Poder do Coração In Petraskis's Power
Maggie
Cox
Um acordo inconveniente... Para assegurar o futuro da sua família, Natalie Carr precisa fazer um acordo com o diabo. Ainda que não confie em Ludo Petrakis, a química entre os dois a deixa sem ar e sem forças. Natalie aceita a proposta indecorosa de Ludo: viajar para Grécia como noiva dele! No entanto, à medida que a fronteira entre fantasia e realidade se torna mais tênue, ela começa a notar algumas brechas na armadura de autocontrole dele. Resistir á atração será uma missão impossível... Digitalização: Simone R Revisão: Cassia
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Querida leitora, As heroínas de Jessica 214 se envolvem com dois homens poderosos pelo bem dos negócios de suas famílias. Em Aliança do desejo, Leah Holt assume o lugar de sua irmã no altar e se casa com Alex Kouros para salvar a empresa de seu pai, e a dela. A paixão de adolescente que sentia por ele nada tem a ver com isso ou, pelo menos, é do que ela tenta se convencer... Em Poder do coração, Natalie Carr conhece e se encanta por Ludo Petrakis um pouco antes de descobrir que ele pretende comprar a empresa de seu pai por preço de banana. Que belo balde de água fria! Mas Ludo resolve aumentar o valor da proposta, desde que Natalie esteja incluída no pacote! Boa leitura! Equipe Editorial Harlequin Books Tradução Celina Romeu HARLEQUIN 2013 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: HIS RING IS NOT ENOUGH Copyright © 2013 by Maisey Yates Originalmente publicado em 2013 por Mills & Boon Modern Romance Título original: IN PETRAKIS’S POWER Copyright © 2013 by Maggie Cox Originalmente publicado em 2013 por Mills & Boon Modern Romance Projeto gráfico e arte-final de capa: Núcleo i designers associados Editoração Eletrônica: ABREU'S SYSTEM Impressão: RR DONNELLEY
www.rrdonnelley.com.br Distribuição para bancas de jornal e revistas de todo o Brasil: FC Comercial Distribuidora S.A.
Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4° andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Contato: virginia.rivera@harlequinbooks.com.br
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CAPÍTULO UM
— Passagem, por favor. Tendo acabado de se deixar cair no assento depois de uma corrida louca para pegar o trem, afobada e acalorada, Natalie Carr mergulhou a mão na grande bolsa vermelha de couro e abriu o zíper de um compartimento interno para pegar a passagem. E o susto de descobrir que não estava lá foi equivalente à queda de uma escadaria. Com o coração disparado, ela ergueu a cabeça e sorriu, desculpando-se com o cobrador. — Desculpe. Sei que está aqui em algum lugar. Mas não estava. Tentou desesperadamente se lembrar de sua ida de último minuto ao toalete antes de correr para a plataforma e pegar o trem e percebeu, horrorizada, que, depois de checar o número de sua poltrona, deixara a passagem de primeira classe sobre a prateleira de vidro abaixo do espelho enquanto retocava o batom. Sentindo-se ligeiramente nauseada depois que outra busca na bolsa mostrou que a passagem não estava lá, deixou escapar um suspiro frustrado. — Lamento, mas parece que perdi minha passagem, acho que a esqueci no toalete. Se o trem já não estivesse se movendo, voltaria e procuraria. — Sinto muito, senhorita, mas, a menos que pague por outra passagem, terá que descer na próxima parada. Também terá que pagar a passagem até lá. O tom autoritário do cobrador de cabelo grisalho e rosto vermelho demonstraram claramente que não aceitaria nenhum pedido para compreender e reconsiderar. Natalie desejou ter tido a precaução de levar dinheiro com ela, mas não levara. O pai havia lhe enviado a passagem do nada, acompanhada de um bilhete preocupante em que lhe implorava para não “deixá-lo” em sua “hora de necessidade” e aquilo a fizera tremer de medo. Assim, sem pensar, pegou a bolsa com apenas um pouco de dinheiro em vez da carteira onde guardava seu cartão de crédito. — Mas não posso descer na próxima parada. Preciso muito estar em Londres hoje. Não pode anotar meu nome e endereço e permitir que eu lhe mande o dinheiro da passagem quando chegar em casa? — Lamento, mas é política da empresa. — Eu pago a passagem da dama. É ida e volta? Pela primeira vez ela percebeu o outro passageiro no compartimento. Estava sentado diante de uma pequena mesa no lado oposto do vagão. Embora estivesse em pânico com a perda da passagem, não conseguia acreditar que não o tivesse visto de imediato. Se o tentador perfume de sua colônia cara não revelasse que era um homem rico e com um bom gosto impecável, o terno cinzento de listras finas, claramente um Armani, certamente mostraria. Mesmo sem aqueles atributos atraentes, sua aparência era impressionante. Além de cabelos louros levemente ondulados, uma pele dourada pelo sol e olhos claros cor de safira, uma covinha no queixo dava o toque final e provocante no indubitável sex appeal do homem. Olhar para aquele rosto esculpido era como ter uma visão de um retrato magnífico pintado por um dos grandes mestres. Uma onda de calor chocante e perturbadoramente íntima fez cada músculo do corpo de Natalie endurecer. Se já não estivesse com a guarda erguida, certamente estaria agora. Não conhecia o homem ou seu motivo para se oferecer para pagar sua passagem e lembrou a si mesma que os jornais estavam cheios de notícias apavorantes sobre mulheres ingênuas sendo enganadas por homens supostamente “respeitáveis”. 3
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— É muito gentil, mas não posso aceitar. Não o conheço. A resposta veio numa voz educada, com o leve traço de um sotaque que Natalie não identificou. — Vamos primeiro tirar do caminho a questão da passagem. Então me apresentarei. — Mas não posso deixá-lo pagar a minha passagem. Realmente não posso. — Já disse que é muito importante para você chegar a Londres hoje. Então, por que recusar ajuda quando é oferecida? Não havia dúvida que estava num beco sem saída e aquele belo estranho sabia. Mas Natalie ainda resistia. — Sim, preciso chegar a Londres. Mas nós não nos conhecemos. — Não sabe se pode confiar em mim? O sorriso meio divertido a fez se sentir ainda mais gauche. — Quer uma passagem ou não, senhorita? — O cobrador estava visivelmente exasperado com a demora dela. — Acho que não. — A dama certamente quer uma passagem. Obrigado — interferiu o estranho de imediato. Seu protesto não havia sido considerado. O homem não só tinha a beleza de um Adônis moderno como o timbre de sua voz era como fumaça de carvalho, atraente e inegavelmente sexy. Natalie se viu enfraquecendo perigosamente. — Certo, se tem certeza? A necessidade de chegar a Londres era grande demais e superou sua desconfiança. Além disso, seu instinto lhe disse que o homem era totalmente sincero e não constituía nenhum tipo de ameaça. Rezava para que seu instinto estivesse correto. Enquanto isso, o cobrador olhava para eles, perplexo, como se não conseguisse acreditar que aquele homem bonito e elegante insistisse em pagar a passagem de uma completa estranha. Afinal, pensou Natalie, com suas roupas casuais, o longo cabelo castanho sem um corte moderno, praticamente sem maquiagem, não era o tipo de mulher que atraísse um homem tão bem-vestido e rico e bonito como aquele. Mas se a sombra cor de fumaça que usara para enfatizar seus grandes olhos cinzentos tivesse ajudado a criar a ilusão de que era atraente; então Natalie estava agradecida. Porque sabia que não tinha escolha a não ser aceitar a gentileza. Era vital que se encontrasse com o pai. Não conseguia esquecer o tom desolado da voz dele quando telefonara para confirmar que havia recebido a passagem de trem e ele reiterara sua urgente necessidade de vê-la. Era tão diferente dele, admitir uma fraqueza humana que sugeria que era tão falível e frágil como todo mundo. Sempre soubera sempre que era. Uma vez, há muito tempo, ouvira sua mãe acusálo, furiosa, de ser incapaz de amar alguém ou de precisar de alguém. Seu negócio e seu impulso para aumentar a riqueza eram seus verdadeiros amores, declarara, e Natalie não duvidava que sua obsessão pelo dinheiro tivesse sido um fator muito importante para a separação do casal. Quando, depois do divórcio, a mãe tomara a decisão de voltar para Hampshire, onde vivera grande parte de sua juventude, Natalie, então com 16 anos, escolhera partir com ela. Por mais que amasse o pai e soubesse como ele era encantador e afável, Natalie também sabia que era imprevisível demais e que não podia confiar nele. Mas, nos últimos anos, depois de visitá-lo sempre que podia; se convencera de que em seu coração ele sabia que o dinheiro não era capaz de substituir a família, que não tinha ninguém que amava a seu lado. De vez em quando, percebia a solidão e o arrependimento em sua expressão por estar separado das pessoas amadas. Sua tendência de compensar a dor com a freqüente
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companhia de mulheres jovens e atraentes não o ajudava a se sentir mais feliz. Confirmara isto nas suas diversas visitas nos últimos dois anos. Ele parecia insatisfeito com tudo, até mesmo com a cadeia de pequenos hotéis de luxo que era um sucesso fenomenal e que lhe fizera a fortuna. — Apenas de ida — disse ao atraente estranho, que não parecia perturbado com a demora dela para decidir se aceitaria ou não a oferta de ajuda. — E não precisa ser de primeira classe. Meu pai mandou a passagem, mas posso muito bem viajar na segunda, como sempre. Não conseguia disfarçar seu constrangimento enquanto observava o homem entregar o cartão de crédito ao cobrador. Sentiu-se ainda pior quando ele deliberadamente a ignorou e pediu uma passagem na primeira classe. Natalie esperava que ele acreditasse na sua explicação sobre a passagem ter sido enviada pelo pai. Afinal, não se parecia com uma viajante de primeira classe. Típico de o pai aumentar seu desconforto ao fazer um gesto grandioso e tão desnecessário. Ele sempre viajava na primeira classe e por isso automaticamente pagou para a filha fazer a mesma coisa. Quando o satisfeito cobrador entregou a passagem ao homem e lhes desejou boa viagem antes de deixar o compartimento, o estranho sorriu e estendeu-a a Natalie. Ela ficou contente por estarem apenas os dois ali porque, se alguém fosse testemunha do incrível ato de cavalheirismo daquele homem, ficaria duplamente desconcertada. Recebeu a passagem com o rosto ruborizado e rezou para aquelas emoções profundas se acalmarem. — Isso foi tão gentil. Obrigada. Muito obrigada! — Foi um prazer. — Pode escrever seu nome e endereço para eu lhe enviar o que devo? — Já estava procurando na enorme bolsa vermelha de couro uma caneta e um bloco. — Temos muito tempo para isso. Por que não resolvermos tudo quando chegarmos a Londres? Sem saber o que dizer e exausta pela tensão crescente, Natalie colocou a bolsa no assento ao lado e exalou um suspiro pesado. Seu companheiro de viagem sorriu; encantador. — Por que não afastamos este constrangimento entre nós e nos apresentamos um ao outro? — Certo. Meu nome é Natalie. Não sabia por que não dissera o nome todo. Então ficou aborrecida ao perceber que estava ligeiramente tonta com a beleza dele. O que achava que estava fazendo? Quanta vez se zangara com uma amiga quando ela parecia perder todo o juízo ao conversar com um homem bonito e bem-vestido e se convencia de que ele a achava a garota mais bonita do mundo? Esse tipo de tolice não fazia seu tipo. Preferia ficar solteira pelo resto da vida a se iludir pensando que era uma coisa que não era. — E eu sou Ludovic. Mas minha família e meus amigos me chamam de Ludo. — Ludovic? Bem incomum. — É um nome de família. E Natalie? É um nome herdado? — Não. Era o nome da melhor amiga de minha mãe na escola que morreu quando era adolescente. Minha mãe me deu seu nome como uma homenagem. — Um gesto muito bonito. Se não se importa que eu faça um comentário, há alguma coisa em você que sugere que não é totalmente inglesa. Estou certo? — Sou meio grega. Minha mãe nasceu e cresceu em Creta e veio para a Inglaterra trabalhar quando tinha 17 anos. — E seu pai? — Ele é inglês, de Londres.
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O enigmático Ludo ergueu uma divertida sobrancelha dourada. — Então tem no sangue o calor do Mediterrâneo e as temperaturas geladas do Tamisa? Intrigante. — Esta é com certeza uma forma original de descrever. Lutando para não demonstrar seu aborrecimento com o comentário e se perguntando como deixá-lo saber sem ofendê-lo, já que precisava de um pouco de tempo em silêncio antes de chegar a Londres, Natalie franziu a testa. — Estou vendo que a ofendi. Perdão, não era a minha intenção. — Não, não é isso. Eu apenas... Apenas preciso pensar antes do meu compromisso. — É uma reunião de trabalho? Ela sorriu. — Eu lhe disse que meu pai me mandou a passagem de trem, não disse? Bem, vou me encontrar com ele. Não o vejo há cerca de três meses e quando nos falamos pela última vez ele estava muito preocupado com alguma coisa. Apenas espero que não seja sua saúde. Ele já sofreu um infarto. — Lamento. Ele mora no centro de Londres? — Sim. — Mas você vive em Hampshire? — Sim, numa pequena cidade chamada Stillwater, com minha mãe. Conhece? — Com certeza. Tenho uma casa que fica a menos de oito quilômetros de lá, num lugar chamado Winter Lake. — Oh! Winter Lake era conhecido como um dos mais exclusivos enclaves de Hampshire. Os moradores de Stillwater se referiam a ele como o Bairro dos Bilionários. A avaliação inicial de Natalie, de que Ludovic era um homem rico, tinha sido precisa e não sabia o motivo, mas isto a fez se sentir estranhamente inquieta. Ele se debruçou um pouco para frente, descansou a mão no braço da poltrona e ela percebeu o grosso anel de ouro e ônix que usava no dedo mínimo. Parecia ser uma relíquia de família. Mas logo foi atraída pelo assombroso olhar de safira. — Suponho que seus pais sejam divorciados, se vive com sua mãe. — Sim, são. Mas esta noite vou dormir na casa do meu pai. Temos muito que conversar. — Vocês são próximos. Você e seu pai? A pergunta inesperada a surpreendeu. Natalie olhou por um momento para aqueles ilegíveis olhos azuis, cercados por longos cílios de um dourado mais escuro, e não soube como responder. — Éramos muito próximos quando eu era mais jovem. Depois do divórcio, foi... Bem, foi muito difícil. Mas nosso relacionamento melhorou nos últimos dois anos. De qualquer maneira, é o único pai que tenho e gosto muito dele. E é por isso que estou ansiosa para chegar a Londres e descobrir o que o está aborrecendo tanto. — Posso ver que é uma filha devotada e bondosa. Seu pai é um homem realmente afortunado por ter você se preocupando com ele. — Eu tento ser gentil e devotada. Mas, para ser franca, há momentos em que não é fácil. Ele pode ser imprevisível e nem sempre fácil de compreender. — Ruborizou com a confissão. Por que estava fazendo aquilo, contando uma coisa tão pessoal para um perfeito estranho? Tentou mudar de assunto. — Você tem filhos? Quando viu o sorriso irônico dos lábios perfeitamente esculpidos, arrependeu-se. Talvez tivesse atravessado um limite invisível. — Não. Acredito que filhos precisam de um ambiente estável e firme e no momento minha vida é exigente e ocupada demais para proporcionar uma situação assim. — E você deveria estar num relacionamento firme também, não é? Os olhos azuis e magnéticos de Ludo brilharam por um momento, como se estivesse
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se divertindo, mas Natalie percebeu que não tinha pressa em revelar a ela seu status romântico. E por que deveria? Afinal, era apenas uma garota comum que ele havia ajudado porque perdera sua passagem para Londres antes de entrar no trem. Como uma perfeita idiota. — Sim. A resposta curta era intrigante. Sentindo-se incomodada ao pensamento de continuar a conversa, Natalie reprimiu um bocejo e imediatamente o usou para escapar da rota que inconscientemente buscava. — Acho que vou fechar os olhos por um momento, se não se importa. Saí para jantar com uma amiga ontem à noite para celebrar seu aniversário e voltei tarde para casa. A falta de sono agora me atingiu. — Vá em frente, tente descansar um pouco. Eu tenho trabalho a fazer. — Ludo fez um gesto em direção ao laptop prateado, aberto sobre a mesa diante dele. — Conversaremos depois. Estranhamente, as palavras soaram como uma promessa. Com a lembrança da voz rouca e atraente lhe passando pelo corpo, como uma deliciosa brisa quente, Natalie se recostou no assento luxuoso, fechou os olhos e dormiu imediatamente. No grande jardim da casa de Londres de sua infância, ela gritava de excitação enquanto o pai a girava e girava no ar. — Pare papai, pare! Está me deixando tonta! Enquanto girava, via o céu azul de verão, e o sol lhe aquecia o rosto com uma sensação tão grande de bem-estar que poderia abraçar á si mesma. Ao fundo, o canto encantador dos pássaros enchia o ar, num coro inigualável. O idílio foi interrompido pela voz da mãe, chamando-os para o chá da tarde. O sonho emocionante acabou tão abruptamente como começara. Natalie se sentiu infeliz por não conseguir retomá-lo. Quando era pequena, acreditava realmente que a vida era maravilhosa. Sentia-se segura, amada, e os pais sempre pareceram tão felizes juntos. Pouco depois de a lembrança do sonho começar a se desfazer, o som de portas se abrindo a acordou a tempo de ver uma funcionária da estrada de ferro entrar no compartimento com um carrinho com alimentos e bebidas. Era uma mulher jovem e esguia, com cabelos ruivos presos e um sorriso alegre. — Gostaria de alguma coisa para comer ou beber, senhor? — perguntou a Ludo. Animado, ele se virou para Natalie com as sobrancelhas erguidas. — Vejo que voltou à terra dos vivos. Está pronta para um café e um sanduíche? É hora do almoço. — É mesmo? — Sentindo-se meio grogue, ela se esticou e automaticamente verificou as horas. Ficou impressionada ao perceber que havia dormido por quase uma hora. — Uma xícara de café será ótima. — E abriu a bolsa para pegar dinheiro. — Guarde seu dinheiro. — Ludo franziu a testa. — Vou pagar por isto. Como gosta do seu café? Preto ou com leite? — Com leite com um torrão de açúcar, por favor. — E o sanduíche? — Virou-se para a atendente. — Posso ver o cardápio? Quando a moça lhe estendeu o cardápio, ele o passou imediatamente para Natalie. Ela ia dizer que não estava com fome quando o estômago roncou alto. O rosto ruborizou e ela olhou para a lista dentro de uma fina capa de couro, com as letras douradas. — Vou querer um sanduíche de presunto com mostarda dijon e pão branco, por favor. Obrigada. — Prepare dois desses, um café preto e um café com leite. — E então esperou até ela arrumar as bebidas e os sanduíches sobre a mesinha e então partir. — Você pareceu um pouco perturbada enquanto dormia.
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Natalie congelou. Lembrou-se do sonho e temeu ter dito alguma coisa com a sensação tão real do pai a girando e girando no ar. — Quer dizer que falei dormindo? — Não. No entanto, estava roncando suavemente. Agora ela realmente desejou que o chão se abrisse e a engolisse. O trem passava pela paisagem campestre, linda e rica, mas ela mal a notou, tão aborrecida ficou. — Eu não ronco, jamais ronquei. — Percebeu que Ludo ainda sorria e acrescentou insegura: — Pelo menos, não que eu saiba. — Seu namorado provavelmente é educado demais para lhe contar. — E tomou um gole cuidadoso do café preto. O coração dela bateu com força à insinuação. Nem um pouco divertida, ela o observou. — Não tenho namorado. E, mesmo se tivesse, não devia presumir que... — E não conseguiu continuar diante do brilho perturbador dos olhos elétricos de Ludo. — Dormiriam juntos? — A voz lenta era suave. Ansiosa para não revelar como era inexperiente e ingênua a alguém que era tão claramente um sofisticado homem do mundo e tão acima dela socialmente, Natalie mordeu o sanduíche e rapidamente mexeu o açúcar em seu café com leite. — Isto é muito bom. Não percebi como estava com fome. Mas suponho que se deva ao fato de não ter tomado café da manhã. — É importante tomar sempre o café da manhã. — É o que minha mãe sempre diz. — Você me disse que ela é de Creta? A pergunta mais inócua aliviou um pouco o constrangimento. Embora tivesse visitado Creta apenas duas vezes, havia crescido ouvindo as encantadoras histórias da mãe sobre sua terra natal e ficaria feliz de falar sobre ela até o final dos tempos. — Isso mesmo. Já esteve lá? — Sim, é uma ilha linda. — Estive lá apenas duas vezes e adoraria voltar. — Os olhos cinzentos brilharam. — Mas, de alguma forma, o tempo passa e o trabalho e outros compromissos me impedem. — Tem uma carreira exigente? Natalie sorriu. — Não é propriamente uma carreira, mas gosto do que faço. Mamãe e eu dirigimos uma pequena pensão que serve apenas o café da manhã e faz muito sucesso. Estamos sempre ocupadas. — E do que gosta mais no trabalho? Os assuntos práticos do dia a dia, como receber hóspedes, fazer as camas e cozinhar? Ou talvez prefira o lado administrativo? Gostaria de dizer que gostava do que fazia porque o pai tinha um negócio de muito sucesso com sua cadeia de hotéis pequenos e exclusivos. Enquanto crescia, ele lhe dera algumas dicas muito úteis. — Na verdade, um pouco dos dois. Mas é minha mãe que geralmente recebe e acolhe os hóspedes. É uma excelente anfitriã e cozinheira e os hóspedes simplesmente a adoram. Sou responsável pelo lado administrativo das coisas, como garantir que tudo corra sem problemas. Suponho que é mais natural para mim do que para ela. Os atraentes olhos de safira de Ludo enrugaram nos cantos quando ele sorriu. — Então gosta de estar no comando? O comentário despertou uma sensação de inquietude, de vago embaraço. Talvez ele achasse que estava se gabando? — Isso faz parecer que sou autoritária e controladora? Ludo balançou a cabeça. — De jeito nenhum. Por que se sentir na defensiva sobre a capacidade de tomar decisões quando a situação exige, especialmente nos negócios? Uma empresa
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dificilmente terá sucesso se alguém não assumir o comando. Em minha opinião, é um atributo admirável e necessário. — Obrigada. Mesmo enquanto admitia; tímida o elogio inesperado, Natalie percebeu que Ludo não havia contado praticamente nada sobre si mesmo e, ao mesmo tempo, descobrira muito sobre ela e sua vida. Seria um psicólogo? A julgar por sua maneira confiante e roupas caras, qualquer que fosse sua profissão, devia ganhar uma fortuna. Soube que queria descobrir mais sobre ele. Que mulher saudável não se interessaria por um homem tão atraente? Talvez fosse a hora de virar a mesa e lhe fazer algumas perguntas. — Você se importa se lhe perguntar o que faz para viver? Ludo piscou, então olhou para frente por um momento que pareceu interminável antes de virar a cabeça e lhe lançar um daqueles sorrisos magnéticos. O coração dela pulou enquanto seu olhar foi capturado pelo dele e o manteve cativo. — Meus negócios são diversificados. Tenho interesses em tantas coisas diferentes, Natalie. — Mas você dirige uma empresa? Ele deu de ombros de uma forma que a deixou desconcertada. Por que estava sendo tão evasivo? Achava que conversava com ele apenas porque parecia rico? A própria idéia a incomodou, especialmente quando ele demonstrara uma gentileza tão rara ao lhe pagar a passagem de trem. Nem um homem em mil teria sido tão generoso para com uma perfeita estranha. — Prefiro não estragar esta viagem inesperadamente agradável com você falando sobre o que faço. Além disso, gostaria muito mais de falar sobre você. — Já lhe contei o que faço. — Mas o que faz Natalie, não é quem você é. Gostaria de saber um pouco mais sobre sua vida, as coisas que a interessam e por quê. Ela ruborizou. Uma afirmação tão ousada e inesperada a deixou atônita por um segundo junto com a admissão de que estava gostando de viajar com ela. E a fez se sentir estranhamente tonta de prazer. Lembrou-a da primeira vez em que fora beijada por um colega do ensino médio por quem tivera uma forte paixonite. Seu interesse nele durara apenas alguns meses, mas jamais esquecera a fisgada de forte excitação daquele beijo. Tinha sido terno e inocente e se lembrava dele com carinho. Passou os dedos pelo cabelo ligeiramente desgrenhado e desceu as pálpebras. E imediatamente se sentiu vazia, sem o olhar azul cristalino de Ludo sobre ela. Como seria um beijo dos lábios dele? Certamente muito diferente do de estudante sem experiência. Perturbada pelo pensamento, ela inspirou o ar com força. — Se quer dizer meus passatempos favoritos; tenho certeza de que os achará muito comuns e tediosos. — Experimente. — E sorriu. Natalie quase disse em voz alta que quando você olha para mim assim, não posso pensar em mais nada além das covinhas que surgem quando você sorri. Chocada pela intensidade do calor que lhe percorreu o corpo com a admissão, ela desviou o olhar para se controlar. — Gosto de prazeres simples, como ler e ir ao cinema. Adoro assistir a um bom filme que me faz esquecer as preocupações da vida e que me transporta para a história de outra pessoa. Também gosto de ouvir música e dar longas caminhadas no campo ou na praia. — Não acho nenhum desses interesses tedioso ou comum. — Os lábios de Ludo se ergueram de leve no menor dos sorrisos. — Além disso, algumas vezes as coisas mais corriqueiras da vida, as coisas que consideramos certas, garantidas, podem ser as melhores. Não concorda? Apenas queria ter mais tempo para desfrutar de alguns dos prazeres que você mencionou.
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— E por que não tem? Precisa ficar tão ocupado assim todo o tempo? Ele franziu a testa e pareceu pensar na pergunta por um tempo muito longo, o que a constrangeu. Sua avaliação de Natalie enquanto pensava era intensa. Agitada, ela desviou os olhos para o relógio de pulso. — Chegaremos logo a Londres — pegou a bolsa no assento ao lado e mergulhou a mão para pegar uma caneta e um bloco. — Pode me dar agora seu nome completo e o endereço para eu lhe mandar o dinheiro da passagem? — Podemos esperar até o desembarque. Ele mordeu o sanduíche, como se soubesse que ela não discutiria. Natalie pensou em insistir, mas no fim decidiu não fazer isso. Que diferença faria pegar o endereço dele agora ou mais tarde, desde que o conseguisse? “Nunca empreste ou tome emprestado e sempre pague suas dívidas” dizia sua mãe. Ludo percebeu que ela não estava comendo e franziu a testa. — Termine sua refeição. Se não tomou o café da manhã, precisa se alimentar. Especialmente se vai enfrentar um encontro difícil com seu pai. — Difícil? — Emotivo, quero dizer. Se a saúde dele piorou, então a conversa não será fácil para nenhum de vocês. O comentário lhe causou uma fisgada de apreensão. Estava mesmo com medo de que a necessidade urgente do pai em vê-la era para lhe contar que havia recebido um diagnóstico sério do médico. Tiveram altos e baixos durante anos, mas ainda o adorava e odiava pensar que podia morrer e ser tirado dela quando acabara de fazer 60 anos. — Tem razão. Sem dúvida será cheio de emoções. — Sorriu para ele, muito consciente de si mesma, e mastigou, em silêncio, o sanduíche. — Sei que o que quer que aconteça; vocês ficarão mais tranqüilos na companhia um do outro. O celular de Ludo tocou e ele o tirou do bolso. Depois de verificar a chamada, cobriu-o com a mão e se virou para Natalie. — Com licença, preciso atender. Vou para o corredor por alguns minutos. Quando ele se levantou, Natalie ficou impressionada ao ver como era alto, pelo menos 1,88m, pensou. O físico sob o terno italiano impecável denunciava uma estrutura atlética, magra e musculosa, e não conseguiu se impedir de olhar para ele com admiração. Temeu parecer uma adolescente idiota, olhando de boca aberta para um ídolo da música pop, e se obrigou a relaxar e a concordar com um aceno de cabeça. — Por favor, fique à vontade. Quando as portas duplas automáticas do compartimento se abriram, Ludo se virou para ela, com um desconcertante brilho nos olhos. — O que quer que faça, não fuja, Natalie, está bem?
