companhia do ex-noivo, o atraente e conhecido Sloane... filho do noivo! Como poderia admitir que o relacionamento terminara? Mas Sloane tinha um plano. Durante o final de semana das bodas fingiriam ser um casal feliz com planos para o futuro. O que significava dividir um chalé... e uma cama! E, secretamente, Sloane também pretendia realizar o segundo casamento dentro da família naquele mesmo final de semana...

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Copyright © 1998 by Helen Bianchin Originalmente publicado em 1998 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma. Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá. Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas registradas da Harlequin Enterprises B.V. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Título original: The bridal bed Tradução: Débora da Silva Guimarães Editor: Janice Florido Chefe de Arte: Ana Suely Dobón Paginador: Nair Fernandes da Silva

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CAPÍTULO I Devia ser sexta-feira treze, Suzanne pensou enquanto examinava o documento sobre sua mesa, assinalando mais uma cláusula que, sabia, não favorecia seu cliente. O inverno brindara o centro de Sídnei com um dia horroroso, e ela acordara com o som assustador da ventania e da chuva. Conseqüentemente, ficara ensopada ao atravessar a escada externa que levava do pequeno apartamento onde morava ao estacionamento do prédio. O carro, que até então se comportara de forma impecável, recusara-se a pegar. Um telefonema para o automóvel clube e soubera que teria de esperar pelo menos uma hora até que alguém pudesse ir socorrê-la. Duas horas mais tarde, um mecânico carrancudo diagnosticara: bateria descarregada. Fora preciso mais uma hora para providenciar a troca e dirigir até a cidade. Chegara muito atrasada ao escritório onde trabalhava como advogada iniciante, um fato que causara péssima impressão aos dois clientes que a esperavam na recepção. Um dos sócios não escondera o aborrecimento por ela ter perdido uma importante reunião de equipe. Encontrara dezenas de pastas sobre a mesa, recados exigindo sua atenção, e três consultas haviam sido remarcadas em horários seguidos. Almoçar deixara de ser uma opção. A tarde passava depressa, e ela ainda tentava pôr em dia uma carga de trabalho que ameaçava invadir a sala de estar de seu apartamento e a noite que planejara dedicar ao mais absoluto repouso. — Suzanne, chamada urgente na linha três. — A voz da recepcionista soava hesitante, como se ela quisesse pedir desculpas por ter desrespeitado a ordem para anotar todos os recados e não interrompê-la. — É sua mãe. Sua mãe nunca ligava para o escritório. Preocupada, Suzanne agarrou o fone.

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— Geórgia? Algum problema? Um riso leve e relaxado ecoou do outro lado da linha. — Não, querida, nenhum problema. Só queria que fosse a primeira a saber. — Saber o que, mamãe? Ganhou um grande prêmio? Comprou um carro novo? Fez reservas para uma viagem ao exterior? — Duas alternativas estão corretas. — Quais? — Bem... a viagem vai acontecer... Paris, pode imaginar? E ganhei um grande prêmio. — Isso é maravilhoso! — Suzanne balançou a cabeça com um misto de espanto e incredulidade. Geórgia estava sempre comprando rifas e bilhetes de loteria, mas nunca passara de alguns prêmios de baixo valor. — Não é exatamente o que está imaginando. O tom cauteloso da mãe deixoua apreensiva. — Está me deixando curiosa, mãe. Há algum mistério por trás dessa história? — Nenhum. — Vá direto ao ponto, por favor. — Bem, é tudo tão novo que... ainda não consigo acreditar. E só telefonei para o seu trabalho porque não pude mais esperar. — Fale de uma vez. Houve um breve período de silêncio. — Vou me casar. A alegria inicial foi seguida pela preocupação, e a mistura era assustadora. Geórgia não namorava. Possuía uma coleção de amigos, mas nenhum homem em especial. — Não sabia que estava envolvida com alguém — disse. — Quem é ele, e onde o conheceu?

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— Nós nos conhecemos em sua festa de noivado, querida. Três meses. Só se conheciam há três meses! — Quem é, mãe? — Trenton Wilson-Willoughby. O pai de Sloane. Céus! Um calor intenso percorreu suas veias, seguido imediatamente por uma onda gelada. — Está falando sério? Por favor, diga que é brincadeira — suplicou silenciosa. — Você parece... chocada — Geórgia notou. Tinha de recompor-se depressa. — Surpresa — Suzanne corrigiu. — É tudo tão repentino! — Às vezes o amor acontece dessa forma. Sloane a conquistou em poucas semanas. Tal pai, tal filho. — Sim — concordou. Sloane colocara um enorme diamante em seu dedo, levara-a de Brisbane para Sídnei e a instalara em sua confortável cobertura no elegante bairro de Rose Bay. Dominada por uma irresistível atração e pela poderosa alquimia da paixão, não tivera tempo para refletir sobre suas atitudes. — Quando vão se casar? — Alguns meses seriam suficientes para... para quê? Explicar que não morava mais com Sloane? — No próximo final de semana, querida. No fim de semana? Mas... era quarta-feira! — Não acha que...? — Que é tudo muito repentino? Sim, querida, acho, mas Trenton é um homem muito convincente. Suzanne respirou fundo. — Tem certeza sobre o que vai fazer? — Absoluta. Não vai me dar os parabéns? Tinha de reorganizar as idéias. — É claro. Parabéns, mamãe. É bom vê-la feliz. Aonde vão se casar? Já escolheu o que vai vestir?

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Geórgia ria emocionada. — Vamos nos casar na Ilha Bedarra no sábado à tarde. Acredita que Trenton reservou todas as acomodações disponíveis para garantir completa privacidade? Vou usar um conjunto de seda cor de creme com sapatos e chapéu da mesma cor. E queremos que você e Sloane sejam os padrinhos. A Ilha Bedarra era uma estação de turismo situada em um grupo de ilhas tropicais ao norte de Queensland. Três horas de avião, mais a travessia de lancha, e estariam lá. — Trenton organizou tudo para que vocês dois partam na sexta-feira de manhã e fiquem fora até segunda-feira. A organização de Trenton incluía o jato da família, uma lancha fretada... Sloane. Três semanas haviam se passado desde que saíra do apartamento dele, deixando apenas uma nota breve explicando a necessidade de estar sozinha. Não mencionara a ameaça anônima que a levara a romper o noivado. Uma ameaça que não havia levado a sério até que a jovem socialite que a enviara quase jogara seu carro para fora da estrada a fim de enfatizar seu propósito, depois identificara-se e prometera sérios danos físicos caso ela não atendesse à exigência. A seqüência de eventos fora cuidadosamente planejada, refletiu, para coincidir com a viagem de Sloane ao exterior. Ofensas ferinas e amargas só aumentaram as dúvidas sobre a estabilidade mental da jovem milionária, e o temor de sofrer alguma represália levara Suzanne a deixar o apartamento de Sloane e mudar-se para o outro lado da cidade. No entanto, subestimara a inteligência do noivo. Quando se recusara a atender aos telefonemas, Sloane invadira seu escritório exigindo explicações, e demonstrara uma raiva tão fria ao não ser atendido, que ainda não entendia como

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conseguira manter-se em pé depois de vê-lo partir. E agora teria de encontrá-lo novamente. Suzanne desligou o telefone e olhou para a parede diante da mesa. Geórgia e Trenton. A mãe não podia imaginar o tamanho do problema que criara. Sem hesitar, Suzanne discou para o escritório de Sloane. Não que o telefonema servisse de muita coisa. A secretária informou-a que Sloane WilsonWilloughby estava no tribunal e não era esperado antes do final da tarde. Atendendo a uma sugestão da secretária, deixou seu nome e o número do telefone e desligou. Droga! A explosão silenciosa não amenizou a frustração. Tentou concentrar-se nos documentos sobre a mesa, fez algumas anotações num contrato e pediu à secretária para entrar em contato com o cliente a fim de comunicar as mudanças. A tarde foi frenética, e o nervoso aumentava com o passar do tempo. Cada vez que o telefone tocava, preparava-se para o confronto com Sloane e ouvia a secretária anunciar outro nome. Às cinco em ponto, quando estava se despedindo de um cliente, o interfone tocou e ela se aproximou da mesa para atendê-lo. — Sloane Wilson-Willoughby na linha dois. — O anúncio foi feito com tom ofegante, e Suzanne ergueu os olhos para o céu. Sloane costumava ter esse efeito sobre as pessoas. Mulheres, principalmente, reagiam a alguma coisa no tom profundo e grave da voz. E quando o viam, a resposta se tornava ainda mais intensa, transformando até a mais recatada e sensata profissional em uma espécie de vampira fatal. Devia saber. Sentira a mesma coisa. Parte dela ainda sofria pela promessa, pelo sonho do que poderiam ter vivido juntos. Respirando fundo, procurou acalmar-se antes de atender à chamada. — Sloane. — Perguntar como ele ia parecia banal. — Suzanne.

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O reconhecimento polido despertou algo em sua alma, e ela procurou manter a voz firme enquanto se sentava na cadeira. — Geórgia telefonou para mim. Creio que Trenton já o procurou para contar a novidade? — Sim. — Breve, direto e seco. Sloane não estava facilitando a situação para ela. Não havia saída, e a melhor maneira de encerrar logo a conversa era ir direto ao ponto. — Precisamos conversar. — Tem razão. Jantamos juntos esta noite. — E citou um restaurante em um hotel da cidade. — Às sete. Teria de trabalhar pelo menos mais uma hora para não despertar a ira de seus superiores. — Não sei se... — Prefere que eu vá ao seu apartamento? Não podia hesitar. — No restaurante. As sete e meia. — Um local público seria melhor e mais seguro. Pensar nele entrando em seu apartamento, invadindo sua intimidade... — Uma escolha sensata. Não, era a mais insensata de todas que já fizera, mas não tinha alternativa. Suzanne desligou e tentou concentrar-se nos documentos que ainda tinha de analisar. Passava das seis quando deixou o escritório, e eram quase sete quando chegou em casa. Em meia hora tomou banho, vestiu-se, prendeu os cabelos úmidos em um coque e maquiou-se. Às sete e meia deixou o apartamento e voltou ao centro da cidade. Dessa vez o tráfego não era tão intenso, e ainda podia contar com a vantagem

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do manobrista no estacionamento. Mesmo assim, chegou quinze minutos atrasada. Alguns segundos depois de penetrar no saguão do hotel ela localizou a silhueta alta e imponente alguns metros à frente. Sloane Wilson-Willoughby era alto, forte, dono de um rosto perfeito iluminado por grandes olhos castanhos e emoldurados por cabelos da mesma cor. A aura de poder era evidente, como a facilidade do homem experiente em detectar as fraquezas e capacidades de seus semelhantes. Sloane viu Suzanne aproximar-se. O tailleur vermelho realçava a silhueta delicada, e os inseparáveis saltos altos conferiam mais alguns centímetros à estatura reduzida. Ela possuía uma feminilidade que destoava da imagem profissional que desejava projetar. Cabelos claros, olhos azuis e uma boca vermelha e carnuda compunham o rosto atraente, e a pele dourada permitia que ela exibisse as pernas longas e bem torneadas sem o artifício das meias. Conhecera aquelas delícias, saboreara os prazeres daquele corpo, e pusera um anel de noivado em seu dedo. A jóia permanecera onde a deixara por exatamente dez semanas antes que ela a tirasse com uma desculpa ridícula e inacreditável. — Sloane. — Adiantou-se e aceitou o toque da mão dele em seu cotovelo. E disse a si mesma que estava imune ao aroma másculo da colônia, à sensualidade que parecia emanar de cada poro. Ele estudou o rosto delicado e notou sombras escuras sob os olhos que pareciam maiores que antes. — Trabalhando muito? Suzanne optou pelo tom casual, apesar de não se deixar enganar pela aparente neutralidade da voz dele. — Daqui a pouco vai dizer que emagreci. Ele ergueu a mão e traçou o contorno da mandíbula com um dedo. E viu seus olhos se tornarem ainda maiores.

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— Dois ou três quilos, no mínimo. O toque era como fogo, e um músculo saltou numa reação involuntária. — Juiz, advogado e júri reunidos em uma só pessoa? — Esqueceu do amante. — Ex-amante — ela o corrigiu, tentando ignorar o sorriso sensual. — A escolha foi sua, não minha. Suzanne recuou um passo e encarou-o. — Podemos jantar? — Não prefere tomar um drinque primeiro? Queria resumir o encontro ao máximo. — Não, obrigada. Não posso ficar muito tempo. Sloane levou-a ao elevador e sorriu. — Quanta dedicação ao trabalho! — Tive um dia horrível, e ainda vou precisar trabalhar quando voltar para casa. Eram os únicos ocupantes do elevador, e ele se inclinou para pressionar o botão do último andar. O restaurante era bastante movimentado, mas o maitre os levou imediatamente a uma mesa reservada, acomodou-os e chamou o garçom para anotar o pedido das bebidas. Suzanne estudou o cardápio com interesse, e pediu uma sopa, uma entrada à base de frutos do mar e peixe grelhado como prato principal. — Devemos iniciar uma conversa polida, ou prefere ir direto ao ponto? — Sloane perguntou assim que ficaram sozinhos. Suzanne esforçou-se para sustentar o olhar penetrante.

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— O jantar foi idéia sua. — O que esperava? Uma orientação breve para encontrar-me no aeroporto na sexta de manhã? — Teria sido melhor. O sorriso era totalmente desprovido de humor. — Ah, a honestidade! — É uma de minhas características mais admiráveis. Os drinques foram servidos, e Suzanne bebeu um pouco da água gelada, quase desejando ter pedido algo mais forte. O álcool teria acalmado seus nervos. Viu Sloane saborear o habitual aperitivo antes de deixar o copo sobre a mesa e recostar-se na cadeira. — Não respondeu aos meus telefonemas. — Não vi muita utilidade em mantermos contato. — Discordo de você. Era um mestre com as palavras e sabia usá-las como se fossem espadas afiadas. Mas tudo que queria fazer era segurá-la pelos ombros e sacudi-la. — Estamos aqui para falarmos sobre o casamento entre nossos pais — ela estabeleceu com tom frio. — Não para compormos um post-mortem ao nosso caso. — Post-mortem? — A voz era uma ameaça sitiante. — Caso? Estava jogando, como um animal predador jogava com a presa. Esperando, observando, analisando cada movimento, certo do ataque. A questão era apenas quando atacar. Suzanne levantou-se e pegou a bolsa. — Tive um dia horrível. Há uma pilha de trabalho esperando por mim em casa. Não preciso terminar a noite com esse jogo de gato e rato. Dedos se fecharam em torno de seu pulso, e foi preciso muita força de vontade para não reagir com violência.

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— Sente-se. Teria gostado de virar-se e partir. Mas tinha de pensar em Geórgia. Por mais difícil que fosse o final de semana, tinha de comparecer ao casamento da mãe. — Por favor — Sloane acrescentou. Sem dizer nada, Suzanne sentou-se novamente. O garçom serviu a sopa e ela saboreou a mistura aromática bem devagar, grata pelo silêncio que os cercava. Quando os pratos foram removidos, bebeu um pouco de água e esperou que Sloane rompesse o clima de paz. — Fale-me sobre seu dia — ele pediu com tom casual. — Está mesmo interessado, ou quer apenas manter a conversa em um nível aceitável? — Os dois. O sorriso debochado e fraco quase a levou ao desespero, e sentia vontade de gritar e quebrar alguma coisa. — Prefiro discutir o final de semana. — O que há de errado em falarmos sobre o seu dia? Ainda nem começamos a jantar. Naquele ritmo sofreria uma indigestão. Já podia sentir o estômago contraído em dezenas de nós. — O carro não pegou, o automóvel clube me fez esperar muito tempo até enviar um mecânico, cheguei atrasada ao trabalho e fiquei ensopada por causa da chuva. Acho que isso resume a primeira metade. — Pode usar um dos meus carros enquanto o seu está no conserto. — Não, obrigada — respondeu irritada. — Está sendo teimosa. — Prática. — E não queria ser vista dirigindo um Porsche ou um Jaguar.

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— Teimosa — ele persistiu. — E você está falando como minha mãe. — Suzanne forçou um sorriso doce. — Deus me livre! — Tem alguma coisa contra Geórgia? — É claro que não. Só não quero ser comparado a nada vagamente maternal com relação a você. — É claro. Duvido que tenha sido contrariado uma única vez em toda sua privilegiada existência. Ou privado de alguma coisa. Sloane ergueu uma sobrancelha. Depois sorriu. — Exceto do amor de uma boa mulher? — Muitas mulheres são capazes de cometer loucuras por você. — Pelo prestígio oferecido pelo nome Wilson-Willoughby. Pela riqueza da família. A residência multimilionária da família, a frota de carros luxuosos, o exército de empregados. Sem mencionar a cobertura de Sloane, os carros dele, as casas e apartamentos em todas as capitais européias, o iate, o jato... E a Wilson-Willoughby, administrada por Trenton e reconhecida como uma das maiores e mais importantes firmas de advocacia de Sídnei. A riqueza da família era ilimitada. — Você é um cínico. — Realista — ele devolveu sem se alterar. A entrada foi servida, e Suzanne saboreou a delicada textura dos camarões no molho que muitos cozinheiros teriam dado a vida para reproduzirem. — Agora que comeu um pouco, talvez aceite uma taça de vinho. — Meio copo — ela respondeu, determinada a beber devagar e manter a mente lúcida. — Ouvi dizer que está envolvido em um caso muito interessante. — As notícias correm depressa.

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Como qualquer coisa relacionada a Sloane Wilson-Willoughby, dentro ou fora do tribunal. Ele serviu o vinho, dispensando o garçom que se aproximou com um misto de apreensão e presteza. O prato principal foi servido, e Suzanne admirou a apresentação artística do peixe cercado por porções de vegetais cozidos no vapor. Era quase um sacrilégio desmanchar o desenho no prato, e ela comeu devagar e com prazer. — Devo deduzir que Geórgia pode contar com sua aprovação como madrasta? Sloane estudou-a em silêncio. Ela parecia mais relaxada, e o rosto havia adquirido um tom rosado. — Geórgia é uma mulher encantadora. Tenho certeza de que ela e meu pai serão felizes juntos. — Sou obrigada a dizer o mesmo sobre Trenton. Sloane ergueu o copo e bebeu um pouco de vinho, depois fitou-a por cima da taça com ar pensativo. — A questão ainda persiste... O que pretende fazer a nosso respeito? O estômago se contorceu dolorosamente. — O que está querendo dizer? O garçom aproximou-se para retirar os pratos, depois serviu uma seleção de frutas frescas acompanhadas por uma tigela de creme batido e afastou-se. — A menos que tenha dito algo diferente a Geórgia, nossos pais acreditam que estamos vivemos o paraíso pré-nupcial — Sloane lembrou com paciência estudada. — Vamos passar o final de semana fingindo que ainda estamos juntos? Ou quer estragar o dia mais importante da vida deles revelando que nos separamos? A escolha é sua, Suzanne. Ela o encarou e descobriu o caráter implacável sob a fachada encantadora. Era como estudar um objeto de aço envolto em uma camada de veludo macio.

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Como advogado, Sloane era um mestre com as palavras e sabia empregá-las como armas no tribunal. O conhecimento adquirido através da prática profissional fora levado para a vida privada com idêntico sucesso. Já o vira em ação durante um julgamento e ficara encantada. Hipnotizada. E soubera, mesmo então, que teria razões para temer, caso se tornassem inimigos. Uma farsa. Não sabia sequer por que considerava essa possibilidade. Entretanto, seria tão ruim assim? Não dispunha de muitas alternativas, se não queria arruinar a felicidade da mãe. A verdade era algo que pretendia guardar como segredo. — Imagino que seja impossível chegar em Bedarra no dia do casamento e retornar imediatamente após a cerimônia? — É impossível. Já esperava por isso. A distância não era exatamente pequena, e o horário do casamento tornava impossível qualquer tentativa de retorno imediato. Mesmo assim... — Não há nada que possa fazer? Cordões que possa manejar...? — Está com medo de passar algum tempo comigo, Suzanne? — Sloane perguntou com um sorriso indolente. — Prefiro reduzir ao mínimo esse tempo de convivência — ela respondeu com honestidade inata. — É claro. E que cordões espera que eu maneje? — Seria mais adequado chegarmos a Bedarra no sábado de manhã e deixarmos a ilha no domingo. — E desapontar Trenton e Geórgia? — Ergueu o copo e saboreou o vinho como se tivesse todo o tempo do mundo. — Já pensou que sua mãe pode estar contando com sua ajuda e com algum tipo de apoio moral antes da cerimônia? Fazia sentido.

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— Certamente podemos voltar no domingo? — Creio que não. — Por que não? Sloane deixou o copo sobre a mesa com todo o cuidado e encarou-a. — Porque eu não pretendo voltar antes da segunda-feira. Ela o fitou com um sentimento impotente de raiva. — Está fazendo de tudo para dificultar ainda mais a situação, não é? — Trenton tomou providências para um fim de semana prolongado. Não vejo razão para desperdiçarmos a oportunidade. Um arrepio percorreu sua espinha. Três dias. Ou melhor, quatro, se fosse precisa. Seria capaz de enfrentar tão grande provação? — Quer recuar agora, Suzanne? A voz aveludada e irônica fortaleceu seu espírito. — Não. — Quer escolher a sobremesa, madame? O garçom surgiu ao lado da mesa em um momento bastante oportuno, e Suzanne estudou a deliciosa coleção de doces exibida no carrinho. Ansiosa, escolheu uma fatia de bolo de chocolate com creme e morangos, uma espécie de compensação pecaminosa por toda a angústia que estava sendo forçada a suportar. — Vou ter de correr alguns quilômetros a mais para me livrar de todas essas calorias — comentou, sorrindo para o garçom. Mesmo quando morava com Sloane, preferia exercitar-se correndo pelas ruas desertas do subúrbio e respirando o ar fresco da manhã a usar os aparelhos de ginástica instalados na academia da cobertura. — Sou capaz de pensar em uma forma muito mais agradável de gastar calorias. — Sexo? — O vinho a tornava subitamente atrevida. Com delicadeza quase

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aristocrática, apontou para a minúscula porção de sorvete que ele consumia. — Devia viver um pouco. Conhecer o lado selvagem do mundo. — Selvagem? — ele repetiu com tom rouco, um truque que costumava utilizar com absoluto sucesso no tribunal. Saber que certamente perderia o confronto não diminuía a satisfação conferida pela batalha verbal. — É só uma forma de expressão. — Será que pode ser mais clara? — Faça o inesperado. Poucas mulheres ousavam desafiá-lo em algum nível, e nenhuma com o atrevimento e a coragem demonstrados por aquela loura pequenina e independente. — Defina o inesperado. — Seja menos... convencional. — Acha que eu devia brincar mais? É isso? — A ênfase sutil era proposital, e foi com prazer que notou o leve rubor que tingiu o rosto de Suzanne. Com habilidade natural, afiou a lâmina e cravou-a no coração do inimigo. — Tenho uma lembrança bastante nítida de como costumávamos brincar juntos. Ela também se lembrava de tudo com clareza. Por isso decidiu abandonar a disputa. — Pode me dizer o que pretende para a manhã de sexta-feira? — O piloto estará com o avião preparado para partirmos às oito. — Irei encontrá-lo no aeroporto. — Não acha que está levando essa história de independência longe demais? — Por que você iria até North Shore, se o aeroporto fica do outro lado da cidade? Não seria lógico. — Não estou preocupado com a lógica. Nem com a distância. Não devia mesmo estar. Era ela quem criava problemas pelo puro prazer de contrariá-lo.

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— Irei até seu apartamento e deixarei meu carro na garagem do seu prédio até segunda-feira — decidiu. Sloane inclinou a cabeça numa aceitação resignada e sarcástica. — Se prefere assim. Era uma pequena vitória, uma conquista que, por alguma razão, não tinha o doce sabor do triunfo. Sloane pediu o café, e pouco depois deixaram a mesa. Juntos, desceram ao saguão do hotel, onde se despediram. — Boa noite, Suzanne — ele disse ao ver o manobrista aproximar-se com seu automóvel. Os traços eram indecifráveis na escuridão da noite, o tom de voz vagamente cínico. Uma imagem e um som que permaneceram em sua mente muito tempo depois de Suzanne ter ido para a cama.