CAPÍTULO DOIS
— Suponho que todos os papéis estão prontos? — Enquanto fazia a pergunta, Ludo repassou, em silêncio, rapidamente as informações detalhadas que havia recebido, com a famosa precisão que lhe permitia mergulhar em cada item de uma situação e não perder nada. Do outro lado da linha, seu assistente pessoal, Nick, confirmou que tudo estava 10
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como devia. Ludo passou a mão pelo queixo bem barbeado e cinzelado. — E marcou a reunião para amanhã, como pedi? — Sim. Disse ao cliente que ele e seu advogado devem estar no escritório às 10h45, exatamente como você determinou. — E você certamente avisou ao meu advogado, Godrich? — É claro. — Ótimo. Parece que você cuidou de tudo. Estarei no escritório no fim da tarde, para uma última verificação dos papéis. Até então. Quando desligou o celular, Ludo se recostou na parede de painéis do corredor do trem, tentando inutilmente acalmar os nervos abalados de forma tão pouco característica nele. Sentia que havia centenas de borboletas embriagadas no estômago. Não tinha sido o telefonema ou a conversa que o haviam perturbado. Fechar acordos e adquirir negócios potencialmente lucrativos que estavam passando por dificuldades eram café pequeno para ele e era famoso por transformar rapidamente suas novas aquisições em veios de ouro. Era como havia feito sua fortuna. Não, o motivo para sua atual inquietação era sua atraente companheira de viagem. Como um fiapo de garota, com o corpo esguio de uma primeira bailarina, longo cabelo castanho e grandes olhos cinzentos como raios de sol, podia eletrizá-lo como se estivesse na linha de largada de uma corrida de Fórmula 1? Balançou a cabeça. Não era nem um pouco parecida com as louras e ruivas voluptuosas por quem normalmente se sentia atraído, mas havia alguma coisa irresistivelmente sedutora nela. Na verdade, desde o momento em que lhe ouvira a voz suave, ela o havia encantado. E, ainda mais surpreendente; quais eram as chances de ela ser meio grega? Era coincidência demais. Distraidamente observou as diversas mensagens perdidas no celular, então, impaciente, o fechou e olhou pela janela, para o cenário que passava depressa. A mistura de edifícios industriais antigos e novos e os contemporâneos prédios do século XXI que se erguiam no horizonte lhe mostraram que estavam se aproximando de Londres. Era hora de decidir se queria ou não perseguir aquela imensa atração e, qual seria sua estratégia. Era evidente que a adorável Natalie estava decidida a reembolsá-lo pela passagem de trem, mas não gostava da idéia de dar o endereço de sua casa a estranhas, por mais encantadoras e lindas que fossem. Embora tivesse ficado louco por ela no momento em que entrara sem fôlego no compartimento de primeira classe e sentido seu cheiro sutil de mexerica e rosas, não era de sua natureza tomar decisões precipitadas. Acreditava em seguir seus impulsos nos negócios, mas não em suas ligações românticas. O desejo sexual podia ser enganador, descobrira por experiência própria. Era tentador para satisfazer sua libido saudável, mas não se fosse se transformar numa dor de cabeça da qual não precisava. Infelizmente, ele tivera algumas na vida. Não se importava de gastar com suas amantes, de lhes comprar lindas roupas de alta-costura ou jóias caríssimas de vez em quando, mas Ludo descobrira que mulheres sempre queriam muito mais do que estava disposto a dar. Geralmente, o que mais queriam era um pedido de casamento. Mesmo sua enorme riqueza não o protegia da desagradável inevitabilidade de outro relacionamento rompido porque a mulher envolvida tivera algumas expectativas em relação a ele. Expectativas que definitivamente não estava disposto a realizar. Não importava quanto sua amada família o lembrasse de que já passava da hora de ele se envolver de verdade com alguém. O maior desejo de sua mãe era se tornar avó. Com 36 anos e filho único, Ludo parecia desapontá-la o tempo todo porque não estava nem perto de atender a seu desejo. Estava desesperada para que ele encontrasse uma garota “adequada”, alguém que ela e
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seu pai aprovassem. Mas não era fácil encontrar uma mulher sincera e amorosa, que desejasse um relacionamento e filhos mais do que riqueza e posição. E quando seu dinheiro e reputação o precediam, atraíam exatamente o tipo de mulher ambiciosa e vazia que evitava. Francamente, Ludo estava cansado daquele jogo em que não encontrava felicidade. A verdade era que, no fundo, ansiava por encontrar sua alma gêmea, se tal criatura existisse, uma mulher calorosa e inteligente, com senso de humor e uma disposição amável e sincera. Voltou a pensar em Natalie. Se começasse um relacionamento com ela e descobrisse que era tão rico com um Creso contemporâneo, que tinha como amigos alguns dos homens de negócios mais influentes da Europa, jamais ele teria certeza se ela se sentia atraída por ele mesmo e não por seu dinheiro. Já lhe mostrara sem querer que vivia na região nobre de Winter Lake. Mas certamente tinha dinheiro, se viajava de primeira classe e poderia pagar sua passagem? Em relação à passagem que perdera, havia dito que o pai a enviara para ela. Seria ele um homem rico? Certamente sim. Se for o caso, então a linda Natalie devia estar acostumada a certo nível de conforto antes de seus pais; se divorciarem. Estaria atrás de alguém igualmente rico, se não mais, num relacionamento? Ludo franziu a testa e rapidamente decidiu que fazia sentido pedir-lhe seu número de telefone se quisesse vê-la de novo e não lhe dar seu endereço. Dessa maneira, ele estaria no controle da situação e, se alguma vez percebesse que era uma cavadora de ouro, á deixaria de lado. Enquanto isso, podiam se encontrar para uma bebida enquanto estavam em Londres sob a justificativa legítima de que o objetivo era para que ela pudesse lhe pagar. Se depois disso as coisas progredissem satisfatoriamente entre eles, Ludo ficaria mais do que feliz de lhe dar mais informações pessoais, como seu endereço. Satisfeito com a decisão, exalou um profundo suspiro, passou os dedos pelo cabelo dourado de corte perfeito e guardou o celular no bolso do paletó. Antes de apertar o botão que abria as portas automáticas, lançou um olhar através do vidro para a morena esguia de olhos de gazela que olhava pela janela, o queixo apoiado numa das mãos, como se estivesse perdida num devaneio. Seus lábios se curvaram num sorriso. Mal podia esperar pela concordância dela em se encontrar com ele. Que razão teria para não querer? — Não compreendo. Está dizendo que quer me encontrar para tomarmos uma bebida? Piscou incrédula, enquanto olhava para aquele Adônis imponente que a observava com um sorriso meio torto enquanto ficavam em pé na plataforma lotada da estação ferroviária. Natalie sabia que ouvira mal. A surpreendente sugestão de Ludo parecia muito com um encontro. Mas por que ele faria uma coisa daquelas? Simplesmente não fazia sentido. Talvez tivesse entendido tudo errado. Uma em cada duas mulheres que passavam por eles lançava um olhar cobiçoso ao homem bonito e bem vestido em pé diante dela, percebeu Natalie. Sem dúvida estariam se perguntando como uma garota tão insignificante como ela atraíra a atenção dele por mais do que um segundo. Seu coração perdeu uma batida ou duas. — Sim, estou. O queixo ficou mais rijo e o olhar brilhou; enigmático. Para Natalie, enfrentar aquele olhar tão atraente era como ficar no olho de um furacão, abalava-a como uma ventania balançava uma pequena muda de árvore e ameaçava derrubá-la. Manteve sua bolsa de couro vermelho contra o peito, como se fosse uma espécie de escudo, e franziu a testa. Em vez de melhorar sua auto-estima, a sugestão de Ludo para que se encontrassem para tomar uma bebida teve o efeito contrário. Também não ajudava o fato de estar vestida em jeans velho e uma blusa com
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estampa floral no estilo cigano. Sentia-se particularmente desarrumada ao lado do homem no caro terno italiano. — Por quê? Só lhe pedi o endereço para lhe mandar o dinheiro da passagem de trem. Você já deixou claro que é um homem muito ocupado. Por que então deveria ter todo o trabalho de se encontrar comigo em vez de simplesmente me permitir lhe enviar um cheque? Ludo balançou a cabeça como se estivesse atônito com a reação. Natalie percebeu que não recebia respostas negativas de mulheres. — Além de permitir que me pague pessoalmente, gostaria de vê-la de novo, Natalie. — Seu tom de voz era sério. — Não pensou nesta possibilidade? Afinal, você me disse durante a viagem que está desimpedida, lembra-se? Infelizmente, ela havia dito. Confessara que não tinha um namorado quando Ludo presumira que, se tivesse, ele seria educado demais para lhe dizer que roncava. Ela ficou vermelha com a lembrança. Ajustou a bolsa e tentou lhe encontrar o olhar firme que estava tão desconfortavelmente pousado nela. — Você também é solteiro? Por tudo que sei, pode ser casado e ter seis filhos. Ele dobrou a cabeça para trás e deixou escapar uma risada curta e alegre. Nunca o som da diversão de um homem perpassou tão sensualmente por suas terminações nervosas, como se tivesse lhe acariciado a pele com a mais leve das carícias. E, do nada, uma dor poderosa de anseio para vê-lo de novo se infiltrou em seu sangue e não pode ser ignorada, mesmo se ele vivesse numa estratosfera acima da dela. — Garanto a você que não sou casado nem pai de seis filhos. Já lhe disse que sou ocupado demais para isso. Não acredita em mim? A expressão de Ludo se tornou séria de novo. Consciente da diminuição da multidão que deixava o trem e percebendo com alívio que não eram mais o foco de interesse, Natalie deu de ombros. — Tudo o que posso dizer é que espero que esteja me dizendo a verdade. A honestidade é muito importante para mim. Tudo bem, então. Quando quer que nos encontremos? — Quanto tempo acha que vai ficar em Londres? — Talvez dois dias, a menos que meu pai precise de mim por mais tempo. — Mais uma vez foi incapaz de controlar o tremor de medo na voz ao pensamento de que o pai estivesse gravemente doente. Para não pensar mais e evitar novas perguntas desconfortáveis de Ludo, acrescentou depressa: — Vou ter que esperar para saber, não é? — Se vai ficar na cidade por apenas dois dias, não teremos muito tempo. Talvez devêssemos nos encontrar amanhã à noite. O que acha? — Havia um inesperado brilho de satisfação nos olhos dele. — Posso reservar uma mesa no Claridges. Qual é o melhor horário para você? — O restaurante? Pensei que nos encontraríamos apenas para uma bebida. — Não costuma jantar? — É claro, mas. — A que horas? — Às 20h? — Certo. Dê-me o número do seu celular para que possa ligar para você se me atrasar. Natalie ficou pensativa. — Certo, eu lhe darei. Mas lembre-se que eu poderei me atrasar ou talvez nem mesmo conseguir ir se meu pai não estiver bem. Nesse caso, é melhor ter o seu número. Com outro de seus sorrisos enigmáticos, Ludo concordou. Jamais se acostumaria com um porteiro uniformizado abrindo a porta para ela no luxuoso edifício vitoriano onde ficava o grande apartamento do pai. Fazia-a se sentir como
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uma usurpadora fingindo ser uma pessoa que não era. O contraste na maneira de viver dos pais era como a noite e o dia. Sua mãe era uma devotada dona de casa que gostava das coisas simples e naturais da vida, enquanto o pai era um hedonista que adorava coisas materiais. Embora trabalhasse muito, tinha a tendência de ser muito descuidado com dinheiro. Agora, enquanto subia no elevador para a cobertura, Natalie se recusou a ficar pensando naquilo. Sentia-se inquieta demais com a possibilidade de uma notícia ruim sobre a saúde dele. A aparência de Bill Carr quando abriu a porta para recebê-la pareceu confirmar seus piores temores. Ficou chocada ao ver como envelhecera desde que o vira pela última vez. Foram apenas três meses, mas a mudança nele era tão marcante que poderiam ter sido três anos. Era um homem alto e bonito, de aparência distinta, que gostava de ternos tradicionais feitos em Savile Row, e seu abundante cabelo grisalho era impecavelmente cortado e penteado, mas não naquele dia. Naquele dia, estava despenteado e precisando muito de um pouco de atenção. A camisa branca estava amarrotada e parecia que havia dormido com a calça risca de giz. Natalie notou que estava com um copo de cristal na mão no qual havia uma boa dose de uísque. O cheiro de álcool no hálito apenas confirmou sua certeza. — Natalie! Que bom que está aqui, querida! Estava quase enlouquecendo, pensando que você não viria. Jogou um braço em torno dela e lhe puxou a cabeça para o peito. Natalie deixou a bolsa cair e fez o máximo para relaxar. O instinto lhe disse que, qualquer que fosse o conforto que o pai buscava numa bebida, devia ser mais sério do que ela pensara. Ergueu a cabeça e conseguiu sorrir para ele de modo tranqüilizador. — Nunca o desapontei, papai. — Estendeu-se na ponta dos pés e lhe beijou o rosto com carinho. O cheiro dele se misturava ao do uísque. — Fez uma boa viagem? — Sim, obrigada. Foi realmente muito bom viajar de primeira classe, mas não devia ter tido esse gasto desnecessário, papai. Enquanto falava, Natalie se lembrava do encontro com Ludo e do fato de que lhe pagara uma passagem quando a ouvira explicar ao cobrador que havia perdido a dela. Seu nome era um apelido para Ludovic, dissera ele. Por alguns segundos, deixou-se perder num devaneio delicioso. O nome era perfeito. Realmente gostava dele, gostava muito dele. Havia uma aura de mistério tanto no som como no homem. Não haviam dito seus sobrenomes, mas cada segundo que haviam passado juntos no trem estava gravado indelevelmente na mente dela e jamais seria esquecido. Particularmente sua voz culta e sexy e aqueles extraordinários e lindos olhos cor de safira. Seu coração apertou nervoso, quando se lembrou de ter aceitado encontrá-lo para jantar no dia seguinte. — Sempre quis lhe dar ô melhor, querida, e isso não mudou quando sua mãe e eu nos separamos. Aliás, ela está bem? — A expressão curiosamente intensa do pai a jogou de volta ao presente e Natalie viu a dor que ele ainda sentia pela separação. A boca de Natalie secou enquanto pensava como a perda ainda o atormentava. — Sim, está muito bem. Ela me pediu para lhe dizer que espera que você esteja bem também. Ele fez uma pequena careta. — Sua mãe é uma boa mulher. A melhor que já conheci. É uma pena não ter lhe dado mais valor quando estávamos juntos. Quanto à esperança dela de que eu esteja bem, quase me mata admitir, querida, mas lamento dizer que não estou. Nem um pouco. Venha para a cozinha, vou lhe preparar um chá e então explicar o que está acontecendo. A admissão confirmava suas suspeitas e Natalie se preocupou ainda mais. Sentindo-se de repente drenada, ela o seguiu até a cozinha moderna, toda em aço, e o observou molhar a manga enrolada da camisa quando encheu a chaleira de água na pia e
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então ligá-la na tomada da parede. Pegou seu copo de uísque e deixou cair, cansado, no tamborete ao lado do dela. Estariam suas mãos um pouco trêmulas? — O que está acontecendo, papai? Tem tido dores no peito de novo? É por isso que queria me ver com tanta urgência? Por favor, me conte. O pai tomou um generoso gole de uísque, então bateu o copo com força na bancada enquanto passava a outra mão pelos olhos. Ficou calado por alguns momentos enquanto parecia estar lutando para recuperar o controle. — Dessa vez não é minha saúde que está em risco, Nat. São meus negócios. Da movimentada rua abaixo, veio o som áspero de uma buzina de carro. Natalie se encolheu, chocada. Inspirou com força o ar e viu que o pai falava muito seriamente. — Há algum problema? Foi uma queda nos lucros? Sei que o país está passando por uma grave recessão, mas pode vencer a tempestade, papai. Sempre venceu. Bill Carr pareceu amargo. — A cadeia de hotéis não dá lucros há quase dois anos, meu amor, principalmente porque não consegui fazer reformas e modernizações essenciais. E não posso mais manter uma equipe do calibre que ajudou a fazer dela um sucesso tão grande. É tão típico de você culpar a economia, mas não é esse o caso. — Se não é isso, por que não tem como modernizar os hotéis e manter uma boa equipe? Você sempre me disse que o negócio lhe deu uma fortuna. — Verdade. Fiz uma fortuna. Mas infelizmente não consegui mantê-la. Perdi praticamente tudo, Natalie. E vou ser obrigado a vender o negócio com grande perda para pagar uma parte da enorme dívida que contraí. As entranhas de Natalie deram um nó. — É realmente tão ruim assim? O pai se levantou e balançou a cabeça, desanimado. — Fiz uma confusão tão grande da minha vida, fui tão descuidado e irresponsável que agora tudo desabou. Eu mereço. Fui abençoado com tudo o que um homem poderia desejar; uma linda esposa, uma filha encantadora e um trabalho que adoro. Mas joguei tudo fora porque fiquei mais interessado em buscar prazeres do que em manter sob vigilância meu próprio negócio. — Você quer dizer mulheres e bebidas? — E o resto. Não é difícil entender por que tive problemas cardíacos. Natalie lhe tomou a mão e a apertou. Precisava lhe dar um pouco de conforto e tranqüilizá-lo, embora estivesse chocada com o que “o resto” poderia significar. — Isso não significa que não poderá fazer outra fortuna, papai. As coisas ficarão melhores, prometo. Antes de tudo, precisa parar de se culpar pelo que fez no passado e se perdoar. Deve prometer que nunca mais se magoará assim, que se cuidará, seguirá em frente e lidará com o que está acontecendo agora com calma e esperança. Para quem você está sendo obrigado a vender o negócio com grande perda? — Para um homem conhecido no mundo das fusões e aquisições como o Alquimista porque consegue transformar lixo em diamantes com apenas um passe de mágica. Um bilionário grego chamado Petrakis. É um clichê, eu sei, mas ele realmente me fez uma oferta que não pude recusar. Pelo menos eu sei que ele tem o dinheiro. Suponho que já é alguma coisa. O problema é que preciso de dinheiro no banco o mais depressa possível, Nat. O banco quer o dinheiro na minha conta amanhã ou então decretará minha falência. — Não tem nenhum outro bem? E este apartamento? Suponho que é seu? De novo o pai balançou a cabeça, a expressão pesada. — Completamente hipotecado, lamento dizer. — Ao ver o choque nos olhos da filha, ele libertou a mão das dela e começou a massagear o peito. O coração de Natalie disparou de preocupação. — Você está bem, papai? Devo chamar um médico?
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— Estou ótimo. Provavelmente preciso apenas descansar e parar de beber tanto uísque. Pode me fazer um chá? — É claro que sim. Por que não vai para a sala de estar e se deita no sofá enquanto o preparo? A resposta dele foi puxá-la para o peito e lhe dar um beijo carinhoso no alto da cabeça. Quando ela ergueu os olhos para o rosto pálido, viu que o sorriso dele estava cheio de amor e orgulho. — Você é uma boa garota, Natalie, a melhor filha do mundo. Lamento não ter lhe dito isso com mais freqüência. — Você e mamãe se separaram, mas sempre soube que vocês me amam. — Gentilmente, saiu do círculo dos braços dele. — Faz bem ao meu coração ouvir isso. Não quero tirar vantagem da sua bondade, mas posso lhe pedir outro favor? Natalie sorriu. — Pode pedir. Sabe que farei qualquer coisa para ajudar. — Quero que vá comigo à reunião com Petrakis e seus advogados amanhã. Apenas para um pouco de apoio moral. Você pode ir? Ela soube instintivamente que ver o pai vender o negócio que trabalhara tanto e por tantos anos para construir; para algum bilionário grego que não fazia idéia de quanto significava para ele e nem se importava se lhe partia o coração, seria talvez uma das coisas mais difíceis que já fizera. — É claro que vou. — Tocou de leve o rosto pálido com a palma da mão. — Agora vá se deitar no sofá. Vou fazer o chá e levá-lo para você. Os ombros largos do pai estavam caídos quando se virou para deixar a cozinha. Natalie jamais fora uma pessoa violenta, mas agora queria matar aquele bilionário grego conhecido como o Alquimista, que compraria o negócio de seu pai por uma ninharia quando podia muito bem oferecer mais e pelo menos dar a ele uma chance de se recuperar.
CAPÍTULO TRÊS
Natalie dormiu mal e o pai também. Ela o ouviu se levantar diversas vezes para caminhar pelo corredor e, numa delas, como havia se esquecido de fechar a porta, ouviu o som de uma violenta crise de vômitos. Ficou tão assustada que correu para o quarto dele e bateu com força à porta do banheiro. Ele a tranqüilizou e Natalie, relutante, voltou para o quarto, apavorada e com o coração pesado só de pensar na possibilidade de ele ter um derrame, ou algo do tipo, durante a noite. Depois de dormir apenas três horas, ela acordou com um raio de sul brilhando através da janela, pois havia se esquecido de fechar as persianas. Verificou se o pai estava acordado e tropeçou até a cozinha para fazer um café bem forte. Preparou torradas, colocou a geléia sobre a mesa e o chamou para tomar o café da manhã. Natalie observou ansiosa, que a luz forte do sol revelava melhor as más condições de Bill Carr. A pele estava cinzenta e doentia. Não conseguiu comer a torrada, mas tomou duas grandes canecas de café. Depois, passou a mão trêmula sobre a boca. — Acho que agora estou preparado para o que der e vier. — O sorriso fraco partiu o coração de Natalie. — Não vai enfrentar isso sozinho, papai. Estarei com você a cada passo do 16
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caminho. Prometo. — Eu sei querida. E, embora saiba que não mereço seu apoio, sinceramente lhe agradeço e um dia a recompensarei por tudo. É uma promessa. — Não precisa. Somos uma família, lembra-se? Tudo o que quero é que você esteja bem e feliz. Agora, a que horas precisamos estar no escritório, desse Petrakis? — Às 10h45. — Certo. Depois que tomar banho e me vestir, chamarei um táxi. Onde é o escritório? — Em Westminster. — Então não é longe. Bem, melhor você se preparar. Precisa passar alguma roupa? O pai se levantou, colocou as mãos nos bolsos fundos do roupão e não respondeu. Natalie respirou profundamente para acalmar a inquietação. — Quer que eu vá verificar com você? — Não, querida, está tudo bem. Vou vestir meu melhor terno da Savile Row e tenho uma só camisa já passada, pronta desde que recebi o telefonema marcando a reunião de hoje. — Ótimo. — Natalie sorriu e olhou para o relógio da cozinha. — Então é melhor nos apressarmos, não queremos chegar atrasados. — Para o enforcamento? — O sorriso era um misto de amargura e arrependimento. Mas o comentário era também um pouco de humor negro. — Sei que deve ser muito difícil para você perder o negócio que lhe custou tanto para construir, mas possa ser um recomeço excitante. Uma oportunidade para usar sua energia em algo menos exigente e que possa administrar com facilidade. Até mesmo a situação mais terrível pode ter um lado positivo. — E como vou começar outro negócio se não vou ficar com um centavo? — Administrar uma empresa é a única forma que tem de ganhar a vida? — É tudo o que sei fazer. O pai exalou com força e passou os dedos pelos cabelos grisalhos. Natalie tentou controlar seu senso de frustração por não encontrar uma solução que desse, esperança ao pai e colocou as mãos nos quadris. — E se pedirmos a Petrakis que tenha um pouco de compreensão humana e lhe pague um valor razoável pelo negócio? Afinal, se tem a reputação de ser capaz de transformar lixo em diamantes, deve saber que fará outra fortuna com sua cadeia de hotéis. Que desvantagem teria se lhe pagasse um preço mais justo? — Minha querida. Não tenho a intenção de ser rude, mas você sabe muito pouco sobre homens como Petrakis. Como acha que ele conquistou sua imensa fortuna? Não foi com uma abordagem humanitária nos negócios! O que quer que diga a ele, por mais apaixonada ou eloqüente que seja seu argumento, não vai fazer diferença. Os olhos de Natalie brilharam de fúria. — E é assim que o mundo dos negócios mede o sucesso, é? Alguém só é considerado um vencedor se for implacável e não pensar em mais nada além dos negócios e não der a mínima para os danos psicológicos que pode provocar em outra pessoa; mesmo num colega empreendedor que não teve sorte, desde que consiga o que quer? Natalie respirava com dificuldade e sentiu enorme desprezo pelo bilionário grego que não conhecia. Mas havia mais alguma coisa em sua mente. Se a reunião com Petrakis fosse devastadora demais para o pai, não poderia abandoná-lo para jantar com o enigmático Ludo. Mesmo se mal conseguia parar de pensar no homem desde que o conhecera no trem no dia anterior. — Aparentemente, é assim. Mas não fique chateada, querida. Sei que lhe pedi para ir comigo para me dar apoio moral, mas esta luta não é sua, é minha. Agora, acho melhor nos aprontarmos.
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E o pai se virou para sair. Os passos eram pesados enquanto andava pelo corredor de madeira polida e painéis nas paredes até seu quarto, como se levasse o peso do mundo nos ombros. — Ludovic, como vai? O trânsito está terrível hoje. Tudo se move num passo de lesma. Ludo estava em pé diante da janela do luxuoso escritório em Westminster, mal registrando nada na rua abaixo porque sua mente tinha um pensamento e apenas um. Aquela noite se encontraria com a maravilhosa Natalie para jantar. Fechou os olhos. Por apenas alguns segundos, conseguiu se imaginar preso novamente pelo olhar claro como um lago e o perfume atraente com tanta facilidade como se ela estivesse ali ao lado dele. Era impossível se lembrar da última vez que tivera aquela sensação de antecipação excitada na boca do estômago à perspectiva de ver de novo uma mulher, se é que já acontecera. Assim, quando ouviu a voz ressonante do advogado Stephen Godrich estava tão imerso em seu devaneio que se assustou. Virou-se com um sorriso e imediatamente girou o botão da mente de volta ao modo de trabalho. Haveria tempo para mais fantasias sobre a adorável Natalie depois. Deu um passo automático para apertar a mão do homem e observou que os botões do paletó do terno caro que usava tinham tanta chance de abotoarem sobre a estrutura que engordava depressa como ele tinha de vencer a final masculina em Wimbledon. Uma impossibilidade é claro, já que pólo era seu esporte predileto, não tênis. — Bom dia, Stephen. Você parece bem, na verdade, tão bem que temo estar lhe pagando demais. Os pequenos olhos azuis do advogado, quase enterrados na carne generosa que os circundava, piscaram com pânico momentâneo. Recuperou-se depressa e tirou um grande lenço do bolso da calça para limpar o suor que lhe cobria a testa. — Ser um apreciador inveterado de bons jantares tem seu preço, meu amigo. Sei que devia ter mais disciplina, mas todos nós temos nossos pecadinhos, não é? De qualquer maneira, nosso cliente já chegou? Ludo olhou as horas no seu Rolex de platina no pulso bronzeado e franziu a testa. — Ainda não. Enquanto esperamos, vou pedir a Jane que nos traga um café. — Esplêndida idéia. Alguns biscoitos também não farão mal. Já à porta a caminho da recepção, Ludo apenas ergueu uma das mãos para mostrar que ouvira, penando que se o homem apenas cortasse um pouco do açúcar que ingeria seus ternos sob medida poderiam se ajustar bem melhor nele. Ludo e sua confiável representante Amelia Redmond, que havia feito a oferta pela uma vez prestigiada rede de hotéis em seu nome, se sentaram à mesa polida na sala da diretoria ao lado de Stephen Godrich e de Nick, o afável e extremamente profissional assistente de Ludo. Nick relia alguns documentos, concentrado. Não sabia por que lhe ocorreu de repente que a família do assistente era originária de Creta. A não ser pelo fato de que andara pensando de novo em Natalie e se lembrava de que sua mãe havia nascido e crescido lá. De repente, ficou impaciente para terminar aquela reunião. Sentia uma urgência estranha de tirar algum tempo do trabalho para nadar num clube particular. Não pela primeira vez, lembrou-se da surpreendente pergunta que Natalie lhe fizera no trem. “Precisa ficar tão ocupado assim todo o tempo?” Ludo franziu a testa. Sua família o criara com a ética de trabalho de um bulldog e lucrara espetacularmente com a tenacidade e o trabalho duro. No entanto, havia um senso arraigado e perverso de não ser merecedor que não lhe permitia desfrutar bem daquelas recompensas. De algum modo, ao longo do caminho, esquecera que um corpo precisava de descanso e relaxamento para recarregar as baterias. Podia muito bem tirar um ano ou mais de férias, se quisesse. Mas para fazer o quê? E, mais corretamente, com quem?
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Ajeitou as abotoaduras da camisa cor de cobalto e olhou para cima, intuitivamente percebendo a entrada de sua secretária Jane, uma mulher pequena e de meia idade, um momento antes de ela surgir à porta. — O Sr. Carr chegou com a filha e o advogado, o Sr. Nichols — anunciou sem sorrir, como era seu hábito. — Devo mandá-los entrar? — Sim, por favor. Perguntou-lhes o que gostariam de tomar? — Sim. Ludo ficou intrigado pelo fato de Bill Carr ter trazido a filha para a reunião. Nick e Amelia Redmond haviam dito que ela não tinha nenhuma ação dos negócios e a última coisa com que queria lidar naquele dia era com uma complicação inesperada que afetasse o acordo. A expressão de Nick lhe disse que ele também estava perplexo com a presença da filha. Jane abriu a porta para que os três entrassem e Ludo foi o primeiro a se levantar para cumprimentá-los. Quando registrou que a linda morena que entrava com os dois homens era Natalie, temeu que o coração pulasse do peito. E simplesmente a encarou. Natalie era a filha de Bill Carr, o dono da cadeia de hotéis? Estaria o destino fazendo um jogo estranho com ele? Os grandes olhos de prata líquida que espelhavam o próprio choque imediatamente o hipnotizaram e não conseguiu evitar murmurar seu nome. Era impossível negar a instantânea fisgada de atração violenta que o percorreu ao vê-la de novo. O jeans gasto que lhe abraçava as longas e perfeitas pernas e a túnica de seda cor de cereja que usava eram um contraste absoluto com as roupas muito formais que todos usavam, mas o conjunto era encantador. Mas, por mais que se sentisse deliciado em vê-la, Ludo sabia que aquela situação era potencialmente a pior que poderia viver. Já podia senti-la erguendo a guarda, embora não revelasse nem por um piscar de olhos que já o conhecia. Claramente seria difícil para ela confiar nele de novo depois de perceber que era o homem que compraria o negócio do pai, e não pelo melhor preço. Devia saber que o pai o estava vendendo com grande prejuízo. Desviou o olhar para os dois homens que entravam na tentativa de ganhar tempo e pensar no que faria. — Qual de vocês é Bill Carr? O tom foi mais tenso do que pretendia. Na verdade, o surgimento inesperado de Natalie e a coincidência surpreendente de que o pai dela era o dono da cadeia de hotéis que estava comprando o abalaram gravemente. Enquanto Ludo tentava recuperar o equilíbrio, o homem magro, de expressão atormentada e usando um terno tradicional cinzento risca de giz deu um passo à frente para lhe apertar a mão. — Sou eu. Meu advogado, Edward Nichols, e minha filha, Natalie. Infelizmente, ela não deu um passo à frente para apertar a mão de Ludo, mas os lindos olhos cinzentos brilharam com uma advertência, como se lhe dissesse que, naquelas circunstâncias, seria imprudente admitir que a conhecesse. E concordava com ela. — Presumo que seja o Sr. Petrakis? — terminou Bill Carr. — Isso mesmo — respondeu Ludo, e acrescentou: — Por que não nos sentamos? Minha secretária vai trazer café e, enquanto ela não chega, gostaria de lhes apresentar meus associados. Depois das apresentações, ele pegou um copo de água que estava preparado diante dele e tomou um gole refrescante. De algum modo, conseguira se controlar e não deixara que ninguém percebesse que ver Natalie quase o impedira de falar, sem mencionar sua habilidade de se comportar com sua habitual autoconfiança. Jane levou café e biscoitos e saiu. Ludo transferiu para Amelia e Nick o encargo de explicar as formalidades do negócio. Apresentaram as linhas gerais da oferta que fazia e Bill Carr e seu advogado ouviram com toda a atenção, fazendo freqüentes perguntas e tomando notas.