CAPÍTULO II Na quinta-feira Suzanne solicitou dois dias de licença e remarcou consultas e reuniões, resolveu as questões mais urgentes, delegou outras, e dedicou a hora do almoço à escolha do traje mais adequado para o casamento de Geórgia. A dedicação ao dever obrigou-a a permanecer no escritório algumas horas além do expediente, e ela chegou em casa pouco depois das oito, faminta e aborrecida por ter de comer enquanto arrumava a mala. Felizmente conhecia o estilo Wilson-Willoughby e sabia o que escolher. Apenas o melhor. Shorts e camisetas confortáveis teriam de dar lugar a calças elegantes, saias e vestidos de seda, uniformes de tênis e trajes de banho essenciais para as

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temperaturas tropicais do inverno nas ilhas do norte. Alguns convidados chegariam carregando caríssimas e imensas malas Louis Vuitton contendo tudo que consideravam essencial para um final de semana. Suzanne conseguiu acondicionar todos os pertences em uma valise de mão, que deixou no chão ao lado da cama, pronta para receber os objetos de higiene pessoal na manhã seguinte. Depois voltou à cozinha e apanhou uma lata de refrigerante diet no refrigerador. Na sala, ligou a tevê e mudou os canais na esperança de encontrar algo que a distraísse. Depois de cinco minutos desistiu, desligou o aparelho e começou a folhear uma revista que havia deixado sobre a mesa de canto. Estava inquieta demais para permanecer sentada, e depois de dez minutos abandonou a leitura, levou a lata vazia para a cozinha e foi tomar um banho. Não era muito tarde, mas sentia-se cansada e nervosa, e sabia que devia ir para a cama, ou não conseguiria acordar cedo na manhã seguinte. Mas quando se deitou descobriu que era incapaz de dormir, e permaneceu deitada de costas, olhando para o teto, pelo que pareceu uma eternidade. Irritada, levantou-se e voltou à sala. Se ia passar a noite acordada, era melhor acomodar-se na poltrona e olhar para a tevê. E foi lá que acordou, com o pescoço dolorido e o aparelho sintonizado em um canal que havia saído do ar. Suzanne consultou o relógio de pulso e descobriu que faltava pouco para o amanhecer. Era inútil ir para a cama por tão pouco tempo. Indisposta, espreguiçouse e foi até a cozinha preparar o café. A elegância casual seria a tônica do dia, e depois de uma ducha e um rápido café da manhã ela vestiu calça de linho e uma túnica de seda sem mangas. Cabelos presos seriam incômodos e pouco práticos, já que algumas mechas logo se soltariam, e por isso ela se limitou a escová-los e aplicou um mínimo de maquiagem, apenas

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um toque de cor nas faces, rímel e batom claro. As sete acrescentou a jaqueta ao conjunto, fechou a valise, trancou o apartamento e desceu. Aquela hora o trânsito ainda era leve, e o trajeto foi rápido e agradável. O horizonte já podia ser visto quando se aproximou da ponte próxima ao porto, os edifícios mais altos banhados pela luz pálida do amanhecer que tentava vencer a neblina e anunciava uma fria e úmida manhã de inverno. Ultrapassada a ponte, levou apenas mais alguns minutos para atingir o bairro requintado de Rose Bay. A cobertura de Sloane ficava num prédio moderno e luxuoso distante apenas alguns metros da baía. Ele a esperava encostado no Jaguar. Calça esporte e uma camisa aberta no colarinho substituíam o costumeiro terno de três peças, e Sloane era a imagem do profissional bem-sucedido. Suzanne desligou o motor e desceu do carro para cumprimentá-lo. — Bom dia. Estou atrasada? — Sabia que não estava, mas não tinha idéia do que dizer. A independência era uma qualidade admirável em uma mulher, mas Suzanne levava o conceito a extremos irritantes. O trabalho artístico com os cosméticos quase escondia as sombras escuras sob seus olhos, mas ainda era possível percebê-las, e foi com satisfação que ele constatou que sua noite não havia sido muito melhor que a dele. — Vou levar seu carro para a garagem — anunciou, removendo a valise do banco do passageiro e transferindo-a para o porta-malas de seu automóvel. Minutos depois ele retornava, acomodava-se diante do volante e ligava o motor do Jaguar. — O jato vai fazer uma escala em Brisbane para apanhar Trenton e Geórgia — avisou assim que partiram.

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Suzanne tentou não demonstrar a surpresa. — Pensei que Trenton embarcaria conosco em Sídnei. — Meu pai está em Brisbane há uma semana. Garantindo que Geórgia não mudasse de idéia, segundo palavras dele mesmo. Geórgia não tivera namorados. Nem amigos que visitassem sua casa, nem qualquer outro tipo de companhia masculina que pudesse invadir a privacidade doméstica ou prejudicar o relacionamento com a filha. Sempre fora, acima de tudo, uma mãe devotada e amorosa, e trabalhara como costureira para garantir o sustento da família sem ter de se afastar do lar. Suzanne sempre tivera uma relação próxima de afeto e amizade com a mãe. Eram companheiras e cúmplices, além de mãe e filha. Aos quarenta e sete anos, Geórgia era uma mulher atraente com uma silhueta esguia e delicada, cabelos louros, olhos azuis e uma natureza gentil e terna. Merecia ser feliz com um homem igualmente amoroso. — Voaremos de Brisbane até a ilha Dunk sem escalas, e de lá seguiremos de lancha até Bedarra — Sloane resumiu. Suzanne virou a cabeça e apreciou o cenário em movimento, as casas em cujo interior todos se preparavam para um novo dia. Mães preparavam a refeição matinal, crianças sonolentas tomavam banho e vestiam-se antes de comerem e seguirem no transporte público para a escola. O trânsito começava a ganhar intensidade, e eram quase oito horas quando Sloane entrou no aeroporto, atravessou o portão que levava ao terminal de embarque e seguiu para a área onde ficavam as aeronaves particulares. Suzanne soltou o cinto de segurança e tocou a maçaneta, mas antes que pudesse abrir a porta, ele se inclinou em sua direção. — Esqueceu algo importante. Assustada, deixou que ele segurasse sua mão e colocasse em seu dedo o anel

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de diamante. — Trenton e Geórgia estranhariam se notasse que não está usando o anel de noivado — ele apontou com cinismo odioso. A farsa estava começando. Uma risada histérica formou-se em seu peito e morreu na garganta. A quem estava tentando enganar? — Esse vai ser um final de semana inesquecível. — Realmente. — Sloane... — Parou, hesitante com relação à escolha de palavras, mas sentindo a necessidade de estabelecer algumas regras. — Não vai... — Não vou o quê? — Exagerar. A expressão do rosto dele permanecia inalterada. — O que quer dizer com exagerar? Devia ter mantido a boca fechada. Tentar atingi-lo com palavras era um esforço inútil, porque Sloane sempre vencia a batalha. — Prefiro que mantenha qualquer tipo de contato físico restrito ao mínimo necessário. Os olhos foram iluminados por um toque de humor. — Está com medo, Suzanne? — De você? É claro que não! Os olhos permaneciam fixos em seu rosto, e ela teve a impressão de que os pulmões não recebiam uma quantidade suficiente de ar. — Devia estar — Sloane disparou insolente. Um arrepio percorreu sua espinha, mas ela conseguiu conter o tremor. Devia desistir de tudo agora. Podia usar o telefone do carro para falar com Geórgia e explicar tudo. — Não — Sloane disse com tom firme. — Iremos até o fim disso.

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— Sabe ler pensamentos? — Os seus são especialmente transparentes. Era horrível saber que ele podia adivinhar os conteúdos de sua mente. Com qualquer outra pessoa conseguia apresentar uma fachada impenetrável, mas Sloane transpunha todas as barreiras que construíra como se não existissem. Gostaria que fosse segunda-feira e estivessem fazendo a viagem de volta. Assim o fim de semana teria acabado. Um Lear Jet com as iniciais W-W esperava por eles com o bagageiro aberto. Sloane transferiu as malas e trocou algumas palavras com o piloto antes de embarcarem. O interior do avião era luxuoso. Carpete espesso, bancos de couro legítimo, utensílios de prata e cristal... O jato era o brinquedo luxuoso de um homem muito rico. Uma comissária atraente e simpática os recebeu na entrada da cabine. — Estamos prontos para decolar, senhor. Por favor, sentem-se e afivelem os cintos de segurança. — Ela foi fechar a porta, verificou se os passageiros estavam confortáveis e seguros, e depois falou com o piloto pelo interfone, anunciando que estavam prontos para partir. Em minutos estavam voando, ganhando altitude e seguindo o contorno da costa. — Suco, chá ou café? Suzanne optou pelo suco, enquanto Sloane aceitou o café. Depois de servi-los, a aeromoça voltou ao seu assento no fundo da aeronave, perto da cozinha. — Não trouxe o computador portátil? — Suzanne perguntou ao vê-lo relaxado, saboreando o café. — Não vai aproveitar o tempo de viagem para examinar documentos ou estudar um caso? Ele a encarou pensativo.

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— O computador está na minha pasta no bagageiro. Entretanto, decidi aproveitar para descansar um pouco — revelou com um misto de indolência e ironia. — Se quiser trabalhar, não se incomode comigo. — É claro. Prefere que eu mergulhe no trabalho, porque assim não terá de conversar comigo. Ela o brindou com um sorriso lento e doce. — Como adivinhou? — Não acha que devemos usar o tempo para ensaiarmos histórias parecidas relativas às últimas três semanas? Pequenos detalhes como filmes que podemos ter visto, jantar com amigos, espetáculos... Residências separadas, vidas isoladas. Dias tomados pelo trabalho frenético, noites longas e solitárias. Como nunca tivera uma vida social muito agitada, Suzanne não conseguiu evitar uma comparação com os dias movimentados que conhecera enquanto vivera com Sloane. Jantares elegantes, festas concorridas e algumas noites em casa com ele. Longas noites de amor, um corpo maravilhoso a seu lado na cama e manhãs gloriosas quando era despertada por beijos provocantes e carícias delicadas. Algo se rompeu em seu peito e ela fechou os olhos. Depois voltou a abri-los num esforço para livrar-se da imagem. — Suzanne? Clareza de raciocínio era essencial, e ela o encarou, reconheceu a expressão enigmática e forçou um sorriso. — É claro. — Uma visita ao cinema havia sido sua única excursão social no passado recente. Disse o nome do filme e fez um rápido resumo do enredo. — E você? Imagino que tenha mantido um ritmo alucinante de festas e jantares. — Pelo contrário. Recusei um convite para jantar com os Parkinson. Você

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estava com enxaqueca. — E o resto do tempo? Sua expressão denotava um humor cínico. — Jantamos a dois, ou ficamos em casa. Suzanne lembrava o que havia acontecido durante as noites mais tranqüilas, quando optavam pelo sossego da confortável cobertura. O longo e delicioso jogo de sedução que começava quando entravam no apartamento depois de um dia de trabalho. Drinques compartilhados, jantares exóticos à luz de velas, licores e um filme escolhido com cuidado para alimentar a atmosfera de erotismo. Os dedos passeando pela pele sensível, o toque dos lábios saboreando um ou outro recanto mais escondido, um despertar sensual que guardava a promessa de excitação crescente e culminava com o encontro entre duas pessoas que apreciavam cada momento de cumplicidade e convívio. Algumas vezes dispensaram os preâmbulos. Tomados pela paixão, despiamse ainda na sala com movimentos apressados, aflitos, e faziam amor sobre o tapete ou em cima do sofá. Suzanne encarou-o e, com esforço, engoliu o nó que se formara em sua garganta. A gargalhada irônica morreu antes mesmo de brotar do peito. A quem estava enganando? Não tinha escolha. Se abrisse a boca, não emitiria mais que sons estrangulados, reflexos da angústia que a invadia. Viu o sentimento refletido nos olhos dele, notou o brilho de paixão que os iluminava, e quis morrer quando os lábios distenderam-se num sorriso lento e sensual. — Recordações, Suzanne? O humor era a melhor alternativa. Assim ele jamais teria idéia de como estava sofrendo.

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— Algumas maravilhosas — disse. Ele merecia saber disso. Outras lembranças eram particularmente amargas, como a crueldade de algumas integrantes de sua classe social. Droga! Mergulhava em águas mais profundas a cada passo dado. E só estavam juntos há uma hora. Em que estado estaria no final do episódio? Pegou uma revista deixada no encosto do banco e virou as páginas ilustradas até encontrar um artigo que despertou sua atenção. Ou melhor, pelo menos pôde fingir que estava interessada até o final da rápida jornada até Brisbane. Foi um alívio quando o jato aterrissou e seguiu até o extremo mais afastado do terminal. Suzanne viu a limusine estacionada ao lado do hangar, e o pai de Sloane embarcou assim que a comissária abriu a porta da aeronave e baixou a escada. — Bom dia. Trenton caminhou pelo corredor para cumprimentá-los. A semelhança entre pai e filho era marcante, embora Trenton tivesse a cintura mais larga e os cabelos grisalhos nas têmporas. Era um homem simpático, agradável, dono de uma mente astuta e de um poderoso dom para os negócios. Suzanne levantou-se e deixou-se abraçar. — É um prazer revê-la, querida. — Ele a soltou e abraçou o filho. Depois apontou para a limusine. — Geórgia está terminando de dar alguns telefonemas do celular. Acho que está confirmando a entrega das flores para o casamento. Vá até lá e aproveite para cumprimentá-la, enquanto acomodo nossas malas no bagageiro. Geórgia estava retocando o batom quando Suzanne entrou no automóvel. Sorrindo, ela estendeu as mãos para a filha e beijou-a. — Nervosa, mãe? — Não. Só preciso de alguém para me dizer que não estou sendo tola ou ridícula.

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Geórgia ficara viúva ainda muito jovem, e tivera de criar uma filha que nem se lembrava do rosto do pai, morto em uma estrada escura por um ladrão de carros bêbado e drogado que o atropelara depois de cometer um roubo. A vida depois disso não havia sido exatamente penosa, já que o controle rígido das finanças e economias sistemáticas garantiram férias e algumas alegrias. — Não está sendo ridícula — Suzanne afirmou com tom doce. Geórgia parecia ansiosa. — Preferia ter esperado até vê-la casada com Sloane, mas... Não se importa, não é? Era difícil esconder a culpa e o remorso que experimentava por estar mentindo. — Não seja boba, mamãe — disse. — Sloane está envolvido em dezenas de casos importantes. Não podemos planejar nada enquanto ele não estiver disponível por algumas semanas. Além do mais, duvido que Trenton concorde com a idéia de adiar o... — Tem toda razão. — Uma voz profunda a interrompeu. — Eu jamais concordaria. Trenton estendeu a mão e Suzanne aceitou-a. Em seguida, foi a vez da mãe descer do carro. Os três embarcaram no jato e minutos depois decolavam novamente. Quaisquer dúvidas que Suzanne pudesse ter tido com relação aos sentimentos de Trenton por Geórgia desapareceram imediatamente. A paixão entre os dois era tão evidente que chegava a senti-la como uma entidade física na cabine confortável. Já havia vivido aquela mesma alquimia com Sloane. Mas era melhor não pensar nisso. Assim que os sinais luminosos anunciaram que podiam soltar os cintos de segurança, Trenton levantou-se e foi buscar uma garrafa de champanhe e quatro

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taças no refrigerador de bordo. — Hora do brinde — anunciou, removendo a rolha e servindo a bebida dourada nas quatro taças. Depois de distribuí-las, ergueu aquela que conservara em sua mão. — A saúde, à felicidade... — Olhou para Geórgia, sorriu e buscou os olhos de Sloane e Suzanne. — E ao amor. Sloane tocou a borda da taça na de Suzanne, e seu rosto expressava uma ternura tão grande que ela perdeu o fôlego. Cuidado, aconselhou uma voz interior. Era apenas uma encenação. E, por causa disso, foi capaz de brindá-lo com um sorriso doce antes de virar-se para a mãe e o futuro padrasto. — A vocês. — Álcool antes do almoço não fazia parte de seus hábitos, e champanhe num estômago quase vazio não era a melhor maneira de começar o final de semana prolongado. Felizmente havia uma seleção de sanduíches em um prato sobre o refrigerador, e ela se serviu de dois deles antes de continuar bebendo. Sloane ajeitou seus cabelos num gesto provocante. Gostava de ver seus olhos iluminados por aquele brilho assustado, e sentir o tremor dos músculos sob seus dedos era a prova de que necessitava para ter certeza de que estava no caminho certo. Seriam quatro dias interessantes. E três noites, lembrou com um certo grau de cinismo e deboche. Suzanne sentiu o desespero tomando corpo em seu peito. Teria enlouquecido? O que antes parecera uma idéia lógica, uma opção sensata, de repente assumia o aspecto de um campo minado.

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CAPÍTULO III A ilha de Bedarra lembrava uma esmeralda perdida em um mar de safiras. Afastada, era um paraíso de beleza natural ao qual só era possível chegar partindo de lancha da ilha próxima de Dunk. A princípio o lugar parecia totalmente coberto pela floresta tropical, mas com a aproximação da lancha Suzanne notou os telhados vermelhos do hotel construído por um poderoso grupo internacional. O complexo era composto por dezesseis chalés independentes, não existia nenhum meio de transporte e crianças com menos de quinze anos não eram aceitas no hotel. Em pé, ela admirou o mar cristalino e o oásis de tranqüilidade, certa de que aquele era o local perfeito para quem desejava escapar da tensão e da correria da vida diária. Uma espécie de sexto sentido avisou-a sobre a presença de Sloane, e Suzanne conteve um arrepio ao ver os braços que, apoiados sobre a balaustrada, formavam uma espécie de cerca em torno de seu corpo. Não se tocavam, mas tinha plena consciência dos poucos centímetros que os separavam e de como seria fácil apoiar-se no peito musculoso. Fechou os olhos para banir da mente a poderosa recordação dos tempos em que haviam ficado juntos, naquela mesma posição. Apreciando a cidade adormecida através de uma janela do apartamento; na cozinha, onde ela sempre gostara de assumir o papel de dona-de-casa; na suíte espaçosa e confortável. Nesses momentos Sloane costumava beijar seu pescoço, os ombros e a parte mais sensível atrás das orelhas. Instantes em que exultara sob seu toque e girara no círculo formado por seus braços para corresponder aos beijos apaixonados. Inevitavelmente, as circunstâncias

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acabavam por levá-los ao quarto, onde viviam horas de paixão ardente. Suzanne agarrou-se à balaustrada ao notar que a lancha começava a reduzir a velocidade para ancorar junto ao pequeno píer. Seriam as lembranças de Sloane tão nítidas quanto as dela? Ou permaneceria impassível, limitando-se a representar um papel? Droga! Tinha de conter as emoções, ou acabaria sofrendo um colapso nervoso! — Hora de desembarcar. A voz dele era um sussurro, e o encanto foi quebrado pelo comentário fascinado de Geórgia. — Lindo! Juntos, atravessaram a plataforma de madeira e percorreram a trilha que levava ao complexo turístico. — É um lugar bastante reservado — Trenton explicou. — Aqui podemos contar com privacidade garantida. Não existe a menor possibilidade de sermos incomodados pela mídia. E ele estava sempre disposto a pagar qualquer preço por essa privacidade, Suzanne concluiu. Ainda lembrava como era difícil saborear um jantar com um Wilson-Willoughby sem ser interrompida por um fotógrafo querendo registrar o momento para uma coluna social. A madeira local fornecia o fundo para os tons vibrantes dos móveis da recepção. O gerente os recebeu com entusiasmo, registrou-os rapidamente e colocou duas chaves sobre o balcão. Suzanne sentiu-se como se houvesse sido atingida por um soco no estômago. Idiota! Devia ter imaginado que ela e Sloane dividiriam o mesmo chalé. Por que não, se supostamente ainda moravam juntos? — Voltaremos a nos encontrar no restaurante para o almoço. — Trenton

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pegou uma das chaves e olhou para o relógio. — Em... meia hora? Juntos atravessaram um caminho sinuoso que levava ao interior do complexo, O chalé de Trenton e Geórgia era o primeiro da fila, e Sloane e Suzanne continuaram até encontrarem o número indicado pelo gerente. Sloane abriu a porta e afastou-se para deixá-la entrar. Assim que teve certeza de que não poderiam ser ouvidos do lado de fora, ela o encarou e explodiu: — Você sabia! — O quê? Que ficaríamos no mesmo chalé? É claro que sim. O que esperava? Acomodações separadas? E nem pense em solicitar uma mudança, porque meu pai alugou todo o hotel, o que significa que não há um único chalé disponível. E mesmo que houvesse, ficaríamos aqui, juntos. — É claro! Projetando a imagem do casal perfeito — Suzanne respondeu com cinismo. — Por que todo esse escândalo, afinal? Se não estou enganado, foi isso que decidimos juntos. Sim, em um momento de insanidade no qual colocara os sentimentos da mãe acima de tudo. Não pensara no sofrimento que teria de experimentar para fazê-la feliz. E mesmo que pudesse voltar atrás, não faria diferente. Seria capaz de qualquer coisa para não aborrecer Geórgia. O chalé era espaçoso, arejado e amplo, mas não precisava ser adivinha para saber que a escada levava ao único dormitório disponível. Suzanne o seguiu e descobriu que a suíte era maior do que esperava, com piso de tábuas corridas e brilhantes e teto alto. Um ventilador central mantinha em constante movimento o ar fresco proporcionado pelo ar-condicionado, e a densa folhagem do lado de fora criava uma atmosfera primitiva que aumentava a sensação de tranqüilidade. Os olhos notaram as duas camas e examinaram o ambiente funcional. Quatro

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dias de convivência. Mal havia começado, e já podia sentir todos os nervos do corpo enrijecidos numa atitude defensiva. — Que cama prefere? — perguntou com tom civilizado, desejando, necessitando estabelecer algumas regras básicas. Regras impunham limites, e se os respeitassem poderiam sobreviver ao final de semana com um mínimo de conflito. Sloane a encarou pensativo. — Não quer dividir? — Não. — Não queria nem pensar nisso. Não ousava pensar. Já era terrível ter de dividir o chalé, o quarto. Dormir na mesma cama seria loucura. A menos que fosse a favor do sexo casual, da intimidade pelo simples prazer, o que não era seu caso. Para ela, sexo significava cumplicidade, sensualidade, amor, não um exercício físico com o único propósito de saciar uma urgência básica. Sloane estudou os traços expressivos, percebeu a determinação estampada no rosto delicado e reconheceu o momento de recuar. — É uma pena. De repente algo iluminou os olhos dela. O tom de voz sugeria uma raiva surda e irracional. — Não pode ter imaginado que eu aceitaria essa sugestão absurda! — Não. — O sorriso era desprovido de humor. Sloane estendeu a mão e tocou a ponta de seu nariz. O sorriso tornou-se mais amplo. — Mas você reagiu exatamente como eu esperava, e adoro vê-la furiosa. Suzanne respirou fundo algumas vezes, tentando sufocar a ira que ameaçava dominá-la. — Acho melhor não continuarmos com as provocações, Sloane, ou acabaremos partindo para a agressão. — Verbal, é claro.