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Devido a uma sensação inusitada de culpa por estar comprando o negócio de Bill Carr por uma ninharia, a nuca de Ludo arrepiava desconfortavelmente cada vez que encontrava o olhar de Natalie. Tentou se lembrar de tudo o que ela havia lhe contado sobre o homem quando conversaram no trem no dia anterior. Ele pode ser imprevisível e nem sempre fácil de compreender. Ludo se perguntou se aquilo tinha relação com a forma como escolhera gastar seu dinheiro. Seu assistente Nick soubera de uma história que corria pela comunidade dos negócios sobre a reputação do homem de gastar sem cuidado com hábitos muito dispendiosos, e alguns ilegais. Sem dúvida era por isso que se via agora naquela posição penosa, tendo que vender seu negócio por menos da metade de seu valor para pagar as dívidas que fizera para manter aqueles hábitos. Os dois assistentes terminaram a apresentação dos detalhes com uma conclusão concisa e profissional. Então seu advogado confirmou as condições do valor oferecido, para garantir que Bill Carr estivesse plenamente consciente de cada aspecto da transação. Tudo o que restava eram as assinaturas do vendedor e do comprador e as das testemunhas e o dinheiro ser transferido para a conta de Bill Carr no banco imediatamente. Quando Stephen Godrich empurrou os documentos pela mesa em direção a Bill Carr para que ele assinasse, Natalie fez uma pergunta que deixou todos atônitos. — Sr. Petrakis, acha que o valor que ofereceu ao meu pai pelo negócio dele é justo? Sr. Petrakis? Ludo quase sorriu à formalidade deliberada. Mas imediatamente depois da reação divertida percebeu a implicação na voz doce. — Justa? — Franziu a testa e virou a força total do olhar de safira para o rosto aflito. — Sim. Justa. — Deve saber que está comprando uma das mais inovadoras e bem-sucedidas cadeias de hotéis da Inglaterra por praticamente centavos! Soube que é um homem muito rico. Certamente tem condições de pagar um valor menos insultuoso a um homem que usou sua engenhosidade e seu trabalho duro para criar este negócio. Com isso, poderá investir em outro empreendimento e ter um meio de sobreviver. Quando Natalie terminou seu pequeno discurso, foi como se uma bomba tivesse explodido na sala. Como se temessem acender outra, todos; evitaram mover um músculo ou mexer num papel. Estavam em choque. E, a julgar pelo rosto vermelho e os olhos brilhantes, Natalie também estava. Ludo ficou sem saber o que dizer por alguns momentos. Mas então seu instinto de auto-preservação se ligou junto com uma fúria verdadeira. Debruçou-se sobre a mesa em direção a ela. — Considera insultuoso o valor que ofereci pelo negócio do seu pai? — Sim, considero. — Já lhe perguntou quantos outros compradores surgiram para seu negócio? Se não, por que não lhe pergunta agora? Vá em frente, pergunte. Bill Carr estendeu a mão e cobriu a da filha. — Sei que sua intenção é boa, amor, mas é verdade que ninguém mais além do Sr. Petrakis está interessado em comprar a cadeia de hotéis. Sem dúvida ele é realista sobre dinheiro no mundo dos negócios, como eu sou. O mercado atual está em baixa e na verdade me sinto grato por alguém ter feito uma oferta. A cadeia de hotéis não é mais o tremendo sucesso que foi um dia, Natalie. Quem a comprar terá que investir muito dinheiro para modernizá-la e torná-la lucrativa. Talvez seja isso que precise compreender. Natalie mordeu o lábio e lançou ao pai um olhar compassivo. — Mas tudo isso afetou sua saúde, papai. Você sabe que sim. O que vai fazer para sobreviver? Não pode começar um negócio sem dinheiro. Este é o único motivo por que quero que receba mais nesta venda. Ao ouvir a devoção e a preocupação na voz dela, Ludo a admirou, embora sua acusação o tivesse deixado muito constrangido. Não era difícil perceber que Natalie Carr
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era uma mulher carinhosa que evidentemente adorava o pai e o perdoava pelos erros que havia cometido, mesmo quando aqueles erros a prejudicavam. Aquilo tornava ainda mais atraente ter uma ligação com ela e Ludo não estava acima de usar qualquer meio à disposição para persuadi-la de que seria uma boa idéia. Mas primeiro tinha que terminar um negócio. — Embora sua história seja trágica, Sr. Carr, tenho que lhe perguntar agora. Quer fechar o negócio e ter o dinheiro transferido para sua conta bancária hoje? Ou, depois de ouvir a admirável preocupação de sua encantadora filha por seu bem-estar, mudou de idéia? Quando parou de falar, Ludo ergueu deliberadamente uma sobrancelha para Natalie, como se quisesse demonstrar que não havia se tornado um homem muito rico sendo gentil e se deixando afetar por qualquer história lacrimosa que ouvia. Por mais que quisesse levá-la para a cama, não violaria os princípios que lhe deram a fortuna. Por ninguém.
CAPÍTULO QUATRO
O acordo foi assinado. E, embora Natalie se recusasse a encarar Ludo quando ela, seu pai e o advogado dele começaram a sair em fila do escritório, lamentou admitir que o muito antecipado encontro para jantar com ele aquela noite não aconteceria. Como poderia depois de ele recusar com tanta frieza seu apelo para ajudar o pai aumentando a oferta pela cadeia de hotéis? Era evidente que fazer dinheiro era muito mais importante para ele do que ajudar um ser humano. Problema resolvido; pensou enquanto desviava o olhar ao passar por ele. No entanto, seu coração disparou ao sentir o calor do corpo dele e seu cheiro perturbador lhe chegarem às narinas. — Natalie? — Para seu susto, ele lhe circulou o pulso fino com os dedos e a fez parar. — Gostaria de uma palavra com você, se for possível. Antes que pudesse registrar qualquer coisa a não ser a sensação dos dedos quentes e firmes em sua carne e o poder daquele brilhante, olhar cor de cobalto, ela removeu a mão e se virou para falar com os colegas. — Preciso de alguns momentos a sós com a Srta. Carr. Havia um tom definitivo de comando em sua voz e imediatamente todos se levantaram e saíram atrás do pai de Natalie e de seu advogado. Mas, antes que Ludo fechasse a porta, Bill Carr voltou e ficou parado no umbral da porta, uma expressão perturbada no rosto magro. — Posso perguntar por que quer falar sozinho com minha filha? Se estiver irritado por ela ter sido franca demais em meu benefício, por favor, não tome sua atitude como pessoal. Tenho certeza de que ela não teve a intenção de ofendê-lo, Sr. Petrakis. Era um pedido de desculpas e Natalie teve dificuldade para esconder seu aborrecimento por seu pai ser tão fraco. Pelo amor de Deus, ele quase parecia subserviente! De uma coisa estava certa: ela não o imitaria. — Não se preocupe Sr. Carr. Embora as palavras de sua filha tenham sido impensadas, pode ficar tranqüilo que não as levei para o lado pessoal. Simplesmente preciso ter uma conversa tranqüila com ela em particular, se ela concordar? Começando a se sentir como um objeto em leilão, Natalie se irritou. Cruzou os braços sobre o peito e se obrigou a encontrar o olhar de Ludo de frente, sem ceder ao impulso de mostrar seu aborrecimento e se afastar.
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— O que quer que queira me dizer, Sr. Petrakis, é melhor ser rápido. Preciso chegar ao banco antes de fechar. — Sem dúvida para verificar se o dinheiro de seu pai chegou à conta dele? — A voz de Ludo era fria. Natalie não soube como se segurou para não dar uma bofetada naquele rosto escultural. — O dinheiro do meu pai não tem relação alguma comigo. Acredite ou não, tenho minha própria conta bancária. O sorriso dele á deixou, desconcertada. — Estou contente de saber. Por que não entra e se senta por um minuto para conversarmos? Natalie se virou para o pai, achando que ele devia estar se perguntando o que estava acontecendo entre os dois, mas conseguiu lhe dar um sorriso tranqüilizador. — Tenho certeza de que não vai demorar papai. Pode me esperar na calçada? — Vou esperar por você na cafeteria em frente. Adeus, Sr. Petrakis. — Foi um prazer fazer negócios com o senhor, Sr. Carr. Assim que o pai de Natalie fechou a porta e se afastou, ela não conseguiu mais controlar sua irritação com o belo grego. — Que diabos têm a me dizer depois do que acabou de fazer? O que quer que seja; não quero ouvir. A menos que me peça para ser a portadora de um pedido de desculpas á meu pai por ter sido tão mercenário. Prefiro não perder mais tempo esperando que um homem surdo, mudo e cego a apelos de compreensão mude de idéia e seja mais compassivo. Prefiro deixar tudo na coluna das experiências amargas da vida e seguir em frente. A expressão no rosto de Ludo congelou. — Sua indignação não faz sentido. O que acabou de acontecer entre mim e seu pai foi uma negociação, nada mais. Se não pode compreender isso, então é mais ingênua do que pensava. É evidente que não tem a menor noção das negociações de compra a venda e do efeito das atuais forças de mercado. Se não é um homem de negócios bemsucedido, seu pai pelo menos é pragmático e compreende essas coisas. Tenho certeza de que ele sabe como teve sorte de receber uma oferta por seu negócio. Não há mais ninguém interessado na cadeia de hotéis, apenas eu. Pelo menos, poderá pagar algumas de suas dívidas. Natalie ficou chocada. — Como sabe sobre as dívidas dele? — Faço questão de investigar as credenciais de qualquer um que espera me vender alguma coisa, Natalie. — Ludo suspirou e passou a mão pelo queixo quadrado. — Lamento sinceramente que seu pai esteja nesta confusão financeira, mas isso não significa que tenho obrigação de ajudá-lo a sair dela. Também tenho interesses a preservar. — Garanto que tem. Embora irritada com as palavras dele, Natalie teve que admitir que não tinha o direito de brigar com ele quando o próprio pai era responsável por sua situação desafortunada. Ludo estava certo. Não era responsável pela incapacidade do pai dela de manter seu negócio tão bem-sucedido no passado porque se envolvera em vícios. Podia mesmo estar com raiva de Ludo porque não concordara em pagar mais pela cadeia de hotéis? Afinal, sabia que não era um homem mesquinho. Não se oferecera para pagar sua passagem de trem no dia anterior? Respirou fundo. Não importava o quanto tentava se convencer, ainda tinha dificuldade em compreender por que um homem tão rico como Ludo não podia ser um pouco mais compreensivo e gentil com um colega do mundo dos negócios que passava por dificuldades. Os jornais e a televisão não estavam sempre comentando a necessidade
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de homens de negócios terem mais éticas e pensarem menos nos lucros? — Era tudo o que queria me dizer? — Perversamente, desejava que ele falasse sobre coisas muito mais interessantes e pessoais do que negócios, apenas para ouvir o som do prazer na voz dele e guardá-lo na memória. Quase como se lesse sua mente, o sorriso lento de Ludo a fez estremecer. Dentro do sutiã de renda, os mamilos endureceram como se ele tivesse roçado neles as pontas dos dedos. — Não, não é. Esqueceu que concordou em jantar comigo esta noite? — A voz era profunda e grave. — Não, não esqueci. Mas isso foi antes de eu saber que você é o homem que queria comprar o negócio do meu pai. — O que isso tem a ver com o nosso jantar? Os olhos cinzentos de Natalie cresceram de surpresa por ele ter até mesmo que perguntar. — Como acha que meu pai se sentiria se descobrisse que saí para jantar com você? Ele se sentiria traído. Já passou por mais do que pode suportar sem que eu aumente seus problemas. — Parece que você não pensa que precisa atender às próprias necessidades, Natalie. Por que isso? — De quais necessidades está falando? O rosto dela queimou porque sabia exatamente a que ele se referia. Era inegável que Ludo Petrakis a excitava, mais do que qualquer outro homem por quem se sentira atraída. E o que a fazia perder o fôlego era que, pela expressão sedutora nos incríveis olhos azuis, ele parecia sentir a mesma coisa. Mas isso não tornava a situação menos desagradável ou desconfortável. Sim, o pai dela havia cometido erros idiotas na administração de seus negócios e por isso perdera tudo, mas Natalie não queria que parecesse como se o estivesse punindo ao sair com Ludo. Precisava encontrar forças para se afastar do homem, não importava quanto seus sentidos exigissem que o visse de novo. Jogou a cabeça para trás numa tentativa de demonstrar que aquelas necessidades em particular a que ele se referira não significavam nada diante do anseio mais premente que lhe tomava a mente. — Minhas necessidades agora são apenas duas. A primeira é ajudar meu pai a se recuperar dessa situação deprimente e voltar a ter boa saúde para encontrar a energia de que precisa para recomeçar sua vida. E, por falar nisso, não que você se importe, a investigação que mandou fazer revelou que além de perder a empresa vai perder também o apartamento onde vive? A segunda é ir ao banco, não para saber se seu dinheiro foi depositado na conta dele, mas para tirar dinheiro da minha para lhe pagar a passagem de trem. — Esqueça isso, não é importante. Você não me deve nada. Em vez de me pagar, gostaria de levá-la para jantar e começar a conhecê-la. Embora a persistência de Ludo fosse lisonjeira, Natalie franziu a testa. — Não ouviu nada do que eu disse? Lamento, mas não vou correr o risco de aborrecer meu pai vendo você de novo. Pode presumir que ele está reagindo bem, mas definitivamente não está. — Passou a mão sobre a túnica. — Escute, realmente preciso ir. Mas, antes, há mais uma coisa que preciso perguntar. Por que não me contou que é grego quando conversamos no trem? Especialmente depois que lhe disse que minha mãe nasceu em Creta? A pergunta fez Ludo confrontar uma parede familiar que ainda não estava disposto a derrubar. Tinha orgulho de sua herança cultural, mas havia três anos que não visitava sua
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pátria, três anos, desde que seu amado irmão Theo morrera num acidente de barco no litoral da ilha particular de Ludo. Tinha sido a fase mais sombria de sua vida e as conseqüências da tragédia o fizeram mergulhar num poço de desespero de onde temia não ser capaz de escapar. Em vez de ficar em casa para sofrer o luto com a família, partira logo depois do funeral, esperando encontrar alívio no trabalho incessante de aumentar sua fortuna, seus interesses em negócios internacionais, viajando para toda parte em torno do globo, menos para sua amada Grécia. Seus pais não entendiam por que não voltava para casa. Sempre que falava com a mãe pelo telefone ela implorava para ele voltar. Mas, para Ludo, ele a havia desapontado de forma imperdoável duas vezes, portanto não podia. Não apenas não lhe dera esperança de que estava num relacionamento romântico, com a perspectiva de um neto, pior, muito pior, era ter sido o responsável pela morte do irmão mais velho. Sofrera o acidente enquanto descansava na ilha paradisíaca que Ludo havia comprado como recompensa para si mesmo por ter tido o sucesso com o qual sempre sonhara para ele quando menino. Para que seus pais vissem que era tão bom e tão bem- sucedido como Theo. Agora não poderiam mais saber. Afastou o olhar dos belos e claros olhos cinzentos que o estudavam com tanta intensidade e conseguiu manter o tom sereno — No momento, eu estava mais interessado em saber sobre você, Natalie. As mulheres não reclamam sempre que os homens só falam sobre si mesmos? — Não sei disso. Apenas achei que seria natural se me contasse onde nasceu. — Por quê? Para trocarmos histórias pessoais sobre nossa herança em comum? — Ludo percebeu que havia uma nota de irritação em sua voz que não conseguia esconder porque ela o havia encurralado. Não falava sobre sua terra natal ou do que o expulsara de lá com ninguém, nem mesmo com seus amigos mais próximos. Se queria que as coisas progredissem com Natalie, provavelmente teria que lhe contar agora, gostasse ou não. — Um homem na minha posição gosta de ficar anônimo. Prefere não revelar quem é ou de onde veio. Além disso, acha mesmo que nosso único ponto de ligação é o fato de ambos termos mães gregas? — Ontem teria pensado assim, se você tivesse me contado. Mas as coisas se desenrolaram e nos ligaram de uma forma que nem poderia ter imaginado. Quando entrei nesta sala hoje e vi que era você, o homem que conheci no trem; fiquei sem palavras. Foi um choque enorme. Mas você me ajudou ao pagar minha passagem e, queira você ou não, é importante para mim reembolsá-lo. — Se é assim, então talvez comece a perceber que há sentido em me encontrar esta noite? — Não posso. — Não pode ou não quer? — Não posso. Por que não ouve o que estou dizendo? Ludo comprimiu as pontas dos dedos na testa e balançou a cabeça de leve. — Estou ouvindo, Natalie, mas talvez não esteja lhe dando a resposta que quer porque você não me dá a que quero. Os olhos dela brilharam de irritação. — E, sem dúvida, você sempre consegue o que quer! Deixou escapar um suspiro de exasperação e se moveu em direção à porta. Com o coração disparado à perspectiva de a oportunidade de vê-la de novo desaparecer se não agisse da maneira certa, Ludo pensou depressa. Quando uma idéia surgiu, ele a agarrou. Talvez fosse um pouco ultrajante, mas fazia sentido. Ludo decidiu arriscar tudo. — Talvez não tenha tanta pressa se lhe disser que tenho uma proposta a lhe fazer? Uma proposta que beneficiaria seu pai e você também. Ela tirou a mão da maçaneta e se virou para ele.
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— Que tipo de proposta? Ludo deu alguns passos para pensar e demorou um pouco para responder. Subitamente percebeu que o que estava prestes a dizer beneficiaria a ele também. Não era mais tão ultrajante. De fato, poderia ser a solução pela qual ansiava; uma forma de conquistar um pouco de paz. Parou de andar e olhou para aquele rosto lindo e curioso diante dele. — Pelo acordo que ofereço, seu pai receberá mais 50 por cento do valor já acertado pela cadeia de hotéis se você for para a Grécia comigo e fingir que é minha noiva. Natalie ficou imóvel, a expressão atônita. — Pode repetir o que acabou de dizer? Acho que imaginei tudo. — Não, não imaginou. — E repetiu a proposta. — Você realmente lhe pagará um aumento tão substancial se eu viajar para a Grécia com você e fingir que sou sua noiva? Por que faria uma coisa tão bizarra? Ludo suspirou. — Talvez não lhe pareça tão bizarra quando lhe contar meus motivos. — Então conte. — E esperou com paciência que ele continuasse. — Meus pais, particularmente minha mãe, há muito esperam que eu leve para casa alguém com quem tenha um relacionamento sério. Alguém que lhes dará a esperança de um dia ter um neto. — Percebeu o breve brilho de alarme nos olhos francos de Natalie e se obrigou a pressionar mesmo assim. Disse a si mesmo que não estaria mais lá ouvindo se a idéia fosse insuportável para ela. — Infelizmente, não tenho um relacionamento longo há muito tempo e, com franqueza, meus pais temem que jamais tenha. A situação se agravou com a morte do meu único irmão há três anos num acidente de barco. Agora sou seu único filho e herdeiro. Não fui para casa desde o funeral. Não queria voltar até poder lhes dar a esperança de um futuro mais feliz. Sei que é uma farsa, Natalie, mas a intenção é boa. Prometo-lhe que, se puder agir de forma convincente como minha noiva enquanto estivermos na Grécia, quando voltarmos para a Inglaterra você será bem, recompensada. — Mas, mesmo se eu concordar, seus pais se sentirão magoados quando descobrirem que tudo foi mentira. Eles já devem estar com os corações partidos pela morte do filho. Nada do que possa fazer por mim ou me dar compensará meu enorme desconforto por enganá-los. — O fato de você se importar tanto com esse aspecto do acordo me garante que é a mulher certa a quem pedir o favor, Natalie. Ficarei em dívida com você para sempre se fizer isso por mim. Ela pareceu pensar profundamente. — E como explicarei a meu pai que vou partir com você para a Grécia por... Por quanto tempo? — De três a quatro semanas, paidi mou. O rosado suave do rubor que lhe tingiu o rosto diante do uso das palavras carinhosas em grego o distraiu por um momento porque provocou um brilho nos olhos dela, um brilho mágico que deu a Ludo uma amostra de como ela seria se a seduzisse. Lindamente ruborizada e excitada. Uma onda de calor lhe tomou o corpo. De repente, se tornou ainda mais determinado a ter Natalie como sua noiva de mentira, especialmente porque, na esperança de convencer os pais, pretendia desempenhar completamente o papel de noivo devotado. — Pode lhe dizer que lhe ofereci a oportunidade de aprender os meandros da boa negociação financeira com um especialista — e sorriu provocante. — Tenho certeza de que ele perceberá os benefícios de uma chance como essa. Se aceitar e aprender o que considero serem as habilidades essenciais para o sucesso nos negócios, seu pai não precisará se preocupar com seu futuro financeiro porque você saberá como garanti-lo. Quando parou de falar, Natalie atravessou a sala e se sentou numa grande poltrona.
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Ergueu os olhos para encontrar os dele e Ludo experimentou uma sensação inegável de triunfo e alívio porque soube que ela estava pensando seriamente na oferta.
CAPÍTULO CINCO
Estaria louca por considerar a inacreditável sugestão de Ludo de ir com ele para a Grécia e fingir que era sua noiva? Seria a realização de seu antigo sonho de visitar de novo o país de sua mãe, mas o aspecto mais importante do acordo que ele propunha era sua promessa de pagar um valor 50 por cento, maior pelo negócio de seu pai. Aquele acréscimo permitiria ao pai manter seu apartamento. Só isso já o ajudaria demais a recomeçar a vida, a pensar numa nova empreitada. Poderia também facilitar a recuperação da boa saúde. Percebeu que o acordo que Ludo propunha era importante demais para ser simplesmente descartado. Como poderia viver consigo mesma se não o aceitasse e a saúde do pai e sua baixa auto-estima piorassem ainda mais quando perdesse a esperança de melhorar de vida? Mas agora, enquanto deixava o olhar passar pelo lindo homem que a observava em silêncio, um estremecimento lhe tomou o corpo. Poderia mesmo estar pensando em fingir ser noiva dele? Teria forças para fazer aquilo sem permitir que seus sentimentos fossem envolvidos? Ficar tão próxima de Ludo na Grécia como sua noiva certamente envolveria ficar de mãos dadas com ele, beijar e tocar, talvez até mesmo intimamente... Natalie não permitiu que seus pensamentos continuassem por aquele caminho porque já provocavam uma onda poderosa de calor que fez seu corpo parecer perto de explodir em chamas. Ergueu as mãos e suspendeu a massa pesada do cabelo, para esfriar a temperatura da nuca. Então percebeu que a expressão confiante de Ludo havia mudado. Agora o olhar era mais contemplativo, como se não tivesse certeza da resposta dela, que temia que não fosse a que esperava. Se fosse verdade, pensou Natalie, como poderia um homem tão atraente e tão bem-sucedido ter qualquer tipo de dúvida? Não fazia sentido. — Bem? — O olhar dele se tornou mais intenso e ela teve a impressão que sua paciência estava se esgotando. — Vai responder à minha proposta? É sim ou não, Natalie? Ela respirou com força e se levantou. — Você faz tudo parecer tão simples, apenas dizer sim ou não. — Está dizendo que é mais complicado? — Nenhuma situação que envolve emoções pode ser simples. — Por que emoções precisam ser envolvidas? — Ludo franziu a testa, perplexo. — Está preocupada com a reação do seu pai quando souber que vai para a Grécia comigo? Não acho que será um problema, já que ofereci aumentar em 50 por cento o valor que lhe pagarei. O coração acelerado, Natalie ruborizou. — Na verdade, não é com meu pai que estou preocupada. Não duvido que ele fique mais do que feliz com sua nova oferta pela cadeia de hotéis e, quanto à minha ida para a Grécia com você; não fará objeções se souber que é o que quero. Estava apenas imaginando como poderei desempenhar o papel de sua noiva se mal o conheço. Casais comprometidos não devem agir como se fossem loucos um pelo outro? Ludo sorriu, divertido, e seus dentes brancos fizeram um belo contraste com a pele 26
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bronzeada. Era tão sexy que Natalie prendeu a respiração. — Acha que será difícil fingir que está louca por mim, paidi mou? Muitas mulheres que conheço me disseram que sou um excelente pretendente. Algumas até me disseram que sou “irresistível”. Vamos fazer um teste? E antes que Natalie percebesse sua intenção, ele se aproximou e lhe abraçou a cintura. Estar assim tão perto do corpo dele enquanto a puxava, sentindo seu cheiro almiscarado, fez os joelhos dela quase se dobrarem antes que a abraçasse. Um arquejo atônito lhe subiu pela garganta quando ele desceu a cabeça e a beijou. Assim que os lábios dele fizeram contato com os dela, Natalie abriu a boca de leve e ele habilmente inseriu a língua para tornar o beijo ainda mais íntimo. Todos os pensamentos desapareceram da mente de Natalie, exceto o que registrou o prazer viciante do gosto dele e o calor da pele contra a dela. Parecia que uma tocha havia acendido uma chama implacável em seu sangue com a qual nenhum homem antes ou depois dele poderia competir. No silêncio de sua mente veio uma resposta. Está bem, posso lidar com isto. Não pode ser tão difícil. Sentiu-se desapontada quando Ludo amenizou a deliciosa pressão nos lábios dela. Ele ergueu a cabeça para olhar para ela e moveu as mãos da cintura para os quadris. Assim tão perto, seus impressionantes olhos de safira eram de um azul sem igual, como o mar Mediterrâneo sob a luz do sol do meio-dia. Os cílios num tom mais escuro de dourado eram impossivelmente longos. Não importava se era rico ou pobre, decidiu Natalie. Os atributos físicos do homem eram simplesmente maravilhosos. — Hmm... — Ludo sorriu. — Isso foi gostoso. Esperava que não perguntasse o que ela havia sentido; poderia simplesmente dizer que gostaria de experimentar de novo, apenas para ter certeza de que não havia imaginado o prazer que ele lhe dera. — Posso acreditar que a idéia de fingir ser minha noiva não é tão repugnante como pode ter pensado antes? — provocou a voz suave. Natalie não conseguiu se impedir de dizer a verdade. — Sabe que não é nem um pouco repugnante. Mas isso não torna mais fácil para mim fingir que sou uma coisa que não sou. Sinto-me muito desconfortável em enganar qualquer um, mesmo por uma boa causa. Especialmente seus pais. Ludo ergueu uma das mãos e afastou algumas mechas soltas de cabelo do rosto dela e delicadamente lhe roçou a pele com a palma da mão. — Como você é naturalmente generosa, sei que não terão problemas em aceitá-la como minha namorada. — Havia total confiança na voz dele. — Uma namorada é uma coisa, poderia lidar com isso. Mas me apresentar como sua noiva é muito mais séria, não acha? Ele tirou a mão do rosto dela e suspirou pesadamente. O rápido movimento do canto da boca sugeriu exasperação. — Penso nisso como um jogo inofensivo de “Vamos fingir”. Acredite quando lhe digo que não vai magoar ninguém. Afinal, vai receber o que quer para seu pai, lembra-se? E uma oportunidade para visitar de novo o país de sua mãe, algo que sei que adoraria fazer. Natalie se afastou para poder pensar e percebeu que tinha que tomar uma decisão. Ergueu uma prece silenciosa para que fosse a certa. — Então está bem. Farei o que pede e irei para a Grécia com você. Mas se, enquanto estivermos lá, as coisas se tornarem difíceis demais ou tão insuportáveis que eu seja incapaz de manter a mentira, então terá concordar que eu volte para casa sem fazer perguntas. Ludo acenou relutante. — Não ficarei feliz com isso, mas concordo; desde que se lembre que estou
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pagando a seu pai muito dinheiro pelo negócio dele. Você me deve pelo menos a cortesia de ficar comigo até eu lhe dizer que estou satisfeito. — Satisfeito? O rubor começou nas pontas dos dedos dos pés de Natalie e viajou numa onda de calor até o topo da cabeça. À palavra, satisfeito tinha significados demais, assim por que pensara primeiro no sexual? Hipnotizada pelo brilhante olhar azul de Ludo, não precisou esperar pela resposta. — Sim. Satisfeito de você ter atuado como minha noiva o melhor possível e da maneira mais convincente que conseguiu. — Não sou uma atriz. Farei o melhor que puder. Está certo, então. — Afastou o olhar do dele e observou o piso de madeira para recuperar o equilíbrio. O coração dela batia com força à perspectiva do que a esperava depois de ter concordado. — Gostaria que me dissesse quando pretende viajar. — Quanto mais cedo melhor. Pode preparar tudo numa semana? — É realmente cedo. Preciso conseguir ajuda para a pensão de minha mãe enquanto estiver fora. Espero que uma semana seja tempo suficiente para organizar as coisas. — Já me disse que é boa organizadora, Natalie. Tenho certeza de que uma semana será o tempo necessário. Deve estar pronta para partir na segunda-feira que vem num vôo nas primeiras horas da manhã. Como vamos sair de Heathrow, provavelmente será melhor passar a noite anterior na casa de seu pai. — Isso não será um problema. — Sei que não — concordou Ludo com um brilho zombeteiro no olhar. — Especialmente quando ele souber que não sou tão implacável nem tenho um coração tão duro como vocês pensavam. — Não tive a intenção de insultá-lo pelo que disse. Estava aborrecida, como qualquer filha amorosa ficaria à perspectiva de ver meu pai lutando para sobreviver depois de pagar todas as suas dívidas. Parecia tão injusto que, depois de ser obrigado a vender o próprio negócio após anos de dedicação e trabalho duro, a quantia recebida não lhe permitiria nem se manter. — Embora houvesse se sentido justificada, Natalie ainda estava; constrangida com suas acusações na reunião. Ruborizou e olhou as horas. — Agora preciso mesmo ir, mas ainda há mais uma coisa que preciso dizer. — Mordeu o lábio inferior, ansiosa. — Lamento muito sobre seu irmão. Uma perda tão grande deve ter sido devastadora para você e sua família. Realmente sinto muito por todos vocês. Uma sombra surgiu nos olhos azuis. — Devastadora nem chega perto de descrever. — Passou as mãos pelo cabelo, constrangido. — Mas agradeço sua simpatia. — Bem, acho que está na hora de partir. Suponho que me telefonará quando tiver as informações sobre o vôo? — Com certeza. — Aproximou-se da porta ao lado dela e lhe tocou de leve o braço. — Mas não vou entrar em contato com você apenas para isso. Pretendo lhe telefonar durante a semana, de preferência à noite, quando não estivermos trabalhando. Acho importante que nos conheçamos melhor antes da viagem, concorda? — Conversar ao telefone não é a melhor maneira de conhecer uma pessoa, mas suponho que terá que ser suficiente já que não poderemos nos ver. — Por mais que me atraia, é impossível para mim ter tempo livre para vê-la durante esta semana, Natalie. Por enquanto, telefonemas terão que bastar. Ela lhe encontrou o olhar e apenas deu de ombros, concordando, embora na verdade estivesse desapontada. Não entendia como Ludo havia conseguido se transformar numa obsessão em tão pouco tempo. Nunca experimentara uma sensação tão tangível de conexão com um homem. Seu mundo parecia estar de cabeça para baixo. — Certo. Esperarei seu telefonema durante a semana.
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— Ótimo. E, antes que me esqueça, quando chegarmos a Rodes o clima estará muito quente. Leve roupa de verão e protetor solar. O sorriso caloroso era um contraste com a dor que expressara sobre a perda do irmão, e Natalie já sentia uma esperança secreta de que ele falasse mais sobre si mesmo durante o tempo que passariam juntos na Grécia. Havia tanta coisa sobre esse homem complexo e surpreendente que ansiava por descobrir. — Está bem. — E, de repente, se sentiu tímida e constrangida. Apertou a mão na maçaneta, abriu a porta e saiu, para enfrentar os olhares curiosos dos funcionários de Ludo. Depois de dar ao pai a boa notícia de que Ludo havia aumentado o valor que pagaria pelo negócio e saber que aquilo o deixava muito mais otimista sobre seu futuro, no dia seguinte Natalie voltou para casa em Hampshire. Trepidação, esperança e dúvida a acompanharam. Principalmente, mal podia acreditar que concordara em ir para a Grécia com Ludo em apenas uma semana para ser apresentada aos pais dele como sua noiva. Certamente eles saberiam logo que uma garota tão sem graça como ela não seria a mulher com quem ele escolheria se casar. Para começar, estava a milhares de quilômetros de distância das mulheres de aparência perfeita que adornavam os braços de homens ricos e poderosos como os filhos deles nas revistas de luxo. Mas na noite seguinte, quando Ludo telefonou, a trepidação e as dúvidas desapareceram e foram substituídas por inesperados otimismo e esperança. Precisou apenas ouvir o som da rica voz de barítono. — Sou eu. Ludo. Prestes a tomar banho, Natalie agarrou a toalha branca com a qual se envolvera e a apertou, como se ele tivesse aparecido de repente no quarto e seu olhar de cobalto lhe observasse a quase nudez. Deixou- se cair na cama e rezou para que sua voz não traísse a comoção que sentia ao ouvir a voz dele. Apesar de ter concordado em ir para a Grécia com ele, de alguma forma parecia surreal que aquele belo homem rico e ocupado ligasse pessoalmente para ela. — Oi — disse ela tentando infundir calma à voz. — Como está você? — Cansado e muito necessitado de férias. A resposta franca a preocupou. — Bem, pelo menos não terá que esperar muito para viajar. Apenas mais alguns dias. — E não preciso perguntar se você ainda vai comigo? O coração de Natalie bateu com mais força. — Não, não precisa. Quando dou minha palavra, não volto atrás. — Ótimo. Tem papel e caneta? Quero lhe dar os detalhes do vôo. Ela anotou o que ele disse. — É tudo? — Não. — Ouviu um sorriso na voz, o que a desconcertou. — Gostaria de conversar mais um pouco. O que fez hoje? Natalie suspirou e passou a mão pela toalha macia. Não que importasse, mas se Ludo pretendesse conversar mais, sua água ficaria gelada. — O que fiz? Procurei alguém para ajudar minha mãe na pensão enquanto eu estiver fora e fiz alguns trabalhos administrativos bem tediosos. Mas tudo melhorou depois que ela assou biscoitos e bolinhos. À tarde, levou bolinhos caseiros com geléia e uma xícara de chá para mim. Ninguém faz bolinhos tão deliciosos e macios como ela! — Você tem uma voz muito sexy, Natalie. Certamente sabe, não posso ter sido o único homem a lhe dizer isso. Atônita, Natalie balançou a cabeça como se Ludo estivesse mesmo no quarto. Tudo o que conseguiu ver na mente foi à imagem dele sorrindo para ela. Os planos esculpidos dos malares bronzeados, o queixo cinzelado e os olhos brilhantes da cor de safira. E se
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sentiu incapaz de responder. — Natalie? Ainda está aí? — Sim, ainda estou aqui. Mas preparei um banho antes de você ligar e a água está esfriando. Lamento, mas preciso desligar. Levantou-se e levou o celular para o banheiro, mordendo o lábio enquanto esperava a resposta. O comentário dele de que tinha uma voz sexy a deixara muito abalada. — Bem, então vá tomar seu banho. Mas saiba de uma coisa. Acho que não vou conseguir dormir esta noite, já que terei na mente a imagem maravilhosa de você nua e mergulhada num banho de espuma perfumada. Espero que, quando ligar de novo amanhã, você termine a conversa com uma informação menos provocante. Boa noite, Natalie. Durma bem. Quando Natalie conseguiu sair do transe, a água do banho de espuma estava fria demais e não teve vontade de imergir nela. Resignando-se a uma chuveirada, tirou a tampa da banheira e mais uma vez se perdeu em pensamentos sobre Ludo enquanto observava a água desaparecer. Não foi fácil para Ludo viajar de volta para casa. O tumulto de seus pensamentos lhe tornou impossível relaxar. O avião particular que alugara era luxuoso, como se acostumara a usar em viagens. A tripulação tinha sido totalmente profissional e atenciosa e o vôo havia sido suave, sem nenhuma turbulência. Mas, embora a visão de Natalie no aeroporto, num lindo vestido longo e colorido, com seus cabelos brilhantes, lhe tivesse acelerado o pulso, seu humor continuava sombrio. Ludo havia adorado conversar com ela todas as noites pelo telefone, mas quando ela se sentou a seu lado no avião, de vez em quando tentando começar uma conversa leve, não conseguiu responder da mesma forma leve e alegre que havia adotado nos telefonemas. Na verdade, seu humor se tornou cada vez pior à medida que se aproximavam do destino. A conversa que tivera com a mãe naquela mesma manhã havia sido uma espada de dois gumes. Ao mesmo tempo em que ficara alegre por ouvir sua voz e lhe dar uma boa notícia, não diminuiu o peso de culpa e dor que ainda o atormentava por causa da morte do irmão. Entusiasmada pela perspectiva de ver Ludo de novo depois de três longos anos, sua mãe demonstrara tanta emoção na voz que o deixara com dificuldade para respirar e falar. Não ouviu palavras de reprimenda ou acusação que o fizessem se sentir pior do que já estava o que, de alguma maneira, tornou ainda mais difícil o encontro tão próximo com os pais. Naturalmente quiseram enviar um carro para que ele e Natalie fossem levados para sua enorme vila, mas Ludo recusou a oferta com delicadeza e cuidado. Dissera a ela que ele e Natalie ficariam na vila dele no litoral e descansariam por um dia antes de visitá-los. Sua ausência tinha sido muito longa, mas ainda precisava de um pouco mais de tempo para se acostumar com o fato de que estava em casa de novo. A mãe estava curiosa sobre Natalie. — Como ela é? — perguntara, excitada. — Está feliz com ela, meu filho? Ludo lhe dissera apenas que Natalie era uma “garota encantadora e tem uma natureza feliz” e que tinha certeza de que os pais a amariam. Abafou deliberadamente a onda de remorso que o tomou porque estava inventando tudo aquilo. Mas, por algum motivo estranho e inexplicável, no fundo da mente havia uma pequena esperança de que alguma coisa boa surgiria de sua convivência com Natalie, apesar da farsa. Não gostara apenas das conversas com ela todas as noites pelo telefone, chegara a contar com elas para se tranqüilizar. Era sempre tão otimista e serena e, se seu dia tivesse sido ruim, melhorava apenas com a idéia de que conversaria com ela à noite. Jamais experimentara tanta conexão com uma mulher. E a lembrança daquele beijo ardente que haviam partilhado uma semana antes em seu escritório definitivamente o fazia acreditar que tê-la com ele na Grécia ajudaria a aliviar um pouco do estresse que
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inevitavelmente sentiria. Mas também sabia que seria preciso mais do que um beijo ou uma conversa tranqüilizadora para diminuir a dor e a ansiedade que sentia sobre sua volta para casa. Finalmente, pouco antes de chegarem à cosmopolita ilha grega para onde se dirigiam; Natalie o despertou de seu humor sombrio com um comentário inesperado. — Como sabe, não estou fazendo esta viagem apenas porque quero voltar a visitar a Grécia ou porque preciso de férias. Vim porque você me ofereceu um acordo que não podia recusar. Embora não esteja ansiosa para desempenhar o papel de sua noiva, gostei de você ter pagado a meu pai um preço muito mais realista pelo negócio dele do que havia oferecido antes. E porque pretendo cumprir plenamente minha parte no acordo. Mas é um pouco desanimador saber que não quer conversar comigo. Se estiver arrependido de ter me trazido, basta dizer e eu voltarei no próximo vôo para casa. Foi como se ela tivesse jogado um balde de água fria no rosto dele. Não fazia bem nenhum a seu ego saber que ela não estava entusiasmada em desempenhar o papel de sua noiva e se mostrava disposta a voltar para casa se ele mudasse de idéia. Virou-se no assento e estudou com remorso a expressão preocupada, mas desafiante, no rosto adorável diante dele. — Isso definitivamente não é o que quero paidi mou. Perdão por não ter sido um companheiro de viagem mais amigável. Não tem nada a ver com você e significa que não quero estar com você. É um dilema interno que está me preocupando. Natalie cruzou as mãos no colo e ergueu os enormes olhos cinzentos para ele. — Este dilema tem relação com sua volta à Grécia pela primeira vez desde a morte do seu irmão? A última coisa que quero é aborrecê-lo fazendo perguntas sobre o assunto, mas não acha que ajudaria se você se abrisse um pouco? Seus pais vão achar muito estranho se não souber nada sobre seu irmão, como ele era e como você se sentia sobre ele. Ludo a observou. O que ela dizia era a mais pura verdade. Agora via que não avaliara bem o plano que lhe surgira de repente. Por mais doloroso e desconfortável que fosse; não tinha escolha, precisava falar com Natalie sobre Theo. Sentiu o coração disparar enquanto tentava organizar os pensamentos. — Está bem. Vou lhe falar sobre meu irmão Theo. Por onde começo? Era um homem gigantesco, nosso próprio Colosso de Rodes. Não apenas em estrutura, tinha quase 2m, mas também no caráter e no coração. Desde que foi para a faculdade de medicina, sabia que queria cuidar de crianças. — Permitiu-se um leve sorriso tenso. — Então, especializou-se em pediatria. Nas clínicas em que atendeu; as crianças o adoravam. Mais do que isso, quando lhes dizia que cuidaria delas, que iriam melhorar, acreditavam totalmente nele, assim como os pais delas. Com grande freqüência ele conseguia cumprir a promessa. Logo se tornou famoso e era chamado para consultas não só na Grécia, mas em toda a Europa. O sorriso de Natalie em resposta foi franco e encorajador. — Parece que era um grande homem. Você e seus pais deviam ter muito orgulho dele. — Todo mundo tinha. Era um privilégio conhecê-lo e muito mais ser da família dele. — Era casado? Tinha filhos? O rubor que, como Ludo percebera, surgia sempre que estava constrangida apareceu de novo. — Não. Ele costumava dizer que estava casado com seu trabalho. Pode não ter sido pai biológico, mas era um pai para todas as crianças de quem cuidava. — Gostaria de tê-lo conhecido. — Se tivesse; não me olharia uma segunda vez. — O comentário seco, mas doloroso, saiu antes que Ludo pudesse reprimi-lo. As sobrancelhas arqueadas de Natalie se ergueram em surpresa.
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— Por que diz isso? Deve saber que tem muitas qualidades atraentes, e não estou me referindo à sua fortuna. — Meu irmão era admirado por sua natureza gentil e generosa e por seu desejo de ajudar a curar crianças doentes e incapacitadas. Não sou nada comparado a ele nem meu trabalho ao dele. — Não acredito que está dizendo isso. Nem todo mundo tem a capacidade de criar riquezas como você, Ludo, riqueza que gera empregos e oportunidades, e garanto que muita gente gostaria de ter. Acredito que sua família é tão orgulhosa de você como era do filho que perderam. — Meus pais lhe dirão que são, mas é difícil ser tão bom como meu irmão. Era um filho em um milhão. Inigualável. Natalie ficou em silêncio. A tristeza nos olhos dela impressionou Ludo. Arrependeu-se de ter se aberto tanto. Jamais quisera a simpatia de ninguém, mas sua simpatia instintiva o derrubou. Procurou logo outro assunto. — Devia ter lhe perguntado antes, mas como seus pais reagiram à notícia de que faria esta viagem comigo? Ficou perturbado pela idéia de que poderia tê-la colocado numa situação desagradável com os pais. Não queria que a aborrecessem; que estragassem sua experiência. Onde nascera a família era a prioridade número um e compreendia a devoção de Natalie à família. Era evidente que não queria preocupar os pais ou envergonhá-los ao partir com um homem que nem conheciam. Encontrara o pai dela apenas uma vez, no escritório, e a situação não era exatamente favorável a Ludo aos olhos dele. Enquanto a observava em silêncio, Ludo sentiu o coração acelerar à crescente evidência de sua natureza gentil e carinhosa. Também não fazia mal algum que fosse tão linda. Para sua surpresa, o humor sombrio que o atormentara desde o começo da viagem começou a se tornar mais leve. — Meu pai ficou muito preocupado a princípio — admitiu Natalie. — Quando lhe contei que havia aumentado substancialmente a quantia que lhe pagaria pelos hotéis, ele temeu que você só tivesse feito isso para me chantagear e me obrigar a me tornar sua amante. O rosto de porcelana se tornou rosado de uma forma que Ludo nunca tinha visto. Mas, para sua surpresa, não se sentiu ofendido à idéia de que o pai dela temera que a estivesse forçando porque entendia a preocupação natural do homem. Certamente apenas um pai sem coração não teria se sentido angustiado. Ludo ficou satisfeito por Natalie ter lhe contado francamente a reação do pai porque isso lhe deu a oportunidade de tranqüilizá-la. — Sou conhecido como um homem implacável no mundo dos negócios, mas não sou um chantagista, Natalie. E seu pai realmente pensa que eu precisaria chantageá-la para fazer de você minha amante? — Tocou-lhe os lábios com a ponta dos dedos e ansiou para saber a resposta. — Não precisaria, não é, Natalie?
CAPÍTULO SEIS
Ela abriu muito os olhos. — É claro que não. Sou perfeitamente capaz de decidir sozinha se serei amante de um homem ou não, sem precisar ser coagida pela promessa de dinheiro ou... Ou qualquer outra coisa. — Deixou os longos cabelos caírem como uma cortina que escondesse seu 32
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rosto do olhar perspicaz e Ludo teve vontade de afastá-los. E faria exatamente isso se ela não voltasse a falar. — Eu lhe disse que achava que, apesar de sua fortuna e posição, você provavelmente é um homem decente. Disse que você sugeriu que, se eu passasse algum tempo com você na Grécia, poderia me beneficiar aprendendo algumas habilidades importantes nos negócios que me ajudariam no futuro. — E não contou que lhe pedi que desempenhasse o papel de minha noiva? O rosado forte lhe cobriu o rosto de novo. — Não. Achei melhor não mencionar essa parte. — Não tenho certeza se devo considerar um elogio você ter dito que “provavelmente” sou um “homem decente”. A maneira como fala me deixa com a sensação de que talvez duvide disso. — Não duvido. Com a pressa de tranqüilizá-lo, Natalie automaticamente colocou a mão sobre a dele. Nunca um toque tão simples de uma mulher inflamou tanto Ludo, a ponto de ele querer puxá-la para seu colo e fazer amor com ela ali e naquele instante. — Embora você tenha dito que não queria que eu lhe pagasse — continuou Natalie — não esqueci sua generosidade e sua gentileza ao me ajudar com minha passagem de trem. Não são muitas as pessoas que se oferecem tão depressa para ajudar uma estranha e isso ilustra muito bem como você é decente. A tensão nos ombros dele começou a diminuir. Normalmente, não se importava com o que uma mulher pensava de seu caráter quando pretendia levá-la para a cama, mas descobriu que ansiava pela boa opinião de Natalie. As conversas diárias pelo telefone haviam sido decisivas para mudar sua atitude, especialmente quando ela falava de suas preocupações com a família e amigos e até com hóspedes da pensão. Parecia que seu estoque de gentileza não tinha limites. — Admito que esteja mais tranqüilo. E sua mãe? O que ela pensou de você vir à Grécia comigo? Contou-lhe quem sou; glykia mou? — Sim, contei. — E o que ela disse? Para o grande despontamento de Ludo, ela tirou a mão que ainda cobria a dele. — Ela me disse para tomar cuidado e pediu para eu lhe dizer que lamentou a morte do seu irmão. Ela já ouvira falar dele, compreende, sabia de sua reputação como um excelente pediatra e que a comunidade grega tinha por ele grande respeito e admiração. Saber que a mãe de Natalie era grega era uma coisa. Mas descobrir que ela conhecia a reputação do irmão e sabia sobre sua morte chocante foi muito inquietante. Também ficou perturbado por ela ter aconselhado a linda filha a “tomar cuidado”. Podia querer dizer apenas uma coisa. Supostamente, aos olhos dela, Ludo não merecia o mesmo respeito que seu irmão. Sem mudança ali, então. Seu humor mais leve evaporou. — Espero que isso a tranqüilize e a faça saber que você está em boas mãos. — Mas a voz era seca. — Embora pareça que ela não confie em mim. Por que mais lhe avisaria para tomar cuidado? — Qualquer mãe que se importe com a filha adulta se preocupa com as pessoas com quem ela está, principalmente quando são homens. — Bem, minha linda Natalie, farei o possível para que os temores dela não sejam justificados e garantir que você volte inteira para casa. Com um sorriso frio, fez sinal ao comissário de bordo que lhe trouxesse uma taça de conhaque Remy Martin. Quando chegaram à impressionante vila à beira-mar de Ludo, a governanta dele, Allena, e o marido, Christos, saíram para recebê-los. Ao ser abraçado pelos dois com calorosa alegria, Ludo se sentiu comovido pelo sincero prazer deles ao vê-lo de novo. Fez com que percebesse quanta saudade sentira de seus rostos familiares e de seu carinho sem reservas.
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Foram um pouco mais contidos e educados quando os apresentou a Natalie, mas seus sorrisos não escondiam sua satisfação e sua curiosidade. Sabia que haviam ouvido os boatos de que levava sua noiva para casa. Sentiu uma onda de culpa, mas a afastou, irritado, e se recusou a pensar sobre o assunto. Não era suficiente ter atendido aos desejos dos pais e voltado para casa? Allena lhe disse que havia preparado um jantar especial para eles e que haveria bebidas geladas esperando no terraço, então Christos tirou as bagagens do carro e os dois as levaram para os quartos preparados para eles. Aliviado por ter Natalie só para ele por algum tempo na privacidade de sua casa, Ludo a levou pela sala de estar até o terraço para que ela visse a paisagem. Sentiu-se orgulhoso ao saber que ela a adoraria. O mar azul brilhava sob o sol do meio da tarde a apenas alguns metros da porta como um lençol de vidro resplandecente, tão imóvel e perfeito. E a brisa quente e perfumada que soprava e lhe acariciava a pele estava carregada do maravilhoso perfume das buganvílias. Deliciada, Natalie observou as esplêndidas flores amarelas e cor-de-rosa que se enroscavam pelas paredes brancas. Era difícil acreditar que não estava sonhando. Ansiara por tanto tempo para voltar à Grécia e se encontrar naquele lugar paradisíaco ao lado de um homem tão lindo e carismático como Ludo Petrakis tornava a experiência ainda mais fantástica. — Que paisagem linda! Espetacular! Ainda melhor do que sonhava que seria — suspirou enquanto repousava as mãos na balaustrada de pedra aquecida pelo sol. Ludo sorriu de leve. — É chamada de a jóia do Egeu. — E com razão. Ludo balançou a cabeça. — Não, esse título pertence à minha ilha. — O que quer dizer com sua ilha? — Não sabia bem o motivo, mas o coração bateu mais depressa. Já estava acelerado com o sorriso enigmático de Ludo. Pena que fossem tão raros. — É chamada Margaritari, a palavra grega para pérola. — Isso é lindo. E a ilha? É um lugar de que gosta muito? O perfil cinzelado estava voltado para o mar enquanto ela lhe fazia a pergunta e uma brisa repentina ergueu algumas mechas douradas do cabelo dele e as jogou sobre sua testa. Natalie o observou, hipnotizada, enquanto um músculo se contraía na lateral do malar. Ele ficou totalmente imóvel. — Fiquei tão apaixonado por ela que a comprei. Infelizmente, não gosto mais tanto dela desde que meu irmão morreu lá num acidente de barco. Ela ficou chocada com a admissão. Ludo a deixou lá e se dirigiu para uma cadeira de vime ao lado de uma pequena mesa de madeira e se sentou. — Não sei o que dizer. — Ela se sentou do outro lado da mesa para poder ver sua expressão. — Que golpe arrasador, o acidente ter acontecido nas águas da sua ilha. Era quase insuportável pensar em Ludo consumido não apenas pelo luto, mas também pela culpa. Ele se culparia pelo acidente? Seria esse o motivo por que parecia às vezes tão perturbado e não se considerava tão respeitado como seu irmão Theo fora? — Foi. É. — Nem tentou disfarçar a emoção dolorosa que o dominava. Estava escrita em todo o rosto dele. — Muitas vezes tentei convencê-lo a tirar férias e passá-las na minha ilha pelo tempo que quisesse. É tão isolada que apenas as pessoas que convido podem ficar lá. É um lugar mágico e esperava que exercesse seu feitiço sobre ele e o ajudasse a relaxar. Raramente se afastava de seu trabalho e meus pais se preocupavam com seu constante cansaço. — Inquieto de novo, Ludo se levantou e rodeou a mesa. Parou em frente à Natalie e a expressão dos olhos azuis era tão atormentada que ela prendeu a respiração. — Finalmente ele aceitou meu convite e foi passar um tempo lá. Um dia pegou um barco e ele virou. Foi difícil compreender como
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aconteceu. Theo era um bom marinheiro, experiente. Mas soube depois que houve rajadas fortes de vento naquele dia e aparentemente elas atingiram o mastro e o barco virou antes que ele pudesse fazer qualquer coisa. Era também um bom nadador, mas a investigação revelou que, se estava cansado demais, suas reações seriam lentas e assim foi puxado para baixo do barco e se afogou. — Ludo, eu lamento tanto. Realmente lamento. — Uma coisa assim, uma perda tão grande, a dor que jamais acaba. Um instinto puramente humanitário de oferecer conforto fez com que Natalie se aproximasse e o abraçasse. Sentiu o corpo de ele ficar tenso nos primeiros segundos, imóvel, sem se entregar. O coração dela apertou quando pensou que havia feito a coisa errada. Mas antes que pudesse se afastar, Ludo lhe segurou os ombros e lhe esmagou a boca com a dele num beijo apaixonado que roubou a respiração dela e a deixou com as pernas fracas como as de um recém-nascido. A onda inesperada de desejo cru lhe percorreu o corpo e a reação foi como o golpe de um relâmpago num céu azul de verão. Deixou escapar um gemido que mal reconheceu como dela, seguido por uma dor deliciosa e langorosa que de repente a tomou como uma febre. E Natalie foi incapaz de qualquer outra coisa a não ser beijá-lo de volta com o mesmo ardor, adorando tanto a sensação do corpo rijo e musculoso sob seus dedos exploradores que não registrou logo a palma dele se abrindo sobre seu seio ou a percepção de como estava excitado. Atônita por ter permitido que as coisas fosse tão longe, ela tentou se afastar. Mas Ludo a segurou com força e ergueu a cabeça para olhar seu rosto com um sorriso sensual que fez o coração dela bater com mais força, mais depressa. — Para onde acha que vai? O tom autoritário da voz cativante tornou impossível para ela se mover. — Eu não devia ter feito isso. E embora quisesse se afastar, o olhar sexy continuou a prender o dela. Com as mãos descansando de leve nos quadris de Natalie, Ludo lhe estudou os olhos e os lábios. — Você fez a coisa absolutamente certa, paidi mou. Estava num lugar sombrio e seu abraço caloroso e muito bem vindo me trouxe de volta para a luz. — Então não me arrependo. — Natalie sorriu tímida, e descobriu que não era capaz de se mover nem afastar o olhar. E não queria, mesmo que pudesse. — Fico feliz. — Ludo ergueu uma das mãos, segurou um cacho do macio cabelo castanho e o enrolou de novo e de novo nos dedos, observando-a como se estivesse hipnotizado pelo tesouro que encontrara. A governanta apareceu exatamente naquele momento e Natalie se perguntou por quanto tempo ele a manteria cativa lá, apenas brincando com seu cabelo e olhando para ela como se quisesse fazer muito mais. — Com licença, Sr. Petrakis. — O inglês pobre de Allena era usado sem dúvida em deferência à hóspede. — Seus quartos estão prontos. — Efharisto, Allena. — Ludo libertou com relutância o cacho de cabelo que havia capturado e deu um passo para o lado de Natalie. Sentindo o rosto aquecer e ruborizar ao ser apanhada numa situação que poderia ser muito constrangedora, Natalie se virou devagar. Seus lábios ainda formigavam com o beijo apaixonado de Ludo e o perfume da colônia almiscarada que lembrava sexo permanecia em sua pele como uma garantia de que jamais esqueceria aquele momento. E então se lembrou de que não havia necessidade de constrangimento, já que todos acreditavam que era noiva de Ludo. Mas o pensamento não ajudou a esfriar o calor que ainda lhe percorria o corpo. — Venha. Ele lhe tomou o cotovelo e a guiou de volta à vila por um lance de degraus de mármore branco. Segurando-se nas palavras de Allena, que dissera “quartos”, no plural;
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Natalie tentou afastar a tensão. Apesar de se sentir profundamente atraída por Ludo, não conseguia se imaginar na cama com ele. Um cenário como aquele era totalmente fora de sua experiência e não era de admirar que estivesse tão tensa. E no dia seguinte teria que enfrentar a apresentação aos pais dele como sua noiva! E se eles percebessem imediatamente que estava fingindo e não era nada daquilo? — Este é o seu quarto. Com um gesto que a convidava a entrar no quarto grande e claro diante dele, Ludo ficou imóvel enquanto Natalie observava o ambiente luxuoso. O coração disparou quando viu a imponente cama de madeira entalhada que dominava o aposento. Com suas cortinas de seda dourada e colcha combinando, coberta por uma grande quantidade de almofadas carmesim e acabamento dourado, era uma cama adequada para uma princesa. Mais do que isso, era uma cama criada para a sedução... Percebeu que Ludo lhe estudava a reação e não deixou o olhar se demorar na cama grande e bela. Ela franziu a testa e examinou as obras de arte penduradas nas paredes. Não adiantou. Viu que as cenas emolduradas tinham sido tiradas das histórias mais sensuais da mitologia grega. Havia uma pintura de John Waterhouse de The Awakening of Adonis e outras duas das lindas Afrodite e Andrômeda. Andrômeda havia sido pintada na parte da lenda em que ela estava acorrentada aos rochedos antes de Perseu chegar para livrá-la do monstro marinho. Enquanto estudava as pinturas das duas mulheres de seios nus, Natalie sentiu o sangue engrossar e correr mais devagar. Desde a primeira vez em que vira Ludo, parecia ter desenvolvido uma consciência maior da própria feminilidade. De necessidades que haviam ficado adormecidas por tempo demais. Era muito desconcertante que surgissem agora. Virou-se e uma cena bem menos provocante lhe capturou o olhar e apagaram os pensamentos perturbadores que haviam lhe dominado a mente até então. Com um suspiro de puro prazer, fitou transfigurada, a vista deslumbrante. As grandes janelas francesas estavam abertas e revelavam a visão maravilhosa do mar tranqüilo e brilhante e azul. Uma brisa delicada, carregada pelos perfumes de buganvílias e pinheiros, roçou-lhe o rosto naquele momento. Sentiu uma profunda gratidão pela experiência avassaladora de ver tanta beleza natural e se virou para partilhar a alegria com seu anfitrião. — Quase me deixa sem fala. É uma das paisagens mais incríveis que já tive a felicidade de ver. Sinto-me tão afortunada. — Sorriu e acrescentou depressa: — Estar aqui; quero dizer. — O sorriso começou a enfraquecer quando viu a expressão nos belos olhos azuis de Ludo. — Porque está aqui comigo ou porque se apaixonou pelo meu país? — provocou. — Sempre amei a Grécia — cruzou os braços sobre os seios. — Este é também o país da minha mãe, lembra-se? — Não esqueci; meu anjo. Não conseguiria. Movia-se lentamente em direção a ela enquanto falava, então parou bem perto com um olhar tão ardente que poderia lhe desfazer o núcleo. Nervosa, Natalie passou a mão trêmula pela frente do vestido. — Você disse... Disse-me que este é meu quarto, não? Tenho que lhe perguntar se pretende partilhá-lo comigo? — Não, Natalie, eu não pretendo. — Os olhos azuis brilharam enigmáticos. — O quarto que partilhará comigo, e apenas se for até lá, é o meu. Fica bem ao lado deste e a porta estará sempre aberta durante a noite se tiver vontade de me visitar, glykia mou. Não era o que esperava que ele dissesse. Por um longo momento, a mente buscando todos os motivos para ele não ter simplesmente anunciado que esperava que ela agisse como sua noiva a partir do primeiro dia e dormisse com ele, especialmente depois do beijo explosivo de minutos antes, a resposta fria de Ludo a perturbou. — Isso é ótimo — estava na defensiva — desde que não pense que vou visitá-lo. —
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Duas manchas vermelhas lhe cobriram o rosto. — Afinal, apenas fingimos que somos noivos. Com uma risada suave, Ludo afastou para trás da orelha de Natalie um cacho de cabelo e o movimento a fez sentir de novo o cheiro tantalizante da colônia. — Que mulher encantadora você é, glykia mou. No entanto, por mais sedutora que seja, preciso lembrar- lhe que fizemos um acordo? Natalie ergueu o queixo e franziu a testa, embora seu coração batesse com força com a própria ousadia. — Sim, fizemos. Mas, pelo que me lembro; nosso acordo não envolvia sexo casual. Apenas concordamos que eu viesse para a Grécia com você e fingisse ser sua noiva. Nada foi dito sobre relações íntimas. — Está dizendo que não se sente atraída por mim? — É evidente, depois do beijo que trocamos; que isso seria uma mentira. Mas achar você atraente não significa que vou para a cama com você quando você quiser! — Não...? Enquanto dizia a única palavra sarcástica, Ludo a dominou com um abraço ardente e mais uma vez lhe tomou os lábios. Quando abriu a boca para receber a invasão quente da língua e aceitou os braços que lhe circulavam possessivamente a cintura, Natalie não conseguiu reprimir um gemido de prazer. E sentiu o calor intoxicante que irradiava dele, a força do corpo rijo e musculoso. Se continuasse a drogá-la com seus beijos excitantes, que a reduziam à submissão, não teria a menor chance de lhe negar aquela visita noturna. E as implicações de tal ação a aterrorizavam. Afastou-se dele com determinação e tentou um sorriso que esperava que parecesse indiferente. — Acha que pode me dar um tempo, sozinha para desfazer as malas? E então, quando terminar, me juntarei a você para tomar aquela bebida gelada que sua governanta disse que nos espera no terraço. — Você certamente sabe como ser dura nos negócios; anjo. Era essa sua intenção? Pretendia me enlouquecer de desejo até eu lhe dar tudo o que quisesse? — Você faz parecer que tenho algum tipo de plano e não tenho. O único motivo por que estou aqui foi sua concordância em pagar a meu pai um preço mais justo pelo negócio dele. Você manteve sua parte do acordo antes de deixarmos a Inglaterra e agora estou cumprindo a minha. Não tenho outras expectativas, a não ser tirar férias muito necessárias. O belo Adônis diante dela jogou as mãos para cima em frustração. — Então vá desfazer as malas e me encontre no terraço assim que puder. E para que saiba minha intenção é monopolizar cada momento de seu tempo enquanto estiver aqui, Natalie. Tanto que, quando chegar o momento de você partir, apenas a idéia de se separar de mim e do meu país lhe partirá o coração! Virou-se e se dirigiu para a porta com passos determinados sem lhe dar um só olhar antes de sair. Natalie o observou partir, então se moveu para a cama suntuosa, coberta de seda, e se deixou cair sentada, as mãos apertadas no peito em perplexidade e choque. Não era um homem que se acalmava com facilidade quando frustrado. Um longo banho frio de chuveiro não diminuiu sua raiva nem seu desejo insatisfeito, então Ludo saiu para a varanda do quarto na tentativa de se perder na vista maravilhosa do Mediterrâneo, que se negara pelos últimos três anos. Lutou para afastar as imagens da adorável Natalie e as lembranças de sua infância e sua adolescência inevitavelmente lhe encheram a mente. Inalou com força o ar perfumado e tentou controlar suas emoções. Tinha apenas começado há relaxar um pouco quando viu no horizonte brilhante à luz do sol, um pequeno barco a vela. Era mais ou menos do tamanho do barco que seu irmão havia
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usado enquanto estava em Margaritari. Por que não insisti em lhe oferecer um barco maior e mais seguro? Se tivesse feito isso, haveria uma chance muito maior de ele se manter a superfície quando aquelas rajadas de vento o atingiram do que o que Theo havia usado... Aquele sob o qual Theo havia se afogado... Mas, apesar de o coração apertar com a dor e o arrependimento, Ludo se lembrava da voz do irmão mais velho. “É preciso uma tripulação de mais de um homem para lidar com um barco tão grande, irmãozinho, e quero ficar sozinho nestas férias. Vivo cercado por pessoas todos os dias da minha vida e muitas vezes durante as noites, quando estou de plantão. Um barco pequeno é exatamente o que quero!” Ludo passou a mão pelo peito e suspirou. Precisava aceitar o que havia acontecido com o irmão para não ser sobrecarregado com os “e se” e “se pelo menos” pelo resto de sua vida. Não podia permitir que aquilo acontecesse. Se deixasse, então o exemplo admirável e inspirador de Theo de como viver uma vida boa e útil seria enterrado junto com sua lembrança. Mais uma vez tentou substituir seus pensamentos perturbadores pela lembrança do calor sensual da boca sexy de Natalie e da sensação de seu corpo esguio em seus braços. Permitiu-se um breve sorriso de antecipação e se perguntou se aquela seria a noite em que ela o visitaria em seu quarto. A esperança de que ela o visitasse ô fez perceber que se passara pelo menos uma hora desde que a deixara sozinha ostensivamente para desfazer as malas e talvez tomar um banho de chuveiro, como ele. Certamente já devia ter terminado? Havia observado que trouxera apenas uma mala pequena e uma sacola de viagem. As mulheres, na experiência de Ludo, geralmente levavam muito mais do que isso quando saíam de férias com ele, mas, então, já sabia que Natalie era diferente de todas as mulheres que conhecia. Não era auto-centrada ou vaidosa e sabia que não estava tentando impressionar ninguém. Quando bateu à porta dela duas vezes e ela não abriu, ele se virou e desceu rapidamente a escadaria para descobrir onde estava.