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— Física, se não tomar cuidado. — Agora conseguiu invocar uma imagem bem interessante. — Ele riu, e seus olhos se tornaram tão escuros que era impossível distinguir as pupilas. — No entanto, sinto-me obrigado a preveni-la, minha querida. Não espere que eu me comporte como o perfeito cavalheiro. A conversa havia desviado do curso, e ela tentou recuperar a atmosfera distante e impessoal. Com calma forçada, olhou para uma das camas, depois para a outra, imaginando-o encolhido na pequena cama de solteiro que ocupava um canto da suíte. — Pode ficar com a cama maior — disse. — Quanta generosidade! — Mas faço questão de metade do guarda-roupa e do armário do banheiro. — Combinado. Ela o encarou intrigada. A aceitação calma com que reagia às suas sugestões era... inesperada. Batidas na porta levaram Sloane de volta ao primeiro andar. O porteiro deixou a bagagem na sala de estar e, levando uma valise em cada mão, ele subiu para deixá-las no chão do quarto. — Vou desfazer minha mala. — Uma tarefa banal que só levaria alguns minutos. Tinha consciência dos movimentos de Sloane enquanto pendurava vestidos e saias nos cabides e guardava roupas íntimas numa gaveta. Depois foi acomodar os cosméticos e objetos de higiene na prateleira do armário do banheiro. — Tem alguma coisa para a lavanderia? Alguma roupa para passar? — Não. — Viu quando ele retirou o saco apropriado de uma gaveta no banheiro e colocou dentro dele duas camisas, fechando-o e deixando-o sobre a cama. — Se estiver pronta, podemos ir ao encontro de Trenton e Geórgia no

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restaurante. Precisava escovar os cabelos e retocar o batom. — Só preciso de alguns minutos. No banheiro, parou diante do espelho e examinou a própria imagem com espírito crítico. Os olhos estavam fundos demais, o rosto, muito pálido. Alguns toques de sombra, um pouco de cor nas faces e uma camada de batom resolveram o problema. Os cabelos haviam perdido o brilho depois da longa viagem, e por isso decidiu prendê-los num coque frouxo no alto da cabeça. As mãos buscaram automaticamente o perfume suave que ganhara de Sloane, mas detiveram-se antes de alcançá-lo. Oh, para o diabo com isso. Usava perfume porque gostava da fragrância, não porque desejava seduzir ou conquistar um homem. Se Sloane quisesse interpretar a aplicação como um sinal de interesse, o problema seria dele. Uma rápida esborrifada em cada pulso, mais uma no vale entre os seios, e estava pronta para enfrentar o resto do dia. Sloane examinou-a lentamente ao vê-la sair do banheiro, mas não teceu comentários. Em silêncio, pegou os óculos escuros e esperou que ela providenciasse os dela antes de afastar-se para deixá-la descer a escada na frente. Suzanne sentia o poder emanado pelo corpo másculo. Era como um ímã atraindo uma parte secreta de seu ser, acentuando emoções que preferia não reconhecer. — Está com fome? O sol acariciava sua pele, e a brisa leve brincava com as mechas que começavam a se desprender do coque. O clima tropical era delicioso e envolvente, e quando percebeu já estava sorrindo. — Faminta! Um brilho malicioso iluminou os olhos dele, e Sloane riu ao segurar sua mão e

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levá-la aos lábios. O estômago contraiu-se diante da demonstração de intimidade, e ela amaldiçoou mentalmente cada terminação nervosa que reagia ao contato breve e sutil. Tentou soltar-se, mas foi inútil. — Esse tipo de encenação é um pouco prematura, não acha? — Não. Estamos em um local público e qualquer pessoa pode nos ver ou ouvir o que dizemos. O tom bem-humorado da voz dele provocou um sorriso que Suzanne não pôde conter. — Está se divertindo com tudo isso, não é? Ele ergueu uma sobrancelha. — É uma oportunidade rara de tocá-la como sempre gostei de fazer. — Não exagere, Sloane — ela o preveniu em voz baixa, notando o sorriso debochado. — Que imaginação fértil você tem. Fértil demais. E esse era o grande problema. O restaurante era espaçoso, com mesas colocadas do lado de dentro e no terraço coberto. Era um lugar tranqüilo, de onde se podia ver a baía encurvada em torno do oceano e a vegetação abundante do centro da ilha. — Prefere sentar-se lá dentro, ou quer ficar no terraço? — O terraço — Suzanne respondeu sem hesitar. Geórgia e Trenton ainda não haviam chegado, e ela escolheu uma mesa protegida contra os raios do sol. Viu Sloane sentar-se na cadeira à frente da dela e sentiu-se grata pelas lentes escuras que escondiam seus olhos. Eram uma espécie de barreira que tornava um pouco menor o desconforto de lidar com ele. Mas... que tolice estava pensando? Ninguém lidava com Sloane. Essa era uma prerrogativa dele. Controle, que alguns denominavam estratégia de manipulação,

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era um talento que ele desenvolvera de maneira invejável na arena dos negócios. Na vida privada, acrescentara o charme e a capacidade de sedução e obtivera um resultado perigoso. Letal. — Água mineral? — Suco de laranja. Sloane riu. — Essa é sua preferência, ou está apenas determinada a me contrariar? — Por que eu perderia tempo e energia com isso, Sloane, se nos próximos três dias viveremos uma atmosfera de paz, harmonia e celebração? — Sim, por quê? O tom era pura seda, com um sutil aviso, caso decidisse testar sua paciência no jogo que ambos haviam concordado jogar. Uma jovem garçonete aproximou-se da mesa para anotar o pedido, o sorriso brilhante, a expressão traindo uma certa inveja quando os olhos se demoraram um instante além do necessário no rosto de Sloane. Suzanne experimentou um sentimento que se recusou a reconhecer como ciúme. Por que o corpo permanecia tão sintonizado ao dele, se havia decidido tirá-lo da cabeça? Uma coisa era conter-se quando contava com a distância e a proteção conferidas por um telefone. Outra, completamente diferente, era enfrentá-lo pessoalmente, porque então as barreiras que erigira com muito esforço pareciam desintegrar-se uma a uma. A conversa era mais segura que o silêncio. — Fale-me sobre o caso em que está envolvido. — Está mesmo interessada? — O que prefere? Uma dissertação sobre o clima? — Que tal uma versão honesta sobre o que a levou a me deixar? Suzanne tentou manter a calma, porque perdê-la nesse momento seria um

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erro fatal. — Esqueça. Não quero correr o risco de ser surpreendida por Trenton e Geórgia no meio de uma discussão acalorada. Ele se recostou na cadeira e cruzou os braços atrás da cabeça. — Minha querida Suzanne, raramente tenho a necessidade de erguer o tom de voz. Por que recorreria à raiva quando podia usar as palavras com tanta habilidade, lançando-as como dardos envenenados no coração do oponente? Reações emocionais sempre haviam sido uma característica dela. — Não creio que este seja o melhor momento para tratarmos do assunto. A garçonete retornou com dois copos contendo suco de laranja e gelo, e Suzanne a viu arranjá-los sobre a mesa com cuidado quase obsessivo. — Se precisar de mais alguma coisa, estarei logo ali. — O sorriso que ela dirigiu a Sloane antes de afastar-se era uma mistura de devoção e fascínio. — Meu Deus! Não precisa nem se esforçar! Sloane sorriu cínico. — Suponho que deva demonstrar minha gratidão por ter percebido que o episódio foi inteiramente unilateral. Sim, havia notado. Notava tudo que dizia respeito a ele. Em silêncio, pegou o copo e bebeu alguns goles do líquido refrescante e saboroso. — Ela parece bastante... disponível. — Talvez, mas estou com você, lembra-se? — Céus! Acabamos de chegar e já estamos trocando farpas. O que poderá acontecer antes do final do quarto dia? — Não sei, mas estou ansioso para descobrir. — E ergueu o copo. — A nós. — Isso não existe mais — Suzanne declarou determinada. — Não? — Chegue mais perto, Sloane, e vai descobrir que mordo.

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— Tome cuidado, porque serei capaz de revidar. Sim, ele seria capaz disso, e também tomaria providências para que, apesar de deixá-la vencer a batalha, fosse o vencedor da guerra. Era uma idéia assustadora, e por isso tentou pensar em uma resposta hostil. — Escute aqui... — Geórgia e Trenton acabaram de entrar — Sloane a preveniu, trocando o olhar gelado por um sorriso carinhoso a que ela correspondeu. Felizmente ainda contava com a proteção dos olhos escuros, ou teria posto tudo a perder quando ele se inclinou sobre a mesa para beijá-la no rosto. Uma ação ruidosa cujo objetivo era demonstrar que pretendia tirar proveito de toda e qualquer situação ao longo do final de semana. E se Sloane estava disposto a jogar, encontrara uma oponente à altura, Suzanne decidiu. Com calma deliberada, pegou a mão dele e levou-a aos lábios, usando os dentes para morder a ponta de um dedo... com força. O triunfo, mesmo temporário, era doce. Apesar do sorriso gelado que prometia retaliação. — Este não é um lugar idílico? — Geórgia comentou ao sentar-se. — Maravilhoso, mamãe. Qualquer esforço ou sacrifício era válido para ver a mãe tão feliz. Até mesmo correr o risco de ferir-se em uma das muitas batalhas verbais que ainda travaria com Sloane nos próximos dias. — Verifiquei os arranjos com o gerente do hotel — Trenton contou ao acomodar-se na última cadeira vaga. A garçonete aproximou-se, anotou o pedido e voltou ao bar para atendê-lo. — Está tudo pronto. E por que não estaria? Suzanne questionou em silêncio. O nome WilsonWilloughby era suficiente para fazer as pessoas se atropelarem na tentativa de serem

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úteis e prestativas. O sucesso não fazia parte da vida dos fracos, inseguros ou ineptos. E ninguém em sã consciência poderia acusar Trenton ou Sloane de uma dessas falhas de caráter. Poder era a palavra-chave, e com ela vinha uma certa falta de compaixão que Suzanne julgava difícil perdoar, Um paradoxo, já que também era capaz de admirála como uma qualidade. — Quando chegarão os convidados? — Amanhã de manhã. Fretei uma lancha especialmente para trazê-los de Dunk. O almoço compreendeu uma soberba entrada de frutos do mar seguida por peixe grelhado e salada, e todos optaram por uma suculenta seleção de frutas frescas como sobremesa. — Conheço alguma das pessoas que virão para a cerimônia? — Suzanne formulou a questão tentando demonstrar um interesse casual, ignorando o nó que se formava em seu estômago enquanto esperava pela resposta de Trenton. Os olhos de Sloane tornaram-se mais atentos, embora a expressão não sofresse nenhuma alteração. — Imagino que sim. — Trenton recitou os nomes, e Suzanne voltou a respirar normalmente ao constatar que o nome que esperava ouvir não havia sido mencionado. Sloane acompanhava cada alteração, cada gesto, por menor que fosse. As suspeitas que abrigava há semanas tornaram-se maiores. — Podemos ir? — Geórgia perguntou com um sorriso radiante. — Ainda não terminei de desfazer as malas, e quero tomar algumas providências antes do final da tarde. Sloane levantou-se e segurou a cadeira de Suzanne para que ela fizesse o mesmo. Uma das mãos tocou seu ombro e ela sentiu o calor invadir suas veias numa

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reação imediata ao contato. Não havia nada que pudesse fazer para impedi-lo de passar um braço em torno de sua cintura quando deixaram o restaurante. Também não podia ceder à tentação de empurrá-lo e criar uma cena. Foi com desespero que se virou para a mãe. — Precisa de algum tipo de ajuda? — Por favor, diga que sim! — Oh, querida, obrigada, mas... não. Não. Tudo havia sido providenciado antes de Geórgia embarcar no jato particular em Brisbane. E ali, naquela ilha paradisíaca, havia uma imensa equipe de empregados para cuidar do que fosse preciso. — Os últimos dias foram tão agitados — Geórgia comentou com um suspiro —, que agora quero apenas relaxar. Vá conhecer a ilha com Sloane. Estaremos esperando por vocês para um drinque antes do jantar. Às seis parece adequado? O que mais poderia fazer além de concordar? Resignada, Suzanne suportou o contato físico com Sloane até chegarem ao chalé, e soltou-se assim que o viu fechar a porta. — Acho que vou dar uma volta. — Aproximou-se da escada que levava ao quarto. Vestiria um short e uma camiseta e trocaria os sapatos por tênis. — Boa idéia. Vou com você. — E se eu não quiser sua companhia? — Vai ter de aturá-la mesmo assim. — Está disposto a transformar este final de semana num martírio para mim, não é? — perguntou furiosa. Ele percorreu a distância que os separava. — Tudo que fizermos neste final de semana, faremos juntos. Entendido? — Tudo, Sloane? Não acha que está sendo um pouco exagerado? — Concordamos com uma trégua temporária, e vamos mantê-la. Jamais o vira perder a calma, embora houvesse testemunhado uma ou outra

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alteração no tom de voz ou um olhar mais frio para um adversário no tribunal, mas jamais com ela. Um arrepio a percorreu e ela lutou para difundir o ar intenso e potencialmente perigoso que os cercava. — Espero que tenha trazido um par dê tênis — disse. — Aqueles sapatos artesanais italianos que costuma usar não sobreviveriam a uma caminhada sobre pedras e areia. — Vejo que sabe reconhecer o momento de recuar. Parabéns, Suzanne. Está aprendendo a ser mais tática e menos emocional. — Digamos que tive um excelente professor. Um dedo tocou seu lábio, mas em seguida ele se afastou. — Só preciso de alguns minutos para mudar de roupa, e depois iremos conhecer a ilha. Suzanne subiu a escada e foi se preparar no banheiro. No último instante decidiu colocar um biquíni sob o short e a camiseta. Rápida, apanhou os óculos escuros, uma toalha e um boné, e foi encontrá-lo na sala. — Pronto? Short e tênis haviam substituído a calça esporte e os sapatos italianos. Sloane parecia relaxado e confortável, uma imagem projetada de maneira consciente e, em algumas ocasiões, totalmente enganosa. Levara dias e noites inteiros para construir barreiras de proteção contra a poderosa alquimia de Sloane Wilson-Willoughby. Noites e noites em claro, racionalizando os motivos que a levaram a deixá-lo; usara a lógica, a psicologia amadora e até um pouco de superstição para conferir mais importância à intuição, e finalmente decidira ter tomado a decisão mais sensata. No entanto, o instinto continuava em conflito com a lógica, e odiava o desconforto provocado pela ambivalência.

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— E então, por onde começamos? — A determinação era a chave. — Pela praia? — Por que não? A voz de Sloane carregava um toque sutil de cinismo, e ela o encarou em busca de evidências do humor sarcástico. Mas era impossível detectar qualquer coisa além das lentes escuras dos óculos de sol.

CAPÍTULO IV Suzanne parava a cada dez ou quinze passos para recolher uma concha e jogála no mar azul. A areia era macia, branca e muito fina. O silêncio dava a entender que não havia mais ninguém na ilha. O sol quente era típico da região conhecida pela ausência de inverno, o calor amenizado pela brisa morna que soprava do mar. Tinha consciência da presença do homem a seu lado; como, agora que usava um par de tênis, era muito mais baixa que ele. A diferença fazia com que se sentisse frágil e um pouco vulnerável, o que era loucura. — Quer escalar as rochas e descobrir o que há do outro lado? Haviam seguido a linha da praia até um paredão de pedras que separava oceano e continente. Qualquer coisa era melhor do que retornar ao chalé. — Sim. Encontraram uma pequena enseada, a parte mais rasa cercada por rochas e cortada por bancos de areia que uniam as pedras e a praia. Isolada, e tão linda que parecia uma miragem. — Quer continuar? — Prefiro nadar — Suzanne decidiu sem hesitar, virando-se para fitá-lo.

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O sorriso que iluminava seu rosto era ainda mais fascinante que a paisagem. — Boa idéia. Teria pensado em vestir uma sunga sob o short? A área era isolada o bastante para que ele não se incomodasse com esse tipo de detalhe, mas Suzanne estava perturbada. E muito. — Alguma objeção? O tom rouco fez seu coração bater mais depressa. — Não, nenhuma. — Como uma resolução tão simples como a de nadar um pouco se tornara subitamente ameaçadora? Tolice. Censurando-se pelo comportamento tolo, despiu o short e a camiseta conservando apenas o biquíni. Sloane também se despia, e um olhar rápido foi suficiente para determinar que a seda negra e fina proporcionava uma cobertura adequada. Embora adequada não fosse a melhor palavra para referir-se a um corpo másculo e musculoso no auge da forma física. Um atestado visual de virilidade capaz de acelerar a pulsação de qualquer coração feminino. Mas era mais que isso, muito mais. Sloane possuía um magnetismo primitivo, uma característica que, aliada a um grande conhecimento da alma humana, o destacava de outros homens. Era evidente em seus olhos uma segurança essencial que sugeria um espírito muito antigo, uma mente que já vira coisas demais, lidara com todas elas e triunfara. E no entanto, aqueles dois poços profundos e escuros podiam se tornar suaves e ternos por uma mulher, prometendo um devastador prazer sexual. Lembrar essa devastação a mantivera acordada por muitas noites, virando-se de um lado para o outro na cama enquanto a memória tentava apagar o que o corpo insistia em recordar. A luz do dia era capaz de convencer-se de que estava bem.

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E de repente era forçada a viver em sua companhia por três, quase quatro dias. Engano: grande engano! Sete horas de aventura, e já podia sentir os nervos tensos como cordas de um violino, quase saltando do corpo cada vez que ele se aproximava. Por que, por que, por que se submetera a essa tortura? Por Geórgia. Pela doce e querida Geórgia, que merecia a mais completa felicidade durante a celebração de seu casamento. Seria pedir demais? — Quer nadar, ou vai ficar aí parada, olhando para o horizonte? A voz de Sloane interrompeu sua reflexão, e ela o encarou com um sorriso falso. — O último a chegar é um pato. Correu até a água cristalina e continuou correndo até senti-la na altura da cintura. Então mergulhou e começou a nadar com braçadas vigorosas que a levaram alguns metros à frente. Segundos depois uma cabeça morena surgiu a seu lado, e Suzanne fitou-o rapidamente enquanto continuava nadando. — Está agindo como quem espera ser atacada a qualquer momento — ele comentou. Jamais tentaria jogar pôquer. Tinha olhos expressivos demais para isso. Sloane era capaz de detectar cada mudança de tom em sua voz, cada movimento mais tenso do corpo. — Por que me atacaria? — Devolveu com falsa indiferença. — Não há ninguém por perto para apreciar o espetáculo. — É claro. O que significa que não tem ilusões, certo? De repente ele se aproximou, e as pernas envolveram as dela antes que pudesse escapar. Uma das mãos encontrou sua cintura, e outra segurou-a pela nuca, e Suzanne não teve tempo

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nem mesmo para emitir um som qualquer antes da boca apoderar-se da dela num beijo que, apesar de gentil, sugeria posse e comando. Sentia-se afogar, afundar, e sabia que estava à mercê de Sloane enquanto ele a levava para o fundo. O abraço era tão apertado que não havia como ignorar a evidência física do desejo que o dominava, ou o poder das pernas que se moveram para levá-los de volta à tona. Sem ar, empurrou-o e respirou fundo, notando que as mãos já não tocavam seu corpo. Sabia que os olhos expressavam uma mistura de choque e ressentimento, e os lábios executaram alguns movimentos inúteis antes que ela explodisse num discurso furioso que nunca chegou ao fim. Pousando um dedo sobre seus lábios, Sloane silenciou-a. — Só para que não haja nenhuma dúvida... — E beijou-a novamente. Dessa vez não havia gentileza ou posse, e ela sentiu a cabeça girar invadida por uma poderosa e incontrolável onda de calor. Não havia outra alternativa. Quando percebeu já estava correspondendo ao beijo. Não saberia determinar quanto tempo ficaram ali, mas foi como se uma eternidade houvesse se passado antes que a pressão começasse a diminuir até desaparecer por completo. Os olhos estavam escuros, quase negros, e Sloane estudava seu rosto com atenção. Queria esbofeteá-lo. E teria seguido o impulso, se acreditasse na própria capacidade de atingi-lo e causar dor. Como era fisicamente mais fraca, recorreu às palavras. — Se já terminou com a encenação do macho dominador, gostaria de voltar à praia e secar-me. — Jamais confessaria como ficara abalada com o beijo. O riso rouco quase a fez perder a calma, e ela tentou atingir sua canela com um chute, disparando meia dúzia de palavrões ao constatar que não o acertara. — Não está se comportando como uma dama — Sloane comentou indolente.

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— Não me sinto como uma dama — respondeu, odiando-o por ser capaz de levá-la ao descontrole. Sem dizer mais nada, virou-se e nadou de volta à praia. Os raios do sol aqueceram seu corpo assim que pisou na areia, e com as mãos removeu dos cabelos o excesso de água antes de desembaraçá-los com as pontas dos dedos, de forma que secassem mais depressa. Em seguida enxugou o corpo com a toalha. Possuía pele naturalmente clara, e por isso tomava sempre o cuidado de proteger-se com filtro solar, um cuidado que não esquecera, apesar de toda a tensão que experimentava desde que chegara à ilha. Devagar, aplicou uma generosa camada do creme que levara com ela. Quando concluiu a operação, o biquíni estava quase seco e ela vestiu o short e a camiseta, calçando os tênis antes de retornar ao paredão de pedras para explorar... sozinha. Sloane que procurasse outra maneira de ocupar seu tempo. Desde que a deixasse em paz... Havia piscinas de água salgada formadas por depressões naturais do terreno, pequenos lagartos do tamanho de seus dedos que corriam como loucos ao menor sinal de movimento, e conchas coloridas e grandes como jamais vira antes. Podia ouvir o som distante das ondas quebrando nas rochas, e de vez em quando bandos de periquitos protestavam contra a invasão de seu habitat natural. Suzanne contornou o paredão e parou para admirar a curva da praia que se estendia até o extremo norte da ilha. Era lindo, e por um instante esqueceu de prestar atenção aos movimentos dos pés. Um ruído chamou sua atenção e, ao virar-se, viu Sloane recortado contra a luz do sol como um deus pagão, as pernas poderosas percorrendo rapidamente a distância que os separava. Suzanne decidiu apressar os passos. Como tinha de saltar de uma pedra para a outra, precisava de toda a

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concentração para calcular o tamanho de cada passo, e a ansiedade provocada pela presença de Sloane fez com que se descuidasse, escorregasse e caísse. A mão estendida amorteceu o impacto do corpo contra as rochas. Em alguns segundos constatou que não havia nada quebrado ou torcido. No dia seguinte teria um hematoma no quadril, mas sobreviveria. Não sofrerá sequer um arranhão nas pernas, e os tornozelos estavam intactos. — Que diabo pensa estar fazendo? A ira de Sloane era palpável quando ele se abaixou a seu lado. — Queria chegar à areia antes que me alcançasse. As mãos examinavam braços e pernas com a facilidade de um profissional. — Está machucada? Boa pergunta. Se dissesse que os sentimentos precisavam de atendimento imediato, qual seria sua reação? Ele segurou suas mãos, examinou cada osso e depois concentrou-se nas palmas. O sangue brotava abundante de um corte na porção mais macia sob o polegar esquerdo, e ela fitou o ferimento com um misto de espanto e fascínio, tentando descobrir por que sentia um ardor tão intenso, se até então nem tivera consciência do corte. — Vou lavar as mãos no mar. — Isso precisa ser tratado com anti-séptico. Suzanne encolheu os ombros. — Então aplicarei uma boa dose dele assim que chegar ao chalé. — Tem mantido suas vacinas antitetânicas em dia? — Oh, pelo amor de Deus! É claro que sim! — Tentou soltar-se, mas Sloane recusava-se a libertá-la. Os olhos escuros anunciaram sua intenção um instante antes de ele agir. Em silêncio, levou a mão dela aos lábios e beijou a região machucada.

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A ação provocante causou uma resposta imediata, e só com muito esforço Suzanne pôde conter um tremor violento. A sensualidade do gesto criava uma espécie de encanto, uma aura de magia que a hipnotizava e imobilizava. Tinha de controlar-se, ou jamais sobreviveria ao final de semana com a sanidade mental intacta. Determinada, respirou fundo e tentou conferir alguma firmeza à voz. — Não. — A palavra isolada soou rouca, e ela engoliu em seco ao vê-lo erguer a cabeça. — Não... o quê? Não quer que eu cuide de você? — A voz baixou uma nota. — Não quer que a ame? As últimas palavras tiveram o impacto de um soco no peito, e ela prendeu o fôlego numa dor silenciosa. — Sloane... — Mais uma negativa, Suzanne? — Controlado, soltou a mão dela e encaroua. — Acredita que ignorar o que vivemos é suficiente para fazer tudo desaparecer? — Não. Mas pretendo me esforçar muito para isso. — Por quê? O tom aveludado e sedutor despertou sua ira, e os olhos azuis se tornaram ainda mais brilhantes, cheios de vida e determinação. — Não é capaz de entender? Amor... — Parou, respirou fundo e recuperou parte do controle antes de prosseguir. — O amor não é uma redoma capaz de nos proteger contra a realidade. — Levantou-se, mas um instante depois perdeu a vantagem ao vê-lo imitar o gesto. — Está subestimando minha inteligência. — É mesmo? — Suzanne encarou-o com o queixo erguido e ar desafiante. — Se acredita realmente nisso, é melhor começar a pensar na possibilidade de reavaliála. —Virou-se e venceu os últimos metros de rochas que a separavam da areia macia,

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consciente da presença ameaçadora atrás dela. — Suzanne. Furiosa, parou e encarou-o. Pois bem, se Sloane queria um confronto, estava pronta para satisfazê-lo! — O que quer, afinal? Acha que tem o direito de punir-me porque refleti sobre uma situação e decidi afastar-me? — A insolência era o melhor disfarce para a impotência que experimentara semanas antes, e que ainda a atormentava. — Está tentando dizer que sua insegurança com relação ao que vivemos era tão grande que decidiu jogar a toalha? A raiva iluminava seus olhos azuis. — Eu não joguei a toalha! — Não? Que nome dá ao que fez? — Recuo tático. Ele ficou em silêncio por alguns instantes, observando, refletindo. — Sempre teve uma grande dose de bom senso e inteligência — disse finalmente. — O suficiente, pensei, para avaliar o homem sob a superficialidade dos bens materiais. Era doloroso pronunciar as palavras sem permitir que a emoção alterasse a voz. — Oh, mas foi exatamente o que fiz, Sloane. E apaixonei-me por esse homem. Mais tarde descobri que é impossível separar o ser humano de tudo que acompanha o rótulo Wilson-Willoughby. — Então optou pelo caminho mais fácil e jogou fora tudo que vivemos juntos? Sentia-se como um verme analisado sob a lente poderosa de um microscópio, e nesse momento odiava-o por isso. — Maldição, Sloane! O que esperava que eu fizesse? — Ficasse.

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Uma palavra. Uma única palavra capaz de compreender tantos e tão profundos significados. — Não sou masoquista. — De que diabo está falando? — Você é considerado o prêmio máximo nessa espécie de loteria composta por homens ricos e bem-relacionados. — Um sorriso amargo distendeu seus lábios. — E eu, Deus me perdoe por isso, sou uma simples desconhecida que se atreveu a usurpar o direito de cada uma das mulheres que pretendiam compartilhar de sua vida. — A dor ofuscava o brilho de seus olhos, e as pestanas baixaram formando um véu protetor. — Achei melhor não competir. — Havia mais, muito mais a ser dito. Comentários ofensivos, ameaças assustadoras, atentados inesquecíveis... — Nunca houve uma competição. — Sloane falou em voz baixa, tentando sufocar a angústia provocada pela tristeza que via nos olhos dela. — Não? — Vai me responsabilizar pelas pretensões de mulheres com quem nunca tive sequer uma amizade verdadeira? Suzanne cerrou os punhos até sentir as unhas nas palmas das mãos, mas manteve a voz firme. — Não mais do que o responsabilizo por ser quem é. Queria sacudi-la. —E, sendo quem sou, devo escolher uma dentre as muitas jovens consideradas princesas da sociedade, solicitar que aceite meu braço, minha cama, e que produza o casal de filhos esperados para coroar o conto de fadas? Acha que sou capaz de fabricar um final feliz? A imagem provocava uma dor intensa. Tanto, que teve de esforçar-se para não fechar os olhos numa tentativa desesperada de bani-la da mente. — Quer que eu me contente com um casamento desprovido de paixão? — Sloane continuou, impiedoso. — Com uma união baseada no dever social e no

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respeito mútuo? É isso que está sugerindo? — Vá para o inferno, Sloane! Não estou no banco de testemunhas! Não tenho de suportar pressão ou interrogatórios! Ele não a tocou, mas o olhar era tão intenso que provocava sensações quase físicas. — Vamos fazer um jogo. Finja que é uma testemunha sentada diante de um tribunal e submetida a um juramento. — Oh, essa é muito boa! Quer fazer o jogo da verdade e nem se preocupa em convencer-me de que também serei favorecida! Lamento, Sloane, mas não estou com a menor disposição para brincadeiras e encenações. E nunca foi a favor desse tipo de jogo. — Nem eu. — Não? Mas participa dele todos os dias no tribunal. — Não permito que minha profissão interfira em minha vida pessoal. — É tão habilidoso com as palavras, tão experiente nessa tática de acusações veladas e questões incisivas, que duvido que possa separar uma da outra. — É isso que pensa? — Moveu-se para a frente, e Suzanne teve de se esforçar para não recuar. O gesto não era ameaçador, mas sentia-se intimidada. — Sloane... Ele ergueu a mão e deslizou um dedo pelo contorno de seu rosto. — Diga que o amor mudou. Ou que deixou de existir. Oh, Deus! Fechou os olhos, e quando voltou a abri-los teve medo de sucumbir sob a intensidade da dor que a dilacerava por dentro. Não teve forças para mover-se, mesmo sabendo que ele pretendia beijá-la. E quando o beijo aconteceu, descobriu-se ansiando por mais. Era quase impossível conter o ímpeto de colar o corpo ao dele. Tinha de sufocar a urgência despertada pelo contato, mas era como se cada célula do corpo voltasse à vida depois de um período de coma profundo. Seria fácil abraçá-lo e

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deixar-se arrastar naquela esteira de sentimentos, mas eventualmente a viagem chegaria ao fim, e então teria apenas o orgulho ferido. A certeza do sofrimento serviu para aplacar o calor e ajudá-la a recuperar a capacidade de raciocínio. Sloane sentiu o retraimento. Sabia que seria capaz de envolvê-la novamente no encanto sensual que sempre haviam criado quando estavam juntos, mas também sabia que mais tarde ela o acusaria por isso. E não queria ser alvo do ressentimento de Suzanne. Quem preparara e lançara os dardos verbais cujo veneno destruíra sua confiança? Quem traçara o plano ardiloso que havia arruinado sua segurança a ponto de deixá-la sem outra alternativa senão partir? Qualquer uma dentre muitas. Podia fazer uma lista contendo dezenas de nomes de damas da sociedade, conhecidas e supostas amigas que não teriam hesitado em lançar as sementes de dúvida... e colher os resultados da discórdia. Sloane beijou-a nos lábios uma última vez e afastou-se. Sorrindo, encarou-a com uma mistura de humor e ternura. — Há um caminho que parte da praia para o interior da ilha. Quer descobrir se ele leva de volta ao hotel? Estava recuando... por enquanto. Suzanne disse a si mesma que estava aliviada, e fez um esforço corajoso para ignorar a decepção que ameaçava impor-se sobre os outros sentimentos. — Sim, podemos ir — disse. — Que tal uma partida de tênis antes do jantar? — Sugeriu em seguida. — Está tentando esgotar-se? Como poderia explicar que queria cair na cama e dormir imediatamente, em vez de passar a noite acordada tomando o cuidado para não se mover, temendo que o som do corpo roçando no lençol pudesse acordar o homem na grande cama de

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casal a seu lado? — Talvez até permita que você vença — disse com tom casual. Que bela proposta! Ele tinha a altura, a força e a experiência necessárias para jogá-la fora da quadra, se quisesse! A gargalhada de Sloane deixou-a ainda mais tensa, e ele ajeitou os óculos escuros antes de estender a mão. Suzanne hesitou alguns segundos antes de segurá-la. Atravessaram o caminho de areia que penetrava na floresta densa e seguiram num ritmo lento, confortável. A luz do sol penetrava por entre as folhas das árvores, mas a temperatura caíra vários graus desde que deixaram a praia ensolarada. Devia haver uma imensa variedade de insetos tropicais, mas nenhum deles era imediatamente visível ou sentido na pele. Era tudo tão quieto, tão pacífico. Quase idílico. Um lugar maravilhoso para escapar de tudo. Se ao menos... Não. Não podia entregar-se a suposições vagas e inúteis. A vida era cheia delas, e perdera as contas de quantas havia criado em sua fantasia desde que deixara o apartamento de Sloane há três semanas. O silêncio levava à reflexão, e ela buscou uma distração temporária. — Dizem que a promotoria já dá como certa a derrota no caso Allenberg. Sua competência é cada vez mais reconhecida. E comenta-se que vai ganhar uma pequena fortuna com esse cliente. Sloane conquistara uma reputação de pesquisador dedicado e meticuloso em sua busca pelos detalhes. Gostava de exibir seus talentos na arena do tribunal, e era conhecido por aceitar casos difíceis e complexos pelo desafio mental que eles ofereciam, sem se importar com o valor dos honorários. — Digamos que estou cobrando o preço justo. — Quer dizer que o caso é mesmo difícil? Tem dúvidas quanto à vitória final?

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O caminho voltou a correr paralelo à praia, sinal de que davam voltas desnecessárias. Sem dúvida chegariam ao hotel, já que a ilha era circular e pequena, mas... quando? — Nunca deixo de considerar o elemento surpresa — ele respondeu. Suzanne tinha a sensação de que Sloane não estava mais se referindo ao julgamento. — Imagino que tenha estudado todos os ângulos. — Era impossível que houvesse esquecido ou negligenciado algum dado. Ele a encarou por alguns instantes, sério. Depois sorriu. — Espero que sim. Havia uma sensação de isolamento na atmosfera quieta que os cercava. Era quase possível acreditar que estavam sozinhos na ilha. Mas não estavam, e saber que havia civilização e criados em algum lugar por ali a reconfortava. Trenton e Geórgia também estavam no hotel, e no dia seguinte chegariam os convidados. Pessoas, naquele espaço especificamente projetado para a solidão, seriam uma vantagem bem-vinda, Suzanne decidiu. Haveria chances de conversar, rir e divertirse, e menos tempo para ficar sozinha com Sloane.

CAPITULO V O caminho era limpo, mas não completamente, e Suzanne suspeitava de que era mantido assim pelo gerente do hotel para não destruir o ambiente de floresta tropical. Sloane caminhava a seu lado. Quanto tempo levariam para chegar ao complexo? Dez minutos? Mais? Tudo dependia das dificuldades que encontrariam.

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Se as curvas acentuadas persistissem e a inclinação da pequena trilha aumentasse, a viagem seria longa e difícil. — Teria sido mais rápido se voltássemos pela praia — Suzanne comentou com um sorriso indolente. — Pelo menos agora não teremos de atravessar paredões de pedras. — Não sei por que está reclamando. Atravessar o paredão foi fácil. Ele inclinou a cabeça e deixou os óculos escorregarem pelo nariz. Uma sobrancelha subiu e os olhos foram iluminados por um brilho de humor. — E mesmo assim escorregou e machucou-se. — É o efeito que você tem nas pessoas — declarou com tom debochado. — Pessoas? — Ou elas buscam sua companhia, ou tentam evitá-la a qualquer preço. — Ultimamente tem feito observações bem elementares. Será que pode elaborar? — Não. Sloane riu e ela apressou o passo para seguir na frente, sozinha. As árvores proporcionavam sombra e reduziam o calor do sol. Era um dia adorável, uma linda ilha, e em circunstâncias diferentes teria vivido intensamente os prazeres do paraíso tropical em companhia de Sloane. — Suzanne, gostaria muito de saber o que foi dito, e por quem, para fazê-la mudar tanto. Ela respirou fundo e soltou o ar devagar. — Você não desiste nunca, não é? — Não. — É inútil. — Discordo de você. — Não nasci no topo da pirâmide social. — Ergueu uma das mãos e começou

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a contar nos dedos, como se quisesse comprovar que as razões eram muitas e variadas. — Não estudei em escola privada. Nunca tive oportunidade de passar sequer pela porta de um daqueles estabelecimentos da elite. Minha mãe ainda trabalha pelo próprio sustento. Acredita nisso? — Agora que havia começado, era difícil parar de falar. — Como alguém como eu ousou acreditar que poderia competir com a nata da sociedade australiana? Um caso entre nós teria sido aceitável, mas casamento? Nunca! Era impossível deduzir alguma coisa a partir de sua expressão. Sloane não se importava com a dor causada por cada crítica? Por que não dizia alguma coisa? — Aposto que soube dar uma resposta bem interessante. O tom divertido a enfureceu, e ela o encarou com hostilidade ao sentir os dedos deslizando por seu rosto. — Escolhi a linha da resistência sutil. Sorri com ar doce e disse que você havia me escolhido porque eu era boa na cama. Era ele quem possuía todo o talento de um grande amante. Ela se transformava em um fantoche sob seus toques magistrais. — E o resto da história? — O que o faz pensar que ainda há mais? — Não imagino que tenha dado importância a um punhado de comentários venenosos tecidos por uma desocupada qualquer. Ameaças verbais não a preocuparam. Mas as cartas haviam assumido uma dimensão bem diferente. — Recebi uma mensagem anônima pelo correio. Os olhos dele se tornaram mais atentos, e havia algo em sua postura que a inquietava. — Que tipo de mensagem? — Apenas uma folha de papel comum com letras recortadas de revistas.

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— Sim, conheço a técnica. Letras recortadas e coladas formando palavras. Quero saber qual era o conteúdo dessa carta. — Alguém me dava dois dias para sair de sua vida. — OU? — Ou me arrependeria. Um músculo saltou em sua mandíbula, e uma coleção de palavras impublicáveis escapou de seus lábios num murmúrio furioso. — Por que não me contou antes? — Porque não levei a sério. Era difícil conter o ímpeto de sacudi-la. — Imagino que tenha ocorrido alguma coisa para convencê-la do contrário? Alguns incidentes isolados que a princípio pareceram meras coincidências. Exceto um deles. E seu maior engano havia sido o de decidir lidar com a situação sozinha. — Suzanne? — A voz de Sloane era quieta. Ameaçadora. Ela conteve um arrepio e levantou a cabeça. — Estava voltando para casa depois de um dia de trabalho, e alguém tentou jogar meu carro fora da estrada. Imediatamente após a manobra, a pessoa demonstrou com sinais bem eloqüentes que da próxima vez eu não teria tanta sorte. — Parou e respirou fundo. — Esse episódio foi seguido por um confronto pessoal exigindo que eu saísse de sua vida. — Por que diabo não me contou? Suzanne permaneceu impassível diante do tom de condenação. — Na época você estava viajando. Sentia que acabaria perdendo o controle e sacudindo-a para enfiar um pouco de bom senso em sua cabeça. —E daí? Sabia onde encontrar-me. Tinha todos os telefones...

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— O que teria feito se eu houvesse telefonado para falar sobre as ameaças? — Teria voltado imediatamente. Por isso calara. Conhecia a importância do cliente londrino e tinha consciência da gravidade do caso, das dificuldades que esperavam por ele no julgamento. — Achei que seria capaz de resolver tudo sozinha. — E o que fez exatamente? — Prometi denunciá-la à polícia e processá-la, caso voltasse a incomodar-me. E também disse que enviaria um relatório completo ao delegado contando sobre o que havia acontecido, pois assim, caso fosse vítima de algum acidente, a polícia saberia quem procurar. E saíra do apartamento de Sloane com o firme propósito de romper definitivamente o relacionamento. Preferira não confiar nele, nem buscar ajuda externa. A raiva que o consumia ganhava intensidade. Suzanne o submetera ao pior tipo de sofrimento, e também sofrerá com suas ações. Agora, havia apenas uma questão. — Quem foi? — O tom de voz permanecia inalterado, mas era possível reconhecer a ira sob a superfície. E o esforço que fazia para mantê-la sob controle. — Prefiro não revelar nomes. Os olhos exibiam uma falta de compaixão que era assustadora. Cruel, quase brutal em sua determinação. — Proteger a identidade dessa pessoa não está em suas mãos. Sloane era uma força fabulosa, mas não se deixaria intimidar. — É uma decisão que só eu posso tomar. — Sabe que posso descobrir sozinho, e sem nenhuma dificuldade. Bastam alguns inquéritos, um rápido serviço de investigação, e terei a resposta que procuro. O olhar dela era firme. — Para quê? Que medidas pode tomar contra essa pessoa? Não fui molestada

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ou ferida. — Mas havia ficado muito abalada com a obsessão de uma mulher agressiva e hostil que devia estar procurando ajuda profissional para tratar de seu desequilíbrio. — Chantagem é crime. Sem falar em ameaças que, caso sejam provadas, podem ser punidas rigorosamente pelas leis em vigor no país. — Sei disso tão bem quanto você. — E tivera bons motivos para optar por esse curso. — O pai dela é um homem muito conhecido que teria sido irreparavelmente prejudicado, caso o escândalo chegasse aos jornais. Decidi ficar quieta por respeito a ele. Sloane estava muito próximo de perder o controle, e imaginou se ela teria consciência disso. Suzanne parecia não se importar. Não demonstrava medo de uma eventual explosão temperamental, e exibia uma determinação impressionante. Mas sabia que podia vencê-la. — Você me desaponta. Estava preparada para qualquer tipo de tática, porque tivera semanas para se preparar para aquele momento. — Vai mudar de técnica, Sloane? Vai tentar me atingir psicologicamente? — Sorriu. — Está perdendo seu tempo. E nem pense em tentar me convencer de que o amor conquista tudo. Vivemos a realidade, não a fantasia. E a realidade prova que nossos sonhos e desejos nem sempre têm importância. — Quer a realidade, Suzanne? Ele inclinou a cabeça e parou, fitando-a nos olhos por alguns instantes antes de beijá-la. Numa imitação do ato sexual, a língua provocava numa dança erótica tão insinuante que era como se seus ossos perdessem a consistência, e quando se deu conta Suzanne já o abraçava e correspondia ao beijo. Um braço enlaçou-a pela cintura, enquanto a outra mão afagava seus cabelos,

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imobilizando a cabeça e aprofundando o beijo, transformando-o em uma experiência tão íntima e sensual que ela perdeu a noção de tempo e espaço. A pele parecia ter adquirido vida, cada terminação nervosa sintonizada com o toque das mãos daquele homem. De repente sentiu que ele a segurava pelos quadris e erguia seu corpo, ajeitando-a de forma que a boca pudesse prestar uma homenagem ao colo antes de dedicar-se ao seio. Suzanne não teve forças para protestar quando ele levantou sua camiseta e abriu o sutiã do biquíni, nem quando afastou o pequeno pedaço de tecido para provar o sabor de um seio rígido, sugando-o até arrancar um grito de sua garganta. Não era o bastante. Nem perto disso. As mãos agarraram os ombros musculosos e escorregaram pelo peito numa exploração tátil dos contornos firmes e bem delineados. Sentia os movimentos dos tendões sob seus dedos e levou as mãos das costelas à parte posterior da cintura, seguindo sob o elástico do short e buscando o contorno arredondando dos glúteos rígidos. Sua ereção era uma entidade potente, uma pressão poderosa e máscula contra a suavidade de seu ventre. Um gemido angustiado escapou de seus lábios quando os dedos de Sloane encontraram o caminho sob o biquíni e tocaram a parte mais íntima de sua feminilidade, enchendo-a com um desejo tão forte que era quase insuportável. O corpo todo parecia latejar enquanto as sensações tomavam posse de cada terminação nervosa, e o sangue pulsava pelas veias com uma velocidade que fazia disparar o coração. Sloane sabia que poderia tê-la ali mesmo. Seria fácil, um ato primitivo e intensamente satisfatório, e foi preciso muita força para não dar o passo final que levaria à consumação. Sentiu a umidade quente do clímax feminino, exultou em seu toque e

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deliciou-se com os gritos abafados e roucos, com a selvageria dos beijos que cobriam sua boca enquanto ela saboreava cada segundo de satisfação. Devagar, gradualmente, Suzanne recuperou a consciência de onde estava e com quem. E o que quase havia acontecido. O calor coloriu seu rosto, e ele observou os olhos escuros que, constrangidos, receberam a proteção dos cílios espessos e escuros. Suzanne não reagiu quando ele a pôs no chão, e Sloane viu um nó se formar e mover-se para cima e para baixo em sua garganta, desaparecendo quando a boca trabalhou silenciosamente num esforço para formar algumas palavras. — Não — ele disse com gentileza e ternura, pressionando um dedo sobre seus lábios. — O que acabamos de viver é muito mais forte que simples gratificação sexual. — Os olhos escureceram e se tornaram quase negros. —Esta é a realidade que não pretendo abandonar. — O dedo acompanhou o contorno da boca e traçou a curva da mandíbula. Ele sorriu, um sorriso suave e bem-humorado, que a aqueceu de maneira envolvente. — Até o dia em que puder olhar para mim e dizer que o amor acabou. Então... talvez acredite em você. Suzanne sentia-se confusa, ambivalente. Ele não podia estar insinuando... Estaria dizendo o que acreditava ter ouvido? — Podemos ir? Os lábios se moveram algumas vezes antes de pronunciarem as primeiras palavras. — Sloane, não creio que... — Quer ficar aqui? Oh, Deus, não. Não ousava ficar. Correr o risco de repetir os últimos dez ou vinte minutos era uma idéia que a enchia de pavor. Um arrepio sacudiu seu corpo quando lembrou a profundidade e a intimidade do que haviam acabado de viver. Blecaute, decidiu em silêncio. Se permitisse que ele a beijasse novamente, que

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a tocasse, acabaria implorando pela total consumação. E essa era uma divina loucura que não podia se dar ao luxo de viver, ou não terminaria o final de semana com a dignidade intacta. Sloane viu as emoções passarem por seu rosto e interpretou cada uma delas. Estendeu a mão e experimentou um grande alívio ao sentir os dedos entrelaçados nos dele. Seguiram pelo caminho sinuoso através da floresta até serem levados de volta à praia adjacente ao complexo. Falavam apenas sobre assuntos corriqueiros, nada que se relacionasse à família ou a qualquer coisa pessoal. Eram quase cinco horas. Suzanne fez um cálculo rápido e decidiu que dispunha de meia hora além do tempo necessário para tomar banho e vestir-se para o jantar. — Quer ir conhecer a piscina? Teria ele percebido que temia retornar ao chalé? E saberia identificar a razão desse temor? A tensão crescia a cada instante. Logo estaria histérica, sofrendo verdadeiros colapsos nervosos antes de tomar até as mais simples decisões. E era a única culpada por isso. Única? Não. Sloane tinha uma boa participação em seu estado emocional. E por quê? Tentaria convencê-la da conveniência do sexo casual, ou falaria em nome dos velhos tempos? Por mais que pensasse, não conseguia entender seu comportamento. Determinada, encarou-o com um sorriso radiante, embora falso. — Por que não? Unindo as palavras à ação, aproximou-se da piscina, despiu o short e a camiseta e executou um mergulho perfeito. Depois de aliviar a tensão através do exercício físico, flutuou de costas enquanto respirava fundo. Podia fechar os olhos e esquecer o mundo. Era tudo tão

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quieto que era possível imaginar que ali, naquela ilha paradisíaca, não seriam atingidos pelas pressões do trabalho e pelas obrigações sociais. Ninguém poderia atingi-los, a menos que permitissem. Era o paraíso. O som da água precedeu a aparição da cabeça morena a seu lado. — Dormir na piscina não é uma boa idéia. — Eu não estava dormindo. — O primeiro a chegar no chalé conquista o direito de uso exclusivo do chuveiro. — Ele estendeu a mão e tocou seu rosto com a ponta do dedo. — A menos que queira compartilhar... Uma onda de calor brotou de seu ventre e espalhou-se por todo o corpo. Suzanne encarou-o e viu o brilho de humor nos olhos castanhos. Sloane estava se divertindo com a situação! — Prefiro confiar na minha rapidez — respondeu com um sorriso provocante. — Pode sair na frente. Hoje sinto-me... generoso. Era uma boa nadadora, mas Sloane tinha a vantagem da força e da estatura. Alcançaram a saída da piscina ao mesmo tempo, e venceram a barreira da borda com um movimento sincronizado que parecia ter sido ensaiado. — Uma conclusão perfeita — Sloane anunciou com indolência e bom humor. Suzanne recolheu as roupas. — Por que isso não me surpreende? — Presumo que o banho em comum esteja fora de questão? — Vá sonhando, Sloane! — Esse é o problema... meus sonhos são muito nítidos. E os seus? Mais envolventes que um bom filme em Tecnicolor com som estéreo e efeitos especiais! Sem dizer nada, virou-se e voltou pelo caminho que levava ao chalé, sem esperar para ver se ele a seguia ou não. Havia sido uma boa decisão passar pela

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recepção e apanhar a chave reserva, ou teria de estar sempre à mercê de Sloane. No chalé, parou apenas para apanhar roupas íntimas e um robe de seda antes de seguir para o banheiro. Dez minutos mais tarde, quando voltou ao quarto depois de uma ducha revigorante, encontrou Sloane escolhendo uma calça e uma camisa. — Já terminou? — Não, mas posso esperar para usar o secador de cabelos depois do seu banho. — Perto do guarda-roupas, escolheu um elegante conjunto de calça e túnica em seda azul, sandálias de saltos altos, e respirou aliviada ao ouvir a porta do banheiro se fechando. Quando começava a acreditar que havia escolhido uma boa tática de ação, Sloane a surpreendia com um comportamento inusitado. Se fosse mais desconfiada, acabaria concluindo que estava sendo manipulada através dessa imprevisibilidade. Suzanne vestiu-se, calçou as sandálias e lembrou que havia deixado a bolsa de maquiagem no banheiro. O que ele faria se invadisse sua privacidade? Não seria nenhuma novidade. Haviam dividido muito mais que um banheiro no passado. Mas naquele tempo estavam apaixonados e felizes. E agora... agora tudo mudara. As regras eram outras, e o objetivo do jogo também. Sloane retornou ao quarto cerca de dez minutos mais tarde, o corpo escondido apenas por uma toalha enrolada em torno da cintura. — Ainda não está pronta? — Deixei minha bolsa de maquiagem no banheiro. — E por que não entrou para pegá-la? — Porque... você respeitou minha privacidade. — Só porque você teria lutado com unhas e dentes, caso eu tentasse invadi-la. — E começou a vestir-se. — É melhor se apressar, ou vamos nos atrasar para o jantar.

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Sloane imaginou se ela teria idéia de como era atraente com os cabelos molhados e o rosto desprovido de maquiagem. Gostaria de tomá-la nos braços e mostrar o que sentia, provar que o que viviam juntos era bom. Bom demais para permitirem que alguém os separasse. Mas sabia que mais tarde ela o odiaria por isso. Desejava Suzanne a ponto de sentir a paixão como uma dor física, mas estava interessado em uma relação permanente e sólida, não em um envolvimento transitório. Suzanne encarou-o como se pudesse ler seus pensamentos. — Se acha que o fato de estarmos juntos neste chalé numa ilha paradisíaca vai me fazer concordar com um envolvimento mais íntimo, saiba que está completamente enganado. Vá para o inferno, Sloane! Como se não houvesse estado lá! Desde a noite em que abrira a porta do apartamento e descobrira que ela havia partido. — Termine de se arrumar, Suzanne. Ainda temos de dar uma olhada no ferimento em sua mão. A voz quieta não a enganava nem por um instante. Sabia que ele tentava manter o controle sobre as emoções, mas isso não significava que houvesse conseguido suprimi-las. Cinco minutos com o secador de cabelos, mais cinco aplicando a maquiagem, e Suzanne saiu do banheiro. Sloane a esperava parado junto à janela. — Vamos aplicar anti-séptico nesse ferimento — disse. — Trouxe alguns remédios com os objetos de higiene pessoal. — Não se incomode. Não vejo necessidade de... — Suzanne, já disse que vamos cuidar desse ferimento. — Isso é ridículo. — Irritação era um termo ameno para descrever o que sentia por ser empurrada de volta ao banheiro e ter a mão examinada e banhada em loção

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anti-séptica. — Pronto — Sloane anunciou satisfeito. — Podia ter feito isso sozinha. — Gostaria de agredi-lo, e chegou a levantar a mão. — Não faça isso. — Ou? — desafiou furiosa. — Ou serei obrigado a encontrar uma via de escape mais apropriada e eficiente para toda essa raiva. E garanto que nunca mais esquecerá meus métodos. O estômago contraiu-se, e por alguns segundos ela esqueceu de respirar. — Acha que vai me impressionar com essa exibição de força e superioridade física e sexual? Táticas selvagens não me excitam. — Não se iluda, Suzanne. Não teria de usar de violência para coagi-la, e você sabe disso. A tensão invadiu o ambiente, uma entidade perigosa e explosiva que só precisava de um gatilho para fazer explodir as comportas do inferno. Com esforço, conteve a ira e encarou-o com expressão neutra. — Podemos ir? — Agora está sendo sensata. E quanto tempo duraria essa sensatez? Mais cedo ou mais tarde perderia o controle sobre o próprio temperamento. Podia sentir a pressão crescendo a cada segundo, e odiava-o por alimentar o fogo com suas atitudes inconvenientes. Caminharam em silêncio até o edifício central e juntaram-se a Trenton e Geórgia para um drinque na sala de estar antes de seguirem para o restaurante. O jantar foi uma refeição casual e agradável. Sentaram-se no terraço e escolheram uma variada seleção de frutos do mar acompanhada por molhos delicados. Também pediram pão fresco, saladas e frutas frescas para a sobremesa. O café foi substituído por pina colada gelada.