CAPÍTULO SETE
Com o coração disparado à perspectiva de enfrentar Ludo de novo depois que ele saíra furioso de seu quarto, Natalie se obrigou a desfazer as malas e pendurar as roupas. Não era assim que imaginara o começo de suas férias na Grécia. Dirigiu-se para o belo banheiro de mármore, com seus acessórios de luxo, e tomou um banho de chuveiro. Para aumentar a coragem, escolheu seu vestido favorito. Era de um alaranjado queimado, com a gola alta em torno do pescoço, sem mangas, e o tecido macio descia com elegância até os pés. Incrementou a roupa com lindos braceletes indianos e sandálias do tipo romano, sem salto. Sentiu-se mais confiante com o brilho do sol no Mediterrâneo atrás dela e usando um vestido que a ajudava a sentir como se realmente estivesse de férias. Pelo menos, enquanto não pensava em Ludo zangado com ela ou na miríade de situações potencialmente difíceis em que se encontraria ao concordar em fingir que era noiva dele. O que quisera dizer com aquela declaração sobre seu coração se partir à idéia de deixá-lo e ir embora da Grécia? Parecia que estava furioso por ela ter ousado lhe negar qualquer coisa. Já ocorrera a Natalie que provavelmente era um homem acostumado à gratificação física como uma forma de acalmar uma dor profunda e secreta. Ao lhe ser 38
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negada a forma escolhida de conseguir um pouco de alívio, reagia com fúria. A morte do irmão e seu exílio auto-imposto de sua terra natal tinham que ser um peso enorme. Mas, qualquer que fosse a intenção de Ludo, Natalie havia ouvido dor e anseio na voz dele e apenas isso tinha o poder de lhe partir o coração. Quando dobrou no imenso corredor em arco que levava à sala de jantar, à cozinha e ao jardim de ervas cuidado tão amorosamente por Allena e o marido, Ludo descobriu onde sua hóspede estava. Parecia imersa numa conversa animada com Christos, e ele percebeu, com uma fisgada de prazer, que ela estava usando o mais lindo dos vestidos. O cabelo longo estava penteado num coque solto no alto da cabeça e alguns cachos sedosos lhe emolduravam o rosto. O estilo do vestido, de gola alta, revelava o longo pescoço elegante e os ombros esguios. O tecido flutuante era perfeita para sua atraente forma feminina. Como se sentisse sua presença, Natalie se virou e o rubor que lhe aqueceu o rosto á tornou tão linda como uma pintura. Os lábios de Ludo formaram deliberadamente um sorriso lento de apreciação. — Então é aqui que está. E vejo que já se vestiu para o jantar. Está tão adorável como a própria Afrodite. Venha deixe-me olhar para você. Tomou-lhe a mão e a fez girar devagar para que pudesse estudar cada detalhe do vestido e do corpo esguio e adorável. Christos se retirou com discrição e um sorriso conhecedor. — Você me faz pensar numa linda ninfa das águas neste vestido — comentou Ludo, a voz rouca. — Elas não são criaturas graciosas e efêmeras? — Os luminosos olhos cinzentos brilharam provocantes. — Certamente não pode me comparar a uma delas. Quando era criança, meu pai sempre me dizia que era tão graciosa como um elefante com dois pés esquerdos. — Eu lhe perguntaria se é cego, mas como o conheci, sei que não. — Não. Suponho que estava apenas sendo realista. — E você acreditou que não é graciosa desde que era apenas uma criança? — Era só uma brincadeira familiar. Isso não significa que ele não me ama. Como Natalie mais uma vez conseguiu enfeitiçá-lo com seu lindo sorriso e olhos brilhantes, Ludo impetuosamente puxou-a para ele, precisando abraçá-la para experimentar de novo o prazer de tê-la nos braços, suas delicadas curvas femininas pressionadas ao corpo dele. Parecia que toda vez que a tocava, toda vez que apenas a olhava um fogo se espalhava por seu sangue e não podia ser facilmente apagado. Pelo menos, não até que a fizesse dele. Então, e apenas então, quando erguesse os olhos para ele com a mesma febre de anseio e luxúria que o tomava, se sentiria remotamente satisfeito. — Ele devia ter lhe dito todos os dias como você é linda, como é preciosa para ele. — E lhe beijou de leve o rosto macio como veludo. — Ele pode não ter dito nunca estas palavras exatas — replicou Natalie, — mas eu sabia que ele as sentia. Odiaria que você tivesse uma impressão errada sobre ele. Sinceramente, por trás de suas brincadeiras de mau gosto, de seu exterior confiante, é um homem que se importa profundamente com as pessoas que ama. Feliz em ficar exatamente como estava; com as mãos descansando de leve nos quadris esguios e, no entanto totalmente femininos. Ludo observou os suaves olhos cinzentos e refletiu sobre o comentário dela. — Lembro que, na nossa primeira conversa, você pareceu ter dúvidas sobre se seria uma filha gentil e devotada. Em minha opinião, pelo que observei até agora, Natalie, você definitivamente é. Mas acho que assume responsabilidade demais por seu pai. É culpa sua ele ter adquirido os hábitos destrutivos que resultaram na perda dos negócios, na necessidade de vendê-los?
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— É claro que não. Natalie franziu a testa e se afastou abruptamente e Ludo se arrependeu do impulso que o levara a comentar os problemas do pai dela. Mas se sentia sinceramente aborrecido por causa dela. Uma coisa era ser uma filha boa e outra muito diferente se sentir responsável por todos e cada um dos erros que um pai ou uma mãe cometia. Ludo suspirou e então, porque ela era tão encantadora, sorriu. — Por favor, não pense que estou tentando lhe dizer como pensar ou sentir. Estou apenas preocupado que você não se valorize. E também é o hábito de uma vida inteira ser franco e direto e sei que meu mau humor a aborreceu. Aproximou-se mais e gentilmente tomou um cacho longo e solto que repousava sobre o rosto dela e o levou para trás da orelha. No começo, seu sorriso em resposta foi tímido e inseguro. Mas então, como o sol surgindo por trás de uma nuvem negra, a curva acolhedora dos lábios de Natalie se tornou simplesmente luminosa. — Não estou aborrecida. As tensões de uma viagem podem deixar uma pessoa irritada. Mas gostaria de ser franca também, Ludo. Acredito do fundo do coração que uma preocupação partilhada é reduzida à metade. Sei que você ainda está de luto por seu irmão e teme enfrentar seus pais depois de passar tanto tempo sem vê-los, mas talvez ajude se dividir seus temores comigo. O que quer que me diga, prometo jamais trair sua confiança. Apenas ouviria e, se puder lhe daria apoio. — É claro que você faria isso. — Mas sua expressão era sombria. — Provavelmente é o que você faz por todos os corações feridos e as almas perdidas que encontra, não é? A pensão que dirige com sua mãe talvez seja uma filial mais confortável das Samaritanas. — Os lábios se enrugaram por um momento. — E quem recusaria conversar com uma visão de beleza como você? Não tinha a intenção de ser cruel, mas não conseguiu esconder a amargura que sentia. Por que não houvera alguém como Natalie por perto quando recebera a notícia de que Theo estava morto? Alguém com quem se sentisse seguro a ponto de mostrar seu coração partido? Alguém que não o julgaria ou não veria naquilo uma oportunidade de conquistar privilégios por sua associação a ele? — Lamento Natalie. Mas este não é o momento de abrir meu coração. Não estou dizendo que nego a possibilidade de fazer isso com você, apenas que não vai ser agora. Ela lhe deu outro sorriso compreensivo e por alguns instantes, Ludo se permitiu simplesmente sentir o prazer de recebê-lo, como se fosse uma chuva morna depois de uma longa e fria seca. — Certo. Bem, Christos esteve me falando sobre seu jardim, que está cheio de laranjeiras e limoeiros. Podemos visitá-lo? — Será um prazer lhe mostrar o jardim, glykia mou. Ludo lhe tomou o cotovelo e sentiu uma onda de orgulho por Natalie se interessar pelo jardim. A natureza, com sua beleza e generosidade, sempre tinha sido uma de suas paixões desde que era um garotinho, mas, além de sua mãe, que sempre falava de sua capacidade de cura, raramente conhecera uma mulher que sentisse como ele. Quando saíram, encontraram Christos, que tocou a aba do chapéu de palha e comentou em grego com Ludo: — Você veio na época certa para desfrutar das laranjas e dos limões, Sr. Petrakis. Se deixasse para vir mais tarde, as frutas não estariam em suas melhores condições. — Eu sei. E, por falar nisso, obrigado por todo o seu trabalho na manutenção dos jardins, Christos. Estou convencido que é seu toque mágico que faz tudo crescer com tanta saúde e abundância. — É meu prazer servi-lo. Ludo ficou feliz em saber que o empregado devotado e respeitado ainda gostava de
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trabalhar para ele. Quando Christos e sua esposa se aposentassem, pretendia garantir que tivessem uma casa e um jardim adequados para que ele pudesse continuar a fazer o que gostava. Ludo se afastou com a mão no cotovelo de Natalie e a guiou pelo caminho de pedras vermelhas que levava ao pomar onde as árvores e os frutos eram tão abundantes. Mesmo antes de vê-las, o ar já estava carregado com o cheiro das frutas maduras. Natalie se afastou e bateu as palmas, entusiasmada. — Este cheiro é incrível! — Os brilhantes olhos claros e a empolgação alegre eram tão atraentes que, por um momento, Ludo se sentiu tonto e ficou imóvel. — Vamos em frente — convidou, sorrindo. — E você verá as frutas responsáveis por ele. Era como caminhar pelo Jardim do Éden. Eram fascinantes o perfume e a visão das laranjas e limões maduros que pendiam pesados, dos galhos finos das árvores em meio a um tapete verde salpicado de flores. O que aumentava a maravilha e o prazer era que seu anfitrião parecia muito mais relaxado do que antes. Sentira esperança quando ele lhe dissera que não descartava a possibilidade de abrir seu coração a ela. Uma brisa quente surgiu e ergueu uma mecha dourada do cabelo dele e, naquele instante, ele pareceu tão jovem e descuidado que ela podia imaginá-lo numa época mais feliz, antes da tragédia da perda do irmão amado e da separação do país e dos pais terem traçado cicatrizes profundas em seu coração. — Isso me tira o fôlego. — Natalie balançou a cabeça e colocou a mão sobre o coração. — E me faz me perguntar o que fiz para merecer o presente desta vista, deste cheiro. Sem dizer nada, Ludo lhe segurou a mão e começou a andar. Incerta sobre o que ele pretendia fazer, Natalie o acompanhou pelo gramado até um limoeiro carregado, apanhou um limão amarelo e maduro e ergueu-lhe a mão. — Abra a mão — pediu. Ela obedeceu. Ele apertou com força o limão, a casca se abriu e o suco rico lhe encheu a palma como um néctar, o cheiro fresco da fruta tomada pelo sol lhe tomando as narinas. Quando Ludo tirou a mão da dela, Natalie ergueu-a até o nariz. — É glorioso! — Sorriu. — Deve ser o cheiro mais fresco do mundo. — Se você acrescentar uma colher de chá de açúcar ao suco e esfregar as mãos; terá o melhor amaciante de pele que existe. — Como sabe? Os olhos entrefechando contra a luz do sol, Ludo sorriu com prazer. — Minha mãe me contou. Costumava observá-la passar suco de limão e açúcar nas mãos depois de lavar a louça. Tudo o que posso dizer é que as mãos dela eram sempre tão suaves como as de um bebê. Não precisa acreditar apenas na minha palavra, quando tiver a oportunidade, experimente. — Vou fazer isso. — Agora, vamos até a fonte para você lavar as mãos. Numa fonte magnífica de pedra, com suas águas cristalinas descendo em cascata de um vaso virado para baixo na mão de uma jovem pastora, Natalie lavou as mãos e as levou ao rosto para esfriar a pele aquecida pelo sol. Sabia que não era apenas o sol que as esquentara. Ludo Petrakis havia lançado um feitiço sobre ela. Um feitiço que, naquele exato momento, á fazia desejar jamais se libertar dele. — Assim está melhor — disse e sorriu. — Acho bom entrarmos para comer. Allena nos preparou um jantar especial e, se não estou enganado, será minha moussaka favorita, seguida por baklava. Espero que goste de doces, Natalie? — Gosto muito e baklava é um dos meus favoritos. O olhar de Ludo para ela foi lento e avaliador e, no silêncio momentâneo, Natalie
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prendeu a respiração e se perguntou o que ele estaria pensando. Logo descobriu. — É muito bom saber que a tentação é capaz de dominá-la, glykia mou. — A voz era lenta e profunda. — Porque, bem agora, a tentação que você é, está me testando de maneira quase insuportável. Quando ele estendeu a mão para a dela de novo, deixou-o segurá-la sem hesitação, amando o calor tranqüilizador do toque dele e percebendo como poderia se viciar nele. Ludo se virou e a levou de volta pelo caminho de pedras até a casa. Depois de desfrutarem da soberba moussaka e da salada de feijões que Allena lhes servira, seguidas pela deliciosa baklava, levaram suas xícaras de café para o terraço. O crepúsculo se aprofundava e a superfície vítrea do Mediterrâneo brilhava não com a luz do sol, mas com a enfeitiçante e serena claridade da lua. Natalie se recostou nas almofadas da cadeira de vime e suspirou contente. Virou-se para partilhar seus pensamentos sobre a cena linda com Ludo e viu que as pálpebras dele estavam fechadas e não soube se ele adormecera ou se estava simplesmente perdido num devaneio. A viagem de avião certamente havia sido tensa para ele, já que estava voltando para casa pela primeira vez desde o funeral do irmão. Então decidiu continuar calada para não perturbá-lo. Não era nada difícil relaxar diante de toda aquela beleza que certamente o incluía. Estava acreditando cada vez mais que ele tinha razão. Ficaria com o coração partido quando tivesse que deixar aquele lugar, deixar Ludo. O pensamento a fez se sentar de susto. O impulso de aceitar aquele acordo estava perigosamente ricocheteando nela. E no dia seguinte a apresentaria aos pais como noiva dele. Por mais que adorasse aquele país maravilhoso e ansiasse por explorá-lo por algum tempo, Natalie se perguntou se realmente poderia continuar com a aquela farsa. O movimento súbito e inesperado da mão dele sobre a coxa lhe mostrou que ele não estava cochilando, apenas sentado, imóvel, talvez pensando. Ela estendeu a mão para pegar a xícara sobre a mesa e arriscou: — Ludo? Você está bem? — É claro que estou bem. Por que pergunta? — Estou preocupada com a forma como se sente. Desde que lhe contei que minha mãe ouviu a notícia do que aconteceu com seu irmão, tenho sentido você se retraindo aos poucos. Você mal conversou durante a viagem até aqui. Não tive a intenção de aborrecêlo ao lhe contar o que ela me disse. Ludo ergueu a mão até a testa, esfregou-a, os olhos azuis brilhantes de cautela, como um gato diante de um perigo iminente. — Às vezes penso que os gregos de todo o mundo têm uma capacidade misteriosa de intuir o que está acontecendo com os outros gregos mesmo sem nunca se encontrarem. Não devia ficar surpreso por sua mãe ter ouvido sobre a tragédia da morte do meu irmão, mas fiquei. Se pareço ter me fechado um pouco, é porque qualquer referência a Theo me enche de novo de grande tristeza e arrependimento. Também vou ter que enfrentar meus pais amanhã e tentar explicar a eles porque fugi depois do funeral. Natalie engoliu com força. — Fugiu? — Sim. Fiz as malas e parti assim que terminou o funeral sem lhes dar explicação de nenhum tipo. Não consegui lidar com o luto deles. Cortava o meu coração vê-los tão devastados sem saber o que fazer. Eles sempre foram exatamente como meu irmão Theo; firmes e confiáveis. Como se nada, nem mesmo um terremoto, pudesse abalar sua sólida união. — Balançou a cabeça e passou os dedos agitados pelo cabelo manchado pelo sol. — E em vez de apoiá-los durante aquela fase terrível, lhes dar consolo, escolhi escapar. Queria tentar apagar o passado e tudo o que havia acontecido me perdendo no trabalho e tentando o melhor que podia não pensar nele. — E ajudou?
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— É claro que não ajudou! — Furioso consigo mesmo, com Natalie e talvez com o mundo inteiro, Ludo se levantou num pulo, respirando com força. — Descobri que você pode fugir para o mais longe possível, para o lugar mais remoto do planeta, mas não pode deixar para trás sua dor e seu luto. Aonde quer que vá, acompanham você. Tudo o que minha fuga fez por mim foi aumentar meu já insuportável senso de culpa e fraqueza. A percepção de que, como filho; fracassei completamente com meus pais, as pessoas que mais amo. Eles devotaram a vida a nós, a mim e a Theo, e veja como retribuí. É imperdoável. A angústia em sua voz fez Natalie se levantar imediatamente. — Não fez isso deliberadamente, Ludo. Não foi planejado. Você estava sofrendo também, lembra? Foi uma reação compreensível. Ele colocou as mãos nos quadris estreitos e lhe capturou o olhar com uma expressão de total desolação nos olhos. — A única forma de compensá-los é apresentá-la como minha noiva, Natalie. É por isso que precisa fazer isso por mim. Não basta eu voltar para casa, sozinho. — Por quê? — Deu a volta na mesa para ficar diante dele. — Por que não basta? Você é o filho amado. Um filho de quem qualquer pai ou mãe teria orgulho. E as pessoas perdoam aqueles que amam. Mesmo quando eles fazem o que chamou de “imperdoável”. — Perdoam mesmo? — Os olhos brilharam de cinismo. — Não sei como você se tornou tão otimista. Na minha experiência, perdoar alguém que a feriu e a feriu muito é a coisa mais difícil de todas. — Mas se você descobrir que se fere ainda mais quando não perdoa, então talvez não seja tão difícil. Por exemplo, quando meu pai se separou da minha mãe e de mim, me senti tão arrasada e traída que pensei que nunca mais confiaria nele. Como ele podia fazer uma coisa daquelas conosco? Pensei que era um mentiroso e um traidor e merecia não ser feliz nunca mais! Por muito tempo nem mesmo quis vê-lo. Mas durante todo este tempo minha mãe não me deixava falar uma palavra contra ele e me incentivava a perdoá-lo. Confie em mim, não foi fácil. Mas precisava fazer isso se quisesse me sentir em paz porque estava me matando manter toda aquela fúria e dor no meu coração. Então, quando ele teve seu problema cardíaco, a decisão de perdoá-lo por tudo foi fácil. Estou tão contente por ter percebido isso porque agora nosso relacionamento é mais próximo do que antes. — Estava trêmula quando chegou ao fim de sua fala apaixonada, em que revelara sentimentos que nunca mostrara a ninguém. Nem mesmo à sua mãe. Passou os dedos que tremiam pelo cabelo e ficou impressionada consigo mesma. — Desculpe — murmurou. — Estávamos falando sobre seus pais. Apenas quis lhe mostrar que acredito que, se realmente ama alguém, este amor nunca morre. Não duvido por um segundo que seus pais jáo perdoaram, Ludo. Minha mãe uma vez me disse que o amor por um filho ou uma filha é maior do que qualquer outro e continua a viver mesmo quando o pai ou a mãe morre. Agora seu rosto queimava. O homem diante dela não se movia, nem tentava interrompê-la. Em vez disso, o olhar profundo e pensativo que lhe dirigia, sugeria que pensava muito, talvez esperando encontrar algum conforto em sua declaração de que o amor de um pai ou uma mãe jamais morria, não importava o que o filho ou filha tivesse feito. Natalie podia apenas rezar para que fosse verdade. Sob a camisa branca de linho, os largos ombros de Ludo se ergueram e abaixaram, revelando muito pouco do que sentia, e a ansiedade de Natalie cresceu, havia invadido um terreno que talvez não devesse. — Descobriremos amanhã se meus pais me perdoaram ou não. Mas agora pretendo fazer uma longa caminhada para refletir sobre o que conversamos. — Gostaria que fosse com você? Um canto da boca de Ludo se ergueu ligeiramente.
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— Não. Este é um momento em que preciso ficar sozinho. Se quiser alguma diversão, pergunte a Allena o que há disponível. E se houver alguma coisa de que precise, apenas peça a ela. Se quiser se deitar cedo, vá em frente. Não se dê ao trabalho de esperar por mim acordada. Conversaremos de novo amanhã durante o café da manhã. Kalinihta, Natalie. Durma bem. Ludo se aproximou, beijou-lhe distraidamente o rosto e quando se virou para se afastar o calor do corpo dele aqueceu o ar, seu cheiro se misturando ao perfume das buganvílias que cobriam as paredes do terraço, como se as flores também registrassem sua partida e estivessem tristes por isso.
CAPÍTULO OITO
Ludo gostava da noite. Mais ainda, gostava do ar noturno de seu país. Não importava para onde uma pessoa ia à ilha, respirava um ar carregado com uma variedade de aromas sensuais. Alguns dos cheiros mais fortes eram de oliveiras e pinheiros, buganvílias e jasmim, de pão assado da maneira tradicional. E onde quer que as pessoas, comessem; o cheiro delicioso de carne na brasa e de peixe fresco tentaria o mais difícil dos paladares. Porém, mais do que o alimento tentador e os perfumes que tanto atraíam os turistas, Ludo amava principalmente a visão e o som do Mediterrâneo e do Egeu. Sempre o acalmaram; permitiram-lhe se focalizar em si mesmo, não importavam as preocupações que o atormentavam no momento. Mas quando soube que Theo havia se afogado nas águas do litoral de Margaritari foi o dia em que Ludo chegou a odiar o mar. Como poderia sentir prazer com ele de novo se havia tomado dele tão cruelmente seu irmão? Caminhando junto à praia deserta, parou para observar a linda lua crescente que se pendurava no domo escuro acima dele. — Digam o que querem à lua crescente — costumava dizer a mãe aos dois filhos quando eram meninos. — Se fizerem um pedido, talvez recebam o que querem; meus filhos. Bem, Ludo havia pedido para ser tão rico como Creso. Sem dúvida, Theo desejara alguma coisa muito mais humanitária, para prestar serviços aos menos afortunados. Mesmo quando criança; tinha mostrado uma bondade e uma paciência incomuns. Mas, não importava quanta riqueza tinha ou quanto poder acumulara, Ludo sabia que abriria mão de cada euro que possuía se pudesse ter seu irmão de volta. Mais uma vez, uma onda familiar de dor o percorreu como se estivesse em chamas e esfregou o peito numa tentativa de amenizar a dor. Obrigou-se a caminhar até um ponto mais distante da praia. Alguns turistas o cumprimentaram e, depois de responder com relutância, ele se afastou depressa. Não estava com o humor para ser sociável naquela noite. Havia tirado o tênis quando chegara à areia e, apesar da dor e do arrependimento que pesavam sobre ele, sentiu por alguns momentos o prazer da sensação dos grãos dourados e quentes sob as solas dos pés. Pensou que devia ter aceitado o oferecimento de Natalie. Por que recusara sua companhia? Devia saber que sua presença o acalmava. Acalmava-o e o excitava. De repente, sentiu um desejo insano de ouvir sua voz, as palavras encorajadoras que pareciam lhe ocorrer tão naturalmente. E se deixasse sua guarda cair e admitisse que não quisesse mais suportar os temores e as preocupações que o atormentavam quando estava sozinho? E se pedisse a Natalie para partilhá-los? Ela estaria disposta a fazer isso 44
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por ele? Mas, mesmo enquanto estudava a idéia sob todos os ângulos, Ludo se lembrou de como ela o havia exortado a acreditar que seus pais já o haviam perdoado por sua negligência. Suas palavras despertaram esperanças perigosas que seriam cruelmente esmagadas se eles não tivessem. Então, onde estaria ele? Seu sucesso não significaria nada se não recebesse o respeito e o amor incondicional dos pais. Seus pensamentos se voltaram de novo para Natalie. Teria aceitado sua sugestão e se deitado cedo? Durante o jantar, escondera dele um bocejo mais de uma vez. Provavelmente estava ansiosa por uma boa noite de sono, enquanto ele, sem dúvida, enfrentaria mais uma noite de tortura lutando com seus temores sobre como seria o dia seguinte. Diabos, que fosse tudo para o inferno! Por que não tinha sido capaz de planejar uma existência mais simples do que a que escolhera? Em vez de trabalhar obsessivamente e tentar acumular ainda mais riqueza, deveria agora estar cortejando o amor de sua vida, como seu pai havia feito quando conhecera sua mãe. Por que não estava antecipando a construção de um lar e uma família com ela e talvez vivendo boa parte do ano em Margaritari, como uma vez sonhara? Sentiu de repente como estava cansado das viagens sem fim que preenchiam a maior parte do ano. O que realmente queria era passar tempo de qualidade com a família e os amigos, mergulhar novamente nos valores simples e sólidos que brilhavam como um farol de bondade e bom senso num mundo que freqüentemente se movia depressa demais, no qual as pessoas passavam inquietas, de um prazer sem sentido para o seguinte, em busca do mais elusivo dos objetivos, a felicidade. A verdade era que, para Ludo, o mundo dos negócios, no qual um tubarão comia o outro e que abraçara tão ansiosamente, havia perdido sua atração desde que Theo morrera. Poderia ter buscado refúgio nele quando se exilara de seu país, mas fracassara miseravelmente. Tudo o que ele lhe mostrara era como sua vida havia se tornado emocionalmente vazia. Havia tentado se enganar dizendo que queria continuar percorrendo o mesmo caminho sem alma. A verdade era que Ludo sentira sempre uma imensa saudade de seu lar e de seu país, muito mais do que percebera. De repente e sem que quisesse, surgiu em sua mente a visão de Natalie estendendo a mão sob o limoeiro para que ele demonstrasse a riqueza do fruto maduro. Havia uma inocência estranhamente atraente nela que o excitava e encantava a cada vez que a via. E que causava o caos em sua libido. Apenas pensar em sua figura esguia e graciosa, no cabelo longo e brilhante e nos grandes olhos cinzentos o fazia se sentir quase desesperado para tê-la em sua cama, para seduzi-la apaixonadamente. Algum dia ela teria a vontade ou a coragem de se convidar para ir ao quarto dele, como havia sugerido? Ludo não sabia o motivo, mas apesar de sua quase instantânea conexão, sentia intuitivamente que não deveria seduzir Natalie apenas para realizar o desejo insano pelo prazer que ela lhe daria. Devia dar-lhe tempo para perceber que suas necessidades eram tão grandes como as dele. Quando soubesse e o quisesse espontaneamente, o ardor entre eles seria nada menos do que explosivo, tinha certeza. Mas não o ajudava a lidar com a perspectiva tão atraente. Chutou a areia com um suspiro frustrado e andou em direção ao mar. Não era o único a ser conquistado pelos encantos de Natalie. Durante o jantar, seus modos gentis e sorrisos fáceis haviam claramente formado um laço entre ela e Allena. Se tivesse a oportunidade, seria possível a formação de um laço semelhante entre Natalie e a mãe dele? Irritado, lembrou a si mesmo que seu noivado era apenas uma farsa amarga e doce, nascida de seu anseio para convencer seus pais a vê-lo sob uma perspectiva melhor, e deixou escapar uma praga furiosa. Abaixando-se, pegou uma pedra meio enterrada na areia e a jogou nas ondas iluminadas pela lua e que morriam na praia.
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Natalie estivera tão cansada que dormira na cama totalmente vestida. Tentara esperar acordada por Ludo, mas quando o tempo passou e ele não chegou, ela subira para o quarto, o coração apertado. Do terraço, olhara para o mar iluminado pela lua pelo que lhe pareceu uma eternidade, pensando em como era trágico que o reverenciado e amado Theo tivesse morrido sob as ondas. Sentira-se tomada por uma profunda sensação de tristeza que não conseguira afastar. Perdida em seu comovente devaneio, experimentara um momento de verdadeiro pânico ao imaginar Ludo andando sozinho pela praia, sem nada a não ser dor e arrependimento o acompanhando. Devia ter insistido em sair com ele, ficar com ele, mesmo se o irritasse. Valeria a pena se arriscar para ter certeza de que ele estava bem. Finalmente, incapaz de lutar contra o que sabia ser total exaustão, Natalie se dirigira para a cama luxuosa, sentara-se, tirara as sandálias e, antes que percebesse o que fazia se deitara em posição fetal e adormecera profundamente. Não sabia quantas horas eram quando acordou na manhã seguinte, mas o brilho do sol que passava pelas janelas francesas abertas para o pátio era glorioso. Quando se sentou e viu que ainda usava o lindo vestido alaranjado da noite anterior, balançou a cabeça, incrédula. Aquilo nunca havia acontecido. Mas o último dia tinha sido cheio demais, com a viagem e a tensão que a acompanhara, a tensão crescente quando Ludo preferira caminhar na praia à luz da lua e ela não o vira voltar. Despiu-se rapidamente e foi para o banheiro, imaginando se Ludo a considerava ingrata ou rude por não ter esperado por ele. Afinal, não era o comportamento esperado de uma noiva supostamente devotada que os pais dele conheceriam naquele dia, era? E então a percepção do seu comprometimento a atingiu plenamente. Mas o choque também a fez se apressar para se encontrar com seu anfitrião. Tinha muitas perguntas a lhe fazer sobre a iminente visita à casa familiar. Uma sorridente Allena informou a Natalie que Ludo estava no terraço, esperando por ela para tomarem o café da manhã. Inalou o ar profundamente e parou na entrada em arco, coberta de flores. Observou-o silenciosamente sentado na cadeira de vime, os joelhos erguidos contra o peito, os braços relaxados os envolvendo. Naquele dia usava uma camisa branca de linho e calça chino escura. Os pés estavam nus. Com a vista impressionante do oceano brilhante ao sol atrás dele, a pele dourada e as pernas longas o faziam parecer um belo dançarino em repouso. O coração de Natalie perdeu uma batida. Ficou totalmente hipnotizada pela linda pintura que ele formava. Ludo se virou de repente e a surpreendeu com o cumprimento. Há quanto tempo sabia que estava lá? — Kalimera, Natalie. Espero que tenha dormido bem. — A voz era leve e sorridente, os cantos dos olhos se franziram com o sorriso que a deixava sem fôlego. — Dormi como um bebê, obrigada. Na verdade, estava tão cansada na noite passada que dormi vestida e só acordei há meia hora. Espero que não o tenha feito esperar demais? — Sabia que chegaria a algum momento, portanto, não. Não me manteve esperando demais. E mesmo se tivesse, teria valido a pena esperar. Você está adorável neste vestido. O vestido azul que Natalie usava tinha mangas curtas e um lindo decote bordado com minúsculas margaridas brancas. As dobras da saia desciam suavemente até os joelhos. Gostava dele porque a mãe o havia comprado para sua viagem à Grécia e dito que era modesto; respeitável e lindo, capaz de despertar o tipo “certo” de atenção. Havia apenas um homem cuja atenção queria conquistar, reconheceu mentalmente Natalie, e era aquele Adonis da vida real sentado diante dela. — Obrigada. Minha mãe o comprou para mim. — Ah. Agora percebo por que escolheu usá-lo hoje. É exatamente o tipo de vestido
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que uma mãe grega compraria para sua jovem e linda filha. Um vestido que ela pode usar cheia de confiança para uma reunião familiar e com amigos e parentes. É adequadamente virginal e definitivamente causará a impressão certa — provocou Ludo. — Agora, por que não vem para a mesa e se serve de iogurte e mel para o café da manhã? Ainda abalada pelo comentário sobre o vestido “adequadamente virginal”, Natalie se apressou em puxar uma cadeira diante da dele e se sentar, qualquer coisa para impedir que Ludo a visse ruborizando dolorosamente. Enquanto se servia de iogurte numa tigela, não tinha pressa de lhe encontrar o olhar conhecedor. — Esperei por você até tarde na noite passada. A que horas entrou? — Por volta de 1h ou 2h. — Deu de ombros. — Talvez. Não estava exatamente interessado na hora. — Uma caminhada tão longa o ajudou a clarear a mente? — Provavelmente. — A resposta não significava nada. — É uma coisa tremendamente corajosa o que está fazendo, Ludo. Voltando para casa depois de três anos disposto a enfrentar o que quer que aconteça. Seus pais devem estar tão felizes em vê-lo de novo. — Acho que você é uma eterna otimista. — Talvez eu seja. — Natalie franziu a testa. — Mas prefiro acreditar na esperança e na determinação a ser cínica. — Deve experimentar seu iogurte com mel. Tenho certeza de que sabe que é tradicional. — De repente, o azul penetrante dos olhos dele mergulhou-nos dela e Natalie se, esqueceu do que pretendia dizer. — Aqui. Ele se debruçou em direção a ela depois de encher uma colher de chá com o néctar rico e dourado. Natalie pensou que iria misturá-lo ao iogurte, mas ele levou a colher aos lábios dela. Seu corpo endureceu e os mamilos formigaram diante da natureza sensual do gesto. Obedientemente e muito consciente de si mesma, ela lambeu o mel da colher, sabendo o tempo todo que Ludo a observava. — Hmm, é delicioso. A expressão não era mais autoconsciente, mas transmitia um convite indefeso. O homem a estava enlouquecendo! Natalie podia não ter experiência na arte da sedução, mas estava quase desesperada para que Ludo a seduzisse. Em resposta, ele sorriu daquela forma lenta e divertida que a fazia querer lhe arrancar a camisa, tirar o lindo vestido azul que ele considerara “adequadamente virginal”, puxá-lo por cima da mesa e insistir que fizesse amor com ela. O pensamento a fez morder o lábio inferior para se impedir de rir, era tão ultrajante! Era também o oposto de tudo em que acreditara em toda sua vida. Você é uma pessoa tão ingênua em relação aos homens, Nat. Ainda não conheceu um homem que simplesmente precisava ter, dissera-lhe certa vez uma amiga. E não, não até ter posto os olhos em Ludo Petrakis, não conhecera. — Você parece estar com vontade de rir. O que é tão engraçado? — Ludo colocou a colher que usara sobre um pires. — Apenas um pensamento louco que surgiu na minha mente — admitiu cautelosa. — Quer me contar o que é? — Não. — Arrumou o cabelo atrás da orelha e deu de ombros numa tentativa de desviar sua curiosidade. — Pelo menos, não agora. Pode me contar um pouco mais sobre seus pais antes de eu conhecê-los? E é possível parar em algum lugar para que eu compre um presente para sua mãe? Realmente quero levar alguma coisa para ela. Ela gosta de flores? — É claro, mas tem um enorme jardim cheio delas. Não precisa se preocupar em levar nada, sua presença como minha noiva já será um belo presente, Natalie.
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Ela se sentiu diminuída e franziu a testa. — Mas não sou sua noiva, sou? Estamos apenas fingindo que sou. O músculo que pulsou na lateral do rosto bronzeado mostrou seu aborrecimento. — Eu sei disso. — De qualquer forma, é educado levar um presente para alguém que o convida para uma primeira visita, não é? Ele suspirou. — Se significa tanto para você, anjo, então vamos parar num lugar que conheço e comprar um lindo vaso em que ela poderá arrumar suas flores. Será suficiente? Natalie se sentiu um pouco melhor e conseguiu sorrir. — Obrigada. Será suficiente. Vai me contar mais um pouco como é sua mãe? Eu realmente gostaria de saber. A expressão de Ludo relaxou imediatamente, com se o assunto só pudesse agradálo. — É uma linda mulher, uma mãe maravilhosa, e adora deixar as pessoas confortáveis em sua casa. O que mais posso lhe dizer? — Os olhos azuis brilharam, divertidos. — É uma cozinheira sensacional e uma excelente costureira, costumava ganhar a vida costurando antes de conhecer meu pai. Ele confia nela completamente, sabe? Mas não me agradecerá por contar-lhe isso. É um típico “homem grego” e tem orgulho disso. Agora, pode fazer uma coisa para mim antes de eu dizer mais? — E o que seria? O coração dela disparou quando os olhos encontraram aquelas íris de um azul brilhante. Ainda estava excitada. Certamente era um desafio impossível manter o olhar nele sem revelar seu desejo? Com os cotovelos repousando na mesa, Ludo se debruçou ainda mais e ficou tão perto que ela poderia contar cada cílio dourado que lhe emoldurava os olhos. — Pode tentar não ser tão adorável quando sorri? — A voz era baixa e rouca. — Você me faz querer tirar este sorriso com um beijo quente e langoroso que provavelmente me levaria a despi-la deste lindo vestido virginal que sua mãe comprou e fazer ainda mais coisas com você. Natalie mal teve tempo de sufocar um gemido. — Acho que não. Quero dizer, acho que devemos... Que devemos. — Tentar? Ela engoliu com força, pegou um guardanapo e o levou aos lábios. — Acho que devemos procurar um assunto mais seguro, não acha? — Mesmo quando está me matando ter você me olhando com esses inocentes olhos cinzentos e não lhe dizer em detalhes o que gostaria que fizéssemos juntos na cama? — É assim que o faço se sentir? — A voz havia descido para um sussurro chocado. — Você não faz idéia — rosnou; então se levantou de repente e passou os longos dedos pelo cabelo. — Mas sem dúvida terá que esperar. Precisamos começar logo a viagem para a casa dos meus pais e devo me concentrar nisso. — Quanto tempo nós levaremos para chegar lá? — Cerca de uma hora. — Onde exatamente eles vivem? — A 4 km de Lindos, mas a região é rural em comparação com a cidade. Felizmente, também é perto da praia. — E foi lá que você cresceu? Mais uma vez Natalie percebeu a cautela nos olhos de Ludo. Ainda estava apreensivo sobre ver os pais e provavelmente temendo o pior quando o recebessem. Desejou saber como ajudá-lo a se tranqüilizar.
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Ele se virou para olhar para o mar. — Sim. É onde meu irmão Theo e eu crescemos. Tivemos uma infância realmente mágica lá. Éramos tão livres. O que deveria ser o direito de todas as crianças. Geralmente corríamos para a praia para brincar antes da escola. Então voltávamos para casa para o café da manhã. — Vocês tomavam o desjejum? Sei que muitos gregos não tomam, além de beber café, quero dizer. — Minha mãe acreditava que era importante para as crianças começarem o dia bem alimentado. — Com uma sobrancelha erguida, ele se virou para ela. — Ela nos dava psomi com queijo macio para comer. — Adoro esse pão. Minha mãe o faz de vez em quando, especialmente quando temos convidados para o jantar. Natalie se aproximou cuidadosa, sem querer perturbar a comovente e inesperada linha de pensamento de Ludo, e ela se sentiu agradecida por ele partilhar com ela uma lembrança tão calorosa. — Precisa contar isso à minha mãe. Certamente vai querer saber todos os detalhes. — Ludo ergueu a mão e pressionou a palma suave e brevemente no rosto dela, como se não confiasse em si mesmo para parar. — Acho que é hora de partirmos. Se houver mais alguma coisa que queira me perguntar, podemos conversar durante a viagem. E, no momento seguinte, ele se afastou depressa para as portas abertas do pátio e, antes que ela pudesse responder, entrou.
CAPÍTULO NOVE
A casa branca de construção tradicional, que era tão familiar para Ludo, avultou diante deles dez minutos antes que o Range Rover chegasse ao fim da estrada de terra ondulante por onde viajavam. Embora a arquitetura fosse típica de muitas casas locais, era mais alta e imponente do que todas. Erguia-se no alto da colina e podia ser vista por quilômetros no entorno. A estrada de terra logo foi substituída por um caminho de mármore com fileiras de figueiras nas laterais e que levava diretamente ao terraço em arcos de pedra branca. Atrás da vila, as enganadoras águas calmas do Egeu criavam um fundo impressionante e, embora ele conhecesse bem a casa e a vista, ainda tiravam o fôlego de Ludo com sua beleza. Mas ele não contemplou a cena por muito tempo. Estacionou o carro e sentiu o estômago queimar a perspectiva do seu primeiro encontro com os pais depois de três longos anos. Seria possível que algum dia eles lhe perdoassem a deserção num momento em que mais precisavam dele, especialmente sua mãe? Se não o tivessem perdoado, então teria que apenas lhes desejar o bem e se afastar de novo, mesmo que isso lhe partisse o coração. — Ludo? — Ao lado dele, a voz suave de Natalie interrompeu a reflexão sombria e o lembrou que não teria que fazer aquilo sozinho. Pensou de novo, como na noite anterior, na possibilidade de partilhar seus temores com ela e a tensão na boca do estômago amenizou um pouco. — Vai ficar tudo bem. Ela sorriu e ele lhe apertou a mão, agradecido. E ficou impressionado novamente como estava linda e inocente naquele simples vestido azul que a mãe comprara para ela. O decote conservador não revelava nada, no entanto, em sua opinião, um sexy vestido negro de coquetel não a tornaria tão atraente. 49
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— Tenho certeza de que está certa. Se alguém tem a capacidade de me convencer, é você, agapiti mou. Vamos terminar logo, está bem? — A voz era mais áspera do que pretendia, mas abrir mão de seus escudos o deixava curiosamente vulnerável. Quando desceu do Range Rover, desviou os olhos para a entrada da casa. O coração disparou quando viu seus pais andando em direção a ele. Com uma elegante túnica azul e calças brancas largas, o cabelo louro mais curto do que ele se lembrava, sua mãe Eva parecia tão graciosa como sempre, apenas mais magra. Segurava o braço forte e musculoso de seu pai. Incomum para ele; estava de terno, como se quisesse transformar o encontro numa cerimônia formal e talvez lembrar ao filho pródigo que o perdão estava muito distante, pelo menos para ele. Consciente de que as emoções eram muito fortes em todos eles, Ludo voltou a olhar para a mãe e a viu sorrir, tímida, como se não soubesse como ele se comportaria. Aquele olhar de incerteza fez seu coração apertar. No entanto, como a expressão do pai era tão severa, hesitou em abraçá-la como ansiava. Não precisava ter se preocupado. Soltando o braço do marido, Eva Petrakis correu pelo piso em mosaico até Ludo e o abraçou apaixonadamente. Seu corpo ainda esguio tremia enquanto lhe apertava as costas sem hesitação e os sentidos dele mergulharam em lembranças da infância, do amor incondicional por ele e seu irmão. Como havia sentido saudade dela! Eva se afastou um pouco, mas manteve as mãos com firmeza nos braços dele, como se relutasse em deixá-lo partir, e ergueu os olhos para lhe estudar as feições. Contou-lhe em grego como havia se preocupado com ele, como toda noite, antes de dormir, rezava para que estivesse seguro e bem e planejando voltar logo para casa. Para o lugar ao qual pertencia. Em resposta, Ludo pediu num murmúrio desculpas sinceras e declarou seu arrependimento. Ela sorriu e lhe tocou o rosto com gentileza. Então lhe revelou que sabia como ele se sentia; muito mais do que percebia. Não precisava se arrepender de suas ações. Ela compreendia e jamais o culpara, portanto nem ele mesmo devia se culpar. Por mais difícil que tivesse sido para ela e Alekos aceitar, agora estavam conformados com a morte de Theo. Sua hora havia chegado e acreditavam sinceramente que estava ao lado de Deus. Ela se ergueu na ponta dos pés e plantou um beijo caloroso no rosto de Ludo e então, a voz baixa disse que devia dar um pouco mais de tempo ao pai até ele perceber como, era maravilhoso para eles tê-lo de volta em casa. — Seja paciente — aconselhou. Ludo olhou para o pai por cima do ombro da mãe e viu que a dor e o tempo realmente tinham provocado grandes mudanças nele. Havia rugas profundas no rosto bonito e o cabelo cacheado estava muito mais grisalho. Mas emanava a mesma energia formidável que ele e Theo haviam invejado tanto. Se chegar à idade do meu pai e ainda tiver sua força e energia para executar tudo o que ele faz a cada dia, então saberei que os genes dos Petrakis realmente vivem em mim! Era o que Theo sempre pensava e dizia. Engolindo um nó na garganta à lembrança doce e, ao mesmo tempo, amarga, Ludo se afastou da mãe e se dirigiu com determinação para o pai. Parou diante do homem que lhe dera a vida e o criara. — Alô, pai — cumprimentou. — Faz muito tempo, não é? Embora fosse absolutamente sincero, porque os acontecimentos e a passagem do tempo haviam transformado a distância já considerável entre eles num verdadeiro abismo, suas palavras soaram estranhas e ásperas. Em vez de abraçar o pai, como normalmente faria, estendeu a mão. Alekos Petrakis não se moveu. As esperanças de Ludo de uma reconciliação se desfizeram de imediato. — Então decidiu nos dar a honra de voltar para casa finalmente? — observou o pai
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com frieza. — Tive esperanças de que crescesse e se tornasse um homem igual a seu irmão Theo na conduta e no caráter, mas sua ausência pelos últimos três anos me provou que esperei em vão. Não o reconheço, Ludovic, e é um grande sofrimento para mim não ser capaz de reconhecê-lo. Ludo estremeceu. Parecia que tinha levado um soco no estômago. — Lamento que se sinta assim, pai. Mas Theo tem seu caminho e eu tenho o meu. O tremor de vergonha na voz o levou de volta à infância, quando ansiara para que o amor e o respeito do pai por ele fossem tão grandes como os que tinha pelo irmão mais velho e não conseguiu evitar se encolher de constrangimento e dor. A admissão do pai o derrubara. Não via nada de bom nele? Seriam aquelas duas mulheres que estavam ali esperando com paciência as únicas pessoas que acreditavam em seu valor? — Tinha — corrigiu o pai. — Você disse que Theo “tem” seu caminho. Seu irmão não está mais conosco, lembra-se? Ludo amaldiçoou silenciosamente sua falha. A expressão acusadora nos olhos castanhos do pai o atingiu bem no fundo. Quase incapaz de suportar, ele lhe deu as costas e viu com surpresa que sua mãe havia se aproximado de Natalie e elas trocavam sorrisos. Natalie ergueu o fino vaso de cristal que insistira em comprar e a mãe o aceitou graciosamente. Lembrando-se de que ela o aconselhara a ser paciente com o pai, Ludo sufocou qualquer pensamento de fracasso e remorso e voltou para junto das duas mulheres. — Ele não quer me reconhecer — murmurou com tristeza enquanto olhava primeiro para a mãe e depois para Natalie. — Ele apenas precisa de um pouco mais de tempo, meu filho — falou em inglês. — Vocês dois precisam. Tempo para se conhecerem de novo. — Colocou cuidadosamente o vaso sobre uma mesa de ferro trabalhado atrás deles, estendeu a mão para a dele e apertou. — Agora, fomos horrivelmente descorteses. Você não nos apresentou à sua linda noiva, Ludo, e gostaria que consertasse isso. Ela acaba de me dar o vaso mais lindo como presente e estou encantada com sua generosidade. Sem hesitar, Ludo pegou a mão de Natalie e a segurou com força. Uma fisgada instantânea de eletricidade surgiu entre eles e, por um longo momento, o olhar dele se prendeu ao dela. Desejou que estivessem num lugar mais particular para lhe mostrar exatamente como ela o fazia se sentir. Ficou assustado com o tamanho de sua necessidade dela. Mas sabia que era importante fazer as apresentações. — Mãe, esta é Natalie Carr. E, Natalie, esta é minha mãe, Eva Petrakis. — Kalos orises, Natalie. Sei que é meio grega, mas conversarei com você em inglês porque meu filho me disse que você não fala grego em casa com sua mãe. É uma pena, mas tenho certeza de que isto mudará com o tempo. Há muito tempo que espero o momento de dar as boas vindas à minha nora em nossa casa e não me surpreende descobrir que você é tão linda. Meu filho sempre teve um extraordinário bom gosto. Natalie se viu sendo carinhosamente abraçada pela elegante e amigável Eva e sentiu seu clássico perfume Arpège. Sorriu porque era a mesma fragrância que sua mãe usava, o que a fez se sentir em casa. — Yia sas. — disse alô, usando um dos poucos cumprimentos em grego que sabia. — É tão bom conhecê-la, Sra. Petrakis. Ludo sempre fala da senhora com tanta afeição. Lançou um olhar ao homem silencioso ao lado dela, muito consciente de que ele havia ficado ainda mais inquieto depois da curta conversa que tivera com o pai. O Petrakis mais velho parecia formidavelmente severo. Adoraria saber o que havia sido dito, mas podia ver que não tinha sido nada bom. A mãe dele era o contrário, amistosa e suave. E, embora Natalie não fosse realmente a “futura nora” pela qual ansiava; estranhamente não se sentia constrangida. Tudo em que podia pensar no momento era que Ludo precisava da ajuda dela. Mais do
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que isso, havia feito um acordo com ele e pretendia cumpri-lo à risca. Ele já fizera sua parte, pagando ao seu pai um preço maior por seu negócio, e agora tinha que desempenhar o papel de noiva dele de forma convincente, pelo menos, até que chegasse à hora de voltar para a Inglaterra. O pensamento a levou de volta ao presente. — Ludo sempre foi o meu bebê. — Eva sorriu; o olhar amoroso encontrando o do filho. — Foi um menino levado, mas adorava vê-lo sempre alegre e divertido. Nossos amigos e vizinhos o adoravam. Eles o chamavam de o anjo Petrakis de cabelo dourado. Sob o bronzeado, o rosto de Ludo ruborizou de leve. Ao perceber que as palavras ternas de sua mãe o haviam constrangido, Natalie se sentiu ainda mais atraída por ele porque adivinhou como devia ter se sentido secretamente contente com a declaração amorosa. Depois do que havia acontecido três anos antes, ele devia estar faminto por uma demonstração do amor e afeição dos pais, além de seu perdão. — Venha comigo, Natalie. — Ela lhe tomou a mão com firmeza e começou a andar em direção ao homem que estava lá de pé, silencioso e severo, observando todos eles. — Quero apresentá-la ao meu marido, o pai de Ludo, Alekos Petrakis. — Yia sas. É um prazer conhecê-lo, Sr. Petrakis. Tentou demonstrar confiança no tom de voz, mas não foi fácil. Não quando tinha uma clara sensação de que não era fácil enganar o homem com os duros e diretos olhos castanhos. Mas, para sua surpresa, ele lhe segurou a mão calorosamente e seu sorriso contente pareceu muito sincero. — Kalos orises, Natalie. Então é a mulher que teve a coragem de aceitar meu filho Ludovic? O coração dela bateu com força. — Nunca se sabe Sr. Petrakis. Talvez o corajoso seja Ludo. Não nos conhecemos há muito tempo. Quando tivermos mais convivência, talvez ele descubra que tenho alguns traços bem irritantes. Para sua surpresa, Alekos jogou a cabeça leonina para trás e riu alto. Mas antes que pudesse fazer um comentário, Ludo se adiantou. — Duvido muito, meu anjo. Você tem traços demais que me agradam e que compensariam totalmente os menos atraentes. Além disso, você é muito agradável aos olhos, não concorda pai? Natalie mal ousava respirar. O que ficou claro para ela era que Ludo estava estendendo um ramo de oliveira para o pai severo, tentando amenizar um pouco da tensão entre eles com humor. Rezou para que o pai reconhecesse que era essa a intenção de Ludo. A leve inclinação de cabeça do homem indicou que sim e os olhos escuros brilharam de apreciação sobre o rosto de Natalie. — Sua futura esposa certamente é encantadora. Ele sorriu e a boca pintada de vermelho de Eva Petrakis se curvou num sorriso deliciado. Passou o braço pelo do marido, então olhou para Natalie e franziu a testa. — Por que não está usando um anel de noivado? Meu filho distraído ainda não lhe comprou um? Ludo levou a mão para as costas de Natalie e a deixou escorregar até envolver-lhe a cintura. Os dedos a apertaram e ela não podia negar que seu toque caloroso a fazia se sentir mais segura. — Decidimos esperar até chegarmos à Grécia para escolher. — Seus assombrosos olhos azuis lançaram um sinal silencioso para ela concordar. — Na verdade, pretendo visitar um amigo joalheiro amanhã em Lindos. — E você pediu a mão de Natalie ao pai dela? — desafiou Alekos, a testa franzida. — Sabe que é o costume.
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Ludo puxou-a para mais perto dele. Teria sentido seu tremor? De repente, a farsa apresentava mais problemas do que ela antecipara. Do nada, surgiram na mente de Natalie as histórias que sua mãe contava sobre sua infância em Creta. Os pais de um casal de noivos também precisavam de um tempo para se conhecer uns aos outros antes que os filhos se casassem. Por que não se lembrara delas quando concordara com Ludo em se disfarçar de sua noiva? Mais importante, por que ele não pensara naquilo? — Tudo aconteceu tão depressa, o que sentimos um pelo outro, quero dizer. — Inacreditavelmente, Ludo estava olhando dentro dos olhos dela como se cada palavra que dizia fosse verdadeira. O coração dela disparou e quase a sufocou, a boca ressecou. Era como se estivesse num sonho fantástico. — Mal tivemos tempo para pensar em qualquer coisa além de estarmos juntos. Quando voltarmos à Inglaterra, pedirei formalmente a mão de Natalie ao pai dela. Tão logo consiga marcar um encontro com ele. — E depois devem voltar para nós, para fazermos uma festa de noivado para vocês. Se os pais de Natalie quiserem vir, como tenho certeza que vão querer; deve me ligar imediatamente para que possamos organizar as coisas, meu filho. — A voz da mãe de Ludo soava feliz e ansiosa. Seu olhar sorridente se voltou para Natalie. — Sei que foi tudo muito súbito para você, minha querida, mas tem alguma idéia de uma data para o casamento? — Pensamos que mais no fim do ano será melhor. Talvez no outono — adiantou-se Ludo suavemente, roubando-lhe a oportunidade de responder. Foi melhor assim, pensou Natalie. Estava atônita demais com a menção de uma data quando na verdade ambos sabiam que não haveria casamento. Assim que estivessem sozinhos, precisariam ter uma conversa muito séria porque, no momento, os acontecimentos estavam se desenrolando com uma velocidade e urgência que não antecipara e sabia que não conseguiria interrompê-los. A farsa a fazia se sentir profundamente desconfortável e culpada. No entanto, apesar de sua inquietação, Natalie sentiu um profundo desapontamento por não estar comprometida com Ludo, por não se casar com ele. A revelação inegável de que estava totalmente apaixonada por ele tornou difícil para ela parecer pelo menos um pouco composta e no controle de si mesma. — Então vai seguir a tradição e se casar depois da colheita de azeitonas? — O pai de Ludo acenava, aprovando a idéia. — Acho que é uma excelente escolha. Ajudará as pessoas a verem que você é um homem de princípios, Ludovic, um homem para quem os valores familiares ainda são importantes. Ele poderia ter acrescentado afinal à declaração, pensou Natalie, e ficou tensa de ansiedade. A visão imediata de um músculo pulsando na lateral do rosto belamente esculpido de Ludo lhe mostrou que entendera o que o pai dissera exatamente da mesma forma e se ressentia totalmente com ela. No instante seguinte ele confirmou. — Então acredita que eu não era um homem com princípios e valores familiares, pai? — A voz era dura e tensa. O coração de Natalie apertou ao iminente desastre familiar. — Digo o que vejo — respondeu Alekos rígido. — Se algum dia teve estas duas características positivas, então as perdeu quando seu irmão morreu. Com uma praga furiosa, Ludo deu as costas a Natalie e ficou em pé diante do pai. Ela se encolheu. A dor dele por ter sido julgado tão cruelmente pelo próprio pai era evidente e agonizante. — Por quê? — exigiu o olhar duro. — Por que você conclui que parti sem motivos? Nunca se perguntou por que precisei me distanciar tanto de vocês? Não percebeu o quanto também estava sofrendo? Quando Theo morreu, teria dado tudo para que o acidente tivesse acontecido comigo, não com ele! Era ele que todos consideravam um homem bom, um filho de quem sentir orgulho, e ele era! Era maravilhoso e o trabalho que fazia beneficiava centenas, talvez milhares de famílias. Enquanto eu. — De repente, olhou
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para o chão e balançou a cabeça, cheio de raiva e perplexidade, mas continuou: — Eu usei meu talento para fazer dinheiro, muito dinheiro. É quase um palavrão para você, pai, não é? Não tenho nenhum valor e, portanto não posso ser considerado bom, mesmo podendo ajudar as pessoas ao criar empregos. E sabe do que mais? Aprendi como ficar rico com você. É preciso sangue, suor e lágrimas para vencer neste mundo, você me ensinou isso. Trabalhe duro e o mundo será sua ostra, então terá tudo o que quiser. Esse foi seu mantra durante toda nossa infância. Mas quando Theo se tornou médico você decidiu fazer uma distinção entre o que era bom e o que era mau. E fez isso porque gostava de toda glória e admiração que recebia de seus amigos por seu filho ser um médico famoso. — Respirando com força, Ludo passou os dedos pelo cabelo e concluiu: — Bem, sou o que sou e agora não importa mais o que pensa de mim. Mas precisa saber que Theo foi o melhor amigo que tive. Era meu aliado também. Sempre me lembrarei dele não apenas por ser meu irmão, mas pelo amor e apoio que ele me deu durante todo o tempo que tivemos juntos. Ele foi o homem sábio, que me disse que apenas sofreria mais se lutasse contra seu preconceito, quando sempre demonstrou claramente que gostava mais dele do que de mim. “Apenas seja você mesmo” ele me dizia. “Siga seu coração para onde quer que ele o leve. Não precisa da aprovação de ninguém, nem mesmo a do pai.” Eu só voltei aqui para ver minha mãe. Lamento sinceramente ter aumentado seu sofrimento depois da morte de Theo e se houver alguma coisa que eu possa fazer para compensá-la, dou minha palavra solene de que farei. — Jamais precisei de uma compensação sua, Ludo. Mas já aliviou meu coração voltando para casa, para mim, e trazendo sua noiva amada. — Eva Petrakis puxou-o para seus braços e o abraçou com força. Então se aproximou de Natalie e a beijou gentilmente no rosto. Seus lindos olhos azuis estavam brilhantes de lágrimas não derramadas. — Meu filho querido não só voltou para mim, mas me trouxe a filha por quem sempre rezei. Espero que um dia me conceda o meu maior desejo e me dê meu primeiro neto. O som do canto dos passarinhos e, ao longe, das ondas que quebravam na areia, desapareceu e foi substituído por um barulho estranho na cabeça de Natalie. Não conseguia sentir nada a não serem choque e tristeza depois da explosão emocionada de Ludo. E agora, depois do que a mãe dele dissera, mal confiava em si mesma para conseguir dizer uma sentença com sentido. Tudo o que sabia era que a mulher em pé diante dela, com tanta esperança e confiança no olhar, não merecia mais dor ou sofrimento. Mas, então, seu filho também não. — Acho que ficamos aqui ao sol por tempo demais. — Eva sorriu. — Devemos entrar, vou preparar alguma coisa para bebermos. Presumo que vão ficar para o almoço? Mas é claro que vão! Temos tanto a celebrar. Isso está se transformando num dia muito bom. — Franziu a testa para o marido, que não havia se movido um centímetro desde que o filho o havia desafiado publicamente. — Venha comigo, Alekos. Acho que precisamos ter uma conversa antes de nos juntarmos às crianças. Enquanto se moviam em direção às portas abertas do pátio, que levavam para dentro da casa, Ludo segurou com força a mão de Natalie, como se fosse um salva-vidas durante a pior das tempestades no mar. Deliberadamente ignorou o olhar do pai.