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— O que acham de darmos uma caminhada pela praia? — Trenton sugeriu. Não suportaria mais uma sessão de romantismo. — Desafiei Sloane para uma partida de tênis — Suzanne respondeu, forçando um sorriso meloso para o objeto do desafio. — Não é verdade, querido? Ele acariciou o braço nu e sorriu ao vê-la arregalar os olhos num aviso silencioso. — Sim, e já decidimos até que ela teria alguns pontos de vantagem na saída. — Quanta... gentileza! — Segurou a mão dele e conseguiu fingir um ar de adoração. — Especialmente quando nós dois sabemos que poderia me derrotar logo nos primeiros minutos. — Temos de mudar de roupa antes do jogo. Seria ridículo dizer que havia mudado de idéia. — É melhor esperarmos um pouco. Meia hora, pelo menos. Dizem que exercício físico logo depois da refeição pode ser prejudicial. E não quero que sofra um colapso no meio da partida. Trenton riu e Geórgia levantou-se. — Não creio que isso seja provável, querida. Venham dar um passeio conosco. Assim ocuparão o tempo. — Boa idéia, Geórgia. — Sloane também se levantou e, juntos, seguiram pelo caminho que levava até a praia. A noite era quente e agradável, o céu iluminado por uma imensa lua cheia e uma coleção de estrelas. O tipo de noite para os amantes, Suzanne deduziu ao tirar as sandálias e pisar na areia macia. Não havia muito que pudesse fazer quanto ao braço em torno de sua cintura. — Já preparou tudo para amanhã, mamãe? — perguntou, consciente da presença a seu lado. Sabia que seria inútil tentar afastar-se, e por isso submeteu-se ao contato.

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— Sim — Geórgia respondeu —, mas aposto que passarei boa parte da noite acordada revendo mentalmente os preparativos. — Tenho um bom remédio para isso — Trenton declarou, arrancando gargalhadas de todos. — Talvez nos juntemos a vocês mais tarde para uma partida de tênis. Quanto tempo pretendem jogar? — Suzanne imporá o ritmo — Sloane declarou. Ela o fitou com um sorriso forçado que passou despercebido na escuridão. — Quer mesmo correr o risco, querido? E se eu estiver particularmente cheia de energia? — Assim que terminou de pronunciar as palavras, teve certeza de que havia cometido um engano. — Creio que estou em condições de acompanhá-la. Em diversos sentidos. O silêncio era a melhor alternativa, e por isso ela não respondeu. O oceano era uma massa escura que se misturava ao céu no horizonte. Suzanne sentiu a pressão da mão em sua cintura e experimentou uma estranha mistura de sensações. — É melhor voltarmos — Sloane decidiu. — Se não nos encontrarmos na quadra, estaremos esperando às oito da manhã para o café. Certo? — Às oito — Trenton confirmou. — Divirtam-se. Assim que se afastaram, Suzanne livrou-se do braço que a enlaçava. Minutos depois chegaram ao chalé, onde trocaram o traje social pelo uniforme de tênis. O uso da quadra não representava um problema, já que eram os únicos hóspedes no hotel. Alugar raquetes e bolas foi uma questão de minutos, e logo os dois entravam na quadra para o confronto. — Um set, ou dois? — Dois — Suzanne decidiu ao atravessar a quadra para ocupar seu posto do

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outro lado. — Primeiro vamos aquecer. — Certo. Sloane tinha a estatura, a força e a habilidade para derrotá-la sem nenhum esforço, mas também era um cavalheiro, e por isso ela conseguiu terminar o primeiro set com dois games a seu favor, e com três no segundo. Uma concessão que, sabia, era tão deliberada quanto diplomática. No final, enquanto enxugava o suor do rosto com uma toalha, notou que ele parecia fresco e descansado como se houvesse acabado de dar um passeio no parque. Gastar energia havia sido uma boa idéia. O calor ainda existia, mas em um nível menor, com o qual sentia-se capaz de lidar. — Você jogou como um cavalheiro — disse. — Ah! Ponto para mim! — Estamos competindo? — Pode acreditar nisso. Por que tinha a sensação de que Sloane era movido por razões ocultas? Sua única motivação era sobreviver ao final de semana com as emoções intactas. Mas as dele... — Vamos beber alguma coisa? Suzanne só aceitou o convite porque estava com sede. Foi uma surpresa agradável encontrar Trenton e Geórgia no bar. Surpresa, porque não esperava vê-los novamente antes do café da manhã, e agradável, porque não teria de continuar sozinha com Sloane. — Estávamos pensando em ir encontrá-los para uma disputa de duplas — Geórgia contou ao ver a filha sentar-se à mesa. — A idéia foi dela — Trenton confessou com resignação bem-humorada. — Admito que tinha outra forma de exercício em mente.

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— Não provoque, querido. Vai embaraçar as crianças. Crianças? Suzanne olhou para a mãe com ar espantado. Os olhos azuis como os dela tinham um brilho malicioso que prometia muito ao homem sentado a seu lado. Sexo e amor sem artifícios, uma experiência de comunhão e ternura que certamente os levaria à mais completa satisfação. Perturbada, bebeu alguns goles da água gelada que o garçom acabara de servir para engolir o nó que se havia formado em sua garganta. Olhou para Sloane e viu que ele sorria com ar divertido. — As crianças — disse — terão poucas chances de vencer a partida depois de terem gasto toda sua energia na quadra. — Geórgia e eu precisamos de toda a vantagem que pudermos ter. — Trenton riu. — Aproveitem os drinques para repor as energias. — É claro. Vamos jogar um set, ou dois? — Um — Trenton respondeu direto. — Nesse caso — Sloane suspirou — é melhor começarmos de uma vez. Pai e filho exibiram o mesmo cavalheirismo galante, e Suzanne e Geórgia provaram estar em boa forma. Foram momentos muito divertidos, e Suzanne teve certeza de que há muito não via a mãe tão feliz ou vibrante. Depois de uma hora e uma vitória apertada a favor do casal mais jovem, todos retornaram ao bar. Trenton seguia na frente com um braço sobre os ombros da futura esposa, e Sloane aproveitou para imitar o gesto do pai, certo de que Suzanne não reagiria em público. — Querem algo gelado, ou preferem um café irlandês? — Trenton brincou quando todos se acomodaram. Passava das dez quando ele e Geórgia se despediram.

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— Estaremos esperando às oito para o café — ele anunciou, levando a mão da futura esposa aos lábios numa demonstração de amor e intimidade. Suzanne sentiu o coração apertado, mas se recusou a reconhecer o sentimento como inveja. — Quer ir descansar, ou prefere ficar aqui mais um pouco? — Sloane perguntou. — Podemos caminhar um pouco ao luar. — Táticas retardatárias? — Como adivinhou? — Está com medo? A voz quieta causava arrepios. Quanto a sentir medo, tinha de admitir que ele acertara mais uma vez. Mas era o receio de si mesma que a levava a relutar em aceitar a intimidade do chalé. — Sim. — Honestidade e simplicidade. — Ele se levantou e estendeu a mão. Havia sido um dia longo e cansativo, e sabia que a noite seria ainda mais comprida e difícil. Suzanne forçou um sorriso. — Essa é uma de minhas características mais admiráveis. — Queria segurar a mão dele e deixar-se envolver pelo calor daquele corpo, mas ceder seria entregar-se a uma loucura cujo preço não poderia pagar. — Uma dentre muitas. Levantou-se, ignorou a mão estendida e contornou a mesa para sair. — Elogios não vão levá-lo a lugar algum. — Vou tentar a sinceridade. Suzanne fitou-o e preferiu não responder. Apressou o passo e sentiu-se tomada pela irritação ao constatar que ele a acompanhava com facilidade.

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Logo chegaram ao chalé. Sem olhar para trás, ela atravessou a sala e subiu a escada que levava à suíte. Parou apenas para apanhar a camisola antes de entrar no banheiro, cuja porta trancou. Um gesto tolo e infantil que garantiu uma certa medida de satisfação. Quando saísse, dez minutos mais tarde, o fogo teria morrido. Sloane estava parado ao lado da janela, olhando para a escuridão. — O banheiro é todo seu. Ele se virou para encará-la. Suzanne parecia uma jovem de dezesseis anos com o rosto lavado e os cabelos presos num rabo-de-cavalo. Teria idéia de como era sexy naquela enorme camiseta de algodão? — Como vai a mão? Oh, não! Havia esquecido esse detalhe. — Bem. — E o quadril? Dolorido, e exibindo a promessa de um horrível hematoma. — Ótimo. — Aproximou-se da cama de solteiro, puxou as cobertas e deitouse, cobrindo-se em seguida. — Boa noite. — Durma bem, Suzanne. Não daria importância ao humor debochado que ecoava na voz dele. Assim que ouviu a porta do banheiro se fechar, apoiou-se em um cotovelo e ajeitou o travesseiro, gemendo alto ao sentir o contato entre o colchão e o quadril. Estava cansada e, se fechasse os olhos e relaxasse, certamente dormiria. Ouviu o som do chuveiro e detectou o exato instante em que ele foi desligado, quinze minutos mais tarde. A porta do banheiro se abriu, um raio de luz iluminou o quarto e depois veio a escuridão, os passos de Sloane sobre o carpete e o farfalhar dos lençóis quando ele se deitou. Apesar de contar carneiros e praticar diversas técnicas de relaxamento,

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Suzanne não conseguia dormir. O quadril doía. Latejava. Um bom analgésico aliviaria o desconforto e a ajudaria a pegar no sono. Se tivesse algum. Talvez houvesse um comprimido esquecido em sua bolsa de maquiagem, ou na valise de higiene pessoal de Sloane. Droga, droga, droga! Se ficasse acordada por muito mais tempo, estaria péssima no momento do casamento da mãe. Esperava que o exercício, o ar do litoral e a tensão emocional a esgotassem, mas sentia-se como se houvesse ingerido litros de café forte e amargo. Em silêncio, levantou-se e foi até o banheiro, fechou a porta e acendeu a luz. Não havia um único comprimido entre suas coisas e, determinada, vasculhou as de Sloane tomada por um certo sentimento de culpa, sentimento que foi substituído pelo alívio quando ela encontrou um pequeno frasco de comprimidos de paracetamol. Pegou dois deles, encheu um copo com água da torneira e os engoliu. Depois deixou o copo sobre a pia e apagou a luz. Esperou alguns instantes para que os olhos se ajustassem, e então abriu a porta e voltou ao quarto. Teria chegado à cama ilesa, se uma cadeira não houvesse atravessado seu caminho. Ainda estava praguejando quando Sloane acendeu o abajur. — Que diabo está fazendo? — Mudando a decoração — respondeu irritada. Ele se sentou e apoiou as costas na cabeceira da cama, exibindo o peito nu. E devia estar nu também da cintura para baixo, a menos que houvesse mudado de hábitos nas últimas três semanas. Era demais. — Por que não acendeu a luz? Porque a última coisa que queria era acordá-lo.

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Em silêncio, levantou a cadeira e voltou para a cama. — Dor de cabeça? Devia saber que ele não desistiria do assunto. — Sim. — Nas atuais circunstâncias, o que menos a incomodava era mentir. — Quer que eu massageie sua nuca? — Não! — Esperava que ele não houvesse detectado o desespero em sua voz. — Não, obrigada. — Sedução não faz parte do trato. — É bom saber disso. — A menos que você queira... Pensar no corpo musculoso debruçado sobre o dela provocava reações tão intensas que foi impossível manter a voz neutra. — Se chegar perto de mim, juro que vai se arrepender. Fisicamente! O riso rouco a enfureceu ainda mais. — Aí está um risco que eu adoraria correr. Sem pensar, Suzanne pegou um travesseiro e atirou-o na direção da outra cama, assustando-se ao vê-lo desviar-se e empurrar as cobertas. — Não faça isso — gritou, virando-se para esconder o rosto no travesseiro que permanecera sobre a cama. O movimento provocou um doloroso encontro entre o quadril e o colchão, e um grito aflito escapou de sua garganta. Era inútil argumentar ou tentar resistir. As mãos de Sloane a seguraram pelos ombros, forçando-a a encará-lo. Por um momento fitou os olhos castanhos com ar de desafio, certa de que o menor movimento, a mais inocente palavra poderia provocar retribuições esmagadoras. Com um movimento firme e poderoso, ele puxou as cobertas e deitou-a de costas sobre o colchão. Uma das mãos segurou sua coxa e, lentamente, foi

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deslizando até o ferimento no quadril. O grito de dor foi a resposta que ele procurava. Sério, levantou a camiseta que servia de camisola e examinou a área com olhar crítico. O hematoma vermelho já apresentava anéis mais escuros à sua volta, sinal de que ficaria ainda pior com o passar do tempo. — Como conseguiu andar pelo meio da floresta, nadar e jogar tênis, sem dar o menor sinal de dor? — Só comecei a sentir dor agora, quando me deitei. Sloane deixou-a sozinha e desceu a escada. Suzanne ouviu o tilintar do vidro, a porta da geladeira, e pouco depois ele retornou com uma garrafa de champanhe gelada. — O que está fazendo? — Aplicando o equivalente a uma bolsa de gelo. — Com uma garrafa de champanhe? — perguntou incrédula, estremecendo ao sentir o contato frio com a pele. — O resultado será o mesmo. Fique quieta, está bem? Não pretendia mesmo mover-se. Além do mais, lutar com ele seria um exercício inútil. — O que encontrou no banheiro para aliviar a dor? — Paracetamol. Dois comprimidos. Eu... peguei-os em sua bolsa de higiene pessoal — acrescentou. Um torpor gelado começava a substituir o desconforto anterior, e ela fechou os olhos para não ter de encará-lo. A proximidade com o corpo másculo era poderosa, apesar do short preto que o cobria com um mínimo de decência. Teria sido uma concessão à sua presença? Sentia o perfume do sabonete e da loção de barba. Todos os sentidos despertavam rapidamente, reconhecendo a alquimia rara e especial entre duas metades criadas para formar um todo perfeito. Não fazia sentido. Nada fazia sentido. A dor desapareceu e os olhos começaram a pesar. Dedos suaves

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massageavam, afagavam e desfaziam os pequenos nós nos músculos de seus ombros, das costas e das coxas. Era o paraíso. Tentou protestar quando ele a tomou nos braços e a transferiu para a outra cama, mas não tinha forças para lutar. Sloane deitou-se a seu lado. — Não creio que esta seja uma boa idéia — murmurou quando ele passou um braço em torno de seus ombros e puxou-a para mais perto. — Fique quieta e relaxe. — Apoiou a cabeça dela contra o peito e passou o outro braço sobre sua cintura. O corpo musculoso era quente e aconchegante, e Suzanne não resistiu ao impulso de apoiar um braço sobre o estômago plano. Era como voltar para casa. Déjà vu, refletiu. Com uma exceção. Faltava a satisfação do ato de amor. A tentação de iniciar uma exploração táctil era grande. Um pequeno movimento dos dedos e poderia traçar o contorno das costelas, dos mamilos, do umbigo... Ele possuía ossos grandes, musculatura simétrica e uma pele firme que exalava um aroma maravilhoso e marcante. Suada no auge do ato sexual, transformava-se em um poderoso afrodisíaco que a enlouquecia. Era um panorama tão primitivo quanto o homem em si. Nem pense nisso, a voz da razão aconselhou. A menos que queira brincar com dinamite. Logo ele estaria dormindo, e então poderia soltar-se e voltar para a cama de solteiro. Foi o último pensamento coerente que teve, e quando acordou viu os raios de sol penetrando pelas frestas da janela. O aroma de café fresco despertava o paladar. Um olhar rápido foi suficiente para descobrir que estava sozinha na cama. Mais um e encontrou as costas de Sloane encurvadas sobre a mesa, onde ele lia o jornal. Nesse

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exato momento ele se virou e sorriu. — Bom dia. Suzanne sentia-se estranha, descabelada e desajeitada, e passou a mão pelo rosto antes de responder: — Olá. Vestido e barbeado, ele tinha mais uma vez a vantagem, e foi com essa segurança que levantou-se e caminhou até a cama. — Como vai o hematoma? Agarrou o lençol num movimento compulsivo, como se esperasse que ele insistisse em uma inspeção pessoal. — A dor diminuiu. — Quer tentar mais uma bolsa de gelo improvisada? — A luz do dia, preferia evitar todo e qualquer contato mais próximo. Mas era tarde demais. Havia dormido com ele, não? — Não creio que seja necessário — protestou, temendo não suportar novos contatos como os da noite anterior. Dignidade era a chave, decidiu, levantando-se com movimentos cautelosos para ir vestir-se no banheiro, de onde saiu pouco depois sentindo-se revigorada pela ducha rápida. Controlada! Ou melhor, tão controlada quanto podia esperar naquelas circunstâncias. Sloane consultou o relógio. — São quase oito horas. Se estiver pronta, podemos ir para o restaurante. — Só mais um minuto — pediu, parando diante do espelho para aplicar uma fina camada de batom. Geórgia e Trenton já esperavam sentados à mesa da varanda. — Fomos caminhar pela praia. Não imaginam como este lugar é quieto e tranqüilo ao amanhecer — Geórgia comentou entusiasmada. Suzanne viu o brilho nos olhos da mãe, o sorriso que iluminava seu rosto, e

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deduziu que, apesar de estarem mesmo em um pequeno paraíso, a companhia do homem amado era mais importante que a localização geográfica. Essa era a verdadeira fonte da juventude. — Nervosa? — perguntou ao sentar-se. — Um pouco — a mãe confessou. — Não sei se escolhi um traje adequado para a cerimônia, se os saltos são muito altos, se vou conseguir caminhar sem tropeçar, se devo usar o chapéu que a balconista da loja elogiou com tanta exuberância... E para piorar, não consigo decidir se devo usar batom vermelho ou algo mais claro. Suzanne olhou para Trenton e riu. — Vejo que estamos diante de dúvidas muito sérias. Ele abriu os braços e correspondeu ao sorriso. — Já disse que não me importo com nada disso, mas minha opinião não parece ter muita importância. — Ah, os mistérios da mente feminina — Sloane comentou com tom debochado. — Não imagina como sofremos com eles — Suzanne respondeu. Em seguida, olhou para a mãe. — Vamos terminar nosso café, e depois poderá contar com minha valiosa opinião. Está bem assim? — Oh, querida, por favor! Não imagina como preciso da opinião de uma mulher neste momento. — Pode esquecer de sua futura esposa por algumas horas — Sloane disse ao pai. Todos riram. — Muitas horas — Suzanne o corrigiu, tentando ignorar o calor dos dedos que tocavam seu rosto numa carícia inesperada. — Nesse caso, é melhor comermos de uma vez, ou não acabarão com essa

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inspeção antes do casamento. Por que, quando conseguia ingressar em uma zona de segurança, ele fazia algo para perturbá-la? Era só uma encenação. Não devia importar-se tanto com suas atitudes. O bufê do hotel oferecia diversas variedades de cereais, frutas frescas, iogurtes, pães e torradas. Salsichas, presunto, ovos,-cogumelos... Um verdadeiro banquete. Eram quase nove horas quando saíram do restaurante. Os dois homens decidiram seguir para a sala de estar do hotel sob o pretexto de discutirem negócios em comum, enquanto Suzanne e Geórgia dirigiram-se para o chalé dos noivos. — Que tal organizarmos um pequeno desfile? — Suzanne sugeriu ao ver a mãe abrir gavetas e armários para pegar uma verdadeira coleção de roupas e complementos. — Só assim teremos uma idéia do conjunto. Quinze minutos mais tarde ela recuou e sorriu admirada. — Perfeito, mãe. Tudo. — Inclusive o chapéu? — Principalmente o chapéu. E lindo! — Está falando sério? — É claro que sim! Agora vamos tirar o chapéu e os sapatos e experimentar os batons. Todos, até encontrarmos o mais adequado à roupa e ao seu tom de pele. O rosa-escuro, sem dúvida nenhuma. Os tons mais claros desapareciam no rosto iluminado pelo sorriso radiante, e o coral era brilhante demais. Vermelho estava fora de cogitação. — É isso — Suzanne declarou ao ver a mãe despir a roupa do casamento e pendurá-la nos cabides estofados sob o plástico de proteção. — Você será a noiva mais linda que esta ilha já viu. — É muita bondade sua dizer essas coisas, meu bem. Agora que terminamos,

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o que acha de bebermos alguma coisa bem gelada e trocarmos confidencias como duas mulheres normais? Não é isso que a noiva e sua dama de honra fazem horas antes da cerimônia? Suzanne foi buscar uma garrafa de água mineral no refrigerador, dividiu o conteúdo em dois copos e entregou um deles à mãe. — Vamos brindar — decidiu. — A saúde e à felicidade. A um dia maravilhoso. A uma vida cheia de felicidade. Geórgia ergueu o copo reconhecendo os votos. — Desejo todas essas coisas para você também, querida. — E bebeu alguns goles de água. — Será bom morarmos na mesma cidade. Poderemos nos encontrar para o almoço, e imagino que freqüentaremos as mesmas festas. E iremos juntas às compras. Uma pontada de dor contraiu o estômago de Suzanne. O almoço e as compras seriam sempre agradáveis, mas as festas... Jamais iriam às mesmas. Porque Sloane estaria em todas as funções sociais para as quais Geórgia seria convidada, e preferia morrer a vê-lo com outras mulheres. — Onde vão se hospedar em Paris? — A lua-de-mel era um assunto mais seguro. — Dizem que as lojas de lá são simplesmente esplêndidas. E a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo... Não esqueça de tirar muitas fotos e escrever um diário de viagem, porque vou querer saber de todos os detalhes. Geórgia riu. — Nem todos, meu bem. — Bem, quase todos. Sua mãe era uma mulher de rara integridade. E charme. Era algo que brotava do coração. Trenton Wilson-Willoughby era um homem de sorte. Mas ele devia saber disso. Por isso insistira em colocar uma aliança no dedo de Geórgia o mais depressa possível.

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— Lembra-se de quando morávamos em St. Lúcia em. Brisbane? — Geórgia perguntou. — Naquela linda casa com terraço e jardim? — E do gato que morava em todas as casas do bairro? — Suzanne recordou rindo. — Em nossa casa ele recebia ratos no café da manhã. O vizinho da direita fornecia o peixe fresco do almoço, e a boa e velha sra. Simons oferecia atum enlatado para o jantar. O pobre coitado era tão gordo que mal conseguia andar. Os anos de escola, um tempo de despreocupação e alegrias, e o esforço com que se dedicara aos estudos depois de escolher que profissão seguiria. A universidade, os colegas da faculdade de direito, os namorados, os amigos... Tivera uma infância feliz, apesar da falta de uma figura paterna, e possuía muitas recordações doces. Ela e Geórgia eram acima de tudo amigas, seres humanos que se tratavam com respeito e igualdade, dividindo alegrias e preocupações de uma vida que nunca deixara de ser bela e feliz, apesar dos pequenos problemas financeiros. E agora tudo ia mudar. Mas não podia seguir por esse caminho. Afinal, aquele era um dia dedicado à alegria. A celebração do amor.

CAPITULO VII A lancha chegou com os convidados, o fotógrafo e o celebrante. Todos haviam passado por uma verificação de segurança em Dunk para assegurar que não haveria interferência da mídia. Suzanne admirava a determinação com que Trenton protegia a privacidade do evento. Haveria tempo para os convidados se instalarem em seus respectivos chalés,

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almoçarem e conhecerem a ilha antes de se reunirem no edifício principal para uma cerimônia ao ar livre. Trenton e Sloane reuniram-se ao grupo no restaurante para uma refeição informal, enquanto Geórgia e Suzanne preferiram comer apenas uma salada no chalé de Trenton. Assim teriam tempo para arrumarem os cabelos, aplicarem a maquiagem e vestirem-se sem pressa. Geórgia ficou pronta alguns minutos antes da hora marcada, linda, embora um pouco nervosa. Suzanne afagou a mão da mãe num gesto de conforto e foi terminar de arrumar-se no vestido de seda azul que escolhera para a ocasião. Havia uma jaqueta do mesmo tecido e sapatos forrados no mesmo tom, e ela preferiu deixar os cabelos soltos. — Bem, é isso — anunciou ao consultar o relógio. — Tudo bem? Geórgia sorriu. — Creio que estarei melhor dentro de meia hora. — Nesse caso, é melhor seguirmos em frente. O breve trajeto até o edifício principal foi concluído em minutos. Geórgia aceitou o braço que Sloane oferecia e percorreu o corredor criado com um tapete vermelho posto sobre o gramado, onde cadeiras brancas haviam sido arranjadas em três fileiras idênticas para acomodar os convidados. Um arco decorado com flores marcava a entrada do altar onde Trenton esperava pela noiva. Suzanne seguiu a mãe e colocou-se ao lado de Sloane no altar. Trenton segurou a mão de Geórgia e, juntos, ouviram as palavras do celebrante. O sol glorioso, a brisa suave e a atmosfera íntima criada por parentes e amigos mais próximos acentuavam o clima idílico da ilha. O que mais uma noiva poderia desejar? Nada, a julgar pela expressão radiante de Geórgia. Suzanne deixou escapar um suspiro de inveja.

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Linda, a mãe parecia muito mais jovem do que seus quarenta e sete anos. Quando o celebrante fez as perguntas de praxe e pediu que os noivos repetissem os votos, ambos falaram com firmeza e segurança, e o beijo delicado e terno que Trenton depositou nos lábios da esposa ao final da cerimônia roubou o fôlego de todos os presentes. Suzanne adiantou-se para abraçá-los, certa de que o véu de lágrimas que tornava mais brilhantes os olhos de Geórgia também podia ser visto nos seus. Sloane surpreendeu mais uma vez beijando-a rapidamente, sem dar importância ao olhar de censura provocado pelo gesto. O sorriso com que ele respondeu não oferecia explicações, e ela não teve outra alternativa senão permanecer a seu lado, quase ancorada enquanto recebiam os cumprimentos dos convidados e trocavam comentários entusiasmados a respeito da felicidade dos noivos. Ao cair da noite todos entraram, e era hora de sorrir. De fato, Suzanne sorria tanto e com tanta freqüência, que já começava a temer que o esforço provocasse cãibras nos músculos de seu rosto. — Está se saindo bem — Sloane murmurou ao vê-la beber mais um gole de champanhe. — Ora, obrigada, querido. Maravilhosamente bem é aonde pretendo chegar. — Vai acabar ganhando um Oscar. — A disputa será árdua. Caso não tenha percebido, enquanto estamos aqui conversando, dois grandes empresários estão discutindo os termos de um negócio fabuloso. Suas respectivas segundas esposas trocam farpas sob a fachada sofisticada de simpatia e amizade e tentam decidir qual delas está usando o vestido mais caro. — Segunda e terceira esposas — ele corrigiu. — Sandrine Lanier e Bettina...? Afinal, que tipo de maluco aceitou se casar com Bettina?

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— Cinismo não combina com você. — Ah, mas pode ser divertido em determinados contextos. — Sandrine se esforça muito para ser uma boa esposa. Era verdade. A ex-atriz era encantadora, e dedicava-se de maneira incansável às causas filantrópicas. Também era uma anfitriã competente que apreciava receber os associados do marido para jantares e recepções onde grandes negócios eram fechados. Michel Lanier era um homem de sorte. Bettina, por outro lado, pertencia a uma categoria diferente de mulher. A loura glamourosa havia estado presente em todos os eventos sociais que Suzanne freqüentara com Sloane, e demonstrara imenso prazer em flertar abertamente com ele em todas as oportunidades. Com ele e com todos os homens solteiros da cena social, numa busca quase desesperada pela concretização de suas ambições. — Quem Bettina escolheu? — Frank Kahler. Eles se casaram há duas semanas. — E você esteve presente, é claro. — Sim. — A resposta fria e breve indicava que a situação fora exagerada demais para ser considerada de bom gosto. — Como justificou minha ausência? — Disse que estava em Brisbane visitando sua mãe. Suzanne encarou-o e viu as linhas finas que emolduravam os olhos castanhos. Também havia marcas de expressão em torno da boca e do nariz. — Uma desculpa bastante plausível, considerando as circunstâncias, não acha? Muito, ela concordou em silêncio. — Podia ter admitido que nossa relação havia terminado. — E por que eu faria isso? — Porque era verdade. É verdade.

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— Não. — O que quer dizer com não? Ele se inclinou para a frente e beijou-a nos lábios. Depois encarou-a, e seus olhos eram tão intensos que Suzanne sentiu-se temporariamente perdida. O coração batia acelerado no peito, e por um segundo esqueceu de respirar. A realidade interferiu, e ela respirou fundo algumas vezes antes de fitá-lo novamente. — Acha mesmo que vou abandonar o assunto e aceitar a explicação que ofereceu? — Sloane questionou, notando que os olhos azuis eram invadidos por uma certa apreensão. Em seguida, ela se controlou e tentou demonstrar uma dose de humor. — É claro. Acha impossível que eu tenha ficado perturbada com a coleção de pretendentes que o perseguiam e tomado uma decisão impulsiva. Dentes brancos iluminaram o rosto bronzeado. — Perturbada? Essa é uma palavra que invoca imagens interessantes. — Tem razão. Os olhos se tornaram mais escuros, dominados por uma emoção que ela não se atrevia a definir. — Não é seu estilo, Suzanne. Não era. E nem tomara uma decisão impulsiva. — O bilhete que deixou também não combina com sua personalidade — Sloane prosseguiu em tom baixo e ameaçador. — Você sabe por que parti. — Qualquer que tenha sido o motivo, a ação foi errada. — Sloane, Suzanne, venham posar para as fotos. — A voz de Trenton interrompeu a discussão e eles atravessaram a sala para ocuparem a posição indicada pelo fotógrafo. Levaram algum tempo seguindo todas as recomendações do profissional,

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sorrindo para a câmera e mudando de posição enquanto posavam ao lado dos noivos. Suzanne sentia que merecia um prêmio por representar tão bem o papel da noiva amorosa ao lado do enteado da noiva. Ou do filho do noivo. Bandejas de canapés requintados começaram a surgir e o champanhe fluía abundante como água. Os convidados circulavam, conversando e rindo, enquanto a música suave brotava de alto-falantes colocados em pontos estratégicos. — Sloane, é muito bom vê-lo novamente. Suzanne virou-se ao ouvir a voz melosa e feminina e forçou um sorriso para a segunda... não, terceira esposa de um dos amigos de Trenton. — Bettina — Sloane cumprimentou-a. — Já conhece Suzanne, não? A mulher riu e Suzanne teve certeza de jamais ter ouvido som mais próximo de um sino. — É claro que sim, querido. Definitivamente melosa. E estudada. A saia curta e justa em tecido cor-derosa, era um tom mais escuro que a blusa de seda transparente sob a jaqueta de corte insinuante. Os cabelos e a maquiagem eram o retrato da perfeição, as unhas, um trabalho de arte, e as jóias deviam valer uma verdadeira fortuna. Aborrecida, insatisfeita, com uma forte tendência para o flerte. Essa era Bettina. — Que idéia encantadora realizar a cerimônia de casamento em uma ilha tropical. — Ela pousou os dedos na manga do paletó de Sloane e piscou. — Vai reservar uma dança para mim, não é mesmo, querido? Frank não gosta muito de dançar. Frank Kahler era um homem simpático, agradável e cortês. Um cavalheiro à moda antiga, possuía fama e fortuna necessárias para atrair a atenção de Bettina, apesar da idade avançada e da falta de disposição para os grandes eventos sociais. — Duvido que Suzanne esteja disposta a dividir... — Sloane respondeu com um sorriso sarcástico.

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— Oh, querido, é claro que deve dançar com Bettina — ela protestou com tom de censura, os olhos iluminados por um misto de perversidade e sensualidade. — Afinal, é comigo que sempre volta para casa. Sorrindo, ele levou sua mão aos lábios e beijou cada dedo antes de responder. — É verdade — disse. O homem era um grande ator! Podia quase acreditar em seus olhares ternos e nos gestos apaixonados. Então lembrou que sua habilidade de representar era quase tão boa quanto a dele e sorriu. — Creio que vou beber mais uma taça de champanhe — Bettina anunciou. — Pode cuidar disso para mim, querido? Interessante que uma mulher tão experiente nas artes da sedução usasse truques tão velhos e conhecidos. Os olhos de Sloane brilharam num reconhecimento silencioso e divertido, e Suzanne sentiu um grande prazer ao entregar também sua taça vazia. — Acho que vou fazer companhia a Bettina. Obrigado, querido. — A ênfase foi sutil, mas não passou despercebida. — Ele é fascinante, não? — Bettina suspirou ao ver Sloane afastar-se. — Sim. — Sabia que só precisava esperar pelo ataque. — Sloane esteve no meu casamento. Por que faltou? Ficou doente, ou algo parecido? Por um momento, cheguei a pensar que não estivessem mais juntos. Odiava mentiras, mas não daria a ela a satisfação de ouvir uma versão diferente daquela que Sloane havia oferecido. — Estava em Brisbane visitando minha mãe. — Um golpe e tanto! — Os olhos verdes endureceram e sua expressão tornouse amarga, quase cruel. — Mãe e filha agarraram pai e filho. — Não foi mesmo muita sorte? — Suzanne continuava sorrindo, exibindo uma tranqüilidade que estava longe de sentir.

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— Devem ter trabalhado duro para isso. — Por quê? Acha impossível que Trenton e Geórgia tenham se apaixonado de verdade? — Francamente, Suzanne. Ninguém se apaixona por um homem rico. Leválos até o altar envolve uma estratégia muito delicada. — E muita manipulação, sem dúvida. — Não havia regras naquele jogo, e por mais que odiasse jogá-lo, não permitiria que a oponente a derrotasse. — Foi assim que fisgou Frank? — Digamos que sei suprir suas necessidades. Suzanne tocou o relógio de ouro e diamantes no pulso de Bettina. — E obviamente ganha muito bem por isso. Talvez eu deva tentar. — Tentar o quê? — perguntou uma voz familiar. Suzanne virou-se e encontrou o olhar indolente de Sloane. Aceitou uma taça de champanhe e viu quando ele entregou a outra a Bettina. — Bettina e eu discutíamos as necessidades de nossos homens e a melhor maneira de supri-las. — Os olhos brilharam com malícia. — Meu carro está velho e fora de moda, querido. Adoraria um Porsche Carrera. Preto. — Os lábios formaram um círculo úmido e ela beijou a ponta do indicador antes de encostá-lo na boca de Sloane. — Talvez possamos negociar... mais tarde? Um arrepio percorreu seu corpo quando ele deslizou a língua por seu dedo antes de beijá-lo. Os olhos escuros refletiam paixão e desejo. — Tenho certeza de que podemos chegar a um acordo bastante satisfatório. Você enlouqueceu?, perguntou a voz da consciência. Não sabe que está brincando com fogo? — Pretendem se casar em breve? — Geórgia e Trenton foram mais rápidos, mas logo a sociedade terá notícias

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sobre outro casamento — Sloane anunciou sorridente. — Não espere demais, querido. Conheço algumas mulheres capazes de qualquer coisa para tirar Suzanne do caminho. Suzanne viu os olhos dele escurecerem, sentiu a rigidez dos músculos e temeu uma reação explosiva. — Caso isso aconteça, terão de lidar comigo. — A voz soava mansa, porém ameaçadora e muito perigosa. O riso de Bettina continha uma nota de incredulidade. — É só uma forma de expressão, querido. Pelo amor de Deus, não pode estar pensando que falei sério! A expressão dele não mudou. — É um alívio saber que essa foi apenas uma brincadeira de mau gosto. Porque qualquer ameaça, impulsiva ou premeditada, e serei obrigado a tomar medidas drásticas. Definitivas. O significado do aviso era claro, e Bettina piscou algumas vezes para esconder a tensão. — É claro — disse, bebendo alguns goles de champanhe. — Bem, acho que vou procurar Frank. — Não acha que exagerou no tom de ameaça? Os olhos ainda eram duros quando buscaram o rosto de Suzanne. — Não. Ela abriu a boca para responder, mas foi silenciada por um beijo rápido. — Não discuta. Circular em uma festa era uma forma de arte social, e Sloane demonstrava extrema competência enquanto cumprimentava todos os convidados, perguntando sobre suas famílias, ouvindo uma ou outra anedota e compartilhando algumas recordações.

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O jantar foi servido às sete. As mesas do restaurante foram arranjadas de forma a garantir que o cortejo nupcial formado pelos dois casais fosse visível de qualquer parte do salão, e a comida composta por diversos pratos era soberba. Houve dois discursos: um de Sloane desejando a Geórgia as boas-vindas à família, e o outro de Trenton respondendo à gentileza do filho. O bolo de casamento era uma verdadeira obra de arte, um jardim coberto de orquídeas confeccionadas em glacê. Era tudo tão lindo e delicado que algumas pessoas manifestaram o desejo de tocar uma pétala para conferir se as flores eram mesmo de creme ou autênticas. Sloane fez questão de compartilhar seu pedaço com Suzanne, exibindo uma intimidade sensual que ela decidiu corresponder em prol da platéia. Pelo menos foi o que disse a si mesma, porque parte dela desejava que tudo fosse real. O beijo foi diferente. Provocante, longo e íntimo; não havia nada que pudesse fazer a respeito sem provocar uma cena. Quando Sloane levantou a cabeça, Suzanne fitou-o com expressão triste, e por um momento teve a impressão de ver o arrependimento estampado em seus olhos. Mas em seguida a emoção desapareceu. A música mudou e Trenton levou Geórgia para a pista de dança. — É nossa vez — Sloane anunciou estendendo a mão. E agora aquilo! Sabia que era perigoso, mas deixou-se abraçar e teve a sensação de estar voltando para casa. Para o paraíso. O corpo encaixava-se no dele com familiaridade e reagia ao contato de maneira íntima, uma resposta que estava além de sua capacidade de controle. Sensualidade. Alquimia. Se o amor era um rio, o deles corria profundo. E rápido. Estavam tão próximos que era impossível ignorar a evidência do desejo de Sloane. Gostaria de entrelaçar os dedos em sua nuca e fechar os olhos, mas sabia que

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ceder seria mergulhar em um abismo de onde nunca mais poderia retornar. Suzanne ouviu a risada da mãe e notou que ele a soltava. Confusa, percebeu que os dois casais paravam lado a lado para uma troca de pares. — A festa está linda — disse. Trenton a conduzia com maestria ao som da segunda valsa. Outros convidados começavam a participar da dança. — Geórgia é uma bela mulher — ele respondeu. — Ela possui a beleza interior, aquela que realmente importa. Como você. Era um elogio adorável. — Obrigada. — Prometo que vou cuidar bem dela. — Eu sei. E tenho certeza de que serão muito felizes juntos. Quando concluíram a volta na pista de dança, Sloane desfez a troca. Cinco minutos mais tarde um dos convidados aproximou-se, e durante uma hora Suzanne dançou com quase todos os homens presentes. Bettina executou uma manobra bem calculada e conseguiu dançar com Sloane. Suzanne acompanhou cada movimento da loura exuberante e teve de admirar sua técnica. Para todos os outros, Bettina era apenas uma convidada animada e sorridente, mas Suzanne via a promessa em seus olhos verdes, a maneira como os seios fartos e implementados por uma aplicação de silicone roçavam o braço de Sloane, o sorriso convidativo e os olhares insinuantes, e tinha de controlar-se para não agredi-la a socos. Três minutos? Quatro? Cada um deles parecia estender-se por uma eternidade, até que Sloane concluiu a volta na pista e tomou-a nos braços. Suzanne estava tensa, e moveu a cabeça para o lado a fim de esquivar-se ao beijo que ele pretendia depositar em seus lábios. — Bettina — ele concluiu com precisão espantosa.

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— Como percebeu? — A pergunta era sarcástica. — Sou observador. Sabe que treme quando está zangada? Tremia? — Realmente? — Queria esbofeteá-lo. — Qual de nós gostaria de destruir a unhadas e dentadas? — Bettina — respondeu com veemência e sem rodeios. — Por que está tão furiosa? — Ele riu. — Não há motivo para tanta inquietação. — É melhor tomar cuidado, Sloane, ou pode acabar se tornando a vítima mais disponível. Apoiou a cabeça em seu ombro e ouviu as batidas do coração no peito forte, desfrutando do momento de intimidade enquanto a música permitiu. Depois juntou-se a Geórgia e Trenton por alguns minutos antes de ir ao banheiro retocar a maquiagem. Quando retornou, a maioria dos casais trocara a pista de dança pelas mesas. Sloane conversava com o marido de Bettina, Frank, e Suzanne atravessou o salão para ir respirar o ar fresco da varanda. Naquela época do ano o norte tropical era simplesmente perfeito. Dias ensolarados e quentes, noites claras e frescas, e pouca ou nenhuma chuva. Ideal para os que viviam nos estados do sudeste, onde o inverno era gelado e úmido, com ventos tão fortes que pareciam esbofetear aqueles que se aventuravam pelas ruas. Em dois dias Geórgia partiria para Paris. A cidade dos amantes com seus prédios históricos e suas magníficas coleções de arte. Alta costura, culinária, ambiente... Havia lido muito sobre o lugar, e assistira a filmes que despertaram sua curiosidade. Sentia uma certa inveja. Não, não era verdade. Todos tinham objetivos na vida, alguns acessíveis, outros meras fantasias. O truque consistia em agarrar-se ao sonho sem perder contato com a realidade.

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Também havia ambição e ganância, que ela deplorava, bem como a falsidade e a futilidade. Desprezava aqueles que se deixavam dominar por essas fraquezas. Amores haviam sido destruídos, vidas, arruinadas e até perdidas, na busca por uma riqueza sem limites e tudo que ela podia proporcionar. Um arrepio percorreu seu corpo. Vivera o medo, sentira o sabor da destruição provocada por esse tipo de sentimento, e optara por afastar-se de sua órbita. Teria agido corretamente ao lidar com a situação sozinha? As dúvidas, sempre presentes, voltaram à tona. — Está fugindo? Suzanne ergueu os ombros ao ouvir a voz de Sloane, e não se moveu quando ele a enlaçou pela cintura e puxou-a contra o peito. — Admito que sim. — Não quer conversar? Falar sobre seus pensamentos mais íntimos? Isso daria ao perigo uma nova dimensão. — Prefiro pensar um pouco mais. — Sabe que vou persistir, não é? Sabia. Mas pelo menos adiaria o momento. — É melhor entrarmos. — Tem razão. Vim procurá-la para dizer que Geórgia e Trenton pretendem se retirar em breve. — Vão deixar os convidados na festa? — Seria tão tarde assim? — É quase meia-noite. Para onde havia ido o tempo? — O tempo voa quando estamos nos divertindo — disse, sentindo as mãos de Sloane acariciando seu estômago. Sabia que podiam ser vistos pelos convidados no interior do salão. — Por favor, não faça isso.

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— Então entre, e venha despedir-se de sua mãe e de meu pai. Abandonar a varanda significaria afastar-se da tentação. Mas não por muito tempo. Mais cedo ou mais tarde teriam de retornar ao chalé. E então? Não podia pagar o preço de uma longa noite de amor, ou da agonia quando tivesse de deixá-lo. Sem dizer nada, livrou-se dos braços que a enlaçavam e entrou. — Oh, aí está você, querida — Geórgia exclamou ao vê-la. — Trenton e eu estamos de saída. — E abraçou a filha. — Foi uma linda festa, não? — Adorável — Suzanne concordou. — A maioria dos convidados vai se reunir no restaurante às nove da manhã para um café especial. Espero que estejam presentes. — É claro que estaremos com vocês, mãe. — Bem, vamos sair daqui — Trenton declarou, sorrindo para a esposa como um adolescente apaixonado. — Boa noite a todos — disse, acenando rapidamente antes de sair. — Quer uma xícara de café? — Sloane ofereceu assim que ficaram sozinhos. — Sim, seria ótimo — Suzanne respondeu. Minutos depois Sloane retornou, e logo Bettina juntou-se a eles. — Frank não quer ficar e prolongar a festa. Estamos pensando em caminhar pela praia, ou dar um mergulho na piscina. Não querem vir conosco? E vê-la despir-se e exibir as curvas exuberantes enquanto tentava capturar a atenção de todos os homens? — Não, obrigado — Sloane recusou com um sorriso cínico. Em seguida, olhou para Suzanne. — Temos outros planos. — Uma festa? — Para dois — ele respondeu com tom neutro. Notando que Suzanne havia acabado de beber o café, tirou a xícara e o pires das mãos dela, depositou-os sobre uma mesa próxima e segurou seu braço. — Com licença.

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— Devíamos dizer boa noite aos convidados, Sloane. — Diremos. Rapidamente — ele concedeu. — As pessoas vão especular sobre o motivo de nossa saída precipitada. — Quer ficar? Não queria. Mas também não sabia se desejava voltar ao chalé. E também não queria andar pela praia e encontrar Bettina. — Não. Dez minutos mais tarde, Sloane trancava a porta do chalé. Suzanne o viu despir o paletó e deixá-lo sobre as costas de uma cadeira antes de afrouxar a gravata e abrir o colarinho. Depois ele foi ao refrigerador, apanhou uma garrafa de champanhe e duas taças, abriu a garrafa e serviu a bebida borbulhante antes de entregar uma das taças. Então tocou o copo no dela e levantou-o num brinde silencioso antes de beber o primeiro gole. Suzanne acompanhava cada movimento, consciente da poderosa química que era só dele. Havia uma sensualidade inata que despertava uma necessidade quase incontrolável em seu corpo. Era como se pudesse sentir o sangue correndo mais depressa pelas veias, as terminações nervosas despertando e um calor envolvendo cada célula do corpo. Imaginar como seria fazer amor com ele quase a levou ao clímax. Três semanas pareciam uma eternidade, dias de tristeza separados por noites intermináveis e solitárias dominadas pela dor.

CAPÍTULO VIII

Sloane conteve a urgência de tomá-la nos braços. Sexo seria uma maravilhosa

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válvula de escape para os dois. Podia quase sentir o aroma do calor sensual em sua pele, ouvir seus gemidos de prazer e imaginá-la contorcendo-se no momento do êxtase... — Foi um lindo casamento. — Tinha a sensação de já ter pronunciado aquelas palavras, e lutou para banir da voz o tremor hesitante. Droga! Devia ser o efeito do álcool. Preferia não cultivar o calor que começava a dominar seu corpo. — Geórgia estava radiante. — É verdade. — E Trenton... — Não teria permitido que nada nem ninguém interferisse em seus planos. — Sloane ficou em silêncio por alguns instantes, e quando falou a voz sugeria determinação. — E eu também não vou permitir interferências. Havia algo em seus olhos que disparou uma espécie de sinal de alarme no cérebro de Suzanne. Fitou-o cautelosa, tomada pela apreensão e por uma terrível e assustadora certeza. — Já sabe quem é ela, não é? Conseguiu descobrir sua identidade? A expressão tornou-se ainda mais dura, os músculos tensos transformando o rosto em uma máscara implacável. — Sim, obtive a resposta que procurava esta manhã. Suzanne não precisava perguntar como ele havia conseguido. Sloane tinha o poder e os contatos para encontrar todas as informações que quisesse. Devia ter esperado por esse tipo de ação. — O que vai fazer? — Já fiz. O pai de Zoe foi informado sobre os fatos, e garantiu que vai se empenhar pessoalmente para que a filha receba ajuda médica especializada. Os olhos buscaram os dela e Suzanne estremeceu. Havia algo mais, uma

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emoção que não podia definir e que a amedrontava. — Ninguém me ameaça — Sloane disparou furioso. — Seja direta, ou indiretamente. — Tentava conter a ira e manter as emoções sob controle, mas era cada vez mais difícil. O relatório que recebera por e-mail naquela manhã denunciava reparos extensivos no automóvel da jovem socialite. E como a conhecia desde a adolescência, podia imaginar as agressões verbais. Suzanne o viu cerrar os punhos, notou a evidência da ira naqueles olhos escuros, e deixou a taça vazia sobre a mesa. Precisava sair dali, afastar-se dele, nem que fosse só por alguns minutos. — Vou respirar um pouco. Talvez caminhar. — Sozinha? De jeito nenhum. Ergueu o queixo para encará-lo, sem dar importância ao rumo perigoso que a conversa começava a tomar. — Não seja inconveniente, Sloane. — Atravessou a sala em direção à porta, sentindo uma raiva tão grande que sabia que seria capaz de agredi-lo, caso ele tentasse detê-la. Lá fora a escuridão era como um manto sobre a ilha, e ela seguiu pelo caminho iluminado que levava à praia. Quando pisou a areia, tirou os sapatos e abaixou-se para recolhê-los. Sloane vinha logo atrás dela, e foi preciso um grande esforço para não jogar os sapatos nele. Se queria segui-la, que a seguisse. Mas não permitiria que determinasse seus atos, ou quando retornaria ao chalé. Se retornasse, decidiu revoltada. Os bancos de areia na praia serviriam para descansar por algumas horas, até o amanhecer. O luar banhava o oceano com uma luz prateada, e ela caminhou até o paredão de rochas. A maré recuara e chegava mansa a seus pés. De repente Suzanne parou e, num impulso, despiu-se, jogando as roupas sobre a areia seca antes de correr para a

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água. Era como mergulhar na mais pura seda. Depois de nadar alguns metros, deitou-se de costas e flutuou contando as estrelas no céu. Um som característico alertou-a segundos antes de Sloane surgir na superfície a seu lado. Ele não disse nada. Não era necessário. Apreensiva, afastou-se e tocou o fundo do mar com os pés. Se ele insistia em invadir seu espaço, tudo que tinha de fazer era mudar de lugar. Tinha dado alguns passos na direção da praia quando mãos fortes a agarraram pelos ombros e a viraram. — Solte-me... Teria dito outras coisas, mas a boca apoderou-se da dela em um beijo selvagem, primitivo e excitante. Era um beijo que invadia, possuía e roubava. Mente, corpo, alma e coração... nada mais lhe pertencia. Tentou resistir, mas foi inútil. Sloane era forte. Esmurrou o peito musculoso e chutou sua canela, mas não conseguiu obrigá-lo a soltá-la. Quando começava a pensar que não suportaria nem mais um minuto daquele doce tormento, ele interrompeu o beijo, jogou-a sobre um ombro e saiu do mar. — Que diabo pensa estar fazendo? Sloane abaixou-se e, numa reação automática, Suzanne tentou agarrar-se a alguma coisa na altura de sua cintura... e não encontrou nada. — Estou recolhendo nossas roupas. — Ponha-me no chão! Ele se levantou, ajeitou o peso sobre o ombro e seguiu na direção da trilha que levava ao hotel. — Não. — Pelo amor de Deus, Sloane! Alguém pode nos ver!