CAPÍTULO DEZ
Ludo ficou sinistramente calado na viagem de volta à sua vila e Natalie sabia o motivo. Embora a mãe dele tivesse tentado arduamente conseguir a paz entre os dois 54
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homens durante o longo e delicioso almoço, ambos haviam resistido teimosamente a seus esforços. Ludo estava furioso com o pai por não compreender ou perdoar sua necessidade de fugir depois do funeral do irmão e, na opinião de Natalie, Alekos se mantinha firme na percepção errada que tinha do filho e não podia ou não queria mudá-la. De qualquer maneira, a conversa ficara quase exclusivamente entre ela e Eva Petrakis e, quando chegou o momento das despedidas, pai e filho mal se olhavam. A situação não poderia ter sido mais triste. Depois do desabafo apaixonado de Ludo, da confissão sincera de seus sentimentos, devia ter havido algum tipo de solução entre ele e o pai, ou, pelo menos, uma demonstração de boa vontade recíproca para que pudessem forjar um relacionamento melhor no futuro. E nada daquilo acontecera. Mas, apesar de sua compaixão e preocupação com o dilema de Ludo, Natalie percebeu que não podia ignorar as próprias necessidades. Queria deixar claro para ele que não prosseguiria cegamente com o que quer que fizesse sua vida mais fácil apenas porque ele pagara melhor ao pai dela por seu negócio. Ele garantira que não era um chantagista, mas tinha a reputação de ser implacável na determinação de vencer acordos e não queria terminar se sentindo uma idiota. Enquanto se dirigiam para a vila, Natalie percebeu que não podia mais ficar em silêncio. — Sei que a situação na casa de seus pais foi muito difícil para você — apertou as mãos no colo, nervosa — mas também não foi fácil para mim. Compreendo agora por que você me trouxe e fez aquele acordo comigo. É mais fácil enfrentar uma situação como a que tem com seu pai se tiver alguém ao seu lado, alguém que desempenhe o papel de escudo entre vocês. Mas minha grande preocupação é que você está pensando em mim apenas como um de seus acordos de negócios e tudo o que quer é o resultado que deseja sem levar em consideração meus sentimentos. Viu os ombros de Ludo ficar tensos imediatamente e as mãos apertarem o volante. Ele tirou os olhos da estrada por um segundo para lançar a ela um olhar sombrio. — É essa mesmo a impressão que tem de mim, Natalie? Que só penso em você como um acordo de negócios que quero vencer a qualquer custo e não a considero uma pessoa com necessidades próprias? O tom surpreendido e ferido da voz a fez se perguntar, ansiosa, se havia entendido mal seus motivos. O rosto ruborizou furiosamente. — Então tem consideração por mim? — A voz se tornou quase um sussurro enquanto os olhos se enchiam de lágrimas. — Quero dizer, você se importa com a maneira como me sinto? — O fato de você precisar perguntar me diz que acha que não me importo. Provavelmente é melhor se terminarmos esta conversa quando chegarmos em casa. Com a testa franzida, ele manteve o olhar com firmeza na estrada e Natalie virou o rosto para olhar pela janela, o coração pesado de tristeza. O crepúsculo descia quando chegaram à vila. Ainda calado, Ludo segurou a porta aberta para ela precedê-lo. Quando entraram no espaçoso saguão, estava prestes a falar quando ele abruptamente passou por ela e se dirigiu para a escadaria de mármore. — Ludo, aonde vai? Por causa da conversa que tiveram no carro, Natalie se sentia quase doente de medo de que ele a mandasse para casa, de que não precisasse mais de sua ajuda. Tomou a decisão imediata de segui-lo, vendo com surpresa que estava desabotoando a camisa de linho e tirando-a enquanto andava. A visão dos ombros e das costas musculosos e bronzeados nus fez o coração dela bater com força não apenas de alarme, mas também de excitação. O que diabos ele estava fazendo? Sem conseguir alcançá-lo, viu-o entrar em seu quarto sem nem mesmo se virar para ver se ela o seguia. Inspirando o ar com força, ela bateu à porta, apesar de estar parcialmente aberta. Não se arriscaria a entrar sem se anunciar.
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— Ludo? Sei que não está com disposição para conversar, mas estou começando a me preocupar com você. Não quero que a conversa que tivemos no carro se interponha entre nós e interrompa nossa comunicação. Posso entrar? — É claro. A menos que queira conversar com a porta entre nós. Natalie passou a mão nervosa pela frente do vestido azul do qual ele parecera gostar tanto, empurrou a porta e entrou. Ludo estava em pé diante da enorme cama de dossel que dominava o quarto e que a deixava ansiosa. — Por que tirou a camisa? — Não era exatamente o que queria lhe perguntar, mas estava curiosa. — Quero me livrar da mancha da desaprovação do meu pai. Infelizmente, ela permanecerá e tornará tudo sombrio se ficar vestido com a camisa. Não quero isso. Enquanto jogava a camisa amassada sobre a colcha, olhou para Natalie com um sorriso provocante. Seu magnífico torso esculpido estava nu e a calça cor de ferrugem era baixa nos quadris, deixando à vista a coluna de pelos escuros que descia ainda mais. Ela se obrigou a não demonstrar o abalo que sua beleza masculina lhe causava e que poderia impedi-la de discutir coisas mais sensatas. — Então não é porque eu o deixei zangado por lhe perguntar se considerava nosso acordo como apenas um negócio que pretendia vencer? — Não me deixou zangado, mas me aborreceu depois de ter passado todo o almoço com meu pai me olhando do outro lado da mesa como se eu fosse o inimigo público número um. Não é difícil compreender por que estou tenso e prefiro apenas esquecer a coisa toda. — Mas não ajudará se você simplesmente jogar tudo para o fundo da mente. — Natalie suspirou. — Não será tão fácil como tirar a camisa, Ludo. A lembrança voltará de novo e de novo se não tentar lidar adequadamente com ela. Se quiser falar sobre isso, sou uma boa ouvinte. — Então ainda me ouvirá falar sobre meus problemas, embora tenha suspeitas sobre meus motivos? O coração dela apertou de arrependimento por ter dito aquilo. — Tive que lidar com o fato de que disse a seus pais que vai me comprar um anel de noivado amanhã e; que haverá um casamento no outono, quando nada disso é verdade. Mas agora que conheci seus pais e vi o que significam para você, sei que não tinha intenção de causar danos com a farsa. Se quiser conversar sobre tudo isso, estou disposta a ouvir e tentar ajudar, se puder. — Pode não ser verdade que vamos nos casar no outono, mas ainda pretendo lhe comprar um anel. Nosso noivado não será convincente se não fizer isso. Acredito que, embora não concorde, você está disposta a cumprir sua parte no acordo? Com os lábios franzidos à sugestão de dúvida na voz dele, Natalie acenou. — Estou. Mas, agora, gostaria que você se abrisse um pouco para mim e me contasse como realmente se sente sobre todas essas coisas. Ludo franziu a testa. — Acha que vou me sentir melhor se me abrir? É isso que está dizendo? Não acha que já fiz muito hoje? Viu como meu pai agiu. Apenas piorou as coisas entre nós. — Provavelmente ele está se sentindo exatamente como você agora. Em vez de se sentir justificado por ter sido tão teimoso, aposto que gostaria de voltar o relógio e ter tempo de corrigir as coisas. Você é filho dele, Ludo. Sei que ama você. O homem diante dela ainda mantinha uma expressão desconfiada. — Não quero mais falar sobre isso. O que quero é uma bebida. De preferência uma bem forte. — Sentia-se desconfortavelmente preso e passou a mão, irritado, pelo queixo. — E isso vai resolver tudo, vai? — Natalie balançou a cabeça, triste e irritada. Era inacreditável como ele podia ser teimoso. Claramente havia herdado aquele traço do pai. — Não, não vai. Mas vai me ajudar a me sentir melhor do que me sinto agora,
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depois do imenso fracasso daquela reunião familiar! Passou a mão pelo peito e seus olhos de safira brilharam de raiva. Mas a raiva desapareceu de repente e os olhos dele á fixaram com uma expressão completamente diferente. Brilhavam com uma luxúria inegável. — Isto é — a voz se tornou lenta e preguiçosa — se você não conseguir pensar em outra forma de me fazer me sentir melhor, Natalie. Ela jurava que seria capaz de contar cada batida do coração enquanto ficava lá em pé. Nos últimos segundos, sua capacidade de ouvir cada som que ecoava em torno daquele luxuoso e, grande quarto de dormir, até as ondas que quebravam na areia do lado de fora, tinha se tornado sobrenatural, intensa, como o restante de seus sentidos. Ergueu o cabelo na nuca para esfriar a pele aquecida. — Não posso. Mas isso não significa que quero que beba. O álcool foi o que meu pai usou quando não conseguiu lidar com seu desespero, e acredite em mim, apenas tornou as coisas piores. É o que quer Ludo? Se sentir pior do que já se sente? Muito melhor conversar sobre as coisas do que deixar que seus sentimentos se tornem amargos e lhe causem dor. — Deve ter sido um grande conforto para seu pai ter uma filha como você. Tão sábia para alguém tão jovem e tão capaz de perdoar. Natalie sentiu o rubor lhe cobrir o rosto porque não sabia se ele estava sendo sincero ou sarcástico. — Quando você ama alguém, naturalmente quer fazer tudo o que pode para ajudálo quando precisa. — Concordo. Mas e se algumas vezes você precisar da ajuda dele? Acha que isso a torna uma pessoa má? — É claro que não. — Prendeu o cabelo atrás da orelha com a mão pouco firme e percebeu que Ludo poderia ter entendido sua afirmação de que ajudar alguém que amava como uma crítica a ele por ter partido depois do funeral do irmão, em vez de ficar para ajudar os pais a lidarem com o luto. Seria horrível se ele acreditasse naquilo. — Ludo, eu espero que não pense que fui insensível. Estava apenas tentando explicar o que me levou a ajudar meu pai. — É possível que alguém como você seja insensível? Não acredito. Venha cá. — Por quê? Ele deu de ombros. — Quero conversar com você. Também quero pedir desculpas por fazê-la pensar que não respeito seus sentimentos. Com um gesto para que ela se aproximasse, ele lhe deu um sorriso inegavelmente lento e sedutor. Natalie fez o que ele pediu, não conseguia resistir a ele. Mas suas pernas tremiam tanto que nem soube como conseguiu. Quando estavam um diante do outro, Ludo ergueu a mão e a passou pelo cabelo longo e sedoso até a palma se curvar em sua nuca. O toque e a proximidade íntima do corpo dele á eletrizaram e imobilizaram. Tanto que seus mamilos doeram de anseio para ele tocá-los. Nunca, em todos os seus 24 anos de vida, havia experimentado um desejo tão forte e primitivo por um homem, e o poder dele á chocou. — Eu disse que só esperaria que você partilhasse minha cama se viesse ao meu quarto — lembrou; a voz rouca, o olhar azul que a queimava. — Foi por isso que disse que queria conversar comigo? — Descobriu-se hipnotizada pelo formato atraente dos lábios esculpidos e pelo calor que emanava daquele corpo seminu. Era impossível manter os nervos firmes. — Sabe quanto tempo esperei para que uma garota como você entrasse na minha vida? — O que quer dizer com isso? Que esperava conhecer uma garota comum, que não se move, nos mesmos altos círculos sociais em que vive?
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— Você está longe de ser comum, glykia mou, e não me importo de onde você vem ou em que tipo de círculos sociais vive. Estou simplesmente lhe dizendo que a quero. — Por quê? — Mal sabia por que perguntava, já que a resposta ficou evidente enquanto mãos ansiosas lhe moldavam as nádegas através do vestido e levavam seu corpo para junto do dele. Sob o tecido da calça, ela sentiu seu calor e sua rigidez, que ele não tentou esconder para lhe poupar os rubores. — Acho que já conversamos demais. Tenho certeza de que sabia que, quando batesse à minha porta e perguntasse se podia entrar. Um suspiro trêmulo se soltou da garganta de Natalie quando Ludo estendeu a mão para o zíper nas costas de seu vestido, desceu-o e lhe afastou o vestido pelos ombros. Exatamente quando achou que a beijaria, ele passou os dedos pelas alças do ousado sutiã de renda negra que comprara para aquela viagem, mal sabendo por que escolheria uma peça tão insensata, tão diferente de suas escolhas. Estava a um milhão de quilômetros de distância de seu estilo simples. Ludo puxou para baixo a seda e a renda delicadas para lhe desnudar os seios. Com um olhar ousado que a desafiava a se negar a ele, empalmou-os e desceu a boca para um mamilo rijo. A quente língua úmida lhe acariciou a carne e os dentes a morderam, enviando setas de fogo diretamente para seu útero. O prazer misturado à dor foi tão grande que ela se agarrou à cabeça dele com um gemido. Alguns longos, segundos depois, ele ergueu o olhar para o dela e descuidadamente desceu o vestido até seus pés e a ajudou a sair da poça de tecido. Enquanto Natalie tirava, trêmula, os sapatos, ele a manteve firme segurando-a pelos quadris. Quando terminou, ele lhe desabotoou o sutiã e o deixou cair no chão. — Sabe como é linda? É uma deusa. — O olhar lhe percorria o corpo com um brilho de apreciação. — Tão linda que me causa dor olhar para você. Cada palavra que dizia era verdadeira. Natalie tinha o mais refinado contorno, realçado por uma cintura impossivelmente fina e quadris que se abriam gentilmente. E, com a cascata de cabelo brilhante lhe descendo sobre os seios firmes, ela o lembrava de novo das pinturas das figuras mitológicas de Atenas e Andrômeda. Sua tentativa de fazer as pazes com o pai fora um total fracasso, mas estar ali com Natalie daquela maneira, realizando a fantasia que o atormentava desde que a vira no trem para Londres, o ajudaria muito a esquecer aquela dor. Seus luminosos olhos cinzentos se abriram quando ele se abaixou para colocar um braço sob suas coxas e o outro sob suas costas. A textura da pele suave e perfeita era como o mais macio dos veludos e a experiência de segurar seu corpo seminu nos braços foi um dos maiores prazeres que Ludo já experimentara. Com o cabelo luxuriante lhe roçando o braço e o cheiro dela lhe invadindo os sentidos, era uma mulher que certamente despertava as mais loucas fantasias sexuais. Mas não era apenas a aparência de Natalie que o atraía mais do que qualquer outra mulher já conseguira. Havia uma aura de inocência nela que a tornava totalmente irresistível, depois das duras mulheres de negócios, modelos e cavadoras de ouro com quem tivera encontros. Soubera que seus pais a amariam. Como não poderiam? Era exatamente o tipo de garota que eles sempre esperaram que ele conhecesse. E, sob seu desejo, sob a esperança à qual não ousava dar um nome, havia aquela irritante sensação de ciúme de qualquer outro homem com quem ela já tinha sido íntima. Teriam eles percebido na ocasião que tesouro havia conquistado? Afastou a onda de ciúme e deitou Natalie com gentileza sobre a colcha de seda. E então ficou em pé ao lado da cama, deliciando-se com a visão de sua beleza, da delicadeza de seu corpo. Ela retribuiu o cumprimento deixando seu olhar passar avidamente por ele. A fome nos olhos dela era inquestionável e, Ludo ficou ainda mais rijo. Natalie prendeu a respiração. Os bíceps bem definidos sob a pele naturalmente
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bronzeada de Ludo intensificaram o desejo que havia se construído nela durante todo o dia. Subitamente, sentiu-se impaciente para que ele se juntasse a ela, para que pudesse conhecer em primeira mão o poder cru que seu corpo forte exalava sem esforço. O homem era a tentação personificada e mais uma vez ficou impressionada ao ver como era belo, como suas proporções eram perfeitas. Quando seu olhar se encontrou com a profundeza daqueles olhos de safira mais uma vez, ele lhe dirigiu um sorriso brilhante e conhecedor e se deixou cair ao lado dela na cama. A necessidade de conversar desapareceu completamente e ele se moveu sobre ela, montando-lhe os quadris com as coxas longas e fortes. Quando se sentou sobre os calcanhares para tirar a calça, a capacidade dela de pensar sumiu. Tudo o que Natalie sabia era que queria Ludo tanto quanto ele a queria, se não mais. No entanto, fechou os olhos por um momento quando ele tirou a calça e a boxer de seda azul simplesmente porque não conseguia controlar a ansiedade de não ser capaz de lhe dar tanto prazer como um homem de sua experiência deveria esperar dela. Como poderia, quando nunca fizera aquilo? Ficaria furioso com ela quando descobrisse? Há muito percebera que pertencia a uma minoria de mulheres que ainda eram virgens aos 24 anos. Mas seus temores evaporaram imediatamente no instante em que Ludo lhe tocou os lábios com os dele. Os beijos deliciosos e hábeis do homem eram de matar. Quando correspondeu ansiosamente, sua falta de experiência pareceu não importar mais. Passou os braços pelo pescoço forte e se entregou ao abraço apaixonado de todo o coração e não ficou tensa quando ele enlaçou as laterais de sua calcinha de renda com os dedos e a desceu. As únicas sensações que a percorreram eram a excitação e a luxúria e, quando ele voltou a lhe reclamar a boca num beijo ávido, Natalie lhe contornou o corpo com as pernas longas. Tudo lhe parecia tão certo e natural. — Deixe-me amar você — pediu ele num sussurro baixo junto a sua orelha. Com as mãos nos ombros dele, ela lhe deu um sorriso trêmulo. — Não há nada que eu queira mais. Em algum momento, ele havia tirado um preservativo do bolso da calça e brevemente se sentou nos calcanhares para colocar a proteção. Mas não antes que Natalie se permitisse um olhar curioso. Com um suspiro de contentamento, ela se recostou nos travesseiros de seda e se preparou para recebê-lo. Ela mordeu o lábio com força à primeira invasão ansiosa e não conseguiu esconder um suspiro de dor. Mas quando o corpo musculoso de Ludo subitamente se tornou imóvel em surpresa, puxou-o contra ela para encorajá-lo a continuar e o beijou. Haveria tempo para aquela discussão constrangedora mais tarde, pensou. No momento, tudo o que Natalie queria era que o homem que lhe roubara o coração fizesse amor com ela. Sabia agora que era verdade. Amava aquele homem que, aparentemente, tinha tudo o que denunciava o sucesso no mundo, riqueza, propriedades, uma capacidade de negociação sem rival e uma aparência maravilhosa. Mas, na verdade, refletiu, era evidente que não tinha aquilo pelo que mais ansiava; aquilo que desejava acima de tudo, aquilo que todas as pessoas queriam. Amor incondicional e aceitação. Da família, dos amigos e colegas e, no momento certo, da mulher por quem se apaixonaria. Embora seu coração apertasse ao pensar naquela última parte, Natalie soube que não negaria nada a seu amante. Não agora, quando lhe entregara seu presente mais precioso. Ludo a invadia cada vez mais profundamente, os dedos enlaçados aos dela quando começaram a se mover como um corpo só, a respiração se tornando cada vez mais difícil enquanto sucumbia totalmente à paixão que o pressionava tanto a buscar alívio. A onda de calor que havia consumido Natalie desde o momento em que entrara no quarto dele estava agora em seu ponto mais alto e seu poder era como o de um mar furioso onde se afogava, levando-a para um lugar de onde não haveria volta.
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Ludo a puxou para os braços quando se deitou ao lado dela e sentiu a mente pesar com as perguntas que precisava fazer. Mas estava gasto e precisa recuperar o fôlego. Depois de alguns minutos, com o coração batendo com força, ele enrolou um cacho de cabelo de Natalie e conseguiu falar. — Por que não me contou que esta seria sua primeira vez? Natalie ergueu os grandes olhos cinzentos para ele e o observou por algum tempo. — Você faria amor comigo se eu contasse? — Você é irresistível demais, não conseguiria me controlar. Mas teria sido um pouco mais gentil, teria mais consideração por sua inexperiência. — Adorei você ter sido tão apaixonado, Ludo. Posso não ter experiência, mas tenho desejos, exatamente como você. O coração dele se tranqüilizou um pouco, mas ainda estava confuso com sua reação franca. Confuso e encantado. Jamais conhecera uma mulher como ela. — O que a fez esperar tanto tempo para se entregar a um homem? Ela ruborizou e, porque era tão adorável, Ludo a beijou de leve na testa. — Minha mãe sempre me disse que esperasse até o momento ser certo, até eu ter certeza de que o homem a quem daria minha virgindade a merecia. Bem, hoje eu soube que o momento era certo e o homem mais do que merecia. — Compreende o que fez; meu anjo? — O que quer dizer? O que eu fiz? — Você me fez querê-la de novo. — Com um sorriso malicioso, Ludo a puxou para cima dele e a penetrou, orgulhoso e contente por ela lhe envolver a ereção como a mais refinada das luvas de cetim. — E, desta vez, vou tomá-la com a mesma paixão, mas tentarei fazer tudo mais devagar, vou saboreá-la mais e levar você a experimentar o prazer maior. O longo cabelo de Natalie cascateou sobre os seios nus e seus lindos olhos cresceram. — Como lições de amor, você quer dizer? Com uma risada profunda na garganta de puro deleite, ele a impediu de falar ao lhe capturar a boca num longo, sexy e amoroso beijo.
CAPÍTULO ONZE
À tarde na casa dos pais não correra tão bem como ele havia esperado, mas o final do dia tinha sido um dos momentos mais maravilhosos de sua vida. Natalie assombrava Ludo. Aquele ar de inocência que sentira nela desde o começo se provara correto. Mas ficou atônito com a extensão de sua inocência. Mais ainda, com o fato de que entregara voluntariamente aquela inocência a ele. Apesar da discussão perturbadora com o pai, estava andando no ar, e decidiu levar sua amante para jantar fora. Não se importava mais que os nativos o vissem e soubessem que havia voltado ou se fazia julgamentos pouco lisonjeiros sobre ele. Era estranho, mas com Natalie á seu lado Ludo se sentia capaz de lidar com absolutamente tudo... Até mesmo com a dolorosa certeza de que jamais teria o amor e o respeito do pai. Seu restaurante favorito da cidade, que se debruçava sobre a baía iluminada pela lua, fervia de turistas e nativos naquela noite e, assim que ele e Natalie entraram, cabeças se viraram para observá-los. Decidindo que o motivo era a beleza de sua parceira, num 60
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vestido cor de menta e um xale creme de caxemira que lhe envolvia os ombros, Ludo sentiu uma onda forte de orgulho. — Kopiaste, bem-vindos. Entrem e se juntem a nós. — Cumprimentou o maitre d’ com um sorriso. Acostumado a conseguir uma mesa onde quer que fosse sem reservar antes, Ludo decidiu não ir a outro lugar quando lhe disseram que estavam com a casa lotada, mas que providenciaram logo uma mesa para ele e sua linda companheira. Sorrindo, manteve a mão de Natalie na dele e esperou com paciência enquanto uma mesa, extra, era preparada num dos espaços mais atraentes do local. O amistoso maitre d’, membro de uma família que Ludo conhecia desde sempre, atendeu-lhes pessoalmente e por sua ordem um garçom e uma garçonete levaram entradas apetitosas de mezes e cálices de ouzo como um cumprimento da casa para celebrar seu retorno. Mas, embora todos se comportassem de modo impecável, Ludo podia ver em seus olhos que tinham dificuldade de controlar a curiosidade. Havia lido as especulações na imprensa grega três anos antes sobre os motivos pelo qual havia deixado o país tão depressa depois do funeral do irmão. E o quadro que pintaram dele não havia sido muito lisonjeiro. — Todos parecem tão contentes, por ver você, — comentou Natalie, os olhos cinzentos brilhando. — É claro. O dinheiro fala. — Por favor, não seja cínico. Não esta noite. Estou me sentindo tão feliz e quero continuar assim, pelo menos até o fim da noite. Ele estendeu a mão para a dela, pequena e elegante, e teve vontade de morder a língua por ter levado aquela expressão ferida a seus olhos. — Temo que meu cinismo sobre as pessoas tenha se tornado um hábito. Mas isso não significa que não pode mudar. — E sorriu. — Não, não significa. — Natalie lhe ergueu a mão e roçou os lábios nos dedos. — Você é uma mulher perigosa, Natalie Carr. — A voz se tornou deliberadamente mais baixa. — Um beijinho e uma expressão de aprovação, nesses seus encantadores olhos cinzentos e, eu me desmancho. Agora, tudo o que realmente quero fazer é levar você para casa e lhe dar mais algumas lições de amor. O rosto lindo ruborizou; exatamente como Ludo soubera que aconteceria. — Bem. Sei que tenho muito a aprender. Mas, por mais tentador que seja; realmente preciso comer antes. O que você recomenda? Ele nem mesmo se deu ao trabalho de olhar o cardápio sobre a mesa. Conhecia-o de cor. Houve muitas ocasiões no passado em que ele e seu irmão Theo jantaram lá. Deliberadamente, afastou a lembrança dolorosa para se concentrar em Natalie. — Deixe comigo. — Sorriu e fez um sinal para o maitre d’, que esperava para receber seu pedido. Naquela noite, Natalie adormeceu nos braços de Ludo, com o doce perfume de jasmim entrando pelas janelas abertas do quarto. Parecia que tudo o que estava acontecendo adquiria as características mágicas de um sonho e ela queria que a vida pudesse continuar assim para sempre. Quando acordou na manhã seguinte, com a cabeça no peito de Ludo, Natalie passou alguns minutos apenas sentindo seu cheiro único e observando as feições bonitas que pareciam mais tranqüilas e vulneráveis do que quando estava acordado. Não havia nada remotamente ameaçador ou pouco confiável nele, concluiu. Tinha um bom coração. Por que o pai dele não conseguia ver? Recusava-se a acreditar que sua percepção dele era influenciada porque apenas via o lado bom de Ludo e porque estava totalmente apaixonada por ele. Sentiu-se de repente tão leve e livre ao admitir seu amor por Ludo que lhe deu um
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beijo leve no queixo e lamentou ter que sair da cama. Deixou que continuasse a dormir, voltou a seu quarto, tomou um banho e vestiu um jeans azul e uma camiseta branca, então desceu em busca de café e do delicioso pão grego. Fazer amor certamente lhe dava apetite, pensou. Estava morrendo de fome! Tomava sua segunda xícara de café, cortesia de Allena, quando Ludo chegou ao pátio à procura dela. Ele também usava jeans, mas com uma camiseta azul que enfatizava o tom maravilhoso do azul de seus olhos incríveis. Ela percebeu que ele não fizera a barba, que lhe sombreava a parte inferior do rosto. Não havia dúvida de que aquilo combinava com ele. Quanto menos arrumado, mais perigoso e sexy parecia, decidiu Natalie, os mamilos formigando com as lembranças deliciosas do amor ardente da noite anterior. — Bom dia — disse, sorrindo para ele, as mãos curvadas na xícara de café. — Kalimera. — Deu a volta à mesa e, com um sorriso, lhe tirou a xícara de café e a colocou sobre a mesa. Então a ergueu com gentileza firme. — Fiquei preocupado quando acordei e não a encontrei. — Puxou-lhe o corpo para o dele. — Não precisava. Apenas desci para uma xícara de café e pão. Meu apetite é grande pela manhã. — Mesmo? Então por que me deixou? Eu lhe teria matado a fome se ficasse na cama comigo. Sentindo-se como se estivesse à beira de um abismo e prestes a cair, Natalie mergulhou os dedos na cintura estreita de Ludo como se sua vida dependesse disso. — Você é um menino muito, muito mau — disse suavemente, incapaz de esconder o leve tremor da voz. Ele ergueu uma sobrancelha, divertido. — Se sou mal é porque você sempre me tenta; Srta. Carr. Prometa que jamais deixará de ser a única tentação à qual não consigo resistir. E então a beijou com força, angulando-lhe o queixo para aprofundar ainda mais o contato escaldante. Natalie ficou tonta de desejo e anseio por ele. O sangue engrossou e correu devagar nas veias, como se estivesse em fogo. Quando Ludo lhe tomou um seio sob a camiseta, ela desejou de todo o coração ter permanecido na cama com ele aquela manhã em vez de deixá-lo para tomar café. — Com licença, Sr. Petrakis, seu pai está aqui e quer vê-lo. A voz ligeiramente nervosa, mas respeitosa de Allena fez os dois se virarem de repente em choque e surpresa. O rosto de Ludo empalideceu. Com um pedido silencioso de desculpas nos olhos azuis, ele se afastou de Natalie e se aproximou da governanta. — Onde ele está? Allena lhe disse que o levara para a sala de estar e lhe oferecera um café. — Diga-lhe que estarei com ele num minuto. Quando Allena voltou, Natalie se aproximou de Ludo e instintivamente lhe tomou a mão. Ele se encolheu, como se acordado de repente de um sonho. Era fácil perceber que aquela visita inesperada do pai o atingira com força e ela se perguntou o que ele estava pensando. — Você está bem? — Não. — Libertou a mão da dela e passou os dedos pelos cabelos dourados já despenteado. — O que quer que queira me dizer, não pode ser bom. — Você não sabe. Por que não vai falar com ele, saber o que quer, em vez de ficar aqui se preocupando? Ele franziu a testa, já lhe dando as costas. — Já disse, o que quer que queira me dizer, não pode ser bom. Nunca é. Termine seu café, Natalie. Devo voltar logo. Ela o observou sair, a postura de um homem prestes a enfrentar um esquadrão de fuzilamento, e rezou silenciosamente para que o que quer que Alekos Petrakis; tenha a
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dizer ao filho, não o fizesse se desprezar mais do que já se desprezava em relação aos trágicos acontecimentos de três anos atrás. Quando Ludo entrou na sala, viu que Alekos estava de costas e segurava na mão um longo fio de contas alaranjadas de mármore, conhecido como komboloi, e que lhe tinha sido dado pelo próprio pai quando era jovem. A visão o fez se imobilizar por um momento. A última vez que o vira usar aquele instrumento de conforto tinha sido no funeral do irmão. Inalando o ar com força para se acalmar, anunciou sua chegada. — Oi, pai. Queria me ver? Alekos guardou rapidamente as contas no bolso do paletó do terno imaculado e se virou. Mais uma vez Ludo ficou chocado ao ver as linhas profundas de preocupação no rosto envelhecido. — Ludovic. Não estava prestes a sair, espero? — Não imediatamente, não. Ludo realmente pretendia sair com Natalie, mas não faria mal atrasar um pouco. — Ótimo. Podemos nos sentar? Acredito que sua excelente governanta vai nos trazer um café. Atravessaram a sala e se sentaram em duas poltronas luxuosas com uma pequena mesa entalhada de mogno entre elas. Quase imediatamente Allena surgiu com uma bandeja de café e um prato de pequenas baklavas. Ludo agradeceu e se debruçou para entregar ao pai uma xícara de café. Foi um gesto simples, corriqueiro, mas de alguma forma parecia ter um significado maior do que ele percebia. Alekos adoçou a bebida com uma generosa colher de açúcar. — Onde está sua adorável noiva? — Esperando por mim no pátio. — Por mais que me agrade tê-la aqui conosco, acho que é melhor que esteja ausente. Pelo menos até termos um tempo particular juntos, você concorda? Intrigado por seu pai até mesmo considerar sua opinião, Ludo deu de ombros. — Concordo. Não quero que ela participe de nossa conversa se as coisas vão se tornar desagradáveis. Alekos Petrakis sacudiu a cabeça gravemente, como se não pudesse acreditar no que havia acabado de ouvir. — Sou um ogro tão terrível que você automaticamente espera que as coisas se tornem desagradável entre nós? Se esperar, então tudo o que posso dizer é que lamento muito. Atônito, Ludo ficou e silêncio e o observou enxugar a lágrima que escorreu pelo rosto bronzeado e enrugado. Nunca tinha visto o pai chorar ou ser sentimental de qualquer forma. O que diabo estava acontecendo? — É melhor me dizer logo o que quer; pai. Tenho certeza de que deve ter um motivo particular para vir aqui hoje. Alekos Petrakis colocou a xícara sobre a mesa, suspirou pesadamente e juntou as mãos no colo. — Vim aqui para lhe dizer que o amo, meu filho. E para expressar meu profundo arrependimento por você não saber disto por toda a sua vida. Sua mãe e eu tivemos uma longa conversa ontem à noite depois de sua visita e ela me fez compreender como tenho sido idiota e teimoso, como tenho sido cego sobre você. Foi o medo que me fez agir assim. O medo de perdê-lo. Com a boca seca, Ludo o observou intensamente. — O que quer dizer, medo de me perder? Os olhos escuros de Alekos encontraram os dele e se fixaram lá. — Nunca lhe contamos, mas você nasceu prematuro e quase o perdemos. Os médicos trabalharam dia e noite para salvar sua vida. Um dia as esperanças de que você sobreviveria eram grandes, no outro. — interrompeu-se, incapaz de continuar. — No outro
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nos preparávamos para enterrá-lo. Os médicos nos disseram que, mesmo se vivesse, jamais seria forte e saudável. Quando você melhorou e o levamos para casa, sua pobre mãe cuidava de você dia e noite como um falcão, e eu, de alguma forma, me convenci que era culpa minha você ser tão frágil, que minha semente era ruim. Que outro motivo haveria? Theo era grande e forte, por que você não era? — Alekos se levantou e tirou um lenço do bolso para limpar a testa. — Minha lógica foi ridícula, compreendo agora. Sua mãe sempre me disse que Theo podia ser grande e forte, mas que você, você era o bonito e inteligente. Gostaria de ter compreendido isso quando você era um menino, Ludovic, porque sua mãe estava totalmente certa. Mas seja você bonito e inteligente ou grande e forte, não importa. O que importa é que saiba que tenho orgulho de você e o amo tão profundamente como amava seu querido irmão. Pode perdoar um velho muito idiota pela estupidez do passado e lhe dar a oportunidade de construir um relacionamento mais feliz com seu filho amado no futuro? Já de pé, Ludo contornou a mesa a abraçou o pai com força. Era como se uma represa, que impedira o fluxo de suas emoções durante toda a vida, tivesse sido derrubada e o alívio que sentiu ô fez perceber que agora podia respirar livremente. — Não há nada a perdoar, pai. Eu também cometi um erro muito grave ao pensar que não gostava de mim tanto quanto do meu irmão. Também sou teimoso e acredito que estou certo quando estou errado e não mudo de opinião. Arrependo-me profundamente de ter me afastado depois da morte de Theo. Tinha me convencido de que você não tinha tempo para mim, que minhas conquistas não eram tão valiosas, não mereciam tanto respeito como as dele e que se ficasse seria como passar sal no ferimento provocado pela perda dele. — Theo ficaria muito zangado conosco por sermos tão teimosos e por perdermos tanto tempo nos isolando um do outro, não? Sorrindo, Ludo se afastou um pouco e deu uma palmada carinhosa nas costas do pai. — Ficaria com certeza. Mas também se sentiria feliz por termos feito as pazes. Assim como minha mãe, quando lhe contar. Nada me faria mais feliz do que saber que ela se sente mais tranqüila sobre o nosso relacionamento. — Tenho uma pergunta a lhe fazer. — O que é? — Velhos hábitos demoram a desaparecer e Ludo ficou um pouco tenso, temendo a pergunta. — Queria lhe perguntar sobre Margaritari, sua ilha. O que pretende fazer com ela agora? Há muito tempo que ninguém vai lá e é uma pena deixar um lugar tão lindo sem uso, quando pode dar tanto prazer às pessoas. E não deve deixar que o que aconteceu a Theo destrua seu prazer nela, Ludo. — Admito que tenha sentido falta da ilha. Não há lugar nenhum parecido com ela no planeta. Quando a visitávamos na infância, Theo e eu sabíamos que era especial. Foi por isso que, assim que a oportunidade surgiu, eu a comprei. O pai pareceu pensativo. — Então vá e a visite de novo. Leve Natalie e crie algumas lembranças felizes lá para compensar as tristes. Pelo que vale meu filho, acho realmente que deve seguir meu conselho. Ludo pensou também que devia. Mas primeiro havia uma coisa mais importante que precisava fazer; uma coisa que envolvia a compra de um anel de noivado. Como se lesse sua mente, Alekos passou o braço pelos ombros dele. — Agora, vamos encontrar sua linda noiva. Quero garantir a ela que não há mais nenhum sentimento negativo entre nós. Também quero lhe dizer que estou orgulhoso de meu filho ter sido guiado por seu coração e não sua cabeça na escolha de uma mulher tão adorável para ser sua esposa. Vocês não iam comprar um anel de noivado hoje? Ludo respondeu sem um segundo de hesitação.