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— E daí? — Pelo menos dê-me sua camisa — gemeu aflita. — Lamento, mas ela está sendo usada para proteger uma parte bastante vulnerável de minha anatomia. — É melhor rezar para que ninguém nos veja — ameaçou furiosa —, ou jamais o perdoarei pela humilhação. O caminho até o chalé era relativamente curto, e Suzanne enfrentava cada passo com um misto de apreensão e esperança. Finalmente entraram e fecharam a porta, e só então ela conseguiu respirar aliviada. — Seu maníaco! Como se atreve a me submeter a esse tipo de constrangimento? — Usava os punhos cerrados para esmurrar as costas largas e tentava acertá-lo também com os pés. — Ponha-me no chão! Sloane continuava andando. Subiu a escada para o quarto, parou para jogar as roupas sobre a cama e entrou no banheiro. Antes de colocá-la no chão, ele ligou o chuveiro. — Sloane, o que pensa que está fazendo? — O que acha que estou fazendo? — Entrou no cubículo e fechou as portas de vidro. Então a pôs no chão diante dele. Sem pensar em nada, cega pela fúria, Suzanne o esbofeteou. O golpe só alimentou a ira, e ela levantou a mão pela segunda vez para atingi-lo, mas Sloane a segurou pelo pulso. — Quer brigar? — Sim, eu quero! — Então vá em frente. — Soltou-a e ficou quieto como uma estátua, os braços cruzados sobre o peito. Os olhos brilhavam como estrelas na escuridão, desafiando-a a agredi-lo, e Suzanne aceitou o desafio, atacando-o com os punhos cerrados e usando o peso do

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corpo para aumentar a força dos golpes que desferia contra seu peito, os ombros e todos os lugares que conseguia alcançar. Sloane aceitava as agressões em silêncio, e só deixou escapar um gemido quando foi atingido no estômago. Lágrimas quentes e furiosas brotavam dos olhos dela, correndo pelo rosto e deixando um gosto salgado nos lábios. Os dedos doíam depois do ataque à parede de músculos. Aos poucos foi perdendo as forças, até que os braços caíram soltos ao lado do corpo. — Terminou? A água coma pelos ombros dele e seguia pelas costas largas. Suzanne virou-se para escapar, mas foi impedida pelas mãos fortes em seus braços. Sem dizer nada, Sloane abraçou-a com um misto de determinação e ternura. — Solte-me. — Ficar ali seria loucura. Os dedos iniciaram uma exploração sutil em suas costas, o suficiente para provocar um leve arrepio, e mais uma vez ela tentou se libertar sem sucesso. A mão que apoiava sua nuca subiu alguns centímetros, obrigando-a a inclinar a cabeça e imobilizando-a para o beijo. Suzanne esperava uma invasão devastadora, e foi surpreendida pelo carinho do contato delicado. Provocante, sensual, o beijo foi ganhando intensidade e profundidade com o passar dos segundos, até se transformar em um assalto erótico contra o qual não poderia se defender. Sem pensar nas conseqüências, abraçou-o e correspondeu ao beijo com ardor. Quando os lábios se afastaram, ambos estavam ofegantes. — Por favor... — Agora. Acabaria enlouquecendo se tivesse de esperar mais um instante que fosse, e um riso exultante escapou de sua garganta quando ele se colocou entre suas pernas e a levantou para apoiá-la em sua cintura. Era maravilhoso senti-lo outra vez em seu corpo. Por alguns instantes Sloane

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se manteve imóvel, depois começou a mover-se, a princípio devagar, depois mais depressa, acelerando o ritmo até que os movimentos sincronizados os levaram a um clímax explosivo. Suzanne imaginava ter experimentado cada faceta do ato de amor, mas aquela possuía uma qualidade selvagem, quase indomada, como se ele não pudesse conter as próprias emoções. Arfante, apoiou a cabeça no ombro dele e sentiu os lábios explorando seu rosto e o pescoço. Não tinha idéia de quanto tempo haviam permanecido ali. Segundos... minutos, talvez. Eventualmente a respiração voltou ao normal e, com infinito cuidado, Sloane colocou-a no chão. Então pegou o sabonete e começou a massagear cada centímetro de seu corpo antes de dar atenção ao dele. Suzanne tinha a sensação de que não poderia se mover, muito menos pronunciar uma única palavra, e quando ele desligou o chuveiro, precisou apoiar-se em seu braço para sair do cubículo sem cair. Sloane pegou uma toalha e começou a enxugá-la com movimentos lentos e cuidadosos. Os olhos não deixavam os dela, e Suzanne perdeu-se na escuridão profunda, cada célula do corpo vibrando com a certeza do que aconteceria a seguir. Desejava-o. Deus, desejava esse homem como jamais quisera outro. Mas e depois? Como embarcaria na lancha na segunda-feira para voltar a Sídnei, ao apartamento vazio e triste? Como retomaria sua vida como se aquele final de semana jamais houvesse acontecido? Seria um pesadelo de insatisfação, solidão e vazio. Duvidava de que pudesse sobreviver. — Sloane... — Não foi capaz de dizer as palavras. Ergueu a mão para tocá-lo, mas não teve coragem e deixou o braço cair ao longo do corpo.

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Ele afagou seu rosto e seguiu até que as pontas dos dedos alcançassem seu pescoço. Sentia-se derreter, sucumbindo a um estado de inércia no qual tudo que queria era senti-lo transformar o fogo brando em um incêndio abrasador. Sloane sabia. Podia ver a certeza refletida em seus olhos, senti-la no toque de suas mãos e em cada carícia mais ousada. Uma noite, gemeu em silêncio. Apenas uma noite. As mãos encontraram o corpo musculoso e, desesperada, ela cedeu ao desejo. Passaram o resto da noite fazendo amor, criando um êxtase sensual que era ao mesmo tempo primitivo e sutil. Suzanne não queria que a magia terminasse. Com o amanhecer veio o sono, e mais tarde um novo encontro de amor, tão gentil e satisfatório que quase não pôde conter as lágrimas. — É melhor tomarmos um banho e nos prepararmos para o café — ela disse relutante depois de consultar o relógio digital. Sloane sorriu. — Temos mesmo de ir? — É evidente que sim. — Por quê? Firmeza era a chave. Ficar ali por mais um instante que fosse seria uma loucura cujo preço jamais poderia pagar. — Porque estou com fome. — Os olhos dele se tornaram mais escuros e promissores. — Refiro-me a comida de verdade, Sloane. Sustento. E seria capaz de matar por uma xícara de café bem forte. — Levantou-se, estendeu os braços para o alto... e sentiu a dor nos músculos. — Vou tomar uma ducha. — E virou-se para encará-lo. — Sozinha. Caso contrário, jamais sairemos daqui. Eram quase nove horas quando entraram no restaurante, e Suzanne escolheu

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uma mesa no terraço. Depois de pedir café, foi servir-se de frutas frescas e cereal no bufê. — Parece cansada esta manhã, querida. Teve uma noite difícil? A voz melosa e o sorriso malicioso de Bettina despertaram novamente os sentimentos negativos da noite anterior. Suzanne forçou um sorriso. — Não acha que essa é uma pergunta muito pessoal? — Por que fingir? Estou louca por um anel de esmeraldas e diamantes. Frank precisa de uma certa dose de persuasão para comprar a jóia. — E é claro que não está medindo esforços para convencê-lo. — É evidente que não. As mulheres têm trocado favores sexuais por presentes desde... desde sempre. Não está se esforçando para ganhar seu Porsche Carrera? — Retribuir essa gentileza pode se transformar em um compromisso eterno. Já ouviu falar em dívidas vitalícias? Suzanne virou-se ao ouvir a voz de Sloane. Viu o sorriso divertido em seus lábios, o brilho debochado nos olhos, e decidiu participar do jogo. — Não necessariamente, querido. Sabe que tenho gostos muito simples. — Eu também. Minha maior preferência, por exemplo. — Qual é? — Você. Sabia que era apenas um jogo, mas mesmo assim sentiu o coração bater mais depressa. Bettina afastou-se sem dizer uma única palavra, e assim que ficaram sozinhos, Suzanne tratou de oferecer uma explicação. — Essa história sobre o Porsche é só uma brincadeira — disse, levando o prato de volta à mesa. — Eu sei. — Se me desse um, eu o devolveria.

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— Acredito em você. — Sloane... — Acha que não sei que Bettina gosta de provocar a discórdia e alimentar conflitos? Sabia que o bom humor de antes havia sido substituído pela tensão e o ressentimento. Só um tolo acreditaria que Sloane Wilson-Willoughby não percebia cada ângulo, cada motivação por trás das atitudes de um ser humano. — Ela está interessada em você. O riso fácil iluminou novamente seus olhos. — Bettina precisa de constante confirmação sobre seu poder de atração. As roupas que usa, as jóias, a maquiagem, o penteado, tudo é escolhido de forma a atrair a atenção do sexo oposto. Qualquer homem serve, desde que ela se sinta atraente e poderosa. — Discordo de você. Reconheço que Bettina gosta de sentir-se atraente, mas ela jamais desperdiçaria seu charme com homens que não fossem ricos e bem relacionados. — Levou a xícara aos lábios, bebeu um gole do café e devolveu-a ao pires antes de encará-lo novamente. — E você é mais interessante que a maioria. — Digamos que tenho uma reputação entre as mulheres... — Ele riu. — Fascinante! Foi essa a palavra que ela usou para descrevê-lo. — Realmente? Estava se divertindo! — Bettina é a personificação da amante. — E por que eu pensaria em ter uma amante, se já tenho você? Suzanne serviu-se de uma fatia de melão. Devagar, mordeu um pedaço suculento, mastigou-o e engoliu-o antes de oferecer uma resposta. Escolheu as palavras com cuidado e as temperou com um sorriso pálido. — Você não me tem. Sloane deixou o garfo sobre o prato e recostou-se na cadeira. Relaxado e

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indolente, não parecia disposto a se envolver em uma discussão. — Ainda guardo lembranças bem nítidas de como passamos a noite — disse. — E de como começamos o dia. Suzanne também lembrava. E as lembranças eram tão claras que não pôde conter o rubor que tingiu seu rosto. — Não acredito que isso seja tão importante. — Não? Pois agora sou eu que discordo de você. — Foi apenas sexo. — Maravilhoso, reconheceu em silêncio. E sabia que estava mentindo. Sexo não era uma palavra abrangente o bastante para descrever o que haviam vivido juntos. — Acho melhor levá-la de volta para a cama — Sloane sugeriu com tom debochado. — É o único lugar onde estamos sempre de acordo. Suzanne serviu-se de mais um pedaço de fruta. — Nossa ausência seria notada. O olhar provocante causou arrepios. — E daí? Não vejo onde está o problema. — Você possui uma mente pervertida e obcecada. — Três semanas de abstinência costumam provocar esse tipo de efeito em um homem. Especialmente em um homem com a energia de Sloane. Pensar em tudo que haviam feito durante a noite era suficiente para inundá-la com um calor delicioso. E o pior era que ele sabia. A certeza era evidente na maneira como os olhos buscavam sua boca, ou no exame arrogante que faziam dos seios. — Creio que já estou satisfeita — ela anunciou, odiando o tom rouco da voz. — Geórgia e Trenton acabaram de chegar — Sloane avisou. — E estão vindo para cá. A refeição transformou-se num evento informal que assumiu o tom de

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comemoração quando, pouco depois, garçons surgiram servindo champanhe e petiscos deliciosos. — Que tal uma partida de tênis mais tarde? — Geórgia sugeria depois da segunda xícara de café. — Creio que limitarei meu almoço a algumas frutas. — Eu também — Suzanne declarou. Depois daria um mergulho e cochilaria na praia. Uma tarde preguiçosa era tudo de que precisava depois da noite anterior. Uma onda de dor percorreu seu corpo. O que aconteceria naquela noite? Sloane...? Sim, uma voz interior provocou. Sem dúvida nenhuma. Como sobreviveria a outra noite de amor sem se partir em milhares de pedaços? Talvez se explicasse, se suplicasse... Olhou para ele e desejou não ter olhado. Sloane a estudava atentamente, lendo cada mudança de expressão... e com imensa precisão, se não estava enganada. Alguém mais teria percebido que era uma pilha de nervos sob o exterior calmo? Depois da noite anterior os limites haviam sido alterados, e não sabia mais que posições ocupavam. O que aconteceria quando voltasse a Sídnei? Não! Não podia pensar nisso. Pensar não era uma boa idéia, porque existiam apenas dois cenários, e preferia não analisá-los nesse momento. O coração pesava no peito, e tinha certeza de que sua contribuição para a conversa soava tola. De certa forma foi um alívio circular entre os convidados, perder-se, mesmo que brevemente, numa troca social com mulheres cujas maiores preocupações eram descobrir o melhor cabeleireiro da cidade, qual estilista seria o escolhido da próxima estação e que festas deveriam ser freqüentadas. Sloane também parecia imerso na conversa com os associados de Trenton. Nas duas vezes em que o procurou com os olhos, descobriu que ele a observava. — Ainda não marcaram uma data, Suzanne? — Uma mulher perguntou.

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— Paul e eu estamos com a agenda cheia até o natal — outra anunciou. — Mande os convites com antecedência, meu bem. — Devia ir visitar Stefano; ele é uma espécie de mago dos cabelos — uma morena elegante aconselhou-a. —

Marie-Louise é insuperável com as unhas — acrescentou uma loura

exuberante. — E Gianfranco é o melhor estilista que conheço — opinou uma ruiva. — Diga a ele que Claudia a indicou. — Neil é o melhor decorador que já se viu neste continente. — Frank gastou quase um milhão com a nossa festa — Bettina comentou, sem notar o silêncio tenso que seguiu a colocação. Suzanne sentiu o retraimento e a desaprovação do grupo. Qualquer menção a valores monetários entre os membros da classe superior era considerada uma gafe imperdoável. As pessoas podiam falar sobre um iate, uma vila na França, o apartamento em Veneza, Roma ou Milão, o castelo na Suíça e a cobertura em Fifth Avenue, qualquer coisa, menos o custo de um objeto ou posse. A menos que fosse uma barganha ultrajante. Delírios de grandeza não eram permitidos entre a elite. Eram quase onze horas quando os convidados embarcaram na lancha que os levaria de volta a Dunk, de onde retornariam para suas casas. Suzanne e Sloane juntaram-se a Geórgia e Trenton no pequeno cais para se despedirem de todos.

CAPÍTULO IX — Agora posso relaxar. — Geórgia passou um braço em torno da cintura de Trenton e apoiou a cabeça em seu ombro. — O final de semana foi maravilhoso.

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Obrigada, querido. O olhar que ele dirigiu à esposa causou uma onda de emoção em Suzanne. Tanto amor, e tão visível! A demonstração fazia doer seu coração. — Não creio que seja capaz de comer alguma coisa — declarou com naturalidade. — Vou levar um livro para a praia e depois darei um mergulho no mar. — Estaremos esperando para a nossa partida de tênis — Trenton lembrou. — Às quatro está bem? — Perfeito. Mais tarde, quando entraram no chalé para mudar de roupa, Sloane sugeriu: — Por que não relaxa aqui mesmo? — Porque não acredito que tenhamos idéias parecidas sobre o conceito de relaxar. — Tem medo de ficar sozinha comigo? Ele representava uma grande ameaça ao seu equilíbrio, mas medo não fazia parte do quadro. — Não. Sloane aproximou-se e pousou as mãos sobre seus ombros, iniciando uma massagem deliciosa. — Cansada? Queria fechar os olhos e apoiar-se nele, deixar-se abraçar e beijar. Mas se cedesse ao impulso, não sairiam do chalé antes do anoitecer. — Um pouco. — Deixe-me ajudá-la. A necessidade crescia, transformando-se em uma espiral que ia aos poucos dominando todo o corpo. O sorriso em seus lábios era triste. — Não sei se essa é uma boa idéia.

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— Não? Os dedos afastaram a cortina de cabelos que escondia sua nuca, abrindo caminho para os lábios. — Sloane... — O protesto brotou de seus lábios como um sussurro agoniado enquanto os dedos aliviavam a tensão dos músculos tensos. — Fique quieta e relaxe. Teria coragem para tanto? Talvez só por alguns minutos. Não havia mal algum em relaxar. Suzanne fechou os olhos e deixou-se invadir pela deliciosa sensação de paz provocada pelas mãos que pareciam alcançar até o mais recluso dos ossos. Mal teve consciência do zíper do vestido descendo lentamente, ou do farfalhar do tecido caindo ao chão. O sutiã foi aberto com facilidade, e as mãos continuaram em sua exploração sensual. — Não penso que... — Não pense — ele cortou. — Apenas sinta. Os lábio saboreavam sua pele traçando linhas de fogo que se estendiam do pescoço até os pulsos. Um gemido desesperado escapou de seu peito quando ele repetiu a operação do outro lado do corpo, e quando ele a girou entre os braços, Suzanne não teve forças para impedir que Sloane a levasse para a cama. O que aconteceu em seguida foi uma longa e lenta tortura, um despertar de cada célula e cada nervo. O prazer brotava de cada poro como uma onda que ameaçava afogá-la. Quando Sloane finalmente alcançou o centro de sua feminilidade, ela não pôde mais se conter e explodiu em ondas sucessivas num êxtase impressionante em sua intensidade. Minutos depois ele a tomou nos braços com ternura envolvente. — Sente-se melhor?

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Deus, teria alguma idéia de como ela se sentia? — Só há um problema — Suzanne murmurou com voz trêmula. — Qual? — Está usando roupas demais. — E estendeu a mão para tocá-lo. O sorriso em seu rosto era quente e sensual. — Por que não se diverte me ajudando a tirá-las? — Isso é um convite? — Precisa de um? Era um momento especial. Algo tão precioso, que a lembrança a acompanharia pelo resto de sua vida, amenizando a dor das noites solitárias e consolando-a nos momentos mais difíceis. Fizeram amor sem pressa, saboreando cada momento de intimidade, trocando carícias sensuais que aos poucos foram ganhando maior ousadia e provocando respostas mais intensas. Mais tarde ele a tomou nos braços e acariciou suas costas com ternura. Suzanne dormiu, segura na certeza de estar protegida. Era dele. Sem dúvida nenhuma. Suzanne acordou com a pressão suave dos lábios sobre os dela, e abriu os olhos lentamente deixando que as pupilas se ajustassem à visão do homem deitado a seu lado. — São quase quatro horas — Sloane informou com tom rouco e preguiçoso. Ela respondeu com um sorriso doce. — Já sei. Temos de sair da cama e tomar uma ducha para irmos disputar aquela partida de tênis com Trenton e Geórgia. — Posso ligar para o chalé deles e cancelar o jogo. — Não devemos desapontá-los — opinou com ar solene, divertindo-se com a risada franca de Sloane. — Ou devemos?

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— Não. Vamos, é melhor sairmos logo desta cama, ou chegaremos atrasados. Muito atrasados. Realmente atrasaram-se, mas só dez minutos, e Geórgia e Trenton já estavam na quadra, concentrados no aquecimento. Concordaram em disputar apenas um set, e a partida terminou com uma pequena vantagem a favor de Sloane e Suzanne. — Um drinque no bar? — Sloane convidou quando deixaram a quadra. Trenton bateu no ombro do filho numa afirmação silenciosa.. — Devo estar sentindo o peso da idade — Geórgia comentou rindo quando se sentaram nas confortáveis cadeiras da sala de estar. Trenton fez um sinal para o garçom, e logo todos estavam de posse de bebidas geladas. — Jantar às seis e meia? — ele propôs. — Mandarei avisar o pessoal da cozinha. Assim teriam tempo para um banho. Aquela seria a última noite na ilha, Suzanne refletiu, sem saber se sentia-se aliviada ou triste com a aproximação do final da estadia. O que começara como uma provação, algo que teria evitado a qualquer custo, se pudesse, transformara-se em uma experiência muito diferente daquela que havia imaginado. A raiva, o ressentimento e o rancor desapareceram. E o que surgira no lugar dessas emoções? O sexo era perfeito. Melhor que perfeito. Mas seria só isso? Queria perguntar, mas temia a resposta. Sabia que precisava de algum tipo de autopreservação, ou não conseguiria sobreviver. — Esta será nossa última noite em companhia de Trenton e Geórgia por um bom tempo — Sloane apontou com ar indolente. — Devemos assistir a um filme, jogar cartas ou passear pela praia depois do jantar?

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Trenton olhou para a esposa e para a enteada em busca de confirmação. — Geórgia? Suzanne? O sorriso de Geórgia era radiante. — Cartas. Suzanne e eu somos imbatíveis nesse jogo. Não é mesmo, querida? A escolha era a que oferecia maior potencial de estímulo mental. — Sim — concedeu sem entusiasmo. — Vamos unir nossas habilidades e tentar derrotá-los. Sloane ergueu uma sobrancelha e olhou para o pai. — Homens contra mulheres? Trenton riu. — Sabe jogar, meu filho? Caso contrário, acho que estamos encrencados. — No seu chalé, ou no nosso? — No seu — Trenton respondeu sem hesitar. — Assim poderemos partir quando quisermos. — Levem palitos de fósforos — Suzanne pediu. — Geórgia e eu nunca jogamos por dinheiro. Terminaram os drinques e deixaram a sala de estar do hotel. A noite se aproximava, e as luzes do jardim já iluminavam o complexo e a área em torno dele. Trenton e Geórgia pararam na bifurcação entre os caminhos que levavam aos chalés. — Estaremos no restaurante em meia hora. Assim que fecharam a porta, Suzanne dirigiu-se ao banheiro, despiu-se e tomou uma ducha. Estava começando a relaxar quando percebeu que Sloane a seguira. Sua presença provocou uma espiral de energia, e ela apanhou o sabonete só para vê-lo removido de sua mão. O que se seguiu foi um incrível e sensual assalto aos seus sentidos, uma provocação que despertou cada célula do corpo até sentir-se pronta para gritar de prazer e aflição.

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Quando terminou, Sloane entregou o sabonete e esperou que ela retribuísse a gentileza. Ao final ambos colocaram-se sob o jato de água para remover a espuma da pele. Sloane desligou o chuveiro e beijou-a rapidamente antes de pegar as toalhas. — Acho que não precisamos nos preocupar com roupas. O jantar será informal, felizmente. Mesmo assim, Suzanne escolheu uma calça de seda preta e uma blusa do mesmo tecido em um tom claro de amarelo. Reduziu a maquiagem ao mínimo e acrescentou uma fina corrente de ouro que ganhara da mãe em seu vigésimo-primeiro aniversário. Sandálias de tiras finas e saltos médios completaram o conjunto. Usando calça de linho bege e uma camisa de algodão azul, Sloane exalava uma energia vibrante que era intensamente máscula, e ela sentiu-se exultar ao sentir a mão dele na sua quando caminharam até o restaurante. O jantar foi uma ocasião relaxada e alegre. Comeram frutos do mar e salada verde, e trocaram a sobremesa por uma tábua de queijos acompanhada por uvas e melão. Terminaram a refeição com um delicioso licor de café. Uma caminhada preguiçosa pelo jardim iluminado prolongou o tempo necessário para retornarem ao chalé, onde se sentaram em torno da mesa da sala para jogar. Trenton embaralhou e distribuiu as cartas. O mais importante não era o jogo ou a vitória, Suzanne decidiu ao examinar as cartas que recebera. O que mais a entusiasmava era o desafio mental, a chance de envolver-se em um estimulante desafio. Arranjar figuras e números de maneira a obter a maior pontuação possível era um excelente exercício de raciocínio. Ela e Geórgia ganharam a primeira partida, e repetiram a vitória na segunda. Quando perceberam que estavam prestes a perder pela terceira vez, os homens começaram a questionar a viabilidade de uma quarta partida. — Acho melhor desistirmos — Trenton suspirou.

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— Se vencermos novamente, mudaremos a parceria — Geórgia ofereceu generosa. — Isso tornaria a disputa mais interessante — Sloane reconheceu. Suzanne fitou-o com um sorriso malicioso. — Acha mesmo que devemos, mamãe? Esta pode ser a única vantagem que teremos sobre eles. Sloane levantou a mão e acariciou seu rosto. — Oh, eu não sei — disse. — Sou capaz de pensar em meia dúzia de outras vantagens. — Os olhos brilhavam intensamente e de maneira inconfundível, e não havia nada que ela pudesse fazer para impedir o rubor que tingiu seu rosto. — Vai embaraçar minha mãe. Trenton riu. — Duvido, querida — Geórgia respondeu. Suzanne fitou-os e reconheceu a derrota. — Acho melhor continuarmos jogando. — Mais tarde, quando estivessem sozinhos, faria Sloane pagar. E desfrutaria de cada segundo da doce vingança. Encarou-o e lançou a ameaça silenciosa com um piscar de olhos, interpretando a resposta promissora no sorriso que distendeu seus lábios. Vencê-lo dava a ela uma certa satisfação, e por isso Suzanne decidiu jogar com Trenton contra Geórgia e Sloane. Disputaram uma série de quatro partidas que terminaram com uma minúscula margem de vantagem para Geórgia e Sloane. Estar sentada ao lado dele conferia a possibilidade de observar cada movimento, acompanhar cada mudança facial, o rápido estreitar de olhos enquanto considerava qual carta descartar. Era um estrategista soberbo, um jogador atento e concentrado. E aprendia muito depressa. Depressa demais. A rapidez levou-a a considerar se as derrotas anteriores não haviam sido premeditadas. — Alguém quer café?

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— Não, obrigada, querida. — Geórgia consultou o relógio e levantou-se. — E tarde. Encontraremos vocês às oito para o café. Sloane caminhou ao lado de Suzanne até a porta. — Estaremos lá. Geórgia inclinou-se para beijar o rosto da filha. — Durma bem. Assim que fecharam a porta, Suzanne voltou para perto da mesa e começou a recolher as cartas e os palitos de fósforo. — Deixe isso aí. O sorriso quente sugeria intimidade, e ela quase derreteu sob o olhar envolvente. — Só vou levar um minuto para terminar. Depois farei a mala e... A expressão permanecia inalterada. — Terá tempo de sobra para cuidar da mala amanhã cedo. — Sloane... — Como explicar que estava nervosa, aliviada com o final da estadia, mas profundamente perturbada com os sinais evidentes de dor inconsolável? Desejava-o, mas temia acrescentar mais uma noite de amor às lembranças que, embora doces, também trariam sofrimento quando não pudesse mais tê-lo em seus braços. Balançou a cabeça numa demonstração silenciosa, e depois buscou forças nos recantos mais secretos da alma. — Não vou demorar. Sloane estava perto. Muito perto. Era como se sua presença a impedisse de respirar, embora acelerasse a circulação do sangue. — Olhe para mim. — Sloane... — Olhe para mim — ele repetiu com tom firme. Suzanne deixou as cartas sobre a mesa e cruzou os braços num gesto defensivo.

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— Está tensa como um animal acuado. — E consumida por uma mistura de emoções contraditórias, acrescentou em silêncio, consciente de cada uma delas. — Quer conversar sobre isso? Como começar, e por onde? Ou melhor, devia começar? As palavras pareciam supérfluas e contraditórias, mas existiam coisas que deviam ser ditas. Encarou-o e sentiu-se à beira de um precipício. — Gostaria de ir para a cama. É tarde, e estou muito cansada. Ele estendeu a mão e tocou seu queixo. — Está fugindo do assunto. — Amanhã voltaremos a Sídnei e retomaremos nossas vidas. Separados. — Se acha que vou permitir que isso aconteça, está enganada. — E beijou-a. Suzanne lutou contra o desejo de corresponder ao beijo. Combateu a tirania do corpo traidor, odiando-se por ser tão vulnerável aos encantos desse homem. Desejo, necessidade. Dois conceitos entrelaçados, embora ao mesmo tempo distintos. Com significados diferentes, dependendo das circunstâncias. Um homem podia desejar, e usar técnicas de sedução para obter satisfação sexual. Era isso que Sloane estava fazendo? Aproveitando ao máximo o final de semana? Mas a situação era bilateral. Não oferecera muita resistência. Quando o beijo chegou ao fim, ela o encarou em silêncio, incapaz de esconder a dor. Tentou afastar-se, mas os braços eram como cabos de aço em torno de sua cintura. — Por favor, não faça isso. — Isso o que, Suzanne? Levá-la para a cama? É isso que está tentando dizer? — Sexo não é a resposta para tudo. — Não chamo o que vivemos juntos de sexo. Não, não era só isso. Jamais havia sido. Intimidade, amor, exploração sensual

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e saciedade dos sentidos tendo os sentimentos como último objetivo. — Ontem à noite... — Ontem à noite foi um engano. Os olhos de Sloane escureceram e o rosto se transformou em uma máscara furiosa e dura.

CAPÍTULO X — Não tente me enganar! — Sloane... — Que desculpa vai dar? Champanhe demais, se mal tocou na segunda taça? O calor do momento? O quê? — Não foi bem assim... — Então explique como foi. Mágico. Eufórico. Perfeito. Devastador em todos os sentidos. Tentou encolher os ombros e quase conseguiu demonstrar indiferença. — Deixei que a farsa se transformasse em realidade. — E deixara-se arrastar pela necessidade de visitar o paraíso pela última vez. — Espera que eu acredite nisso? — Droga, Sloane! O que está querendo? Uma análise completa de minhas emoções? — A verdade seria um bom começo. — Que verdade? — Havia duas pessoas naquela cama. E você estava comigo a cada passo do caminho. — E daí? Isso só prova que você é um bom amante.

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— Está dizendo que teria reagido da mesma maneira a qualquer homem que soubesse excitá-la? Não. Nunca. Mas precisava de uma proteção. — O que faria se eu dissesse que sim? — Ficaria tentado a espancá-la até deixá-la sem sentidos. — Você não é violento. — É melhor não testar minha paciência. A frieza e o controle do advogado competente haviam desaparecido. E o verniz da sofisticação também deixara de existir. Em seu lugar surgia um homem disposto a lutar, se não fisicamente, ao menos verbalmente, até o final para obter uma resolução. Ali. Naquele momento. Qualquer que fosse o desfecho. — Não podemos deixar esta conversa para amanhã? — Suzanne perguntou. Havia sido uma noite longa e um dia repleto de eventos emocionantes. Ele cruzou os braços sobre o peito. — Não. — Sloane... — Não. Estava exausta. Em espírito, corpo e sentimentos. Tudo que queria era despirse, deitar-se e dormir. Então, quando acordasse na manhã seguinte, o final de semana prolongado teria acabado. Embarcaria na lancha, tomaria o avião de volta a Sídnei e tentaria retomar a vida de onde a deixara. Sem Sloane. — O que quer de mim? — Era um grito atormentado que partia do coração. — Você. Só você. A garganta doía por causa da emoção contida, e seria capaz de jurar que o coração havia parado de bater.

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— Como minha esposa, parceira, companheira, como a metade de minha alma. Pelo resto de minha vida. Encarou-o em silêncio enquanto tentava pensar em meia dúzia de palavras que fizessem sentido. Ele não esperou para ouvir uma resposta. — Tenho uma Nota de Intenção de Casamento em meu bolso. Tudo que precisa fazer é assinar na linha em branco antes da cerimônia amanhã de manhã. — Amanhã? — repetiu assustada. — Você ficou maluco? — Nunca estive mais lúcido. — Mas não podemos... — Tinha de sentar-se, ou acabaria caindo. — Podemos. Conhece os termos da lei tão bem quanto eu. — Parou, tocou seu rosto e deixou o dedo acompanhar o contorno da boca. Depois recuou um passo e interrompeu o contato. — Geórgia e Trenton serão nossas testemunhas. — Espera que eu concorde com isso? Sloane encarou-a por alguns minutos e decidiu jogar a última e definitiva cartada. — Podemos voltar a Sídnei amanhã e dar início aos preparativos para o grande evento do ano. Marque a data, o lugar, organize a lista de convidados, escolha o vestido, informe a imprensa... Se é isso que quer, não me importo. Estou disposto a fazer tudo que estiver ao meu alcance para tê-la a meu lado. Para sempre. Ou... podemos nos casar aqui mesmo dentro de algumas horas, sem o furor dos fotógrafos e jornalistas, sem a interferência da elite australiana. A escolha é sua. A vida com Sloane. A vida sem Sloane. Não havia escolha. Nunca existira uma opção. — Amanhã? — repetiu incrédula. — Amanhã. A mente girava em torno de numerosas implicações. — Você planejou tudo isso. Veio para cá com esse projeto em mente.

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— Planejei me casar com você. O tempo e o lugar nunca foram importantes. — O casamento de Geórgia e Trenton, esta ilha deserta e afastada... Os planos de nossos pais possibilitaram... — A descoberta da verdade — ele terminou. — Mas e se...? Sloane

estava

tenso,

mas

lutava

para

aparentar

calma.

Perdê-la

temporariamente quase custara sua sanidade, e não queria correr novamente o risco de enlouquecer. — Disse que precisava de tempo e espaço — declarou em voz baixa. — Algo que jurei dar... dentro do razoável. Suzanne digeriu as palavras e compreendeu o significado por trás delas. — Tinha tanta fé em mim que foi capaz de assumir esse compromisso? O tremor na voz dela o fez sorrir. Sabia que a tortura chegara ao fim. — Sim. Suzanne viu o amor refletido nos olhos dele e deixou escapar o ar que havia mantido retido nos pulmões. — Obrigada — disse simplesmente. Sloane beijou-a e foi como se o mundo voltasse a girar. Algum tempo depois ele levantou a cabeça e, fitando-a nos olhos, sorriu. — Temos um casamento para organizar. — Mas eu nem tenho um vestido! — Sim, você tem. — Tenho? — Confie em mim. — Eu confio. — Devo deduzir que aceita meu pedido de casamento? — Bem, eu... — Amava-o com toda a força dos sentimentos, mas ainda tinha

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algo a dizer, respostas e explicações que julgava necessárias. — Sloane... Amo você. — Duas palavras. E no entanto, ao pronunciá-las, oferecia mais que o corpo, a alma e o coração. Oferecia toda uma vida de cumplicidade. As mãos dele tremiam quando tocou seu rosto, e sua expressão era totalmente desprovida de artifícios. Alegria, amor, paixão. Sentimentos verdadeiros. E todos dela. Por ela. Para ela. — Obrigado. A raiva, a frustração, o medo e a impotência que Sloane conhecera nas últimas três semanas desapareceram. E sabia que nunca mais voltaria a experimentá-los. Ninguém jamais poderia diminuir o que sentiam um pelo outro, ou destruir o que haviam construído juntos. Não haveria mais dúvidas, nem espaço para inseguranças. Cuidaria disso pessoalmente. Em todos os dias de sua vida. Suzanne viu as emoções estampadas no rosto dele e conseguiu interpretá-las sem nenhuma dificuldade. A resolução, a ternura. O amor. — Sou sua — disse. — Também sou seu. Sempre. Para sempre. — Nesse caso... — Parou e respirou fundo, piscando para conter as lágrimas — creio que amanhã você fará de mim uma mulher honesta. Meu Deus! O que Geórgia e Trenton dirão dessa loucura? — Ficarão felizes por nós, certamente. — Vamos... — Suzanne abraçou-o e beijou-o nos lábios. — Fazer amor? — Ele riu. — Sair para uma caminhada na praia? Mais tarde, é claro. — Andar de mãos dadas ao luar, ouvindo a água beijando a areia e sentindo o perfume das flores na noite tropical. Desfrutando da magia da ilha onde solidão e privacidade eram garantias.

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— É claro. — Isto é, se ainda tiver energia para caminhar — ela brincou. — Está pensando em deixar-me esgotado? — Sloane provocou, tomando-a nos braços e levando-a para a cama. — Talvez... Fizeram amor com o ardor de sempre, porém com um novo componente: a certeza de que repetiriam a experiência por muitos e muitos anos, até o fim de suas vidas. Suzanne estava cochilando com a cabeça apoiada no peito musculoso quando ouviu uma risada divertida. — O que foi? — perguntou sonolenta. — Qual é a graça? — Acho que aquele passeio ao luar vai ter de ficar para uma próxima oportunidade. Devagar, abriu os olhos e notou que as luzes do amanhecer começavam a tingir o mundo de dourado. Ou dormira mais do que imaginava, ou fizeram amor por mais tempo do que havia percebido. — Bem, podemos substituir o passeio por um mergulho matinal — sugeriu. Ergueu a cabeça e, notando o sorriso debochado que distendia seus lábios, fingiu indignação. — O que foi? Acha que não sou capaz de nadar? — Não sei. Acho melhor ir junto, caso corra o risco de afogamento. — Oh, é claro. E você é um exemplo de energia e vitalidade esta manhã! — Deslizou os dedos por seu peito, sentiu os músculos enrijecerem e criou um desenho provocante e repetitivo com as unhas até alcançar o umbigo. — Continue descendo, e não responderei pelas conseqüências — ele a preveniu com voz rouca. — Estava apenas verificando — Suzanne respondeu com tom malicioso, rindo

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ao ser agarrada pelos braços e puxada sobre o tórax poderoso. — Tem certeza de que quer ir nadar? — Não... Sim... Sloane, se não formos dar um mergulho imediatamente, nunca mais sairemos deste chalé. Levantaram-se, vestiram os trajes de banho e saíram. O silêncio do amanhecer era impressionante. Nem os pássaros cantavam, nem a brisa entoava sua canção por entre as folhas das árvores, e até mesmo as ondas do mar chegavam mansas à praia, como se temessem despertar a natureza. Um novo dia, ela refletiu, vendo as cores se tornarem mais intensas à sua volta. Areia branca, mar azul, céu limpo... O ar era morno sem o calor abrasador do sol. No horizonte, a imensa bola de fogo começava a surgir trazendo com ela a claridade intensa da luz, e foi nesse momento que as aves começaram a acordar. Sloane viu a admiração estampada em seu rosto e sorriu. — Quer caminhar um pouco pela praia? Ela se virou devagar e sorriu. — Quer dizer mergulhar os pés na areia molhada, colher conchinhas e contar ondas? — Comungar com a natureza, e talvez trocar o mergulho por um confortável banho morno? Suzanne riu. — Covarde! — provocou. — Um mergulho na água fria, um café da manhã nutritivo... E tudo de que precisamos para começar o nosso dia. O dia mais importante de nossas vidas. — Bem, se acha mesmo que o mergulho é importante... — Sloane, o que vai fazer? — gritou, sentindo que ele a tomava nos braços e corria para o mar. — Não se atreva, ou eu...

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Fria. Gelada. O café da manhã ficou para depois do banho morno. E depois da refeição, os eventos começaram a acontecer com velocidade espantosa. O celebrante nem piscou quando foi solicitado a realizar mais uma cerimônia. Geórgia e Trenton ficaram encantados com a notícia. O gerente do restaurante mostrou-se solícito diante da solicitação de um pequeno, porém suntuoso banquete para o meio-dia. Suzanne não conseguiu esconder a surpresa quando Geórgia removeu do guarda-roupa um lindo vestido em seda branca com sapatos forrados no mesmo tecido e um finíssimo véu de renda. O plano de Sloane era perfeito. Emocionada, tocou o véu com a ponta dos dedos. — É lindo! — Perfeito em todos os sentidos. — Mamãe, você...? — Quer saber se ajudei a escolher a roupa? Juro que não. — Não vai perguntar se tenho alguma dúvida? — Não. Você é minha filha. Sei que não teria aceito o pedido de Sloane se não tivesse certeza do que sente por ele. Geórgia tinha razão. Amava Sloane com uma força e uma certeza que estavam muito além de qualquer dúvida ou insegurança. Sorrindo, sentou-se diante do espelho e começou a cuidar da maquiagem. Eram quase onze e meia quando ajustou o véu e parou novamente diante do espelho. — Você está encantadora — Geórgia sorriu emocionada. — Pelo amor de Deus, não comece a chorar — Suzanne implorou. —- Ou vou acabar chorando também, e então teríamos de retocar a maquiagem e perderíamos um tempo precioso. Sloane ficaria preocupado e mandaria Trenton em nosso encalço. Trenton também se emocionaria, e Sloane o seguiria acompanhado pelo

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celebrante. Já imaginou que cena terrível? Além do mais, se aparecermos com os olhos vermelhos e inchados, alguém pode pensar que o casamento apressado é na verdade um seqüestro, ou algum outro tipo de coação, e então a polícia seria chamada e... — Suzanne, pare! Já entendi. Não vou chorar, está bem? Juro. Agora pare de dizer tolices e trate de se apressar, ou chegará atrasada ao seu casamento. As mesas em uma extremidade do restaurante foram removidas para dar espaço a um elegante arco de flores em tons de rosa. A música suave brotava do equipamento de som, e um tapete vermelho fazia as vezes de corredor. Suzanne respirou fundo, aceitou o abraço da mãe, e depois começou a caminhar na direção do arco sob o qual Sloane a esperava. Trenton e o celebrante sorriam. Era como se o tempo houvesse parado. Os olhos encontraram os do homem amado. Tudo desapareceu e o brilho daqueles olhos guiou seus passos. Só havia ele. Mais ninguém. Mais nada. Sloane segurou sua mão e levou-a aos lábios para um beijo amoroso. O juiz começou a recitar as palavras de praxe, relacionando as responsabilidades que teriam daquele momento em diante e proclamando-os marido e mulher depois da troca das alianças. — Pode beijar a noiva. Sloane ergueu o véu com cuidado e segurou seu rosto com as mãos. Os lábios pousaram sobre os dela num toque suave e repleto de promessas. Mais tarde beberam champanhe em taças de cristal delicado, posaram para as fotos e sentaram-se à mesa para o almoço a quatro. Comeram lagosta, saladas variadas, frutas e torta de creme, e o incrível bolo decorado com glacê. Depois dos brindes, beberam café e conversaram. Aquele devia ter sido o menor casamento que já existira, Suzanne imaginou

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quando saíram do restaurante. Era triste, mas o idílio romântico chegava ao fim, pois em meia hora a lancha partiria para Dunk, onde o jato da família esperava para levá-los de volta a Sídnei. No interior do chalé, Sloane abraçou-a e beijou-a. — Acho que não temos tempo para isso — Suzanne comentou agitada. — Depende de sua definição de isso — ele a provocou, deixando os lábios deslizarem por seu rosto. — Temos de mudar de roupa e fazer as malas, e só dispomos de trinta minutos —- ela sussurrou, tentando controlar o ardor que começava a queimá-la por dentro. — Mudar de roupa, sim, mas fazer as malas... Esqueça. — Mas... — Vamos ficar aqui. — Ficar? Como? Tenho de voltar ao trabalho amanhã, e você deve ter julgamentos marcados para os próximos... nem imagino quantos dias. É impossível. — Não é. Só precisei dar alguns telefonemas. — Mas não pode... — Posso. E já tomei todas as providências. — Meu emprego... — Está seguro. Pelo menos enquanto o quiser. — Sloane! O que disse a eles? — A verdade. Você tem uma semana de licença matrimonial com os desejos de felicidades de seu chefe e de todos os colegas. Obter uma semana de licença de um emprego em um escritório repleto de advogados competentes e prontos para substituí-la era viável, mas a posição de Sloane era bem diferente. — E quanto ao seu trabalho?

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— Já ouviu falar em planejamento? Adiantei algumas audiências, cobrei alguns favores... — Quanto tempo? — Não podia sonhar com mais de dois ou três dias. — Só terei de me apresentar ao tribunal na sexta-feira. — Oh, Sloane! Isso é maravilhoso! Amo você. Mais tarde pretendo mostrar o quanto... — Isso é uma promessa? — Oh, sim! Mas agora, vamos mudar de roupa e acompanhar Geórgia e Trenton até o cais. — E depois? — O dia do casamento é muito especial para uma mulher. Algo que deve ser lembrado para sempre, até o fim da vida. — Levantou as mãos e começou a contar. — Champanhe, valsa, buquê... Planejou a primeira metade do dia. Está disposto a deixar a segunda metade comigo? Sloane beijou-a e sorriu. — Estou em suas mãos.

CAPITULO XI Suzanne e Sloane acenaram abraçados para a lancha que se afastava. Depois ele sugeriu: — Vamos dar um passeio pela praia. Mas nada de escalar rochas ou nadar. — Quer preservar as energias? — As suas e as minhas. — Ele sorriu, notando as olheiras que cercavam seus olhos. Andaram pela areia macia até o primeiro paredão de pedras, de onde retornaram sem pressa. A piscina parecia convidativa, e nadaram juntos antes de se

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deitarem ao sol para secarem os corpos. Suzanne dormiu e sonhou com eventos isolados sem nenhuma coerência, e acordou com a carícia suave dos dedos passeando sobre sua pele. O sol estava baixo no céu, e sombras longas aprofundavam o tom cintilante da areia. — É tarde. — Isso importa? — Sloane perguntou sorrindo. Ela se levantou de um salto. — Temos reservas para o jantar dentro de meia hora — anunciou depois de consultar o relógio. — Venha, vamos nos preparar. Conseguiram chegar ao restaurante na hora marcada e sentaram-se no terraço com vista para o mar. Suzanne pediu champanhe, examinou o cardápio com Sloane e juntos optaram por uma refeição leve composta por peixe fresco, salada e frutas. Comeram sem pressa, alimentando o corpo e o espírito. A antecipação era um afrodisíaco poderoso, e por isso agiam devagar, adiando o retorno ao chalé. Havia música suave ao fundo, e ela sorriu quando Sloane levantou-se e estendeu a mão. — Lembro-me de tê-la ouvido dizer alguma coisa sobre uma valsa... O paraíso não podia ser melhor, decidiu sonhadora ao mergulhar nos braços do marido. Sloane abraçou-a e respirou aliviado. A vida sem ela havia sido um tormento, uma provação que quase o levara à loucura, mas agora o castigo terminara. Definitivamente. Suzanne devia ter idéia de quanto era importante para ele. Desde o primeiro instante soubera que ela era especial. Cortejá-la devia ter sido fácil, mas não pudera saber com certeza, porque nunca tivera de conquistar

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uma mulher. Eram todas disponíveis, uma verdadeira coleção completamente ao seu dispor. Mas Suzanne havia sido diferente. Não existira um único instante de representação ou fachada, nem jogos ou chantagem emocional. Apenas a honestidade de uma alma corajosa e forte. Pensando bem, movera-se depressa demais. A imagem conquistada pelo nome Wilson-Willoughby havia sido um prejuízo em sua vida pessoal, porque em vez de conferir facilidades e vantagens, levara-o a ser mais cauteloso que a maioria dos homens. Na noite em que entrara na cobertura vazia e descobrira que ela havia partido, sentira-se morrer um pouco. Aquela havia sido a pior noite de sua vida. No espaço de poucos minutos conhecera o medo, a perda e o rancor, todos com uma intensidade que jamais imaginara ser possível. O bilhete que encontrara não continha um número de telefone, nem um endereço, e nenhuma maneira de localizála até às oito da manhã seguinte, quando invadira seu escritório. — É hora de jogar o buquê. Sorrindo, deixou que ela escapasse de seus braços para ir buscar um pequeno ramalhete de hortênsias no vaso sobre a mesa. — Para quem pretende jogá-lo? — Boa pergunta. Para o garçom? Talvez a garçonete do bar. Tudo que teve de fazer foi erguer a mão, fazer o pedido, e em cinco minutos havia uma fila de empregados do hotel esperando pelo buquê da noiva. — Não é realmente um buquê. — E daí? Duvido que alguém se importe com isso. Rindo, Suzanne jogou as flores para trás e ainda teve tempo de vê-las divididas entre dois pares de mãos. Depois ela se virou para Sloane e seus olhos brilharam com uma luz diferente. — Agora podemos ir. Havia uma lua cheia no céu, e na metade do caminho ela parou para beijá-lo,

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transformando o gesto impulsivo em algo muito mais sensual. Tinham quase uma semana de dias e noites de amor e paixão pela frente, Suzanne refletiu quando chegaram ao chalé. Tempo que seria dedicado ao romance antes de retornarem à realidade de uma cidade atribulada e ao ritmo de vida frenético que levavam. Por alguma razão, as obrigações sociais já não pareciam tão assustadoras. Sloane acendeu a luz e ela parou aturdida. O interior do chalé estava literalmente tomado por rosas vermelhas. O perfume das flores pairava no ar. Era impossível conter as lágrimas. Devagar, virou-se para fitá-lo sem tentar esconder a emoção. — Enquanto estava cuidando dos seus planos para este dia tão especial, também tomei algumas providências — ele confessou num sussurro rouco. — Uma dúzia de rosas para cada ano que pretendo passar a seu lado. — Oh, Sloane! Amo você. Muito! Sempre amei e sempre amarei. — Eu sei. Foi essa certeza que me impediu de enlouquecer.— Depois de beijála, tomou-a nos braços e começou a subir a escada. — Por que não me põe no chão? — Porque o noivo deve carregar a noiva através da soleira. — Mas já passamos pela porta! — E agora vamos passar pela soleira do tempo. Vamos entrar no futuro. Um futuro que será como este quarto, meu amor. — E apontou para a cama coberta por pétalas de rosas. — Perfumado e florido. Repleto de amor, cumplicidade e confiança. E acima de tudo feliz. Fizeram amor sem pressa, deitados sob as pétalas perfumadas. Suzanne tinha certeza de que jamais esqueceria a experiência, não só pelo romantismo e pela data que marcava, mas pela felicidade e pelo amor que inundavam seu peito.

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Depois do êxtase, deitou-se sobre o peito de Sloane e fechou os olhos. Queria ficar assim para sempre. Perto dele, sentindo que poderiam viver sempre emoções intensas e positivas. — Amo você — ele murmurou. — Não poderia suportar uma vida sem você. Agora tenho tudo que quero. E mais. Muito mais. — Eu também. Obrigada. Por hoje, pelas rosas... Por tudo. Especialmente por você. — Foi um prazer agradá-la. — Ele riu, virando-se para beijá-la. Sabia que o prazer era mútuo. Sempre seria.

* * * *

HELEN BIANCHIN adora escrever histórias de amor. Ela se inspira nas pessoas ao seu redor e nos casais de namorados que conhece para escrever magníficas tramas de paixão, desencontros, descobertas e final feliz.

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