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— Nós íamos, nós vamos. — Bom. Então vamos nos encontrar esta noite para que sua mãe e eu vejamos o anel e depois sairemos para jantar e comemorar. Natalie ficou maravilhada quando Ludo surgiu com o pai e eles lhe disseram que todas as antigas tensões e rancores entre eles não existiam mais. Depois da revelação de que os dois homens agora estavam dispostos a perdoar e esquecer, ela descobriu ainda, durante o café com baklava, que Alekos Petrakis tinha um senso de humor malicioso enquanto a divertia com histórias reveladoras sobre sua infância e juventude e suas aventuras. — Nem sempre fui o pilar da sociedade que vê agora! — confessou, rindo. Mas, mesmo enquanto se divertia com suas brincadeiras e histórias, Natalie se sentia um pouco angustiada. Era evidente que Alekos a considerava a noiva legítima do filho e não conseguia se impedir de se sentir magoada por não ser verdade. Como ele e sua encantadora Eva reagiriam quando descobrissem que o noivado com Ludo era apenas uma farsa? Que assim que deixasse a Grécia voltaria a trabalhar na pensão com sua mãe e nunca mais veria seu carismático filho, mesmo que em segredo o amasse com todo o coração? Quando Alekos se despediu, fazendo-os prometer que iriam a casa dele à noite para mostrar o anel de noivado que haviam escolhido e depois os dois casais sairiam para jantar, Natalie se sentiu quase doente de culpa e tristeza. Em total contraste com a tristeza dela, Ludo se mostrava relaxado e feliz. — Pode fazer uma coisa para mim? — Puxou-a para os braços quando voltaram para dentro de casa depois de acompanharem o pai dele até o carro. Os nervos de Natalie ficaram tensos e sua boca secou. O olhar era cauteloso. — O que é? Os olhos azuis brilharam, como se nada houvesse de errado ou pudesse haver. — Quero que suba e encontre alguma coisa linda para vestir. Talvez aquele adorável vestido que usou na nossa primeira noite aqui? Gostaria de tirar algumas fotos de nós dois juntos quando comprarmos o anel de noivado. Ela o observou e piscou. — Não acha que esta farsa já foi longe demais, Ludo? — Não sei o que quer dizer. — Está dizendo honestamente que quer manter o fingimento de que estamos noivos? Vai partir o coração do seu pai quando ele souber que não é verdade e eu realmente não quero ser responsável por isso. É um bom homem e vocês acabaram de fazer as pazes depois de passarem anos mal se falando. Como acha que ele vai se sentir quando descobrir que o esteve fazendo de idiota? As mãos dele se afastaram do corpo dela como se tivesse sido mortalmente atingido e Ludo lhe lançou um olhar que anunciava a tempestade prestes a cair sobre Natalie. — De novo, preciso lhe perguntar se esqueceu o acordo que fizemos antes de vir para cá. O coração batendo com força e dolorosamente, Natalie balançou a cabeça com tristeza. — Não esqueci nada, Ludo, nem mesmo que lhe dei minha palavra que fingiria ser sua noiva até que as coisas se tornassem difíceis demais ou insuportáveis. Tenho que lhe dizer que foi isso que se tornaram. Insuportáveis. Com a cabeça erguida e o coração cheio de uma dor insuportável, ela se dirigiu para a escada sem lhe dar nem mais um olhar.
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CAPÍTULO DOZE
A porta do quarto foi aberta com violência no momento em que Natalie jogava a mala sobre a cama para fazê-la. Levou a mão ao rosto para enxugar depressa as lágrimas escaldantes que lhe nublavam a visão e se virou para enfrentar Ludo em pé no umbral, com os braços cruzados sobre o peito e um sorriso sarcástico nos lábios. Ficou imediatamente furiosa. — Não consigo acreditar que está achando a situação divertida! O fato de estar me diz que você não é o homem que pensava que fosse. — Não estou nem um pouco contente. Tudo, menos isso. — Então por que está sorrindo? Apesar da aparência hostil, o coração de Natalie estava se partindo de tristeza. Tudo o que queria fazer no momento era entrar no próximo avião para voltar à Inglaterra e passar algum tempo tranqüilo refletindo sobre o que poderia fazer para não ser tão ingênua de novo. Ludo começou a andar lentamente pelo quarto em direção a ela. Quando chegou a menos de meio metro, Natalie sentiu seu cheiro familiar e sensual e suas entranhas revolveram. Como poderia aceitar que nunca mais o veria? Seus sentimentos por ele não eram passageiros, vivos hoje e mortos no dia seguinte. Ela o amava, era louca por ele, apesar de ele estar usando-a como um instrumento para atingir seus objetivos. Não importava que tivesse feito um acordo com ela ou que cumprira sua parte da barganha, descobria agora que não conseguiria fazer a dela. Como poderia, se até mesmo pensar sobre uma noção tão dolorosa se tornara subitamente impossível? — Você estava chorando. Havia uma expressão nos olhos dele que momentaneamente lhe tirou a capacidade de respirar. — Sim, estava chorando. — Fungou e tirou um lenço de papel amarrotado do bolso do jeans e assuou o nariz. — Por quê? — Não consegue adivinhar? Estou chorando porque estava certo, Ludo. Está me partindo o coração deixar você. Também não quero deixar a Grécia. Não queria voltar para casa tão depressa, mas agora preciso. Pensei que poderia fazer isso, mas não posso; não depois de descobrir como é importante para sua mãe você ter encontrado alguém especial e ter ficado noivo e depois de ouvir seu pai hoje e ver como ele o ama. Não posso fazer isso porque não sou mercenária e não gosto de magoar as pessoas. Se quiser me processar por não cumprir o acordo, vá em frente. Não há nada que eu possa fazer. — Você disse que me deixar lhe parte o coração. É verdade? Ludo parecia incrédulo, mas se aproximou um pouco mais e sorriu. Sentindo o calor lhe cobrir o rosto, Natalie engoliu com força e o olhou nos olhos. — Sim. Não quero colocar você numa posição embaraçosa, mas é verdade. — Como me dizer uma coisa tão inacreditável poderia me colocar numa posição embaraçosa? — Não quero que sinta que precisa fazer qualquer coisa sobre isso. Já é muito ruim que pessoas vão ser magoadas porque não serei capaz de cumprir minha parte do acordo. — Você quer dizer meus pais? — Agora sua expressão era séria. — É claro que me refiro a seus pais. — E quanto a mim, Natalie? Não acha que posso ficar magoado se você não 66
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cumprir sua parte do acordo e concordar em ser minha noiva? — Você quer dizer se eu não fingir mais ser sua noiva. — Não quero mais que finja. Ele se aproximou ainda mais, tão perto que o hálito quente e limpo lhe roçou o rosto. Cada plano e ângulo do belo rosto; era tão querido por ela que seu coração doeu ainda mais porque, depois daquele dia, talvez nunca mais os visse. Então, de repente, registrou o que ele havia acabado de dizer e ficou rija de choque. — O que você disse? — Disse que não quero mais que finja ser minha noiva. Quero que sejamos noivos de verdade. — Está brincando! — Não, não estou. Quero que fiquemos noivos oficialmente e nos casemos num futuro próximo. Estou falando muito seriamente. E, quando terminou de falar, tomou o rosto de Natalie ternamente entre as mãos e desceu os lábios apaixonadamente sobre os dela. Não havia nada que ela pudesse fazer a não ser corresponder com a mesma paixão. As lições de amor que ele lhe dera a tornaram viciada no toque dele, nos beijos lentos e tantalizantes que a deixavam tão fraca de desejo que nem conseguia pensar, nem mesmo se lembrava do próprio nome quando ele fazia amor com ela. Estava tão feliz por ter os braços dele em torno de seu corpo que, quando finalmente a soltou, ela poderia ter caído. — Isso não é algum tipo de brincadeira boba, é? — A voz era rouca enquanto os olhos cinzentos mergulhavam no mar azul incandescente dos dele, que jamais deixavam de hipnotizá-la. — Não. Não é uma brincadeira. Nunca poderia ser tão cruel. Cada palavra que disse é verdadeira. Não quero um noivado de mentira, Natalie, quero um de verdade. Assim não há mais necessidade de você se preocupar por enganar meus pais. Eu quero que você seja minha esposa, agape mou. Quando lhe comprar um anel de noivado hoje, quero que seja real. — Mas por que faria isso? — Precisa mesmo perguntar? Ainda não percebeu? — Ele soltou a respiração, a expressão cautelosa, então sorriu e os olhos calorosos mergulharam-nos dela. — Amo você, Natalie. Amo você com todo o meu coração e a minha alma e não suporto nem a idéia de viver sem você. É por isso que quero me casar com você. Por alguns segundos, sua declaração apaixonada a deixou sem palavras. Então, recuperando a capacidade de pensar, ela lhe tocou o rosto com a palma da mão e lhe sorriu de volta. — Amo você também, Ludo. Nem pensaria em me casar com você se não amasse. Você invadiu minha vida como um tornado e virou de cabeça para baixo tudo o que sabia sobre mim mesma e tudo o que achava que queria. Sei que posso parecer ridícula, mas tinha quase me resignado a passar o resto da minha solteira. Eu não podia me imaginar me casando com qualquer homem a não ser por amor verdadeiro. — É isso que eu também pensava. Ansiava por encontrar alguém real e verdadeira que seria minha amiga, minha companheira e minha amante. A idéia de que uma mulher pudesse se casar comigo apenas pelo meu dinheiro era um temor constante. — Jamais me casaria com você pelo seu dinheiro, Ludo. — Natalie franziu a testa. — Sou uma garota antiquada que acredita que há alguém para todos, que, quando duas pessoas se amam, é porque está escrito nas estrelas. — Tornou-se muito consciente de si mesma e o rosto enrubesceu. — E acredito que aquele dia em que nos conhecemos no trem e você pagou minha passagem estava escrito nas estrelas. Especialmente quando descobri que era você o homem que compraria o negócio do meu pai! As pessoas às vezes não me compreendem porque tenho um lado muito pragmático, mas precisei ter. Quando meu pai nos deixou, tive que ser um apoio e uma amiga para minha mãe, além
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de ajudá-la a criar a pensão e administrá-la para que tivéssemos uma renda. Mas ainda sou uma romântica incurável. De qualquer forma, aprendi cedo, pelo que aconteceu a meus pais, que o dinheiro não é garantia de felicidade para sempre. Não a menos que o amor de um pelo outro seja mais importante do que qualquer coisa material. Ludo lhe ergueu o queixo e lhe deu um beijo rápido e faminto. Quando ergueu a cabeça para avaliar a reação dela, pareceu deliciado ao vê-la ruborizando de novo. — Eu lhe disse uma vez que tem uma voz muito sexy, lembra-se? E, por mais que adore ouvi-la, glykia mou; temos um encontro especial na joalheria do meu amigo em Lindos. Ele vai fechar a loja à tarde para termos tempo de escolher um anel. É o melhor designer do país e vai criar para você um anel muito refinado. Isso pode levar algumas semanas e precisaremos esperar, mas minha intenção é lhe comprar um lindo anel hoje para que o mundo inteiro saiba que vamos nos casar. Sendo assim, devemos sair agora. — Isso parece caro demais, Ludo. Certamente só um anel será suficiente? Ele lhe roubou outro beijo. — Você é diferente de qualquer mulher dos círculos sociais que freqüento meu amor. Elas ficam de olho para encontrar um homem que possa mantê-las no estilo de vida que acham que merecem e não ligam muito se é um homem bom ou mesmo se gostam dele, desde que seja rico. Mas sei que você, Natalie, me ama pelo que sou e não pelas coisas materiais que posso comprar. Assim, gostaria que me desse, permissão para fazer o que quero hoje. — Se significa tanto para você, então está bem. — Ótimo. — Ludo, eu posso lhe fazer uma pergunta? Sobre uma coisa da qual não falamos ainda? As mãos descansando de leve nos quadris de Natalie, ele acenou brevemente, cauteloso. — O que é? Como não era um assunto fácil para ela e estava já temendo a resposta, Natalie fez uma pequena careta. — Você teve... Teve muitas amantes antes de mim? — Não. Não muitas. Para ser exato; bem poucas. E nenhuma delas deixou lembranças. Não eram exatamente boas escolhas. Mas não quero lembrar meu passado, Natalie — suspirou. — Estou muito mais interessado no que está acontecendo agora e na adorável mulher que está aqui diante de mim. A mulher que realizou o milagre de me dizer que me ama e que me deixar lhe partiria o coração. — É verdade. — Foi à vez dela de lhe beijar suavemente o rosto. — Ela realmente o ama, Ludo, de todo o coração. E se você quer mesmo fotos nossas para marcar o dia do nosso noivado, vou usar aquele vestido de que você gosta tanto e arrumar o cabelo. — Natalie? — Sim? — Você se importa de se vestir no banheiro em vez de ficar aqui? Porque, se a vir se despir, eu posso não ser capaz de resistir à tentação de ajudá-la. — E se fizer isso, não iremos à joalheria hoje. — Tem razão. Melhor mantermos o foco. Tenho certeza de que haverá muito tempo depois para as outras coisas em que quero me focar. Com uma expressão audaciosamente lasciva nos olhos de safira que Natalie passou a amar tanto, Ludo a soltou do abraço com relutância, virou-a e lhe deu um pequeno empurrão em direção ao banheiro. Ainda estava rindo quando ela correu e fechou a porta. O ar perfumado era tão hipnótico e maravilhoso como Ludo se lembrava e pulsava com o som de abelhas e cigarras. E não havia o barulho de tráfego, não havia carros na ilha e o único meio de chegar a ela era de barco. Se havia um lugar no mundo onde uma pessoa podia relaxar e escapar do estresse da vida cotidiana era Margaritari.
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Aceitara o conselho do pai e voltara à ilha levando Natalie para criar lembranças mais felizes. Também partilhava da convicção do pai de que se tornaria um homem melhor por tê-la conhecido e se apaixonado por ela e esperava de todo o coração que tivessem um casamento tão longo e feliz como o de Eva e Alekos. Descalço, começou a seguir o arco em forma de lua crescente de areia dourada, observando pensativamente as calmas águas azuis que quebravam na praia e enviou uma oração silenciosa ao universo por sua boa sorte. Havia feito as pazes com o pai e amava a mulher mais bondosa, gentil e linda do mundo. E não se importava se todos soubessem. No momento, Natalie estava no simples, mas elegante chalé de pedra que havia construído para si mesmo conversando ao telefone com o pai dela. Não esquecera que sua tradição cultural exigia que ele pedisse a ele a mão dela em casamento, mas Natalie quis falar antes com Bill Carr em particular e lhe contar porque queria se casar com Ludo. Porque estavam loucamente apaixonados, simplesmente assim. Esperava que o pai dela não tentasse convencê-la a mudar de idéia; acreditando que a estava enganando, que podia desistir de se casar com ela, que não a merecia. Fez um esforço consciente para abandonar o velho hábito de não se considerar tão bom como os outros, parou de andar e ficou imóvel olhando para o mar, para o imenso horizonte que se estendia diante dele. Lembrou-se com tristeza do irmão Theo. Embora tivesse morrido jovem demais e tão tragicamente, de alguma forma Ludo soube que estava contente por ele ter feito as pazes com o pai e encontrado Natalie e se apaixonado por ela. Tinha uma forte sensação de que o amado irmão lhes desejava felicidade. — Ludo! Ele se virou ao som da voz que o empolgava mais do que qualquer outra, o coração batendo com força na antecipação do que ela lhe diria. Esperava que a notícia fosse boa. Natalie corria pela praia em direção a ele, descalça e linda no sarongue verde que lhe comprara no mercado de Lindos, o cabelo longo lhe cobrindo os ombros como uma cascata brilhante. Carregava um pequeno buquê de alfazema e minúsculas rosas silvestres. Quando se aproximou, ele resistiu ao anseio para tomá-la nos braços e lhe dar a oportunidade de recuperar o fôlego. — Ele nos deu sua bênção e você pode ligar quando voltarmos ao chalé. — Os olhos cinzentos brilhavam quando sorriu. — E também mandou lhe dizer que é um homem de sorte, muita sorte. — Ele acha que não sei? — Louco para abraçá-la, Ludo puxou sua futura esposa contra o peito, o cheiro delicioso do pequeno buquê lhe enchendo as narinas. — Então ele nos dá sua bênção e não se importa que você vá se tornar a Sra. Ludo Petrakis? — Desde que seja o que eu quero, está mais do que feliz. Na verdade, vai até a casa de minha mãe amanhã para lhe contar a novidade em pessoa. Aparentemente, ela o convidou para jantar. — Uma pequena ruga se formou na testa de Natalie. — Suponho que é uma coisa boa eles estarem se falando normalmente. De qualquer maneira, meu pai diz que é certo contar a ela, já que nos deu sua bênção. — Ele parece animado. A saúde está melhor? — Muito melhor. Você não tem idéia de como o ajudou quando concordou em pagar aquela soma extra por seus negócios. Disse que está cheio de idéias para uma nova empreitada. Apenas espero que não se entusiasme demais e exagere. — E por que trouxe essas flores para a praia, agape mou? Se quiser admirá-las, crescem por toda parte na ilha, e o jardim está cheio delas. — Eu sei. Foi lá que apanhei estas. Queria fazer uma pequena oração pelo seu irmão e jogá-las no mar numa homenagem a ele. Você se importa? — Se eu me importo? — Ludo balançou a cabeça, maravilhado. — É tão característico de você pensar numa coisa assim. Estou orgulhoso de conhecer você,
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Natalie. E mais orgulhoso ainda porque você logo vai se tornar minha esposa. — Então vamos fazer nossa simples cerimônia. — Olhou amorosamente para os olhos dele, saiu de seus braços e se ajoelhou à beira da água. Ele se ajoelhou ao lado dela. — Vamos nos lembrar de Theo Petrakis. — começou Ludo num murmúrio uma breve oração em grego, que depois repetiu para Natalie em inglês. Quando terminou, fez um gesto para Natalie e ela deixou as flores flutuarem pelo oceano, uma a uma. Estar na ilha era como estar em lua de mel. Todas as noites, depois de fazer amor apaixonadamente com o homem que amava, Natalie adormecia profundamente nos braços dele e cada manhã, logo depois que acordava, ela corria para o mar para um mergulho refrescante nas águas frias e tranqüilas, ainda não aquecidas pelo sol. Então corria de volta para o chalé para tomar o café da manhã com Ludo no terraço. Estavam na ilha havia quase uma semana agora e ele havia perdido aquela expressão cautelosa e cínica que tinha quando se encontraram pela primeira vez. Parecia mais jovem a cada dia que se passava. Até sua testa era menos franzida, como se todas as preocupações tivessem desaparecido. Natalie suspirou contente. Sentado à mesa de vime à sua frente, Ludo abaixou os óculos escuros de aviador e os olhos de safira mais uma vez a maravilharam. — O que foi? — Estava pensando como parece tão mais relaxado do que quando nos conhecemos. Deve ser este lugar. É mágico, não é? — Definitivamente há um toque de paraíso aqui. De vez em quando, quase preciso me beliscar quando me lembro que a ilha é minha. — Endireitou-se na cadeira e passou os dedos pelo cabelo, como se chegasse a uma decisão importante. — Na verdade, é tão parecido com o paraíso que resolvi que não é certo mantê-la apenas para mim, minha família e meus amigos. Andei pensando em construir mais acomodações para que as famílias de crianças doentes nas ilhas em torno possam vir passar aqui umas férias e descansar quando precisarem. É claro que não terão que pagar pelo privilégio. Pensei em criar uma fundação no nome de Theo. O que você acha? — O que eu acho? — O coração de Natalie bateu com força com o orgulho e a antecipação. — Acho que é uma idéia maravilhosa. Posso ajudar você a formá-la? Se não vou mais trabalhar na pensão de minha mãe depois que nos casarmos, gostaria de fazer alguma coisa útil, algo no qual acredito. — É claro que pode ajudar. Isto é, pelo menos até termos nosso primeiro filho. Acredito com firmeza que o lugar de uma mãe é junto dos filhos enquanto crescem; se puder. Como se sente sobre isso, glykia mou? — Concordo totalmente. — Estendeu a mão por cima da mesa e apertou a dele. — Quero estar lá para todos os nossos filhos enquanto crescem. Desde que o pai deles também esteja lá para eles o máximo que for possível. Com o sorriso deliciado, Ludo lhe ergueu a mão, virou-a e plantou um beijo demorado no centro da palma. — Estamos definitivamente de acordo. Você disse todos os nossos filhos? Isso significa ter mais de um ou dois? Natalie sorriu. — Estava pensando em três ou quatro. — E estou pensando que vou ser um homem muito ocupado pelos próximos anos, se você pretende seguir esse tipo de agenda, meu anjo. E, nesse caso, suponho que não há momento melhor do que o presente para começar!
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Fim
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Próximo Lançamento UNIÃO DE SEGREDOS MAYA BLAKE — Signora? A voz hesitante, porém insistente, despertou Ava de seu sono profundo. Momentaneamente desorientada, ela afastou o cabelo castanho-acobreado da testa, contudo o pesadelo — aquele pesadelo — não foi de todo expulso pelo retorno da consciência. — Lamento incomodar, mas signore Di Goia está ao telefone. De novo. A aeromoça, usando um uniforme de seda esmeralda que exibia a insígnia do seu empregador, estendeu o telefone. Ava fitou o aparelho, o mesmo que ela já tivera de atender três vezes desde que o jatinho dos Di Goia decolara de Bali, quase oito horas atrás. Diferentes emoções substituíram sua irritação, dispersando o que restava da ansiedade estimulada pelos sonhos. O restinho de uma sensação de perda, que a perseguia sempre que pensava em Cesare, manifestou-se para se misturar com a empolgação quase impotente que pensar nele despertava... Por alguns segundos, esqueceu-se da devastação de partir o coração que deixara para trás, a presença poderosa do homem do outro lado da linha apossando-se de seus pensamentos. Um homem que, apesar de milhares de quilômetros de distância, era capaz de deixá-la sem fôlego. O homem que, do fundo da alma, ela sabia que estava perdendo com o passar de cada segundo. — Por favor, diga novamente que falarei com ele quando aterrissarmos. Precisava conservar cada vestígio de suas forças para o que tinha pela frente. A aeromoça pareceu confusa. — Mas... Ele insiste. Sem dúvida, jamais encontrara outro ser vivo que se recusasse a cair aos pés de Cesare Di Goia. Ainda mais quando tal ser estava atualmente envolto por um luxo indescritível que mal servia como amostra da grandiosidade surpreendente da experiência Di Goia. Ao redor dela, do couro cor de vinho das poltronas, das mesas de mármore às almofadas de caxemira feitas sob encomenda que adornavam cada poltrona no jatinho que poderia facilmente transportar várias dúzias de passageiros, a riqueza e a influência de Cesare Di Goia era evidente. — Signora? — A aeromoça, nervosa, insistiu. Sentindo-se culpada por sua aflição, Ava pegou o aparelho. — Cesare. Ela prendeu a respiração. — Agora você se digna a atender minhas ligações. — Veio a voz grave. — E por que eu haveria de atender suas ligações, quando tem evitado as minhas por mais de duas semanas? Você me disse que voltaria para Bali semana passada. A facilidade com que ele a irritara a fez apertar com força o telefone. Fora o mesmo pouco caso que ele dedicara ao casamento deles pelo último ano. — Fiquei retido em Abu Dhabi. Foi inevitável. Inevitável. Quanta vez já escutara isso? — Claro que foi. Só isso? Um suspiro irritado veio do outro lado da linha. — Não, não é só isso. Explique-se. — Veio o comando inflexível.
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— Suponho que queira saber por que peguei seu avião? — É. Esse não era o plano. — Eu sei, mas meus planos também mudaram. Foi inevitável — completou-a com uma tranqüilidade que não sentia. — De que modo seus planos mudaram? — Se tivesse se dado o trabalho de atender ao telefone nas últimas duas semanas, eu teria lhe dito. — Nós nos falamos nas últimas duas semanas... — Não, Cesare. Você me ligou duas vezes, as duas para avisar que estava adiando o seu retorno... — Sua voz ameaçou falhar ante a avalanche de lembranças: suas intermináveis ligações para a assistente de Cesare para se certificar de que a agenda do marido fosse mantida livre, indo às compras para adquirir as roupas mais sedutoras e certificando-se de que o chef na luxuosa Villa alugada em Bali preparasse as comidas favoritas dele. Ava planejara tudo até os últimos detalhes... Tudo um esforço para salvarlhes o casamento. Apenas para o tiro sair pela culatra. — De qualquer modo, estou lhe poupando o trabalho de ter de fazer uma viagem demorada, ou de ter de inventar outra desculpa. Adeus, Cesare.
E leia também em Casamentos & Paixão, edição 215 de Harlequin Jessica, Casamento mais do que conveniente, de Dani Collins.
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